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Julho de 2009 • Ano 6 • nº 52 Exemplar do Assinante www.desafios.ipea.gov.br J J J J J J J J J J J J J J J J J J l h h h h d d 2 2 2 2 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 9 9 9 9 A A A A A A A A A A A A 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 º º º º º º º º º º º º º º º 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 J J J J J J J J J J J J J J J J J J J u u u u u u u u u u u u u u u u u u l l l l l l l l l l l l l l l l h h h h h h h h h h h h h h h h h h h o o o o o o o o o o o o o o o o o o d d d d d d d d d d d d d d d d d d d e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 A A A A A A A A A A A A A A A A A A n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n o o o o o o o o o o o o o o o o o 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n º º º º º º º º º º º º º º º º º º 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 d d d d d d d d f f f f f f f f f i b b b b b b b b b b w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w w . . . . . . . . . . . . d d d d d d d d d d d d d d d d d d d d d d d e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s s a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f i i i i i i i i i i i i o o o o o o o o o o o o s s s s s s s s s s . . . . . . i i i i i i i i i i i i i i i i p p p p p p p p p p p p p p p p p e e e e e e e e e e e e e e a a a a a a a a a a a a a a a a a . . . . . g g g g g g g g g g g g g g g g o o o o o o o o o o o o o o o o v v v v v v v v v . . . . . . . . . . b b b b b b b b b b b b b b b b b b b b b r r r r r r r r r r r r ENTREVISTA João Paulo de Almeida Magalhães Crescimento de 4% ao ano é insuficiente. Brasil precisa crescer a 7% para recuperar o atraso e não ficar para trás VIOLÊNCIA Criminalidade resiste à ação do Estado e avança pelo interior. Locais mais violentos registram taxas alarmantes: mais de 100 homicídios por 100 mil habitantes ARRECADAÇÃO Crise derruba receitas, mas governo tem que manter gastos para reativar economia. Com a inflação e dívida pública sob controle, o País tem mais margem de manobra Por que o Brasil não se firma como exportador de produtos intensivos em tecnologia? Exportar commodities é tão ruim assim? A fragilidade das exportações

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J u l h o d e 2 0 0 9 • A n o 6 • n º 5 2

Exemplar do Assinante

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ENTREVISTAJoão Paulo de Almeida Magalhães

Crescimento de 4% ao ano é insuf iciente. Brasil precisa crescer a 7% para recuperar o atraso e não f icar para trás

VIOLÊNCIACriminalidade resiste à ação do Estado e avança pelo interior. Locais mais violentos registram taxas alarmantes: mais de 100 homicídios por 100 mil habitantes

ARRECADAÇÃOCrise derruba receitas, mas governo tem que manter gastos para reativar economia. Com a infl ação e dívida pública sob controle, o País tem mais margem de manobra

Por que o Brasil não se fi rma como exportador de produtos intensivos em tecnologia? Exportar commodities é tão ruim assim?

A fragilidade das exportações

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Carta ao leitor

Ao longo destes quase cinco anos de existência, per-

cebemos, a cada edição da revista Desafi os do Desenvol-

vimento, o crescimento de sua esfera de infl uência; sua

capacidade de gerar debates na sociedade, de trazer à luz

discussões importantes e até mesmo de pautar os assuntos

que serão notícia em outros veículos de mídia.

Tudo isso é possível graças à sua pluralidade de opi-

niões e ao seu compromisso de apresentar as mais variadas

linhas de pensamento sobre o desenvolvimento brasileiro.

Isso é refl exo de seu Conselho Editorial, formado, em sua

maioria, por técnicos de carreira do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea).

Esta premissa faz com que a revista tenha um grupo

heterogêneo de colaboradores, entrevistados e fontes, que

vão do ex-ministro do Trabalho Walter Barelli ao econo-

mista Carlos Lessa; do ex-ministro do Planejamento João

Paulo dos Reis Velloso, à economista Maria da Conceição

Tavares, entre tantos outros profi ssionais e instituições das

mais diversas.

Portanto, é com este enfoque que trazemos em nossa

reportagem de capa a questão das exportações brasileiras.

Que tipo de país exportador somos e que tipo queremos

– ou precisamos – ser? Nesta edição, há também uma en-

trevista com João Paulo de Almeida Magalhães, em que o

professor fala da urgência de o País crescer a taxas maiores.

Ainda trazemos reportagens sobre o avanço da violência

no interior do Brasil e os perigosos resultados do aqueci-

mento global para a agricultura, entre outras.

Boa leitura.

Daniel Castro, diretor-geral da

revista Desafi os do Desenvolvimento

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E

DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,

NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA

ECONÔMICA APLICADA (IPEA).

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A

REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,

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Governo Federal

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da Presidência da República

MINISTRO Daniel Barcelos Vargas (interino)

PRESIDENTE Marcio Pochmann

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DIRETOR-GERAL Daniel CastroCONSELHO EDITORIAL Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido Carlos Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Pérsio Marco Antônio Davison, Douglas Portari, Carlos Sávio G. Teixeira, Júnia Cristina Perez Conceição, Márcio Bruno Ribeiro, Marcello Cavalcanti Barra, Pedro Libânio, Adelina Lapa Nava Rodrigues, Marina Nery e João Cláudio Garcia

Redação

EDITOR-CHEFE Gilson Luiz Euzébio EDITOR DE ARTE Zelito RodriguesBRASÍLIA Ana Carolina de Oliveira, Suelen Menezes, Pedro Barreto e Marcelo Maiolino GOIÂNIA Rubens SantosRIO DE JANEIRO Annie NielsenSÃO PAULO Liliana LavorattiJORNALISTA RESPONSÁVEL Gilson Luiz Euzébio

Colaboradores

FOTOGRAFIA Josemar Gonçalves, Gustavo Granata (Ascom/Ipea), Cesar Duarte ILUSTRAÇÃO Zelito RodriguesFOTO DA CAPA Ilustração sobre imagem

Cartas para a redação

SBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1514 CEP 70076-900 - Brasília, DFdesafi [email protected]

Impressão

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Sumário

6 Giro Ipea

8 Giro

34 História

66 Questões do desenvolvimento

68 Controvérsia

70 Por dentro do Ipea

74 Perfi l

Seções

Artigos

12

22

36

44

12 Entrevista – João Paulo de Almeida MagalhãesCrescimento acelerado só com recuperação dos outros paises

22 Crise – Administrando as adversidadesRecessão e incentivos fi scais derrubam arrecadação

36 Violência – Não há mais lugar seguroCriminalidade avança pelo interior do País

44 Comércio exterior – Qualidade das exportaçõesBrasil ainda é grande exportador de produtos básicos

52 Desigualdade regional – Um plano para o NordesteMangabeira Unger deixa projeto para debate

56 Aquecimento global – Campo minadoProdução de alimentos cairá com aumento da temperatura

60 Equidade – A injustiça do sistemaTributação indireta penaliza os pobres

82 Melhores práticas – Transporte escolar Novos ônibus para as crianças da área rural

51 O federalismo pede licença Daniel Vila-Nova

67 Os gastos brasileiros são pró-cíclicos? Alexandre Manoel Angelo da Silva Angelo José Mont´Alverne Duarte

76 Retratos

80 Ciência&Inovação Circuito

86 Estante

89 Observatório Latino-americano

91 Agenda

92 Indicadores

94 Cartas

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6 Desenvolvimento julho de 2009

GIROIpea

Finlândia

Um exemploGlauco Arbix, ex-

presidente do Ipea, des-

tacou a Finlândia como

um exemplo de país de

pequenas dimensões,

mas com elevado grau

de desenvolvimento

tecnológico e social. No

início da década de 90, a

economia da Finlândia,

até então sustentada na

indústria de madeira,

papel, celulose, têxtil e

sapatos, viveu uma pro-

funda crise. Ao mesmo

tempo que procurava es-

tabilizar sua economia,

o país adotou políticas

de estímulo à inovação

na indústria e no setor

de serviços e investiu em

educação, ciência e tec-

nologia. Essas medidas

anticíclicas garantiram

o dinamismo da econo-

mia finlandesa, afirmou

Arbix.

Diplomacia

Prioridades do Brasil

China

Plano estratégico

Ao investir US$ 600 bi-

lhões em medidas anticíclicas,

a China tem um objetivo bem

mais ambicioso do que sim-

plesmente superar a crise fi -

nanceira: quer garantir o cres-

cimento econômico, manter

a estabilidade social e a lide-

rança do Partido Comunista

Chinês sobre a população de

1,3 bilhão de habitantes, mas

também transformar o país na

maior economia mundial. Esse

plano foi traçado em meados

do século passado, afi rmou

o professor André Cunha, da

Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, durante o “8º

Seminário Trajetórias de De-

senvolvimento”.

“O modelo de desenvolvi-

mento chinês se sustenta num

pragmatismo que não olha

para a coloração ideológica

dos países que lhes fornecem

os recursos estratégicos vi-

tais para a concretização do

seu próprio crescimento, e

para quem ela cria fontes de

fi nanciamento e mercados de

destino”, disse.

Segundo Cunha, a ascen-

são chinesa altera a estrutura

geopolítica e geoeconômica do

mundo na medida em que si-

naliza a conformação de uma

ordem internacional multipo-

lar e reafi rma a existência de

caminhos alternativos.

A reforma do Conselho de

Segurança da Organização das

Nações Unidas (ONU), com a

inclusão do Brasil como mem-

bro permanente, é a prioridade

da política externa brasileira,

informou o embaixador Guima-

rães. Ao mesmo tempo, o Brasil

quer fortalecer as relações com

os países vizinhos, com os afri-

canos e com os demais emer-

gentes (China, Índia e Rússia).

A estratégia é ter mais força

para influenciar nas decisões

mundiais. “Há uma enorme

concentração de poder num

grupo de países”, comentou

Guimarães em discurso de

encerramento do 8º Seminá-

rio Trajetórias de Desenvol-

vimento”, evento transmitido

pelo recém-implantado siste-

ma de videoconferência do

Ipea. Para ele, a concentração

está em todas as áreas, como

na produção de conhecimen-

to e de informações, e não só

no Conselho de Segurança

da ONU. Os Estados Unidos

registram por ano metade

do número de patentes mun-

diais. A produção de infor-

mações e a comunicação

são dominadas por grandes

empresas norte-americanas

e europeias.

Seminário reuniu especia-

listas para discutir a crise em

diversos países O 8º Seminário

procurou analisar a reação da

África do Sul, Alemanha, Argen-

tina, China, Espanha, Estados

Unidos, Finlândia, Índia, Méxi-

co e Rússia à crise internacional.

O evento foi aberto por Marcio

Internacional

A crise no mundo

Pochmann, presidente do Ipea, e

Renato Baumann, representante

da Cepal, e contou com a parti-

cipação dos seguintes especia-

listas: André Cunha(UFRGS),

Eduardo Mariutti (Unicamp),

Andrés Ferrari (UFF), Joana

Mostafa (Ipea), Julimar Bichara

(UAM), Glauco Arbix (USP),

Embaixador Guimarães

Daniela Prates (Unicamp), Ale-

xandre Barbosa (Cebrap/USP),

Lenina Pomeranz (USP), Paula

Pedroti (FGV/SP). Os comentá-

rios fi caram a cargo de Antônio

Jorge Ramalho (UnB/SAE), Re-

enato Baumann Cepal), Carlos

Mussi (Cepal), Milko Matijascic

(Ipea) e Luciana Acioly (Ipea).

Valte

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pana

to/A

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Desenvolvimento julho de 2009 7

O setor de turismo vem

apresentado maior resistência

à crise do que outros setores,

de acordo com a Organização

Mundial do Turismo (OMT).

Mas não fi cou imune: o nú-

mero de viagens cresceu 6%

no mundo no primeiro se-

mestre de 2008 e caiu 2% no

segundo, com a instauração

da crise. Dados preliminares

de janeiro e fevereiro de 2009

mostram queda de 8% no mo-

vimento de turistas interna-

cionais em relação ao mesmo

período de 2008, de acordo

com estudo do Ipea apresen-

tado pelo presidente Marcio

Pochmann no mês passado,

em seminário realizado pela

Embratur (Instituto Brasileiro

de Turismo). A OMT prevê, a

partir do resultado do primei-

ro bimestre, uma contração de

até 8% em 2009.

No Brasil, o emprego já vi-

nha crescendo menos nos úl-

timos anos no turismo do que

em outros setores, de acordo

com o estudo. A regiões Nor-

deste e Sudeste concentram

70% dos empregos em turis-

mo. No Nordeste estão 26,4%

do total de empregos em tu-

rismo, e no Sudeste, 44,9%.

Pochmann ressaltou a impor-

tância da indústria do turis-

mo no Brasil, responsável por

2,5% do PIB: “Isso representa

70% do que hoje é a indústria

automotiva no País, que cor-

responde a pouco mais de 4%

do PIB”.

Entretanto, há uma ques-

tão preocupante, o défi cit na

balança brasileira de turismo.

No ano passado, ingressaram

no Brasil US$ 5,78 bilhões

pela conta de turismo, en-

quanto os brasileiros gastaram

US$ 10,96 bilhões em viagens

ao exterior. “É um quadro pés-

simo para a balança do nosso

turismo, sinal claro de perda

de competitividade. Isso tem

a ver com fatores como taxa

de câmbio, um dos canais de

transmissão da crise, mas só o

câmbio não explica isso”, disse

Pochmann.

Crise

A natureza agradece

A crise fi nanceira é ruim para o bolso,

mas boa para o meio ambiente. Segundo

estudo do Ipea, quase dois milhões de to-

neladas de gases causadores do efeito estu-

fa deixaram de ser emitidas pela indústria

brasileira entre novembro e abril.

A maior contribuição ambiental veio

da indústria de ferro e aço, um dos setores

que mais sentiram o baque da crise - em

abril, o volume de exportação caiu a um

terço da média histórica. “As exportações

atingiram o segundo índice mais baixo já

registrado. China e Estados Unidos quase

zeraram suas importações”, explica José

Aroudo Mota, coordenador de Meio Am-

biente do Ipea.

A queda nas exportações de produtos

siderúrgicos evitou a emissão de 1,12 mi-

lhão de toneladas de gás carbônico (CO2).

Para cada tonelada de aço produzida, esti-

ma-se a emissão de em média 1,6 tonelada

de gás carbônico.

Turismo

Previsão de queda mundialSeminários

Ipea patrocina

eventosAté o fi nal deste ano, será

realizada em todo o País uma

série de congressos, simpósios,

workshops, seminários e confe-

rências sobre políticas públicas

e programas de desenvolvi-

mento. Os eventos serão patro-

cinados pelo Ipea, que partici-

pará com até R$ 60 mil em cada

projeto. O instituto vai investir

um total de R$ 525 mil nessa

iniciativa. Ao todo, 15 projetos

de pesquisadores brasileiros fo-

ram selecionados.

Para receber o benefi cio, os

projetos tiveram que atender a

seis pré-requisitos, entre eles,

o alto impacto para as políti-

cas públicas; ter outras fontes

de fi nanciamento; serem orga-

nizados por instituição, asso-

ciação ou sociedade científi ca

brasileira e que desenvolvam

atividades de planejamento,

pesquisa sócioeconômica e

ambiental; e que sejam de re-

levância para o Ipea.

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8 Desenvolvimento julho de 2009

Indústria 2

Produção em queda na Europa...

GIRO

O produto interno bruto

(PIB) do Brasil encolheu 0,8%

no primeiro trimestre de 2009

em relação ao último trimes-

tre de 2008, quando caiu 3,6%.

Com isso, o Brasil completou

dois trimestres seguidos de

resultados negativos no PIB, o

que tecnicamente coloca o País

em recessão. Segundo o IBGE,

a maior redução foi na indús-

tria (-3,1%), seguida pela agro-

pecuária (-0,5%). Já o setor de

serviços registrou alta de 0,8%.

As despesas de consumo das

famílias cresceram 0,7% no pri-

meiro trimestre deste ano. No

último trimestre do ano passa-

do, essas despesas tinham caído

1,8%. A despesa de consumo da

administração pública cresceu

0,6%. Houve, porém, forte que-

da, de 12,6%, nos investimentos.

Na comparação com o pri-

meiro trimestre de 2008, a que-

da foi de 1,8%. Também nesta

base de comparação, a indús-

tria lidera a queda (-9,3%),

confi rmando que a crise atin-

giu mais fortemente o setor

industrial. O setor de serviços

registrou crescimento de 1,7%.

“A nossa expectativa é que no

último trimestre o PIB já esteja

na trajetória de crescimento de

3% a 4%”, afi rma Renaut Mi-

chel, assessor de Estudos Ma-

croeconômicos do Ipea.

PIB

Recessão

confi rmada

Indústria 1

Sinal de recuperação

A produção industrial

nos 16 países da zona do

euro caiu 21,6% em abril em

comparação com o mesmo

mês de 2008. Em relação a

março deste ano, a queda

foi de 1,9%. O resultado

indica que o pior ainda não

passou e aumenta os temo-

res de desemprego em mas-

sa no continente. E parece

confirmar que a Europa

sofrerá mais com a recessão

do que os países asiáticos.

A retomada do crescimen-

to econômico na Europa só

deve ocorrer em meados de

2010, segundo previsões do

Banco Central Europeu.

Os números desfavorá-

veis da produção industrial

levaram o Banco Central

Europeu a elevar suas esti-

mativas para a queda no PIB

da região, de 2,7% para 5,1%,

em 2009. No próximo ano, a

queda deve ser de 1%.

A produção industrial chine-

sa cresceu 8,9% em maio de 2009

em relação ao mesmo mês do ano

passado. Foi a maior alta em oito

meses, puxada pelo crescimento

das vendas no varejo (15,2%) e

do crédito. Em abril, a indústria já

tinha registrado crescimento de

7,3% em sua produção.

Embora a base de compa-

ração seja fraca - em maio de

2008, a China foi abatida por

um terremoto -, a taxa de cres-

cimento superou as mais oti-

mistas previsões.

Indústria 3

...e em crescimento na China

Paulo Bernardo espera

crescimento em 2009

com maio, houve queda de pro-

dução em 22 das 27 atividades

pesquisadas pelo IBGE.

Para o ministro do Planeja-

mento, Paulo Bernardo, os resul-

tados positivos na comparação

com o mês anterior indicam a

retomada da atividade industrial

e o início do processo de saída

da crise. Os dados, segundo ele,

reforçam a expectativa de cresci-

mento econômico em 2009.

Roos

ewel

t Pin

heiro

/ABr

A produção industrial bra-

sileira aumentou 1,3% em maio

deste ano, em relação a abril, já

descontadas as infl uências sazo-

nais, de acordo com o Instituto

Brasileiro de Geografi a e Es-

tatísticas (IBGE). Foi o quinto

resultado positivo consecutivo

nessa base de comparação, o

que levou a uma expansão de

7,8% nesses cinco primeiros

meses de 2009. Houve aumento

generalizado de produção: in-

dústria farmacêutica (9,7%), de

veículos automotores (2%), me-

talurgia básica (3,1%), máquinas

para escritório e equipamentos

de informática (6,6%), outros

equipamentos de transporte

(3,3%) e máquinas, aparelhos

e materiais elétricos (3,2%). Os

únicos resultados negativos fo-

ram registrados nos segmentos

de borracha e plástico (-2,7%),

produtos de metal (-3,0%) e

fumo (-8,4%), que, em abril,

tinham crescido 6,8%, 6,6% e

12,8%, respectivamente.

Mas na comparação com

maio de 2008, houve recuo de

11,3%. Há sete meses que a

produção industrial registra

quedas na comparação com

resultados do ano anterior.

No acumulado no ano, em

relação a 2008, a atividade

industrial caiu 13,9, o que

representa redução do ritmo

de queda. Em abril, estava

em 14,6%. Na comparação

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Desenvolvimento julho de 2009 9

O saldo da balança comercial

de maio foi superavitário em US$

2,6 bilhões, com exportações de

US$ 11,9 bilhões e importações

de US$ 9,3 bilhões. No ano, a

balança comercial acumulou

superávit de US$ 9,3 bilhões. Em

valores, o resultado é 9,3% acima

do registrado no mesmo perío-

do do ano passado.

Nesses primeiros cinco

meses de 2009, as exportações

foram de US$ 55,4 bilhões e as

importações chegaram a US$

46,1 bilhões. As contas são su-

peravitárias por causa da queda

nas importações bem superior

à das exportações.

Emprego

Tendência de crescimento

O ministro do Trabalho e

Emprego, Carlos Lupi, informou

que foram gerados, em maio,

106,2 mil postos de trabalho no

mercado formal, o que confi r-

ma a reversão na tendência de

queda iniciada em novembro do

ano passado, devido à crise eco-

nômica. Lupi acredita que até o

fi nal do ano serão criados mais

de um milhão de postos de tra-

balho. No ano passado, mesmo

com os efeitos da crise, o saldo

de emprego foi de 1,45 milhão.

De acordo com Lupi, há sinais

de recuperação do emprego em

todos os setores, inclusive na in-

dústria, que vinha sofrendo mais

com a crise.

Para o IBGE, a taxa de desem-

prego está estabilizada: fi cou em

8,8% em maio, 8,9% em abril, e

em 9% em março. Embora ainda

seja elevada, a estabilização inter-

rompeu uma sequência de três

meses de aumento do desempre-

go no País. Na comparação com

abril, a pesquisa de maio indica

que não houve alteração no nú-

mero de desempregados. Mas

cresceu 13% em relação a maio

de 2008: houve queda de 6%

no emprego na indústria ex-

trativa, de transformação e dis-

tribuição de eletricidade, gás e

água, e alta de 4,4% em edu-

cação, saúde, serviços sociais,

administração pública, defesa

e seguridade social. O número

de trabalhadores com carteira

assinada cresceu 2,1% na com-

paração com maio de 2008.

Juros

Redução

histórica

O Comitê de Política Mo-

netária (Copom) do Banco

Central reduziu, no mês pas-

sado, a taxa básica de juros, a

Selic, para 9,25%. É a menor

taxa da história da Selic, mas

o setor produtivo acha que o

corte poderia ser maior. Di-

versos países reduziram os

juros a quase zero para en-

frentar a crise econômica. Na

avaliação de empresários e

sindicalistas, a taxa de 9,25%

é insuficiente para reativar

a economia. Mas o Banco

Central sinalizou, na ata do

Copom, que a margem para

redução da taxa a partir de

agora ficou mais apertada.

Novos cortes serão residuais,

ou seja, bem menores.

FMI

US$ 10 bilhões do Brasil

O ministro da Fazenda,

Guido Mantega, informou

que o Brasil pretende contri-

buir com até US$ 10 bilhões

para o aumento de recursos

do Fundo Monetário Inter-

nacional (FMI). Pela primei-

ra vez na história, o Brasil,

que recorreu diversas vezes

a empréstimos do Fundo, irá

emprestar à instituição. “É um

sinal da solidez da economia

nacional. Em meio à mais

grave crise econômico-fi nan-

ceira desde a Segunda Guerra

Mundial, o Brasil não apenas

não pediu apoio fi nanceiro ao

FMI, como está em condições

de emprestar um montante

expressivo de recursos à insti-

tuição”, comentou.

A contribuição do Brasil

faz parte do acordo do G20

para aumentar em R$ 500

bilhões os recursos do FMI

para enfrentar a crise inter-

nacional.

Balança comercial

Superávit de US$ 2,6 bi em maio

Lupi promete um milhão de empregos

Elza

Fiú

za/A

Br

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Desenvolvimento julho de 2009 11

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12 Desenvolvimento julho de 2009

ENTREVISTA

“É necessário cres

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Desenvolvimento julho de 2009 13

A n n i e N i e l s e n - d o R i o d e J a n e i r o

O Brasil precisa de um crescimento acelerado para recuperar o atraso dos últi-mos 40 anos, criar emprego e continuar a ter importância no Bric, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Caso contrário, fi cará para trás,

porque os parceiros estão crescendo a taxas signifi cativas. O alerta é do economista João Paulo de Almeida Magalhães que, nesta entrevista à Desafi os do Desen-

volvimento, recomenda a correção de dois erros fundamentais: a alta taxa de juros, que difi culta os investimentos e onera as contas públicas, e a sobrevalorização do câmbio, que leva o País a se especializar na exportação de commodities agrí-colas e industriais. Crítico do pensamento neoliberal, Magalhães aponta a necessi-dade de intervenção do Estado na economia, defende o protecionismo temporário numa política de desenvolvimento de longo prazo e faz ressalvas à entrada de capi-tal estrangeiro. “Se o País não tiver uma política correta de investimento, o capital estrangeiro chega aqui e expulsa o nacional, é o chamado crowding out”, afi rma.

João Paulo de Almeida Magalhães

a 7% ao ano”cer

Cesa

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14 Desenvolvimento julho de 2009

Perfi l

Presidente do Centro de Estudos para o De-senvolvimento do Conselho Regional de Econo-mia do Rio de Janeiro (Corecon/RJ), João Paulo de Almeida Magalhães é autor de 15 livros e uma centena de artigos sobre a economia brasileira. Em sua última obra, O que fazer depois da crise: a contribuição do desenvolvimentismo keynesia-no, Almeida Magalhães sugere medidas para que o Brasil possa sair da crise e retomar o caminho do desenvolvimento.

Formado em Direito pela Pontifícia Universi-dade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Almei-da Magalhães sempre se dedicou ao estudo da economia. Detém os títulos de livre-docente em economia política na Universidade de São Paulo (USP) e de professor titular de Economia pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1953, concluiu doutorado na Université de Paris I, com uma tese sobre investimentos na América Latina. Ao longo da carreira profi ssional, ocupou o cargo de diretor do Departamento de Estudos Eco-nômicos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Chefi ou também o Núcleo de Planejamento do governo Jânio Quadros (1961) e foi membro do Comitê de Peritos da Aliança para o Progres-so (Organização dos Estados Americanos – OEA). Além disso, dirigiu o Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro e integrou o Centro de Estudos Es-tratégicos da Escola Superior de Guerra. Em 2006 e 2008 foi presidente do Corecon-Rj e atualmente faz parte do grupo de consultores da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) e do Con-selho de Orientação do Ipea.

Desafi os - O Brasil conseguirá retomar a tri-lha do desenvolvimento sustentado após a crise mundial?

Magalhães - É óbvio que vai conseguir. O

problema é que o crescimento entre 1980

e 2005 foi insufi ciente, apenas 2%, 3%

ao ano. Nesses últimos anos melhorou

um pouco e passou para 4%. Mas ainda é

insufi ciente, porque num período de 30

anos, após a Segunda Guerra Mundial,

crescemos 7% na média. Os países asiá-

ticos vêm crescendo nessa faixa há prati-

camente 30 anos. Assim, vamos voltar a

crescer mediocremente como aconteceu

nesses últimos 30 anos.

Desafi os - Por que é tão certo que o País voltará a crescer, mesmo que mediocremente?

Magalhães - Por uma questão muito

simples, o crescimento é uma situa-

ção normal em todo o mundo. Não

há país que não cresça. E esta crise,

como toda crise, vai desaparecer. A de

1929, que foi a pior delas, levou dez

anos para de fato passar e permitir

que os países recuperassem a vida an-

terior. Esta talvez leve menos porque

os governos nunca tiveram tanta ação

corretiva como agora.

Desafi os - Muitos analistas dizem que o Brasil sai-rá da crise antes de outros países, sobretudo os do primeiro mundo. Que vantagem o Brasil pode tirar disso, se de fato se recuperar primeiro?

Magalhães - O Brasil poderá sair antes

sim. No entanto, se quiser recuperar o

crescimento acelerado, só conseguirá

fazê-lo quando os países desenvolvidos

também se recuperarem. Muitos acham

que sair antes da crise é uma grande gló-

ria, porém, temos de comparar o Brasil,

que faz parte do Bric (grupo das quatro

grandes economias emergentes: Brasil,

Rússia, Índia e China) com os outros

integrantes do grupo. Se o Brasil não

mudar seu comportamento e crescer,

acabará fi cando de fora. Nos últimos

30 anos, a China cresceu (ao ano) cerca

de 9% a 11%; a Índia, em torno de 7%

nos últimos 20 anos; e a Rússia, 7%, nos

últimos 10 anos. Nós, nos últimos qua-

tro, só crescemos 4%. Portanto, temos

de tomar muito cuidado para nos man-

termos entre os Bric. Caso tenhamos

sucesso, poderemos sair fortalecidos e

adaptados a uma nova política. As dis-

cussões lá em Ecaterimburgo, na Rús-

sia, focalizaram muito a necessidade de

revisão dos organismos internacionais.

Isso é extremamente importante, por-

que os estatutos e as ações do FMI, com

a variação internacional do comércio,

têm sido desfavoráveis ao desenvolvi-

mento econômico. As regras do jogo

são feitas com base no interesse dos

países desenvolvidos. Se o Brasil se sair

fortalecido entre os países que formam

o Bric, poderá contribuir para modifi -

car essa situação.

Desafi os - Será possível para o Brasil ter um ritmo de crescimento em patamares compa-tíveis com a necessidade de criar emprego e renda para a população, num momento em que seus principais parceiros comerciais estão em recessão?

Magalhães - Enquanto houver recessão,

temos de evitar ao máximo o aumento

do desemprego. Precisamos garantir

emprego a toda essa população nova

que aparece no mercado. Os cálculos

do João Saboya e do Roberto Caval-

canti Albuquerque indicam que só

teremos esse cenário se crescermos

“Muitos acham que sair

antes da crise é uma grande

glória, porém, temos de

comparar o Brasil, que faz

parte do Bric com os outros

integrantes do grupo. Se

o Brasil não mudar seu

comportamento e crescer,

acabará fi cando de fora”

Cesa

r Dua

rte

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Desenvolvimento julho de 2009 15

4% e 6% ao ano, respectivamente. No

entanto, na média desses últimos anos,

o Brasil não chegou a 3%. Além disso,

segundo um relatório encomendado

pelo Banco Mundial a 19 economis-

tas de renome, dois dos quais foram

até agraciados com o prêmio Nobel

de Economia, o Brasil só conseguirá

eliminar o atraso dos últimos 40 anos

se o produto per capita crescer 5,3%.

Se incluirmos nesse produto per capita

um pouco do crescimento da popula-

ção, o Brasil terá de crescer entre 6,5%

e 7% ao ano. Aí fi ca a pergunta: isso é

possível? É possível porque nós já cres-

cemos nesse ritmo durante 30 anos. E

os países asiáticos vêm crescendo nesse

ritmo. Também não podemos esquecer

que as tensões que surgem na forma do

aumento da população de rua, da cri-

minalidade e das favelas geram uma si-

tuação quase insustentável. Então, não

é só possível crescer a 7% ao ano como

também necessário.

Desafi os - Como fi ca a visão neoliberal no Brasil após a crise?

Magalhães - No meu livro O que fazer de-

pois da crise: a contribuição do desenvol-

vimentismo keynesiano, argumento que

o Brasil tem que oferecer uma estratégia

alternativa à neoliberal com justifi cação

científi ca. Até o momento, os econo-

mistas brasileiros se limitaram a criticar

a estratégia neoliberal apenas porque

ela havia dado errado. Houve um cres-

cimento de 2,5% durante 25 anos, agora

está em torno de 4%, qualquer das duas

porcentagens é insufi ciente. Se fi zermos

exatamente o que vinha sendo feito até

agora, sem nenhuma justifi cação, tudo

permanecerá igual. Após o “Consenso

de Washington”, vieram as críticas pelo

fato de as medidas neoliberais preco-

nizadas terem fracassado e apareceu

o consenso de Washington ampliado.

Segundo essa vertente, o consenso ori-

ginal estava certo, mas faltavam as ins-

tituições. Portanto, precisamos voltar a

ter o neoliberalismo de antes, mas com

a presença das instituições. Essa tese

tem sido refutada por mim, pelo Bres-

ser-Pereira e o Yoshiaki Nakano, mas

não adianta refutar sem apresentar uma

teoria alternativa. Tem de haver uma

justifi cação técnica, uma justifi cação

teórica da diferença entre crescimento

retardatário das economias emergentes

e o crescimento da economia dos atuais

países desenvolvidos.

Desafi os - Até quando será necessário manter políticas intervencionistas no Brasil? E nos EUA e na Europa?

Magalhães - Primeiro é necessário fazer

uma distinção entre os países desenvol-

vidos e subdesenvolvidos. Nos Estados

Unidos e na Europa, a necessidade de

ação do governo é relativamente peque-

na. Se o governo desses países garantir

equilíbrio cambial, fi scal e monetário, a

economia deverá andar bem. No Brasil,

precisamos fazer mais do que isso. Ali-

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16 Desenvolvimento julho de 2009

ás, a excessiva preocupação do governo

brasileiro em garantir o equilíbrio fi s-

cal, cambial e monetário pode até ter

consequências negativas. Um país que

está crescendo de forma acelerada para

eliminar seu atraso econômico terá,

por defi nição, tensões cambiais, fi scais

e monetárias. Assim, o governo preci-

sa tentar controlar essas tensões e não

adotar medidas para que elas desapare-

çam. Se essas tensões são necessárias ao

desenvolvimento, mas o governo toma

medidas para fazê-las desaparecer, de-

saparece o desenvolvimento.

Desafi os - Existe um limite para o governo inter-vir na economia?

Magalhães - Em países subdesenvolvidos,

o governo tem que ter uma ação inter-

vencionista. Depois do colapso da União

Soviética, provou-se que o sistema de

iniciativa privada é o melhor que existe.

Então, o governo tem de agir através do

mercado, ou seja, em vez de criar uma

empresa pública, deve criar condições

no setor para que apareça uma empre-

sa privada. Se a empresa privada de um

determinado setor não se mostra capaz

de seguir adiante, o governo deve entrar

em ação. Veja o caso da Embraer. Se o

governo não tivesse entrado em ação,

criado ensino voltado para a aviação, in-

vestido capital, desenvolvido tecnologia,

a Embraer nem teria surgido.

No caso de países desenvolvidos a

situação é diferente. Quando o governo

de um país é capaz de garantir equilí-

brio monetário, cambial e fi scal e um

bem-estar social razoável, não precisa

fazer mais nada, pode recuar.

Desafi os - O que falta para o Brasil se desen-volver?

Magalhães - Podemos começar corri-

gindo os erros em curso. Dois erros que

merecem atenção especial são as taxas

de juros extremamente elevadas e a so-

brevalorização do dólar. A taxa de juros

continua elevada, o dólar melhorou um

pouco, mas voltou a piorar.

A sobrevalorização do câmbio oca-

siona uma tendência à especialização do

Brasil em commodities agrícolas, como

soja e café, e em commodities indus-

triais, como aço e celulose. Ocorre que

as commodities têm baixo valor adicio-

nado por trabalhador, portanto, geram

pouco PIB por trabalhador. Além disso,

as commodities têm um crescimento

lento. Vale ressaltar, porém, que esse

crescimento lento não está ocorrendo

no momento por causa dos asiáticos.

