A formação de professoras primárias na Escola Complementar: uma leitura a partir de Pierre...

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Prof. Ms. Pedro Leopoldino Ferreira Filho Reitor Prof. Dr. Luís de Sousa Santos Júnior Vice-Reitor Prof. Dr. Rômulo José Vieira Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Ms. Eudóxio Soares Lima Verde Diretor do Centro de Ciências da Educação Prof. Dr. Luís Carlos Sales Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho Editor COMITÊ EDITORIAL Prof. Dr. Ademir Damásio – Universidade do Extremo Sul Catarinense Prof. Dr. Ademir José Rosso – Universidade Estadual de Ponta Grossa Profa. Dra. Anna Maria Piussi – Università di Verona – Itália Profa. Dra. Diomar das Graças Motta – Universidade Federal do Maranhão Prof. Dr. Francis Mussa Boakari – Universidade do Texas – USA Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque – Universidade Federal do Ceará Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura – Universidade de São Paulo Profa. Dra. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza – F.E – Universidade de São Paulo Profa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – Universidade Federal do Piauí Profa. Dra. Maria do Carmo Alves do Bomfim – Universidade Federal do Piauí Profa. Dra. Maria Jurací Maia Cavalcante – Universidade Federal do Ceará Profa. Dra. Maria Salonilde Ferreira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte Profa. Dra. Marília Pinto de Carvalho – Universidade de São Paulo Profa. Dra. Mariná Holzmman Ribas – Universidade Estadual de Ponta Grossa Profa. Dra. Marlene Araújo de Carvalho – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Paulo Rômulo de Oliveira Frota – Universidade do Extremo Sul Catarinense Capa: Diagramação Francisco Edmar de Oliveira José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho Luís Carlos Sales LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE - ISSN – 1518-0743 – é a Revista de divul- gação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí. Publica preferencialmente, resultados de pesquisas originais ou revisões bibliográficas desenvolvidas pelo(s) autor(es) em Educação e área afins. Universidade Federal do Piauí Centro de Ciências Da Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Campus Min. Petrônio Portela - Ininga 64.040-730 Teresina – Piauí Fone: 237-1234 E-Mail: [email protected] Web: <http:www.ufpi.br>

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Prof. Ms. Pedro Leopoldino Ferreira FilhoReitor

Prof. Dr. Luís de Sousa Santos JúniorVice-Reitor

Prof. Dr. Rômulo José VieiraPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Prof. Ms. Eudóxio Soares Lima VerdeDiretor do Centro de Ciências da Educação

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COMITÊ EDITORIAL

Prof. Dr. Ademir Damásio – Universidade do Extremo Sul CatarinenseProf. Dr. Ademir José Rosso – Universidade Estadual de Ponta Grossa

Profa. Dra. Anna Maria Piussi – Università di Verona – ItáliaProfa. Dra. Diomar das Graças Motta – Universidade Federal do Maranhão

Prof. Dr. Francis Mussa Boakari – Universidade do Texas – USAProf. Dr. Luiz Botelho Albuquerque – Universidade Federal do CearáProf. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura – Universidade de São Paulo

Profa. Dra. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza – F.E – Universidade de São PauloProfa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – Universidade Federal do Piauí

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Profa. Dra. Mariná Holzmman Ribas – Universidade Estadual de Ponta GrossaProfa. Dra. Marlene Araújo de Carvalho – Universidade Federal do Piauí

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Capa:

DiagramaçãoFrancisco Edmar de Oliveira

José Augusto de Carvalho Mendes SobrinhoLuís Carlos Sales

LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE - ISSN – 1518-0743 – é a Revista de divul-gação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educaçãoda Universidade Federal do Piauí. Publica preferencialmente, resultados de pesquisas originais ourevisões bibliográficas desenvolvidas pelo(s) autor(es) em Educação e área afins.

Universidade Federal do PiauíCentro de Ciências Da Educação

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Universidade Federal do Piauí

Linguagens, Educação e SociedadeRevista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI

ISSN 1518-0743

Linguagens, Educação e Sociedade Teresina n.10 1-82 jan./jun.2004

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Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina,n.10, jan./jun.2004 3

Linguagens, Educação e Sociedade: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educa-ção da UFPI/Universidade Federal do Piauí/Centro de Ciências da Educação – n.10,(2004) –Teresina: EDUFPI, 2004 – 82 p.

SemestralISSN1518-07431. Educação – PeriódicoCDD 370.5I. Universidade Federal do PiauíCDU 37(5)

Indexada em:EDUBASE – Faculdade de Educação / Unicamp.

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– A formação de professoras primárias na Escola Complementar: uma leitura a partir dePierre Bourdieu e da História da Educação

• Rosimar Serena Siqueira Esquinsani, Flávia Obino Correa Werle, Salete Campos deMoraes, Adalberto da Rocha Heck e Luciana Storck de Melo Auzani ........................ 5

– A psicopedagogia e as dificuldades de aprendizagem em Ciências Naturais• André Valdir Zunino ..................................................................................................... 10

– (Com)Partilhando o Sentido de ser Pesquisador-Iniciante no Curso de Pedagogia• Geida Maria Cavalcanti de Sousa ................................................................................ 20

– O construtivismo entre os professores do ensino fundamental: um discurso ancorado• Cleânia de Sales Silva .................................................................................................. 27

– L’acqua la insegna la sete, l’impresa l’amore. Idee ed esperienze di formazione comepratica politica vista dall’Europa

• Antonia De Vita ............................................................................................................ 35

– Capoeira e currículo: uma reflexão sobre as contribuições da capoeira nofortalecimento das identidades de alunos de escolas públicas.

• Robson Carlos da Silva e Marlene Araújo de Carvalho ............................................... 43

– Idéias e temporalidades: a educação e o ensino nas visões do Durkheim e Marx• Olivette Rufino Borges Prado Aguiar .......................................................................... 56

– A pesquisa tematizando a prática na formação inicial de professores• Eliete Silva Meireles .................................................................................................... 67

– Resenha: A autonomia de professores (José Domingos Contreras)• José Adersino Alves Moura .......................................................................................... 78

– Endereço dos autores dos trabalhos constantes neste número...................................... 81

– Instruções para o envio de trabalhos ............................................................................ 82

LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE SUMÁRIO

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A presente investigação6 tem como ob-jetivo construir elementos para a compreen-são da ética da conformidade (BOURDIEU,1979, p.48) à ordem social e aos símbolos eritmos do grupo como força de formação, ain-da presentes nas memórias de mulheres, pro-

A FORMAÇÃO DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS NA ESCOLACOMPLEMENTAR: UMA LEITURA A PARTIR DE PIERRE

BOURDIEU E DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani1Flávia Obino Correa Werle2

Salete Campos de Moraes3

Adalberto da Rocha Heck4

Luciana Storck de Melo Auzani5

RESUMO:

A partir de uma base teórica assentada em Pierre Bourdieu, a pre-sente investigação tem como objetivo construir elementos para acompreensão da ética da conformidade (BOURDIEU, 1979) à or-dem social e aos símbolos e ritmos do grupo como força formação,ainda presentes nas memórias de mulheres, professoras primáriasformadas pela escola Complementar. A base empírica, constituídade depoimentos orais de senhoras, ex-complementaristas do Colé-gio São José, de São Leopoldo, serve como campo de análise parao entendimento de como estas mulheres formadas, carregaram con-sigo a marca da sujeição a ordem social e o sentimento depertencimento ao grupo, regulador de idéias, vontades e sentimen-tos. O agir de acordo com a ordem social, “...que se confunde com aordem do mundo” (1979, p. 48), passou para o imaginário destasmulheres comosinônimode realizaçãopessoal e sobretudoprofissio-nal, ditando a forma como as mesmas encarariam, por todo o seupercurso, a si mesmas e a função de professoras.

Palavras-Chave: Formação de Professores, História da Educação,EscolaComplementar

ABSTRACT:

Froma seated theoretical base inPierreBourdieu, thepresent inquiryhas as objective to construct to elements for the understanding ofthe ethics of conformity (BOURDIEU,1979) to the social order andthe symbols and rhythmsof the group as force formation, still gifts inthe memories of women, primary teachers formed by theComplementary school. The empirical base, constituted of verbaldepositions of ladies, former-complementaristas of the College SãoJose, of São Leopoldo City, serves as field of analysis for theagreement of as these women formed, had loaded obtain the markof the subjection the social order and the feeling of belonging to thegroup, regulator of ideas, wills and feelings. Acting in accordancewith thesocialorder,“... that it is confusedwith theorderof theworld”(1979, p. 48), it passed to the imaginary one of these women assynonymous of personal and over all professional accomplishment,dictating the form as the same ones would face, for all its passage,itself same and the function of teachers.

Keywords: Teacher preparation, Complementary School,HistoryoftheEducation.

• Recebido: maio de 2004• Aceito: junhode20041 Mestre em Educação, doutoranda do ProgramadePós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOS, professora da Univer-

sidade Estadual do Rio Grande do Sul / UERGS e da Universidade de Caxias do Sul / UCS.2 Doutora em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOS e coordenadora do

projeto Escola Complementar: Práticas e Instituições.3 Mestre emEducação,doutorandadoProgramadePós-GraduaçãoemEducaçãodaUniversidadedo ValedoRiodosSinos/UNISINOS,professoradaPontifícia

UniversidadeCatólica doRioGrandedoSul /PUCRS.4 Especialista em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS e Pós-graduado em Planejamento Urbano pela Universidade de Dortmund, Instituto de Planeja-

mento Urbano / Alemanha, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOS e professor daUniversidadedoValedoRiodosSinos/UNISINOS.

5 Mestre em Educação, professora do Colégio São José, de São Leopoldo.6 Este texto foidesenvolvidocomoPráticadePesquisa, dentrodoProgramadePós-GraduaçãoemEducaçãodaUniversidadedoValedoRiodosSinos/UNISINOS,

sendopartedeumprojetomaior, chamadoEscolaComplementar:Práticas e Instituições, apoiadopelaFapergs e coordenadopelaProfa.Dra.FláviaObinoCorrêaWerle, com a participação das bolsistas de iniciação científica Elaine Engelmann (pibic) e Tatiane Kovlaski Martins (Fapergs). O citado projeto estuda as escolascomplementares que se desenvolveram no Rio Grande do Sul, entre 1906 e 1946. Nos anos quarenta do século XX, havia no estado, 25 escolas de formação deprofessores sendo seteoficiais, quinzeparticulares e três rurais. Para a investigação, foramescolhidas três instituiçõesprivadas vinculadas, aindahoje, à formaçãodeprofessores: os Colégios Sevigné e Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, de Porto Alegre, e o Colégio São José, de São Leopoldo.

fessoras primárias formadas pela escola Com-plementar.

Abase empírica que fornece argumentospara as aproximações teóricas aqui encetadas,é constituída de depoimentos orais de senho-ras, ex-complementaristas do Colégio São José,

Linguagens, Educação e Sociedade Teresina n.10 5 - 9 jan./jun.2004

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de São Leopoldo, e serve como campo de aná-lise para o entendimento de como estas mulhe-res, formadas e formadoras, carregaram consi-go a marca da sujeição a ordem social e o sen-timento de pertencimento ao grupo,normatizador de idéias, vontades e sentimen-tos. O agir de acordo com a ordem social, “[...]que se confunde com a ordem do mundo”(BOURDIEU, 1979, p. 48), passou para oimaginário destas mulheres como sinônimode realização pessoal e sobretudo profissional,ditando a forma como as mesmas encarariam,por todo o seu percurso, a si mesmas e a fun-ção da docência.

Desta forma, o texto discute acerca deeventos de formação, ou episódios memoriza-dos a partir do processo de formação das refe-ridas senhoras como professoras primárias, ca-racterísticos da já mencionada ética da confor-midade.

O acesso a tais eventos se dá pelo traba-lho com a memória das mesmas, a partir dapesquisa com fontes orais, considerando que “a memória é, por excelência, o trabalho queorganiza, busca, junta, rejunta, cola, desmon-ta, dando uma configuração às imagens quedesenham novas subjetividades” (OLIVEIRA,2000, p. 16).

Da mesma maneira que acessar o modocomo “[...] cada pessoa se forma, como a suasubjetividade é produzida, permite-nos conhe-cer a singularidade da sua história, o modo sin-gular como age, reage e interage com os seuscontextos” (OLIVEIRA, 2000, p.17).

Assim, “[...] pensar a formação profissi-onal passa [...] necessariamente, por conside-rar a condição humana em sua processualidade,isto é, como sujeitos subjetivados no interiorde práticas coletivas, institucionais e sociais”(PEREIRA, 2000, p.93).

Isto significa que trabalhar com profes-sores e sua formação é, em qualquer tempo,trabalhar com um contexto muito anterior aprática em si, ao dia a dia, à vida funcional. Élevar em conta o período de formação, de “for-mar para ação”, e o período ainda anterior aeste, a história de vida de cada um dos sujei-tos, o que os trouxe, em última instância, a pre-paração para e ao exercício do magistério.

Segundo as palavras de Catani,

[...] as concepções sobre as práticas docentes nãose formam a partir do momento em que os alunose professores entram em contato com as teoriaspedagógicas, mas encontram-se enraizadas emcontextos e histórias individuais que antecedem,até mesmo, a entrada deles na escola, estendendo-se a partir daí por todo o percurso de vida escolare profissional (1997, p.34).

Neste sentido, a formação destas senho-ras dentro do Curso Complementar édeterminante para jogar uma luz sobre a práti-ca docente das mesmas “pela vida afora”, con-siderando os condicionantes da instituição, dossímbolos, dos ritos e da grupalidade.

Em sua obra O Desencantamento do Mun-do, Bourdieu vincula como imperativo funda-mental da chamada ética da conformidade, o res-peito aos ritmos temporais (1979, p.48), assim,“conformar-se com a ordem social é primordi-almente respeitar os ritmos, acompanhar a me-dida, não andar fora do tempo. Pertencer ao gru-po, significa ter o mesmo momento do dia e doano, o mesmo comportamento de todos os ou-tros membros do grupo” (1979, p. 47-48).

O não andar fora do tempo como sinôni-mo de pertencer a um dado grupo acaba porcodificar, naturalizando sentimentos como aamizade, pela lógica do convívio. Assim, umgrupo de ex-complementaristas do Colégio SãoJosé de São Leopoldo, para explicarem porqueteriam tornado-se “tão amigas”, - inclusive anosmais tarde tendo a iniciativa de fundação daassociação das ex-alunas da instituição -, con-tam o seguinte:

(Entrevista 03, sujeito G): Então nós morávamosnove meses juntas. Porque depois nós tínhamostrês meses de férias. Então isso que nasce essaamizade grande.(Entrevista 03, sujeito T): Dormitório, Capela, Re-feitório, recreio, aula, estudo, tudo junto.(Entrevista 03, sujeito G): Tudo junto.(Entrevista 03, sujeito T): Tudo, aquelas filas enor-mes, aquela escadaria que não tinha fim. Vamospra rouparia? Todo mundo junto. Vamos pro re-creio? Todo mundo junto. Então a gente estavanaquela sempre. E a gente tinha naturalmente osgrupos, não é, pra hora do recreio, pra gente con-versar, pra gente caminhar. Então isso nos acostu-mou mesmo, sabe, foi um convívio assim que nosdeixou muito ligadas, muito unidas. E eu tenho as-sim do São José a mais grata lembrança.

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Desta forma, “a ordem social é antes demais nada, um ritmo, um tempo” (1979, p. 47).A infração desta ordem é vista a partir doparâmetro do agir contra os ritmos do grupo,contra o tempo, e dentro desta premissa, “agircontra o tempo não é somente infringir umimperativo que interdiz de singularizar-se, étransgredir o imperativo que impõe que a gen-te se conforme a uma ordem social que se con-funde com a ordem do mundo” (1979, p. 48).

