A FORMAÇÃO DE LEITORES EM FRANCÊS LÍNGUA ...A formação de leitores autônomos é uma questão...
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A FORMAÇÃO DE LEITORES EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA
Joanna Barrão Ferreira
CAP-UERJ
Maria Ruth Machado Fellows
CAP-UERJ
RESUMO
A formação de leitores autônomos é uma questão atual e ainda muito discutida nos cursos de formação
docente e nas salas de professores, o que sinaliza que a discussão ainda não está esgotada. Nós, professores de
Língua Estrangeira, nos perguntamos: De que forma nossa disciplina contribui para a formação desse sujeito
capaz de dialogar e produzir sentido a partir de um texto? De que forma a construção desse leitor autônomo
influencia no seu aprendizado de língua estrangeira? As atividades de sala de aula podem contribuir para essa
formação ou o leitor se forma em sua prática, através de suas leituras individuais? Qual o papel das TICs na
formação desse leitor?
Para pensarmos sobre todas estas questões, propomos uma reflexão sobre a importância das estratégias de
leitura e o papel do professor, em suas abordagens e procedimentos adotados ao trabalhar a leitura em sala de
aula.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura e TICs – FLE – Estratégias de Leitura.
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A aprendizagem de Língua Estrangeira é uma possibilidade de aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Por esse motivo, ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em sua capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir no mundo social. (Brasil, 1998)
O processo de aprendizagem de Língua Estrangeira (LE) vem mudando ao longo do
tempo e, com isso, a percepção de que ensinar/aprender uma determinada língua estrangeira
depende exclusivamente de compreender a sua estrutura também mudou. Com essas
mudanças, o ensino de leitura adquiriu um foco maior, gerando, consequentemente,
dificuldades de desenvolver atividades que envolvam o aluno como sujeito do processo leitor,
sobretudo porque, com o avanço tecnológico, percebemos que há uma mudança de perfil nos
novos leitores.
Até há pouco tempo, a maioria da população brasileira não tinha acesso à internet e o
contato com a rede era limitado até o início do século XXI. Com o avanço tecnológico dos
últimos tempos e com o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação,
notamos que houve um processo de letramento dos mais jovens que nasceram e cresceram
nesse período, enquanto o mais velhos estão buscando formas de se letrar.
Hoje, a internet faz parte da vida social de jovens e adolescentes que usam os sites
sociais para fazer amigos, compartilhar músicas, ideias etc. Com a implementação de uma
política monetária em que houve queda da inflação e promoveu o aumento do poder de
consumo da população de média e baixa renda a partir da implementação do Real, houve um
boom na compra de computadores, apesar do relativo atraso no mercado da informática do
período de “reserva” no Brasil, já que a
antiga “Lei de Informática” de 1984 garantia reserva de mercado para empresas de capital nacional nos oito anos seguintes, para a quase totalidade dos produtos e serviços relacionados às atividades de informática. Naquele contexto, o desenvolvimento de componentes apoiava-se em uma política de proteção ao “similar nacional” para os segmentos voltados aos equipamentos de pequeno e médio porte (GARCIA e ROSELINO, 2004:178),
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O mercado da informática cresceu e estamos observando uma evolução no uso dos
equipamentos nas escolas e no domicílio dos brasileiros, como podemos comprovar na
pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009).
Segundo o IBGE (2009), houve um aumento do acesso à internet de 75,3% em três
anos (2005-2008). Das 56 milhões de pessoas que acessaram a Internet em 2008, 52,5% do
total afirmaram acessar somente de um lugar. As porcentagens estavam assim distribuídas:
45,9% dos que acessaram no domicílio onde moravam, 29,5% de um centro público de acesso
pago; 12,1% do local de trabalho; 4,8% do estabelecimento de ensino; 0,8% de um centro
público de acesso gratuito e 6,9% de outro local.
Dentre os motivos mais citados para o acesso à rede, o IBGE apresentou: a
comunicação com outras pessoas (83,2% dos usuários), os fins educacionais e de aprendizado
(65,9%), as atividades de lazer (68,6%) e a leitura de jornais e revistas, motivo também
bastante citado em 2008 (48,6% das pessoas que acessaram a Rede).
Segundo a pesquisa divulgada pelo IBGE (2009), podemos observar que um bom
número de brasileiros, até 2008, já tinha acesso à rede mundial de computadores. Em casa ou
em locais públicos, os usuários a utilizaram para se comunicarem, estudarem, se informarem e
se divertirem.
