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  • Pro-Posies - Vol. 10 N 1 (28) maro de 1999

    A formao do profissional da educaoinfantil no Brasilno contexto da legislao,

    das polticas e da realidade do atendimento

    Lvia Maria Fraga Vieira'

    Resumo: O artigo apresenta de forma sucinta as caractersticas bsicas das polticas de aten-dimento e das legislaes concernentes, com o fim de caracterizar o padro dominante naorganizao da educao infantil brasileira e situar as propostas e os desafios atuais da for-mao dos professores na rea.

    Palavras-chave: Educao infantil, legislao, formao de professores

    Abstract: This article briefly presents the basic characteristics of support policies andpeninent legislation in order to characterize the dominant pattern in the Brazilian earIychildhood education organization and bring forward current propositions and challengesfor the qualification of teachers in this fieId.

    Descriptors: EarIy childhood education, legislation, teacher education

    A discusso da formao do profissional da educao infantil requer uma abordagemhistrica das polticas de atendimento e das legislaes concernentes, as quais somadas sdemandas sociais conformaram determinado padro dominante de organizao dos servi-os voltados para as crianas pequenas, calcado em precrio profissionalismo.

    Alguns autores brasileiros (Kishimoto, 1986; Kuhlmann Jr, 1998), em estudos sobrea histria das instituies infantis, j apontaram a dupla trajetria das redes de cuidado eeducao de crianas de O a 6 anos, constitudas pelas creches, escolas maternais, jardins deinfncia e similares.

    A tradio assistencial visualizada na trajetria das creches e escolas maternais, desti-nadas sobretudo s crianas oriundas das famlias pobres. A tendncia educacional ob-servada quando se trata dos jardins de infncia ou escolas infantis, mais tarde chamadasde pr-primrio e depois de pr-escolas, voltados inicialmente e de forma predominantepara as crianas nascidas de famlias das elites.

    Professora da Faculdade de Educao da UFMGe Presidente do Conselho Municipal de Educaode Belo Horizonte.

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    No Brasil, como em outros pases do mundo ocidental, as creches, enquanto modode guarda dirio de crianas pequenas, nascem vinculadas s necessidades do trabalho fe-minino industrial fora do domiclio, visando tambm responder a questes diversas comoo abandono, a desnutrio, a mortalidade infantil, a formao de hbitos higinicos e amoralizao das famlias operrias.

    possvel dizer que a creche uma instituio que nasce no campo da filantropia ouda "assistncia cientfica", articulando iniciativas da benemerncia patronal (ou assistnciapatronal do final do sculo XIX e at os anos 1920 deste sculo, no Brasil); os aportes dapediatria e da puericultura, bem como a ao de mdicos e outros notveis; e elementos da

    f e da ao crists, nucleados pelas obras sociais de bispos da igreja catlica apoiados pelaorganizao de damas patrocinadoras, senhoras da sociedade.

    Kuhlmann Jr (1998) mostra que o projeto de educao das classes populares nessesestabelecimentos enfatizava a disciplina e a aprendizagem da norma sanitria, constituindoo que nomeia de "educao assistencialista".

    Apesar de existir ao estatal nesta rea, sobretudo a partir dos anos 1940, com a cria-o do Departamento Nacional da Criana - DNCr (Ministrio da Educao e Sade), ascreches estavam sob a gide da assistncia privada ou pblica at meados dos anos 1970. Opapel do DNCr era apenas normativo. Por meio de manuais de orientaes, a creche eradivulga da como mal, porm necessrio, no combate mortalidade infantil e s "criadeiras",mulheres do povo que tomavam a seu cuidado, e em seus domiclios pobres e desprovi-dos, os filhos de mulheres sem recursos.

    A expanso das creches no Brasil visvel a partir do final dos anos 1970, quandoentram em cena os movimentos sociais organizados por mulheres das periferias de gran-des centros urbanos, rompendo-se a historica tutela filantrpica sobre as creches e as crian-as das classes populares.

    Diferentemente, os jardins de infncia ou escolas infantis surgem no campo da edu-cao respondendo aos objetivos de socializar e preparar a criana de 4 a 6 anos para oensino elementar ou fundamental. Em Belo Horizonte, e em Minas Gerais, o primeirojardim de infncia de 1908, sendo objeto de dure to do governo estadual. Integra, portan-to, desde a sua origem, a legislao educacional do governo mineiro. Embora o jardim deinfncia tenha sido tambm iniciativa de estabelecimentos de ensino particular, remarcvelo fato de sua instituio original ter sido pblica e da educao (Vieira, 1993).

    A expanso dos jardins de infncia tambm foi lenta e gradual at os anos 1970. Ob-serva-se um incio de crescimento nos anos 1950, com a criao de uma outra modalidadede atendimento, que so as classes anexas de pr-primrio aos estabelecimentos de ensinoprimrio.