E o agir de acordo com a ordem socialpassou para o imaginário destas senhoras comosinônimo de realização pessoal e coletiva. Osentimento de pertencer, de estar incluída emum grupo naturalmente “vencedor”. Outra se-nhora, ex-complementarista do São José, re-vela que

[...] sabe, tem turmas que marcam, e o ColégioSão José de São Leopoldo, foi tudo na minha vida,por isso eu não [...], todos os outros cursos que eufiz de extensão universitária, curso de psicologiaque eu fiz uns dezoito aqui em Montenegro, vãoser de caráter universitário de terceiro grau nadadisso conta, pra mim só conta o Curso Comple-mentar, que eu fiz, me formei e dele é que eu vivia vida inteira (Entrevista 06).

O fato de “só” contar para a entrevistadao Curso Complementar em destaque, mas terestudado no Colégio São José de modo geralestá, está diretamente ligado a forma como estasenhora vê tanto a um quanto ao outro, comosinônimos de uma dada ordem social a qualela se enxerga como pertencente ou quer per-tencer, mesmo depois de tanto tempo passado,

Ele [Colégio São José] me deu o direito de ser, emqualquer escola onde eu estava, um destaque, sem-pre fui destaque, por causa do curso que eu recebi.O Curso Complementar, era dirigido pela Irmã [...],uma alemã, cor nobre e a diretora da escola era aIrmã [...]. Essas duas personalidades juntas, elas for-maram, assim, acho que dezenas, dezenas de profes-soras, que por todo esse Rio Grande do Sul, é doColégio São José de São Leopoldo, já se sabia queera uma professora ou uma diretora de alto valor pe-dagógico, entendeu, e líder. Interessante, que elaspassavam uma liderança prá gente. [...] Nós tivemosuma educação, nesses três anos, castelã, porque elavinha de um castelo, então ela passou pro ColégioSão José de São Leopoldo uma educação castelã, noséramos assim diferentes, porque eu estudei no SantaCatarina dois anos. Eu cheguei a fazer um ano deginásio lá. E cheguei no São José de São Leopoldoera outra maneira de ser (Entrevista 06).

Cristalizou-se, pois, nas entrevistadas aidéia de que, tendo estudado no São José, elashaviam sido “preparadas mesmo” (Entrevista08) para o exercício do magistério em qual-quer instância, para ocupar qualquer cargo, di-ante de qualquer situação.

Isto levou a um certo estilo de vida, noqual moldaram-se professoras apegadas a umadeterminada ordem de mundo e ao status doqual dispunham em seus momentos de forma-ção, pode ser percebido neste outro depoimen-to, que relata o evento causado pelo “São Joséna rua”, pois “... naquele tempo tinha muitafama as gurias do São José, meu Deus, quandosaia o colégio assim para passear, há, saiamassim em fileira para dar uma volta em SãoLeopoldo. Enchia todo mundo para ver o SãoJosé passar” (Entrevista 02).

Sobre este assunto, Bourdieu chama aten-ção para

a correspondência que pode ser observada entre oespaço das posições sociais e o espaço dos estilosde vida é resultado do fato de que condições se-melhantes produzem habitus substituíveis que en-gendram, por sua vez, segundo sua lógica especí-fica, práticas infinitamente diversas e imprevisíveisem seu detalhe singular, mas sempre encerradasnos limites inerentes às condições objetivas dasquais elas são o produto e às quais elas estão obje-tivamente adaptadas (BOURDIEU, apud ORTIZ1983, p. 83).

O que leva, ainda dentro da teoria do so-ciólogo francês, a formação do capital social,outro conceito que pode ser aglutinado a umestudo sobre ritmos de grupos comoreferenciais da ética da conformidade.

Bourdieu chama de capital social ao

conjunto de recursos atuais ou potenciais que es-tão ligados à posse de uma rede durável de rela-ções mais ou menos institucionalizadas deinterconhecimento e de inter-reconhecimento ou,em outros termos, à vinculação a um grupo, comoconjunto de agentes que não somente são dotadosde propriedades comuns (passíveis de serem per-cebidas pelo observador, pelos outros ou por elesmesmos), mas também são unidos por ligaçõespermanentes e úteis (1998 p. 67).

Entretanto, desafiar, transgredir tambémera uma forma de estar no espaço, não questio-nando a sua estrutura, mas as arestas deixadas

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pelos eventos entre a formação da família e acoletividade do lugar de formação oficializa-do, ou no espaço social.

Uma entrevistada lembra ter sido repro-vada em solfejo, porque brigou com a freiraapós ter feito uma reclamação:

nós tínhamos aula de música em conjunto e ai es-tava muito abafado, muito quente, as normalistas,as internas desciam, dos dormitórios de manhã eelas não tinham autorização para subir mais e asvezes elas tinham até um certo cheirinho bem desa-gradável naqueles dias, então, ah, eu comecei a res-mungar de [...] está todo mundo fedendo!!!” (En-trevista 01).

Tanto a conformidade quanto a transgres-são, que pautam-se no tempo como motor e di-tador de ritmos, acontecem em um espaço, aoqual Bourdieu nomeou de espaço social. O con-ceito de espaço social em Bourdieu, é quaseum oxímoro, da mesma forma que corrobora,nega as homogeneidade do grupo, a partir doprincípio que a noção de espaço permite pen-sar a realidade enquanto conjunto de relações:

Os seres aparentes, diretamente visíveis, quer setrate de indivíduos quer de grupos, existem e sub-sistem na e pela diferença, isto é, enquanto ocu-pam posições relativas em que um espaço de rela-ções que, ainda que invisível e sempre difícil deexpressar empíricamente, é a realidade mais real(ens realissimum como dizia a escolástica) e o prin-cípio real dos comportamentos dos indivíduos edos grupos (1996, p. 48).

Nisto entra o conceito de habitus, ou o“sistema de disposições duráveis e transponíveisque exprime, sob a forma de preferências siste-máticas, as necessidades objetivas das quais eleé o produto” (ORTIZ, 1983, p. 82).

A partir desta perspectiva, as ações pau-tadas, “orquestradas” das senhoras ex-complementaristas em seu tempo de formaçãoinicial, no Colégio São José, diz muito da “prá-tica” do conceito de habitus Bourdiano. Essasações estavam alocadas dentro de padrões pré-estabelecidos e, portanto, aceitas pelo gruposocial. Não são, assim, geradoras de conflitosentre ele e os outros membros do grupo. Destaforma, esse repertório não apenas assegura aadequação entre as ações do indivíduo e a rea-lidade objetiva, mas, principalmente assegura,

que essa adequação se realize com um mínimode esforço e de conflitos. A este respeitoBourdieu (1994) é esclarecedor ao afirmar que

As práticas que o habitus produz (enquanto prin-cípio gerador de estratégias que permitem fazerface a situações imprevisíveis e sem cessar reno-vadas) são determinadas pela antecipação implí-cita de suas conseqüências, isto é, pelas condiçõespassadas da produção de seu princípio de produ-ção de modo que elas tendem a reproduzir as es-truturas objetivas das quais elas são, em últimaanálise, o produto (p. 61).

Tanto uma relação quanto a outra (hábitusou ética da conformidade), Bourdieuexemplifica da seguinte maneira: “O melhorexemplo de disposição é, sem dúvida, o senti-do do jogo: o jogador, tendo interiorizado pro-fundamente as regularidades de um jogo, faz oque faz no momento em que é preciso fazê-lo,sem ter a necessidade de colocar explicitamentecomo finalidade o que deve fazer” (1996).

Neste sentido, entre jocosa e trágica, estáa fala de uma ex-complementarista lembrandoque uma de suas ex-colegas não agüenta ouviro barulho de sino, pois era sino para tudo, paraestudar, para fazer as refeições, assear-se... “Tinha fila de uma sala para a outra e ninguémpodia falar. Tinha um sino que tocava para cadaaula. Até hoje, tem uma colega minha que nãopode ouvir o sino. Ela tem vontade de pegar osino e jogar longe. Era sino para aula, sino paramissa, etc. “ (Entrevista 08).

O sino, na verdade, exerce o papel de ins-trumento condicionador do tempo e dos ritmosdo grupo, marcando sonoramente a ritualidadeda formação, elemento físico que auxiliava namanutenção da disciplina e das subordinaçõesaos tempos coletivos da grupalidade e, é claro,calando fundo nas alunas.

E se o conceito de conformidade leva aoentendimento de tempos e grupos dentro deuma certa ordem de mundo, nada mais compe-tente em sua tarefa de instaurar uma dada vi-são ordenada de mundo do que a Escola Com-plementar, segundo os relatos colhidos, tantoque sessenta anos depois senhoras continuamidentificando-se pessoal e profissionalmentecomo ex-complemetaristas do Colégio SãoJosé, de São Leopoldo.

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Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina,n.10, jan./jun.2004 9

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade descreverpesquisas de campo realizadas no ambienteescolar sobre as dificuldades de aprendizagem,bem como algumas soluções encontradas paraelevar a aprendizagem e consequentemente odesenvolvimento cognitivo.Aaprendizagem deCiências não pode estar dissociada do contex-to social e da participação ativa dos educandosna construção de seus conhecimentos numaprática intersocial. Busca fundamentação teó-rica e de aprendizagem na Psicopedagogia, naAbordagem Sócio-Histórico-Cultural. De-monstra que tanto os educandos como os pro-fessores não têm uma tradição de internalizaçãodos conhecimentos via solução de problemascom a mediação dos mais experientes.

Quanto à solução de problemas, os re-

A PSICOPEDAGOGIA E AS DIFICULDADES DEAPRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS NATURAIS

André Valdir Zunino, PhD1

e-mail: [email protected]

RESUMOAs dificuldades de aprendizagem são estudadas e investigadas pelaPsicopedagogia, novo ramo de compreensão no ambiente escolar,meio de aprendizagem e sistema de ensino. Emprega-se comometodologia da pesquisa a Avaliação Iluminativa para programasinovadores. O ensino e aprendizagem de Ciências Naturais tiveramo seu grande impulso na década de 70 com megaprojetos, os quaispriorizavam a formação do cientista, mas que esqueceram a relaçãocom o social e a contextualização. Pesquisas em Química ao nívelsuperior, Ciências ao nível de 8a séries, Ensino fundamental eformação de professores sob uma visão Vigotskiana demonstraramgrandes dificuldades de aprendizagem, mas também as soluções,particularmente numa abordagem sócio-interacionista. Sugestões ecríticas à compreensão de Ciências são apontadas sob o ponto devista de especialistas nesta área de conhecimento.

Palavras-Chave: Psicopedagogia, Aprendizagem de Ciências,Avaliação Iluminativa, Vygotsty.

ABSTRACTThe learning difficulties are the focus of Psycopedagogy, which isa new subject of compreension on schoolar ambient, learningenvironment and teaching system. The Illuminative Evaluation isthe innovative research methodology. The teaching and learningof Natural Sciences has had its big impulse at the 70-decade withmegaprojects, which priority was given to the scientist formation,but had forgotten the social e contextualized relationships. Researchat the Chemistry Undergraduate Level, Sciences at de fundamen-tal level and teacher formation, under a Vygotskian theory, hadshowed big difficulties of learning, but also solutions, particularlythe employment of the socio-interationism theories. Specialists inthis area of knowledge make out suggestions and critics tounderstanding Science

Keywords: Psycopedagogy, Learning of Sciences, IluminativeEvalluation,Vygotsky.

Teresina n.10 10-19 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

sultados demonstram um desastre doseducandos, com certeza devido a nãooperacionalização dos mesmos pelos profes-sores em suas práticas educativas, as quais sãotradicionais, fragmentadas e de umreducionismo constante. Teóricos sustentamuma postura mais crítica contra otradicionalismo, propondo um ensino particu-larmente contextualizado com a participaçãoativa dos educandos na construção de seu pró-prio saber.

DESENVOLVIMENTO

A Psicopedagogia, segundo AssociaçãoNacional dos Psicopedagogos, trabalha e estu-da a aprendizagem, o sujeito que aprende(cognescente), aquilo que ele está aprendendoe, a escola dentro de seu contexto sócio-cultu-

• Recebido: junho de 2004• Aceito: junhode20041 Professor-pesquisador dos Mestrados em Psicopedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL. Licenciado em Química – FURB. Mestre em

Ciências–UFSC.DoutoremFilosófica–UniversityofEastAnglia,Norwich,U.K.Pós-Doutorado–RohemptonInstitute,London,U.K.

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ral. O psicopedagogo deve ser um profissionalqualificado para trabalhar com a aprendizagem;e na área da educação dar assistência àquelesque não conseguem aprender, aos professoresque não conseguem ensinar, inclusive às insti-tuições, às novas demandas sócio-culturais, àausência de estímulo aos professores.

É uma nova área do conhecimento trans/inter/multidisciplinar, que aplica conhecimen-tos da Sociologia, Psicologia, Educação, Filo-sofia, Neurologia, Motricidade, História, entreoutros. Como se percebe outros profissionaispodem ser convidados para colaborarem comos educandos que não aprendem e não se de-senvolvem, em conseqüência da dificuldade eproblemas que ocorrem no processo ensino eaprendizagem, particularmente com a apren-dizagem. Logo não se restringe somente a edu-cação escolar e a escola.

A Psicopedagogia pesquisa o ato deaprender e ensinar, considerando as realidadestanto internas como externas da aprendizagem,portanto estuda o processo de aprendizagem esuas dificuldades. Aqui, caberia uma aprecia-ção sobre a Avaliação Iluminativa que, segun-do Parllet e Hamilton (1977), é uma nova abor-dagem no estudo de programas inovadores eque serviu de fundamentação teórico-metodológica para as pesquisas aqui apresen-tadas.Ainovação é, no momento, uma das prin-cipais prioridades educacionais que se tem ex-pandido e multiplicado e que consome, hoje,verbas cada vez maiores, tanto públicas quan-to privadas. Currículos são reestruturados, no-vos recursos pedagógicos introduzidos e as for-mas de ensino transformadas. Mas estas deci-sões relativas às mudanças não são somente deorigem educacional, sofrem a interferência dapolítica, da ideologia, da moda e até mesmo deaspectos financeiros. Não é um pacotemetodológico.

AAvaliação Iluminativa visa descobrire documentar em que consiste a participaçãona experiência inovadora tanto do ponto de vis-ta do professor, quanto do aluno. Propõe-setambém à tarefa de descriminar e discutir ascaracterísticas mais importantes da inovação,os fenômenos concomitantes e os processos crí-ticos. Em suma, a pesquisa sobre inovação pode

ser esclarecedora tanto para o inovador quantopara a comunidade acadêmica, desvelando osprocessos educacionais, ajudando o inovadore outros interessados.

Recentemente, para ajudar na tomada dedecisões, vinculou-se inovação à avaliação. Oavaliador tornou-se um personagem novo e in-fluente, inovação e avaliação tornaram-se “ci-ências maiores”. Enquanto campo novo, a ava-liação de programas e pesquisas defrontou-secom inúmeros problemas, tanto teóricos quan-to metodológicos. Pode-se, em termos gerais,distinguir dois paradigmas bem distintos, noâmbito da pesquisa educacional. Cada um de-les possui suas próprias estratégias, seus focosde atenção e seus pressupostos: o“Agrobotânico”, que utiliza metodologia hipo-tético-dedutiva, calcada na tradição psicológi-ca experimentalista e psicométrica.. São pes-quisas quantitativas, fundamentadas unicamen-te nos dados estatísticos e com variáveis bemdefinidas. Recentemente, pesquisas qualitati-vas vinculam-se à antropologia social atravésda observação e pesquisa-participante, tal comoé praticada na sociologia. Este modelo se en-quadra no “Paradigma Sócio-Antropológico”.Consideram-se os contextos mais amplos em quefuncionam os programas educacionais. Sua prin-cipal preocupação prende-se à descrição e inter-pretação em lugar da mensuração e predição.