Com a quantidade de usuários crescendo cada vez mais, é necessário que a escola
assuma o papel de ajudar seus alunos, na inclusão digital, sobretudo os de baixa renda, a se
familiarizarem com o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes,
de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço” que Lévy (1999:16) chamou de cibercultura.
Today’s students – K through college – represent the first generations to grow up with this new technology. They have spent their entire lives surrounded by and using computers, videogames, digital music players, video cams, cell phones, and all the other toys and tools of the digital age. (PRENSKY, 2001: 1)
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Para Prensky (2001), era necessário definir quem são os alunos de hoje, que nasceram
e cresceram cercados de computadores, jogos eletrônicos, celulares com funções variadas; e
aqueles que não nasceram no mundo digital, mas que têm o interesse, que utilizam recursos
informáticos em seu cotidiano. Para tal, definiu aqueles que cresceram cercados pelas TICs de
Nativos Digitais e, aqueles que as utilizam, mas que não cresceram em contato massivo com
elas, de Imigrantes Digitais.
Ainda segundo Prensky (2001), atualmente, todos os nossos alunos são “falantes
nativos” da linguagem digital dos computadores, videogames e internet. Apesar de serem
todos nativos digitais, não consideramos nossos alunos “falantes nativos” da linguagem digital
dos computadores, videogames, tocadores de música digital, filmadoras e da Internet. Muitos
não aprenderam ainda a lidar com as diferentes possibilidades que as TICs oferecem. Não
compreendem a “etiqueta” da internet e dos aparelhos digitais, nem são capazes de navegar
com igual habilidade em todos os gêneros que circulam na rede ou todas as finalidades com as
que se podem usá-los. Apesar de terem nascido depois da revolução digital, eles precisam se
familiarizar com as regras sociais de uso das tecnologias e mais: no Brasil, existem crianças que
não têm acesso a toda essa tecnologia por problemas econômicos/sociais. Logo, elas também
não podem ser consideradas “falantes nativos”.
Muito se tem falado sobre o papel das novas tecnologias da informação e
comunicação (TICs) em sala de aula. Existem correntes daqueles que acreditam que ela veio
para revolucionar a Educação (visão tecnofílica), e outros que acreditam que veio para
substituir o professor ou que provocará o distanciamento, a perda das relações afetivas (visão
tecnofóbica). No entanto, não podemos afirmar que ela será a Redentora da Educação e nem
mesmo que irá, de uma vez por todas, acabar com a função do professor (Corrêa, 2006).
Segundo a autora, o valor da tecnologia não está nela mesma, mas depende do uso que se faz
dela. Para exemplificar tal afirmativa, a autora apresenta o que pode ser produzido com uma
caneta esferográfica (inovação tecnológica em um dado momento da história): podemos
escrever poesias ou uma sentença de morte, ou podemos deixar a folha em branco, tanto com
uma caneta barata, quanto com uma de ouro.
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O que produzimos é mediado pela caneta, mas o conteúdo e processo pelo qual escrevemos depende da nossa história de vida, de nossos afetos e desafetos, de nossas competências, do lugar social que ocupamos, enfim, da forma como conseguimos nos expressar, nos comunicar com o mundo (Corrêa, 2006:46).
As TICs funcionam para gerir a informação através de equipamentos e de dispositivos
para armazenamento e distribuição de dados. Logo, não é o que temos em mão, mas, sim, o
que fazemos dele é o que tornará a mudança possível.
Não adianta um professor ter à sua disposição todos os recursos multimídia, se não
consegue trabalhar com eles de forma interativa. Imaginemos uma situação em que um
professor propõe uma atividade de leitura no laboratório de informática. Os alunos estão
ansiosos para utilizar todos os recursos disponíveis e a atividade sugerida pelo professor
ocorre a partir de um texto escaneado. Apesar de terem acesso à internet, os alunos estão
proibidos de fazer qualquer tipo de pesquisa, porque o professor tem medo dos rumos que as
leituras irão tomar. Não é o fato de usarmos as TICs em sala de aula que a tornará moderna e
capaz de mudar a Educação. A questão é de que modo o uso do computador e das TICs
permite que a sala de aula seja um lugar de construção coletiva de conhecimento entre
professor e alunos.