Como eles não têm recursos naturais,

geram um aumento na demanda por

commodities. Mas essa situação não vai

durar muito tempo porque se os recur-

sos naturais não forem renováveis, cedo

ou tarde desaparecerão. Se os recursos

forem renováveis, como é o caso da

agricultura, teremos algo na agricultu-

ra que os economistas chamam de bai-

xa elasticidade de renda. Isso signifi ca

que se a China aumentar em dez vezes

seu produto per capita, nem por isso

o chinês tomará dez vezes mais café e

comerá dez vezes mais carne. Assim,

essa especialização em commodities

não é interessante, porém, o país está

caminhando nessa direção por erro de

política econômica.

Com respeito aos juros, temos, em

média, os mais altos do mundo. Essa

situação difi culta os investimentos,

pois vale mais a pena ter dinheiro que

não corre risco depositado no Banco

do Brasil do que investido. Além disso,

esses juros atraem capital estrangeiro,

a ponto de investidores pegarem di-

nheiro emprestado no Japão, onde os

juros são baixos, para aplicar no Bra-

sil, onde os juros são altos. Por fi m, os

juros altos oneram as contas públicas.

Ou seja, os juros que o governo paga

são dez vezes maiores do que as des-

pesas com o Bolsa Família. Portanto,

são dois erros a serem corrigidos. O

governo precisa relançar uma políti-

ca, uma estratégia de desenvolvimento

diferente da estratégia neoliberal e, na

“Um país que está crescendo

de forma acelerada

para eliminar seu atraso

econômico terá, por

defi nição, tensões cambiais,

fi scais e monetárias. Assim,

o governo precisa tentar

controlar essas tensões e não

adotar medidas para que

elas desapareçam”

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Desenvolvimento julho de 2009 17

minha defi nição dessa estratégia, o im-

portante é o mercado.

Desafi os - Como seria essa nova estratégia fo-cada no mercado?

Magalhães - Segundo a visão do FMI, do

Banco Mundial e de outros organismos, o

investimento estrangeiro é extremamente

importante para o país. Nesse caso, é pre-

ciso aumentar as poupanças para alavan-

car os investimentos. Entretanto, um rela-

tório do Banco Mundial e uma literatura

recente mostraram que toda vez que há

oportunidades de investimentos, a pou-

pança sobe espontaneamente. Então, a

minha tese é a seguinte: oportunidade de

investimentos é mercado. Se o Brasil con-

seguir um mercado de tamanho e dina-

mismo satisfatórios, as poupanças surgi-

rão. Não precisamos fi car correndo atrás

de poupanças ou do capital estrangeiro e

sim criar condições de mercado. Se o país

não tiver uma política correta de investi-

mento, o capital estrangeiro chega aqui e

expulsa o nacional, é o chamado crowding

out. No caso específi co do Brasil, houve

entradas consideráveis de capital estran-

geiro nos últimos anos, sem que a taxa de

investimento sobre o PIB se alterasse. Ou

seja, o capital estrangeiro não contribuiu

para o desenvolvimento do País.

No livro Os maus samaritanos, o

economista de origem coreana Ha-Joon

Chang afi rma que o capital estrangeiro

não pode ser visto apenas no curto pra-

zo. Ele cita o caso de três empresas de

importância internacional, Samsung,

Nokia e Toyota, e diz que se os gover-

nos dos países dessas companhias não

tivessem bloqueado o capital estrangei-

ro durante um tempo, elas sequer exis-

tiriam. Portanto, temos de ter capital

estrangeiro dentro de uma estratégia

correta de desenvolvimento. Sem isso,

pode não ser positivo.

Desafi os - Cite um erro e um acerto cometidos pelo governo.

Magalhães - O capital estrangeiro deve

ser admitido no país dentro de uma

estratégia geral de desenvolvimento

e, em determinados casos, o governo

deve evitar a entrada de capital estran-

geiro enquanto não viabiliza empresas

nacionais de setores importantes. Aqui

no Brasil nós cometemos um erro

clássico. As montadoras de automó-

veis são um setor extremamente im-

portante na economia, e o Brasil tem

montadoras em grandes quantidades,

mas todas estrangeiras. Nós não temos

um carro brasileiro. Num determina-

do momento, houve um cidadão bra-

sileiro, o Gurgel, que lançou um carro

brasileiro, mas não conseguiu levar o

projeto adiante porque faltou apoio do

governo.

Um acerto clássico foi a Embraer.

Agora, temos de ter cuidado quando

falamos de erros e acertos. Muita gente

diz que a Embraer importa 80% dos in-

sumos que ela usa nos aviões, mas isso

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18 Desenvolvimento julho de 2009

como foi feita no Plano Real. Inclusi-

ve porque a taxa de juros atua contra

o aumento excessivo da moeda. Além

disso, se o aumento excessivo da moeda

é efeito e não causa da infl ação, esta não

tem razão de ser.

Desafi os - O protecionismo é aceitável?Magalhães - O protecionismo foi a base

da industrialização do Japão, Estados

Unidos e Alemanha. Numa política de

desenvolvimento de longo prazo, o pro-

tecionismo temporário é bem-vindo.

Com o protecionismo, você cria com-

petitividade imediata para a empresa

nacional. Em segundo lugar, em vez de

ter grandes gastos, você tem grandes re-

ceitas. Um país não pode abrir sua eco-

nomia para outro país que tenha van-

tagens comparativas provisórias, como

é o caso da China com seus baixos sa-

lários. Se abrirmos inteiramente para a

China, ela acaba com a nossa indústria

de sapato, vestuário, etc. Além disso,

daqui a 20 anos, os salários da China

estarão iguais aos nossos, e, por conse-

guinte, os preços dos produtos chineses

igualmente mais altos.

Os neoliberais dizem que o prote-

cionismo é uma second best (segunda

melhor escolha dentro das possibilida-

des) em relação ao ataque ou à elimina-

está perfeitamente correto. Ela importa

80% porque o Brasil tem uma indústria

de componentes fraca. Quando o País

chegar a um estágio mais avançado,

importará só 60%.

Desafi os - O senhor certa vez disse que mais im-portante que combater a infl ação é assegurar o desenvolvimento. Mas existe alguma receita para manter a infl ação sob controle?

Magalhães - A infl ação não é tão malé-

vola para o desenvolvimento como se

diz. É possível ter um crescimento ace-

lerado com infl ação baixa. Ocorre que

a maneira de controlar a infl ação nos

países subdesenvolvidos é diferente da

empregada em países desenvolvidos.

Segundo os economistas da PUC-RJ,

que criaram o Plano Real, a infl ação

nos países subdesenvolvidos é inercial,

ou seja, quando há aumento de preços,

os sindicatos não são capazes de im-

por uma escala móvel de salário. Há

aumento de preços o ano inteiro e re-

ajustamento uma vez por ano. Assim, a

infl ação se torna inercial. Os salários e

os preços aumentam indefi nidamente.

Em última análise, trata-se de uma dis-

puta em torno da participação no PIB e

entre empresas e trabalhadores. Outra

tese defendida pelos economistas da

PUC-RJ é que, no caso dos países sub-

desenvolvidos, não é o aumento da mo-

eda que causa infl ação, e sim a infl ação

que acarreta o aumento da moeda. Isso

porque na disputa em torno do PIB, há

aumento de salários e de preços. Se o

governo não aumentar proporcional-

mente a moeda, haverá uma crise de

liquidez. Num país desenvolvido, sim-

plesmente se aumenta a taxa de juros

para evitar o aumento da moeda. Num

país subdesenvolvido, você precisa ter,

como se fez no Plano Real, uma políti-

ca de rendimentos que faça com que as

reivindicações sobre o PIB não somem

mais que o PIB. Então o que está errado

no Brasil é adotar a taxa de juros para

conter a infl ação. O que é necessário

fazer é uma política de rendimentos

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Desenvolvimento julho de 2009 19

ção do custo Brasil. Custo Brasil é toda

aquela inefi ciência associada a uma

economia subdesenvolvida: transporte,

saúde e comunicações insatisfatórios,

mão-de-obra desqualifi cada. Os neoli-

berais alegam que devemos atacar esses

problemas. Mas tal argumento não tem

sentido porque essas inefi ciências são

típicas do desenvolvimento econômi-

co. Para acabar com esses males, torna-

se necessário um montante de inves-

timentos que só países desenvolvidos

são capazes de reunir. Se resolvermos

eliminar o custo país, faremos grandes

investimentos, e os resultados só apare-

cerão num prazo médio e longo. Além

do mais, teremos grandes gastos. Então

por que razão os neoliberais dizem que

o protecionismo é um second best? A

única explicação está na visão neolibe-

ral segundo a qual o Estado não deve

intervir em nada, visto que o combate

do risco país em alguns países sequer

é viável.

Desafi os - O que o senhor acha do PAC (Progra-ma de Aceleração do Crescimento)?

Magalhães - A grande contribuição do

PAC é a seguinte: desde 1980, todo

mundo aceita que o governo não deve

se meter na economia, não deve ter

estratégia de desenvolvimento, nem

política industrial. Com o PAC, um

governo reconhece pela primeira vez,

desde 1980, que há necessidade de in-

tervenção sistemática do Estado para

acelerar o desenvolvimento. Por outro

lado, o PAC é limitado. Se examinar-

mos bem, o objetivo do programa é

fazer com que o segundo mandato do

Lula tenha melhores resultados que o

primeiro. Como o primeiro mandato

do Lula foi igual ao do Fernando Hen-

rique, criaram o PAC. Ocorre que o

PAC não contém uma estratégia, uma

visão de longo prazo para o desenvolvi-

mento do Brasil. Vou dar um exemplo:

o País teve uma estratégia primaz ex-

portadora. Essa estratégia durou mais

ou menos de 1875 até 1930. Teve um

modelo de substituição de importações

que durou de 1930 a 1980. O que vai se

colocar no lugar dele? O governo hoje

não tem uma estratégia de desenvolvi-

mento de longo prazo. É por isso que

quando começa a haver uma especia-

lização em commodities o governo não

faz nada, porque não tem uma visão de

longo prazo em economia.

Desafi os - Como o senhor avalia as perspectivas de aplicação da renda a ser gerada pelo pré-sal?

Magalhães - Imediatamente após a des-

coberta do pré-sal, o presidente Lula

anunciou a intenção de utilizar as re-

ceitas do novo campo petrolífero para

melhorar o padrão de vida da popu-

lação. Ora, isso é exatamente o que a

Venezuela está fazendo. Ou seja, está

com uma riqueza em dólar na forma de

petróleo, e, em vez de usar essa riqueza

para criar uma base econômica per-

manente, corre o risco de daqui a dez,

vinte, trinta ou quarenta anos, quando

acabar o petróleo, viver um caos. O

Brasil tem condições melhores que a

Venezuela, tem uma indústria maior

e tal, porém, a receita do pré-sal deve

ser utilizada para criar um desenvolvi-

mento sustentável de longo prazo. Um

desenvolvimento assim pode melhorar

de forma permanente e constante o pa-

drão de vida das populações.

O governo está tomando uma série

de medidas para melhorar a situação

econômica do povo como o Bolsa Fa-

mília. Entretanto, não está cuidando

o sufi ciente do desenvolvimento no

sentido de fazer o País crescer 7% ao

ano. Segundo um trabalho recente do

Roberto Cavalcanti Albuquerque, nas

décadas de 1970 e 1980 não existia

nenhuma dessas medidas sociais que

foram adotadas pelos presidentes Fer-

nando Henrique Cardoso e Lula. No

entanto, o desenvolvimento social foi

mais elevado nesse período em que

“Com o PAC, um

governo reconhece, pela

primeira vez desde 1980,

que há necessidade de

intervenção sistemática

do Estado para acelerar

o desenvolvimento. Por

outro lado, o PAC é

limitado... não contém

uma visão de longo prazo

para o desenvolvimento

do Brasil”

Cesa

r Dua

rte

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20 Desenvolvimento julho de 2009

não havia políticas sociais, mas havia o

crescimento acelerado, do que depois,

com os governos Fernando Henrique

e Lula. Isso não signifi ca que deva-

mos excluir as políticas sociais, apenas

que o importante é o desenvolvimen-

to econômico. Essas medidas sociais

podem ser tomadas de imediato, mas

para serem permanentes, devem estar

baseadas numa política de desenvol-

vimento. Na prática, isso signifi ca que

o desenvolvimento tem que estar em

torno de 7% ao ano.

Desafi os - Em Desafi os do desenvolvimento bra-sileiro, livro editado pelo Ipea com ensaios de conselheiros do Instituto, o senhor assina um artigo sobre macroeconomia e pleno emprego. Poderia nos dizer, em linhas gerais, qual é a sua tese nesse ensaio?

Magalhães - Bom, eu falo do emprego de

longo prazo. Disse que, antes de mais

nada, temos de evitar o desemprego.

Existe o desemprego que se manifesta

no setor informal. Para evitá-lo, preci-

samos fazer a economia crescer num

ritmo capaz de empregar toda a mão de

obra existente no mercado. Há também

o risco de desemprego qualitativo. Ou

seja, se nos especializamos em com-

modities agrícolas e industriais, talvez

consigamos empregar todo mundo,

mas essa situação não irá durar para

sempre. O desemprego que resulta no

setor informal decorre do crescimento

insufi ciente do PIB. O desemprego qua-

litativo resulta de uma política errada,

que especializa o Brasil em commodities

agrícolas e industriais. Nesse caso, mes-

mo que a maioria esteja empregada, a

renda per capita e o salário do País será

inferior à dos países desenvolvidos.

Desafi os - Existem alguns setores da economia que merecem uma atenção especial?

Magalhães - Os setores de alta tecnolo-

gia merecem mais atenção. Setores de

comunicação e informática não estão

sendo devidamente cuidados no Brasil,

e está provado que não se chega ao ple-

no desenvolvimento sem investimento

pesado nesses setores.

Desafi os - Como a criminalidade pode atrapa-lhar o desenvolvimento?

Magalhães - O problema da crimina-

lidade é resultado da semiestagnação

do Brasil nos últimos anos. De acor-

do com algumas avaliações, para todo

mundo ter emprego, é necessário haver

um crescimento de 4% a 6% ao ano do

PIB. Mesmo na melhor hipótese de ser

4% ao ano, nós estaríamos apenas evi-

tando o aumento do setor informal, o

aumento do desemprego. Numa situa-

ção dessas, o cidadão não arranja em-

prego e vai ser camelô ou assaltante. A

criminalidade, a população de rua, as

favelas também aumentam em função

dessas difi culdades.

Desafi os - Como a educação pode ajudar o de-senvolvimento?

Magalhães - A educação no Brasil está

mal, precisa ser melhorada. Não que

nossos gastos sejam pequenos, mas

são mal administrados. Dizem que se

o Brasil tiver educação, ele se desenvol-

verá, porém, a relação causal é oposta.

Quando o País se desenvolve, facilita a

educação. Evidentemente que a educa-

ção condiciona o desenvolvimento. Se

não houver engenheiro sufi ciente, não

haverá desenvolvimento algum.

Cesa

r Dua

rte

Leia também as entrevistas dos professores Carlos Lessa (edição 51), Ladislaw Dowbor (edição 50) e Walter Barelli

(edição 49) no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br)

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Desenvolvimento julho de 2009 21Desenvolvimento junho de 2009 21

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22 Desenvolvimento julho de 2009

CAPA

22 Desenvolvimento julho de 2009

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Desenvolvimento julho de 2009 23

Retração do mercado mundial derruba vendas de produtos industrializados, mas os bens primários garantem o saldo da balança comercial brasileira. Para onde ir?

O mapa das

Exportações

L i l i a n a L a v o r a t t i - d e S ã o P a u l o

Desenvolvimento julho de 2009 23

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24 Desenvolvimento julho de 2009

Ésenso comum que as vendas ex-

ternas brasileiras viveram um pro-

cesso de “desindustrialização”, com

forte concentração das exportações

em bens primários e recursos naturais,

com nível tecnológico aquém do desejá-

vel para gerar valor agregado à produção

nacional. Com a crise internacional, a fra-

gilidade fi cou mais exposta: de janeiro a

abril deste ano, as exportações brasileiras

caíram 17,53%, em média. A maior queda,

de 28,9%, foi nas vendas de produtos in-

dustrializados. No período, as exportações

de produtos básicos aumentaram 7,37%. A

questão é que esses produtos geram menos

empregos e têm baixo valor de mercado.

Uma tonelada de minério de ferro, por

exemplo, é vendida a menos de US$ 60 no

mercado internacional, valor insufi ciente

para importar um par de tênis de marca.

Esse olhar sobre a inserção externa do

País ganha relevância no momento em

que alguns “gargalos” do passado foram

superados e começam a ganhar espaço

questões de longo prazo, como a estratégia

de desenvolvimento mais acertada e, den-

tro disso, o papel das exportações. “Como

queremos crescer, em quais setores in-

vestir e o perfi l ideal das vendas externas

eram questões inimagináveis de tratar an-

tes, pois a preocupação era o imediatismo,

como o combate à infl ação e a fragilidade

externa”, afi rma Roberto Pires Messen-

berg, coordenador do Grupo de Análise

e Previsões da Diretoria de Estudos Ma-

croeconômicos (Dimac) do Ipea. Segundo

ele, agora que a “casa está arrumada”, as re-

servas internacionais alcançaram patamar

elevado e o desempenho fi scal permite re-

duzir o superávit primário sem colocar em

risco o fi nanciamento da dívida pública, o

contexto é favorável a uma refl exão mais

demorada sobre a dinâmica das exporta-

ções e a inserção externa.

Se na década de 90 o objetivo era ge-

rar saldo na balança comercial e, portanto,

tanto fazia se as exportações eram de ba-

nana ou de aviões, hoje galgar degraus de

desenvolvimento tecnológico é essencial

para a estratégia de desenvolvimento de

qualquer país. A experiência demonstra

que nenhuma nação da dimensão do Bra-

sil avançou sem aperfeiçoar a indústria.

“Somos e vamos continuar sendo um

grande produtor e exportador de commo-

dities, mas também cresceremos na cadeia

de agregação de valor. Já aliamos a produ-

ção agrícola à industrial, portanto temos

um agribusiness desenvolvido e não ape-

nas uma agricultura vigorosa”, afi rma Ales-

sandro Teixeira, presidente da Agência de

Promoção de Exportações (Apex Brasil) e

da World Association of Investment Promo-

tion Agencies (WAIPA), organização que

reúne as agências de promoção de investi-

mentos de 156 países. “O que vai garantir

a sobrevivência da humanidade daqui a

algumas décadas não serão os computa-

dores, mas os alimentos”, acrescenta.

Para Alessandro Teixeira, é um mito di-

zer que o Brasil é exportador de produtos

básicos, uma vez que algumas commodities

estão nas categorias de industrializados e

semi-industrializados, como é o caso de

ferro refi nado e celulose, respectivamente.

O expressivo aumento das vendas externas

nos últimos anos (antes da crise), segundo

ele, é explicado em boa medida pela expan-

são das exportações, tanto em quantidade

quanto em valor, de semimanufaturados

– complexo soja, carnes, minérios, suco de

laranja, petróleo e celulose. “Vários auto-

res demonstraram, mesmo com uma taxa

de câmbio apreciado, que as exportações

brasileiras de produtos intensivos em tec-

nologia apresentaram crescimento nos úl-

timos anos”, argumenta.

O secretário de Comércio Exterior do

Ministério do Desenvolvimento, Indús-

tria e Comércio Exterior, Welber Barral,

faz coro com Alessandro Teixeira. “No

ano passado, mais de 60% de tudo que o

Brasil exportou correspondeu a produtos

industrializados, sendo 46,8% de bens ma-

nufaturados e 13,7% de bens semimanufa-

turados. Esse desempenho confi rma uma

tendência verifi cada ao longo dos últimos

dez anos. De janeiro a maio de 2009, mes-

mo diante da crise econômica mundial,

a participação de bens industrializados

na pauta exportadora brasileira chegou a

57,2%”, afi rma.

Segundo Barral, as exportações de pro-

dutos industrializados vêm apresentando

forte crescimento: de US$ 41 bilhões em

2000 para US$ 119,7 bilhões em 2008.

Neste ano, as vendas internacionais de

produtos brasileiros industrializados já

somam US$ 31,7 bilhões até maio, apesar

das “barreiras nos países importadores,

sobretudo nos países desenvolvidos”.

O êxito da política brasileira de comér-

cio exterior, diz ele, foi a aposta na diver-

sifi cação da pauta de produtos exporta-

dos e a ampliação de mercados. “Hoje, as

empresas brasileiras vendem uma gama

muito maior de produtos para mais de

200 países. Em 2002, mais de 25% das ex-

portações brasileiras foram destinadas aos

Estados Unidos. Naquele ano, as exporta-

ções gerais somaram US$ 60,4 bilhões, dos

quais US$ 15,3 bilhões foram para os Es-

“O que vai garantir

a sobrevivência

da humanidade

daqui a algumas

décadas não serão os

computadores, mas os

alimentos” Alessandro Teixeira,

presidente da Apex Brasil

Alessandro Teixeira: Brasil exporta industrializados

24 Desenvolvimento julho de 2009

Roos

ewel

t Pin

heiro

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Desenvolvimento julho de 2009 25

tados Unidos”, sublinha. Em 2008, apesar

de a participação dos EUA ter se reduzido

para pouco mais de 13%, os embarques

para aquele mercado somaram US$ 27,4

bilhões.

Houve uma diversifi cação de merca-

dos. “Em um período de crise mundial,

esse fato pode fazer toda a diferença para

o País. Se continuássemos a destinar mais

de um quarto das nossas exportações para

os Estados Unidos, os refl exos da crise so-

bre nossos embarques seriam muito maio-

res do que o que estamos sentindo hoje”,

acrescenta o secretário.

Fábio Silveira, da RC Consultores, dis-

corda: “A denominação genérica de se-

mimanufaturados e manufaturados serve

de disfarce para vários produtos básicos

e commodities, que passam por cadeias

curtas e com padrão tecnológico baixo”. A

soma das vendas externas do agronegócio

(US$ 60,63 bilhões), bens intermediários

(US$ 56,24 bilhões) e petróleo e derivados

(US$ 23,05 bilhões), no ano passado, cor-

respondeu a 71% (US$ 139,92 bilhões) do

total exportado (US$ 191,64 bilhões). Mas

o saldo comercial dos bens intermediários

foi de apenas US$ 4,34 bilhões por causa

do volume elevado das importações (US$

51,90 bilhões). Já a balança de bens de ca-

pital foi defi citária em US$ 28,44 bilhões.

“Queimamos o saldo do agronegócio,

de US$ 52,74 bilhões, com as importações

de US$ 51,90 bilhões de bens intermedi-

ários”, exemplifi ca Silveira. O grosso des-

sas compras no exterior foi do complexo

químico (US$ 36 bilhões). Somente de

componentes da indústria eletroeletrôni-

ca, o País importou no ano passado US$

17,8 bilhões e exportou apenas US$ 3,3

bilhões.

Até mesmo no petróleo e derivados a

balança comercial é defi citária –US$ 10,09

bilhões em 2008. O desequilíbrio maior,

de US$ 7,3 bilhões, está nos derivados pe-

troquímicos mais elaborados, como plás-

ticos utilizados para fabricação de equi-

pamentos da indústria automobilística e

eletroeletrônicos. Por isso, o presidente

Luiz Inácio Lula da Silva alertou que o

Brasil não quer exportar o petróleo bruto

do pré-sal, mas produtos industrializados

do petróleo. Afi nal, o barril do petróleo

estava valendo, no mês passado, menos de

US$ 70 e houve época em que era vendido

a menos de US$ 40.

As exportações de bens primários e

de recursos naturais não é necessaria-

mente ruim para o Brasil, afirma o eco-

“De janeiro a maio de

2009, mesmo diante da

crise econômica mundial,

a participação de bens

industrializados na pauta

exportadora brasileira

chegou a 57,2%” Welber Barral, secretário de Comércio Exterior

Governo quer estimular exportação de produtos industrializados, como calçados

Desenvolvimento julho de 2009 25

Marcello Casal Jr/ABr

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26 Desenvolvimento julho de 2009

nomista da LCA Consultores Francisco

Pessoa Faria. O crescimento do consu-

mo mundial de alimentos, por exem-

plo, pode tornar o negócio lucrativo.

“Existem fatores que indicam desde já a

possibilidade de mudança na tendência

secular de redução dos preços de com-

modities”, lembra Faria. A volatilidade

dos preços das commodities, entretanto,

é um fator de preocupação, porque deixa

o País refém do humor das bolsas de va-

lores mundo afora.

A produção agrícola e mineral é uma

vantagem do Brasil neste momento de re-

cessão mundial, quando caiu a demanda

por manufaturados, mas aumentou o con-

sumo de produtos básicos. “China e Índia,

que incorporaram parcela expressiva da

população ao mercado, estão importando

alimentos e outros produtos que as empre-

sas brasileiras têm para ofertar”, argumen-

ta o presidente da Apex. Essa mudança fez

a China se tornar o primeiro parceiro co-

mercial do Brasil. “É uma transformação

geopolítica e, portanto, estrutural tam-

bém”, assinala.

Nesse momento de recessão mundial,

o perfi l agroexportador joga a favor do

Brasil, mas é preciso tomar cuidado para

o País não perder o que já conquistou em

termos de exportações de industrializa-

dos, alerta o economista Julio César Go-

mes de Almeida, do Instituto de Estudos

para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

“O Brasil é um grande exportador de com-

modities, mas também tem capacidade de

exportar manufaturados”, ressalta.

A crise está prejudicando mais as

exportações dos manufaturados. As ex-

portações de automóveis caíram 47%

entre janeiro e maio deste ano, frente ao

mesmo período de 2008, segundo dados

da Anfavea (Associação Nacional dos

Fabricantes de Veículos Automotores).

Já as exportações de aço caíram 50%, e

motores elétricos, 60%, na mesma com-

paração. “Não se trata de quaisquer ma-

nufaturados, mas de setores onde temos

reconhecida tradição e presença no mer-

cado externo”, acrescenta Julio Almeida.

Ele considera “um desafio e tanto” prote-

ger essas exportações e ao mesmo tempo

expandir o número de itens com agre-

gação de valor aos produtos básicos: “É

preciso otimizar esse conjunto de itens,

“O perfi l agroexportador

joga a favor do Brasil, mas

é preciso tomar cuidado

para o País não perder

o que já conquistou em

termos de exportações de

industrializados” Julio César Gomes de Almeida, do Iedi

Divu

lgaç

ão

26 Desenvolvimento julho de 2009

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Desenvolvimento julho de 2009 27

a atualização do sistema de drawback,

que agora permite inclusive a desonera-

ção tributária nos insumos nacionais”.

Essas medidas surtirão pouco efeito se

o câmbio permanecer no atual patamar,

critica o empresário Humberto Barbato,

presidente da Associação Brasileira da

Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).

“Tudo o que o Ministério do Desenvolvi-

mento, Indústria e Comércio e a Apex fa-

zem durante anos, para convencer as em-

presas a ganhar mercado externo, é desfei-

to em um dia pelo Banco Central, que está

pouco preocupado com o setor produtivo

quando sanciona uma política monetária

de valorização do real frente ao dólar”, al-

fi neta o industrial. O câmbio valorizado,

que reduz os ganhos dos exportadores, fez

Pelos portos brasileiros saem produtos

básicos e chegam industrializados

com mais tecnologia e maior agregação

de valor”.

Isso poderia ser feito com políticas

de exportações de manufaturados, en-

volvendo também pequenas e médias

empresas. “Esta é a hora certa para um

programa mais agressivo de financia-

mento e uma reforma tributária, nem

que seja voltada numa primeira fase para

esses setores da economia, uma vez que

a indústria é extremamente penalizada

pela elevada carga de tributos”, enfatiza

o economista do Iedi. O óleo de soja é

mais taxado do que a soja em grãos. “É

preciso incentivar em vez de punir o sis-

tema de manufatura”, adverte.

Barral, secretário de Comércio Ex-

terior, concorda: “Há a necessidade de

modificações na legislação tributária

brasileira, cuja complexidade acaba pu-

nindo produtos com cadeia de produção

mais longa. Um esforço nesse sentido foi

Divu

lgaç

ão

Divu

lgaç

ão

Desenvolvimento julho de 2009 27

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28 Desenvolvimento julho de 2009

Barbato reduzir a presença de sua empresa

no exterior. A Cerâmica Santa Terezinha,

que exportava 40% de sua produção de

isoladores elétricos para 40 países, agora

vende apenas 20%. “Somos teimosos. Fi-

camos no empate apenas para preservar o

espaço lá fora”, explica.

A moeda brasileira valorizou 30% entre

janeiro de 2005 e junho de 2008. No perí-

odo de janeiro de 2005 a junho de 2009, a

valorização foi de 28,4%, enquanto o yuan,

moeda chinesa, se apreciou 17,6% frente

ao dólar; o iene, moeda japonesa, valori-

zou-se 7%; o euro teve apreciação de 5,3%,

e o peso chileno 2%. Já o peso argentino

e o peso mexicano desvalorizaram frente

à moeda norte-americana – o primeiro

perdeu 26%, e o segundo, 18,2% de seus

respectivos valores.

“O Brasil dificilmente sairá dessa

condição de país agroexportador, por-

que efetivamente pouco importa o que

se está vendendo para fora, mas sim o

saldo da balança comercial. E enquan-

to houver superávit, o governo não fará

uma política articulada e organizada

para valorizar as exportações”, afirma

Barbato. Para ele, “a indústria continu-

ará largada às traças” enquanto os juros

não deixarem de render alta remunera-

ção ao investimento estrangeiro aplica-

do no mercado financeiro, e o governo

não controlar a entrada desses capitais

especulativos. “Sem essas duas mudan-

ças, não haverá taxa de câmbio adequa-

da às exportações”, conclui.

“Tudo o que o Ministério

do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio e a

Apex fazem durante anos,

para convencer as empresas

a ganhar mercado externo,

é desfeito em um dia pelo

Banco Central” Humberto Barbato, da Abinee

Pertinente não apenas por causa das

questões de curto e médio prazo, mas

especialmente porque está diretamente

vinculado ao modelo de crescimen-

to que o País quer ter no longo prazo,

esse debate está apenas no início. Com

a infl ação em segundo plano, o foco

passa para outras áreas. “Começamos

a pensar até que ponto é interessante

depender de exportações de básicos,

muito infl uenciadas por uma deman-

da instável, sujeitando o nosso balanço

de pagamentos a outra fragilidade, e se

não seria importante robustecer nossos

fundamentos externos, agregando mais

valor aos manufaturados”, comenta Ro-

berto Pires Messenberg.

Essa discussão está sendo alimentada

pelo choque recente de demanda exter-

na e pela crise de liquidez no mercado

internacional, que difi cultam as vendas

externas e por sua vez reduzem a corren-

te de comércio – a soma das exportações

e importações. “Provavelmente neste ano

vamos alcançar o mesmo saldo comercial

de 2008, ao redor de US$ 25 bilhões, mas

com queda de cerca de 23% nas exporta-

ções e de 25% nas importações”, explica

o técnico do Ipea. O Instituto estima,

para 2009, em cerca de US$ 155 bilhões

o volume total das exportações e em US$

130 bilhões as importações, contra US$

191 bilhões e US$ 165 bilhões, respecti-

vamente, no ano passado.

Mesmo que mantenha o saldo co-

mercial, a desvalorização cambial é

necessária para evitar fragilidades no

balanço de pagamentos. “Depois de

tudo o que passamos, agora que está

tudo arrumado, é mais do que plausível

a preocupação em não deixar desandar

tudo. Ou seja, qual o nível de câmbio

que não comprometeria tudo o que fi -

zemos”, comenta.

Por enquanto, o balanço de paga-

mentos não preocupa. O Ipea conside-

ra que o défi cit em transações correntes

– que abrange exportações e importa-

ções de bens e serviços, mais rendas,

remessas de lucros e dividendos, bem

como os juros pagos ao exterior –, de-

verá fi car ao redor de 2% do produto

interno bruto (PIB). “Isso é bom perto

da trajetória que tivemos na época da

virada da taxa de câmbio, quando o dé-

fi cit chegou a 5%, 6% do PIB”, lembra

o técnico.

A questão é saber se o balanço

de pagamentos garante ao longo do

tempo recursos não voláteis para fi-

nanciar permanentemente esse nível

de déficit. “Se a taxa de investimentos

permanecer entre 21% e 22% do PIB,

um déficit em transações correntes

da magnitude do atual não é proble-

ma. Complicado seria como no Plano

Cruzado, quando o déficit era de cer-

ca de 5% do PIB e os investimentos

estavam lá embaixo, não gerando re-

cursos para o pagamento das contas

do País em dólar”, comenta. A taxa de

investimentos, que no ano passado fi-

cou em 21% do PIB, deverá cair para

18% neste ano, um patamar suficien-

te para contrapor o déficit em conta

corrente.

“Finalmente a infl ação e o resultado

das contas fi scais deixaram de ocupar

o primeiro plano no contexto do de-

senvolvimento econômico. A discussão

começa a ser feita com olho na taxa de

investimento e também no balanço de

pagamentos”, enfatiza Messenberg. Ou-

tros fatores serão levados em conside-

ração, como a possibilidade de o País

usar dinheiro externo não para consu-

mir, mas para fi nanciar o crescimento

sustentado.

Hora de defi nir o futuro

28 Desenvolvimento julho de 2009

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Desenvolvimento julho de 2009 29

Saúde: um desequilíbrio de US$ 7 bilhões

Uma virada na balança comercial

de medicamentos, equipamen-

tos e complexo industrial da

saúde ocorreu com a abertura

comercial da década de 1990. O défi cit

comercial saltou de US$ 500 milhões

para US$ 7 bilhões, no ano passado.

Nesse período, a indústria farmoquí-

mica – que produz os princípios ativos

para a fabricação dos medicamentos

– quase desapareceu no Brasil. Ano

passado, duas das maiores indústrias

nacionais de equipamentos de saúde

foram adquiridas por multinacionais.

Além de serem empresas de grande

porte, também eram inovadoras.

A necessidade de inverter o sinal da

balança comercial do setor e reestrutu-

rar a cadeia produtiva farmoquímica no

Brasil constitui um dos pontos centrais

da orientação do Ministério da Saúde,

no âmbito da Política de Desenvolvi-

mento Produtivo (PDP), lançada em

maio de 2008 pelo Palácio do Planalto,

que contempla seis áreas estratégicas.