AAvaliação Iluminativa possui conceitosfundamentais que são: o Ambiente Escolar, oSistema de Ensino e o Meio de Aprendizagem.

O Ambiente escolar – perspectivas de mudan-ças: tem grande influência nas condições e noprocesso de aprendizagem dos educandos. Oideal é que fosse um ambiente democrático demútuo respeito, exercido por profissionais com-prometidos e competentes. Quanto aoseducandos, sabedores que somos, trazem todauma carga cultural, familiar e do ambiente ondese desenvolvem. O aspecto afetivo tem tam-bém grande influência em seu trabalho: a salade aula, as relações interpessoais, a escola comos seus estatutos, as relações com os professo-res. Logo, uma grande carga afetiva e emotivaestá sempre presente em todas as atividadesescolares. Neste ambiente, a disciplina e a obe-

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diência, segundo Hentz (2002, p. 88), as crian-ças devem ser submetidas não como um fimem si mesmas, mas como um meio imprescin-dível para que se convertam em pessoas livres.A liberdade, portanto, não é dada; é construídanum contexto em que não se pode prescindirde alteridade, posto que ninguém se torna livrepor si mesmo, mas sempre através da ajuda dooutro, mesmo que essa ajuda represente coer-ção. Tambosi (2002, p.267) discute os limitescomo os Fundamentos da Personalidade e daDisciplina. Ele argüiu que não nascemos comlimites e que devem fazer parte da educação,pois vivemos em sociedade e, para a boa ma-nutenção desta, se faz necessária a existência eo respeito às regras. Limites e disciplina sãofatores fundamentais na formação da persona-lidade dos educandos. Reforça que a ausência,excesso ou rigidez de limites não ajudam. OAmbiente Escolar tem a sua importância naeducação na sociedade que, segundo Almeida(apud FACCIN, 2002, p.52), a mudança na es-cola está relacionada a “[...] ensinar a pensar ecriticar as realidades opressoras; educar para aautonomia; partir das reais necessidades dosalunos; instrumentalizar a todos para partici-parem dos benefícios produzidos pela socie-dade, isto é, fazer uma educação para a mu-dança [...]”.

O Sistema de Ensino – processo ensino e apren-dizagem: tem manuais, prospectos, relatóriose, principalmente, os já famosos Projetos Pe-dagógicos. Estes são sempre um conjunto deplanos e proposições formais referentes àsmodalidades específicas de ensino. Definemum sistema institucional e incluem uma sériede pressupostos pedagógicos, um novo progra-ma de cursos ou disciplinas e pormenores so-bre técnicas e equipamentos. O educador ge-ralmente desconhece que um Sistema de Ensi-no sofre modificações que quase sempre sãoimportantes; que pode permanecer como umideal comum, um modelo abstrato, um lemaou uma mera síntese, mas assumirá diferentesformas em cada situação concreta. Na prática,os objetivos freqüentemente são reordenados,redefinidos, abandonados ou esquecidos; pou-cos levam a sério a listagem dos objetivos de

um programa institucional.O Meio de aprendizagem: é o contexto sócio-psicológico e material em que professores ealunos trabalham juntos. Representa um com-plexo de variáveis culturais, sociais,institucionais e psicológicas. Estas interagemde forma complicada, produzindo em cada salade aula ou nível de ensino um conjunto de cir-cunstâncias, pressões, hábitos, opiniões e esti-los de trabalho, os quais influenciam o proces-so de ensino e de aprendizagem.

A configuração que o Meio de Aprendi-zagem assume depende de vários fatores: le-gais, administrativos, profissionais, arqui-tetônicos, financeiros, programas, currículos,métodos de ensino e avaliação, característicasde cada professor, experiência, orientação pro-fissional, objetivo particulares, relações de po-der, ideologia, motivação de alunos e profes-sores, etc. Reconhecer a diversidade e a com-plexidade do Meio deAprendizagem é um pré-requisito essencial para a introdução de pro-gramas inovadores, os quais desencadeiam umasérie de repercussões.

Em síntese, o Meio de Aprendizagem énecessário para analisar a interdependênciaentre ensino e aprendizagem e para relacionara organização e as práticas instrucionais. Porexemplo, os alunos não reagem a um conteúdoadministrado ou às tarefas específicas, ao con-trário, eles se adaptam ao Meio de Aprendiza-gem tomado como um todo.

As pesquisas aqui relatadas se enqua-dram, em sua maioria no “Paradigma sócio-an-tropológico”. A única exceção diz respeito àpesquisa sobre as Hierarquias do ConhecimentoCientífico que foi parcialmente quantitativa, ouseja, dentro do paradigma “Agro-Botânico”.

Vejamos, primeiramente, o relato da fa-lácia de um grande projeto, inclusive interna-cional, no qual este autor também teve partici-pação ativa como estudante de Química nauniversidade e, posteriormente, como profes-sor de Ciências de 5ª a 8ª séries. Trata-se dosprojetos conhecidos por Physical ScienceStudy, Science Master, Chem Study, NuffieldChemistry, entre outros, desenvolvidos na dé-cada de 70. São conseqüências do lançamento,pelos soviéticos, do primeiro satélite artificial,

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conhecido por SPUTNIK, que deixou o Mun-do Ocidental perplexo com o avanço científi-co e tecnológico do Bloco Comunista, quandoambos estavam em plena Guerra Fria. Um es-forço gigantesco foi iniciado, então, para su-perar o atraso na aprendizagem de Ciências,com ênfase na experimentação.

Rauen (2002, p. 108) faz um relato mo-dificado na forma de uma interrogação de pes-quisa, mas que, muito competentemente, dis-corre sobre um dos maiores problemas naaprendizagem de Ciências Naturais. O ensinode Ciências, na década de 70, foi marcado pelaprofunda influência da excessiva valorizaçãoda experimentação e do método científico. Comesta metodologia, acreditava-se ensinar Ciên-cias desenvolvendo o pensamento lógico e oespírito científico. Esta proposta conceitual-metodológica foi compreendida como umtransformar as crianças, desde os primeirospassos, em pequenos cientistas, com a visãode que só seria possível aprender Ciências atra-vés de simulações de atividades que permitis-sem a redescoberta de conceitos. O método ci-entífico, no entanto, foi reduzido ao método daredescoberta, levando a um mecanismometodológico.

Ao deslocar os fenômenos da naturezapara o laboratório, estes foram seccionados dasua totalidade, ficando assim reduzidos a sim-ples fatos, por perderem a base de reflexão aoserem descontextualizados do seu cenário na-tural: o mundo. Esta segmentação impediu oaluno de compreender e interrogar o seu coti-diano e assim, por exemplo, o arco-íris deixoude ser observado no céu, no seu esplendormulticor, passando a ser visto no laboratório,na dispersão da luz através de um prisma quedecompõe a luz. A consciência formada a par-tir da experiência e adoção “laboratorialesca”deixou escapar a cotidianidade da vida. A não-superação desse ato de reduzir o fenômeno e otratamento factual da natureza redundaramnuma fragmentação do conhecimento científi-co que não permitiu ao aluno generalizar oucompreender o experimento, perdendo o seusignificado. Diante desta constatação, o pro-fessor teve duas direções a seguir: dar um pas-so à frente no sentido de avançar do laborató-

rio para a natureza, na postura de investigá-lana sua relação com o real-vivido, ou o que pa-rece ter ocorrido de modo mais geral, retroce-der no sentido de refugiar-se nas teoriasexplicativas sobre os fenômenos.

O ensino de Ciências, desta maneira,desvinculou-se progressivamente dos proble-mas vitais do homem e da sua dimensão histó-rica e social, não se estabelecendo o laçoindissolúvel entre Ciência e produção social.O aumento dos problemas da degradação daqualidade de vida, bem como dos problemassociais decorrentes veio apontar para uma re-visão do significado e da utilidade da produ-ção científica e tecnológica.

Hoje os movimentos de inovação no en-sino visam incorporar a perspectiva político-econômico-social ao conhecimento científico,considerando seu caráter histórico e cultural.Em todos os projetos acima mencionados, sedestacou a aprendizagem por descobrimentobaseada no caráter “indutivista” das Ciências,no planejamento e execução de problemas ena crença de que o método científico era infa-lível. Os programas eram excelentes, acadêmi-cos e com os últimos avanços da Ciência, maso resultado da aprendizagem foi desastroso,pois era centrado em um único sistema de ati-vidades e acreditava que o caráterproblematizador experimental via método ci-entífico era onipotente.

Zunino (1983) realizou uma pesquisaintitulada “Uma investigação iluminativa so-bre a efetividade dos cursos práticos de Quí-mica”, cujo objetivo principal era saber se ostrabalhos de laboratório eram realmente efeti-vos, isto é, se os educandos pensavam duranteos experimentos e se tinham a oportunidade departiciparem ativamente na construção de seuspróprios saberes. O trabalho resumiu-se eminvestigar se o grande investimento em tempoe dinheiro compensava em retorno cognitivo eatitudes científicas e profissionais.

Fundamentou-se teoricamente em cercade trezentos artigos que continham muitas crí-ticas ao ensino prático, bem como em suges-tões para o seu avanço. A fundamentação teó-rico-metodológica baseou-se em Parlett e Ha-milton (1977), com a publicação “Avaliação

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Iluminativa: uma nova abordagem no estudode programas inovadores”. O desenhoinvestigativo foi do tipo qualitativo e quantita-tivo, mas com descrição qualitativa de inter-venção e pesquisa de campo.

Os resultadosdemonstraramqueos alunos:• desejavam construir o seu próprio saber,

como prioritário;• não se sentiam plenamente envolvidos em

suas aulas práticas, pois em sua maioria sóseguiam instruções altamente elaboradas;

• queriam resolver problemas práticos do tipoaberto (open minded);

• desejavam uma avaliação diferente daquelasomente por relatórios;

• queriam saber antecipadamente os objetivosdos experimentos;

• desejavam maior envolvimento nas habilida-des manipulativas, inclusive de observaçãoe mensuração;

• ansiavam por uma melhoria na aprendizagemno laboratório.

A análise dos resultados demonstrou quehavia um baixo rendimento cognitivo com di-ficuldades de aprendizagem no ensino práticode Química.

Outra pesquisa, como resultado destaacima mencionada, realizada nos laboratóriosde Química Tecnológica, Físico-Química, Quí-mica Geral e Química Orgânica por quatroprofessores universitários de um Departamentode Química de uma universidade consistia pre-cisamente em executar todas as aspirações dosalunos e superar as críticas, tanto aquelas ex-pressas pelos educandos, como as da literatura:

• pré-testes dos objetivos, conceitos e roteiros;• questionamentos constantes dos processos,

fenômenos e habilidades envolvidos nos ex-perimentos;

• práticas livres;• discussões sobre os resultados dos experi-

mentos e aplicações tecnológicas e/oucontextualizações;

• avaliação dentro dos domínios cognitivos,psicomotor e da criatividade.

Novamente, a Avaliação Iluminativa de-

monstrou que o ensino prático de Química tor-nou-se “revolucionário”, com o abandono demétodos tradicionais e com aproveitamento in-tegral no processo ensino e aprendizagem. Se-gundo o depoimento de um dos professores:

Como toda rotina, o método tradicional levava àacomodação dos educandos, monitores e professo-res. Para os alunos era simples realizarem os expe-rimentos da maneira mecânica e o mais rapidamen-te possível. As aulas práticas eram enfadonhas e osmais prejudicados eram os próprios alunos.

Os resultados nos demonstram que o en-sino prático no laboratório tem sua eficiência eeficácia acrescida com procedimentos relativa-mente simples de aplicação no processo de en-sino e aprendizagem e, conseqüentemente, como desenvolvimento integral dos educandos.

PESQUISANO ENSINO FUNDAMENTALSOB UMA VISÃO VYGOTSKIANA

Trata-se de uma pesquisa-ação realizadaem uma escola pública do Ensino Fundamen-tal, mais precisamente em uma sala de aulamultiseriada de 3ª e 4ª séries. Foi realizada emuma escola de periferia, de classe média baixa,com hábitos sociais e culturais compatíveis coma sua condição. Envolveu uma população anti-ga com muitos hábitos já profundamentesedimentados, de origem açoriana e que sobre-viveu da pesca, farinha de mandioca e cachaça.Ainda existem algumas destas atividades, mas,atualmente, a maioria da população trabalha nocomércio e na criação artificial de mariscos.

Os educandos não demonstravam, em suamaioria, hábitos saudáveis de higiene, compor-tamento social “aceitável”, com ausências cons-tantes nas aulas, falta de respeito mútuo,agressividade, falta de disciplina na sala e nopátio e baixíssimo rendimento cognitivo alia-do a dificuldades de aprendizagem. A escolanão dispunha de infra-estrutura adequada paraas atividades didático-pedagógicas.

A professora regente, sem curso superior,lecionava de forma didática tradicional, isto é,passava o ponto no quadro para os alunos co-piarem e, após, decorarem e repetirem os con-teúdos nas avaliações. A pouca disciplina era

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obtida com ameaças de punição e gritos. Nãohavia integração entre os educandos da 3ª e 4ªséries, isto é, cada qual tinha o seu própriomomento de aula.

O desenvolvimento da pesquisa foi au-torizado pela Secretaria Estadual de Educaçãoque escolheu esta escola para a sua realização.Estavam encontradas, então, todas as condiçõespara a aplicação de pressupostos vigotskianos.

Objetivou oportunizar aos educandos aaprendizagem e o desenvolvimento cognitivo,a memória, a atenção, a percepção através deatividades intersociais, mediadas pelos maisexperientes, e seguidas de atividadesintrasociais.

A realização da pesquisa ocorreu em vá-rias etapas:

1. adaptação do professor-pesquisador ao ní-vel de ensino fundamental, considerandoque o mesmo tinha muita experiência emnível superior, ou seja, na graduação e pós-graduação;

2. Foram necessários cerca de três meses paraconseguir-se que os educandos participassemde trabalhos em equipes;

3. Adaptação da professora regente às novasmetodologias e fundamentação teórica.

4. Aquisição de uma brinquedoteca, incluindoum parque de diversão externo;

5. Reestruturação da quadra de esporte;6. Reestruturação da cozinha com a compra de

uma geladeira, fogão e mesa grande;7. Aquisição de um computador e videogame;8. Reinstalação dos banheiros, água potável e

pintura do prédio.

As atividades didático-pedagógicas tam-bém ocorreram em várias etapas, muitas vezesconcomitantes:

• adaptação dos educandos aos estudos emequipes;

• discussão coletiva e aceitação de regras dis-ciplinares e respeito mútuo;

• aquisição de hábitos de estudos;• aceitação de estudos dirigidos e/ou orien-

tados, particularmente com brinquedos di-dáticos;

• participação em feiras de Ciências e Mate-mática e atividades folclóricas da comuni-dade;

• participação de mestrandos e um doutorandonas atividades didáticas, principalmente naorientação de materiais de baixo custo paraas feiras de Ciências e Matemáticas;

• introdução de jogos esportivos, mas com asupervisão de uma estagiária de EducaçãoFísica;

• apresentação de um júri simulado para os paissobre um suposto “crime ecológico”;

• viagem a três cidades do Estado para a apre-sentação nas feiras;

• preparação de 19 professores de escolas dobairro para participarem também do projeto;

• idêntica ação destas professoras e troca deexperiências e visitas;

• passeios ecológicos nas redondezas;• visitas a engenhos de farinha e cachaça ainda

existentes.