Segundo Lévy (1993), as relações humanas, como trabalhar, viver, conversar com
outros seres, cruzar sua história, significa construir uma bagagem de referências e associações
comuns, uma rede hipertextual unificada, um contexto compartilhado, capaz de diminuir os
riscos de incompreensão.
Cabe ao professor adequar, às suas necessidades e a de seus alunos, as mídias, as
atividades que irá propor para cada situação da aprendizagem. O trabalho a ser desenvolvido
deve ser intertextual; capaz de colocar os discursos (as mídias) para dialogar. Claro que, na
posição de professores, entendemos que as realidades são distintas, que existem turmas com
mais de 40 alunos e que as novas tecnologias dependem de muitas variáveis que não podem
ser controladas pelo professor. A luz, o acesso à rede, o número de computadores disponíveis,
som, vídeo etc são alguns desses aspectos.
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Acreditamos, como o proposto em Silva (2008), que o computador com auxílio da
internet é um meio eficaz de comunicação e de acesso à informação; e também um
instrumento para subverter os aparatos de poder, “pois ali não existe controle da comunicação
nem de governos, nem de empresas, nem de instituições educacionais” (id. ibid., 2010:16).
Muito se tem discutido sobre a relevância das novas tecnologias para o ensino de LE,
mas pouco se sabe sobre a formação de leitores em Francês Língua Estrangeira (FLE), apesar
de a internet estar sendo bastante utilizada como lugar de produção e de troca de material
didático.
Como professoras da Educação Básica e atuantes também na formação de novos
professores de FLE, nosso interesse se concentra na percepção que temos da necessidade de
refletir sobre o processo de formação de um leitor autônomo, capaz de criar suas próprias
estratégias para compreender um texto.
A leitura é, antes de tudo, um processo de interação (KOCK, 2009). Com esta
afirmativa podemos dizer que, ao ler um texto (escrito ou imagético), o leitor participa de sua
elaboração, trazendo para o ato de ler seu conhecimento de mundo, suas experiências
anteriores ao texto e suas estratégias. Sendo assim, como formar leitores autônomos em
língua estrangeira se, muitas vezes, a sua realidade não corresponde àquela presente no texto
a ser lido ou à de seu destinatário original? Como introduzir um leitor potencial em um texto,
com o qual ele não compartilha os mesmos fatos culturais e, principalmente, a língua?
Segundo Marcuschi (2010), os gêneros textuais são uma realização linguística concreta
definida por sociedades sociocomunicativas. Ao ler um bilhete, o leitor deve saber que está
com um texto que possui uma determinada função (informar, avisar, perguntar, lembrar...),
que a linguagem é predominantemente coloquial/informal, que este gênero textual é usado
para mensagens rápidas/curtas, que podemos encontrar apelidos no lugar do destinatário e do
emissor e que se pode ou não encontrar a data em que foi escrito.
O bilhete descrito por Marcuschi pode mudar em algumas comunidades
sociocomunicativas, mas, por meio do conhecimento de mundo que os novos leitores
brasileiros de FLE já possuem em sua Língua Materna (LM), podem ser capazes de reconhecê-
lo em uma estrutura como a da Imagem 1, um bilhete.
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Imagem 1
O novo leitor de FLE deve ser capaz de reconhecer quem escreveu o bilhete, quem o
recebeu, quando o bilhete foi escrito e, possivelmente, os movimentos retóricos de saudar e
de se despedir em Língua Francesa (LF). Por ser um bilhete, palavras abreviadas, apelidos ou
expressões familiares são esperados. É preciso que os aprendizes reflitam sobre o que estão
lendo, sobre suas expectativas e sobre as informações identificadas no texto, a fim de
desenvolverem a competência leitora, indo além da decodificação das palavras. Uma atividade
como essa permite o desenvolvimento da capacidade de reconhecer fatos culturais e de
produzir inferências a partir do que se espera desse modelo de texto.
Em uma abordagem inicial do texto, pode ser necessária a intervenção do professor,
provocando a “descoberta” das marcas que identificam o tipo de texto, neste caso, o bilhete, e
da semelhança entre aspectos socioculturais nele presentes e os de sua cultura. Mas o que
estamos buscando é a autonomia desse novo leitor.