Os principais objetivos são aumen-

tar a capacidade produtiva da indús-

tria nacional, seu grau de inovação

tecnológica e sua competitividade no

plano global, ressalta o secretário de

Ciência, Tecnologia e Insumos Estra-

tégicos do Ministério da Saúde, Rei-

naldo Guimarães. O grupo de traba-

lho interministerial, criado para tocar

o programa, propôs um projeto de lei,

em discussão na Casa Civil, para esta-

belecer regras que promovam o míni-

mo de equilíbrio na competição entre

produtos importados e fabricados no

Brasil, na área de saúde.

“Estamos propondo uma pré-qua-

lifi cação de todos os insumos impor-

tados para evitarmos baixa qualidade

e nem sermos obrigados a comprar

pelo menor preço produtos abaixo de

qualidade mínima. Outro dispositivo

do projeto de lei protege a equalização

de preços nas licitações. Também que-

remos equilíbrio tributário em toda a

cadeia de produção na área da saúde”,

explica Guimarães.

O projeto de lei trata também do

fomento ao setor industrial público,

composto de 20 laboratórios de me-

dicamentos e biotecnologia, como o

Instituto Butantã, em São Paulo, e o

Biomanguinhos, da Fundação Oswal-

do Cruz, no Rio. “Vamos estimular a

produção e a inovação nessa rede de

laboratórios públicos”, afi rma o secretá-

rio. Entre 2003 e 2008, o Ministério da

Saúde investiu cerca de R$ 320 milhões

na melhoria da infraestrutura dessas

indústrias, e comprou delas mais de R$

1 bilhão. Embora respondam por 90%

de todo o mercado de vacinas no Brasil,

os laboratórios públicos nacionais pro-

duzem apenas 30% dos medicamentos

consumidos e menos de 10% dos equi-

pamentos utilizados.

O Profarma Inovação, uma linha de

crédito do BNDES destinada ao com-

plexo industrial da saúde, liberou R$ 6,7

bilhões no ano passado, R$ 4 bilhões em

2007 e R$ 4,5 bilhões em 2006, primeiro

ano de atividade. O programa oferece

condições vantajosas para as empresas

desenvolverem e inovarem produtos

prioritários para o Ministério da Saúde.

Na mesma linha vai a Finep (Financia-

dora de Estudos e Projetos), que foca a

seleção de projetos que coincidam com

a lista de produtos industriais – medi-

camentos, equipamentos, diagnósticos,

vacinas – essenciais para o Sistema Úni-

co de Saúde (SUS).

“É a primeira vez na história do Mi-

nistério da Saúde que incentivos dire-

tos estão sendo dados para fortalecer

a cadeia produtiva na área da saúde no

Desenvolvimento julho de 2009 29

Brasil”, ressalta o secretário. O trabalho

é feito em várias frentes – farmoquí-

micos, medicamentos, vacinas, kit de

diagnósticos, equipamentos. Segundo

Guimarães, o poder de compra do Mi-

nistério e do SUS poderá ser utilizado

para a política industrial. São R$ 10 bi-

lhões gastos anualmente na compra de

medicamentos, vacinas e equipamentos

hospitalares.

A expectativa é que o programa da

área de saúde também resulte em eco-

nomia para os cofres públicos. O Mi-

nistério da Saúde está negociando par-

cerias que, se concretizadas, fornecerão

por ano R$ 850 milhões em medica-

mento ao SUS, com redução de R$ 150

milhões nos custos. “O público se junta

com o privado, que transfere tecnologia

para o público e o Ministério garante

o mercado para os itens produzidos”,

conta o secretário. Embora o Brasil di-

fi cilmente consiga ser líder mundial na

indústria de medicamentos por síntese

química, poderá seguir a rota do futuro

nessa área, que é a biotecnologia, prevê

Guimarães. “Temos condições de pegar

esse bonde mais recente e, enquanto

isso, melhorar nossa posição na indús-

tria tradicional”, conclui.

Liliana Lavoratti

Drea

mstim

e

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30 Desenvolvimento julho de 2009

Por que o Brasil não se insere interna-

cionalmente em mercados de maior

intensidade tecnológica e mais ren-

táveis, com uma pauta de exporta-

ções menos centrada em produtos básicos?

O que impede o País de renovar a estrutura

de sua indústria e, com isso, proporcionar

uma dinâmica de excelência internacional

e obter resultados com alto valor agregado?

Essas são algumas das interrogações do se-

tor produtivo e do governo quando tratam

do desenvolvimento da produção nacional

e da balança comercial – e, de maneira mais

ampla, do futuro que está sendo construído

agora para os brasileiros.

“Estamos avançando na direção correta,

mas a mudança é lenta. Não se consegue

modifi car a pauta de inserção internacional

da noite para o dia. É preciso, porém, consi-

derar que o Brasil exporta soja, mas também

exporta avião e essa diversidade é impor-

tante. Temos de continuar vendendo grãos

para o resto do mundo e ao mesmo tempo

ampliar os itens com maior intensidade tec-

nológica”, afi rma João Alberto de Negri, téc-

nico do Ipea. Entretanto, o fato é que o País

investe menos do que deveria em ciência,

inovação, pesquisa e desenvolvimento.

De Negri observa que todos os países

desenvolvidos e emergentes, com presen-

ça marcante de bens de alta densidade

tecnológica no mercado internacional,

galgaram essa posição em decorrência de

políticas públicas voltadas ao aumento de

competitividade. Não é à toa que pesquisa

e desenvolvimento (P&D) são altamente

subsidiados em países desenvolvidos. Para

se ter uma ideia, metade de tudo o que as

empresas da Europa e Estados Unidos in-

vestem em pesquisa e desenvolvimento é

fi nanciada pelos respectivos governos. No

Brasil, o governo entra com apenas 5%. O

restante depende das empresas.

“Isso mostra que, para nos inserirmos

em mercados de maior valor agregado e

gerar postos de trabalho mais bem remu-

nerados, temos de investir mais na cultura

da inovação”, afi rma o técnico. Ele lembra

que investimentos em máquinas e equipa-

mentos também conduzem a um processo

de inovação na malha industrial. “Infeliz-

mente, apesar de várias iniciativas adota-

das nos últimos tempos no âmbito gover-

namental, ainda falta uma política mais

agressiva nesta direção”, constata.

De acordo com dados ofi ciais de maio

de 2008, o País aplica 0,51% do Produto In-

terno Bruto (PIB) em P&D, o equivalente a

R$ 11,9 bilhões. Entre 2000 e 2005, a parti-

cipação do investimento privado em P&D

no PIB cresceu 46%, segundo a Federação

das Indústrias do Estado de São Paulo

(Fiesp). Foi a partir de 2006, por exemplo,

que o foco da inovação tecnológica come-

çou a ganhar destaque nos fi nanciamentos

do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES). Naquele

ano, as nove linhas de crédito voltadas es-

pecifi camente para inovação – entre elas o

Criatec e o Profarma Inovação – totaliza-

ram R$ 105,6 milhões. Em 2007, passaram

para R$ 315,6 milhões, alcançando a cifra

de R$ 572,8 milhões ano passado.

Segundo a chefe do Departamento de

Políticas de Planejamento do BNDES,

Helena Tenório, a instituição fi nancia da

pesquisa para desenvolvimento de pro-

dutos de última geração até a produção e

exportação desses bens. “Nesses fi nancia-

mentos, as condições de juro, prazo e pa-

gamento são melhores conforme o grau

de valor agregado incorporado ao pro-

cesso produtivo”, ressalta Helena. Segun-

do ela, em breve o banco começará a im-

plementar um novo conceito de inovação

Mudança lenta

Tecnologia é a chave para aumentar o valor agregado dos produtos nacionais

30 Desenvolvimento julho de 2009

Wilson Dias/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 31

nas linhas de crédito. “Em vez de olhar

um projeto, como foi até agora, vamos

olhar a capacidade da empresa de investir

em aumento da capacidade de inovação”,

explica. Nesse novo conceito, a avaliação

das empresas engloba também os ativos

intangíveis – como capital humano e ou-

tros recursos diretamente relacionados à

inteligência na produção.

Educação e tecnologia. Receita de sucesso

Aperfeiçoar aquilo em que o País já é

altamente competitivo – produtos inten-

sivos em mão-de-obra e recursos naturais

– e ocupar espaço em mercados interna-

cionais, onde a tecnologia é o padrão de

competição entre as empresas, não vai

acontecer por milagre, nem por obra

simplesmente do mercado. E a política

educacional teria de ser vinculada a uma

política de desenvolvimento, com menos

fi lósofos e historiadores e mais engenhei-

ros e bioquímicos.

Para Alessandro Teixeira, presidente da

Apex, as empresas brasileiras já buscam

vários caminhos para acompanhar as ten-

dências do futuro. Um deles é a biotecnolo-

gia. “Daqui a pouco tempo, o consumidor

poderá comprar algodão natural colorido,

sem risco de alergias. Várias indústrias estão

nessa rota e dentro de alguns anos isso vai

se refl etir na nossa pauta de exportações”,

ressalta. Para pavimentar essa estrada, é

necessário galgar várias etapas, a começar

pela mudança na legislação tributária, cuja

complexidade acaba punindo produtos

com cadeia de produção mais longa.

A Política de Desenvolvimento Pro-

dutivo (PDP), lançada há um ano, é uma

novidade em termos de tentativa de co-

ordenação entre ministérios e agências

governamentais para subordinar as me-

didas de apoio à indústria aos planos de

longo prazo estabelecidos com os empre-

sários. Segundo o presidente da Agência

Brasileira de Desenvolvimento Indus-

trial (ABDI), Reginaldo Arcuri, a maior

agregação tecnológica à produção nacio-

nal é o objetivo final das metas da PDP

para 2010 – ampliação do investimento

fixo em relação ao PIB (21%), incremen-

to de gastos privados em P&D (0,65% do

PIB), aumento da participação brasileira

no comércio exterior (1,25% do comér-

cio mundial, contra 1,18%) e elevar para

10% o número de micro e pequenas em-

presas no mercado exportador.

Na avaliação da Fiesp, um dos maio-

res desafios da PDP será a articulação e

gestão de cerca de 200 instrumentos es-

palhados por 13 ministérios, três ban-

cos públicos, sete agências reguladoras

e oito instituições (Sistema S, Federa-

ções). “Esta foi uma das maiores falhas

da Política Industrial, Tecnológica e

de Comércio Exterior (PITCE). Nesta

segunda versão da política industrial,

embora tenha ocorrido avanço, o resul-

tado do exercício da articulação institu-

cional realizado pelo governo para de-

senvolver os programas estruturantes,

como, por exemplo, o PAC, tem deixa-

do a desejar, revelando-se um tema que

deve ter muita atenção do governo e da

sociedade”, afirma o documento “Ava-

liação da PDP”.

Na área estatal, as iniciativas serão

articuladas no Fórum das Estatais Fede-

rais sobre Inovação, que será lançado em

breve pelo governo. Segundo o técnico

do Ipea Danilo Santa Cruz Coelho, um

dos objetivos específi cos do fórum é pro-

mover estudos sobre a dinâmica da ino-

vação tecnológica nas empresas estatais e

sua difusão para o restante da economia.

“Ano passado fi zemos no Ipea um estudo

sobre o impacto dos fi nanciamentos do

BNDES na produtividade das empresas.

Agora, estamos com um grande projeto

de pesquisa sobre o impacto da Petro-

bras no desenvolvimento tecnológico no

Brasil. Um dos objetivos específi cos desta

pesquisa é analisar os transbordamentos

tecnológicos da Petrobras sobre os seus

fornecedores”, explica.

A Embrapa também está fazendo

estudos parecidos e no futuro esses re-

sultados deverão ser disseminados, diz

o diretor do Departamento de Coorde-

nação e Controle das Empresas Estatais

do Ministério do Planejamento, Murilo

Barella, que coordena o fórum. “Vamos

estimular os fornecedores das estatais a

adotar as práticas de sucesso voltadas ao

estímulo da inovação tecnológica, bem

como transpor para outros segmentos

da economia aquilo que deu certo nas

empresas públicas, resguardados os di-

reitos dos sócios das estatais com ações

em bolsas”, ressalta.

Arcuri quer maior agregação de valor a exportação Barella quer estimular a inovação tecnológica

Desenvolvimento julho de 2009 31

Elza Fiúza/ABr

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32 Desenvolvimento julho de 2009

Mais da metade das exportações

brasileiras neste ano foi de

produtos básicos: de janeiro a

abril, as vendas de commodi-

ties representaram 51% do total exportado

pelo País. “A crise internacional parece ter

acentuado uma das principais característi-

cas da pauta de comércio exterior brasilei-

ra: sua elevada concentração em commo-

dities e em produtos de menor intensida-

de tecnológica”, constata o boletim Radar:

Tecnologia, Produção e Comércio Exterior,

lançado no início do mês pela Diretoria

de Estudos Setoriais do Ipea, na sede da

Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (Fiesp).

Antes da crise, o peso das commodities

no total exportado pelo Brasil vinha au-

mentando gradativamente, de 39% para

43%, entre 2004 e 2008. Historicamen-

te, em torno de 40% das vendas externas

brasileiras são em produtos básicos. Nos

primeiros quatro meses de 2009, a taxa

saltou para 51%. “A gente nunca chegou

a uma mudança dessa magnitude”, afi rma

Fernanda de Negri, diretora adjunta de Es-

tudos Setoriais.

Já as vendas de produtos industriali-

zados perderam peso na pauta de expor-

tações, com destaque para os de média

tecnologia (queda de 19% para 16%, en-

tre 2004 e 2008), e produtos intensivos

em mão-de-obra (queda de 12% para

7%, no período). Para Fernanda de Ne-

Mais commodities, menos industrializadosVolume exportado teve pequena queda no ano passado, mas o valor de divisas foi maior

Comércio exterior

Participação Percentual dos Diferentes Grupos de Produtos, segundo

intensidade tecnológica, na pauta de exportações brasileiras: 2004 a 2008

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%2004

Fonte: Elaboração própria a partir de SECEX/MDIC e UNCTAD.

2005 2006 2007 2008

Commodities

Baixa IT

Alta IT

Mão de obra e Recursos nat

Média IT

Outros

9% 11% 11% 13%

12% 12%12% 12%

11%

19%20% 20% 18% 16%

10%

10% 8% 8%9%

12% 11% 10%9% 7%

39% 38% 39% 41% 43%

7%

gri, a queda se deve à retração da eco-

nomia mundial, que passou a demandar

menos produtos devido à crise interna-

cional, mas a apreciação do real frente

ao dólar pode ter contribuído para a re-

dução das exportações de produtos in-

dustrializados.

No estudo, Fernanda e Maria Cristi-

na Passos mostram uma outra questão

relevante: o aumento da participação das

commodities no total exportado decorre,

em grande parte, da alta dos preços no

mercado internacional, e não do cresci-

mento do volume de vendas – houve ligei-

32 Desenvolvimento julho de 2009

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Desenvolvimento julho de 2009 33Desenvolvimento junho de 2009 33

foi o crescimento das exportações brasileiras

para a China de janeiro a maio de 2009

34%

Exportação

As exportações chinesas cresceram,

em média, 17,9%, entre 1995 e

2004. As da Índia, 12,1%. Já as bra-

sileiras fi caram em apenas 8,8%. A

alta de crescimento das vendas externas

da China e Índia mostram o dinamismo

dessas economias, de acordo com o livro

Trajetórias Recentes de Desenvolvimento,

publicado pelo Ipea, e que motivou a rea-

lização de um seminário no mês passado

sobre a reação da China, Índia, Estados

Unidos, Finlândia, Argentina, África do

Sul, Alemanha, México, Espanha e Rússia

à crise internacional.

“O tipo de inserção dos diferentes pa-

íses no comércio internacional refl ete,

em certa medida, as estratégias de desen-

volvimento produtivo adotadas”, afi rma

a publicação. China, Índia e México, por

exemplo, estabeleceram como meta o au-

mento das exportações de manufaturados:

em 2005, 91,9% do total exportado pela

China já eram produtos industrializados ,

70,3% na índia e 77,1% no México. Embo-

ra tenha elevado as vendas de manufatu-

rados nos últimos anos, o Brasil ainda está

bem atrás dos concorrentes: 53,9% das

exportações brasileiras, em 2005, eram de

produtos industrializados. Com a crise in-

ternacional, a taxa está em queda.

O livro mostra também que os Esta-

dos Unidos, Finlândia e Alemanha são

os maiores exportadores de produtos de

alta tecnologia (25,8%, 21% e 14,2% das

vendas externas, respectivamente). Entre

os países em desenvolvimento, destacam-

se a China, com 28,1%, e o México, com

15,1%, enquanto no Brasil a taxa é de

6,8%. Embora sejam exportadores de

produtos industrializados, os produtos

vendidos pela Índia e pela Espanha têm

baixo conteúdo tecnológico (3,8% e 5,6%

das exportações, respectivamente).

Estados Unidos, Finlândia e Alema-

nha chegaram a esse resultado a partir

de vultosos investimentos em pesquisa

e desenvolvimento. Em 2004, a Alema-

nha destinou 2,5% do seu Produto In-

terno Bruto (PIB) à ciência e tecnologia,

e a Finlândia, 3,5%, enquanto o Brasil

investe em torno de 1%. “Poucos países

no mundo sofreram transformações tão

radicais em tão pouco tempo quanto a

Finlândia”, escreve Glauco Arbix, profes-

sor da Universidade de São Paulo (USP) e

ex-presidente do Ipea, que assina um dos

estudos publicados no livro em conjunto

com Joana Varon, aluna de mestrado da

Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

E menos de 30 anos, a Finlândia elimi-

nou a pobreza em seu território, investiu

em educação, desenvolveu-se e inseriu-se

na economia internacional como uma “das

sociedades mais avançadas do planeta”. A

produtividade, de US$ 22.173, e a renda

per capita no país, de US$ 35.280, estão

entre as mais altas. Em 2005, a produti-

vidade brasileira era de US$ 5.812, quase

quatro vezes menor. A produtividade do

Brasil está mais próxima da registrada pela

China e abaixo dos valores da Argentina

e México. “A variação da produtividade

no Brasil (4,7%) é muito baixa ao longo

dos 25 anos (1980 a 2005). Enquanto nos

países desenvolvidos, e muito em especial

na Finlândia, a produtividade por hora

aumenta de modo considerável: cerca de

45% na Alemanha, mais de 50% nos Es-

tados Unidos e Espanha, e quase 100% na

Finlândia”, afi rma o livro.

Indicador de dinamismo

da economia

ra queda na quantidade vendida no

ano passado. Devido ao aumento de

preço, a participação do Brasil no

comércio mundial teve uma leve

alta, ressalta Fernanda de Negri.

Entretanto, a queda no volume ex-

portado pode ser indício de perda

de competitividade da economia

brasileira, se outros países tiverem

aumentado suas vendas.

O ganho com a exportação de

commodities, ressalta Fernanda,

no curto prazo é bom para o Brasil,

porque ajuda na sustentabilidade do

balanço de pagamentos. As vendas

têm sido sustentadas pela China,

que continua importando commo-

dities do Brasil, enquanto outros

países reduziram a demanda. Nos

cinco primeiros meses deste ano, as

exportações brasileiras para a China

cresceram 34%. Como outros países

compraram menos, o total exporta-

do pelo País no período caiu 23%.

Embora no momento seja neces-

sário, o aumento das exportações de

produtos básicos é indesejado. “Esse

movimento é o oposto ao que o País

precisa no longo prazo, que é diversi-

fi car sua pauta de exportações a par-

tir da ampliação da participação de

produtos mais intensivos em tecno-

logia”, afi rmam as técnicas do Ipea.

Mais informações sobre o tema podem ser encontradas no sítio do Ipea, nas publicações Comunicados da Presidência nº 22 e 23 e Radar

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34 Desenvolvimento julho de 2009

Em busca de mercado

L i l i a n a L a v o r a t t i - d e S ã o P a u l o

Desde abril deste ano, a China é o

principal parceiro comercial do

Brasil. Os chineses desbancaram

a liderança de mais de 80 anos

dos norte-americanos na corrente de co-

mércio com os brasileiros. Esse novo ce-

nário foi formado por fatores estruturais,

provocados pelas mudanças de ambas as

economias, e também pela crise fi nancei-

ra mundial. “Esse é um desenho que se

formou diante da atual conjuntura, mas

não podemos afi rmar que uma mudança

de paradigma possa interferir no ordena-

mento dos parceiros comerciais do Brasil”,

diz o secretário de Comércio Exterior do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior, Welber Barral.

O espaço ocupado pela China nas rela-

ções exteriores do Brasil hoje tem desper-

tado vivo debate e marcadas divergências.

Para compreender o quadro formado pela

perda do status dos EUA e ascensão dos

chineses é útil uma retrospectiva históri-

ca, remetendo-se à mudança de regime no

Brasil - do Império para a República -, mo-

mento em que se deu início ao processo de

americanização do País. “É oportuno olhar

para o passado, porque suscita interessantes

questionamentos sobre o presente, sobre os

caminhos que o Brasil vem trilhando e so-

bre as possíveis consequências de suas esco-

lhas”, afi rma Arnaldo Cardoso, pesquisador

de Política Externa Brasileira e professor do

Instituto Presbiteriano Mackenzie.

Para aqueles que desbravaram a Repú-

blica, a americanização signifi cava o fi m

da herança colonial, a industrialização

e o progresso da democracia. “O então

Governo Provisório lançou-se à tarefa de

sincronizar o Brasil com o tempo e rom-

per com tudo que lembrasse o passado”,

conta Cardoso. Em 1889, a Conferência

Pan-Americana, realizada em Washington

(EUA), teve pela primeira vez represen-

tação brasileira, e o norte do evento era

o ideal norte-americano de formação de

China se torna o principal comprador de produtos brasileiros, deixando os Estados Unidos em segundo lugar. Será uma mudança duradoura?

uma União Aduaneira Americana.

Segundo o pesquisador do Mackenzie,

o processo conhecido como “republicani-

zação da diplomacia” do Brasil foi marcado

pela aplicação de medidas para a elevação

do comércio exterior ao lugar em outro

momento ocupado pelas questões da gran-

de política, valorizadas na política externa

do Império. “Algumas ações, como o fecha-

mento de delegações na Europa e abertura

de consulados em pontos estratégicos para

o comércio - anos depois, abertura da pri-

meira embaixada brasileira em Washing-

ton -, expressavam o novo ideário orienta-

dor da política externa do Brasil”, lembra.

A partir daí, a assinatura de um acordo

aduaneiro com os norte-americanos seria

o passo decisivo para o estabelecimento

de novas bases para o relacionamento en-

tre os dois países. Para o Brasil, o acordo

deveria garantir uma posição de privilégio

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Desenvolvimento julho de 2009 35

ao açúcar e ao café do Brasil no mercado

americano. O tratado comercial fi rmado

em janeiro de 1891 expressava o princípio

da reciprocidade. Ao atender a reivindi-

cações do setor agrícola brasileiro, foram

estabelecidas também condições especiais

para a entrada de manufaturas americanas

no mercado brasileiro.

Para a economia brasileira, os EUA fo-

ram durante a 1ª República (1889-1930) o

mais importante polo dinamizador, ten-

do no café (isento de tarifas no mercado

americano) seu principal produto. “E no

começo da década de 1920, os EUA tor-

naram-se simultaneamente os principais

compradores e fornecedores do Brasil.

Também nesse período os EUA se torna-

ram o principal investidor estrangeiro no

Brasil, registrando em 1928, o volume de

US$ 476 milhões.”

Foi justamente a partir da crise eco-

nômica, iniciada em 1929 em solo norte-

americano, que fi caram explícitas as fra-

gilidades do modelo de desenvolvimento

nacional, ancorado na agroexportação e

na concentração de destino das exporta-

ções em um único país. De lá pra cá muita

coisa mudou, mas não são poucos os para-

lelos com o presente momento.

O futuro - Como os Estados Unidos, a ques-

tão de fundo sobre a corrente de comércio

sino-brasileira está na qualidade da relação

americana, no futuro próximo, aliada aos

contínuos esforços de conquistar merca-

dos naquele país para produtos brasileiros,

possa aumentar bastante a corrente de co-

mércio com os Estados Unidos.

A China é considerada parceira es-

tratégica do Brasil desde 1993, quando

foi assinado um acordo entre os países

durante o governo Itamar Franco. Desde

então, a importância comercial do país

asiático para o Brasil vem crescendo sig-

nifi cativamente. No plano quinquenal de

ação conjunta para o período de 2010 a

2014, foram estabelecidas metas para o

crescimento do comércio bilateral, dos

investimentos e de outros pontos da co-

operação entre os países.

Na área comercial, a principal preocu-

pação do Brasil é com a diversifi cação da

pauta de exportações para a China. Hoje, as

matérias-primas – soja e minério de ferro

– concentram mais de três quartos das ven-

das brasileiras, enquanto as importações

são basicamente de produtos manufatura-

dos, com maior valor agregado. “A China é

complementar ao Brasil das commodities,

mas é preciso trabalhar para conseguir uma

participação maior no Brasil industrializa-

do”, indica Júlio Almeida. Segundo estudo

do Banco Nacional de Desenvolvimento

Social e Econômico (BNDES), as exporta-

ções responderam por metade da queda na

produção industrial nos seis meses seguin-

tes ao agravamento da crise, e por mais da

metade (55%) da retração da indústria de

transformação.

estabelecida e nas chances de sua conti-

nuidade depois da turbulência econômica.

“Essa parceria tem a ver com a crise: por

causa dela outros países relevantes para o

comércio brasileiro, como Estados Unidos,

estão em retração”, diz Júlio Almeida, dire-

tor-executivo do Instituto de Estudos para

o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “Mas

há um lado estrutural que não pode ser ig-

norado, como o próprio fato de a China al-

mejar ser a fábrica do mundo”, acrescenta.

Parece cedo, indicam especialistas, para

prever o futuro dessa parceria. “A China é

o principal país no qual o governo brasilei-

ro deposita suas fi chas, mas é preciso saber

se essa aposta será correspondida”, frisa o

professor de comércio exterior da Univer-

sidade Presbiteriana Mackenzie, Francisco

Cassano. “A aproximação entre Brasil e

China pode ser vista por dois ângulos: um

é o geopolítico, ambos miram o aumento

da interlocução nas decisões mundiais.

Outro é de cunho comercial”, frisa.

A estratégia de explorar um merca-

do de proporção inequívoca — demanda

pressionada por um contingente de 1,3

bilhão de habitantes — não deve excluir,

segundo Cassano, a relação com a União

Europeia e Estados Unidos. “Conseguir

trabalhar para derrubar as barreiras tari-

fárias com os EUA imprimiria uma van-

tagem comercial muito proveitosa para o

Brasil”, destaca. O secretário de Comércio

Exterior do MDIC não descarta que uma

possível recuperação da economia norte-Dr

eams

time

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36 Desenvolvimento julho de 2009

VIOLÊNCIA

Falta de segurança, antes um fenômeno dos grandes centros, se espalha por pequenas cidades País afora. Regiões de fronteira são as mais violentas

A n n i e N i e l s e n - d e R i o d e J a n e i r o

Criminalidade avança pelo

interior

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Desenvolvimento julho de 2009 37

Repressão policial não consegue conter alta taxa de violência do Brasil

Marc

ello

Cas

al Jr

/ABr

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38 Desenvolvimento julho de 2009

Nos grandes centros do país, pou-

cos pais dormem tranquilos

quando os fi lhos saem à noite.

São raros os motoristas que res-

peitam sinal de trânsito em áreas desertas.

Em todas localidades, diante da profusão

de notícias de atos violentos, reina uma

sensação de medo e insegurança. A taxa

nacional de homicídios é de 23,7 casos

por 100 mil habitantes, um índice alto

considerados os padrões internacionais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)

considera “zonas epidêmicas” aquelas com

taxas superiores a 10 assassinatos por 100

mil habitantes.

O pior é que os estudos indicam que a

violência no Brasil não está mais restrita

aos grandes centros urbanos. Ela se alas-

trou pelo interior e por pequenas cidades,

deixando um rastro de destruição de vidas

e de prejuízos econômicos. Estima-se que

o País gaste em torno de 5% do Produto

Interno Bruto (PIB) com a violência. En-

quanto isso, crescem os negócios das em-

presas de segurança privada.

O “Mapa da violência dos municípios

brasileiros 2008”, produzido pela Rede In-

formação Tecnológica Latino-americana

(Ritla), Instituto Sangari e os ministérios

da Justiça e da Saúde, mostrou que o nú-

mero de homicídios no país a partir de

2003 caiu 8,5% de 2003 para 2006. Mesmo

assim, foram 46.660 homicídios em 2006,

o que corresponde a uma taxa duas vezes

superior ao padrão mundial. Entre a po-

pulação jovem de 15 a 24 anos, a queda foi

de 13%. O coordenador do estudo, Julio

Jacobo Waisenlfi sz, acredita que o resulta-

do tenha sido refl exo da campanha do de-

sarmamento e da regulamentação de uso,

compra e porte de armas.

Outro ponto revelado pelo estudo foi

o deslocamento da violência das grandes

capitais e metrópoles para cidades meno-

res, nas regiões de fronteira e no interior,

que chegam a ultrapassar 100 homicídios

por 100 mil habitantes. Em geral, as taxas

são alarmantes em locais que não contam

com a presença do Estado. São áreas de

desmatamento ou dominadas pelo con-

trabando de armas e tráfi co de drogas.

“Nessas áreas há ausência total do poder

público e impera a lei do mais forte”, afi r-

mou Waisenlfi sz na época da divulgação

do estudo.

De acordo com o Mapa, 556 cidades

– o equivalente a 10% do total de muni-

cípios do Brasil – concentraram 73,3%

dos assassinatos ocorridos em 2006. São

municípios com média de 143,9 mil ha-

bitantes, que reúnem 44% da população

brasileira. A lista das cidades com as mais

altas taxas médias de homicídios no País -

levando-se em conta o número de mortes

e o tamanho da população - é encabeçada

por Coronel Sapucaia (MS), com 107,2

homicídios em 100 mil habitantes. Loca-

lizada próxima à fronteira com o Paraguai,

o município concentra ações de grupos de

contrabando de armas, tráfi co de drogas e

de roubo de carros.

O mesmo ocorre com Foz do Iguaçu

(PR), que ainda despontou como a cam-

peã de vítimas de homicídios entre a po-

pulação jovem de 15 a 24 anos, com uma

taxa de 61,3 homicídios por 100 mil ha-

bitantes. Cidades na lista como Colniza

(MT), Itanhangá (MT) e Cumaru (PA)

apresentaram taxas entre 80 e 100 mortes

por 100 mil habitantes.

Policiais fazem blitz em barcos e locais

suspeitos para combater tráfi co de

drogras e de armas

Em geral, ocorrem

mais crimes em locais

que não contam com a

presença do Estado. São

áreas de desmatamento

ou dominadas pelo

contrabando de armas

e tráfi co de droga, onde

impera a lei do mais forte

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Desenvolvimento julho de 2009 39

Entre as capitais, Recife foi a primei-

ra a fi gurar na lista das cidades com as

mais altas taxas de homicídios no “Mapa

da Violência dos Municípios Brasileiros”.

Tráfi co de drogas, ações de grupos de ex-

termínio e crimes relacionados a acerto

de contas e ao consumo de álcool teriam

sido os principais motivos que levaram a

capital pernambucana a ocupar o nono

lugar no ranking das cidades mais violen-

tas, com taxa de 90,5 casos por 100 mil

habitantes. Vitória e Maceió apareceram

pouco depois, em 13º e 22º lugares, com

taxas de 87 e 80,9 casos por 100 mil ha-

bitantes, respectivamente. Embora tradi-

cionalmente associado a altos índices de

violência, o Rio de Janeiro ocupou a 205ª

posição, com taxa de 44,8 casos por 100

mil habitantes, e São Paulo, a 491ª posi-

ção, com taxa de 31,1.

Mapa da violência Na cidade do Rio de Ja-

neiro, entre 2002 e 2006, houve 13.727

homicídios. Desse total, 25% morreram

em confronto com a polícia. A maior parte

das vítimas morava em favelas ou conjun-

tos habitacionais populares. Essas infor-

mações constam do estudo “Segregação

territorial e violência no município do Rio

de Janeiro”, das técnicas do Ipea Patrícia

Rivero e Rute Rodrigues. Dados prelimi-

nares foram apresentados ao público no

auditório do Ipea, no Rio de Janeiro, no

dia 3 de junho deste ano, durante o semi-

nário Áreas de Concentração de Violência

no Município.

De acordo com os técnicos, o cruza-

mento de dados de registros de óbitos com

outras informações mostra que a maioria

dos assassinatos ocorreu nas zonas norte

(43,5%) e oeste (30%), áreas com maior

número de favelas. Na zona sul, área mais

nobre da cidade, a taxa de homicídios foi

de 7%. Bonsucesso, bairro da zona norte

que engloba as favelas do Complexo do

Alemão e da Maré, deteve o maior núme-

ro de ocorrências: 585 homicídios em cem

mil habitantes.

O levantamento feito pelas técnicas

também permitiu ver que o confronto

com a polícia resulta em mais mortes zona

norte do que na zona sul. De acordo com

Patricia Rivero, “a polícia tem uma ação

mais letal na zona norte e oeste (excluin-

do a área litorânea da Barra). Já as ações

não letais, como prisões e apreensões de

drogas, são mais frequentes na zona sul”,

explica.

Na avaliação do professor Luiz Antô-

nio Machado, do Instituto Universitário

de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj),

o fato de haver mais prisões nas zonas

abastadas e mais mortes nas zonas pobres

signifi ca que o estado está presente em to-

das as regiões. “O problema é a natureza

dessa presença”, observa Machado, crítico

do modelo de segurança pública baseado

apenas na repressão e na exclusão.

“Enquanto predominar a mentalidade

de apenas afastar os ‘outros’ (negros, po-

bres e favelados) que nos ameaçam, tere-

mos sempre o que está aí (essa situação de

violência)”, afi rma. O modelo é questiona-

do também pela ex-diretora do Instituto

de Segurança Pública do Rio de Janeiro

e pesquisadora da Universidade Federal

Fluminense, Ana Paula Miranda. Segundo

ela, as estratégias operacionais da polícia

não são voltadas contra o crime, e sim

contra os criminosos, “quase sempre po-

bres, negros e favelados”. “Essa estratégia

Município do Rio de Janeiro: taxas de homicídios por bairros

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40 Desenvolvimento julho de 2009

só funciona no sentido de manter as coisas

como estão”, diz.

Para Ana Paula Miranda, as classes

média e alta acham que podem resolver

o problema da segurança pública de uma

forma “classista”. Ela explica que quando

houve crise na educação, a classe mé-

dia botou os filhos na escola particular.