Ao início das atividades, encontrou-semuita dificuldade devido à ausência de hábi-tos de estudos, respeito aos colegas, obediên-cia às novas regras estabelecidas e baixa fre-qüências nas aulas.Algumas vezes, fomos bus-car o educando em sua própria casa, na qual omesmo ainda se encontrava dormindo. Lem-bramos que muitos deles ficavam sozinhosporque os pais trabalhavam fora.

Todas as atividades cognitivas foram fun-damentadas nas idéias de Vygotsky (1987,1988), para quem a aprendizagem está presen-te desde o início da vida da criança. Então,qualquer situação de aprendizagem deve con-siderar o histórico do educando, ao mesmo tem-po em que deve produzir algo inteiramentenovo no desenvolvimento, ampliado na medi-da em que se inclui um segundo nível de de-senvolvimento, denominado “Zona de Desen-volvimento Proximal” (ZDP). O primeiro ní-vel é designado por de desenvolvimento “real”ou “efetivo”, o segundo nível de desenvolvi-mento é chamado de “potencial”. È definidopelos problemas que as crianças resolvem como auxílio dos mais experientes; são funções queainda não estão maduras.

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O aprendizado orientado para os níveis de desen-volvimento que já foram atingidos é ineficaz doponto de vista do desenvolvimento global da cri-ança. Ele não se dirige para um novo estágio doprocesso de desenvolvimento, mas, em vez disso,vai a reboque desse processo. Assim, a noção dezona de desenvolvimento proximal capacita-nos apropor uma nova fórmula, a de que o bom apren-dizado é somente aquele que se adianta no desen-volvimento” (VYGOTSKY, 1988, apudPALANGANA, 1994, p. 121).

Sabedores que a aprendizagem pode edeve impulsionar o desenvolvimento das fun-ções psicológicas superiores e que esta inter-relação deve significar características e impli-cações dinâmicas, dialéticas, complexas e his-toricamente constituídas pela cultura, procurou-se, através de todas as atividades didático-pe-dagógicas, pelo intersocial, desenvolver a lin-guagem, os signos, a atenção, a memória, apercepção, a imitação e o lúdico. Assim, osprocessos de aprendizagem mediados são defundamental importância para fazer as crian-ças pensarem e para fazer com que os conteú-dos não sejam transmitidos de maneira isola-da, fragmentada e descontextualizados.

Procurou-se criar diversas possibilidadese dificuldades no fazer educativo, pois, segun-do Vygotsky:

O meio social e todo o comportamento da criançadevem ser organizados de tal forma que cada diatraga novas e mais novas combinações, casoimprevisíveis de comportamento para os quais acriança não encontra no acervo da sua experiênciahábitos e respostas prontas e sempre se depare coma exigência de novas combinações de idéias(VYGOSTKY apud SCALCO, 2003, p. 71).

Os resultados da pesquisa não poderiamdeixar de ser excelentes, devido ao númerogrande e variado de atividades didático-peda-gógicas, aplicadas de formas desafiantes e ori-entadas para a vida. Com todas as atividadesdesenvolvidas pelo intersocial e mediadas pe-los mais experientes, com certeza, tivemos odesenvolvimento do intelecto, da atenção, damemória, da linguagem, da sociabilidade e dosconteúdos que foram interessantes e significa-tivos. As professoras, em número de 19, tive-ram a oportunidade de conhecer as idéias socio-interacionistas e de aplicarem em suas salas de

aulas. Criaram um fórum de discussão e trocade experiências.

Outra pesquisa realizada por CesárioPereira e Zunino (1996), com professores deCiências do Ensino Fundamental (N=59) e comprofessores (N=7) do Curso de Magistério,como responsáveis pela formação em Ciênci-as dos futuros professores do Ensino Funda-mental, concernente à concepção da relaçãoaprendizagem e desenvolvimento subjacenteàs suas práticas em ensino de Ciências; istoé, procurando saber como o educando apren-de, se interfere na sua atuação prática, ou se,ao mesmo tempo, influencia sua maneira decompreender e explicar as relações entre apren-dizagem e desenvolvimento, determinando,assim, o tipo de ensino que a escola oferece e opapel que estes professores passam a desem-penhar. O modo como a escola e os educado-res desenvolvem o processo ensino-aprendiza-gem e a relação entre aprendizagem e desen-volvimento, se contribui para a autonomia doseducandos ou para a sua submissão.

Objetivou-se identificar as concepções deensino, aprendizagem, desenvolvimento, a re-lação entre aprendizagem e desenvolvimentoe a importância do intersocial para o processoensino e aprendizagem. O trabalho fundamen-tou-se no construtivismo dialético desenvolvi-do por Vygotsky (1984).

Baseou-se, também, nos pressupostos daProposta Curricular de Santa Catarina SEE/SC(1991) que preconiza para os seus educadoresa participação ativa em um processo de cons-trução do saber de forma coletiva; que oseducandos devem se apropriar dos conhecimen-tos e habilidades para a integração na socieda-de e para se tornarem elementos atuantes detransformação, logo devem ser agentes de cons-trução de seus conhecimentos. Os desafios,portanto, em relação ao processo ensino eaprendizagem e, particularmente, ao ensino deCiências podem ser assim resumidos:

• a prática pedagógica deve buscar a supera-ção da compartimentalização;

• deve assumir com real competência o espaçode sala de aula, de forma a instrumentalizar oaluno para a leitura do mundo que o rodeia;

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• deve resgatar o processo de desenvolvimen-to do sujeito na mediação com a realidadesócio-histórica concreta;

• deve compreender o homem como um ser quese constrói nas relações sociais;

• deve construir um sujeito crítico e compro-metido com a realidade em que vive, comoser histórico, como indivíduo, considerandoque o método verdadeiramente científico paraa compreensão dos conteúdos transmitidos éo método dialético.

Logo, a iniciação científica como formade conhecer a realidade está profundamentevinculada à escola para que o educando vivaem uma sociedade letrada. Cabe à escola pro-mover o desenvolvimento social, cognitivo,emocional e motor, em oposição às críticas maiscomuns de que o ensino de Ciências tem sidolivresco, dogmático, ahistórico, centrado natransmissão dos conhecimentos, nos professo-res, nos aspectos memorizativos e distancia-dos dos métodos racionais e didáticos de ensi-no e aprendizagem. Segundo Cesário Pereira eZunino (1996, p. 8) , “para os professores con-tribuírem como mediadores na formação deeducandos críticos, criativos, confiantes, autô-nomos e reflexivos, é necessário que estabele-çam uma relação harmoniosa, prazerosa,emancipatória, de conquista, de cumplicidade,de liberdade de pensamento, de sedução, de res-peito mútuo e, sobretudo, de paixão e de bele-za de ser um eterno aprendiz”.

Os instrumentos de coleta de dados fo-ram um questionário, entrevistas e observaçõesem sala de aula. Quanto à formação dosrespondentes, 72% cursaram apenas o Magis-tério II Grau e os demais tinham curso de Pe-dagogia, estando, portanto, habilitados a exer-cer o magistério.

Quanto à relação entre desenvolvimentoe aprendizagem, 22% dos respondentes acre-ditam na independência entre ambos, ou seja,o desenvolvimento é visto como um processomaturacional que ocorre antes de aprendiza-gem; 30,5% acreditam que o desenvolvimentoe a aprendizagem são processos idênticos, queo desenvolvimento ocorre simultaneamente àaprendizagem; 35,5% vêem o desenvolvimen-

to e a aprendizagem como processos diferen-tes, mas mutuamente relacionados; os demais(11,9%) não se manifestaram. Para Vygotsky(1987), tentando mostrar a unidade, a diversi-dade e a importância do papel da ação educativana aprendizagem e desenvolvimento são pro-cessos distintos e não podem ser confundidose interpretados de forma simplista ereducionista. Para Vygotsky (1987, p. 39), “[...]a aprendizagem da criança começa muito an-tes da aprendizagem escolar. [...] Toda a apren-dizagem da criança na escola tem uma pré-his-tória”. Logo, a aprendizagem impulsiona umasérie de processos de desenvolvimento própri-os de cada indivíduo e está presente desde oinício da vida da criança. Nesta perspectiva, éo aprendizado que possibilita e movimentao processo de desenvolvimento.

Questionando os professores sobre o en-tendimento da construção do conhecimentonuma perspectiva social, 42% se abstiveram e/ou se disseram incapazes de responder! Isto é,não têm a noção de que a construção do co-nhecimento deve ser um processo dialético, quese constitui ao longo do tempo, caminhandono sentido da complexidade.

Perguntados sobre a gênese do conheci-mento a partir da e na relação social, apenas23,7% dos respondentes demonstraram enten-dimento. Perguntados sobre a concepção deensino, 39,0% fizeram menções diretas ou in-diretas à transmissão ou repasse de conheci-mentos. Apenas 22,1% concebem o ensino en-quanto processo de interação entre educandose o contexto sociocultural. Sobre o conceito deaprendizagem, apenas 25,4% responderamcomo um momento necessário para aestimulação de processos internos de desenvol-vimento no seio das inter-relações (concepçãohistórico-cultural); os demais se enquadram emconcepções racionalista, inatista ou apriorista,behaviorista, ambientalista ou comporta-mentalista. Sobre o conceito de desenvolvi-mento, apenas 11,9% concebem o desenvolvi-mento como um processo dialético, conside-rando o biológico e o social. Sobre a relaçãoentre desenvolvimento e aprendizagem, ape-nas 15,2% compartilham da idéia que a apren-dizagem antecipa o desenvolvimento. Pergun-

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tados sobre o processo de internalização dosconhecimentos, apenas 1,7% mencionou queeste se dá do social para o individual, logo ohomem é concebido como um organismointerativo; mas, 73,8% apostam na interaçãosocial como provocadora do desenvolvimentointelectual, mesmo não tendo clareza dos pres-supostos teóricos que embasam a sua práticapedagógica. Essa confusão se dá no nível teó-rico. Há uma provável confusão na prática pe-dagógica, o que levaria o professor a se sentirperdido no fazer escolar, pois ele próprio nãose reconhece enquanto sujeito que elabora co-nhecimentos.

Conclui-se que, apesar dos professoresdesejarem mudanças e inovações, não sabemexatamente o que e como mudar e/ou inovar.Constata-se a predominância de metodologiasexpositivas, exacerbando a transmissão pura esimples do conhecimento científico. Só se en-sina o que já existe, como algo pronto e acaba-do, ou seja, apenas transferência de conheci-mento existente, tanto para o aluno quanto parao professor tem repetido e não produzido/construído conhecimento. Amplia-se apenas acapacidade de memorização de ambos. Hou-veram também muitas reclamações dos profes-sores do Curso de Magistério que tinham umapostura pedagógica extremamente tradicional.

Já nos anos 70, a UNESCO defendia umapostura questionadora para o processo de ensi-no e aprendizagem de Ciências, quando defen-dia que um ensino científico deve fundamen-tar-se sobre a observação e a experimentação,as quais são inseparáveis, e que o melhor mé-todo é o da resolução de problemas de formaindividual e coletiva, pois esta prática consti-tui o processo de iniciação nos métodos de in-vestigação.

Zilberstein (2002), argumentando sobrea FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFES-SORES DE CIÊNCIAS, defende que estes de-vem ser competentes, com um desempenhoprofissional que garanta uma aprendizagemdesenvolvimentista em seus alunos, que “éaquela que constitui a via mediatizada (a ajudado outro, dos companheiros de classe, do do-cente, da família e dos membros da comunida-de), para a apropriação do conhecimento, hábi-

tos, habilidades, normas de relação, de compor-tamento e valores deixados pela humanidade”.Defende:• a aprendizagem a partir da busca do conheci-

mento pelo aluno, utilizando na classe méto-dos e procedimentos que estimulam o pensa-mento teórico, a chegada à essência e avinculação do conteúdo com a vida;

• sistemas de atividades que promovam os pro-cessos de análise, síntese, comparação, abs-tração e generalização que possibilitem a for-mação de conceitos e o desenvolvimento dosprocessos do pensamento;

• concepção da tarefa dos docentes que permi-tam a busca e a revelação analítica dos co-nhecimentos;

• o desenvolvimento de formas de atividadese de comunicação coletiva que favoreçam ainteração do individual com o coletivo noprocesso de aprendizagem;

• vinculação dos conteúdos de aprendizagemcom a prática social e estimulação da valori-zação e/ou participação dos alunos no plane-jamento pedagógico.

Para um fechamento sobre esta discussãodo professor-pesquisador e a formação conti-nuada de professores de Ciências, apresentam-se as idéias de Trivelato (1993), segundo o qualas discussões sobre o ensino de Ciências, naúltima década, têm evidenciado uma forte pre-ocupação dos educadores com os propósitosdas disciplinas científicas no ensino do primeiroe segundo graus. Parece haver uma insatisfa-ção com os resultados obtidos ou uma incom-patibilidade de pretensões. De um lado, vemosa escola tradicional formando indivíduos maisaptos a aceitar regras e valores do que questio-nar e criar novas regras e novos valores; deoutro temos uma sociedade que impulsiona orápido desenvolvimento científico etecnológico, demandando transformações dehábitos e até de éticas e morais. Nas escolas, aCiência é transmitida como una, sem dissen-sões, sem divergências, sem competições in-ternas, sem disputa – uma instituição capaz dealcançar “a verdade”, singular, segura; fora dasescolas as “verdades”, plurais se contrapõem,há controvérsias, há valores que representam

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Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina,n.10, jan./jun.2004 19

parcelas sociais (econômicas, culturais, raciaise políticas) distintas. Durante o ensino, o estu-dante é solicitado a identificar o que é certo (adistinguir o “correto” do “errado”, o “bem” do“mal”); em outras situações ele se depara comvárias versões que podem ser apresentadascomo corretas, de acordo com diferentes pon-tos de vista ou valores.

CONCLUSÃO

Os resultados das pesquisas demonstramque atividades intersociais que buscam o de-senvolvimento das funções mentais superio-res através da aprendizagem podem realmen-

te conduzir os educandos para uma evoluçãosocial e cognitiva. Porém, demonstrou-se umaperda de tempo e conhecimento no ensino prá-tico de Química devido ao ensino tradicionalsem conduzir os educandos a pensarem no la-boratório. Professores do ensino fundamentaldeclaram-se sócio-interacionistas, mas na prá-tica são tradicionais com uma postura didáti-co-pedagógica centrada nos conteúdos e nocomportamen-talismo, inclusive os seus pro-fessores formadores no ensino de Ciências. Deacordo com teóricos, as pesquisas demonstrama possibilidade de mudanças de paradigmasque conduzam a uma reforma do pensamentoe da educação.

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INTRODUÇÃO

Entrego a você, leitor, as chaves paraentrar nas páginas deste artigo, a fim de que,dialogando juntos, possamos compartilhar ex-periências e vivências. Busquei identificar osentido de ser pesquisador-iniciante, a partir daformação do profissional de educação, desve-lado pelos estudantes, observando situaçõesque apontaram o olhar do estudante para o serpesquisador, no contexto afetivo do grupo.Além disso, observei os elementosinfluenciadores desse experienciar, consideran-do a relação pesquisador/professor, refletindo,também, o meu sentido de ser pesquisador,como professor que objetiva contribuir na for-mação de pesquisadores em educação.