Compreendemos o leitor autônomo como aquele capaz de produzir algo coerente
quando lê um texto, capaz de dialogar e de trocar informações (como no caso da leitura de um
bilhete) com o texto lido (LEFFA, 1999). Por isso, quando o professor sugere um texto como
um bilhete, em sala de aula, o que se espera do aprendiz/leitor é que ele seja, entre outros
aspectos, capaz de refletir sobre o tipo de texto que está sendo lido. Isso porque, segundo
Bakhtin (1997), quando um indivíduo conhece as características de um texto pertencente a um
gênero discursivo qualquer, fica mais fácil visualizá-lo em sua completude, uma vez que já se
Slt, Antoine,
Jeanne a téléphoné pour te rappeler de la fête surprise
d’aujourd’hui.
N’oublie pas le cadeau de Jean.
bz,
Fran. 16 mai 2009
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encontra definido em sua mente. O professor deve estimular o leitor para que ele seja capaz
de reconhecer as marcas de cada gênero e, para isso, é preciso apresentar e analisar
diferentes exemplos de um mesmo gênero e a maior variedade de gêneros possíveis.
A Imagem 2 é um texto possível de ser apresentado em um primeiro momento em
sala de aula. A partir de sua observação, podemos analisar os movimentos retóricos de um
bilhete. Ao solicitarmos a leitura da imagem, podemos verificar as reações dos leitores, pelo
que são capazes de expressar a respeito do que entenderam do texto lido. É importante
ressaltar que os conceitos como o de gênero textual não são explicitados; temos como
objetivo formar o leitor e observar sua capacidade de fazer inferências e tirar conclusões.
Imagem 2
Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Xxxxx, xxxxxxx
Xxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxx xx xxx xxxx
xxxxxxx xxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxxxx
xxxxxx xxxxxx.
Xxxxxxx
Xxxxxxxxxxxxxxxxx
Se, em um primeiro momento, alguns leitores olham e dizem que não há nada para ser
lido, que não conseguem entender o que aquilo quer dizer, logo em seguida, com a leitura
sendo direcionada, questionados pelo professor sobre o formato daquele documento, muitos
percebem a semelhança com uma carta, outros com um bilhete e outros, ainda, são capazes
de fazer inferências sobre aquele documento.
O passo seguinte é de discussão entre aqueles que dizem estar com um bilhete em
mão e os que acreditam ser uma carta. Este momento é o de apresentação de argumentos que
comprovem cada uma das afirmações: carta ou bilhete. Uma discussão pode ser provocada
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sobre o que seria cada um desses documentos: suas características, suas semelhanças, suas
diferenças, no que diz respeito a sua função e sua estrutura. Procedendo desta forma, é
possível se chegar a uma conclusão.
No caso do documento em questão, os dois gêneros são aceitos como resposta,
porque as características neles identificadas se adéquam a ambos, diferenciando-se somente
em sua extensão, que se aproxima mais à de um bilhete, por conter um texto curto. Este é um
momento muito rico, pois desperta e desenvolve a capacidade de observar, analisar e refletir
sobre o objeto com o qual se está trabalhando, competências indispensáveis ao leitor
autônomo.
Com um bilhete em língua estrangeira como o da Imagem 1, os leitores são capazes de
inferir que Slt é uma saudação e que está abreviada, pois o gênero bilhete permite esse tipo de
código. É possível também reconhecer que a palavra mai, por estar no lugar referente ao da
data, pode ser o nome de um mês do ano e, através do conhecimento da língua materna,
perceber a proximidade das palavras, pois o Francês é uma língua com a mesma origem do
Português.
Se partimos da leitura dos aspectos sociolinguísticos, a leitura do código – a língua
propriamente dita – é facilitada. A decodificação, quando já se possui informações sobre o
texto e ferramentas para nela se lançar, será realizada com base em inferências que permitirão
a compreensão total ou parcial do texto.
Segundo Coscarelli (1996), a geração de inferências é um processo fundamental para a
leitura. Ela afirma que quem não faz inferências não lê e que, para se compreender um texto, é
preciso fazê-las, ou seja, é preciso que o leitor complete o texto com informações que não
estão nele explicitadas.
Se o leitor já tem algum conhecimento sobre o assunto tratado
no texto, será mais fácil para ele fazer inferências. Isto é, todo
texto tem algumas lacunas que devem ser preenchidas pelo
leitor. Essas lacunas são informações que o autor pressupõe
que o leitor já tenha e que, portanto, não precisam ser
mencionadas no texto já que o leitor pode adicioná-las a ele
(Coscarelli, 2002).
