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  • 8/6/2019 a formao do professor

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    Marisa Lajolo*

    A Formao do Professore a Literatura Infanto-Juvenil

    Hoje no h que fiar em maas, pobres ou ricas. Todas elas sabem mais do

    que ns outros. Lem Zol, estudam anatomia humana e tomam cerveja noscafs. Ento as tais normalistas, benza-as Deus, so verdadeiras doutoras

    de borla e capelo em negcio de namoros. Sei de uma que foi encontrada pelo

    professor de histria natural a debuxar um gradssimo halo com ocos os seus

    petrechos.**

    A escola normal! Na opinio do Silveira, as normalistas pintam o bode, e o

    Silveira conhece instruo pblica nas pontas dos dedos, at compe

    regulamentos. As moas aprendem muito na escola normal. ( ... ) Mulher de

    escola normal! O Silveira me linha prevenido, indiretamente. Agora era

    agentaras conseqncias da topada, para no ser besta.***

    A questo proposta pelo tema de hoje pode ser encaminhada como particularizao de uma questo

    maior, qual seja, a da formao do professor de lngua materna. Pois o problema da literatura

    infanto-juvenil se que um problema talvez seja mera representao contempornea de uma

    crise muito maior e muito mais antiga: faz tempo que no se sabe qual a formao necessria ao

    professor de lngua materna. E no se sabe form-lo porque tambm no se sabe o que ele deve

    formar, isto , no se tem claro qual a funo da escola no que se refere competncia lingstica

    que o aluno deve dominar ao abandonar os bancos escolares.

    E nesses sofridos dias que vivemos hoje, tempo frtil de discusses como a que nos rene aqui, o

    assunto est embaralhadssimo. Circulam com sucesso, crenas corno a de que o professor no

    * Professora do Depto. de Teoria Literria da Unicamp, escreveu, entre outras obras, O que Literatura e Um Brasil

    para Crianas, este em co-autoria com Regina ZILBERMAN.

    ** CAMINHA, Adolfo. A normalista. So Paulo Ed. tica, 1985, p. 55/56.

    *** RAMOS, Graciliano. So Bernardo. Rio de Janeiro/So Paulo, Record. Martins, 24. ed., 1975.

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    deve corrigir o texto dos alunos, que ele deve deixar o aluno escrever como fala, que a escola

    deve respeitar o dialeto do aluno e outras similares afirmaes. E todas e cada uma, tomadas

    fora do contexto onde foram formuladas, e aplicadas a toque de caixa em atividades que variam

    de exerccios propostos por livros escolares ou metodologias desenvolvidas em cursos-

    relmpago, ficam fora do lugar.

    So, por um lado, insuficientes para romper o autoritarismo compacto do aparelho escolar. E,

    por outro, so inadequadas para satisfazer as expectativas que a comunidade alimenta em faceda escola*.

    No estou, evidentemente, propondo o retorno s listas de verbos e plurais irregulares, nem a

    volta s redaes do tipo Uma Lgrima ao Cair da Tarde... O que estou sugerindo que a

    rapidez com que o ensino da Lngua Portuguesa se desvencilhou de tais prticas e absorveu

    outras, por ter ocorrido no bojo de um movimento maior de projetos democrticos gorados,

    pode ter travestido de populismo o que, na origem, era autntica vontade democrtica. Hoje os

    tempos so outros. Menos eufricos e mais amadurecidos, podemos, na colheita dos primeiros

    resultados e das primeiras perplexidades, tentar corrigir os rumos. Para resgatar, no novo

    percurso, o j tantas vezes adiado projeto democrtico brasileiro.

    Nesse sentido, e com estes objetivos, a primeira providncia a insero, na histria, das questes

    educacionais brasileiras. Inclusive de questes como a que hoje nos rene: o que a histria nos

    mostra a respeito da formao do professor e a literatura infanto-juvenil? Qual a histria da

    formao do professor e da literatura infanto-juvenil brasileira na tradio educacional

    brasileira?

    Se as epgrafes do conta de um certo olhar malicioso que encarava desconfiadamente as

    normalistas, outros textos do conta de outros modos de ser da prtica educacional brasileira

    que, por no serem to desencontrados com o nosso aqui e agora muito ao contrrio, por

    serem dolorosamente atualssimos vo dar uma espessura histrica ao modo de ser da

    prtica educacional brasileira que vivenciamos hoje.