Justifico a escolha pelo uso da primeira

(COM)PARTILHANDO O SENTIDO DE SERPESQUISADOR-INICIANTE NO CURSO DE PEDAGOGIA 1

Geida Maria Cavalcanti de SousaProfessora da Universidade de Pernambuco

Faculdade de Formação de Professores de Petrolina

RESUMO

Este estudo propõe-se a descrever as situações vividas na sala deaula, revelando modos de ser pesquisador-iniciante, durante o ensi-no-aprendizagemdadisciplinaOrientaçãoMonográfica doCursodePedagogia da Faculdade de Formação de Professores de Petrolina,da Universidade de Pernambuco, em 2003. Inspirado na psicologiahumanista e numa perspectiva fenomenológica, esse envolveu estu-dantes, apresentando experiências, vivências, dados coletados, prin-cipalmente, através da observação participante, diário de campo edepoimentos escritos. A Abordagem Centrada na Pessoa desenca-deia um processo de mudanças internas e externas, levando o pes-quisador-iniciante a seperceber enquantopessoa, investindonacons-trução e reconstrução de novos saberes, tendo a pesquisa como su-portenecessário à formaçãodoprofessor. Serpesquisador é convivercom angústias, dores, desejos, sonhos, possibilidades e limites, numprocesso em que a dimensão afetiva não pode ser negada.

Palavras-chave: pesquisador-iniciante, pedagogia, psicologiahumanista, perspectiva fenomenológica.

ABSTRACT

This study discusses classroom situations which provide insight intothe experience of being a novice researcher undertaking a course inReportWriting, aspartof adegreecourse inEducation in theTeacherTrainingFaculty in the cityof Petrolina, in 2003.This faculty is part ofthe University of Pernambuco. Based on humanistic psychology andadoptingaphenomenological approach, the studymadeuseofwrittenaccounts fromstudents of their experiences.Datawere also gatheredthrough participative observation, making use of a field diary. ThePerson Centred Approach elicits a process of internal and externalchanges, leading the novice researcher to perceive himself or herselfas a person who is investing in the acquisition of new knowledge,considering research to be a necessary part of the process ofbecoming a teacher. The role of researcher involves dealing withanguish, pains, desires, dreams, possibilities and limits, as part of aprocess within which the affective dimension.

Keywords: novice researcher, education, humanistic psychology,phenomenological approach.

Teresina n. 10 20 - 26 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

pessoa do discurso, por ser essa a que melhorexpressa sonhos, emoções, motivações e senti-mentos. Efetuei a ligação da pesquisa aos meusdesejos, esperanças e interesses pessoais, úni-cos dentro de mim; à minha relação profundacom a vida, uma vez que, em nenhum momen-to, posso me separar da minha inspiração, poissou pessoa/professora, partes inseparáveis. Aminha vivência com os alunos foi abstraída etransmitida num processo de individuação, nomeu aprendizado de ser. Permita-me, leitor, queexpresse meu pensamento, atribuindo às pala-vras o poder de externar o que habita no meuuniverso.

Sendo docente da Universidade, coloqueisob questionamento a minha prática - o meuexercício profissional. Por meio do processode pesquisa, do contato pedagógico e do

• Recebido: junho de 2004• Aceito: junhode20041 Artigo baseado na Dissertação de Mestrado em Educação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, sob a

orientação do Professor Doutor Jaime Roy Doxsey.

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questionamento reconstrutivo, atinge-se a pos-sibilidade de evolução teórica e prática. Foi meudesejo buscar novas atitudes, para melhorar omeu posicionamento frente aos alunos,ofertando-lhes o poder de descobrir, na pers-pectiva de facilitar aprendizagens. Assim, apergunta, a seguir, norteou essa investigação:O que é e como é ser pesquisador-iniciantepara os estudantes da disciplina OrientaçãoMonográfica do VIII período do curso de Pe-dagogia, da Faculdade de Formação de Pro-fessores de Petrolina – PE?

TRILHAS PERCORRIDAS

Contemplei uma pesquisa de abordagemqualitativa, cujo foco de atenção foi o sentidoque as pessoas deram às coisas e à sua vida. Astécnicas de coleta de dados caminharam para oentendimento da natureza de um fenômenosocial, tendo o ambiente natural como a suafonte direta, através de meu contato prolonga-do com a situação cotidiana, descrevendo pro-cessos dinâmicos, vividos em sala de aula.

O estudo foi desenvolvido tendo 60 es-tudantes (28 no I semestre e 32, no II) da disci-plina Orientação Monográfica como pessoas dapesquisa, do Curso de Pedagogia da Faculda-de de Formação de Pedagogia de Petrolina -FFPP-UPE, em 2003. A escolha do referidocurso caracteriza-se por ser a área de minhaidentificação para estudo e de minha atuaçãoprofissional, sendo esse o único que oferece acitada disciplina.

A trajetória que percorri contemplou aobservação participante de aulas da referida dis-ciplina, tendo em vista as situações que retra-taram o olhar do estudante (ser pesquisador); ouso de dinâmicas de grupo para facilitar a ex-pressão de pensamentos, sentimentos e opini-ões; mantendo-me atenta ao que é e como é serpesquisador-iniciante para os estudantes; o re-gistro do sentido de ser pesquisador para o pro-fessor que objetiva contribuir na formação depesquisadores-iniciantes em educação e de de-poimentos escritos dos alunos (foram transcri-tos conforme o original, usando letras paraidentificá-los).

A análise dos dados foi baseada emForghieri (1993), e, a partir dos dados descriti-vos, captei o geral para apreensão dos senti-dos, detectando as unidades de significado.Após alcançar a estrutura do fenômeno, reali-zei a interpretação-generalização das categori-as abertas, concretizadas nas reflexões que se-guem.

A ABORDAGEM CENTRADA NA PES-SOA/FENOMENOLOGIA

Buscando apoio nos estudos de CarlRogers (1975, 1981, 1983), sinalizei, assim, aminha opção para repensar o ensino-aprendi-zagem do curso de Pedagogia. Apesar de pos-suir uma prática mesclada de concepções di-versas, sinto a necessidade de figurar o afeto ea emoção na sala de aula como fundamentalnesse processo, buscando tentativas grupais,além de uma necessidade de renovar e consi-derar a concepção de como deve ser transmiti-do ou criado o conhecimento, a pessoa queaprende, a razão do aprender e o que se busca,construindo meios para acompanhar o desen-volvimento do ser humano.

A Abordagem Centrada na Pessoa inte-gra três pressupostos de base: uma concepçãode homem pautada nos princípios da correntehumanista da Psicologia, o homem como serdigno de confiança; uma abordagemfenomenológica que privilegia a experiênciasubjetiva da pessoa; um encontro entre pesso-as como forma de entrar em relação (ROGERS,1975). É nessa perspectiva humanista que fo-calizo o “ser”. Caracteriza-se como uma teoriadas relações humanas, uma vez que “a pessoase constitui a partir da relação com o outro”(ARRIVABENI;ALMEIDA;AGUIAR, 2002,p.130).

Rogers (Ibid) designou condiçõesfacilitadoras: Tendência Atualizante (o ser hu-mano possui capacidade inata que o impulsio-na para freqüente tentativa de progredir); NãoDiretividade (acredita na autonomia e nas ca-pacidades de uma pessoa, no seu direito de re-alizar escolhas e responsabilidade por essas);Aceitação Positiva Incondicional (refere-se àaceitação incondicional da pessoa por parte da

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outra, tal como ela é); Compreensão Empática(capacidade de se colocar verdadeiramente nolugar do outro, vendo o mundo como ele o vê,sem julgamentos, entendendo o outro) eCongruência (capacidade de aceitar os senti-mentos, as atitudes, as experiências, de ser ge-nuíno e integrado na relação com o outro). Seessas condições estiverem presentes na relação,a pessoa entra num processo de aceitação de siprópria e dos seus sentimentos, tornando-semais capaz de aceitar os outros. O respeito, aconfiança, a aceitação, a autenticidade, a tole-rância sintetizam uma relação fundamentadanas atitudes descritas.

A realidade constituiu-se da minha repre-sentação de mundo, privilegiando o ponto devista do estudante, como pessoa de sua própriaexperiência, tendo como eixo norteador aACA:“A Abordagem Centrada no Aluno produztransformações psicopedagógicas (afetivas eemocionais) na pessoa do aluno, no relaciona-mento grupal e no vínculo aluno-professor”(ROSEMBERG, 1987, p. 106). Ela focaliza umrelacionamento aberto entre os participantes naexperiência pedagógica, buscando uma apren-dizagem significativa. Guedes (1981, apudDOXSEY, 1987, p.110) aponta a aprendizagemsignificativa como um processo: “A pessoa in-teira – cognitiva, social e afetivamente – parti-cipa e se empenha de forma auto-iniciada e cons-ciente na busca dos significados e das experiên-cias que condizem com seus objetivos”.

Após ler trabalhos na perspectivafenomenológica, senti-me tocada, pois os es-tudos das experiências me marcaram, possibi-litaram-me mudanças internas. Vislumbrei umapesquisa para descobrir e não para confirmarou quantificar coisas, preocupando-me com aminha transformação, revendo a maneira de mecolocar frente às situações. Assim, esse proje-to foi desenvolvido a partir do pensar fenome-nológico (BICUDO, 2000; FORGHIERI,1993; AMATUZI, 1989), colocando o conhe-cimento e a verdade em sua relatividade, umavez que não há um único modo de compreen-der a realidade.

A perspectiva fenomenológica apontapara descrever fenômenos e não explicá-los,voltando-se àquilo que quero compreender,

sobre o que interrogo e como o percebo. Nela,há a abertura para ver, ouvir, sem me aprisio-nar num saber definitivo, explicativo econtrolador. As coisas precisam aparecer parao olhar das pessoas, trazendo o referencial designificados do mundo, descobertos pelo indi-víduo que traz e realiza história. As pessoassão iguais enquanto humanas e diferentes por-que não existe nenhum ser humano igual aooutro, sendo fundamental a expressão da ex-periência individual de cada um.

Os dados são, pois, as situações vividas pelos su-jeitos que são tematizadas por eles, consciente-mente nas descrições que faz. Ao descrevê-las,espera-se que os sujeitos simplesmente relatemde modo preciso o que ocorre com eles ao viversuas experiências (FINI, 1994, p.28).

Assim, pressupôs-se meu envolvimentopessoal no mundo-vida desses sujeitos. Expe-riência, nesse contexto, não significa algoacumulativo, que se adquire e se soma ao lon-go do tempo, mas o sentido de vivenciar e deexperimentar algo num dado momento. Elaacontece contextualizada com uma história,sendo a ação conjunta de tudo que alguém énum determinado momento. Experimenta-seser pesquisador na vivência, atuando na rela-ção com o outro, aluno, professores, coorde-nador, diretor, pais, etc. Quando se é pesquisa-dor, continua sendo os outros “eus” possíveis,articulados às outras experiências, através detrocas criativas. As outras possibilidades enri-quecem a condição de ser pesquisador.

SER PESQUISADOR NA GRADUAÇÃOEM PEDAGOGIA

A pesquisa como “princípio educativo ecientífico faz parte integrante de todo processoemancipatório, no qual se constrói o sujeitohistórico auto-suficiente, crítico e autocrítico,participante, capaz de reagir contra a situaçãode objeto e de não cultivar os outros como ob-jeto” (DEMO, 1991, p. 42). Dessa forma, apesquisa exige criatividade, interno diálogocom a realidade, disciplina e compromisso his-tórico-produtivo. Desmitifica o conceito depesquisa, admitindo considerar pesquisador,

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também, quem tem apenas graduação, pois, sebem compreendida, a pesquisa é possível e ne-cessária desde a educação infantil. Compreen-de, ainda, a pesquisa como diálogo, no sentidode produzir conhecimento do outro para si e desi para o outro, sendo

[...] processo cotidiano, integrante ao ritmo da vida,produto e motivo de interesses sociais em confron-to, base da aprendizagem que não se restrinja amera reprodução; na acepção mais simples, podesignificar conhecer, saber, informar-se para sobre-viver, para enfrentar a vida de modo consciente(Ibid., p. 42).

No diálogo com a realidade, a pesquisase situa como princípio científico e educativo.O ser que dialoga com a realidade, de modocrítico e criativo, faz da pesquisa condição devida, progresso e cidadania.

Demo (1994, apud Lüdke, 2002) distinguecinco níveis de pesquisa: (I) de InterpretaçãoReprodutiva (sistematização e reprodução de umtexto com fidedignidade; (II) de InterpretaçãoPrópria (interpretação pessoal do que os outrosjádisseram); (III) deReconstrução (partedacons-trução vigente e refaz uma proposta própria –Mestrado e Doutorado); (IV) de Construção(toma como referência o que existe, na procurade caminhos novos); (V) da Criação/Descober-ta (introdutores de novos paradigmasmetodológicos, teóricos ou práticos).

Reafirmo o posicionamento de Estebane Zaccur (2002), quando dizem que “pesquisarpode se dar a partir de um questionamento,de uma pergunta, de uma idéia fixa,articuladora de um processo empírico-teóricode uma investigação” (p.15). Isso não signifi-ca descartar a necessidade do aprofundamentoteórico, mas dar a esse aprofundamento o sen-tido de busca de respostas, que sugerem no-vas perguntas num movimento dinâmico, ins-tigando um diálogo recíproco entre o pesqui-sador acadêmico e o professor-pesquisador,com avanços significativos para todos os ato-res envolvidos.

Essa perspectiva abre a possibilidade deresgatar o “fazer pensando”, evitando o papeldo executor do pensado por outro,descortinando maiores e melhores aproxima-

ções do objeto investigado, através dodesvelamento de novos ângulos de uma reali-dade multifacetada, devolvendo ao aluno, aposição de sujeito ativo no processo de cons-trução do conhecimento.

REFLEXÕES SOBRE O APRENDER ASER PESQUISADOR

Nessas reflexões, passo a construir ascategorias de análise, exemplificando-as comos depoimentos das estudantes.

Compreendendo a pesquisa na relaçãoentre o ensinar e o aprender, como professorada disciplina Orientação Monográfica, sinto emcada aluna uma necessidade de falar, de serouvido, de expressar suas angústias, preocu-pações, ansiedades, medos, alegrias e insegu-ranças. Passo, também, por tudo isso na minhaexperiência como pesquisadora. Elasaguardam(vam) a formatura que seaproxima(va) e a entrega da monografia, mo-mentos percebidos, nas suas expressões,permeados de emoções e sensações inevitáveis.São muitas as dúvidas e incertezas: O medo denão darem conta da monografia e de persisti-rem, além da preocupação com o tempo paraleituras, estudos, produção textual e entregada monografia:

Hoje, dia sete de abril de dois mil e três, estoume sentindo um pouco triste, principalmenteporque não tenho tempo para fazer as leiturasque preciso para a Monografia que estou produ-zindo. Meu trabalho é muito cansativo e tomaboa parte do meu tempo. Às vezes bate uma an-gústia muito grande em mim (ALUNA S).

Cada vez mais, sentia-me e percebia asalunas mais espontâneas ao falarem das suassubjetividades. A angústia, a ansiedade em vero trabalho pronto, no caso a monografia, con-duziram-me a uma postura empática, além darelação trabalho -família como elementos in-terferentes na produção monográfica, naturaisa um ser que é pessoa.

Ser Pesquisador-Iniciante

Nos depoimentos das alunas do Curso de

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Pedagogia da FFPP, reflexões transportaram-me para um novo mundo do aprender a “serpesquisador” (ver Figura 1). As descrições doque é tornar-se pesquisador-iniciante permiti-ram-me uma organização dessas em cinco ca-tegorias, sendo a primeira investigar um pro-blema, buscando respostas, aprofundando-se.O depoimento a seguir ilustra essa preocupa-ção: “(ser pesquisador) É estar em constantebusca de respostas a questões impostas. Todoser humano tem a natureza pesquisadora, po-rém alguns são mais inquietos – não se satisfa-zem com qualquer resposta – e se sentem maisestimulados a se aprofundar em suas pesqui-sas” (ALUNA P).