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Segundo Kleiman (2008), a leitura é um ato individual. Se acreditamos nisso, talvez
pudéssemos argumentar que ensinar a ler em sala de aula seria algo incoerente. No entanto, a
própria autora, quando trata de estratégias de leitura, explica que o ato individual se refere
apenas à “construção do significado num contexto em que se configura mediante a interação
entre autor e leitor, e que, portanto, será diferente, para cada leitor, dependendo de seus
conhecimentos, interesses e objetivos no momento.” (KLEIMAN, 2008:49)
Consideraríamos, então, o ensino de leitura incoerente, se trabalhássemos
privilegiando apenas uma leitura, normalmente a do livro didático e a dos materiais
disponibilizados pelos sites de FLE. Nesse tipo de trabalho, quando apenas uma voz é
considerada, o aluno é impedido de fazer inferências, de buscar recursos extratextuais,
linguísticos e sociais, pois o que vale normalmente é o que está escrito. Ou seja, adota-se uma
perspectiva meramente decodificadora, centrada no texto, com o leitor aprendiz assumindo
uma posição passiva.
No entanto, ainda segundo Kleiman (2008:49), o ensino de leitura deixa de ser
incoerente na escola, se for compreendido como o ensino de “estratégias de leitura, por uma
parte, e como o desenvolvimento das habilidades linguísticas que são características do bom
leitor, por outra.”
O código (língua) é também parte relevante no processo de compreensão, pois se lê e
se compreende a partir do que está escrito em determinado idioma. O conhecimento
linguístico é, portanto, um dos demandados na compreensão. Mas, para ir além da simples
decodificação, também é necessário interação com o conteúdo do texto e com as relações
estabelecidas entre suas partes.
Nosso contexto escolar não tem favorecido a delineação de objetivos específicos em
relação à atividade de leitura. Segundo Kleiman (2010), nesse contexto, a leitura é confusa e
difusa e, muitas vezes, serve como instrumento motivador para a confecção de um texto, para
a análise sintática e outras tarefas no ensino das Línguas. No caso específico dos professores
de FLE, o texto é quase sempre utilizado como mote para alguma atividade, seja um ponto
gramatical, seja um tema a ser desenvolvido por meio de fala ou escrita. Precisamos pensar,
então, em atividades de leitura que tenham como fim a leitura em si mesma.
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METODOLODIA
Nossa motivação surgiu pelo interesse em trabalhar com as Tecnologias da Informação
e da Comunicação (TICs) aplicadas ao ensino de Francês Língua Estrangeira (FLE). Em nossas
constantes buscas por material original e assuntos atuais para levarmos para nossa sala de
aula, tivemos contato com sites de aprendizado de FLE que oferecem a opção de trabalhar a
compreensão leitora. A partir daí começamos a nos perguntar porque sites que oferecem
material de compreensão leitora não costumavam oferecer atividades que envolvessem
habilidades relacionadas ao meio virtual. Neste momento, nos demos conta de que, na maioria
das vezes, apesar de sempre buscarmos esse tipo de atividade, quase nunca as utilizávamos
em nossas salas de aula. A partir daí percebemos que para respondermos à nossa pergunta de
pesquisa, deveríamos compreender quais são as abordagens de leitura oferecidas pelos sites
de FLE.
Ao procurar atividades que pudessem servir para a nossa prática pedagógica, notamos
que apesar de estarem disponíveis na rede, muitos sites se limitavam à leitura que poderia ser
feita em papel. Não era comum os sites se aproveitarem do meio para explorar as estratégias
de leitura dos leitores.
Todas as formas de escrita são espaciais, todas exigem um “lugar” em que a escrita se
inscreva/escreva, mas a cada tecnologia corresponde um espaço de escrita diferente. Nos
primórdios da história da escrita, o espaço de escrita foi a superfície de uma tabuinha de argila
ou madeira ou a superfície polida de uma pedra; mais tarde, foi a superfície interna
contínua de um rolo de papiro ou de pergaminho, que o escriba dividia em colunas;
finalmente, com a descoberta do códice, foi, e é, a superfície bem delimitada da página –
inicialmente de papiro, de pergaminho, finalmente a superfície branca da página de papel.
Atualmente, com a escrita digital, surge este novo espaço de escrita: a tela do computador
(SOARES, 2002:149).
Se existe um novo espaço para a escrita, é necessário utilizá-lo
também de maneira diferente para a leitura. Não queremos
com isso afirmar que os modelos de leitura em ambiente virtual
mudaram, pelo contrário. Nossa pesquisa trabalha com o
modelo interativo e justamente por isso acreditamos que o
lugar “rede” é uma excelente ferramenta para a interação.