    O primeiro data de 1835 e compara a poltica educacional brasileira com a dos pases vizinhos

    da Amrica:

    "Os brasileiros comearam por onde deviam acabar, trataram das cincias maiores, sem cuidar da

    instruo primria. Bolvar, pelo contrrio, antes de reformar as universidades (... ) convidou ao clebre

    Jos Lancaster para (... ) estabelecer (... ) uma escola normal, e divulgar o seu mtodo de ensino mtuo,

    fazendo-lhe presente de 20 mil pesos (24 contos de ris) do seu prprio peclio para gastos de viagem,

    e oferecendo-lhe um grande subsidio durante sua residncia. (... ) Deix[ou] um viveiro em toda a

    repblica, de muitos homens aptos a divulgar a instruo elementar ( ... )

    Digamos agora o que se tem feito no Brasil a este respeito? Terras muitos advogados, muitssimos

    cirurgies, e muito mais aspirantes a lugares na magistratura, e, sem embargo, todos os dias

    pedimos a Deus, nos livre que a nossa honra, a nossa vida, a nossa fazenda, passem por

    semelhantes mos.

    * SOARES, Magda B. "As condies sociais da leitura: uma reflexo em contraponto" apud ZILBERMAN, R. & da

    SILVA, E. Theodoro (orgs.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. So Paulo, Ed. tica, 1988.

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    A classe mais til, a classe mais interessante, aquela que constitui o Estado, jaz toda na mais completa

    ignorncia; queremos cadeiras e mais cadeiras, cursos e mais cursos, prebendas e mais prebendas, e

    no temos uma escola normal (... ),"*

    Outro documento, agora de 1863/64, sublinha o descaso pelo ensino da lngua materna e pela

    leitura, e alude baixa remunerao do magistrio:

    "Um pai, ao levar seu filho ao colgio, recomenda que no se gaste tempo com o estudo de Portugus

    que talos sabem; que estude o Francs e o Latim; porque lhe disseram que a gramtica portuguesa

    estuda-se na Latina. (... ) O menino escrever em portugus, sim; mas no portugus que aprendeu com

    sua ama; concordar o verbo do singular com o sujeito do plural, e cometer os maiores disparates. (... )

    Como exigir que o pais se honre com larga cpia de brilhantes escritores se a matria-prima de toda

    arte de escrever, o ptrio idioma, lhes foi negada pela prpria sociedade que injustamente lhes reclama

    o fruto de uma semente que ela no lanou terra? (... ) Exija-se, pois, o estudo da Lngua Portuguesa,

    familiarizem-se os alunos com o correto dizer dos que bem falaram e escreveram a lngua e teremos

    removido uma grande dificuldade. "**

    ". . . quais so os homens que entre ns se ocupam do magistrio? Ou antes: este entre ns urna

    profisso? No! Nenhum homem que dispe de um certo cabedal de conhecimentos deixa ocupaes

    muitssimo mais vantajosas para se dar a uma vida inglria e penosa, a um sacerdcio todo de

    abnegao, como o magistrio."***

    Outro texto, um fragmento do prefcio de um livro escolar editado em 1870, endossa as crticas ao

    ensino da leitura e da lngua materna, sublinhando a inexistncia de material didtico adequado:

    ... a maior parte dos meninos aprendem a ler sem livros, servindo-se principalmente nas localidades

    centrais ou pouco considerveis, das cartilhas do Pe. Incio, de bilhetes e cartas (s vezes, oh Deus.!

    com que letra e ortografia!) ou de gazetas que seus pais lhes fornecem, ou de velhos autos, pelo comum

    indecifrveis, que os prprios mestres alcanam dos tabelies do lugar.!

    E no por al que os nossos meninos, geralmente falando, saem das escolas aos 13 e 14 anos de

    idade no mais lastimoso estaco de ignorncia, sem o hbito de pensarem, e sem ligarem o mnimo

    valor ao que lem."****

    Vem de 1878/79 um ltimo testemunho: o fragmento de uma carta, na qual o autor de uma

    cartilha portuguesa sugere medidas para, com a adoo de sua cartilha, serem sanados os

    problemas educacionais brasileiros ( ! ):

    Eu tenho um Mtodo como sabes, que na edio para o Brasil dedico ao chefe desse estado. J esta

    circunstncia pedia da parte de teus compatriotas alguma ateno comigo. Ora a isso acresce a

    singular reputao do Mtodo e sendo tu o que s na repartio da Instruo Pblica dessa provncia e

    meu amigo, devias-te lembrar de mim e de ti e desse pblico a quem tal Mtodo tanto podia utilizar.Faz tu o que eu faria no teu lugar e j te indiquei. Envia a um homem de letras ou reconhecidamente

    competente a tornar conhecimento deste processo de ensino, que as despesas bem cabem nas foras

    da provncia, e depois vers que todos abenoaro a despesa e a misso (... )

    * ABREU & LIMA, Bosquejo histrico, poltico e literrio do Brasil ou anlise criticado projeto do Dr. A. F. Frana, Niteri, 1835, p. 72.