A segunda categoria caracteriza-se pelosentir interesse e prazer pela pesquisa, expres-sando que ser pesquisador é ter vontade de es-tudar e de descobrir, como registrou a aluna:“Entendo ser pesquisador uma pessoa que gostede descobrir e redescobrir e tenha tempo dis-ponível para buscar informações a respeito doobjeto de estudo ... (ALUNA I).

Ser investigador constante da realidadedinâmica, buscando o crescimento epistêmicoconstitui a terceira categoria, argumentada nafala que segue: “É estar em sintonia com ummundo dinâmico de informações num proces-so constante de busca e investigação procuran-do ampliar os conhecimentos e desvendar ou-tros implícitos. Pesquisar é refletir o mundo, asociedade, e você” (ALUNA F).

Ser o próprio instrumento de pesquisa,com embasamento teórico marca a quarta ca-tegoria. A aluna coloca pesquisar como refletirsobre si própria: “Ser pesquisador é ser o pró-prio instrumento dentro da pesquisa, envolven-do-se em busca de informações precisas comembasamento teórico do que se quer pesquisar”(ALUNA D)

Destaco como última categoria, olharalgo de forma diferente, criando e recriando-ocomo aborda a estudante:” Ser pesquisador évocê olhar algo que todo mundo já viu de umamaneira diferente, sendo capaz de criar e recri-ar tudo o que diretamente faz parte da sua vida”(ALUNA S).

Figura1 – Serpesquisador-iniciantenapercepçãodosalunosdePedagogiadaFFPP,em2003.

Sentir-se/ tornar-se um pesquisador-iniciante

Pareceu-me viável organizar essatemática em cinco eixos (ver Figura 2), sendoo primeiro a universidade favorece esse sentir,através de situações como elaboração de pro-jeto e monografia, além da participação emnúcleo de pesquisa, tudo isso possível ao pro-fessor e ao aluno, representada no discurso:“Atualmente sinto-me uma pesquisadora (pe-quena) mas acredito que no momento em quese está fazendo um projeto, uma monografiasomos pesquisadores, pois estamos lendo, nosinformando ...” (ALUNAA).

Um outro eixo é quando se busca algo(o conhecimento), fazendo novas descobertas,vivencia-se o sentir/tornar pesquisador, mes-mo frente às dificuldades: “Estamos sempre embusca de algo, querendo saber mais sobre de-terminadas coisas e isso não deixa de ser umapesquisa. O que me falta é mais determinaçãopara que consiga ir até o final da pesquisa semme deixar abater por coisas insignificantes”(ALUNA T).

Um terceiro eixo foi notado quando seafirmou que se sente um pouco pesquisador,com experiências iniciais, precisando de umtrabalho interno. Demonstrou que fatores in-ternos têm perturbado esse desenvolvimento,consciente da necessidade de ir além: “Pesso-almente acho-me um pouco pesquisadora, poisainda acomodo-me em descobrir algo por con-ta mesmo das dificuldades, porém, estou tra-balhando isso dentro de mim, buscando novasleituras para uma melhor compreensão daqui-lo que interessa-me com a finalidade de tor-nar-me quem sabe num futuro próximo umagrande investigadora” (ALUNA V).

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Sentir comprometida na realização de umtrabalho útil ao campo profissional constitui oquarto eixo, entrelaçado na fala da aluna: “Eume sinto comprometida em realizar um traba-lho com seriedade, que ñ se configure meraformalidade para obtenção de nota, mas queantes de tudo sirva para realização pessoal”(ALUNA E).

Um último eixo apresentado foi o de nãose sentir pesquisador porque não tem buscado,devido à falta de tempo e de condições finan-ceiras, retratada na fala, apesar de não descar-tar essa possibilidade: “Ainda não, não tenhobuscado” (ALUNA J). Quando está aprenden-do a ser pesquisador, o estudante sente um es-tímulo que desencadeia um aprender contínuo:“Me sinto estimulada a aprender cada vez maisa aprender, a ler a estudar, aprender novos co-nhecimentos” (ALUNA E).

Figura2 – Sentir-sepesquisador-iniciantenapercepçãodosestudantesdePe-dagogiadaFFPP,em2003.

SOU/ESTOU PESQUISADORA?

Busquei conhecer-me durante essa expe-riência de me sentir pesquisadora, refletindo aminha história profissional cruzada com a mi-nha história de vida. Os alunos foram (e são)elementos essenciais nesse conhecer. Nessenovo aprender, desconstruí a minha prática,novas posturas foram despontadas; vi nasceruma interação entre a dimensão pessoal e pro-fissional. (A maneira como ensino está associ-ada ao que sou como pessoa.) O educando, tam-bém, sente carência do conhecimento de si pró-prio, necessário para a sua formação.

Como qualquer ser humano pesquisador,principalmente iniciante, senti angústia, difi-culdades e, também, motivação na produção

da dissertação. Tive medo de não dar conta dela,porém, quando produzi o trabalho, senti grati-dão pelo que consegui. A solidão me pertur-bou, assustou-me; inúmeras vezes, recorri aoorientador, aos professores e colegas domestrado e da FFPP. Esses sentimentos, meuse das alunas, levaram-me a construir uma poe-sia, expressando a dor do pesquisador.

O /A PESQUISA-DOR 2

Dor, que dor é essa que atormenta o pesqui-sador?Medo, angústia, tristeza....Falta tempo para ler, produzir, se envolver.Surge a dificuldade de concentração, a famíliafala mais alto.Dor pela necessidade de falar, desabafar.Dor pela insegurança, faltam estímulos...Deus vem amenizar a dor, orações!Acomodação ou correr riscos?Riscos de sentir a dor ou a dor da acomodação?Há momentos que não se sabe o que é sentir,Pois as sensações levam às dúvidas.Ansiedade, monografia e formatura.A dor pelas desagradáveis condições financei-ras... Problemas conjugais...Dificuldade de escrever, medo de errar, de re-construir.Choros, lágrimas de dor, da dor de ser pes-quisador!

INQUIETAÇÕES FINAIS

Chegou o momento de compartilharmos,leitor, as reflexões que finalizam esse trabalho,numa busca que não se esgota nem aqui, nemhoje e se prolongará naqueles que fazem do seuexercício profissional um desejo infinito. Foi umtempo de construção e reconstrução da minhavida enquanto SER. Um tempo que me permi-tiu viver, sonhar, experimentar momentos decrescimento pessoal, resgatando uma relação eaprendizagem significativa que estavam ador-mecidas no meu mundo. Toda a ansiedade docomeçar foi transformada pela felicidade do pro-duzir e do projetar novos sonhos, através dasmarcas que profundamente me modificaram.

2A abordagem fenomenológica permite a escrita poética, razão do título que expressa a pesquisa e a dor do perquisador.

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1. O Construtivismo

A presença do construtivismo comoreferencial teórico tem sido marcante no cená-rio educacional brasileiro. Desde a década de80, presenciamos a difusão dessa teoria comoalternativa ao paradigma tradicional, o qual porser voltado meramente à transmissão e absor-ção passiva de conteúdos, mostrava-se inade-quado ao processo de desenvolvimento de umser autônomo. Contraditoriamente, oconstrutivismo postula um ensino pautado naconstrução de conhecimento, concedendo aoaluno um papel ativo neste processo.

A alternativa para a pedagogia tradicional é con-cretizada, então, em uma série de propostas de ta-lhe construtivista e cognitivista que, ao mesmotempo que atribuem ao aluno um papel ativo naaprendizagem e destacam a importância da explo-ração e da descoberta, concedem um papel secun-dário ao ensino e concebem o professor basica-mente como um facilitador e orientador da apren-

O CONSTRUTIVISMO ENTRE OS PROFESSORES DO ENSINOFUNDAMENTAL: UM DISCURSO ANCORADO

Cleânia de Sales Silva1

RESUMO

Reconhecendo o construtivismo como referência consolidada noBrasil e o desafio dos professores desenvolverem uma práticaeducativa construtivista, questionamos: Qual a representação soci-al de construtivismo dos professores e como essa representaçãovem orientando suas práticas pedagógicas? Investigamos 100 pro-fessores de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental que utilizam estateoria como referencial para suas práticas e constatamos que elestêm uma representação social de construtivismo positiva, entretantonão conseguem desenvolver uma prática construtivista. Analisandoesta questão sob os aspectos da familiarização e da ancoragem, per-cebemosqueosprofessores, comoformade superar conflitos epres-sões surgidas, buscam familiarizar-se com esta teoria ancorando-aem experiências e conhecimentos anteriores, continuando presos aposturas tradicionais. As considerações apresentadas apontam paraa necessidade de repensarmos o processo de formação desses pro-fessores e de considerarmos suas representações sociais.

Palavras-chave: construtivismo, representações sociais, formaçãodocente

ABSTRACT

Theconstructivist theoryhasbeen a reference inBrazil. Thequestioninvestigated was: What is the teacher’s social representation ofconstructivism, and in what way this representation has guided theirpedagogical practices? We researched 100 teachers from basiceducation and we concluded that their social representation ofconstructivism is positive, although they cannot develop effectively aconstructivist pedagogical practice. In this article, we analyze someteachers’ speeches under the aspects the familiarization and theanchorage. That analysis revealed that the researched teachers havetaken theconstructivismandanchored it to anterior andcontradictoryparadigms, continuing, therefore, attached to traditional attitudes.These considerations show theneedof thinking about these teachers’formation and about considering their social representations.

Keywords: constructivism, social representations, teachers’formation.

dizagem. São propostas pedagógicas para as quaisa educação escolar ideal não seria a que transmitesaberes culturais, conhecimentos já elaborados emnível social, mas que proporciona algumas condi-ções ótimas para que possa ser concretizada, semobstáculos nem limitações ou extensão dessa di-nâmica interna ao indivíduo, ao qual se atribui aresponsabilidade pelo desenvolvimento (COLL,1996, p.393).

O construtivismo surge como uma teo-ria que vem trazer avanços significativos paraa educação, servindo de base teórica para a re-organização de políticas e práticas educativas,sendo referência não só nas propostascurriculares pedagógicas, mas sobretudo naformação dos docentes das instituições públi-cas e privadas de vários estados brasileiros.

A exigência de um professor conhecedore seguidor dos postulados construtivistas é, atu-almente, bastante forte na realidade educacio-nal. São inúmeros os discursos favoráveis emtorno de uma ação educativa construtivista pre-

1 – Professora da Universidade Federal do Piauí- Centro de Ciências da Educação e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UniversidadeFederal doRioGrandedoNorte.

Teresina n. 10 27 - 34 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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sentes nos meios de comunicação, nas propa-gandas escolares, nas revistas especializadas,nos congressos e seminários da educação, emcontraposição ao ensino tradicional. Esta exi-gência se torna, porém, mais forte nas deter-minações dos órgãos responsáveis pela educa-ção - seja em nível público ou privado-, atra-vés das diretrizes e propostas curriculares quedevem ser seguidas. - O lançamento dosParâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)pelo Ministério da Educação, o qual sugere ateoria construtivista como referencial para aspropostas curriculares nacionais, é um exem-plo disso - . São muitas as escolas brasileiras,principalmente da educação infantil e do ensi-no fundamental, tanto da rede pública quantoda rede particular, que definem a proposta pe-dagógica a ser desenvolvida (ou a formulaçãodessa proposta) baseada no construtivismo,exigindo, portanto, um redimensionamento naprática e formação de seus professores.

Nesse contexto, os docentes se vêem di-ante de um grande desafio: apropriar-se dospressupostos teóricos construtivistas e aplicá-los na sua prática em sala de aula.

2. O construtivismo como objeto das repre-sentações sociais

As representações sociais são umconstructo teórico elaborado por SergeMoscovici (1978) que se refere a um conjuntode conceitos, explicações e proposiçõesconstruídos nas relações interpessoais, os quaislevam os indivíduos a definir e interpretar oreal, a tomar decisões e a se posicionar diantedessas. Elas se formam a partir da apropriaçãodo que foi produzido e divulgado no campodas ciências e das conversações, dentro de umcontexto social em que estão presentes cren-ças, valores, costumes, etc. Esta apropriação,segundo ele, é organizada sob a aparência deuma teoria que servirá de guia para as condu-tas e as comunicações entre os indivíduos e omeio ambiente.

As representações sociais são conjuntos dinâmicosde forma de apreensão e expressão do cotidianovivenciado pelo homem e seu status é o de uma pro-dução de comportamentos e de relações com o meio

ambiente, de uma ação que modifica aquelas e estas,e não de uma reprodução desses comportamentos oudessas relações, de uma reação a um dado estímuloexterior (MOSCOVICI, 1978, p.50).

Para Moscovici, a representação socialtorna familiar e presente aquele objeto que estádistante ou ausente. Esta familiarização se dá,sobretudo, em função da integração deste a es-quemas, idéias e acontecimentos pré-existen-tes. O novo objeto passa a ser conhecido a par-tir da sua ancoragem em outros objetos (ima-gens, valores, conceitos...) que já se encontramno universo interior do indivíduo. Neste traje-to, ambos (o objeto novo e os pré-existentesque a ele se vinculam) se transformam. Assim,a representação social de uma teoria ou fenô-meno científico é um processo de recriaçãodestes que envolve uma dinâmica defamiliarização, na qual os objetos e indivíduossociais são percebidos, compreendidos ereconstruídos em relação a conhecimentos eexperiências prévios (ancoragem).

O estudo das representações sociais temocupado atualmente posição central no campodas ciências humanas, constituindo-se num va-lioso suporte teórico, principalmente na áreada educação, pois oferece subsídios de análiseque auxiliam na compreensão e reelaboraçãode conceitos socialmente construídos e veicu-lados pelos sujeitos e grupos. Além do mais,as representações são a base do conhecimento,expressam a concepção que as pessoas têm domundo exterior e interior e, portanto, são ine-rentes à prática educativa.

Jodelet (2001) comenta que as represen-tações sociais interferem na difusão e assimi-lação do conhecimento, no desenvolvimentoindividual e coletivo e nas práticas sociais.Conhecer as representações sociais, saber comoelas são organizadas e que relação estas repre-sentações têm com o comportamento dos indi-víduos e grupos é, portanto, fundamental paraa compreensão das práticas sociais, dentre elas,a prática educativa.

Dessa forma, sendo o construtivismouma teoria científica da qual os professores vêmse apropriando e tentando traduzir seus postu-lados no trabalho da sala de aula, reconhece-

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mos que a teoria das representações sociais éum instrumental teórico-metodológico adequa-do para a investigação da temática. Conhecer,pois, como os professores se apropriam dessateoria e transformam-na num outro saber (sen-so comum) e que significações lhe atribuemnesse processo é relevante para compreenderas práticas desenvolvidas por eles e para pen-sar seus processos de formação.

Diante disso, adotamos a teoria das re-presentações sociais como constructo teórico-metodológico para uma primeira aproximaçãocom o construtivismo enquanto objeto de es-tudo. O problema que direcionou nossa inves-tigação foi: Qual a representação social deconstrutivismo dos professores do ensino fun-damental e de que forma esta representaçãovem orientando a prática pedagógica destesprofessores?

3. Metodologia

Segundo Jodelet (2001), as representa-ções sociais são veiculadas, também, pelos dis-cursos dos sujeitos e dos grupos. Para tentarapreendê-las utilizamos, inicialmente, comoinstrumento de coleta de dados, o questioná-rio, com perguntas objetivas e subjetivas quepossibilitaram os sujeitos expressarem suasidéias, opiniões, julgamentos e experiênciassobre a teoria construtivista e a prática que de-senvolviam em sala de aula, permitindo assimque as configurações das representações soci-ais desses sujeitos acerca desta teoria e as suasimplicações na prática pedagógica fossem apre-endidas. Num segundo momento, utilizamos aentrevista semi-estruturada, buscando deline-ar o contexto em que estas representações fo-ram elaboradas e compartilhadas, seus proces-sos constitutivos e determinantes, ou seja, comoo construtivismo foi divulgado e concebido pe-los professores, bem como as informações, ostreinamentos e as orientações que receberam arespeito.