Diante do caos da saúde pública, migrou

para os planos de saúde privados. “Mas

com segurança pública não dá. Ou um

morador da favela tem tanta segurança

quanto eu, moradora da zona sul, ou

nenhum de nós terá segurança. Esse é o

cenário do Rio, aliás, esse é o cenário do

Brasil”, sentencia.

Rute Rodrigues lembra que, além dos

efeitos devastadores sobre as vítimas e

suas famílias, a violência também acarreta

outros de ordem prática. “Locais violentos

muitas vezes não dispõem de serviços es-

senciais adequados como água, luz, sanea-

mento, postos de saúde. E os governos têm

difi culdade em arranjar gente disposta a

trabalhar lá”, comenta.

“Algumas ruas de favelas nem existem

ofi cialmente”, informa o diretor do Instituto

Pereira Passos, Fernando Cavallieri. Segundo

o diretor, a ofi cialização é condição essencial

para que os moradores desses locais possam

reivindicar a prestação de serviços.

Para o pesquisador do Ibase Itamar

Silva, falta continuidade das políticas pú-

blicas: no Rio, o programa de urbanização

Favela-Bairro foi interrompido em muitos

locais. “Nas favelas, muitos equipamentos

novos ou melhorias acabam se tornando

alvo de disputas internas, particulares.

Quem tem força leva”, conta.

Na ausência do poder público, os cri-

minosos assumem o controle dessas áreas.

Esse é um dos principais problemas da se-

gurança pública, na avaliação do tenente

coronel da Polícia Militar do Rio de Janei-

ro Antonio Carlos Blanco. “Do ponto de

vista matemático, não vejo outra solução

que não seja mediante a mobilização das

Forças Armadas”, reconhece.

Neste ano, dados divulgados pelo Institu-

to de Segurança Pública (ISP) revelaram que

o número de homicídios na cidade do Rio de

Janeiro, no primeiro trimestre de 2009, havia

aumentado 8% em relação ao mesmo perí-

odo de 2008. De 1.570 assassinatos passou

para 1.695. Mas a quantidade de mortes em

confrontos com a polícia foi 24% menor do

que no mesmo período de 2008.

Os dados revelam ainda que a violência

em 2008 concentrou-se no interior do es-

tado. Na Região dos Lagos, com sete mu-

nicípios e um dos principais pontos de ve-

raneio, despontara como a área com maior

taxa de homicídios: 36,91 para cada 100

mil habitantes. Além disso, outros dois

pontos do interior chamaram atenção: a

região de Macaé e os cinco municípios do

entorno, com 35,47 homicídios para cada

100 mil habitantes, e o litoral sul fl uminen-

se (entre Mangaratiba e Parati), com 35,37

para cada 100 mil. Para os especialistas, as

taxas da Região dos Lagos e as da área de

Macaé seriam resultado do crescimento

desordenado dessas duas regiões, sobretu-

do em função da exploração de petróleo

na bacia de Campos.

Batidas policiais resultam em mais mortes entre os pobres e...

Marc

ello

Cas

al Jr

/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 41

Violência em São Paulo A pesquisadora do Nú-

cleo de Estudos da Violência da USP Maria

Fernanda Tourinho Peres acredita que a re-

dução das mortes violentas em São Paulo, de

2002 a 2006, pode ter diversas causas, entre

elas a campanha do desarmamento, os tra-

balhos sociais de organizações não-gover-

namentais (ONG) em regiões periféricas de

São Paulo e mudanças nas políticas públicas,

antes voltadas apenas para o combate aos

efeitos da violência. Além disso, o governo

estadual aumentou os investimentos em se-

gurança pública, o que permitiu aparelhar

melhor a polícia, oferecer cursos de capaci-

tação e remunerar melhor os policiais, e o

uso de sistema de análise de dados pela Se-

cretaria de Segurança Pública.

O secretário Nacional de Segurança

Pública, Ricardo Balesteri, concorda com

as hipóteses levantadas e acrescenta mais

uma à lista: o envelhecimento populacio-

nal. “Em todos os países em processo de

envelhecimento da população, há uma

tendência à redução da criminalidade”,

afi rmou. De acordo com o secretário, à

medida que as pessoas envelhecem e fi n-

cam raízes nos locais em que vivem, as on-

das de migração para os grandes centros

diminuem, o que costuma contribuir para

uma situação de menos confl itos.

A migração causada pela expectativa de

abertura de novas vagas de empregos em

Caraguatatuba e Guarujá, principalmente

nos terminais de processamento de gás da

Petrobras, foi um dos motivos apontados

por especialistas para o aumento da vio-

lência nessas cidades em 2008. As duas

foram responsáveis por quase um terço

dos assassinatos no litoral, embora con-

centrem apenas 20% da população dessa

região. Nas 16 cidades que compõem a

costa paulista, o número de homicídios

passou de 253 em 2007 para 270 em 2008,

um aumento de 6,72%.

Segundo estatísticas da Secretaria de

Segurança Pública (SSP), a taxa de homi-

cídios dolosos (com intenção de matar) no

terceiro trimestre de 2008, no estado de

São Paulo, chegou a 10,3 casos por 100 mil

habitantes. O número encontra-se próxi-

mo do de países desenvolvidos, cuja taxa

de mortes considerada aceitável pela OMS

é de 10 por 100 mil habitantes. A tendên-

cia de queda registrada, porém, não durou

muito. Em março deste ano, números di-

vulgados pela SSP comprovavam que não

apenas os casos de homicídio, mas os de

roubos, estupro e latrocínio haviam volta-

do a subir. Entre o primeiro trimestre de

2008 e o primeiro trimestre de 2009, os

roubos subiram 19%, os estupros 33,5%,

os latrocínios 36% e os homicídios, 0,7%.

Causas da violência Pobreza, precariedade

de condições de vida, desigualdade social

e densidade populacional costumam ser

apontados como possíveis causas para a

escalada da violência. A pesquisadora da

USP Maria Fernanda Tourinho Peres afi r-

ma que “é difícil identifi car causas precisas,

em geral são vários fatores combinados”.

No livro “Transições negadas: homicí-

dios entre os jovens brasileiros”, o técnico

do Ipea Hélder Ferreira avalia como uma

série de fatores relacionados à violência

poderia ter infl uenciado na elevação do

número de homicídios no País, sobretudo

de jovens do sexo masculino, nos últimos

vinte anos do século 20. Muitas das hipó-

teses levantadas para explicar a violência

continuam válidas.

Em primeiro lugar estariam fatores es-

truturais que, embora não determinem,

criam bases para que o comportamento

violento se manifeste. É o caso da desigual-

dade urbana. Embora não exista consenso

de que ela cause violência, não resta dúvi-

da de que pessoas de maior poder aquisiti-

vo têm condições de se proteger mais por

meio da compra de bens e serviços para a

sua segurança e da escolha de residência

em áreas mais tranquilas. Outros fatores

estruturais capazes de infl uenciar a gera-

ção de atos violentos incluem a difi culdade

de jovens com nível médio de estudo em

conseguir emprego, a frustração por não

poder adquirir determinados bens de con-

sumo, a redução da capacidade das religi-

ões de infl uenciar o comportamento indi-

vidual e conter os atos violentos e o menor

controle social das famílias sobre os fi lhos.

Algumas mães que saem para trabalhar

não têm com quem deixar os fi lhos. Sem

essa proteção familiar, muitas crianças co-

meçam a frequentar as ruas cedo e acabam

mais vulneráveis à infl uência de infratores

ou grupos violentos.

Algumas questões culturais e circuns-

tâncias desfavoráveis como a maior den-

sidade em áreas pobres também pode-

riam levar a manifestações de violência.

Afi nal, a convivência estreita em espaços

No Rio, homicídios são mais

comuns nas regiões mais

pobres e favelas. Entre os

ricos, ocorrem mais prisões.

Técnicos do Ipea afi rmam

que polícia é responsável por

25% das mortes, devido aos

confrontos com marginais

...prisões entre os mais ricos

Wilson Dias/ABr

Wils

on D

ias/

ABr

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42 Desenvolvimento julho de 2009

reduzidos aumenta a possibilidade de

geração de confl itos entre familiares e vi-

zinhos que resultam em agressões físicas

graves. A segregação urbana, decorrente

da falta de planejamento e do aumento

da densidade em certas áreas, também

seria um ponto a se considerar, visto que

poderia produzir territórios fáceis de se-

rem controlados por grupos criminosos.

Há ainda a cultura da “masculinidade”,

cujas regras incluem aceitar confrontos,

arriscar-se e não demonstrar medo, o que

favoreceria ações violentas e exposição ao

perigo. Por fi m, existe o mercado local de

drogas e a impunidade. Quadrilhas dis-

putam a conquista e a defesa de territó-

rios de pontos de venda de drogas com

violência, aliciam jovens “com disposição

para matar”, executam traidores ou opo-

nentes, praticam extorsões e subornam

autoridades. Os lucros do tráfi co, o po-

der dos criminosos e a alta impunidade

acabam por exercer atração sobre alguns

jovens, que enxergam naquela atividade a

possibilidade de enriquecer e conquistar

respeito e reconhecimento.

No terceiro grupo da lista de fatores

capazes de infl uenciar a escalada da vio-

lência ou torná-la mais danosa fi guram o

aumento das armas de fogo entre a popu-

lação, o consumo de álcool e a inabilidade

de expressar sentimentos de raiva verbal-

mente. Pessoas com essa difi culdade para

dizer o que sentem poderiam recorrer ao

uso da violência física, o que não deixa de

ser uma forma de comunicação.

Um último e determinante fator para a

maior incidência de atos violentos é a au-

sência ou a inefi ciência do Estado, que não

garante aos moradores pobres das perife-

rias, em particular, serviços indispensáveis

na área da segurança, saúde, lazer, moradia,

trabalho e acesso aos bens de consumo.

Além disso, o estado de direito se encontra

fragilizado. Predomina a impunidade, o

que torna remota a ameaça de castigo pelas

infrações cometidas e estimula a população

a apoiar grupos de extermínio ou organi-

zações semelhantes em bairros dominados

por quadrilhas. Por outro lado, o próprio

Estado desrespeita a lei ao agir com trucu-

lência contra suspeitos, infratores e teste-

munhas de violência policial.

Custos da violência Determinar as causas

da violência ainda é uma questão sujeita

a debate, porém, não resta dúvida de que

seus efeitos sobre a sociedade e a econo-

mia são devastadores. A dor, o sofrimen-

to e as sequelas psicológicas deixadas nos

parentes e amigos de vítimas de homicí-

dios são incalculáveis. Do ponto de vista

econômico, cada pessoa assassinada sig-

nifi ca perda de investimento em capital

humano (o quanto a pessoa poderia gerar

para a economia durante a vida) e da ca-

pacidade produtiva.

Ter uma estimativa real do custo da vio-

lência no Brasil e mostrar a importância

de dados para que gestores de segurança

pública possam alocar recursos de forma

racional foram os principais objetivos do

estudo “Análise dos custos e consequên-

cias da violência no Brasil”, feito pelos pes-

quisadores do Ipea Daniel Cerqueira, Ale-

xandre Carvalho e Rute Rodrigues, além

de Waldir Lobão, do Instituto Brasileiro de

Geografi a e Estatística (IBGE).

Publicado em 2007, o estudo revelou

que o custo da violência para o País, em

2004, chegou a R$ 92,2 bilhões, o equiva-

lente a 5,09% do PIB ou um valor per capi-

ta de R$ 519,40. Desse total, o setor públi-

co arcou com cerca de um terço (R$ 31,9

bilhões), e o privado, com o restante (R$

60,3 bilhões). A maior parte dos gastos no

setor público se destinou à área de segu-

rança pública (R$ 28,1 bilhões). Outros R$

2,8 bilhões foram para o sistema prisional

e R$ 998 milhões para o sistema de saú-

de. Nas contas do setor privado, também

se computou o custo social gerado ao País

com a perda de capital humano: R$ 23,8

bilhões. Mais R$ 14,3 bilhões foram gas-

tos com segurança privada, outros R$ 12,7

bilhões com seguros, R$ 12,7 bilhões com

seguros e R$ 9,4 bilhões com transferên-

cias por roubos e furtos.

Entre 1997 e 2007, a segurança privada

no País cresceu 73,9% e passou a representar

45,5% do sistema de serviços de segurança,

de acordo com o artigo “Evolução da ocu-

pação no sistema de segurança no Brasil”,

escrito pelo técnico do Ipea André Gambier

Campos. No texto, Campos chama a atenção

para o fato de que os trabalhadores na área

de serviços privados de segurança são me-

nos qualifi cados, porém trabalham mais e

em condições piores do que os que atuam na

segurança pública. Tal situação leva o autor a

perguntar se esses indivíduos na área priva-

da são capazes de proporcionar proteção às

pessoas que contratam seu serviço.

Novas ações Numa tentativa de reverter a

atual situação da segurança pública em

que muitas cidades se tornaram perigosas

em função de ausência do Estado, cres-

cimento desordenado e o baixo nível de

investimentos na área de segurança, o go-

verno adotou duas novas medidas: a Força

Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o

Programa Nacional de Segurança Pública

com Cidadania (Pronasci).

A FNSP atende às necessidades emer-

genciais dos estados, quando se torna ne-

cessário uma intervenção maior do poder

público ou se detecta a urgência de refor-

ço em locais tomados pela criminalidade.

Criada em 2004, tem atualmente um con-

tingente de oito mil homens e já atuou em

foi o custo da violência para o Brasil em 2004. O valor corresponde a

5,09% do PIB daquele ano. Gastos ajudam a alimentar o negócio da

segurança privada

bilhões de reais

92,2

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Desenvolvimento julho de 2009 43

diversos estados para restaurar a ordem

pública, conter rebeliões em presídios,

realizar ações de inteligência e até mesmo

para combater desmatamento.

“A FNSP é uma ideia que deu certo”,

afi rma o secretário Nacional de Seguran-

ça Pública, Ricardo Balestreri. “Ela presta

apoio à polícia local em casos especiais,

mas não a substitui. Além disso, se revelou

muito efi caz na luta conta o desmatamen-

to”, completa.

Lançado em agosto de 2008, o Pronasci

visa articular políticas de segurança com

ações sociais, priorizando a prevenção, e

busca atingir as causas que levam à violên-

cia. Entre os principais eixos do programa

destacam-se a valorização dos profi ssio-

nais de segurança pública, a reestrutura-

ção do sistema penitenciário, o combate

à corrupção policial e o envolvimento da

comunidade na prevenção da violência.

Devido à sua dimensão, recebeu o apeli-

do de PAC da Segurança, numa alusão ao

Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC) do governo federal.

Com um total de R$ 6,7 bilhões para in-

vestir até 2012, o programa foi criado para

atender inicialmente a 11 regiões metropoli-

tanas com os mais altos índices de violência

no Brasil: Maceió, Belo Horizonte, Recife,

São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belém,

Vitória, Salvador, Rio de Janeiro e o entorno

do DF. Hoje já conta com a adesão de 96 pre-

feituras espalhadas por todo o país.

No momento, o Pronasci está na fase

de instalação dos Territórios de Paz, o que

signifi ca a retomada pelo Estado de um ter-

ritório dominado pelo crime. “É a presença

do Estado naquela região possibilitando,

inclusive, a chegada de serviços básicos

como água, luz, energia”, explica o secretá-

rio nacional do Pronasci, Ronaldo Teixeira.

Nesses Territórios de Paz se instalam

os Gabinetes de Gestão Integrada Munici-

pais, responsáveis por articular junto aos

órgãos competentes ações integradas de

combate à violência e por em prática uma

série de projetos sociais como o Mulheres

da Paz e Protejo (Programa de Proteção de

Jovens). O primeiro é formado por mulhe-

res escolhidas na comunidade, que fi cam

encarregadas de identifi car jovens em si-

tuação de risco e trazê-los para projetos do

Pronasci. Para isso, recebem uma bolsa de

R$ 190 do governo federal. Os jovens em

confl ito com a lei, por sua vez, são levados

ao Protejo, projeto que pretende afastá-

los da marginalidade por meio de noções

de direitos humanos e cidadania, além de

oferecer oportunidades de participar de

atividades culturais, esportivas e sociais,

dando-lhes uma bolsa de R$ 100.

Segundo o secretário Ronaldo Teixeira,

“o Pronasci está voltado à promoção dos

direitos humanos para intensifi car uma cul-

tura de paz. Não queremos mais enfrentar a

violência tão somente com a repressão, pois

sabemos que violência gera violência. O Pro-

nasci vai retomar a presença do Estado nas

regiões confl agradas voltando a oferecer di-

reitos básicos do cidadão”, resume.

“Ou um morador da favela

tem tanta segurança quanto

eu, moradora da zona sul,

ou nenhum de nós terá

segurança. Esse é o cenário

do Rio, aliás, esse é o

cenário do Brasil”, Ana Paula Miranda,

pesquisadora da Universidade Federal Fluminense

A Força Nacional de Segurança

vem atuando nas regiões

mais violentas em apoio ao

policiamento estadual

O Ministério da Justiça assinou

convênios com 11 estados para

compra de helicópteros e entrega

de bafômetros e armas não-letais

Elza

Fiú

za/A

Br

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Leia no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br) outras publicações sobre segurança

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44 Desenvolvimento julho de 2009

ARRECADAÇÃO

Quedas preocupantes

Receita cai pelo 7º mês consecutivo. Mas desta vez, governo tem maior margem de manobra, porque contas públicas e infl ação estão sob controle

G i l s o n L u i z E u z é b i o - d e B r a s í l i a

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Desenvolvimento julho de 2009 45

Indústria mergulha na recessão, mas comércio mantém as vendas

Josemar Gonçalves

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46 Desenvolvimento julho de 2009

Recessão econômica, queda de arre-

cadação e aumento de gastos for-

mam uma combinação que pode

levar ao desequilíbrio das contas

do setor público. Mas, diante do potencial

devastador da crise internacional, os go-

vernos não tinham outra saída senão in-

jetar dinheiro na economia, via aumento

de gastos, e jogar a questão fi scal para se-

gundo plano. Caso contrário, agravariam a

crise, afi rma Cláudio Hamilton dos Santos,

coordenador de Finanças Públicas do Ipea.

“Num momento de recessão, cortar gastos

públicos é uma má ideia”, resume. Ou seja,

os governos têm que conviver com o des-

conforto da queda de receita e ao mesmo

tempo aumentar investimentos.

De acordo com a Receita Federal do

Brasil, a arrecadação tributária da União re-

gistrou em maio a sétima queda sucessiva,

desde o início da crise internacional. Caiu

6,05% de janeiro a maio de 2009 em relação

a igual período do ano passado e 5,66% no

mês. O pior resultado deste ano, entretanto,

foi o de fevereiro: arrecadação de R$ 44,8

bilhões, 11,13% menor do que a arreca-

dação de fevereiro de 2008. Com a insta-

lação da crise em setembro, a arrecadação

de impostos - excluídas as contribuições

previdenciárias que mantiveram bom de-

sempenho - despencou 25% até dezembro,

encerrando o ciclo de sucessivos recordes

de crescimento. A arrecadação total caiu do

patamar de R$ 63 bilhões mensais para R$

54 bilhões, comenta Santos.

“Isso era de se esperar”, afi rma. É o

resultado da queda de 3,6 % no Produto

Interno Produto (PIB) no último trimes-

tre de 2008 e mais 0,8% nos primeiros três

meses deste ano. “Os principais indica-

dores macroeconômicos que infl uenciam

diretamente a arrecadação de tributos,

em especial a produção industrial, lucra-

tividade das empresas e o volume geral de

vendas no varejo, apresentaram forte de-

saceleração em relação aos fatos geradores

da arrecadação dos primeiros cinco meses

de 2008”, informa a Receita Federal. Quan-

do a economia estava em crescimento, a

arrecadação crescia muito acima do PIB.

Com a recessão, a arrecadação também

sofre maior impacto do que a produção.

Embora haja sinais de leve recuperação

na economia, Santos acredita que a carga

tributária de 2009 será inferior aos 36,2%

estimados para 2008. “A carga tributária

com certeza vai cair neste ano”, prevê.

Nos primeiros cinco meses de 2009, a

União arrecadou R$ 262,3 bilhões. No mes-

mo período do ano passado, entraram nos

cofres federais R$ 279,2 bilhões, segundo a

Receita Federal. A principal causa da queda

da arrecadação é, na avaliação de Santos, a

redução do nível da atividade econômica.

As outras justifi cativas também são decor-

rentes da crise: para enfrentar a recessão, o

governo abriu mão de receitas e as empre-

sas recorreram à compensação de créditos

tributários para reduzir o pagamento de

impostos e fazer caixa diante do cenário ad-

verso. Para José Roberto Afonso, economis-

ta do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), a escassez de

crédito no sistema fi nanceiro levou as em-

presas a postergar o pagamento de impos-

tos e a lançar mão de todos os créditos a que

tinham direito.

Desonerações - Na estimativa da Receita

Federal, a União vai deixar de arrecadar

R$ 10,8 bilhões neste ano por causa das

desonerações feitas pelo governo para en-

frentar a crise: alterou as alíquotas do im-

posto de renda das pessoas físicas, reduziu

tributos para determinados setores mais

atingidos pela crise e está determinado a

adotar novas medidas para reduzir o efeito

da recessão. “É uma postura na linha com

o que tem sido feito nos outros países”,

comenta Santos. O governo brasileiro, res-

salta ele, está fazendo uma política fi scal

anticíclica em consonância com a atitude

de outros países, como os Estados Unidos

e os da União Europeia.

Todos optaram por políticas monetá-

rias e fi scais expansionistas, que signifi -

cam aumento dos gastos públicos, menos

arrecadação e maior endividamento. O

Brasil, porém, está numa situação confor-

tável: infl ação baixa, dívida pública admi-

nistrada e volume expressivo de reservas

internacionais. No passado, o governo,

diante de crises, aumentava juros e cortava

gastos e, com isso, contribuía para agravar

a situação. Mas era necessário, segundo

Cláudio Hamilton dos Santos, porque era

frágil a situação das contas públicas e era

alto o endividamento do setor público em

moeda estrangeira. Se não fi zesse o ajuste,

diz ele, o Brasil naquela época corria o ris-

co de insolvência.

Embora a situação seja mais confor-

tável, Marcio Bruno Ribeiro, técnico da

Diretoria de Estudos Macroecômicos do

Ipea, a queda prolongada de arrecadação

vai, em algum momento, levar o governo a

Incentivos fi scais prorrogados para automóveis

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 47

rever a rigidez do gasto. Aliás, o ministro

do Planejamento, Paulo Bernardo, já falou

da necessidade de cortar gastos para ajustar

as despesas ao novo patamar de receitas. Se

o governo não fi zer um corte drástico de

despesa, ele não consegue o superávit pri-

mário de 2,5% do PIB, afi rma José Roberto

Afonso, que assessora o Senado e a comis-

são de acompanhamento da crise. Pelos cál-

culos do Ipea, no entanto, é possível uma

redução adicional no superávit e manter a

dívida pública controlada. “Os gastos que

mais têm aumentado são os gastos sociais,

que mais trazem retorno em popularidade”,

critica Marcio Bruno Ribeiro, ressaltando,

porém, a importância desses gastos para es-

timular o consumo. “A queda de arrecada-

ção é preocupante”, afi rma o professor Ro-

berto Piscitelli, da Universidade de Brasília.

“Mas o governo tem que manter as medidas

anticíclicas”, acrescenta.

A própria queda de arrecadação, explica

Piscitelli, tem o efeito de uma medida an-

ticíclica ou de ajuste automático da econo-

mia, que signifi ca na prática que o governo

está retirando menos dinheiro da econo-

mia. Ao mesmo tempo, ele coloca mais di-

nheiro com a manutenção dos gastos cor-

rentes. Para ele, o governo precisa rever as

isenções tributárias setoriais, como o feito

para a indústria automobilística e para ele-

trodomésticos. Essas renúncias, ressalta ele,

não resultam em benefício do consumidor

com redução de preços. “O que acaba acon-

tecendo é que a renúncia entra na recom-

posição de lucro”, afi rma.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula

da Silva reclamou que as medidas de deso-

neração não resultam em queda de preços.

“Se fosse para promover um alívio, a

redução de impostos deveria ser para as

pessoas físicas”, diz Piscitelli, para quem o

benefício concedido a setores empresariais

“foi uma opção equivocada” e até injusta:

setores com maior poder de mobilização

conseguem incentivos e outros menos ar-

ticulados nada recebem: “Temo que essa

política provoque injustiça”. Além disso, ele

questiona se não seria preferível investir em

transporte coletivo em vez de fazer conces-

sões à indústria automobilística, sem nem

mesmo exigir contrapartida em emprego.

Entretanto, a política de isenção seto-

rial não explica uma perda tão signifi ca-

tiva de receitas. Desde que foi criado o

real, em 1994, no governo Itamar Franco,

houve dois períodos de retração de re-

ceitas com duração de cinco meses. Uma

sequência de sete quedas é a primeira vez

que acontece, afi rma José Roberto Afon-

so. O pior, segundo ele, é que o resultado

de junho também deve ser negativo. Oito

quedas sucessivas, ressalta ele, só ocorreu

na recessão do governo Fernando Collor.

“Isso indica que estamos atravessando

uma retração da arrecadação tributária fede-

ral sem precedente nos últimos anos e déca-

das”, afi rma o economista. Para ele, esse com-

portamento está “descolado da economia”,

ou seja, a causa não é a isenção de impostos

ou recessão: “Creio que não pagar tributos se

tornou uma forma peculiar de acesso ao cré-

dito diante das difi culdades para obter em-

préstimos bancários tradicionais, inclusive

imagino que se insere nesse contexto muito

do recurso às chamadas compensações tri-

butárias, que foram invocadas por alguns

dos maiores contribuintes do País”.

A Petrobras, que usou compensações tri-

butárias, voltou a pagar impostos em março.

“Mesmo assim, o resultado continuou ruim”,

diz José Roberto Afonso. O fato reforça a tese

de que as empresas estão deixando de pagar

impostos para compensar a falta do crédito

bancário ou lançando mão dos mesmos me-

canismo utilizados pela Petrobras.

Outra questão intrigante é o aumento

da arrecadação da Previdência Social. Para

Cláudio Hamilton dos Santos, trata-se de um

indício de que a crise não afetou o mercado

de trabalho tanto quanto impactou a produ-

ção. Para José Roberto Afonso, a explicação

pode estar na difi culdade de atrasar o paga-

mento das contribuições: “O melhor desem-

penho dessas contribuições também está

ligado ao fato de que, uma parte delas está

sendo paga pelo trabalhador, foi descontada

do salário, e o empregador só é o respon-

sável pela arrecadação. Se ele não recolher

aquela parte, trata-se de um caso clássico e

evidente de apropriação indébita. Só que, na

forma como as contribuições são recolhidas,

não há como o empregador recolher a parce-

la do empregado e não a sua”.

Então, o governo tem que adminis-

trar a escassez, sem abrir mão dos gastos.

Cláudio Hamilton dos Santos compara a

economia brasileira com um doente grave

em convalescença: “Não é hora de suspen-

der o medicamento do paciente”. Afonso

concorda com a necessidade de medidas

anticíclicas. Mas questiona a sua natureza:

o aumento de despesas da União, segundo

ele, está concentrada em pessoal e não em

investimentos. E alerta: são despesas per-

manentes que podem levar o próximo go-

verno a ter que fazer um ajuste fi scal.

Banco Central intensifi ca corte dos juros

O Brasil, porém, está

numa situação confortável:

infl ação baixa, dívida

pública administrada

e volume expressivo de

reservas internacionais.

No passado, o governo,

diante de crises, aumentava

juros e cortava gastos e,

com isso, contribuía para

agravar a situação

Anto

nio

Cruz

/ABr

Mais informações no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br) nas publicações Radar

e Carta de Conjuntura

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48 Desenvolvimento julho de 2009

ECONOMIA

Indicadores apontam que a economia brasileira está começando a entrar nos trilhos, depois do baque da crise

internacional agravado pelos juros altos

Em rota de recuperação

Marcello Casal Jr/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 49

Agora não há mais dúvida: o Brasil

está saindo da crise. Há “vários

sinais de que a economia brasi-

leira superou o pior da crise e se

encontra em fase de recuperação”, afi rmou

João Sicsú, diretor de Estudos Macroeco-

nômicos do Ipea, ao divulgar a Carta de

Conjuntura de junho. E nenhum sinal em

sentido contrário. A trajetória de recupe-

ração, reforçou ele, está bastante clara em

todas as variáveis: a indústria começa a re-

compor os estoques, o que leva ao proces-

so de recuperação da atividade produtiva,

e também está contratando mais trabalha-

dores: há dois meses, o saldo dos empre-

gos formais é positivo no setor.

“A queda de estoque foi, em grande

parte, responsável pela queda do PIB no

quarto trimestre do ano passado e no pri-

meiro trimestre deste ano”, afi rmou Sicsú.

Ao adotar a estratégia de reduzir a produ-

ção e atender a demanda com os estoques,

a indústria teria contribuído para reduzir

a atividade econômica. Mas esses estoques

estão se esgotando, o que vai levar a indús-

tria a produzir.

Os últimos dados indicam também

que a indústria está iniciando um movi-

mento de aumento do uso de sua capaci-

dade instalada.

Outro indicador favorável, segundo

Sicsú, é a estabilização da taxa de desem-

prego, com leve queda de 9% para 8,8%, en-

tre março e maio, de acordo com o IBGE, e

também a trajetória crescente de geração de

postos de trabalho no setor formal do mer-

cado. Em maio foram criado 132 mil novos

empregos, de acordo com o Cadastro Geral

de Empregados e Desempregados do Mi-

nistério do Trabalho e Emprego.

“O que precisamos agora é pensar como

acelerar essa recuperação”, comentou

Sicsú. A questão é defi nir o ritmo dessa re-

tomada, que deve resultar em crescimento

do PIB de 2009, porém menor do que a

previsão de 1,5% a 2,5%, feita no início do

ano pelo Ipea. A previsão será revista para

baixo, porque embutia estimativa de cres-

cimento do PIB no primeiro trimestre.

Conceito - A atual crise pegou o Brasil em

situação bem diferente das vezes ante-

riores. Desta vez, a crise não é de finan-

ças públicas, de choque de oferta nem de

balanço de pagamentos. “Pela primeira

vez, temos uma crise tipicamente keyne-

siana na economia brasileira. Isso ocorre

em função da maturidade da economia

brasileira, que não tem mais as fragili-

dades que impediam que taxas de inves-

timento pudessem crescer e acelerar o

crescimento”, disse Roberto Messenberg,

coordenador do Grupo de Análise e Pre-

visões do Ipea.

Para Sicsú, a recessão no Brasil foi agra-

vada pela política monetária do Banco

Central, que aumentou as taxas de juros a

partir de abril de 2008. “A queda do PIB

no quarto trimestre e primeiro trimestre é

resultante do impacto da crise econômica

e fi nanceira internacional, mas ela tam-

bém é resultado da política monetária que

foi implementada pelo Banco Central no

início do ano passado, quando a taxa de

juros foi elevada”, afi rmou. A estimativa é

que os efeitos de aumento da taxa de juros

ocorram entre seis e nove meses depois,

ou seja, o impacto da elevação dos juros

a partir de abril seria sentido no fi nal de

2008 e início de 2009.

A Carta de Conjuntura atribui três

causas à crise: restrição no crédito inter-

nacional, acumulação indesejada de esto-

que pela indústria e os efeitos da política

monetária, que, de qualquer forma, leva-

ria à desaceleração da economia. “Já era

esperada uma desaceleração do ritmo de

crescimento no quarto trimestre do ano

passado e no primeiro trimestre deste ano,

independentemente de existir a crise”, dis-

se. “A política de elevação de juros faz efei-

to, e não só sobre o lado nominal, sobre a

infl ação. Para ela fazer efeito sobre o lado

nominal, sobre a infl ação, antes ela tem

que fazer efeito sobre o lado real, sobre a

taxa de crescimento. Então, se a taxa de

juros foi elevada, era esperado que tivésse-

mos desaceleração independentemente da

crise”, explicou.

A preocupação central, agora, é com o

crescimento econômico, diz Messenberg.

Para ele, a retomada do crescimento no

setor industrial está limitada pela aprecia-

ção cambial. “O setor que está puxando de

fato a economia para baixo é a indústria.

Essa crise é uma crise da indústria e está

ligada à taxa real de câmbio da economia”,

afi rmou. A apreciação cambial, entretanto,

decorre da saúde das fi nanças brasileiras,

com dívida e balanço de pagamentos ad-

ministrados. Mas essa apreciação deixa

o setor industrial “com sua rentabilidade

deprimida”. Para ele, o governo terá que

desmontar a “armadilha” do câmbio para

dar lucratividade à indústria e assegurar o

retorno dos investimentos.

Com relação aos outros fatores, a Carta

de Conjuntura destaca que o governo vem

tomando medidas de política monetária

para aumentar a liquidez da economia e

também reduziu taxa básica de juros em

4,5 pontos percentuais desde o início do

ano. A redução dos juros, afi rma o docu-

mento, vai afetar positivamente as expec-

tativas, melhorando a confi ança dos con-

sumidores e a demanda por crédito.

A dúvida é saber como fi cam os inves-

timentos, que reagem mais lentamente à

queda dos juros. Além disso, a indústria

deve expandir a produção com o aumen-

to do uso da capacidade instalada, já que

opera com ociosidade. Assim, ela adia os

novos investimentos. No primeiro trimes-

tre deste ano, os investimentos em forma-

ção bruta de capital fi xo caíram 14% em

relação ao último trimestre de 2008. “En-

tre os componentes da absorção interna, o

investimento é o mais sensível aos ciclos

econômicos” e também o mais volátil, afi r-

ma o documento.

“A queda do PIB no quarto

trimestre e primeiro trimestre

é resultante do impacto da

crise econômica e fi nanceira

internacional, mas ela

também é resultado da

política monetária que foi

implementada pelo Banco

Central no início do ano

passado, quando a taxa de

juros foi elevada” João Sicsú

diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea

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50 Desenvolvimento julho de 2009

Oresultado da arrecadação

previdenciária destoa do

quadro de crise da economia

brasileira: registrou recor-

de de arrecadação líquida em maio

de 2009, atingindo R$ 14,4 bilhões,

8% acima do arrecadado em maio do

ano passado, e o maior valor mensal

desde 1995, excetuados os meses de

dezembro, informa o Ministério da

Previdência Social. Em cinco meses,

o crescimento foi de 5,8%. “A minha

hipótese é que a folha salarial, como

base para as contribuições que finan-

ciam a Previdência Social, é muito

mais estável do que o faturamento ou

qualquer outra base de incidência”,

diz Helmut Schwarzer, secretário de

Políticas de Previdência Social. Na

crise, o faturamento é mais volátil.