    ** FRAZO, Manuel Jos Pereira. Cartas do professor da roa. Typ. Paula Brito. 1863/1864, pp. 17/18119/22.

    *** Idem, bidem, p. 31.

    **** BORGES, Ablio Csar.Terceiro livro de leitura para uso da infncia brasileira. s./ed, imp. Bruxelas, 1870.

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    Fazes um bom servio pblico. Doe-te destas crianas atormentadas pela ignorncia (... ) e pelo

    caminho onde levaram a ti e a mim na leitura e na escrita, o mestre um demnio que nos inspira

    horror e a escola um verdadeiro inferno. D'a tambm os milhes de analfabetos que l h de haver,

    como ainda c. De modo que o amor dos homens e o amor do progresso te convida a este empenho, e

    estou que em tu querendo, facilmente conseguirs a resoluo de todos."*

    Isto posto, fica claro que no estamos sozinhos, que somos herdeiros de uma tradio educacional

    pobre e improvisada (a qual precisa ser o contexto de qualquer avaliao do que se tem feito ou ditoat agora), arrisco-me a estabelecer algumas hipteses que, na forma antiptica de pr-requisitos

    para o professor de Lngua Portuguesa, podem mapear o terreno, sugerindo alguns dos contedos

    essenciais sua formao.

    O professor de Lngua Portuguesa deve dispor de uma noo ampla de linguagem, que inclua seus

    aspectos sociais, psicolgicos, biolgicos, antropolgicos e polticos. Ele deve estar familiarizado e ser

    usurio competente da modalidade culta da Lngua Portuguesa. Deve, nesse sentido, ser uma

    espcie de poliglota: precisa dominar competentemente vrias modalidades de linguagem de forma

    que, se disser nis vai e se escrever paarinho, ir faz-lo por opo consciente e no por hbito nem

    por falta de outras opes.

    O professor de lngua materna no Brasil deve estar familiarizado com uma leitura bastante extensa

    da Literatura Brasileira e da Portuguesa. Freqentador assduo dos clssicos, sua opo pelos

    contemporneos, pelas crnicas curtas ou pelos textos infantis deve ser, quando for o caso, mera

    preferncia. Em outras palavras: o professor de Portugus pode no gostar de CAMES nem de

    Machado de ASSIS. Mas deve conhec-los, entend-los e ser capaz de explic-los.

    O professor de Lngua Portuguesa deve estar, sobretudo, familiarizado com a histria do ensino da

    Lngua Portuguesa no Brasil, com a histria da alfabetizao, da leitura e da literatura na escola

    brasileira. Pois s assim poder perceber-se num processo que no comea nem se encerra em si, e

    poder, no mesmo gesto, tanto dar sentido aos esforos dos que o precederam, como ainda sinalizar

    um pouco o caminho dos que o sucedero.

    No que respeita especificamente literatura infanto-juvenil, no me parece que a incluso desta

    disciplina em qualquer currculo comprometido com a formao de professores de qualquer grau

    seja, isoladamente, uma soluo. No h varinhas de condo, muito embora, recentemente, a

    literatura infantil (talvez por falar tanto de fadas ... ) parea querer atribuir-se a funo de resolver

    os problemas de leitura da escola brasileira.

    A incluso desta disciplina, tanto no currculo que forma professores de primeiro grau, quanto no

    currculo de Letras que habilita para o magistrio de segundo grau, embora no v produzir efeitos

    miraculosos, parece-me, entretanto, necessria. Talvez mais do que isso: indispensvel, nem que

    seja para, no trivial dos currculos, perder sua indevida aura de varinha de condo, e adquirir o

    perfil prosaico de estudo especfico de um ramo da produo cultural.

    Para que a incluso da literatura infanto-juvenil em currculos escolares cumpra eficientemente a

    misso em nome da qual ela dever passar a fazer parte de tais currculos, outros pr-requisitos se

    fazem necessrios.

    essencial, por exemplo, que se compreenda que a literatura infanto-juvenil um produto tardio

    da pedagogia escolar: que ela no existiu desde sempre, e que s se tornou uma necessidade (e

    * DEUS, Joo de.

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    teve, portanto, condies de emergir como gnero) no momento em que a sociedade (atravs da

    escola) necessitou dela para burilar e fazer cintilar, nas dobras da persuaso retrica e no

    cristal das sonoridades poticas, as lies de moral e bons costumes que, pelas mos de

    PERRAULT, as crianas do mundo moderno comearam a aprender.

    tambm fundamental que se entenda que a noo de criana altera-se com o tempo: a

    criana da qual falava ROUSSEAU no a mesma para a qual escrevia PERRUALT; esta, por

    sua vez, no a criana para a qual Edmond de AMICIS escreveu Cuore; a qual, a seu turno, diferente do pimpolho para o qual COLLODI escreveu Pinnochio, e assim indefinidamente, como

    na Quadrilha de DRUMMOND, onde Joo amava Tereza que amava Raimundo que amava

    Maria que amava Joaquim que amava Lili ... numa eterna ciranda de desencontro.