Os sujeitos-alvo de nossa pesquisa foramos professores de 1ª a 4ª séries do ensino fun-damental da rede pública de Teresina (PI), emfunção de estes adotarem oficialmente, desde1995, uma proposta pedagógica construtivista.

Contudo, buscando uma melhor compreensãoda temática, recorremos também aos professo-res da rede estadual que, embora não tivessemuma proposta pedagógica oficial, recebiam su-gestões para trabalharem com esse referencial.Com isso, investigávamos possíveis diferençasexistentes entre as representações sociais e aspráticas pedagógicas daqueles docentes quetêm uma proposta construtivista formal, maissolidificada em relação aos que têm apenassugestões.

Responderam aos questionários 100 pro-fessores de diferentes escolas das duas redesde ensino, sendo 50 da rede municipal e 50 daestadual, escolhidos em razão da facilidade deacesso para o pesquisador. Das entrevistas, par-ticiparam 5 professores, de cada rede de ensi-no, selecionados, dentre os que haviam respon-dido o questionário, aqueles que mais se con-sideraram construtivistas.

A análise dos dados coletados foi feita apartir das técnicas de análise de freqüência eanálise de conteúdo, sendo esta última funda-mentada em Bardin (1977).

O presente artigo tem como objetivo ana-lisar mais profundamente os resultados da pes-quisa, a partir de dois pontos da teoria das re-presentações sociais: a familiarização e a an-coragem.

4. Resultados

Os resultados dos estudos sinalizarampara alguns aspectos norteadores, tais como:• Valorização positiva do construtivismo• Incorporação do ideário construtivista• Ancoragem do construtivismo a paradigmas

de aprendizagem já existentes

Valorização positiva do construtivismo

Os depoimentos coletados, nas entrevis-tas e nos questionários, revelaram que todosos professores compartilham de uma mesmarepresentação social de construtivismo, nãohavendo diferenças significativas entre aque-les que trabalham com uma proposta oficial-mente dita construtivista, em relação aos queapenas recebem sugestões para tal. A imagem

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que remetem ao construtivismo é a de um mo-delo teórico-metodológico inovador, eficaz enecessário para a realização de uma educaçãode qualidade, tendo em vista que a melhoria daprática pedagógica e o sucesso dos alunos es-tão, para eles, condicionados à apropriação dospostulados construtivistas em prática na salade aula.

Embora alguns sujeitos, de ambos os gru-pos, reconheçam não dispor de elementos su-ficientes para utilizar o construtivismo no co-tidiano da sala de aula, os resultados aponta-ram que esta teoria suscita, para eles, de formageneralizada, atitudes favoráveis, pois:

• consideram as atividades utilizadas por pro-fessores construtivistas como as maispossibilitadoras de aprendizagem;

• recorrem ao construtivismo para subsidiarseus discursos pedagógicos, sendo suas falaspermeadas de termos construtivistas;

• demonstram interesse de serem construtivistase a intenção de buscar a superação dos obstá-culos que os impedem de realizar tal objetivo.Em seus discursos, predominam duas tendên-cias: “ser construtivista” e “não serconstrutivista ainda”;

• dos sujeitos pesquisados, 90% afirmam serconstrutivistas, ainda que parcialmente e ospoucos professores que não se consideramconstrutivistas (10%) não apresentam nenhu-ma objeção em relação à teoria, apenas reco-nhecem não ter conhecimento suficiente paradesenvolvê-la;

• acham o construtivismo inovador, um avan-ço para a prática educativa;

• buscam desenvolver, em sala de aula, ativi-dades que julgam ser construtivistas.

Vejamos alguns depoimentos dos profes-sores como ilustração disso2 :

Não sou mais tradicional porque me esforço paraque minhas aulas se tornem momentos de discus-são, observação e análise do meio em que estascrianças vivem (PM1).

Tenho procurado mudar minha prática pedagógi-ca e por ainda está nesse processo, não me consi-dero totalmente construtivista, mas já conseguiultrapassar as barreiras do tradicionalismo e tenhopercebido que minha nova maneira de trabalhartem ajudado meus alunos a aprenderem melhor(PM23).

Ainda não fui preparada para tal avanço (PE4).

Todos temos o objetivo de trabalhar com o méto-do construtivista. Não trabalhamos por completo,mas tentamos adotar em sala o que contribui paraeste método e vemos que o resultado é bem me-lhor (PE33).

Incorporação do ideário construtivista

Todos os docentes pesquisados, conside-rados oficialmente construtivistas ou não, apre-sentaram incorporações de algumas das propo-sições do construtivismo em sua retórica peda-gógica, tanto da teoria de Piaget, quanto da teo-ria de Vygotsky, sendo que, em seus discursos,predominam elementos da teoria piagetiana.

Os depoimentos deles revelaram que estaincorporação centra-se nos seguintes postula-dos: aprender é construir conhecimentos; o alu-no é ativo, é quem constrói seu conhecimento;o professor é mediador, facilitador de aprendi-zagem, não mero transmissor de informações;e o ensino deve partir do concreto. Vejamos afala de alguns:

O professor deve ser um mediador, dando liberda-de aos educandos para expressar-se, fazendo in-tervenções necessárias para que o aluno avance econstrua junto (PM11).

Procuro ser construtivista, mediar na medida dopossível com atividades criativas, música, brinca-deiras, material concreto (PM17).

Busco levar o aluno a tirar sua própria conclusãosobre os conteúdos, fazendo-os interpretar e nãosó copiando e decorando (PE29).

Neste processo, o professor tem o papel de media-dor (PE4).

Ancoragem do construtivismo

A maioria dos professores (tanto muni-2 Os depoimentos se referem a justificativas dadas pelos sujeitos que se consideram construtivistas ou parcialmente construtivistas. As siglasPM e PE referem-se respectivamente a professores municipais e professores estaduais. Os números indicam a ordem em que os sujeitos foramquestionados.

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cipais como estaduais) destacou, em seus de-poimentos, a importância de se trabalhar comexperiências, materiais concretos e com ativi-dades prazerosas, do interesse dos alunos. Asjustificativas que alguns deram ao se conside-rarem construtivistas exemplificam o fato:

Estou sempre procurando trabalhar com esse mé-todo construtivista. Minhas aulas são bastantediversificadas, trabalho com materiais concretos,faço experiências em sala para os alunos ver, pe-gar, comprovar, faço aulas-passeio, etc (PM19).

Trabalho sempre com materiais concretos para osalunos poderem ver, pegar, trabalhar melhor. Usotampinhas, palitos de picolé, etc (PE26).

Nesses depoimentos, constatamos que ateoria construtivista foi ancorada ao paradigmaempirista de aprendizagem. A idéia defendidapor Piaget de que o conhecimento se dá a par-tir do material concreto foi interpretada comose a aprendizagem ocorresse a partir da mani-pulação de objetos concretos ou da visualizaçãodestes. Para o autor, entretanto, as atividadesfísicas (manipulação e experimentação) sãonecessárias quando a lógica formal não foi de-senvolvida, porém o conhecimento não se dámeramente na manipulação de objetos, mas apartir das coordenações de ações possibilita-das por esta manipulação.

Rangel (1997), no seu artigo Odescompasso entre a lógica e o ensino da ma-temática, esclarece que o material concreto naperspectiva construtivista se refere àquilo quetem significado no vivido, que é reinterpretado,inserido numa rede de significações. É esta ati-vidade interna e mental de ressignificar que égeradora de conhecimento. Ela afirma quePiaget ao defender um ensino centrado na ex-periência, no concreto não está se referindo àação física com objetos, como pensam os su-jeitos pesquisados, mas a uma ação mental,problematizadora, oriunda da primeira, porémsuperior a esta em função das articulações fei-tas com outras situações vivenciadas.

Por outro lado, constatamos, a partir dafala dos sujeitos de cada grupo, que oconstrutivismo foi também ancorado ao

espontaneísmo. É recorrente, entre eles, a vi-são do professor construtivista como aquele queexecuta atividades prazerosas e dinâmicas:

Sou construtivista, pois estou sempre procurandoinovar as aulas com atividades diversas e de inte-resses dos alunos, tornando-as prazerosas (PM4).

Proporcionar condições para que o aluno se en-contre na sala em um ambiente agradável,descontraído, mas sério (PE24).

Esta idéia representa uma aproximaçãocom o espontaneísmo e uma simplificação dospostulados construtivistas, uma vez que, na vi-são de Piaget, o professor pode até possibilitar,para os alunos, atividades prazerosas, que par-tam dos interesses e necessidades destes, en-tretanto, para que estas oportunizem a constru-ção de conhecimento é necessário que elas pos-sibilitem a análise, a interpretação e aproblematização.

As manifestações discursivas dos sujei-tos, de forma geral, revelaram, pois, que a re-presentação que eles têm do construtivismo foiancorada ora ao paradigma empirista ora aoespontaneísmo, não possibilitando, assim, queas suas práticas se tornassem efetivamenteconstrutivistas3 . As atividades que diziamdesenvolver em sala estavam vinculadas, namaioria das vezes, a absorção passiva deconteúdos e a mera manipulação de materiaisconcretos, a uma concepção empirista e nãoconstrutivista de aprendizagem.

Alguns professores, dos dois grupos, jus-tificaram o fato de não se considerarem total-mente construtivistas defendendo a necessida-de de mesclar, unir o construtivismo e o tradi-cional. Para eles, alguns postulados tradicio-nais são necessários em certas situações:

Eu não sei trabalhar totalmente no construtivismo,mesmo porque eu acho que muitas coisas do tradici-onal é importante e ajuda muito na aprendizagem,por isso eu jamais vou abolir totalmente o ensinotradicional.Eu trabalhoumpoucodecadaum (PM6).

Não trabalho apenas com a teoria construtivista,tento aproveitar o que há de melhor no métodotradicional... (PE35).

3 Consideramos aqui como construtivistas as práticas que partem das premissas de César Coll, as quais estão fundamentadas nos postuladosda teoria Psicogenética de Jean Piaget e nos postulados de Lev. Vygotsky, teóricos citados pelos sujeitos como representantes do construtivismo.

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Os depoimentos demonstraram que osprofessores defendem uma prática pedagógicaconstrutivista, ainda que conjugada com algunspostulados tradicionais. Um dos aspectos tra-dicionais abordados, principalmente pelos pro-fessores municipais, como necessários em salade aula e negligenciados pela teoriaconstrutivista é a disciplina:

Ofereço meios para que os alunos construam seusconhecimentos, mas não os deixo totalmente li-vres em sala. Adoto métodos tradicionais comoimpor autoridade quando os alunos não se en-volvem com o conteúdo da aula, com palavras deordem. Acho isso necessário (PM11).

Faço trabalhos dinâmicos em sala com sucatas,jogos, mas valorizo a disciplina. Não dá para pas-sar a mão na cabeça dos alunos (PM15).

Como podemos perceber, os sujeitos con-fundem liberdade com falta de respeito e de umdirecionamento. Eles não conseguem compreen-der que a liberdade defendida pelosconstrutivistas, como bem afirma Rosa (1997),não invade nem a autonomia nem a autoridadedo professor de definir os objetivos e o controledos rumosdaaçãopedagógica e, assim,mais umavezassociamoconstrutivismoaoespontaneísmo.

Além dos pontos mencionados, algunssujeitos, de ambos os grupos, afirmaram nãoconseguir desenvolver uma práticaconstrutivista em função de terem pouco co-nhecimento acerca da teoria, necessitando, por-tanto, de mais estudos e orientações.

Ainda não me considero totalmente construtivista.Necessito de estudos mais aprofundados, de maisorientação, de cursos para desenvolver o meu tra-balho dentro da teoria construtivista (PM2).

Não tenho conhecimento aprofundado da teorianem recursos para pô-lo em prática (PE15).

Os dados obtidos na pesquisa revelaram,portanto, que todos os professores pesquisados(municipais e estaduais) têm uma representa-ção positiva do construtivismo, mas uma com-preensão ambígua, pouco consistente, ancora-da aos paradigmas empirista e espontaneísta.Este resultado nos levou ao seguintequestionamento: Por que o construtivismo seassocia a paradigmas tão contrários?

Para responder tal questão (intenção des-se artigo), iniciamos com a idéia de que o pro-pósito de toda representação social é transfor-mar algo não familiar em familiar, tornar o des-conhecido, conhecido, atenuar o medo do novo.

Segundo Joffe (1995), uma vez represen-tado sob uma feição mais familiar, o objetosocial se torna menos ameaçador. Bauer (1995,p.229), por sua vez, afirma que as inovaçõessimbólicas são ativamente neutralizadas atra-vés de sua ancoragem em formações tradicio-nais circulantes em certos lugares, práticas egrupos sociais e nesse processo, “tanto a novaidéia como o sistema que a hospeda, sofremmodificações”.

Para Guareschi (1995), o processo deancoragem não é neutro, mas ideológico. Éuma legítima prática ideológica que consisteno emprego de formas simbólicas para criar emanter relações de dominação. É um instru-mento de legitimação da dominação cultural.Uma vez legitimado, é possível, segundo ele,compreender como as representações sociaisjá existentes e as práticas mais antigas anco-ram às novas práticas.

Diante da realidade pesquisada, notamosque os professores, de modo geral, têm sofri-do uma pressão muito grande para seremconstrutivistas. Os conflitos vivenciados poreles que, de certa forma, vêem-se “obrigados”a trabalhar numa perspectiva construtivista, adesenvolver atividades construtivistas e a usarmateriais considerados construtivistas em salade aula, sem terem uma fundamentação con-sistente e uma orientação permanente que oscapacitem para tal, contribuíram para que, em-bora tivessem apropriado em seus discursosos ideais correspondentes às novas disposi-ções, não conseguissem transformar realmentesuas práticas, como bem afirmaram em seusdepoimentos:

Os cursos oferecidos era mais assim por exemplo:material dourado, como utilizar o material doura-do. Então quer dizer que aquele material dourado... parecia ser uma forma de prática doconstrutivismo. Era dada ênfase ao material, nãotinha fundamentação sobre a teoria, era só ativida-de que era proposta a partir do construtivismo. En-tão a gente pensava que o construtivismo era exata-mente essas atividades... (PM4).

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São cursos soltos, às vezes a gente só escuta asmesmas coisas nos cursos, eles não avançam. DePiaget, a gente só vê os estágios, mas é tudo muitosolto (PE3).

Nesse processo de incorporação e tradu-ção em prática escolar do “modeloconstrutivista”, os professores angustiam-se pornão terem subsídios teórico-metodológicos quepossibilitem a sua concretização em sala deaula. Entretanto, pela própria imposição sofri-da dos órgãos deliberativos da educação e dosmeios de comunicação que apresentam os pos-tulados construtivistas como condição impres-cindível para o desenvolvimento de uma práti-ca pedagógica de qualidade, assimilaram oideário construtivista vinculando-o às suas ex-periências e valores anteriores. Dessa forma,as idéias construtivistas, embora consideradasinovadoras, foram ancoradas em paradigmasjá existentes. Os professores passaram aressignificar os pressupostos empiristas eespontaneístas em função dos construtivistas evice-versa. Esta prática de ressignificação, deancoragem do velho com o novo, desenvolvi-da pelos sujeitos, foi fruto do contextovivenciado por eles. Como forma de superaros conflitos, as pressões e dificuldades surgidas,buscaram familiarizar-se com a nova teoria“imposta” a partir de suas próprias experiênci-as, continuando, portanto, de certa forma, pre-sos a posturas tradicionais.