“A primeira variável que a crise

impacta é nos pedidos das empresas e

aí o faturamento diminui”, afirma. No

primeiro período de crise, a empresa

reduz hora extra, recorre a banco de

horas e férias coletivas de forma a evi-

tar a dispensa de trabalhadores quali-

ficados. “A dispensa só vai acontecer

quando tiver a clareza de que a crise

vai durar”, supõe. E normalmente os

empresários dispensam primeiro os

menos qualificados, com salários mais

baixos. “No caso da arrecadação da

Previdência Social, embora nós tenha-

mos um grande número de pessoas

com remuneração na faixa de um ou

dois salários mínimos, as faixas sala-

riais mais elevadas são responsáveis

por maior proporção da nossa arreca-

dação”, explica Schwarzer.

Além disso, o ajuste do mercado

de trabalho no Brasil não foi tão forte

quanto o ocorrido em outros países.

Ou seja, o consumo doméstico ajudou

a manter a atividade do comércio e, em

consequência, o emprego e agora já há

sinais de recuperação do emprego. “No

Brasil nós temos uma recuperação gra-

dativa da confi ança empresarial. Claro

que os setores que dependem da eco-

nomia internacional ainda estão um

pouco cautelosos, mas nós já temos

sinais da recuperação na China, sinais

de recuperação lenta nos Estados Uni-

dos”, pondera o secretário. Até mesmo

o processo de falência da General Mo-

tors e da Chrysler aponta para uma sa-

ída coordenada.

“O setor automotivo inteiro está

sendo reestruturado. Isso vai afetar de

alguma forma o futuro da indústria

automobilística no Brasil. Vai haver

consequência na GM no Brasil, no

tipo de produto que vai ser oferecido,

nas inovações tecnológicas”, afirma.

É um processo de ajuste, com a eco-

nomia reagindo às medidas adotadas

pelo governo. “É importante continuar

com essa política anticíclica. Mas nós

vamos ter novos paradigmas. O pró-

prio presidente do Ipea (Marcio Po-

chmann), numa reunião interna que

nós tivemos, assinalou com bastante

propriedade que estamos caminhando

para uma nova constelação, novos pa-

radigmas tecnológicos vão ser utiliza-

dos, novos setores estarão emergindo

e vão liderar o crescimento e o desen-

volvimento econômico”, conta. Nessa

nova fase, não serão mais os setores

tradicionais os grandes geradores de

emprego.

Na crise, a Previdência Social foi um

dos instrumentos de política anticíclica

do governo, que reajustou o valor dos

benefícios e do salário mínimo, que

também serve de piso para aposentado-

rias e pensões. Schwarzer lembra que o

pagamento de benefícios, com reajuste,

se enquadra na visão keynesiana segui-

da pelo Brasil. “Nós não deixamos de

reajustar os benefícios por causa da cri-

se, alguns países deixaram de reajustar,

nós não deixamos de fazer o reajuste do

salário mínimo, alguns países deixaram

de fazer”, relata.

Embora tenha aumentado a arre-

cadação, nos primeiros meses da cri-

se houve um período de estagnação.

Com isso, a previsão de equilíbrio

entre despesas e receitas previdenciá-

rias na área urbana em 2009 não será

alcançada. Ficou para 2010 ou 2011,

segundo ele. As perspectivas, porém,

não são das piores: “Nós estamos ten-

do uma formalização importante das

pequenas e microempresas em função

da legislação do Simples Nacional.

Provavelmente isso vai resultar numa

diminuição da renúncia previdenciá-

ria”, comenta.

Previdência Social: Receita em crescimento

Schwarzer: contribuições estáveis

Antônio Cruz/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 51

ARTIGO

Há mais de duas décadas, a Cons-

tituição tem proclamado o meio

ambiente como um direito fun-

damental de caráter intergera-

cional. Tal conquista, apesar de válida, ain-

da é tímida. O desafi o do desenvolvimento

sustentável se apresenta como incógnita,

não somente para as gerações presentes e

futuras, mas também para os três poderes

da República nos diversos níveis da fede-

ração brasileira (União, Estados e Distrito

Federal e municípios).

Um exemplo desse momento crítico

pode ser representado pelos debates par-

lamentares dos últimos 6 anos em torno

do Projeto de Lei Complementar n.˚ 12,

de 2003. Trata-se de proposição legislati-

va que busca suprir as lacunas da ausência

de defi nição dos limites e possibilidades

de cooperação institucional entre os entes

federativos para fi ns de licenciamento de

atividades potencialmente infl uentes so-

bre o meio ambiente.

Na prática, são duas as principais mo-

difi cações sugeridas por esse PLC. A pri-

meira é a uniformização dos parâmetros

administrativos dos sistemas nacional,

regionais, estaduais, distrital e municipais

de licenciamento, de maneira a evitar a

sobreposição de competências federativas.

Aqui, há uma verdadeira “guerra ambien-

tal”, muitas vezes protagonizada nas inú-

meras instâncias judiciais, pelo controle do

poder de outorga de licenças. A segunda

consiste na instituição do regime jurídico

e político de estabelecimento e fi scalização

dos critérios técnicos para a expedição e

renovação de licenças ambientais. Ou seja,

trata-se de medida voltada para aquilo

que, impropriamente, tem se denominado

de “choque de gestão” entre o desenvol-

vimento econômico e a sustentabilidade

ambiental.

Não se nega que o problema é de ordem

administrativa, econômica e ambiental (ao

mesmo tempo). Afi nal, é importante e útil

que o modelo de licenças seja efi ciente e

permita um controle técnico sobre ações

ambientalmente infl uentes. Como suges-

tão, todavia, indicam-se, pelo menos, ou-

tras duas dimensões.

Inicialmente, poder-se-ia questionar

a própria configuração democrática das

atividades administrativas de licença

ambiental. O licenciamento é, a um só

tempo, instrumento de gestão soberana

de políticas públicas e de exercício legíti-

mo da cidadania. Trata-se de ferramenta

de controle técnico e social que precisa

estar municiada de conformação jurídi-

ca que permita análise íntegra acerca da

legitimidade, ou não, das opções estra-

tégicas de desenvolvimento do País, de

acordo com a concepção de sustentabi-

lidade ambiental que ostentem. E essa

avaliação deve se desdobrar por meio

de procedimentos públicos, fundamen-

tados e realizados em tempo razoável. A

discussão interfederativa em questão é

oportunidade especial para que os cida-

dãos em geral, os empreendedores e os

movimentos sociais interessados sejam

empoderados com trunfos contra pri-

vilégios de uma administração que, não

raro, tem confundido discricionariedade

com arbitrariedade.

Em uma segunda dimensão, poderia

entrar em jogo uma articulação criati-

va da cooperação federativa em matéria

ambiental a respeito dos instrumentos de

controle social e de governança pública

que podem (ou devem) contribuir para a

ampliação da transparência e da publici-

dade dos atos estatais de licença ambien-

tal. Uma discussão mais aprofundada so-

bre a questão do licenciamento deveria se

afastar da invocação recorrente de duas

visões extremas que reduzem as múltiplas

facetas desse amplo dilema interfederati-

vo. De um lado, o desenvolvimentismo

ecologicamente irresponsável; e, de outro,

o ambientalismo míope quanto às demais

dimensões socioeconômicas e culturais

da vida humana.

Eis aí um excelente campo experimen-

tal para a redefi nição de um combalido fe-

deralismo que, em matéria ambiental, tem

se caracterizado por infrutíferas disputas

ideológicas e federativas. Tais olhares pou-

co contribuem para a compreensão dos

complexos temas constitucionais envolvi-

dos nesse assunto. Isoladamente, elas não

propiciam desenvolvimento, nem susten-

tabilidade no passado, no presente e, tam-

pouco, no futuro.

Daniel Vila-Nova é jurista e chefe de gabinete da Subsecretaria de Desen-

volvimento Sustentável da SAE/PR.

O federalismo pede licença

D a n i e l V i l a - N o v a

Desenvolvimento julho de 2009 51

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52 Desenvolvimento julho de 2009

DESENVOLVIMENTO

Projetos indicam caminho

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Desenvolvimento julho de 2009 53

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros durante reunião com governadores do Norte e Nordeste, no Palácio do Planalto

José Cruz/ABr

À busca de um modelo para desenvolver as regiões mais pobres e superar as desigualdades

G i l s o n L u i z E u z é b i o - d e B r a s í l i a

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54 Desenvolvimento julho de 2009

O professor Mangabeira Unger

trocou o cargo de ministro da

Secretaria de Assuntos Estraté-

gicos da Presidência da Repúbli-

ca pela cadeira de professor na Universi-

dade de Harvard, nos Estados Unidos.

Mas deixou ao governo uma diversidade

de projetos e propostas, que vão da re-

forma do ensino médio ao desenvolvi-

mento das regiões mais pobres do País.

Nos últimos meses como ministro, Man-

gabeira tentava concretizar um plano de

desenvolvimento da região Nordeste.

“Não há solução para o Brasil sem solu-

ção para o Nordeste”, repetia. Depois de

andar pelo interior da região e conver-

sar com governadores, administradores

municipais, empresários e movimentos

sociais, ele elaborou o projeto Nordes-

te, que deve ser objeto de reunião, ainda

neste mês, dos governadores dos estados

nordestinos com o presidente Luiz Iná-

cio Lula da Silva.

O projeto pressupõe “um modelo que

transforma a ampliação de oportunida-

des economicas e equitativas no motor

do crescimento, e com isso, enquadra o

social na maneira de organizar o eco-

nômico”, explica Mangabeira. No docu-

mento “O desenvolvimento do Nordeste

como projeto nacional”, elaborado com

a colaboração dos governos estaduais,

são apresentadas diretrizes de política

industrial, com foco nas pequenas e mé-

dias empresas, e agrícola para a região.

O documento propõe “um choque de

ciência e de tecnologia no Nordeste”, e

investimentos em infraestrutura, princi-

palmente na construção de estradas para

acabar com o isolamento de determina-

das localidades.

Estão previstas 11 ações imediatas,

como a criação de uma agência de em-

preendedorismo, para dar apoio a quem

quiser montar uma empresa, e de um ór-

gão, dentro da Sudene, para ajudar no de-

senvolvimento de cadeias produtivas em

torno de grandes projetos, e a instituição

de um programa de ciência, tecnologia e

inovação para o Nordeste.

Na avaliação de Mangabeira, o projeto pre-

cisa ser consolidado ainda neste ano, de forma

que se torne um plano do Estado a ser segui-

do pelos próximos governos. Se depender da

governadora do Maranhão, Roseana Sarney, a

implantação do projeto começa por lá. “A go-

vernadora e o secretariado achamos o plano

extremamente bem formulado e mostramos

que o melhor laboratório é o Maranhão”, diz o

secretário de Planejamento, Gastão Vieira. Há

grandes empresas e projetos de investimentos

no Estado, como a Alcoa, a Vale, a Hidrelétri-

ca de Estreito e a Refi naria da Petrobras, que

podem ser usados para ancorar o desenvol-

vimento de cadeias produtivas de pequenas

e médias empresas, no modelo pensado por

Mangabeira. Um dos principais pontos do

projeto é o desenvolvimento das pequenas

empresas, o mesmo objetivo perseguido pelo

Maranhão, segundo Gastão Vieira.

Bruno Cruz, diretor adjunto de Estu-

dos Regionais e Urbanos do Ipea, lem-

bra que é importante incluir as ações

para o desenvolvimento do Nordeste no

Plano Plurianual (PPA) para assegurar

os recursos e dar efetividade ao plano.

O grande mérito do projeto em estudo,

segundo ele, é consolidar o planejamen-

to, atividade esquecida nas últimas déca-

das devido à infl ação e crises. O último

plano de desenvolvimento do Nordeste

foi formulado por Celso Furtado, há mais

de 50 anos, e resultou na criação da Su-

perintendência de Desenvolvimento do

Nordeste (Sudene).

“Toda ideia que tem o objetivo de

planejar o desenvolvimento da região

merece a atenção de todos”, afirma o de-

putado Mendonça Prado (DEM-SE). As

graves desigualdades regionais, segundo

ele, impõem a necessidade de um pla-

no de desenvolvimento especialmente

para o Nordeste. Para o deputado Eudes

Xavier (PT-CE), o desenvolvimento do

Nordeste deve ser contemplado num

plano que permita o desenvolvimento

igualitário de todas as regiões do País.

Ele ressalta que o projeto Nordeste foi

desenvolvido a partir de ampla discus-

são com a sociedade e da colaboração

dos três níveis de poder.

“Projeto é um modelo que

transforma a ampliação

de oportunidades

econômicas e equitativas

no motor do crescimento,

e com isso, enquadra o

social na maneira de

organizar o econômico”

Antô

nio

Cruz

/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 55

O desenvolvimento do Nordeste exigirá a trans-

ferência de recursos para região, dentro de um pla-

nejamento de longo prazo. Todas as ações, segundo

a proposta, devem estar enquadradas nesse planeja-

mento para que tenham os resultados desejados. “Não

adianta recurso sem planejamento, nem planejamen-

to sem recurso”, argumenta Mangabeira. A proposta é

que os grandes projetos industriais sejam concebidos

e implementados de maneira a transformar a vida da

sociedade local, e não tenham como critério a explo-

ração de mão-de-obra barata.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos participou

ativamente também da elaboração do Plano Amazônia

Sustentável, que prevê a regularização fundiária na re-

gião e recuperação de áreas degradadas como condição

para o desenvolvimento, e do projeto de defesa nacio-

nal. De todo os projetos de desenvolvimento regional,

o do Centro-Oeste foi “o que menos andou”, segundo

Mangabeira. Ele, porém, deixou uma proposta que

prevê a diversifi cação da produção e desconcentração

de oportunidades, com a instalação de indústrias na re-

gião, recuperação de áreas degradadas, e obras de infra-

estrutura para facilitar o escoamento da produção.

Diretrizes do projeto Nordeste:

Política industrial

– o foco da política industrial deve ser as empresas pe-

quenas e médias, e não microempresas. Precisam de

acesso ao crédito, à tecnologia e aos mercados nacionais

e estrangeiros. Proposta: criação de uma instituição pan-

nordestina para adaptação e transferência de tecnologia

a pequenas e médias empresas, utilização dos bancos pú-

blicos para ampliar a oferta de crédito e abertura de um

canal direto para exportação.

Agricultura irrigada e de sequeiro

– é parte integrante de uma estratégia de desenvolvimento

sustentável com inclusão social. A estratégia de desenvol-

vimento agrícola no Nordeste tem como objetivos dar à

agricultura familiar atributos empresariais, agregar valor

ao trabalho no campo e construir uma classe média ru-

ral forte. Proposta: criação de fi nanciamento subsidiado

duradouro para agricultura irrigada, até que a atividade

seja autosustentável. Já a agricultura de sequeiro depende

de tecnologia, aproveitamento do solo, sementes adapta-

das à região e da industrialização da produção. O projeto

prevê a organização da comercialização dos produtos, da

ajuda técnica e popularização dos instrumentos de fi nan-

ciamento agrícola.

Capacitação

– dar um choque de ciência e tecnologia no Nordeste.

As escolas técnicas federais indicam o caminho para uma

educação renovada que fortaleça a cultura científi ca e

tecnológica. Fortalecer o ensino médio na região.

Unifi car o Nordeste fi sicamente

– adotar ações para integração das bacias hidrográfi cas,

construção de ferrovias e rodovias para acabar com o iso-

lamento de alguns municípios.

Projetos industriais

– repensar e reorientar o papel dos grandes projetos in-

dustriais na estratégia de desenvolvimento. Eles são fun-

damentais para a estratégia de desenvolvimento e devem

ajudar a transformar a vida econômica e social onde se

instalam, possibilitando a formação de uma cadeia pro-

dutiva na região. Os investimentos não podem se basear

no trabalho barato.

Investimento em infraestrura é fundamental

Antônio Cruz/ABr

Pedr

o Bi

ondi

/ABr

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56 Desenvolvimento julho de 2009

AQUECIMENTO GLOBAL

Vegetações naturais são destruídas todo ano pelas queimadas

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Desenvolvimento julho de 2009 57

Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste serão as mais prejudicadas com aumento da temperatura

R u b e n s S a n t o s - d e G o i â n i a

Campo minado

Antônio Cruz/ABr

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58 Desenvolvimento julho de 2009

Estudo sobre o aquecimento global

estima um impacto negativo entre

0,8% e 3,7% na produção agrícola

brasileira para o período entre 2040

e 2069. O impacto será consideravelmen-

te maior e mais severo entre os anos 2070

e 2099, quando a produção será reduzida

em até 26% em conseqüência da elevação

da temperatura e da redução das precipita-

ções por causa do aquecimento.

As evidências constam do estudo As-

sessing the impact of climate change on the

brazilian agricultural sector, de José Feres,

Eustáquio Reis e Juliana Speranza, técnicos

do Ipea. A pesquisa também conclui que

os efeitos negativos do aquecimento global

e o fenômeno climático produzirão danos

tanto em termos de produtividade agríco-

la quanto de valorização da terra. Outras

consequências são o comprometimento da

agricultura familiar, gerando sérias seque-

las sociais, e movimentos migratórios da

zona rural para as grandes cidades.

“Entre as severas consequências exa-

minadas prevê-se a queda no rendimento

de algumas culturas, o que resultará num

expressivo impacto negativo no desenvol-

vimento econômico, podendo aumentar a

pobreza e reduzir a capacidade das famílias

de investir num futuro melhor”, afi rma o

pesquisador José Feres. “Num contexto

semelhante, e avaliando os impactos eco-

nômicos das mudanças climáticas sobre as

atividades na agricultura, é de fundamental

importância a formulação de políticas pú-

blicas que visem mitigar seus efeitos”, disse.

Na pesquisa, Feres, Reis e Speranza em-

pregam modelos climatológicos de médio

(2040-2069) e longo prazos (2070-2099), e

de temperatura de ano a ano (1970 e 1995).

E concluem que as áreas de produção de soja

são as mais vulneráveis ao impacto negativo,

que poderá comprometer o setor agrícola.

Mas o estudo também aponta que algumas

regiões sairão ganhando com as mudanças

climáticas. A região Sul, por exemplo, com

solo fértil e temperatura amena, terá ganho

em rentabilidade. Já a região Sudeste tende

a apresentar um resultado neutro. “As con-

sequências provocadas pelas mudanças cli-

máticas indicam que as regiões Norte, Nor-

deste e Centro-Oeste serão as mais afetadas,

enquanto as regiões Sul e Sudeste seriam as

mais benefi ciadas”, afi rma José Feres.

Olho no Futuro - “Pesquisas como essa, que

avalia os impactos das mudanças climá-

ticas sobre a produtividade agrícola, são

muito importantes para o futuro do País”,

avalia a pesquisadora Emilia Hamada, da

Embrapa Meio Ambiente, técnica da área

de sensoriamento e geoprocessamento em

Jaguariúna, interior de São Paulo. “Con-

tribui como alerta, como subsídio para

políticas públicas e estímulo às pesquisas

sobre culturas mais resistentes, e novas va-

riedades, que muitas vezes demandam 10

anos de estudos”, afi rmou.

O maior prejuízo para o Norte, Nor-

deste e Centro-Oeste também resultará do

desmatamento intenso nessas regiões devi-

do à expansão das plantações de soja e da

pecuária. Pesquisa da Universidade Federal

de Viçosa (UFV), de Minas Gerais, indica

que a plantação de soja na região Norte é

mais agressiva ao meio ambiente do que a

pecuária intensiva. Houve, segundo a pes-

quisa, redução de 15,7% nas chuvas devido

à substituição de uma área de fl oresta por

uma plantação de soja no município de Pa-

ragominas, no Interior do Pará.

Liderados pelo professor Marcos Heil

Costa, do Departamento de Engenharia

Agrícola do Centro de Ciências Agrárias

da UFV, os pesquisadores também consta-

taram que a troca da plantação de soja por

pastagens provocou queda da precipitação

pluviométrica de 3,9%, ou cerca de quatro

vezes menos do que a soja. “O desmata-

mento da fl oresta ocorre, nos últimos 20

anos, para formação de pastagens, mas as

plantações de soja também estão em cres-

cimento na região”, diz Marcos Heil Costa.

Segundo ele, entre 2000 e 2005 as áreas

ocupadas pela soja cresceram 15%.

O pesquisador Paulo Moutinho, coor-

denador do Instituto de Pesquisa Ambien-

tal da Amazônia (Ipam), afi rma que há

relação entre o desmatamento na região

e os preços das commodities agrícolas:

a expectativa de lucro leva ao aumento

da destruição de fl orestas. Porém, ocorre

uma redução nas taxas de desmatamento

quando há combinação entre campanhas

de esclarecimento contra o desmate e fi s-

calização intensa. “O que temos de fazer

como sociedade é escolhermos o futuro

que queremos para a região Norte e cobrar

ações como a criação de Unidades de Con-

servação”, afi rma Moutinho.

Exemplo - Enquanto aumenta a devastação

nas diversas regiões do País, a prefeita de

Alta Floresta, no Mato Grosso, garante:

“Aqui não tem desmatadores”, diz Maria

Isaura Dias Alfonso. “Já reduzimos em

93% as queimadas e os desmatamentos

estão proibidos”. Ela conta que nos anos

1980 colonos foram atraídos para a re-

gião de Alta Floresta pela oferta de terra:

o governo dava o título de posse median-

te o compromisso de desmatamento de

pelo menos 50% da área. O resultado foi

um imenso desmatamento e Alta Floresta

entrou para a lista dos 43 municípios que

mais derrubam árvores no País.

Desertifi cação - Na região Centro-Oeste, a

monocultura e a ocupação intensiva do solo

estão resultando em desertifi cação da região

“O que temos de fazer como

sociedade é escolhermos o

futuro que queremos para a

região Norte e cobrar ações

como a criação de Unidades

de Conservação”Paulo Moutinho

Wilson Dias/Abr

Roosewelt Pinheiro/Abr

Cultivo da soja ajuda a desequilibrar a natureza

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Desenvolvimento julho de 2009 59

Novas espécies

para enfrentar o calor

Atentos às mudanças climáticas, os téc-

nicos da Embrapa se esforçam para desen-

volver novas variedades de plantas mais

resistentes e que se adaptem melhor às

adversidades. Leonardo Melo trabalha há

cinco anos no desenvolvimento de espé-

cies com resistência a altas temperaturas,

no laboratório da instituição no municí-

pio de Santo Antonio de Goiás. As plantas

têm mecanismos de tolerância à seca: a

raiz é mais profunda e as folhas são mais

espessas. A maior difi culdade é com o fei-

jão: “Vamos precisar de uns cinco a dez

anos para obter o feijão em escala comer-

cial”, estima Leonardo Melo. Obter uma

espécie resistente de feijão é fundamental

para a lavoura nas regiões do semi-árido

do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Os impactos do aquecimento global

também são objeto de estudo na área de

saúde: o médico Ulisses Confaloniere, da

Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/

Fiocruz), coordena um grupo de pesquisa

multidisciplinar para identifi car eventuais

vulnerabilidades da população às mudan-

ças climáticas. O objetivo da pesquisa é dar

ao Estado instrumentos para o estabeleci-

mento de políticas públicas adequadas ao

novo cenário.

“As alterações no clima estão inter-

ferindo em determinadas doenças, e o

problema é que essas alterações, num

ambiente já alterado e despreparado, po-

dem causar consequências bastante radi-

cais em uma região”, diz Confaloniere. “É

preciso estar atento”, aconselha.

O estudo do Ipea também revela, no

capítulo sobre os impactos estimados,

que, devido à elevação da temperatura,

as perdas na agricultura, na região Ama-

zônica, deverão girar em torno de 35%,

no médio prazo (2040 e 2069), e de 65%

no longo prazo (2070 e 2099). Na região

Centro-Oeste, as perdas para a produção

agrícola devem fi car entre 25%, no médio

prazo, e 75% no, longo prazo.

Uma das saídas para as populações

mais pobres será a migração das regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais

afetadas, para as regiões Sul e Sudeste,

que, na previsão dos técnicos, são benefi -

ciadas pelo aquecimento global.

sudoeste de Goiás, a mais fértil do estado.

O fenômeno é mais visível na área entre as

cidades de Jataí, Rio Verde, Serranópolis e

Palestina, de acordo com pesquisa do Ins-

tituto do Trópico Subúmido (ITS) da Uni-

versidade Católica de Goiás (UCG).

É na região sudoeste que Goiás produz

grande quantidade de grãos, como soja e

milho, e concentra a maior parte dos in-

vestimentos em agroindústria do estado.

Com o processo de grandes monocultu-

ras e a retirada do capeamento vulcânico

(terra roxa) a partir da década de 70, está

afl orando na região o deserto de Botu-

catu. Subterrâneo, o chamado deserto

de Botucatu começa na região Centro-

Oeste e vai até o Uruguai. O ITS aponta

dados da Organização da Nações Unidas

(ONU), que indicam o crescimento do

deserto a uma taxa de 10% ao ano.

Baseado em dados do Laboratório de

Processamento de Imagens e Geoproces-

samento (Lapig), da Universidade Federal

de Goiás (UFG), o pesquisador Nilson

Clementino Ferreira garante que até 2050

a taxa de destruição do bioma do cerrado

deverá saltar de 39% para 47% em núme-

ros absolutos. “Porém, a abertura de áreas

para pastagens e agricultura e, principal-

mente, o avanço da cana-de-açúcar de-

vido à demanda pelos biocombustíveis,

podem tornar a devastação ainda maior

se se computar as áreas degradadas”, disse

Ferreira. “Neste caso, as projeções de de-

vastação variam entre 70% e 80%”.

Para o pesquisador e arqueólogo Al-

tair Salles Barbosa, da Universidade Ca-

tólica de Goiás (UCG), oriundo do Smi-

thsonian Institution, além da agricultura

comercial e do biodiesel, há outros vilões

que marcam a região por uma ocupação

desordenada de espaços: “Infelizmente,

a falta de uma política adequada para o

meio ambiente tem colocado em risco

todo o patrimônio natural dessa região”.

“A política de desenvolvimento aplicada

no cerrado, considerado a última gran-

de fronteira para a produção de grãos,

não é a mais adequada”, afi rma.

O processo de desertifi cação também

tem sido observado na região Nordeste,

apontada pela pesquisa de Feres, Reis e

Speranza como uma das três regiões do

País que saem perdendo com as mudan-

ças climáticas. Uma área de 7.694 km2 no

interior do Piauí está em erosão. O cenário

de degradação foi causado pela exploração

de um garimpo de diamantes, agropecu-

ária e longos períodos de seca na região.

Segundo pesquisadores da Universidade

Federal do Piauí (UFPI), mesmo assim,

chove mais na região do que em outras lo-

calidades do estado, e a quantidade de fós-

foro é maior 20 vezes quando comparada

com áreas de solos produtivas. Em tese, a

terra seria fértil se não fossem as erosões.

Marc

ello

Cas

al Jr

/ABr

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60 Desenvolvimento julho de 2009

EQUIDADE

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Desenvolvimento julho de 2009 61

Osistema tributário brasileiro é

injusto e contribui para a perpe-

tuação e o aprofundamento das

desigualdades sociais, constata o

estudo “Indicadores do Sistema Tributário

Nacional”, elaborado pelo Observatório da

Equidade, órgão do Conselho de Desen-

volvimento Econômico e Social (CEDES).

O documento recebeu parecer favorável

durante a 30ª Reunião Plenária do CDES,

realizada em 4 de junho, em Brasília.

De acordo com o Observatório, a in-

justiça tributária materializa-se, principal-

mente, no fato de que quem ganha menos

(trabalhadores assalariados e pobres) paga

mais, favorecendo proprietários e aplica-

dores, que, proporcionalmente, recolhem

menos impostos. Essa realidade, que se

manifesta também territorialmente, é de-

corrência de cinco características que se

interrelacionam: o sistema tributário é

regressivo e a carga é mal distribuída; o

retorno social é baixo em relação à carga

tributária; a estrutura tributária inibe as

atividades produtivas e a geração de em-

prego; o pacto federativo é inadequado em

relação às suas competências tributárias,

responsabilidades e territorialidades; e, fi -

nalmente, não há cidadania tributária.

Esse quadro “denuncia de forma con-

tundente as consequências e a natureza

estrutural das iniquidades no Brasil. Isto

porque o sistema tributário se constitui

em instrumento de reprodução de justiça

ou injustiça na forma de apropriar e (re)

distribuir a riqueza nacional”.

De acordo com os autores do texto, “a

reprodução estrutural da fragilidade social

é demonstrada pela diferença entre o que

pagam de tributos os que ganham menos e

os que ganham mais, entre o que é arreca-

dado e o que é investido em políticas públi-

cas para a população em maior grau de fra-

gilidade, assim como na falta de visibilida-

de dos impostos embutidos em produtos e

serviços que a maioria da população paga”.

Sistema tributário

injusto

M a r c e l o M a i o l i n o M a r t i n s - d e B r a s í l i a

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social conclui que tributação perpetua desigualdades

Fabio Pozzebom/ABr

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62 Desenvolvimento julho de 2009

Vargas, estimam que a proposta do go-

verno, se aprovada, terá impactos signi-

fi cativos no aumento da renda per capita,

do produto interno bruto e no emprego.

De acordo com o documento, a criação

do IVA (Imposto sobre o Valor Agrega-

do Federal), em substituição aos tribu-

tos cumulativos como o PIS, Cofi ns e o

ICMS, a desoneração tributária completa

dos investimentos e da folha de pagamen-

to das empresas vão impactar positiva-

mente a economia.

Conscientização - Para Antoninho Trevi-

san, membro do Conselho e um dos que

colaboraram na elaboração do documento

do Observatório da Equidade, a sociedade

precisa ser informada sobre o quanto paga

de tributos indiretos. “Sem essa conscien-

tização”, diz, “não haverá mobilização e,

portanto, será difícil fazer com que o Con-

gresso, os estados e os municípios refl itam

a unanimidade que o trabalho do Obser-

vatório da Equidade refl ete em relação à

questão fi scal”.

“Trata-se, sem dúvida, de um docu-

mento histórico. Pela primeira vez, temos

um trabalho claro, acessível, que demons-

tra, com isenção e sem comprometimen-

tos partidários, que o sistema tributário

brasileiro é inadequado”, diz, acrescentan-

do que de sua elaboração participaram,

efetivamente, todos os setores da socieda-

de (empresários, governo, trabalhadores,

academia), o que assegura legitimidade

ao documento. Para o empresário, o pri-

meiro passo para se avançar na direção

do que o CDES propõe, antes mesmo da

reforma tributária, é procurar reduzir os

impostos indiretos. Injustos, eles incidem

sobre o produto e, portanto, são cobrados

de todos que consomem, independente-

mente da renda.

Para o diretor de Estudos Sociais do

Ipea, Jorge Abrahão, o grande mérito do

estudo elaborado pelo corpo técnico do

Observatório da Equidade é a “quantifi ca-

ção de uma realidade e, consequentemen-

te, a possibilidade de, daqui a um ou dois

anos, à luz de uma nova pesquisa, poder

dizer se o Brasil avançou ou regrediu” na

questão da equidade tributária.

Abrahão diz que o brasileiro sempre

reclama que paga muito imposto, mas,

na verdade há uma má distribuição da

carga tributária. Para exemplificar, ele

diz que o documento elaborado pelo

Observatório mostra que, de fato, a

maioria da sociedade paga demais, en-

quanto uma pequena parcela, a dos mais

ricos, paga de menos. “O setor que se

sustenta sobre o patrimônio não paga

imposto. Recolhe, mas não paga, na ver-

dade, porque repassa para o preço final

ao consumidor o custo dos tributos”,

exemplifica. O estudo do Observatório,

comenta ele, oferece à sociedade infor-

mações qualificadas e quantificadas para

que essa discussão se dê de maneira am-

pla, entre todos os setores sociais, sem as

tendências partidárias.

O estudo do Observatório ressalta

que um sistema tributário justo “deve

Para a professora de Economia da

Universidade Federal de Pernambuco,

Tânia Bacelar, qualquer tentativa de mu-

dar o sistema tributário, tornando-o mais

justo, esbarrará no Congresso Nacional e

nos governos estaduais e municipais. “Em

uma federação tão grande e diversifi cada,

qualquer mudança incomoda alguém”,

explica, citando o caso do Imposto sobe

Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS), que, no Brasil, ao contrário do

que ocorre em todos os países que cobram

tributo semelhante, é arrecadado pelo es-

tado produtor e não pelo estado consu-

midor. “Assim, São Paulo, justamente o

estado mais industrializado, recolhe um

percentual sobre tudo o que vende para

as demais unidades da federação”, diz a

economista, membro do CDES e ex- se-

cretária de Fazenda de Pernambuco.

De fato, reforma tributária é um tema

sobre o qual o Congresso Nacional já se

debruçou várias vezes, nas últimas déca-

das. Em vão. Desde 2007, um projeto de

autoria do Executivo tem sido discutido

e sucessivamente alterado, recosturado e

retardado em sua tramitação. A poucos

dias do recesso parlamentar de julho, o

governo ainda tentava articular com os

líderes dos partidos políticos um novo

texto de consenso.

Entre as propostas está a transferência

da cobrança do ICMS da origem para o

destino, corrigindo a distorção apontada

por Tânia Bacelar.

Outras mudanças propostas são a cria-

ção de uma única legislação nacional; a

redução do volume de tributos e a desone-

ração das folhas de pagamentos e investi-

mentos. Há, também, a intenção, por parte

de algumas correntes, de vincular certas

receitas a gastos específi cos, como educa-

ção, saúde e previdência, um complicador

a mais na negociação.

No estudo “Avaliação dos impactos

macroeconômicos e de bem-estar da

reforma tributária no Brasil”, os eco-

nomistas Ricardo de Castro Pereira, da

Universidade Federal do Ceará, e Pedro

Cavalcanti Ferreira, da Fundação Getúlio

Trevisan: documento histórico

Roosewelt Pinheiro/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 63

A distribuição da carga tributária desrespeita o princípio da equidade. Em decorrência do elevado peso dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação, pessoas que ganhavam até dois salários mínimos em 2004 gastaram 48,8% de sua renda no pagamento de tributos. Já o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos correspondia a 26,3%.

O retorno social é baixo em relação à carga tributária. Dos 33,8% do PIB arrecadados em 2005, apenas 9,5% do produto retornaram à sociedade na forma de investimentos públicos em educação, saúde, segurança pública, habitação e saneamento.

Há grande número de tributos, tributação em cascata, tributação da folha de pagamentos, excesso de burocracia, defi ciências dos mecanismos de desoneração das exportações e dos investimentos. Tudo isso desestimula as atividades produtivas e a geração de empregos.