    Transpondo esta noo de criana como noo histrica para o panorama verde-amarelo da

    infncia brasileira e dos livros a ela destinados, cumpre ao professor de Lngua Portuguesa

    entender que a criana que JANSEN tinha em mente ao traduzir clssicos infantis para a

    editora Laemmert era diferente, por exemplo, da criana para a qual Olavo BILAC comps suas

    Poesias Infantis; esta, por sua vez, no se confundia com a criana para a qual Monteiro

    LOBATO criou o Stio do Picapau Amarelo, e nenhuma delas, com a criana para a qual

    Francisco MARINS escreveu a saga deTaquara Poca, a qual tambm no se confunde com acriana que l e se identifica com O Gnio do Crime, de Joo Carlos MARINHO.

    Assumir a noo de infncia como uma construo histrica tem seu preo: o troco dele

    perceber que a noo de criana que, para todos os efeitos prticos, tm os educadores de cada

    poca, tem tanto ou nada a ver com pimpolhos de carne e osso quanto os raios de sol tm a ver

    com as formulaes dos fsicos sobre a luz: importa que ambas funcionem, isto , produzam os

    resultados esperados quando transformadas em premissas. Como funcionaram, cada uma a

    seu tempo, as imagens de criana que a literatura infantil brasileira assumiu e ps em

    circulao ao longo de sua constituio enquanto sistema.

    Assim inscritas na histria, as formulaes apressadas que fazem das crianas anjos ouanimais comeam a mostrar o percurso de construo de tais formulaes, para as quais muito

    contriburam disciplinas diversas, como a Pedagogia e a Psicanlise (para ficarmos s na letra

    P). E, se verdade que o educador no precisa acreditar em nenhuma delas, precisa conhec-

    las todas para posicionar-se frente a elas, discuti-Ias sempre, de forma a poder reconhecer com

    transparncia quando uma ou outra se manifesta nas entrelinhas de propostas de

    alfabetizao, ou projetos de leitura.

    Liquidada a criana, falta ainda liquidar o jovem (metaforicamente falando, claro ... ), conceito

    ao qual cabem as mesmas consideraes. Por que literatura infanto-juvenil? Melhor dizendo: o

    que separa a literatura infantil da juvenil? precisa perguntar-se de vez em quando o

    professor, depois, claro, de perguntar-se o que que caracteriza um texto como literatura,outro como literatura infantil, e outro como literatura juvenil.

    De novo, a resposta aponta para construes.

    Tanto a criana qual se destina a literatura infantil uma construo, quanto o jovem ao

    qual se destina a literatura juvenil outra construo, igualmente social. E, corno construo

    social resultante, tanto o infantil de uma quanto o juvenil de outra so conceitos mveis: o que

    literatura infantil,para um determinado contexto, pode ser juvenil para outro, e vice-versa,

    infinitamente, incluindo-se, na espiral, tambm a literatura sem adjetivos.

    So estas as hipteses de que disponho, e nas quais aporto. At que outras, mais verossmeis a

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    seu tempo, entrem na dana. Pois leitura, literatura, educao e educadores so conceitos,

    noes e constructos assustadoramente provisrios. De cuja provisoriedade, inclusive, se

    constri sua estabilidade, sua natureza, sua maneira de ser. E a aprendizagem disso muito

    semelhante aprendizagem de que nos fala Herberto HELDER, no texto que tomo para

    encerrar minha fala:

    "Era uma vez um pintor que tinha um aqurio e, dentro do aqurio, um peixe encamado. Vivia o

    peixe tranqilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura comeou atornar-se negro a partir- digamos de dentro. Era um n negro por detrs da cor vermelha e que,

    insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do

    aqurio, o pintor assistia, surpreendido, chegada do novo peixe.

    O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a

    aparecer o vermelho de seu peixe, no sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe

    ensinava. Assim, os elementos do problema constituam-se na prpria observao dos fatos e

    punham-se por uma ordem, a saber. 1o peixe, cor vermelha, pintor em que a cor vermelha era o

    nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, atravs do pintor, 2o peixe, cor preta, pintor em que a

    cor preta formava a insdia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.

    Ao meditar acerca das razes por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o

    pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, l de dentro do aqurio, o peixe, realizando o

    seu nmero de prestidigitao, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange

    tanto o mundo das coisas, como o da imaginao. Essa lei seria a metamorfose. Compreenda a

    nova espcie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo."*

    E o texto de Herberto HELDER, como espelho, nos mostra que somos, ao mesmo tempo, o

    peixe, o pintor e o quadro ...

    HELDER, Herberto. Vocao animal. Publ. D. Quixote. Lisboa. 1971, p. 11/12.

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