Queremos compreender como o ambiente virtual com seus
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novos gêneros textuais pode influenciar a leitura. Ler nesse
novo lugar nos possibilita a navegação e a hipertextualidade –
característica essencial de textos on line. Sabemos que o
hipertexto existe no texto impresso, mas podemos aproveitar a
facilidade de transitar entre textos disponíveis nesse espaço
por meio de hiperlinks. Por isso, nosso outra questão que nos
levou à nossa pergunta de pesquisa é por que sites voltados
para o ensino de FLE e que priorizam a compreensão leitora
não desenvolvem atividades multimodais que explorem esse
novo espaço à disposição do ensino?
Para delimitar o nosso foco de pesquisa, primeiramente, foi necessário observar e
pesquisar sites de ensino/aprendizagem de FLE. Nosso objetivo era verificar que tipo de
trabalho esses sites ofereciam, como eram desenvolvidas as atividades de leitura e como esses
portais apresentavam a leitura mediada por computador.
RESULTADOS
A presente pesquisa teve como sua motivação inicial, inserir em nossa sala de aula
atividades que estivessem em meio virtual. Essa inserção tem uma razão: compreender como
formamos leitores autônomos com o avanço das TICs.
A utilização de Tecnologias da Informação em sala de aula ainda é algo muito recente,
por isso deve ser discutida e muitas questões ainda surgirão a respeito de sua adequação.
Compreendemos, ao longo da presente pesquisa, que a tecnologia não é a ferramenta que irá
transformar a Educação de uma vez por todas, mas acreditamos que, como ferramenta, é um
grande suporte para os professores. Consideramos, também, que a tecnologia surge para
atender a demandas dos usuários e acabam por influenciar reciprocamente em sua maneira de
estar no mundo. Nesse sentido, poderíamos concluir que ao favorecer o letramento dos
indivíduos no século XXI, provocando mudanças na sua forma de relacionar-se com a escrita e
a leitura, tais tecnologias acabariam por caracterizar-se como algo mais complexo que simples
ferramentas. Lavid (2005) adverte para o fato de que essas mudanças na forma de interagir
motivadas/favorecidas pelas TICs acabam elevando-as a um status mais amplo e complexo que
simples ferramentas. Consideramos isso relevante, pois, acreditamos que nossa relação com
instrumentos e ferramentas acaba por modificar nossa maneira de estar no mundo. Por
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exemplo, embora nenhuma seja melhor ou pior, a tecnologia da escrita modifica a forma como
as sociedades que a possuem se expressam, permitem o surgimento de novos gêneros, a
forma de articular a memória também se altera.
una de las ideas erróneas más extendidas sobre la utilización de los
ordenadores en las Humanidades es que éstos no son más que
herramientas. Se trata de una visión desdeñosa y simplista, según la
cual la intención y el propósito del usuario no se ven afectados al
utilizar la herramienta, como si el medio por el que se llega al
conocimiento no tuviera que ver con el conocimiento mismo. Si bien
es verdad que cuando no dominamos una herramienta, ésta se
convierte en un mero objeto, también es cierto que, cuando la
dominamos se convierte en una especie de protesis mental, un agente
de la percepción y un instrumento del pensamiento.1(LAVID, 2005:40)
Contudo, para que obtenhamos sucesso nas propostas pedagógicas, é necessário ter em
mente que ainda há um trajeto a ser percorrido no que tange a formação dos professores. É
preciso repensar as práticas pedagógicas porque, para utilizar as tecnologias digitais, deve-se
superar as práticas de cópia e repetição às quais os professores “imigrantes digitais” (PRENSKY,
2001) foram apresentados e nas que foram formados.
Além desse fator, há ainda os problemas referentes à utilização dos computadores: a
falta de máquinas suficiente para atender a todos os alunos, a disponibilidade de rede para
que os alunos possam navegar simultaneamente e, por último, a efemeridade dos conteúdos
disponibilizados na internet.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. A Estética da Criação Verbal.São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
1 A autora coloca a seguinte nota após o termo "protesis mental": Seguimos a W McCarty (1993)
en su utilización de ese término con el significado griego de "adición" del que proviene etimológicamente,
más que en el sentido técnico-quirúrgico de un sustituto artificial para una parte del cuerpo que falta o es
deficiente.
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