A distribuição de recursos no âmbito da federação não se orienta por critérios de equidade. O desenho das transferências entre esferas de governo, ao invés de perseguir a equalização entre os montantes de recursos à disposição das unidades locais, tende a favorecer a desigualdade. Em 2007, o maior orçamento per capita municipal do país superou em 41 vezes o menor orçamento por habitante. Descontadas as transferências intergovernamentais, essa proporção cai para 10.

Não se verifi cam as condições adequadas para o exercício da cidadania tributária. Como os tributos indiretos são menos visíveis que as incidências sobre a renda e a propriedade, é disseminada na sociedade brasileira a crença de que a população de baixa renda não paga impostos. Em decorrência, as políticas públicas orientadas para a redução das desigualdades e dos índices de pobreza são vistas como benesses até mesmo pela população carente.

Observatório da Equidade destaca cinco pontos críticos do sistema tributário brasileiro:

ter como princípio norteador a equida-

de”, segundo a qual o ônus fi scal deve

ser distribuído de maneira progressiva:

aqueles que contam com maior nível de

rendimento e estoque de riquezas devem

contribuir proporcionalmente mais com

o pagamento de tributos.

Não é o que ocorre. Os tributos diretos,

incidentes sobre a renda e o patrimônio,

têm sido gradualmente suprimidos. E são

os que permitem melhor justiça fi scal.

Até o exercício de 2008, apenas duas

faixas de renda dividiam os cidadãos para

efeito de pagamento de Imposto de Renda;

no passado, chegaram a haver até 13 fai-

xas. Neste ano, o governo ampliou a tabela

para quatro faixas de rendas.

Já os tributos indiretos, incidentes so-

bre o consumo, não oferecem possibilida-

de de cobrar menos dos mais pobres. Por

exemplo, uma pessoa que ganha um salário

mínimo, ao adquirir uma geladeira, paga o

mesmo montante de impostos que um ci-

dadão com renda mais alta que compre a

mesma geladeira. A distribuição também

é desigual no plano federativo: as unidades

mais pobres, que arrecadam menos, não

conseguem oferecer serviços públicos com

a mesma qualidade de um estado rico.

Mesmo com o reconhecimento da

injustiça do sistema pelo CDES, não há

perspectiva de mudança no curto prazo.

Na avaliação do ministro do Planeja-

mento, Paulo Bernardo, feita na reunião

do Conselho, “tudo indica” que a refor-

ma tributária não será aprovada antes de

2010. O conselheiro Germano Rigotto

disse que “falta de vontade política” ao

governo para aprovar a reforma no Con-

gresso Nacional.

Paulo Bernardo ressaltou, entretanto,

que o governo fez uma série de aperfeiço-

amentos no sistema tribuário. “Fizemos

sucessivas negociações para diminuir tri-

butos”, lembrou ele, citando como exem-

plo a criação do sistema de tributação sim-

plifi cada para microempresas e empresas

de pequeno porte (Simples).

Para o técnico do Ipea José Aparecido

Ribeiro, que trabalhou diretamente com o

levantamento de informações e na elabo-

ração do documento fi nal, além da injus-

tiça cristalizada pelo sistema tributário, o

cidadão e o empresário são massacrados

por uma carga de impostos muito acima

da defi nida em lei. Os créditos fi scais, por

exemplo, não são concedidos ou o são em

12, 24 ou 36 meses.

“Imagine o caso de uma empresa que

precisa investir e que, para isso, lança mão

de um programa de incentivo qualquer

que lhe dá alguma isenção na compra de

máquinas, por exemplo. Só que, em vez de

obter o desconto a que faz jus na hora da

compra, ela precisa esperar que o governo,

federal ou do estado ou do município, lan-

ce esse crédito. Muitas vezes, porém, são

criadas enormes difi culdades burocráticas

que impedem ou difi cultam a efetivação

do benefício”, explica. Esse custo segundo

ele, no fi m das contas, cairá no bolso do

consumidor fi nal.

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64 Desenvolvimento julho de 2009

Estudo do Ipea confi rma: população de menor renda é penalizada pelo sistema tributário brasileiro

Pobre paga mais

Oestudo “Receita pública: quem paga

e como se gasta no Brasil”, divulga-

do no mês passado pelo Ipea, con-

fi rma as conclusões do Observató-

rio da Equidade: os pobres são mais penali-

zados pela carga tributária do que a parcela

que tem ganhos mais altos. Segundo o Ipea,

os trabalhadores que ganham o equivalente

a até dois salários mínimos trabalham 197

dias por ano para pagar impostos. Já os que

ganham mais de 30 salários mínimos desti-

nam 106 dias por ano ao pagamento de tri-

butos. Se a carga tributária fosse distribuída

igualmente entre todos, cada contribuinte

teria que trabalhar 132 dias por ano para pa-

gar impostos.

De acordo com o estudo, a faixa salarial

de até dois mínimos arca com uma carga

tributária de 53,9%, percentual que diminui

gradativamente nas faixas de maior rendi-

mento. A carga tributária cai para 41,9% na

faixa salarial entre dois e três salários míni-

mos, para 37,4% na faixa entre três e cinco

salários, até chegar a 29%, paga por quem ga-

nha mais de 30 salários mínimos por mês.

O estudo, feito com base em dados do

Instituto Brasileiro de Geografi a e Esta-

tística (IBGE) e da Secretaria do Tesouro

Nacional, pressupõe uma carga tributária

total de 36,2%, no ano de 2008.

Os dados do IBGE demonstram que os

proprietários – empresários e trabalhado-

res por conta própria – fi cam com 51,7%

do produto interno bruto (PIB) brasileiro.

Os assalariados (ou não proprietários) fi -

cam com os 48,3% restantes. Mas na hora

Impostos incluídos no preço dos produtos são os mesmos para todos, o que torna o sistema regressivo

Antonio Cruz/ABrFabio Rodrigues Pozzebom/ABr

José

Cru

z/ABr

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Desenvolvimento julho de 2009 65

brasileiro faz exatamente o contrário – tri-

buta mais os mais pobres. Os 10% mais

pobres da população brasileira destinam

32,8% da sua renda para o pagamento de

tributos, enquanto que para os 10% mais

ricos, o ônus estimado é de 22,7% da ren-

da”, relatam.

Mas o estudo pondera que o dinheiro

arrecadado fi nancia inúmeros serviços e

programas sociais, como a Previdência

Social, educação e saúde e também paga

a conta de juros do governo. O pagamento

de aposentadorias e pensões previdenciá-

rias urbanas, por exemplo, consome 4,53%

do PIB, ou 16,5 dias de trabalho de cada

contribuinte. O pagamento desses bene-

fícios aos trabalhadores rurais consome

mais cinco dias de trabalho de todos.

O programa Bolsa Família, que em 2008

benefi ciou 11,6 milhões de famílias, custa

0,38% do PIB ou 1,4 dia de contribuição.

Além dos gastos na área social, o di-

nheiro arrecadado com impostos fi nancia

investimentos em infraestrutura, segurança

nacional, segurança pública e meio ambien-

te, por exemplo. “É importante esse exercício

para dar visibilidade ao fato de que a arre-

cadação dos tributos não desaparece pura e

simplesmente nas entranhas da burocracia.

Ela fi nancia a atuação do Estado, e boa parte

desta atuação se dá pelo pagamento de bene-

fícios de distintas formas, e pela prestação de

bens e serviços a enormes contingentes da

população”, ressalta o documento.

Entre as grandes despesas, pagas pelos

contribuintes, está a conta de juros: “É im-

portante dar o devido destaque ao mon-

tante destinado ao pagamento de juros

da dívida pública”, que, no ano passado,

consumiu 3,8% do PIB. Os contribuintes

brasileiros trabalham 14 dias por ano só

para pagar juros da dívida pública. “Mas a

situação já foi ainda mais grave: em 2007,

as despesas federais com juros foram de

5,4% do PIB, o equivalente a cerca de 19,5

dias de trabalho do contribuinte”, lembra o

estudo. A conta de juros, incluindo os gas-

tos dos estados e municípios, consumiu,

em 2008, quase um sexto de toda a carga

tributária arrecadada.

Carga Tributária Bruta que incide explicitamente sobre a renda dos proprietários e dos não proprietários no Brasil em 2006 (em %)

Brasil - Distribuição da Carga Tributária Bruta segundo faixa de salário mínimo

Renda mensal Carga Tributária Carga Tributária Dias destinados familiar Bruta – 2004 Bruta - 2008 ao pagamento de tributosaté 2 SM 48,8 53,9 1972 a 3 38,0 41,9 1533 a 5 33,9 37,4 1375 a 6 32,0 35,3 1296 a 8 31,7 35,0 1288 a 10 31,7 35,0 12810 a 15 30,5 33,7 12315 a 20 28,4 31,3 11520 a 30 28,7 31,7 116mais de 30 SM 26,3 29,0 106CTB, segundo CFP/DIMAC 32,8 36,2 132

30

25

20

15

10

5

0

13,6

24,4

18,8

Proprietários Não proprietários Total

30,00

25,00

20,00

15,00

10,00

5,00

0,00

13,615,7

23,8

3,2 2,7

20,5

Saúde AssistênciaEducação TrabalhoPrevidência Social

Juros

Carga Tributária Bruta e dias de trabalho por grandes agregados

de pagar impostos, os proprietários arcam

com a menor parte: 13,6% de carga tri-

butária, enquanto os assalariados contri-

buem com 24,4%. “Os não proprietários

têm uma carga tributária bruta 78,1% su-

perior à dos proprietários”, explicou José

Aparecido Ribeiro, técnico do Ipea, du-

rante a divulgação do estudo, resultado de

parceria do instituto com a Secretaria da

Receita Federal.

Os técnicos do Ipea defendem no es-

tudo um sistema tributário progressivo,

de forma que os contribuintes de maior

renda paguem proporcionalmente mais

impostos. “Estudos recentes, entretanto,

têm demonstrado que o sistema tributário

Fonte: elaboração Ipea

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66 Desenvolvimento julho de 2009

DESENVOLVIMETO

No mês passado, fi camos sabendo

que a carga tributária bruta do Bra-

sil, em 2008, foi de 35,8% do Pro-

duto Interno Bruto (PIB). Ou seja,

o setor público, juntando União, estados e

municípios, apropriou-se, com a cobrança

de impostos e contribuições, dessa parcela

da riqueza nacional produzida em 2008.

Esse dinheiro fi nancia a prestação de ser-

viços à sociedade, o que signifi ca a manu-

tenção da máquina estatal, investimentos

em obras de infraestrutura, e o pagamento

dos juros da dívida do setor público.

De acordo com o Ipea, a carga tributá-

ria brasileira “tem crescido de modo qua-

se ininterrupto desde 1998”, e atualmente

é comparável à dos países desenvolvidos,

embora ligeiramente menor à média des-

sas nações. Em 2004, representava 32,2%

do PIB. Mas projeções do governo indi-

cam que, depois do período de crescimen-

to, haverá queda na carga tributária neste

ano, em decorrência da crise internacio-

nal. Nos últimos anos, o aumento da car-

ga tributária foi resultado do crescimento

da economia. A arrecadação cresceu bem

mais do que o PIB. Agora, com a recessão,

a tendência é que a carga tributária do ano

se reduza.

O estudo Carga Tributária Líquida e

Efetiva Capacidade do Gasto Público no

Brasil, resultado de convênio do Ipea com

a Receita Federal do Brasil, ressalta que

parcela signifi cativa dos recursos arreca-

dados pelo governo é devolvida à socie-

dade em forma de transferências públicas,

por meio do pagamento de aposentado-

rias, pensões e outros benefícios previden-

ciários e assistenciais. Só com benefícios

previdenciários, a União gastou, no ano

passado, 6,9% do PIB. Outros 4,7% foram

para pagamento de aposentadorias e pen-

sões dos servidores públicos. Já o Bolsa

Família, que benefi ciou 11,2 milhões de

famílias no ano passado, custou ao Estado

0,88% do PIB.

Desde 2007, o conjunto das transferên-

cias de assistência e Previdência Social,

somados com demais subsídios repassa-

dos ao conjunto da sociedade, ultrapassa

os 15% do PIB. No ano passado, custou

15,3% do PIB. Nos últimos anos, essas

transferências, por meio de programas

sociais, cresceram substancialmente. Em

1980, representavam apenas 7,3%. Ou

seja, a arrecadação cresceu, mas as des-

pesas com programas de transferência de

renda também cresceram.

Descontadas as transferências públicas

e subsídios à sociedade do total arreca-

dado, chega-se à carga tributária líquida,

que, na avaliação do Ipea, retrata melhor

a disponibilidade de caixa do setor público

para a prestação de serviços, como saú-

de, educação e segurança, investimentos

e manutenção dos bens públicos, como

estradas, aeroportos, prisões, para toda

população.

O estudo chama ainda a atenção para

os gastos do setor público com juros da dí-

vida pública. Em 2008, 5,6% do PIB foram

consumidos em juros. Mas a situação já

foi bem pior: em 2004, 6,74% da riqueza

produzida no País foram para pagamento

de juros.

A questão leva a uma outra discussão,

a da regressividade do sistema tributário

nacional. Estudos do Ipea e do Conselho

de Desenvolvimento Econômico e Social

mostram que a tributação no Brasil carre-

ga fortes componentes de injustiça social.

O pobre, segundo esses estudos, compro-

mete maior parcela de sua renda com o

pagamento de impostos do que o rico. Isso

porque há muitos tributos indiretos com a

mesma alíquota para pobres e ricos.

De acordo com o Ipea, quem ganha até

dois salários mínimos dedica 197 dias do

ano ao pagamento de tributos. Já quem

recebe mais de 30 salários mínimos, tra-

balha 106 dias para pagar impostos e con-

tribuições à União, estados e municípios.

Isso mostra que o sistema é regressivo e

penaliza os mais pobres.

questões do

Carga tributária e serviços públicos

Gilson Luiz Euzébio - de Brasília

do PIB é o investimento do governo em assistência e Previdência Social,

que assegura benefícios também para trabalhadores rurais. Percentual é mais que o dobro do registrado na década de 1980

15,3%

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Desenvolvimento julho de 2009 67

ARTIGO

Há uma considerável gama de estu-

dos empíricos que analisam como

os componentes da despesa pública

de países da América Latina res-

pondem a choques no produto, se de forma

pró-cíclica ou anticíclica. Ao utilizar diver-

sas categorias de gasto e períodos amostrais

distintos, esses autores tendem a concluir

que o gasto público se comporta de manei-

ra pró-cíclica. A literatura justifi ca o caráter

pró-cíclico da política fi scal em países em

desenvolvimento sob pelo menos dois ar-

gumentos. Uma primeira razão estaria rela-

cionada a restrições de liquidez enfrentadas

por essas economias. Nos períodos de ex-

pansão, a oferta de crédito é mais abundan-

te e os governos podem tomar empréstimos

com maior facilidade e com isso elevar os

dispêndios públicos. Nas recessões, a escas-

sez da oferta de crédito limita o crescimen-

to dos gastos públicos.

Uma segunda linha de argumentação

reside na literatura de economia política.

Alguns autores defendem a existência do

“efeito voracidade”, i.e., nos períodos de

expansão, os recursos públicos são maio-

res e a disputa por esses recursos se inten-

sifi ca, o que obriga os governos a acomo-

darem as demandas dos diversos grupos

por meio da expansão dos gastos.

Diante da fatídica tendência de se en-

contrar gastos pró-cíclicos nos países em

desenvolvimento, decidimos promover

uma análise na receita e na despesa pri-

mária1, no investimento e no consumo

do governo federal brasileiro, de modo a

verifi car se esses itens se comportaram de

maneira pró ou anticíclica em relação ao

Produto Interno Bruto (PIB) per capita do

Brasil, no período 1901 a 2006.

Nossa pesquisa foi eminentemente des-

critiva e exploratória (de dados) do ponto

de vista econométrico, que formalmente

não testou qualquer modelo teórico. Inves-

1 Exclui a parte fi nanceira do orçamento público, tais como juros e correções monetárias

tigamos se a relação encontrada entre as

variáveis fi scais aludidas e o PIB per capita

se altera ao longo do tempo. Nesse sentido,

estimamos modelos auto-regressivos uni-

variados e multivariados com a técnica Ma-

rkov Switching . Esta técnica permite estimar

modelos em que as variáveis se relacionam

de maneira diferente em distintos regimes

fi scais, de forma que os parâmetros desses

modelos mudam de acordo com o regime

em vigor. Esses modelos levam em conside-

ração possíveis relações de não-linearidades,

já que a imposição de linearidade entre cada

variável investigada e seus valores passados

e os valores defasados das outras variáveis

selecionadas é feita apenas em cada regime

de maneira separada, de modo que os dados

descrevem o comportamento entre as variá-

veis de uma forma mais fl exível. Questões de

endogeneidade ou causalidade reversa entre

as variáveis são contempladas quando se uti-

liza essa técnica.

De acordo com os resultados encon-

trados em nossa pesquisa, pelo menos três

considerações podem ser feitas.

Primeiro, observando-se as médias

das taxas reais de crescimento auferidas

por meio dos modelos estimados, pode-se

sugerir que o governo federal tende a se

comportar de forma perdulária. De fato,

nos períodos em que os regimes fi scais se

mostraram signifi cativos do ponto de vista

estatístico, enquanto a taxa real de cres-

cimento das despesas primárias crescia a

uma média de 7,7% a.a., o PIB per capi-

ta crescia em média 5,1% a.a. Em outras

palavras, no século 20 e limiar do século

21, em média, os gastos do governo federal

cresceram em uma proporção maior que o

aumento de riqueza da sociedade.

Segundo, no Brasil, ao longo do período

em análise, observa-se um único regime fi s-

cal de ciclicalidade, que é o regime pró-cícli-

co - aumento (diminuição) da renda per ca-

pita leva a aumento (diminuição) da despesa

- entre a despesa primária e o PIB per capita,

datado em diversos períodos do século pas-

sado, o que corrobora os resultados encon-

trados em diversos estudos empíricos para a

América Latina, conforme já mencionado.

Terceiro, os resultados sugerem que um

aumento de 1% na taxa real de crescimento

da despesa primária do governo federal no

ano anterior implica diminuição de aproxi-

madamente 2,7% no crescimento da taxa real

de crescimento do PIB per capita. Portanto,

como se evidencia, em relação à ciclicalida-

de, concluímos que os gastos primários do

governo federal se comportaram de maneira

pró-cíclica em relação ao PIB per capita, no

século 20 e no limiar do século 21.

Dito isso, em tempos de crise e muitas

discussões fúteis, cabe concluir destacan-

do ao menos uma refl exão que inferimos

de nossa pesquisa. Será que adianta dis-

cutir se a política fi scal do governo “A” ou

“B” é pró-cíclica ou anticíclica? Em outras

palavras, será que as raízes da natureza

pró-cíclica de nossos gastos estão em pu-

ras escolhas do Poder Executivo?

Enfi m, de maneira geral, cremos que,

no Brasil, no âmbito do governo federal,

enquanto não houver mudanças legais

(institucionais) que criem incentivos para

que os governos se comportem de manei-

ra anticíclica, a diferença da política fi scal

de um governo “A” para um governo “B”

residirá apenas na escolha dos premiados,

de modo que as despesas primárias do go-

verno federal tenderão naturalmente a se

comportar de maneira pró-cíclica.

Alexandre Manoel Angelo da Silva é Técnico de Planejamento

e Pesquisa do Ipea.

Angelo José Mont´Alverne Duarte é Analista do Bacen cedido

ao Ministério da Fazenda.

(***) Além dos resultados aqui expostos, outras análises po-

derão ser encontradas no Texto de Discussão (TD), “Variáveis

Fiscais e PIB Per Capita no Brasil: Relações Vigentes entre

1901 e 2006”, a ser publicado pelo Ipea.

A l e x a n d r e Ma n o e l A n ge l o d a S i l v aA n ge l o Jo s é Mon t´A l v e r n e D u a r t e

Os gastos brasileiros são pró-cíclicos?

Desenvolvimento julho de 2009 67

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68 Desenvolvimento julho de 2009

CONTROVÉRSIA

A situação de irregulari-

dade fundiária é um dos

grandes problemas que

atingem a Amazônia

Legal. É grande o desconheci-

mento das cadeias dominiais

de parte considerável das suas

terras, decorrentes da falta de

cadastros confi áveis nos car-

tórios, desconhecendo-se, em

muitos casos, os verdadeiros

proprietários das terras, sendo

também numerosos os casos

de títulos de terras deslocados,

sobreposição de títulos e regis-

tros falsos.

Segundo o Instituto do

Homem e Meio Ambiente da

Amazônia (Imazon), dados do

Sistema Nacional de Cadastro

Rural (SNRC) do Incra mos-

tram que apenas 4% das terras

da região possuem título de

propriedade e cadastro valida-

do. Outros 43% são áreas pro-

tegidas, algumas apresentando

posses ilegais; outros 32% são

terras com posses ou proprie-

dades com informações pen-

dentes, e 21% são áreas públi-

cas sem cadastro, o que gera

uma larga cadeia de incerte-

zas quanto à situação real dos

imóveis na Amazônia, dando

margem a confl itos sociais,

ambientais e econômicos.

Embora os confl itos agrá-

rios decorrentes do caos fun-

diário na Amazônia tenham

maior visibilidade, a irre-

gularidade fundiária urba-

na também está presente na

Amazônia. Muitas cidades

na região estão hoje em situ-

ação fundiária irregular, ten-

do se desenvolvido em terras

públicas antes destinadas à

reforma agrária. Bairros nas

capitais de Porto Velho e Boa

Vista, por exemplo, ou cida-

des inteiras cresceram em

áreas públicas sob jurisdição

do Incra ou em terras doadas

a particulares e com titulação

defi nitiva. Como resultado, as

moradias, hospitais e escolas,

sedes de governos, estadual e

municipal, e órgãos federais

não possuem registro.

A execução das políticas ur-

banas pelos governos locais é

muito difícil diante desse qua-

dro. Sem a clareza quanto ao

domínio dos imóveis, as pre-

feituras fi cam impossibilitadas

de investir em infraestrutura,

equipamentos públicos, fazer

cumprir a legislação urbanís-

tica e promover suas políticas

habitacionais.

Englobando 762 muni-

cípios dos estados de Rorai-

ma, Rondônia, Acre, Amapá,

Amazonas, Mato Grosso, To-

cantins, Pará e parte do Mara-

nhão, a Amazônia Legal ocupa

cerca de 60% do território na-

cional. Sua população é de cer-

ca de 22,3 milhões de habitan-

tes, 12% da população do País,

com uma taxa de urbanização

média de 72%.

O Censo de 2000 (O IBGE)

mostrou que, enquanto no

País cerca de 28% dos domicí-

lios particulares permanentes

urbanos não eram atendidos

por rede geral de coleta de

esgotos ou não possuíam ins-

talações sanitárias, na Ama-

zônia Legal essa proporção foi

de 57%. A maior parte desses

domicílios (65%) estava nas

cidades com mais de 20 mil

habitantes.

Na Amazônia Legal, as áre-

as urbanas de 169 municípios

estão em terras do Incra, sen-

do que em 138 a população

urbana é menor que 20 mil ha-

bitantes. Nessas 169 cidades,

cerca de 51% dos domicílios

particulares permanentes não

são atendidos por rede de água

e 72% não possuem rede de

coleta de esgotos ou instala-

ções sanitárias.

Em 10 de fevereiro de

2009, o governo federal edi-

tou a Medida Provisória 458,

que defi ne critérios que facili-

tam a doação aos municípios

de terras sob a jurisdição do

Incra para a regularização

fundiária de áreas urbanas.

Para requerer a doação, os go-

vernos locais devem compro-

var a ocupação urbana apenas

por meio de levantamento

topográfi co ou fotograme-

tria aérea georreferenciados,

mostrando que a área possui

sistema viário implantado de-

fi nindo um parcelamento de

características urbanas, e den-

sidade populacional mínima

de 12 habitantes por hectare,

de acordo com as ocupações

na Amazônia.

Irregularidade fundiária

A r e g u l a r i z a ç ã o f u n d i á r i a

Paulo Coelho Ávila é analista de infraestrutura lotado no Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos - Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) do Ministério das Cidades

Atendendo a esses crité-

rios, e não havendo interes-

se de outros órgãos federais

pela área (Funai, ICM-Bio ou

SPU), as terras são transferi-

das aos municípios. A partir

daí, os municípios deverão re-

gularizar de forma gratuita as

ocupações de até 1.000 m2 aos

efetivos moradores com renda

familiar de até 5 salários míni-

mos. Dessa forma, espera-se

que os municípios dêem a efe-

tiva proteção patrimonial das

moradias aos seus ocupantes e

possam realizar os investimen-

tos necessários para melhorar

as condições de vida de sua

população, integrando essas

áreas às cidades.

Essa iniciativa se enquadra

numa ampla ação que busca o

ordenamento territorial da Re-

gião Amazônica, pela ação in-

tegrada de vários entes federais,

governos estaduais e municípios,

visando a redução dos confl itos

fundiários, o desmatamento ile-

gal e a ocupação desordenada

desse importante bioma.

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Desenvolvimento julho de 2009 69

ção do Programa Estadual

de Ordenamento Territorial

(PEOT), em dezembro de

2007, institucionalizando uma

política que busca promover

o ordenamento territorial em

suas dimensões fundiária, am-

biental, produtiva e fl orestal.

Com essa política, busca-se

um processo de gestão terri-

torial contínua, transparente

e democrática, pactuado com

os diferentes atores sociais

(federal, estadual, municipal e

sociedade civil).

A partir dessas conside-

rações, é possível dizer que

os objetivos principais são:

diminuir a violência rural e

o desrespeito aos direitos hu-

manos; assegurar o direito de

propriedade aos diferentes

segmentos sociais, priorizando

a ocupação familiar; diminuir

o desmatamento e garantir a

sustentabilidade ambiental.

A institucionalização da pro-

priedade privada constitui tam-

bém uma condição para conso-

lidar um modelo democrático

e participativo de distribuição e

de gestão da terra e dos recursos

naturais. E, consequentemente,

de proteção do meio ambiente.

Tendo em vista o exposto, pode-

se dizer que é nesse contexto

que deve ser colocada a regula-

rização fundiária, direcionada à

ocupação familiar, média, gran-

de e para povos e comunidades

tradicionais.

Nosso governo organiza a

sua política de ordenamento

territorial de tal forma que a re-

gularização fundiária passa a ser

entendida como instrumento de

ordenar o espaço e de democra-

tizar o acesso à terra. Nesse sen-

tido, o governo enviou projeto

de lei à Assembléia Legislativa

que adequa a lei estadual vigen-

te ao que estabelece o Código

Florestal Brasileiro no que diz

respeito à restauração da Área

de Reserva Legal já alterada, que

passa a ser de 30 anos.

Em linha com essa políti-

ca, em 2008, seis municípios

iniciaram processo de regula-

rização, com o levantamento

ocupacional. Os municípios

atualmente nessa fase são

Abel Figueiredo, Dom Eliseu,

Eldorado do Carajás, Igarapé

Açu, Parauapebas e Rondon

do Pará. Como resultado ini-

cial dessas medidas, espera-se

no segundo semestre de 2009

titular mais de 4 mil famílias.

Pela primeira vez, o Pará criou

assentamentos. Foram 11, fa-

vorecendo 672 famílias em

uma área de 51,5 mil hectares.

O Pará é o estado brasilei-

ro que mais reconheceu áreas

quilombolas. Até o momento

foram 18 títulos, benefi cian-

do 735 famílias, em uma área

aproximada de 28 mil hectares.

Para assegurar a transparên-

cia e a proteção ambiental, ins-

tituímos o Cadastro Ambiental

Rural (CAR), que é um registro

georreferenciado, com acesso

à web, exigido de todo imóvel

rural. O CAR é uma peça fun-

Os desafi os no Pará

a j u d a o d e s e n v o l v i m e n t o d a A m a z ô n i a ?

Ana Júlia CarepaGovernadora do Estado do Pará

Odesafi o do ordenamento

territorial não é apenas

do Pará, mas de toda a

Amazônia, que precisa

ser compreendida na sua com-

plexidade. E, por essa razão, não

pode ser tratada como outras

regiões e biomas que estão em

estágios diferentes de desenvol-

vimento e ocupação.

De um lado, o mundo pres-

siona o Brasil para que a Ama-

zônia seja preservada, para que

a fl oresta continue a prestar os

serviços ambientais que têm re-

fl exo sobre toda a humanidade.

De outra parte, é preciso

entender que a Amazônia tem

gente. São mais de 20 milhões

de pessoas que também têm

direito à qualidade de vida. Nos

últimos três anos temos atuado

fortemente para melhorar os

nossos indicadores sociais.

Sob esse aspecto, um dos

desafi os dos estados amazôni-

cos, em particular do Pará, é

superar o caos fundiário, ob-

jetivando construir uma base

produtiva socialmente justa e

ambientalmente sustentável.

Ocupando uma área de

124,85 milhões de hectares,

com 7 milhões de habitantes

(sendo que 51% de sua área

compõem unidades de con-

servação e terras indígenas), o

ordenamento territorial passa a

ser um instrumento fundamen-

tal para assegurar a sustentabi-

lidade ambiental e econômica.

O primeiro passo nessa

direção foi dado com a cria-

damental, pois está vinculado

às autorizações e licenças sub-

sequentes e é o primeiro passo

para iniciar o processo de regu-

larização fundiária.

Outro instrumento impor-

tante é o Zoneamento Ecoló-

gico Econômico da Área de

Infl uência da BR-163 (Cuiabá-

Santarém) e BR-230 (Transa-

mazônica) no Estado do Pará,

abrangendo 19 municípios que

ocupam uma área de 334.450

mil km2 (1,5 vez maior que

o território de São Paulo), ou

27% do território paraense,

com população aproximada de

um milhão de habitantes.

O ZEE foi aprovado no Cona-

ma e agora aguarda decreto pre-

sidencial para entrar em vigor. Já

estamos concluindo a fase de es-

tudos do ZEE da Borda Leste e da

Calha Norte e, até o fi nal de 2010,

teremos 80% do nosso território

submetido a zoneamento.

Portanto, o lançamento

do Programa Terra Legal em

âmbito federal vai encontrar

no Estado do Pará um grande

parceiro para superar o atual

caos fundiário. Assim, poder-

mos construir uma terra de

oportunidades para todos. El

za F

iúza

/ABr

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70 Desenvolvimento julho de 2009

Repassando conhecimento

Ipeapor dentro do

70 Desenvolvimento julho de 2009

Educação: um desafi o para as políticas públicas

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Desenvolvimento julho de 2009 71

Reativação de cursos de mestrado é o resgate de uma das tradicionais funções do Ipea, que já preparou quadros para diversos órgãos públicos

OIpea está retomando a tradição

de formação de quadros para

o serviço público: montou um

curso de mestrado em políticas

públicas para a qualifi cação de funcio-

nários da União, estados e municípios, e

também oferece cursos de curta duração

nessa área. O diretor de Cooperação e De-

senvolvimento do Ipea, Mário Th eodoro,

explica que tudo começou com um mi-

nicurso de planejamento, com duração de

seis semanas, realizado nos meses de ou-

tubro e novembro do ano passado. Foram

convidados técnicos de vários ministérios

para discutir o papel do Estado no plane-

jamento e no desenvolvimento.

“As pessoas gostaram muito. Então nós

partimos para um projeto mais ambicioso

de montar um mestrado em políticas pú-

blicas”, explica. Na verdade, o Ipea já de-

sempenhou antes a função de formar qua-

dros profi ssionais para a burocracia estatal

nas três esferas de poder. “A formação de

quadros era uma atividade ordinária do

Ipea”, conta Mário Th eodoro. Até a déca-

da de 1990, a instituição formou pessoal

para estados, municípios e diversos órgãos

públicos. Mantinha cursos de planejamen-

to e de pós graduação lato senso em várias

áreas. “No planejamento estratégico, feito

em 2007 e 2008, foi levantada como im-

portante a idéia de compartilhar conheci-

mentos com outros órgãos e instituições.

E esse compartilhamento seria feito resga-

tando a idéia de curso”, conta.

O curso de pós-graduação é feito em

parceria com a Fundação Oswaldo Cruz

(Fiocruz), que já dispõe de curso semelhan-

te, só que voltado para a área de saúde pú-

blica, e tem o apoio da Universidade Fede-

ral de Uberlândia (MG), que participou na

organização do minicurso. Os técnicos do

Ipea ajudaram no desenho das políticas pú-

blicas que são estudadas durante o curso.

O mestrado funciona nas instalações

da Fiocruz, em Brasília, mas o Ipea já está

negociando com alguns parceiros, especial-

mente a Universidade de Brasília (UnB),

um espaço maior para instalação do curso.

A primeira turma conta com 33 alunos de

vários órgãos do governo federal. “A idéia

de longo prazo é que na nova sede do Ipea

tenha um espaço grande para formação e

capacitação, mas nesse primeiro momento

nós estamos conversando com a pró-reitora

da UnB para ver a possibilidade de termos

um espaço no campus”, explica Th eodoro.

O mestrado oferecido pelo Ipea está em

processo de reconhecimento pelo Ministé-

rio da Educação.

O diretor aponta como diferencial do

mestrado oferecido pelo Ipea a possibili-

dade de aliar a teoria à prática, pois o órgão

dialoga com a área acadêmica e com a bu-

rocracia estatal. “O grande ganho do nosso

mestrado é que falamos de planejamento,

de gestão de políticas públicas com conhe-

cimento de causa. Os técnicos têm mais do

que domínio teórico, eles têm participado

da discussão, do desenho, da formatação,

da gestão pública do País”, comenta.

Nesse primeiro momento, até por uma

questão de logística, o curso é limitado a

servidores públicos, mas a ideia é que nos

próximos anos ele seja aberto a pessoas

ligadas a instituições não governamentais

que se interessem por políticas públicas,

desde que paguem pelo curso.

O Ipea também está negociando com

alguns países a exportação de seus cursos,

principalmente os de língua portuguesa,

como Angola e Moçambique. Th eodoro

conta que estão sendo feitos contatos com

as universidades desses países para que

professores de lá ministrem a parte de his-

tória econômica. “Além disso, nós temos

também a possibilidade de avançarmos e

darmos cursos nos países do Mercosul”,

diz. Técnicos do Paraguai e de outros paí-

ses da América Latina devem vir ao Brasil

para o próximo curso.

A idéia de longo prazo é que

na nova sede do Ipea tenha

um espaço grande para

formação e capacitação,

mas nesse primeiro

momento nós estamos

conversando com a pró-

reitora da UnB para ver a

possibilidade de termos um

espaço no campus” Mário Theodoro

Desenvolvimento julho de 2009 71

Roosewelt Pinheiro/Abr

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72 Desenvolvimento julho de 2009

Osetor produtivo brasileiro não acre-

dita em recessão em 2009. Nem em

crescimento. Espera até um bom de-

sempenho na agricultura, comércio e

serviços, de acordo com o Sensor Econômi-

co, indicador de expectativas produzido pelo

Ipea. A 5ª edição da pesquisa, feita com 115

entidades das empresas e dos trabalhadores -

representantes de 80% do PIB nacional – mos-

trou também redução no grau de apreensão

das empresas, de 4,57 pontos, em março, para

7,79 pontos, em maio (quanto maior a pontua-

ção, menor a apreensão).