    Se, para as creches, o profissional requerido vinha das reas da sade e da assistncia,para os jardins de infncia o profissional era o professor. Em geral, as creches eram dirigidaspor mdicos ou assistentes sociais (ou irms de caridade), contando com "educadoras"leigas ou auxiliares, das quais eram requeridos conhecimentos nas reas de sade, higiene epuericultura. Nos jardins de infncia eram os professores (mas sobretudo as professorasnormalistas) os profissionais destinados tarefa de educar e socializar os pequenos.

    ilustrativo observar que, em Minas Gerais, as normas existentes nos anos 1920

    definiam o professor para o jardim de infncia e a "educadora" para a escola maternal, quetambm fazia parte da categoria "escola infantil," na legislao educacional da poca. Da

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    "educadora" exigiam a execuo de funes maternais de cuidado e higiene, sendo a escolamaternal destinada aos filhos de trabalhadores. No havia referncias quanto escolarida-de dessa mulher trabalhadora.

    A expanso de creches e pr-escolas coincide com o final dos anos 1970, obedecendoa vrios determinantes, entre os quais destacamos:

    demanda social crescente pela escolarizao de crianas menores de 7 anos;novo perfil demogrfico da populao brasileira: as famlias diminuem de tamanho

    nas cidades (mas tambm no campo), contraindo estratgias de cooperao para ocuidado de crianas pequenas pelas famlias extensas, redes de parentesco e vizinhan-a; aumenta a insero de mulheres e jovens no mercado de trabalho, sendo no des-

    prezvel a porcentagem de mulheres chefes de famlia com filhos pequenos; a popula-o brasileira se urbaniza e a rua se torna mais perigosa, exigindo-se a criao de espa-os institucionais para a permanncia de crianas fora das famlias;emergncia de novos movimentos sociais, lutando por melhorias na vida urbana: en-tre elas, a creche; influncia do feminismo na construo de novos significados sociaispara creches; demanda de creches como direito de trabalhadoras e direito de crianas educao em espaos coletivos, que permitam trocas e interaes criativas - creche comolugar de vida;

    incio da crise poltica do regime militar instaurado em 1964;influncia de propostas para polticas sociais nos pases do Terceiro Mundo vindas deorganizaes internacionais intergovernamentais como a UNESCO, o UNICEF, a OMS;

    necessidade de novo formato para as polticas sociais e estratgias governamentais quecombinam baixo padro de gasto pblico, "participao comunitria" (entendida comoutilizao de trabalho feminino leigo, voluntrio ou sub-remunerado, utilizao deespaos prprios e "ociosos" da comunidade e de material reciclado ou sucata) e pro-gramas de cunho dito "emergencial" ou "alternativo", para responder a problemas edemandas geradas pelo padro de desenvolvimento econmico desigual e excludente.

    Assim, pode-se dizer que as creches e pr-escolas se expandiram para atender popula-es pobres, sob a gide de polticas compensatrias, gerando um padro de atendimentopobre para pobres. Alm da tendncia municipalizao do atendimento em creches e pr-escolas, observa-se o surgimento de uma extensa rede de creches de origem comunitria efilantrpica, que tm em comum o baixo padro de qualidade do pessoal-educador que atrabalha, em geral com baixa escolaridade e sem qualificao especfica; dos espaos fsicos:porque aproveitados, no so adaptados para as necessidade de movimento, cuidado eeducao; das condies - precrias - do contexto urbano onde se localizam: vilas, favelas,

    reas da periferia mal servidas de gua e esgoto; pelas remotas possibilidades de existirambiente educativo estimulante e criativo para aprendizagens, brincadeiras e cuidados.

    Essas creches e pr-escolas cresceram s expensas de uma modalidade de financiamen-to de servios, que so os convnios entre poder pblico e entidades sociais. A poltica deconveniamento foi, e ainda , desenvolvida pelas reas de assistncia dos governos, nasdiferentes instncias - federal, estadual e municipal.

    A emergncia dessas polticas, que tiveram papel no negligencivel no incitamentode populaes pobres para tomarem a si a iniciativa de criar creches e pr-escolas, modu-lando tambm uma demanda socialpor convnios e no por equipamentos pblicos, deu-se num

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    contexto de precria legislao social sobre a educao da criana pequena, onde no se defi-niam os deveres do Estado com relao criao e manuteno desses equipamentos.

    A lei federal n 5.692/71 referia-se educao pr-escolar em dois artigos, atribuindoao Estado apenas o papel de "velar" para que os sistemas de ensino, diretamente ou pormeio de convnio, oferecessem conveniente atendimento em jardins de infncia ou simila-res para menores de sete anos. Na Consolidao das Leis do Trabalho-CLT, de 1942, figu-rava como atribuio do empregador, em empresas com mais de 100 mulheres em idadereprodutiva, a criao de berrios para crianas at 6 meses de idade, possibilitando o alei-tamento maternol.