De acordo com Ricardo Amorim, assessor

técnico da Presidência do Ipea, a evolução dos

dados mostra uma “tendência consistente de

melhora”. Em outubro o setor produtivo deve

“superar o medo e tornar-se mais confi ante”.

O setor agropecuário, antes o mais pessimista,

“está cada vez mais confi ante de que não ha-

verá recessão neste ano”. A maior apreensão

ainda concentra-se na indústria.

O Sensor indica também uma melhora sig-

nifi cativa nas expectativas de acesso ao crédito

(de 2,9 pontos em abril para 13,56 pontos em

maio). “As empresas estão perdendo o medo

em relação à demanda, ao crédito e ao lucro”,

afi rmou Amorim. “Não quer dizer que este-

jam bem, estão perdendo o medo”, explicou.

“Há perspectiva de melhora em relação à de-

manda”, confi rmou Diones Cerqueira, repre-

sentante da Federação das Indústrias do Dis-

trito Federal (Fibra), que participou de debate

no Ipea sobre as “Perspectivas da Economia

Brasileira para 2009 e 2010”. Segundo ele, “o

momento agora é de menos incerteza, mas não

ainda de recuperação”.

De acordo com o Sensor, as empresas con-

tinuam apreensivas também em relação aos

aspectos sociais, mas já acreditam, por exem-

plo, que a massa salarial deve fechar o ano sem

queda (em fevereiro esperavam redução de

2%). Levantamento do Departamento Inter-

sindical de Estatística e Estudos Socioeconô-

micos (Dieese) também aponta nessa direção,

informou Rosane de Almeida, assessora técni-

ca da entidade. Nos primeiros quatro meses do

ano, segundo ela, o resultado das negociações

salariais foram semelhantes ao do mesmo pe-

ríodo do ano passado. “O impacto da crise tem

se dado mais sobre o emprego do que sobre o

salário”, disse.

Nem recessão nem crescimento

Aindústria brasileira está em re-

cessão. Comércio e serviços e

agricultura, não. Isso fica evi-

dente na análise dos dados de

queda do produto interno bruto (PIB)

dos últimos dois trimestres. “Perce-

be-se que o Brasil viveu uma recessão

industrial”, afirmou Ricardo Amorim,

assessor da Presidência do Ipea, duran-

te a divulgação do Sensor. Embora os

outros dois setores não tenham en-

trado em recessão, ele ressalta que a

indústria representa um terço da eco-

nomia brasileira – em torno de 30%

da produção e de 22% do emprego.

“Significa dizer que um terço da eco-

nomia está em recessão”, comenta.

Para Diones Cerqueira, representante

da Fibra, a concentração da crise em um

único setor tem a vantagem de permitir

ao governo adotar medidas anticíclicas

focadas na indústria e, assim, conduzir o

processo para uma recuperação mais rá-

pida. “Não é simples a resolução da situ-

ação da indústria”, discordou Amorim,

lembrando que, além de representar um

terço da economia, a indústria é a força

motriz da economia.

O impacto diverso nos setores eco-

nômicos, segundo o presidente do

Ipea, permite concluir que a indústria

foi mais afetada pela crise porque o

setor tem alto grau de internacionali-

zação, enquanto serviços e comércio

são mais dependentes do mercado do-

méstico. No setor industrial, há gran-

des empresas multinacionais que, ao

entrar em crise em outros países, con-

taminam o Brasil.

“Antes da crise já havia maior remes-

sa de lucro para as matrizes. Isso revela

o quanto esse setor é vinculado às trans-

nacionais”, explicou Amorim. Além das

decisões dessas empresas serem tomadas

fora do Brasil, ele ressaltou que 25% do

crédito brasileiro depende de recursos

externos, o que aumenta a difi culdade

de solucionar a crise.

Um terço da economia está em recessão

7,79 pontosem Maio

10

8

6

3

9

7

4

5

2

1

4,57 pontosem Março

Sensor

72 Desenvolvimento julho de 2009

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Desenvolvimento julho de 2009 73

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74 Desenvolvimento julho de 2009

John

May

nard

Key

nes

P e d r o B a r r e t o - d e B r a s í l i a

PERFIL

O nome e a obra de John Maynard Keynes acendem muitas polêmicas, mas nenhuma delas coloca em dúvida seu destaque e infl uência como um

dos grandes economistas do século 20. Considerado por muitos o “pai” da moderna macroeconomia, ele deixou um legado sistemático e profundo sobre

o funcionamento do capitalismo. Sua obra mais importante, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, chocou-se com o

pensamento neoclássico da época, mas levantou questões fundamentais para a reforma do capitalismo após a Grande Depressão. A principal delas foi a defesa

do papel regulatório do Estado para minimizar as instabilidades do mercado

Um pensador muito atual

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Desenvolvimento julho de 2009 75

Nascido em 1883, na Inglaterra,

em uma família de intelectu-

ais, Keynes estudou em Eton e

Cambridge, no King’s College.

Teve uma vida acadêmica ativa, sempre

envolvido em assuntos de interesse públi-

co. Graduou-se em Matemática em 1905

e, a partir daí, sob a orientacão de Alfred

Marshall, um dos mais famosos economis-

tas da época, passou a aproximar-se cada

vez mais dos temas ligados à economia.

Passou dois anos na Ásia, no India Offi ce,

experiência que resultou em seu primeiro

livro sobre economia: Indian Currency and

Finance.

Em 1908, tornou-se professor de eco-

nomia em Cambridge, onde lecionou até

1915. Dividia seu tempo como editor do

Economic Journal, onde permaneceu até

1945, um ano antes de sua morte. Ao sair

de Cambridge, passou a trabalhar no Te-

souro britânico. Uma de suas missões foi

preparar a delegação do país para a Con-

ferência de Paz de Paris, em 1919. No en-

tanto, mostrou-se veementemente contra

as duras medidas econômicas impostas

pelos aliados à Alemanha e acabou não

participando da assinatura do Tratado de

Versalhes.

O fato o levou a publicar, no mesmo

ano, uma de suas obras mais relevantes:

As Consequências Econômicas da Paz.

Ela reúne análise técnica sobre o tratado

e as reparações do pós-guerra, bem como

propostas para se enfrentar os problemas

das economias europeias na época. Traz

críticas agudas à França, que segundo ele,

manteve uma posição gananciosa nas dis-

cussões econômicas após a guerra, esque-

cendo a importância da recuperacão da

Alemanha para todo o continente.

Teoria Geral – Na década de 1920,

mesmo longe do Tesouro britânico, Key-

nes se manteve ativo nos debates públicos

sobre economia, escrevendo artigos em re-

vistas e publicações especializadas. Travou

grande discussão com as autoridades bri-

tânicas sobre as condições da volta da libra

ao padrão ouro, na qual defendia uma des-

valorização de pelo menos 10% em relação

à paridade antes da Primeira Guerra Mun-

dial. O Tesouro manteve a postura de não

redução e, nos anos seguintes, a economia

britânica teve um pífi o desempenho.

Nos anos seguintes, o economista se

debruçou em pesquisas e estudos para

aquele que seria seu principal livro. Teoria

Geral do Emprego, do Juro e da Moeda e

defi niu a principal característica da escola

de pensamento keynesiana, ao identifi car

o investimento produtivo como um fenô-

meno monetário, associado à poupança, o

que abria espaço para a entrada do Estado

como forma de gerar demanda e assim ga-

rantir o pleno emprego.

“Ele deixou um legado importantís-

simo, ao evidenciar que o capitalismo

não pode operar com as próprias forças,

porque não possui mecanismos de auto-

sustentação que provoquem demanda su-

fi ciente. Se observarmos o que ocorre nas

décadas seguintes, o pressuposto é corre-

to, e ajudou o capitalismo a superar seus

ciclos de recessão e instabilidade”, aponta

Gilberto Tadeu Lima, professor do Depar-

tamento de Economia da Universidade de

São Paulo (USP).

Ele ressalta, no entanto, que não se

pode distanciar as proposições de Keynes

do período então vivido pela economia

mundial, abatida pela Grande Depressão

e pelo pós-guerra. “Para Keynes, o Estado

pode, sim, expandir a demanda sem causar

efeitos colaterais, mas em determinadas

circunstâncias. O problema é muito bem

identifi cado, mas não se pode enxergar

este remédio como a solução exata para

todas as ocasiões. Essa é uma importante

percepção sobre a teoria keynesiana”, sus-

tenta Gilberto Tadeu Lima.

Durante a Segunda Guerra Mundial,

Keynes envolveu-se com temas ligados

ao fi nanciamento da guerra e ao restabe-

lecimento do comércio internacional. Pu-

blicou o panfl eto “Como Pagar a Guerra”,

em 1940, no qual propôs mecanismos de

poupança compulsória a fi m de proteger

a economia da crise infl acionária que se

anunciava para o pós-guerra. Em 1944,

foi um dos grandes nomes do encontro de

Bretton Woods, que articulou a reconstru-

ção da economia mundial.

O professor Márcio Gomes Pinto Gar-

cia, do departamento de Economia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro, assinala que a despeito das

polêmicas suscitadas após a publicação

da Teoria Geral, o pensamento de Keynes

percorre as discussões econômicas em

qualquer segmento. “A contribuição foi

fundamental para o desenvolvimento da

macroeconomia. Keynes levantou ques-

tões e propostas que ajudaram a aperfeiço-

ar o capitalismo e inserir o sistema em um

ciclo sustentável de crescimento”.

“Ele deixou um legado

importantíssimo, ao

evidenciar que o capitalismo

não pode operar com as

próprias forças, porque

não possui mecanismos

de autossustentação que

provoquem demanda

sufi ciente”.

Gilberto Tadeu Lima

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76 Desenvolvimento julho de 2009

RETRATOS

Índios:culturalResgate

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Desenvolvimento julho de 2009 77

S u e l e n M e n e z e s - d e B r a s í l i a

Iphan inicia reconhecimento de manifestações culturais indígenas. “Preservar as referências

culturais dos povos indígenas signifi ca que estamos reafi rmando nossas raízes“, diz Ana

Gita de Oliveira, do instituto

Wils

on D

ias/

ABr

Pedro Biondi/ABr

Valter Campanato/ABr

Marcello Casal Jr/ABr

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78 Desenvolvimento julho de 2009

Preservar a cultura indígena é re-

conhecer a contribuição do índio

na formação dos diversos aspectos

da vida nacional. No vocabulário:

catapora, peteca, siri, ipanema, paraíba,

fl or, dia e pipoca são alguns exemplos. Na

culinária, o Brasil também deve muito aos

índios: feijão, milho, mandioca, frutas.

Sem esquecer o hábito de tomar banho

diariamente, coisa que não agradava nada

aos portugueses que começaram a chegar

a essa terra em 1500 e, depois de algumas

trocas de nomes, a batizaram Brasil. Os

índios, tratados como inimigos, foram ex-

pulsos de sua terra, mas deixaram marcas

indeléveis na cultura Brasileira.

Em 1988, com a promulgação da nova

Constituição, o Brasil assumiu o dever de

proteger os índios. O artigo 231 diz que

são reconhecidos aos índios sua organi-

zação social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre

as terras que tradicionalmente ocupam.

Compete à União demarcar as terras,

proteger e fazer respeitar todos os bens

indígenas. Nesse sentido, o Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(Iphan) tem trabalhado para preservar os

locais sagrados indígenas – patrimônio

material - bem como a cultura, os ritos e

tradições – patrimônio imaterial.

“Preservar as referências culturais dos

povos indígenas signifi ca que, ao reco-

nhecê-los como parte fundadora da nossa

condição nacional, estamos reafi rmando

nossas raízes e incluindo-os no campo de

nossas políticas públicas. A ação patrimo-

nial tem o papel de ajudar na construção

da cidadania, garantindo a esses povos o

exercício de plenos direitos. A salvaguar-

da dos patrimônios indígenas garantirá, às

gerações futuras, acesso aos testemunhos

de sua história e aos domínios da vida

social que dão signifi cado aos complexos

processos de construção de identidades”,

explica Ana Gita de Oliveira, Gerente de

Identifi cação e Registro do Departamento

de Patrimônio Imaterial-DPI/Iphan.

Um dos projetos que estão em fase de

conclusão é o de tombamento das paisagens

sagradas dos povos indígenas do Alto Xingu,

no Mato Grosso. Entre 2005 e 2006, foram

encontrados materiais arqueológicos na re-

gião onde foi construída a Usina Hidrelética

Paranatinga II, no rio Culuene, um dos prin-

cipais formadores do rio Xingu.

O trabalho de arqueologia foi desen-

volvido com a participação ativa de todas

as comunidades indígenas envolvidas.

“Por ser considerado o território sagrado

dos índios, entendemos que não podería-

mos fazer isso sem eles”, diz Rogério José

Dias, gerente de Arqueologia do Iphan,

que acompanhou toda a pesquisa.

“Dois caciques coordenaram a abertu-

ra da mata, delimitando o perímetro da

aldeia sagrada. Logo nos primeiros vinte

metros foram encontradas, em superfí-

cie, centenas de fragmentos de va-

silhas cerâmicas que se esten-

dem em quase toda a tota-

lidade da delimitação.

Uma peça de cerâmica

com formato de rabo

de tartaruga foi muito

comemorada, assim como

as trempes para suporte das

panelas e tachos de assar bei-

ju. Todos estavam de acordo que

aquele lugar era de fato o local da

aldeia sagrada”, de acordo com o

relatório de instrumentação ao

processo de tombamento das

paisagens sagradas do Alto

Xingu.

José Dias conta que

fi cou muito orgulhoso

com o trabalho realizado

quando viu a importân-

cia que as comunidades

Kalapalo e Waurá davam

àquela pequena região,

para eles lugar sagra-

do, com mitos que re-

montam à criação do

mundo. A compro-

vação de que aquela

região tinha sido

uma aldeia indíge-

na foi corroborada

“Há 500 anos eram 5 milhões

de índios felizes no Brasil

Cada um em sua oca, cada

oca em sua taba, cada taba

em sua mata

Cada rio, cada peixe, cada

bicho, bicho!

Um por todos, todo mundo nu!”

(Índio, de Gabriel Moura/Farofa Carioca)

78 Desenvolvimento julho de 2009

Valte

r Cam

pana

to/A

Br

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Desenvolvimento julho de 2009 79

quando a cartografi a científi ca do local

foi comparada com a cartografi a sagrada

desenhada pelos índios: os acidentes ge-

ográfi cos eram idênticos.

Além do tombamento, há um proje-

to para construir um corredor ecológico

cultural para levar os índios até os lugares

sagrados. “O tombamento é uma medi-

da de proteção, mas o importante é que

o Estado reconheça o direito dos índios

como os proprietários daquela terra”, dis-

se José Dias.

O Decreto-Lei 25/1937, que organiza

a proteção do patrimônio histórico e ar-

tístico nacional, estabelece que as coisas

tombadas não poderão ser destruídas,

demolidas ou mutiladas, nem ser repara-

das, pintadas ou restauradas sem prévia

autorização do Iphan.

Em 2002, a Arte Kusiwa, técnica de

pintura e arte gráfi ca própria da popula-

ção indígena Wajãpi, do Amapá, foi ins-

crita no Livro de Registro das Formas de

Expressão como Patrimônio Imaterial.

Os grafi smos podem ter como suporte o

corpo humano, cuias, cestos, bordunas e

objetos de madeira. Para a preparação da

tinta são utilizadas sementes de urucum,

gordura de macaco, suco de jenipapo e

resinas perfumadas.

“A linguagem gráfi ca que os Wajãpi do

Amapá denominam kusiwa sintetiza seu

modo particular de conhecer, conceber e

agir sobre o universo. Tal forma de expres-

são, complementar aos saberes transmiti-

dos oralmente, afi rma, ao mesmo tempo,

o contexto de origem e a fonte de efi cácia

dos conhecimentos dos Wajãpi sobre o

seu ambiente. Por outro lado, arte gráfi ca

e arte verbal se completam por transmiti-

rem os conhecimentos indispensáveis ao

gerenciamento da vida em sociedade. As

formas de expressão gráfi ca e oral permi-

tem agir sobre múltiplas dimensões: sobre

o mundo visível, sobre o invisível, sobre

o concreto e sobre o mundo ideal”, relata

documento do Iphan.

Outra ação do IPHAN em prol da pre-

servação da cultura indígena foi procla-

mar, em 2006, como “Patrimônio Cultural

do Brasil” a Cachoeira de Iauaretê ou Ca-

choeira da Onça, o primeiro bem cultural

imaterial inscrito no Livro do Registro dos

Lugares. Ela fi ca na região do Alto Rio Ne-

gro, município de São Gabriel da Cacho-

eira (AM), na confl uência dos rios Uaupés

e Papurí, onde vivem dez comunidades

indígenas das etnias de fi liação linguística

Arwak, Tukanos Orientais e Maku.

As pedras, lajes e igarapés da região da

Cachoeira são sagrados para essas comu-

nidades, porque marcam a história de sua

origem e fi xação nessa região, assim como

a história do estabelecimento das relações

de afi nidade que vêm permitindo, até

hoje, a convivência e o compartilhamento

de padrões culturais entre os diversos gru-

pos que habitam aquele território.

De acordo com dados do Instituto Bra-

sileiro de Geografi a e Estatística (IBGE),

atualmente vivem no Brasil cerca de 750 mil

índios, distribuídos entre 225 sociedades

indígenas, o que representa 0,25% da popu-

lação brasileira. Há também 63 referências

de índios ainda não contabilizados. Mais de

180 línguas são faladas pelos membros das

sociedades indígenas, o que corresponde a

30 famílias linguísticas diferentes.

O presidente da Fundação Nacional

do Índio (Funai), Márcio Meira, explica

que a taxa de crescimento dos povos in-

dígenas é maior que a taxa da população

não índia e, por isso, o órgão estima que

hoje essa população já ultrapasse um mi-

lhão de habitantes.

“A grande difi culdade da Funai é ga-

rantir a integridade territorial das terras

tradicionalmente ocupadas, de acordo com

os usos, costumes e tradições dos povos

indígenas, conforme está escrito na Consti-

tuição Federal. Para a demarcação é preciso

enfrentar todo o aparato jurídico de ações

e liminares impetradas por particulares ou

por entidades, com objetivo de atrasar e im-

pedir esse processo. Outro grande desafi o é

o fator geográfi co, porque muitas comuni-

dades são de difícil acesso, têm característi-

cas específi cas de locomoção e não podem

ser tratadas como cidadãos que vivem em

grandes centros urbanos”, comenta.

Desenvolvimento julho de 2009 79

Wilson Dias/ABr

Wilson Dias/ABr

Antonio Cruz/ABr

Antonio Cruz/ABr

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80 Desenvolvimento julho de 2009

CIRCUITOciência&inovação

Tecnologia 2

Inovação ganha secretaria

A Secretaria de Tecnolo-

gia Industrial do Ministério

do Desenvolvimento, Indús-

tria e Comércio Exterior será

transformada em Secretaria

de Inovação Tecnológica, e

terá o objetivo de promover o

desenvolvimento sustentável

dos sistemas produtivos por

meio da inovação. A ideia é

que a Secretaria de Inovação

Tecnológica trabalhe direta-

mente com o setor produti-

vo, de forma a disseminar a

cultura da inovação.

A mudança faz parte

da Política de Desenvolvi-

mento Produtivo do gover-

no federal, que tem entre

suas metas a de aumentar

o investimento privado em

P&D. Para o ministério, o

desenvolvimento sustentá-

vel será o principal fator de

competitividade empresarial

nos próximos anos. A con-

clusão foi que as empresas

terão que ser economica-

mente viáveis, mas também

social e ambientalmente sus-

tentáveis para se inserirem

no mercado global. O plano

estratégico de instalação da

nova secretaria está a cargo

da Escola Nacional de Ad-

ministração Pública.

Tecnologia 1

Estados

também criam

incentivos

O Governo do Estado de

Santa Catarina regulamentou,

no mês passado, a lei estadu-

al de inovação. Santa Catari-

na é o nono estado a adotar

uma lei própria de inovação,

em complemento à legislação

federal. Minas Gerais, Mato

Grosso, São Paulo, Amazonas,

Ceará, Bahia, Rio de Janei-

ro e Pernambuco também já

dispõem de leis estaduais de

apoio à inovação tecnológica.

Além de prever a possibilida-

de de subvenção a projetos

inovadores, a lei estabelece

que 2% das receitas estaduais

serão destinadas à ciência e

tecnologia.

O Governo do Estado de

São Paulo também está traba-

lhando na regulamentação de

seu sistema de inovação tec-

nológica. A lei, aprovada pela

Assembléia Legislativa em

junho do ano passado, define

como serão as parcerias com

as instituições de pesquisa e o

valor a que os pesquisadores

terão direito pelos seus in-

ventos. E prevê a possibilida-

de de o Estado criar socieda-

de de propósitos específicos

para inovação.

Cooperação

Esforço conjunto com a África

Representantes de países

em desenvolvimento participa-

ram, no mês passado, em Bra-

sília, da 1ª Reunião do Grupo

de Trabalho de Ciência e Tec-

nologia da Cúpula da América

do Sul e África (ASA), com o

objetivo de discutir investi-

mentos e cooperação entre os

países participantes da ASA.

Um dos objetivos do projeto

é promover pesquisas relacio-

nadas a minérios como bau-

xita, pedra sabão e ardósia. O

Centro de Tecnologia Mineral

do Ministério da Ciência e Tec-

nologia recebeu cerca de R$ 10

milhões para a modernização

e aprimoramento do projeto, e

levar a tecnologia para outros

países. O Laboratório Nacio-

nal de Computação Científi ca,

também do MCT, quer levar a

tecnologia computacional bra-

sileira para os outros países.

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Desenvolvimento julho de 2009 81

Pré-sal 1

Oportunidade para aprimorar tecnologia

Banco do Brasil

R$ 1,3 bilhão para tecnologiaO orçamento do Banco do Brasil para investimento em tec-

nologia da informação é de R$ 1,3 bilhão, para este ano. Boa

parte dos recursos irá para projetos de integração dos sistemas

do BB com os da Nossa Caixa, que foi adquirida pelo Banco do

Brasil. A instituição vai investir também na instalação do sistema

operacional Linux, de código aberto, em todos seus caixas eletrô-

nicos. O Banco do Brasil já vem há alguns anos implantado sof-

tware livre em suas agências, com bons resultados operacionais.

Um dos principais desafi os

para o desenvolvimento da in-

dústria brasileira do petróleo

nos próximos anos é o estabele-

cimento de um novo arcabouço

legal e de planos estratégicos

para a exploração do petróleo

encontrado na camada pré-sal,

avalia o presidente da Co-

missão de Ciência e

Tecnologia, Comuni-

cação e Informática

da Câmara, de-

putado Edu-

ardo Gomes (PSDB-TO).

“Não se trata apenas de

explorar o petróleo

encontrado, mas so-

bretudo de buscar

formas de garan-

A Petrobras informou

que a indústria de petróleo

no Brasil está preparada para

enfrentar os desafi os tecnoló-

gicos da exploração das reser-

vas na camada pré-sal. Mas

admitiu que essa etapa exigirá

a articulação e mobilização da

estatal e de outras indústrias,

do governo, da sociedade e

da academia. “A inteligência

brasileira já demonstrou sua

capacidade”, afi rmou Solan-

ge da Silva Guedes, gerente

executiva da Petrobras, du-

rante o seminário. O desafi o,

segundo ela, é fazer com que

o desenvolvimento industrial

e tecnológico reverta-se em

benefício de todos. Ela ressal-

tou que a Petrobras tem uma

experiência mundialmente

reconhecida em águas pro-

fundas e é capaz de respon-

der aos desafi os técnicos

e comerciais relacionados

com a avaliação e desenvol-

vimento do Pré-Sal.

Representantes do governo

de Cuba estiveram, no mês pas-

sado, em Brasília para acertar um

termo de cooperação em tecno-

logias da informação e comuni-

cação (TIC). A delegação cubana

composta pelo vice-ministro de

Informática e Comunicações de

Cuba, Alberto Rodriguez Arufe,

pelo diretor de Normas e Regu-

lamentações, Wilfredo Reynaldo

López Rodriguez e pelo diretor

geral da Agência de Consulto-

ria e Negócios, Jorge Luis Oliva

Martín, demonstrou interesse

em tecnologia para desenvolvi-

mento e difusão da televisão di-

gital e também em segurança de

informação e de redes, governo

eletrônico e soft ware livre.

Conferência de ciência

Prioridade para

sustentabilidade

do planeta

TV digital

Cuba busca

tecnologia

tir a apropriação dos benefícios

resultantes por toda a sociedade

brasileira”, afi rmou o deputado

no seminário “Pré-sal, inovação

tecnológica e sustentabilidade”,

promovido pela Comissão.

Segundo ele, a indústria bra-

sileira ainda não domina todos

os aspectos tecnológicos envol-

vidos na extração do petróleo

em reservatórios localizados em

“tão grandes profundidades e

tão distantes da costa”. Serão ne-

cessários vultosos investimentos

em capacitação tecnológica. Em

compensação, avalia ele, será a

oportunidade para o desenvol-

vimento de uma indústria na-

cional ainda mais competitiva.

Pré-sal 2

Petrobras preparada

A ciência, tecnologia e

inovação como instrumentos

fundamentais para a susten-

tabilidade do planeta e para

o processo de inclusão social.

Essa é a principal contribuição

dos países da América Latina

e Caribe para a Conferência

Mundial de Ciência, em no-

vembro próximo, em Buda-

peste, Hungria. Esses pontos

foram defendidos pela Comis-

são Redatora que se reuniu no

Rio de Janeiro, nos dias 18 e 19

de junho, para elaborar o do-

cumento a ser apresentado na

Conferência. Em agosto, o tex-

to passará por uma última aná-

lise durante o Fórum Regional

de Buenos Aires, Argentina.

O texto traz como destaque

o reconhecimento político mais

amplo do papel da ciência, tec-

nologia e inovação (CT&I) para

o processo de desenvolvimento

socioeconômico, aumento dos

investimentos em CT&I, valo-

rização e qualifi cação da edu-

cação superior e da educação

para a ciência e a busca pela ar-

ticulação da política de CT&I.

Elza Fiúza/ABr

Divu

lgaç

ão

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82 Desenvolvimento julho de 2009

Programa do FNDE quer renovar a frota de ônibus que faz o transporte escolar na área rural e, assim, melhorar o conforto e

a segurança das crianças

Caminho da escola

A n a C a r o l i n a O l i v e i r a – d e B r a s í l i a

MELHORES PRÁTICAS

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Desenvolvimento julho de 2009 83

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84 Desenvolvimento julho de 2009

Transporte escolar de qualidade para

as crianças das áreas rurais. Assim

pode ser resumido o Programa

“Caminho da Escola”, do Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educa-

ção (FNDE). Criado em 2007, o “Caminho

da Escola” tem como meta renovar a frota

de veículos escolares no Brasil e assim dar

mais conforto e segurança aos estudantes

que vivem em locais distantes das escolas,

principalmente no campo.

Até a implantação do “Caminhos da

Escola”, o transporte escolar era feito uni-

camente em veículos velhos, que funciona-

vam precariamente, conforme constatou

estudo do Centro de Formação de Recursos

Humanos em Transportes da Universidade

de Brasília (UnB). A partir da pesquisa do

FNDE, a UnB verifi cou a situação da frota

de ônibus escolares e indicou as melhorias a

serem feitas nos veículos. “Com a pesquisa,

confi rmou-se a necessidade de renovação da

frota e de defi nição de especifi cações para os

veículos de transporte escolar, dada a gran-

de quantidade de veículos inadequados, em

idade avançada e em condições precárias

utilizados”, afi rma o coordenador do progra-

ma, José Maria Rodrigues de Souza.

Segundo o gerente do “Caminho da

Escola” no Centro de Formação da UnB,

Willer Carvalho, ao realizar a pesquisa foi

verifi cado que o transporte era feito de for-

ma precária e irregular. “Observamos que

eram utilizados veículos impróprios para

o transporte de estudantes, como cami-

nhonetes e pequenos caminhões. No en-

tanto, a utilização desses veículos às vezes

é justifi cada pela inexistência de veículos

de transporte coletivo que sejam apropria-

dos para os terrenos existentes nas áreas

rurais”, comenta Willer Carvalho.

As normas estabelecidas pelo Progra-

ma Caminho da Escola são fundamentais

“para garantir a existência de um veículo

de transporte de passageiros que atenda

às especifi cidades do meio rural”, afi rma o

técnico da Universidade de Brasília.

No primeiro ano de implantação, o pro-

grama teve uma destinação orçamentária de

R$ 300 milhões, valor que dobrou em

2008 devido à crescente demanda. Neste

ano, serão investidos R$ 1,15 bilhão na

compra de ônibus escolares, sendo R$

750 milhões por meio de fi nanciamento

do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), R$ 200

milhões do orçamento da União, R$ 100

milhões dos municípios e outros R$ 100

milhões do FNDE.

O programa já chegou a 1.300 mu-

nicípios, que foram benefi ciados com

quase 2,5 mil novos ônibus escolares.

Até o fi nal deste ano a meta é chegar

a um total de sete mil novos veículos

adquiridos. “A estimativa é que 200

mil alunos sejam benefi ciados direta-

mente quando todos os veículos forem

entregues pelas montadoras”, diz Sou-

za. Mesmo incompleto, o programa já

foi reconhecido como um caso de su-

cesso: em abril deste ano, fi cou em ter-

ceiro lugar no 13º Concurso Inovação

na Gestão Pública Federal, organizado

pela Escola Nacional de Administra-

ção Pública (Enap).

O “Caminho da Escola” não se li-

mita à compra de ônibus. O progra-

ma inclui a realização de testes e a

exigência de melhorias nos veículos.

O Instituto Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial

(Inmetro), parceiro do FNDE, por

exemplo, elabora as normas e especi-

fi cações técnicas que a indústria tem

que seguir na fabricação dos ônibus

escolares. Técnicos do FNDE e da

Universidade de Brasília têm percor-

Estradas de terra exigem adaptação nos veículos escolares

84 Desenvolvimento julho de 2009

Cla

yton

de S

ouza

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Clayton de Souza/AE

Cla

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ouza

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Desenvolvimento julho de 2009 85

rido o interior do País para verifi car o

desempenho dos novos ônibus e apontar

a necessidade de eventuais correções às

indústrias. “Durante os testes, os novos

veículos transportam os estudantes nas

rotas usuais, quando são avaliadas sua

adequação às várias situações adversas,

como pistas muito esburacadas, atoleiros,

barrancos. Os resultados vão servir para

aprimorar os ônibus”, afi rma Souza.

Já foram realizados testes em muni-

cípios de quatro estados (SC, PR, ES e

MT). “Em Vila Bela da Santíssima Trin-

dade (MT), um grande atoleiro no meio

da estrada impedia a passagem do veículo

de transporte escolar da prefeitura. Com

isso, as crianças tinham de caminhar parte

do percurso para poder pegar a condução

e seguir para a escola”, relata. O problema

foi superado com a chegada do Programa

“Caminho da Escola”: “Durante o teste, o

novo ônibus passou pelo atoleiro, pegou

os alunos mais perto de casa e ainda aju-

dou a puxar uma caminhonete que estava

atolada”, conta.

Os veículos são comprados em pregão

eletrônico, feito pelo FNDE, que exige o

cumprimento das especifi cações técni-

cas e das inovações pedidas à indústria.

Os estados e municípios podem adquirir

os ônibus por meio de fi nanciamento do

BNDES. Neste caso, eles estão sujeitos à

análise de sua capacidade de endivida-

mento dentro dos limites estabelecidos

pela Secretaria do Tesouro Nacional. Ou-

tra opção é o convênio com o FNDE ou a

compra com recursos próprios. “Nos três

casos, o ente adere ao pregão eletrônico

do FNDE, benefi ciando-se do processo

licitatório centralizado, e celebra o con-

trato diretamente com o fornecedor”, ex-

plica o coordenador do programa. Antes

da entrega, o veículo deve passar por uma

inspeção do Inmetro.

Para Willer Carvalho, o grande desafi o

do “Caminho da Escola” é conseguir de-

senvolver um tipo de ônibus que atenda

somente as demandas rurais. “Estamos

em fase de desenvolvimento do primeiro

ônibus rural brasileiro e acreditamos que

a indústria, após os resultados da pesqui-

sa de campo, se sentirá motivada a propor

novas implementações, tais como uma

variação com tração 4x4. Além disso,

podemos solicitar a criação de um canal

de radiofrequência (VHF) exclusivo para

chamadas de emergência, tendo em vista

que o transporte escolar rural opera em

regiões de difícil acesso e, por conseguin-

te, de difícil comunicação”, informa.

Novos ônibus apresentaram bom desempenho em estradas esburacadas e alagadas

Desenvolvimento julho de 2009 85

Cla

yton

de S

ouza

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86 Desenvolvimento julho de 2009

A Invisibilidade da Desigualdade

Brasileira, publicado em 2006 pela

editora UFMG, é o livro em que o

organizador e autor de cinco arti-

gos no mesmo livro, Jessé Souza, explicita

e radicaliza seu posicionamento crítico no

campo das Ciências Sociais brasileiras e

inaugura suas experiências de pesquisas

teóricas e empíricas coletivas com o grupo

de pesquisadores do Cepedes (Centro de

Pesquisas sobre Desigualdade Social) tam-

bém fundado em 2006. Partindo do seu

diagnóstico original, proposto em A Cons-

trução Social da Subcidadania, publicado

em 2003 pela mesma editora, sobre a so-

ciedade brasileira enquanto caso paradig-

mático de modernidade periférica, o autor

revela a fragilidade dos pressupostos teó-

ricos das duas mais prestigiadas propostas

de interpretação sobre a especifi cidade da

sociedade brasileira diante dos países de

capitalismo mais avançado: a teoria do

personalismo e a teoria do patrimonialis-

mo ou neo-patrimonialismo.

Jessé Souza mostra que essas duas

teorias constituem, na verdade, varia-

ções de uma única teoria hegemônica,

uma vez que compartilham dos mesmos

pressupostos culturalistas essencialistas

baseados na tese de uma singularidade

absoluta da cultura brasileira. O Brasil te-

ria desenvolvido uma sociabilidade úni-

ca no planeta baseada na emotividade e

sentimentalidade pré-moderna – suposto

produto histórico de uma herança ibérica

percebida como imutável - por oposição

ao cálculo e à racionalidade típicas da

modernidade. Quer se perceba essa sin-

gularidade em termos positivos, como no

personalismo de Freyre ou Darcy Ribeiro,

ou se perceba a mesma singularidade em

termos negativos - como nosso mal de

origem e causa de uma suposta tendência

inata do povo brasileiro, especialmente

no Estado, à corrupção - como acontece

nos teóricos do patrimonialismo, espe-

cialmente em Sérgio Buarque, Raimundo

Faoro ou Roberto DaMatta, o importante

é perceber que ambas versões comparti-

lham dos mesmos pressupostos apenas

com sinal trocado.

O que o autor chama de “teoria emo-

cional da ação” é precisamente um tipo

de explicação social anacrônica e superfi -

cial que não consegue nem compreender

o dinamismo do Brasil moderno, nem as

efetivas causas da abissal desigualdade

social brasileira. O núcleo da crítica do

autor, desenvolvida ao longo dos cinco

textos que assina nessa coletânea, é que

essas explicações, até hoje dominantes

entre nós, são simples adaptações do mito

nacional brasileiro à explicação científi ca.

O mito do povo emotivo e caloroso ser-

viu e serve para produzir solidariedades

pragmáticas. Esses “contos de fadas para

adultos”, como diz Jessé, são importantes

na sua dimensão política. A ciência, por

outro lado, deveria precisamente se dis-

tanciar desses “contos de fadas” do senso

A Invisibilidade da

Desigualdade Brasileira

comum para criticar a realidade e suas

certezas aparentes. Afi nal, o núcleo desses

consensos sociais inarticulados esconde

precisamente as práticas que escondem

confl itos latentes e reproduzem esquemas

de perpetuação de privilégios espúrios. O

tema do patrimonialismo é extremamente

sugestivo nesse sentido. Ao simplifi car e

falsear a ambivalência constitutiva das ins-

tituições modernas e perceber o mercado

como reino de todas as virtudes e o Estado

como reino da corrupção e da inefi ciência,

a tese patrimonialista concentra todo o

confl ito na falsa oposição entre mercado e

Estado e esconde todos os reais confl itos

sociais brasileiros que sequer são “per-

cebidos” como confl ito. Não só o debate

acadêmico, mas também o debate público

político que se empobrece numa oposição

“novelesca” entre “honestos” e “corruptos”

quando a dor e o sofrimento reais de par-

celas signifi cativas da população, social-

mente produzidos, se tornam invisíveis e

sequer percebidos como problema.

O restante dos textos do livro, de

colaboradores do Cepedes ou de pes-

quisadores comprometidos com uma

percepção crítica da realidade brasilei-

ra, procura aprofundar, teórica ou em-

piricamente, precisamente os diversos

conflitos sociais de classe, raça e gênero

tornados invisíveis pela escolhas concei-

tuais dos culturalismos dominantes. A

maior parte dos textos se concentram,

portanto, em tornar visível uma classe

social de perdedores cuja função é pres-

tar serviços pessoais e desvalorizados –

domésticos, sexuais e pesados – às clas-

ses privilegiadas. É essa “luta de classes”

cotidiana que é escondida pela mani-

pulação política de falsas oposições. Os

temas da raça e do gênero se acrescen-

livros e publicações

ESTANTE

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Desenvolvimento julho de 2009 87

tam a essa reconstrução dos confli-

tos efetivos e reais, também segundo

uma nova perspectiva. O drama do

racismo não deve implicar esconder

a dominação de classe como aconte-

ce hoje em dia entre nós. O sexismo

tem raízes muito mais profundas,

como indica a educação para a inicia-

tiva nos homens e a educação para o

medo nas mulheres, do que a simples

repartição “politicamente correta” do

trabalho doméstico.

Ainda que vários destes temas te-

nham sido explicitados e aprofunda-

dos no livro A ralé brasileira: quem é e

como vive? (no prelo, 2009), o conjun-

to de artigos que compõem o referido

livro já refl ete a intenção de reconstru-

ção empírica, segundo um quadro te-

órico crítico e inovador, dos confl itos

socais esquecidos pela dominância, no

debate brasileiro contemporâneo, de

paradigmas conservadores ou pseudo-

críticos.

Emerson F. Rocha

Técnicos de todas as diretorias do Ipea

vasculharam a fundo os dados da re-

alidade brasileira para verifi car o que

mudou depois de 20 anos de pro-

mulgação da Constituição Cidadã em 1988.

O trabalho resultou no livro A Constituição

Brasileira de 1988 Revisitada, composto de

dois volumes. “Devemos dizer que inúme-

ros avanços foram obtidos, mas, igualmente,

reconhecer que imensos obstáculos ainda

precisam ser examinados e superados”, afi r-

ma Marcio Pochmann, presidente do Ipea,

ao apresentar o livro.

Desigualdades sociais e regionais, po-

breza extrema, concentração de riqueza e

renda e baixa qualidade dos serviços públi-

cos são problemas “inaceitáveis”. Entretanto,

ressalta ele, não há qualquer confl uência de

interesses que rompam com esse quadro de

“mazelas que assolam o cotidiano dos bra-

sileiros”. Pelo contrário, os técnicos do Ipea

concluem que a Constituição não mexeu nas

questões fundamentais para a construção de

uma sociedade mais justa e democrática. Al-

guns avanços viraram letra morta, como é o

caso da regressividade do sistema tributário.

Houve progressos na direção de univer-

salizar o acesso à saúde e à educação, mas

a qualidade dos serviços é questionável. Na

educação, por exemplo, a ênfase das políticas

públicas foi o ensino fundamental. “Apesar

do esforço de universalização de algumas

políticas sociais, em respeito ao preceito

constitucional, houve um forte empenho de

seletividade e focalização em uma série de

programas e ações”, escrevem os técnicos.

Isso porque a ampliação dos serviços fi cou

condicionada às políticas econômicas.

Essa limitação orçamentária afetou tam-

bém as áreas previdenciária e de assistência

social. A Previdência Social teve um grande

aumento de cobertura ao incorporar ao sis-

tema os trabalhadores rurais e domésticos,

mas não consegue avançar na área urbana,

porque o pagamento de benefícios está con-

dicionado a um mínimo de tempo de con-

tribuição. Na assistência social, também há

limites rígidos para o acesso ao benefício, o

que impede a ampliação dos programas.

“Esse livro usou como mote os vinte

anos da Constituição justamente para po-

der organizar, com os técnicos do Ipea,

um trabalho de refl exão mais aprofundado

sobre as principais políticas públicas bra-

sileiras criadas ou transformadas a partir

da Constituição de 88”, explica José Celso

Cardoso Júnior, assessor da Presidência

do Ipea e organizador do livro. O primei-

ro volume do livro discute as principais

políticas das áreas econômica e social, e o

outro volume trata das políticas das áreas

regional, urbana e ambiental.

“É um trabalho que tenta realizar um

esforço institucional importante dentro do

Ipea, um esforço de sistematização e avaliação

e acompanhamento das políticas públicas”,

afi rma Cardoso Júnior. O livro é produto do

planejamento estratégico, que prevê o resgate

do papel do instituto na elaboração e acom-

panhamento das ações do Estado. “O livro

está dentro dessa política de institucionalizar

o trabalho de acompanhamento permanente

das políticas públicas e de relacionar esse tra-

balho numa idéia mais geral de desenvolvi-

mento brasileiro”, explica Cardoso Júnior.

A Constituição Brasileira

de 1988 Revisitada

A Invisibilidade da Desigualdade BrasileiraJessé Souza, organizadorEditora UFMG - 396 páginas - R$ 63,00

A Constituição Brasileira de 1988 RevisitadaJosé Celso Cardoso Júnior, organizadorIpea – Vol. I 296/Vol. II 204 páginas– R$ 15,00 (cada)

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88 Desenvolvimento julho de 2009

Abraham Lincoln será sempre lem-

brado como o presidente que su-

primiu a escravidão nos Estados

Unidos. Mas ele, como tantos ou-

tros na mesma época, era um defensor do

“retorno à África” dos negros americanos.

Em 1862, perante um grupo de negros que

convocou à Casa Branca, disse: “Vós e nós

somos raças diferentes. Pouco importa

se isto é verdadeiro ou falso, mas o certo

é que esta diferença física é uma desvan-

tagem mútua, pois penso que muitos de

vós sofrem enormemente ao viver entre

nós, ao passo que os nossos sofrem com

a vossa presença.” Quase um século mais

tarde, Davis Knight, um rapaz do Missis-

sipi, foi condenado à prisão por ter viola-

do a lei que proibia a miscigenação. Para

condená-lo, o Estado provou algo que ele

desconhecia: uma de suas bisavós fora es-

crava, quando criança, e portanto ele tinha

“sangue negro”, mesmo que em proporção

inferior a 1/16 avos.

Os dois eventos estão em A Utopia Bra-

sileira e os Movimentos Negros, de Anto-

nio Risério, um daqueles raros livros para

os quais cabe o adjetivo essencial. São 16

ensaios articulados por um cabo de aço

que é a revolta intelectual contra a impor-

tação das políticas raciais americanas. Nos

EUA, a regra da “gota de sangue única”

divide a sociedade em raças que são, por

defi nição, puras. No Brasil, os movimen-

tos “neonegros”, como os defi ne Risério,

engajam-se na invenção de um país ine-

xistente para imitar o modelo americano,

fabricando a raça nas leis com a esperança

de incuti-la nas consciências.

Pureza racial. O ideal ariano, objetiva-

mente contraditório com as mestiçagens

práticas e simbólicas de um mundo de

fl uxos acelerados, só pode existir pelos

meios da interdição ofi cial, como no Mis-

sissipi do passado recente, ou da classifi -

cação racial estatal, como pregam os ra-

cialistas no Brasil. Na apresentação de um

livro do antrópologo da USP Kabengele

Munanga, alerta-se para “os prejuízos que

a mestiçagem vem causando ao negro no

Brasil”. A melodia da raça pura é a estrela

fi xa na trajetória aparentemente parado-

xal de Abdias do Nascimento, ícone dos

movimentos negros brasileiros, que bateu

ponto no integralismo, ergueu a bandeira

do nacionalismo progressista e da “demo-

cracia racial” e, depois de uma estadia nos

EUA, converteu-se em porta-voz iracundo

das atuais políticas racialistas. Risério in-

sere cada coisa no seu contexto histórico,

desarmando os rasos discursos ideológi-

cos dos intelectuais “neonegros”.

A escritura de Risério é uma declaração

de amor ao Brasil, mas de um amor isento

da paixão cega que tolda a crítica. Ele não

nega o racismo: pelo contrário, identifi ca

a sua presença intersticial, difusa e abran-

gente. Sobretudo, evidencia a diferença

crucial entre o “nosso” racismo e o “de-

les” (o dos EUA). Aqui, o racismo frutifi -

cou como programa de branqueamento;

lá, como congelamento ofi cial e cultural

da separação entre raças. Mas o “nosso”

programa de branqueamento fracassou,

estilhaçando-se de encontro à mestiça-

gem. Como revelam os dados censitários,

a mestiçagem brasileira tende a eliminar

tanto os “negros” quanto os “brancos”, di-

namitando as bases sociais das políticas

de raça. Os intelectuais “neonegros” e os

movimentos que os seguem representam

uma resposta reacionária a esse processo:

uma tentativa de restauração do conceito

anacrônico de raça.

Na apresentação da obra, Risério recla-

ma um honesto debate de ideias. O seu li-

vro inspirado merece coisa melhor que os

previsíveis insultos dos fanáticos da raça e

os encômios vazios dos aduladores.

E, de fato, há nele algo fora do lugar:

aqui e ali, a lâmina de sua crítica perde o

corte, enredando-se na armadilha do pen-

samento racial. Dessa armadilha, emerge

um mestiço defi nido como objetividade

biológica, isto é, como entidade pré-polí-

tica, amparada no intercâmbio genético e

nas profundezas da cultura. Esse mestiço

“natural”, uma fi guração antiga do povo

brasileiro, remete o debate de volta para

A sedução da raçao túnel romântico da ancestralidade, que

é o campo de ação dos racialistas. Não se

trata de negar a extraordinária amplitude

do intercâmbio genético no Brasil, mas de

insistir naquilo que Gilberto Freyre já ha-

via registrado: somos todos mestiços, in-

dependentemente de nossas árvores gene-

alógicas, pois é assim que nos enxergamos

e defi nimos.

Wolfgang Gabbert sugere traduzir a

etnicidade como um fenômeno de dife-

renciação social no qual os atores esco-

lhem marcadores culturais ou fenotípicos

para distinguir a si próprios dos demais.

Isso signifi ca que a etnia, tanto quanto a

nação, é uma “comunidade imaginada” – e

que ela surge na instância política. A “raça

pura” não existe nos EUA (ou, em geral, no

mundo), mas pode ser inventada de modo

efi caz pela regra da “gota de sangue única”.

A divisão bipolar do Brasil em “brancos” e

“negros” contraria a biologia e nossa expe-

riência histórica – mas pode ser fabricada

por um Estado que se engaja na classifi ca-

ção étnica dos brasileiros e na imposição

de leis raciais.

Risério fecha os olhos para esse perigo

real precisamente por acreditar demais nas

permanências da biologia e da cultura. O

Brasil não é os EUA, nem a África do Sul

ou Ruanda. Mas a mestiçagem é um ple-

biscito cotidiano, não um talismã que nos

protege da sedução da raça e do cortejo de

violências que sempre a acompanha.

Demétrio Magnoli é sociólogo, doutor em geografi a humana

pela USP, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Inter-

nacional da USP (Gacint) e colunista dos jornais O Estado de

S. Paulo e O Globo.

A Utopia Brasileira e os Movimentos NegrosAntonio RisérioEditora 34 - 440 páginas - R$ 54,00

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Desenvolvimento julho de 2009 89

A Organização das Nações Unidas

(ONU) informa que quase 25% das

adolescentes que vivem na América La-

tina já fi caram grávidas ao menos uma

vez. O estudo faz parte do Programa da

ONU para o Desenvolvimento (Pnud)

e da Organização Internacional do Tra-

balho (OIT), publicado em Genebra.

A pesquisa mostrou que os países da

América Latina seguem tendência con-

trária à dos outros continentes, que con-

seguiram reduzir ou estão diminuindo

os casos de gravidez na adolescência. A

única região que apresentou taxa maior

do que a América Latina foi a África.

O documento considera que há uma

forte relação entre essas gestações precoces

e a pobreza. Na América Latina, apenas 5%

das meninas com maior renda teve fi lho. Já

nas camadas mais pobres, a taxa é superior

a 30%. A preocupação da ONU é que essas

meninas, ao engravidarem, são as primei-

ras a deixar a escola, afetando suas possibi-

lidades de trabalho por anos.

latino-americano

Adolescência

Incidência de gravidez maior entre pobres

PIB

Retração de 1,7% na

América Latina

A Comissão Econômica para América La-

tina e Caribe (Cepal) fez nova projeção para

a economia da América Latina: a região terá

retração de 1,7% no Produto Interno Bruto

(PIB) neste ano. Em abril, a expectativa da

Cepal era de retração de 0,3%. “A forte queda

na demanda, tanto interna quanto externa,

no quarto trimestre de 2008 e no primeiro

trimestre de 2009, afetou as economias da

América Latina e do Caribe. Por isso, a Ce-

pal estima que o PIB da região cairá 1,7% em

2009”, diz comunicado da instituição.

Apesar das projeções, o organismo res-

salva que, ao contrário de crises anteriores,

os países latino-americanos e caribenhos

estão agora menos endividados e com mais

reservas internacionais, e seus sistemas fi -

nanceiros apresentam um grau de exposi-

ção externa “relativamente baixo”. De acor-

do com a Cepal, “na última parte de 2008 e

nos primeiros meses deste ano, observa-se

uma signifi cativa queda nos fl uxos de co-

mércio internacional e retração nas remes-

sas, elementos que tinham impulsionado o

crescimento regional nos últimos anos”.

Crise

Mais de um bilhão de famintos no mundo

Investimento

Bid deve emprestar

US$ 3 bilhões ao Brasil

O Banco Interamericano de Desenvolvi-

mento (BID) planeja aplicar US$ 3 bilhões no

Brasil, em 2009, em operações com a União,

estados e municípios. Um terço do valor

deve ir para linhas de crédito a pequenas e

médias empresas. O dinheiro será repassado

às empresas pelo Banco Nacional de Desen-

volvimento Econômico e Social (BNDES).

No ano passado, a instituição aprovou US$

3,3 bilhões de crédito ao Brasil, um aumento

signifi cativo em relação à média do período

de 2004 a 2007 (US$ 1,4 bilhão).

A crise econômica mundial fará

com que o número de pessoas que

passam fome no mundo ultrapasse,

pela primeira vez, a marca de um

bilhão de pessoas em 2009. A esti-

mativa, publicada ontem, é da Or-

ganização das Nações Unidas para a

Agricultura e Alimentação (FAO). Se-

gundo a entidade, toda semana cerca

de um milhão de pessoas ingressam

nesse exército de famintos. Por isso,

já não se acredita mais que será cum-

prida a meta de redução da fome pela

metade até 2015. Na América Latina,

53 milhões de pessoas estarão em po-

breza extrema neste ano, 12,8% mais

que em 2008. Na África e no Oriente

Médio, serão 42 milhões.

Elza

Fiú

za/A

Br

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90 Desenvolvimento julho de 2009

A Comissão Econômica para a América

Latina e Caribe (Cepal) e o governo da Ale-

manha fecharam acordo de cooperação para

desenvolver um programa de desenvolvi-

mento sustentado e de coesão social nos pa-

íses caribenhos e latino-americanos. A Ale-

manha vai investir 3,5 milhões de euros no

programa, que começará a ser implantado

no próximo ano e deve terminar em 2012.

Com esses recursos, a Cepal vai de-

senvolver diversas ações, entre elas a que

trata da mudança climática e novas fontes

de energia sustentada. Desde 1990, a Ale-

manha mantém cooperação com a Cepal.

Em 2003, o organismo e agência de co-

operação alemã fi zeram um projeto con-

junto sobre desenvolvimento da América

Latina e Caribe.

Emprego

Um milhão de postos

de trabalho a menos

Um milhão de pessoas perderam

o emprego na América Latina no pri-

meiro trimestre deste ano, de acordo

com a Cepal e a OIT. Segundo rela-

tório conjunto, a taxa de desemprego

na região atingiu 8,5% no primeiro

trimestre, ante 7,9% um ano antes. De

acordo com as instituições, a queda

das exportações e a redução do crédito

provocaram efeito negativo no merca-

do de trabalho. Se o PIB regional cair

1,7%, como estimam a

Cepal e a OIT, a taxa

de desemprego deve

chegar a 9,1% no fi -

nal deste ano, o que

corresponde a um au-

mento de 2,8 milhões

a 3,9 milhões de

desempregados.

Pós-crise

Mais acumulação de capital

OEA

A volta de Cuba

A Organização dos Estados Ame-

ricanos (OEA) aprovou, no início de

junho, a reintegração de Cuba ao or-

ganismo internacional. A decisão foi

tomada por representantes dos 34 paí-

ses na cidade hondurenha de San Pedro

Sulá. Agora, cabe a Cuba a iniciativa de,

se quiser, voltar a integrar o organismo.

Antes, o governo cubano vinha dizen-

do não ter interesse em retornar. Cuba

foi expulsa da OEA em 1962, porque

integrava o bloco comunista junto com

China e União Soviética.

A expectativa é que a decisão abra

caminho para a retomada do diálogo

com os Estados Unidos e para a sus-

pensão dos embargos impostos pelo

governo norte-americano à ilha.

Sustentabilidade

Alemanha fi nancia projeto

O modelo de acumulação de capital

será fortalecido depois da atual crise mun-

dial, na avaliação do economista cubano

Lázaro Peña Castellanos, professor da

Universidade de Havana. Haverá apenas

o rearranjo de algumas políticas macro-

econômicas. “As leituras da aplicação das

políticas keynesianas, ao menos da forma

como que se deram, estariam fora de con-

texto. Mas não há como negar que a par-

ticipação do Estado na economia tem que

se solidifi car”, afi rmou durante a palestra

“Crise Econômica e Pós-crise, o Contex-

to Econômico Previsível para a Economia

Cubana”, no mês passado na sede do Ipea,

em Brasília.

Segundo ele, Cuba apresenta pontos fa-

voráveis à sua inserção no mercado global,

como a economia planifi cada, contínuo

desenvolvimento técnico-científi co e con-

vênios com mercados comuns (Mercosul,

por exemplo). As desvantagens são a de-

pendência de importações e os efeitos do

embargo norte-americano à ilha.

Caipora moderno

Fiscal eletrônico da natureza

O Instituto Nacional de Tecno-

logia (INT) e o Centro Brasileiro de

Pesquisas Físicas (CBPF), ambos do

Ministério da Ciência e Tecnologia,

desenvolveram um aparelho para co-

leta de dados sobre meio ambiente,

como temperatura, acidez das águas,

partículas de monóxido de carbono,

dióxido de carbono e oxigênio no ar,

dados sobre o solo.

O aparelho, apelidado de Caipora, re-

gistra os dados num cartão de memória

e os transmite em tempo real. Ele pode

ser replicado para monitorar regiões

inteiras e executar outras tarefas por co-

mando remoto. O Caipora capta as in-

formações por sensores e as transforma

em sinais elétricos que são digitalizados,

armazenados e transmitidos pela tecno-

logia de telefonia celular.

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Desenvolvimento julho de 2009 91

AGENDAO livro Sociedade e Economia: estratégias de

crescimento e desenvolvimento, que reúne textos de 23 autores, tem servido de base para diversos seminários sobre o futuro do Brasil. E será tema de novos debates neste mês de julho. Organizado por João Sicsú e Armando Castelar, ambos pro-fessores do Instituto de Economia da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o livro traz diferentes visões sobre o desenvolvimento.

Armando Castelar, já no primeiro capítulo, questiona se o país precisa de uma estratégia de desenvolvimento. No capítulo seguinte, João Sicsú, diretor de estudos macroeconômicos do

Ipea, põe em debate a construção de uma estra-tégia de desenvolvimento. O ex-ministro Antonio Delfi m Netto, em co-autoria com o economista e professor Akihiro Ikeda, também trata do mes-mo tema. Já o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso aborda a "economia criativa".

Os capítulos seguintes enfocam não só estratégias de desenvolvimento como também questões relacionadas às fi nanças públicas, educação, comunicações, demandas da socie-dade e dos movimentos sociais. São assinados por autores como Fernando Cardim, Julio Lo-pez, Amir Khair, Josué Gomes da Silva, Roberto

Estratégias de desenvolvimento em debate

01/07

Seminário: Choques de política monetária e de câmbio no Brasil: restrição de sinal versus uma nova abordagem híbrida de identifi cação

Expositores: Elcyon Lima e Alexis Maka (Ipea)

Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos) 02/07

Reunião sobre as Reformas das reformas da Previdência Social: “Uma Avaliação Preliminar da Situação na América Latina”Mediador: Milko Matjascic

Horário: das 15h às 18hLocal: Auditório do 14º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edf. Ipea/BNDES, Brasília (DF)Informações: Alda Chaves ([email protected]: (61) 3315-5418Realização: Disoc (Diretoria de Estudos Sociais)

03/07

Discussão Acerca dos Rumos da Coordenação de Justiça e Segurança Pública – Dilemas e PerspectivasMediador: André Campos Gambier

Horário: das 10h às 13hLocal: Auditório do 16º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edf. Ipea/BNDES, Brasília (DF)Informações: André ([email protected])Telefone: (61) 3315-5442Realização: Disoc (Diretoria de Estudos Sociais)

03/07

Ofi cina de Trabalho: Insegurança no emprego e estigma no setor formal do mercado de trabalho brasileiroExpositor: Daniel Santos (IBMEC-RJ/Ipea)

Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos,51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)

10/07

Ofi cina de Trabalho: Determinantes da expansão do emprego formal: mais estabelecimentos ou maiores estabelecimentos?Expositor: Rodrigo Moura (Ipea)

Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)

15/07

Seminário: Álcool hidratado: modelo e estimação do preço de equilíbrioExpositor: Hugo Boff (Instituto de Economia da UFRJ)

Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)

Fendt, Samuel Pessôa, Eli Diniz, Raphael de Al-meida Magalhães (ex-ministro da Previdência), Maílson da Nóbrega (ex-ministro da Fazenda), Marcos Dantas e David Kupfer.

Nesse livro, o desenvolvimento do País é tratado dentro de uma visão mais abrangente do que a do simples crescimento econômico. A questão social e cultural é tratada como parte integrante do desenvolvimento.

13/08Horário: 16hLocal: Corecom-RJ - Av. Rio Branco, 109 Informações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)

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92 Desenvolvimento julho de 2009

Gênero

INDICADORES

A crise econômica internacional e os

impactos sobre a vida das mulheres

Nos oito meses que se seguiram aos

primeiros efeitos da crise no País

(setembro-2008 a abril-2009), o

crescimento da população econo-

micamente ativa (PEA) feminina foi menor

que o crescimento da PEA masculina em

todas as Regiões Metropolitanas pesquisa-

das na Pesquisa de Emprego e Desemprego

(PED - Dieese/Fundação Seade). Importan-

te destacar que há, neste caso, uma reversão

de fenômeno verifi cado em anos anterio-

res, quando se notava uma leve tendência

ao crescimento maior da PEA feminina em

relação à PEA masculina. Há indícios, por-

tanto, de que o contexto de crise econômica

retirou, relativamente, mais mulheres do

mercado de trabalho do que homens. Em

outras palavras, parece que o baixo dina-

mismo econômico tem empurrado as mu-

lheres para a inatividade.

As informações da PED sobre a taxa

de participação de homens e mulheres no

mercado de trabalho deixam mais clara

essa tendência que, apesar de leve, é ní-

tida e previsível, na medida em que ex-

pressa traços de nossa cultura patriarcal.

Isso porque em situações de perda de em-

prego/ocupação no núcleo familiar (com

conseqüente redução dos rendimentos

mensais), há maior probabilidade de que

mulheres retornem às suas casas e se res-

ponsabilizem pelas atividades domésticas

do que homens, seja pelo fato de que tra-

balhavam em pequenos empreendimentos

familiares que não sobreviveram à crise,

seja porque a perda de rendimento fami-

liar impossibilitou a manutenção de uma

trabalhadora doméstica que desenvolvia

Taxa de Desemprego das seis Regiões Metropolitanas, segundo sexo. 2007 a 2009

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.

5,8

7,77,2

jan/07 jan/08 jan/09mar/07 mar/08 mar/09mai/07 mai/08jul/07 jul/08set/07 set/08nov/07 nov/08

9,88,9

10,9

Total Mulheres Homens

atividades que agora deverão ser desempe-

nhadas por ela – ao passo que a trabalha-

dora doméstica dispensada também pode

voltar para a “inatividade”. Historicamen-

te, as taxas de desemprego femininas são

signifi cativamente mais elevadas que as

masculinas e os dados da Pesquisa Men-

sal de Emprego do IBGE (PME) e da PED

confi rmam esta tendência. No contexto

de crise, entretanto, parece haver um mo-

vimento diferenciado, no qual as taxas de

desemprego masculinas tendem a se ele-

var mais, em termos relativos.

De forma complementar, faz-se im-

portante analisar os dados relacionados à

ocupação, cujas variações nos meses pós-

setembro de 2008 foram, de forma geral,

negativas para homens e mulheres, nova-

mente com variações relativas um pouco

mais acentuadas no caso das mulheres –

sendo que, em anos anteriores, a ocupa-

ção feminina crescia mais, relativamente,

quando comparada à ocupação masculi-

na. Ou seja, parece que a crise refreou um

processo, até então existente, de feminiza-

ção do mercado de trabalho.

Cada setor de atividade econômica

tem seus próprios mecanismos de reação,

assim como se comportam de maneira

diferenciada os setores mais ou menos

estruturados da economia. Apesar da

limitação dos dados, e da própria natu-

reza conjuntural da análise, incapaz de

captar todas as tendências e movimentos

existentes, as informações disponíveis

sugerem que pode estar havendo uma

precarização geral do emprego como re-

ação à crise, que se manifesta na elevação

da inatividade e também no aumento de

mulheres em postos mais precários, como

trabalho sem remuneração e trabalho sem

carteira assinada. Por outro lado, há que

se mencionar evidências de uma “femini-

zação” do mercado de trabalho formal, o

que é positivo, mas pode também expres-

sar uma estratégia do empresariado em

contratar de forma mais precária.

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Desenvolvimento julho de 2009 93

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.

Resultado Líquido de Empregos Com Carteira Assinada (Admissões -

Desligamentos). Brasil: 2004-2009

Fonte: MTE, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Elaboração: DISOC/IPEA.

Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego/Dieese.

Variação da Taxa de Desemprego em períodos selecionados, segundo sexo

e cor/raça. Regiões Metropolitanas, 2008 e 2009.

Variação do nível de ocupação em períodos selecionados, segundo sexo

e cor/raça. Regiões Metropolitanas, 2008 e 2009.

Variação do nível de ocupação entre setembro/2008 e abril/2009,

segundo sexo e setor de atividade. Regiões Metropolitanas.

Variação do nível de ocupação entre setembro/2008 e abril/2009,

segundo sexo e posição na ocupação. Regiões Metropolitanas.

450.000

250.000

50.000

-150.000

-350.000

-550.000

-750.000

SetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbr

2004 2005 2006 2007 2008 2009

JanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgo

0,0

-0,5

-1,0

-1,5

-2,0

-2,5

-3,0

-3,5

-4,0

-4,5

-1,8

0,0

Belo Horizonte Porto Alegre SalvadorDistrito Federal Recife São Paulo

-1,3

-2,6

-0,3

-0,7

-1,1-1,4

-2,5

-0,9-0,7

-1,2

-1,7

-3,4

-4,2

-1,9

11,2%

24,1%

-4,8%

Homens Mulheres Mulheres brancas

Ago08/jan08 Abril09/Set08

Mulheres negras

-5,0%

-12,5%

21,3%

4,1%

0,0%

Ago08/jan08 Abril09/Set08

3,3%

-1,6%

-1,6%

Homens Mulheres Mulheres brancas Mulheres negras

-3,1%

-4,5%

3,0%

-1,8%

4,0%

Mulhere

Mulhere

Mulhere

Homem

Homem

HomemTotal

Variação da Taxa de Participação entre Setembro de 2008 e Abril de

2009, por Região Metropolitana, segundo sexo.

Indústria, água,luz e gás

Construção civil Comércio, reparação de veículos, etc

Intermediação fi nanceira, atividades

imobiliárias

Adm. Pública, saúde,

educação, etc.

Serviços domésticos

Outros serviços

17,5%

-4,8%

-8,4%

-3,2%

3,0%4,3%

-2,3%

-5,7%-4,6%

-0,9%

0,7%

-5,8%

-1,3%-3,0%

Trab. Doméstico Servidorpúblico/militar

Com carreira Sem carreira Conta própria Empregador Sem remuneração

-0,9%

0,2% 0,8%

-0,9%

8,9%

-0,6%-2,2% -2,7%-3,4%-3,7%

-10,1%

-13,5% -13,7%

-5,7%

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94 Desenvolvimento julho de 2009

CARLOS LESSA

O professor Carlos Lessa

colocou ordem na casa, quan-

do disse que os empregos e a

renda que estavam sendo ge-

rados no Brasil em cima de

créditos de longuíssimo prazo,

ou seja, por meio do endivida-

mento da sociedade brasileira.

Cem meses não é prazo para

se comprar um carro, porque

antes de ser pago o bem já aca-

CARTAS A correspondência para a redação deve ser env iada para desaf [email protected]

ou para SBS Quadra 01 - Edi f ic io BNDES - Sala 906 - CEP: 70076-900 - Brasí l ia - DF

Aos leitores,Desafi os do Desenvolvimento agradece as pautas sugeri-

das por diversos leitores que escreveram. Todas aquelas

que atenderam à linha editorial da revista serão analisadas

e apuradas pela equipe de reportagem no devido tempo.

Acesse o conteúdo da revista Desafi os do Desenvolvimento no endereço:

www.desafi os.ipea.gov.br

bou. É uma pena que governo,

empresários e sistema fi nancei-

ro não vejam o mal que fazem

à economia ao estimular essa

bolha de consumo. Eles deviam

se unir em investimentos que

garantissem um crescimento

sustentado da economia, com

o qual poderiam gerar renda e

empregos mais perenes para o

trabalhador brasileiro.

Fernando Lopez Guerreiro

São Paulo (SP)

rede ferroviária não existe e

nossos portos têm os custos

operacionais mais elevados

do mundo. Concordo com

ele de que precisamos de

mais PAC em obras de infra-

estrutura.

CASA PRÓPRIA

Excelente a reportagem

sobre a casa própria, es-

pecialmente o destaque de

que habitação é um direito

fundamental da pessoa hu-

mana. Desta forma, e con-

siderando que segundo a

reportagem mais de 90% do

déficit habitacional refere-

se a famílias de baixíssima

renda, entendo que o gover-

no deveria criar um grande

programa de financiamento

a fundo perdido para ofe-

recer condições dignas de

moradia a essa enorme par-

cela da população brasileira.

Junto com obras de sanea-

mento, seria um dos mais

importantes instrumentos

para acabar de uma vez por

todas com a miséria que en-

vergonha os brasileiros mais

esclarecidos.

Douglas da Costa Magalhães

São Bernardo do Campo (SP)

CARLOS LESSA II

A entrevista do profes-

sor Carlos Lessa traz à tona

a questão do “Custo Brasil”,

aquele custo invisível que

só contribui para reduzir a

competitividade do produ-

to brasileiro em relação aos

seus congêneres estrangei-

ros. Esse custo não está pre-

sente apenas em nossa carga

tributária, mas se manifesta

de forma ainda mais perversa

no setor de infraestrutura. O

exemplo da soja citado pelo

professor é emblemático: o

agricultor brasileiro con-

segue produzir a soja mais

barata do mundo, mas que

perde toda a competitivida-

de quando sai da porteira da

fazenda. Nossas rodovias es-

tão em estado lamentável, a

Pedro do Amarante Silveira

Araguaína (TO)

DE OLHO NA CHINA

O estreitamento das nos-

sas relações comerciais com

a China deve merecer aten-

ção do governo brasileiro

também no que diz respeito

à proteção dos nossos merca-

dos, tanto interno como no

estrangeiro. Enquanto conti-

nuamos exportando matéria-

prima para lá, o governo de

Pequim invade nossos mer-

cados com seus produtos aca-

bados sem que as autoridades

brasileiras criem condições

de competitividade para que

a nossa indústria possa se

defender desse ataque. Preci-

samos, literalmente, abrir os

olhos para a China.

Marcello Ribeiro da Costa

Salvador (BA)

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