5. Conclusão

A análise em torno da temática mostrou-nos que todos os professores pesquisados têm,de forma generalizada, uma representação so-cial de construtivismo extremamente valoriza-da, contudo esta representação se constitui numdiscurso ancorado a paradigmas tradicionais.Esta ancoragem não surgiu do nada, mas dopróprio contexto social e simbólico do qual ossujeitos fazem parte. Contexto este que os temprivado de refletir, de pensar, de reelaborar seusconhecimentos e práticas, por meio de cursosde treinamento sem fundamentação teórica ecom caráter meramente prescritivo, através de“receitas” construtivistas e de um extenso acer-vo de “materiais construtivistas” a serem com-prados e utilizados pelos professores em nomede uma educação de qualidade e democrática.Contexto este que os transformou em merosexecutores e propagadores do novo velho dis-curso: o discurso construtivista.

Todas as análises aqui apresentadas apon-tam, pois, para a necessidade de se rever o pro-cesso de formação dos professores, especial-mente daqueles que buscam trabalhar com oconstrutivismo, e sinalizam para um novo ca-minho: a necessidade de se considerar as re-presentações sociais como elemento fundamen-tal e ponto de referência para o desenvolvimen-to de projetos e políticas de capacitação e for-mação docente.

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Autrici nella formazione adulta: una brevepremessa

Nel crescente bisogno di formazioneadulta, resa necessaria dalla complessa societàdella conoscenza3 , la formazione al lavoro èdiventata negli ultimi due decenni essenziale estrategico segmento nell’ampia e pervasivaofferta formativa. Un nesso importante lega laformazione al lavoro e la formazione condonne. Nell’indagare questo legame mi sonoispirata, tra l’altro, ad un approccio sistemico

L’acqua la insegna la sete, l’impresa l’amore1 .Idee ed esperienze di formazione come pratica politica

vista dall’Europadi Antonia De Vita

L’acqua è insegnata dalla seteLa terra, dagli oceani traversati.

La gioia, dal dolore.La pace, dai racconti di battaglie.

L’amore, da un’impronta di memoria.Gli uccelli, dalla neve.

Emily Dickinson2

RESUMO

O artigo evidencia as relações entre a formação praticada pormulheres adultas e as transformações do trabalho ocorridas nosúltimos vinte anos que o tem feminilizado nas suas formas. Depoisdeumabreve reconstruçãode comoo trabalho temsido feminilizadopor causa da maciça presença feminina, não somente quantitativamas qualitativa, entra-se no mérito da relação entre formação adultae trabalho, através de uma experiência de formação e de criação de“empresa” realizada por uma associação em um bairro da cidade deVerona: “eu trabalho no meu bairro”. Deste curso, aoencaminhamento de empresas sociais femininas sobre o território,emerge que, para as mulheres, seja a relação com o trabalho seja ofazer-se empresa, existe uma estreita relação com a responsabilidadedas relações sociais e com um interesse pelo território. A “empresa”,na verdade, não é vivida como comércio, mas muito mais comoempreendimento de vida e de trabalho, de relações capazes deconciliar materialidade e necessidades sociais numa dimensão queé o espaço público do bairro.

Palavras-chave: Formação, Feminina, Prática Política.

RIASSUNTO

L’articolo mette in luce i legami tra la formazione praticata da donneadulte e le trasformazioni de lavoro in atto nell’ultimo ventennio chevui hanno femminilizzato nelle sue forme. Dopo una brevericostruzione di come il lavoro si sai femminilizzato a causa dellamassiccia presenza femminile, nonsolo quantitativa ma qualitativa,si entra nel merito del rapporto tra formazione adulta e lavoroattraverso un’esperienza di formazione e di creazione d’impresa cheun’associazione ha realizzato in un quartiere della città di Verona: iolavoro nel quartiere. Da questo corso per l’avvio de imprese socialfemminili sul território emerge che per le donne sai il rapporto com illavoro che il far-essere impresa hanno um rapporto stretto com lacura dei legami social e com un interesse per il territorio. L’impresainfatti non é vissuta come azienda ma piuttosto como di vita e dilavori, de relazione capaci di concilare materialità e bisogni social inuna dimensione che è lo spazio pubblico del quartiere.

Parore-chiave: formazione, feminile,praticapolitica.

alla formazione che tiene in seriaconsiderazione le motivazioni e gli scopi degliadulti e delle adulte che entrano in formazione.Per sostanziare il senso e l’attualità di unarelazione preferenziale tra formazione condonne e formazione al lavoro il mio percorsosi articola in tre momenti: 1. i cambiamenti dellavoro a seguito della femminilizzazione dellavoro e delle sue forme; 2. la formazione allavoro con donne nella Ricerca-Azione Iolavoro nel mio quartiere: accompagnamentoalla creazione sociale; 3. la formazione condonne come pratica politica.

Teresina n. 10 35 - 42 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

Recebido: junho de 2004Aceito: junhode20041 Rap di Mimesis in Via Dogana, nº 37, pp. 12-13.2 Emily Dickinson, Tutte le poesie (135), Mondatori, Milano 1997.3 Aureliana Alberici, Imparare sempre nella società conoscitiva, Paravia Scriptorium, Torino 1999.

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Donne al lavoro

La più recente letteratura sul lavoro èsostanzialmente unanime nel registrare i datiche mostrano come a partire dagli anni Sessantain tutta Europa si inizia a registrare la presenzasignificativa delle donne nel mercato del lavoro.Da allora questo dato si è mantenuto con anda-mento positivo e in continua crescita, tale dafar dire che “l’aumento della popolazione attivain Europa almeno da dieci anni, riposasull’esplosione dei tassi di attività delledonne”4 . Lia Cigarini, tra le prime studiose eosservatrici in Italia ad aver parlato difemminilizzazione del lavoro, ha spiegato inche senso questo fenomeno non vada intesosolo come la massiccia entrata delle donne nelmondo del lavoro, ma come un cambiamentodel volto del lavoro stesso a causa del fatto che“il lavoro in generale ha cominciato amodificarsi a causa della presenza femminile”5 .Non si tratta infatti di un fenomeno meramen-te quantitativo ma di una trasformazione piùradicale. Tra le cause della crisi della societàfordista vi è sicuramente la rottura di un pattosociale che affidava alle donne gran parte dellavoro di riproduzione6 . Sempre più donnehanno cominciato ad entrare nel mercato dellavoro portandovi le proprie capacità, la propriaintelligenza, le proprie competenze, senzalimitarle al lavoro di cura familiare. Si è cosìreso visibile un senso autonomo dello stare almondo da parte delle donne, che con la loropresenza nel mercato del lavoro hannomodificato potentemente le loro vite e con esseil più generale scenario del lavoro in occidente.La scelta di porre fine all’accordo socialemillenario, che le impegnava principalmente oesclusivamente nel lavoro di cura, hacontribuito molto alla crisi del fordismo. Comelo studioso Beppe Caccia ha notato: “ad

incrinare il modello di regolazione produttivae riproduttiva ‘fordista’ è stato, in una primafase, l’emergere potente di una soggettivitàoperaia massificata, ma determinante nella crisidel fordismo, dal punto di vista dei meccanismidella riproduzione sociale, è stata senza dubbiol’irruzione sulla scena della soggettivitàfemminile, con forme di azione politica bendiverse da quelle consegnateci dalle tradizioniotto-novecentesche”.7 I saperi relazionali chele donne oggi portano nel mercato del lavorosono gli stessi che hanno sempre praticato nellavoro di cura gratuito familiare. Oggi peròquesto lavoro di cura gratuito è uscito dalla suainvisibilità e ha mostrato la sua preziositàproprio nel nuovo modello di produzionecentrato sull’informazione e la comunicazione.I nuovi lavori sono infatti incentrati sullaproduzione linguistica, comunicativa erelazionale ed è generalmente riconosciuto chele donne abbiano in questi ambiti moltecompetenze. C’è dunque, come sostengonoalcune studiose e studiosi delle trasformazionidel lavoro, un vantaggio femminile nella societàpostfordista incentrata sui beni immateriali erelazionali, sui servizi e sulla comunicazione,sulla “produzione a mezzo di linguaggio”8 , incui si tratta di produrre senso, relazioni esocialità; dunque su una produzione dimediazioni e di legami sociali che le donnehanno storicamente messo a disposizionenell’ambito riproduttivo.

La studiosaAdele Pesce ha parlato, sullascorta degli studi di Simmel e di Prokop, di‘carattere sociale del lavoro femminile’.Secondo la sociologa tedesca Prokop, ilcarattere sociale del lavoro delle donne nascedall’esperienza all’interno della famiglia e daun’identità sessuale fortemente connotata dallamaternità, che darebbe luogo a “un modo diproduzione specifico, orientato ai bisogni,

4 PaolaPlet-DonatellaBarberis, I numeri delle donne inViaDoganan°37, pp. 6-8; cfr. ISTAT,BollettinoMensile – statistichedel Lavoro, 11ottobre 1996; “Statistichedel Lavoro”, Dati nazionali, 1995; F. Chelli, L. Rosti, Un’analisi sui flussi nel mercato del lavoro, in Politica economica, XIV, 3, dicembre 1998; F.Rapiti, Lavoroautonomo, lavoro dipendente e mobilità: un dato statistico sull’Italia, in S. Bologna, A. Fumagalli (cur.), Il lavoro autonomo di seconda generazione, Feltrinelli, Milano1997, 176.5 Lia Cigarini, Un altro conflitto tra i sessi in A. Buttarelli – L. Muraro – L. Rampello (cur.), Duemilaeuna. Donne che cambiano l’Italia, Pratiche Editrice, Milano 2000,p. 176.6 Iaia Vantaggiato, La femminilizzazione del lavoro, in AA.VV., Stato e diritti nel postfordismo, Manifestolibri, Roma 1996, p. 55.7 Beppe Caccia, Quando il lavoro diventa donna in Via Dogana nº 37, pp. 8-9.8 Christian Marazzi, Produzioni di merci a mezzo di linguaggio in AA.VV., Stato e diritto nel postfordismo, p. 17.

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centrato sulla relazione e sulla cura, fortemen-te influenzato dal gruppo e dall’ambiente.” 9

Dunque la produzione di rapporti socialisarebbe l’essenza del modo di produzionefemminile; per quanto l’importanza di questocarattere del lavoro delle donne è riconoscibilenelle dinamiche storiche, a condizione che siesca dal binomio formale/informale eproduzione/riproduzione.

Essere autrici di legami sociali: la creazionesociale femminile

La femminilizzazione del lavoro e dellesue forme è stata prontamente intercettata dalmercato del lavoro che l’ha messa a valore: èsu questa base che si parla di un ‘divenire donnadel lavoro’ postfordista incentrato sullacomunicazione, e di un modo differente, peruomini e donne, di stare al mercato del lavoro.10

Il carattere non integrato della nostrasocietà, con la sua nuova difficoltà a connetterele sue diverse parti, e al contempo con il suoprepotente tratto globalizzato, ha messo in lucel’emergere di una doppia e ambivalentenecessità: da un lato, ricostruire processi erapporti di radicamento, ad esempio nellosviluppo locale, attraverso una ripresa delrapporto dei suoi abitanti con il territorio,11

dall’altro promuovere e incoraggiare ‘l’accessoalle reti’,12 come movimento di‘allontanamento dal locale’ ma anche come‘partenza dal locale’. 13

Le donne sono storicamente autrici dilegami sociali, di mappe affettive, di spazimateriali e simbolici. In questo tempo storicoè leggibile una tensione femminile a scriveredi sé nel testo sociale creando nuovi con-testi,con altre e altri, creando testo-tessuto socialeche prende spesso le sembianze, non più dicomunità14 , ma di vita associata.AMestre, nei

9 Adele Pesce, Mediazioni femminili nelle trasformazioni tecnologiche del lavoro, in D.Barazzetti e C. Leccardi,Fare e pensare. Donne, lavoro, tecnologie, Rosenberg& Sellier, Torino 1995, p. 41.10 Lucia Bertell, Tesi di laurea, La libertà al lavoro. Percorsi educativi nelle pratiche di imprese sociali femminili, Università degli Studi di Verona, A.A. 1997/98.11 Arnaldo Bagnasco- Fortunata Piselli- Alessandro Pizzorno- Carlo Trigilia, Il capitale sociale, Il Mulino, Bologna 2001.12 Jeremy Rifkin, L’era dell’accesso. La rivoluzione della new economy, Mondatori, Milano 2000.13 Bianca R. Gelli (cur.), Comunità, rete, arcipelago. Metafore del vivere sociale, Carocci, Roma 2002.14 AA.VV., Sentimenti dell’aldiqua. Opportunismo, paura, cinismo nell’età del disincanto, Teoria, Roma-Napoli 1990.15 Associazione “Le vicine di casa”, L’oro delle vicine di casa. Una pratica che rende umana la città, Mestre-Venezia, Centro donna, 1997, p.5; Alessandra De Perini,Vicine di casa in Duemilaeuna. Donne che cambiano l’Italia, Le Pratiche, Parma 2000; Alessandra De Perini, Vicine di casa a Mestre, Cem Mondialità, nº 8, 2000.16 Marco Rossi-Doria, Di mestiere faccio il maestro, L’àncora del mediterraneo, Napoli 1999, pp. 126-127- 128.

primi anni novanta, un gruppo di donne e alcuniuomini hanno creato un’associazione “Levicine di casa” per rendere visibile unascommessa che tiene in una tensione creativae creatrice città e libertà femminile, cura perl’abitare e creazione di legami sociali. Si tratta,dicono le fondatrici, di

una pratica quotidiana che rende umana la città e regolai conflitti secondo un nuovo senso della giustizia nonriconducibile a leggi scritte, che sorge nei liberirapporti, nel dialogo autentico del desiderio con larealtà: un’opera di tessitura che lega insieme vita epolitica, gioco e ricerca appassionata, forticontraddizioni e bisogno profondo di essere felici e inarmonia.15

A Napoli, nei Quartieri Spagnoli, MarcoRossi-Doria racconta con sapienza la suapercezione dell’incontro con la vita associata.Racconta così:

Il quartiere non è solo un malaffare. Ha una suarobustezza e tradizione produttiva. E una sua rete nonrada di servizi. Vivono fianco a fianco a tutto il resto.È un’unica stanza aperta sulla strada. Alle pareti visono dei manifesti sotto vetro. All’ingresso c’è lacucina. È la sede più antica dell’associazione divolontariato a cui mi sono rivolto. Tutto il quartiere laconosce, tutto. […] C’è una signora esile che presiedequesta stanza aperta sulla strada. È lei a definire illuogo. E a preservarlo. È la persona che sa. Ha le cosein carico. […] Entrano figli e figlie, nonni e nonnepadri e madri, molte moltissime sono donne - le donneportano i pesi maggiori sulle spalle e sulla testa inAfrica e qui portano la più parte degli altri pesi epossiedono più spazio vuoto dentro dove tenere emostrare a se stesse la pena e hanno maggiore coraggionel guardarla […] La signora esile è al crocevia quoti-diano di tutto questo. Intorno a lei e a questa stanzache si apre sulla strada c’è chi segue un’azione e chiun’altra e chi un’altra ancora e non c’è sosta: è unlaboratorio che fa, che sperimenta il farsi faticato dellacoesione sociale e la lenta costruzione di opportunità.16

È a donne e a uomini capaci di vitaassociata, a queste autrici e autori del legamesociale che ho rivolto lo sguardo per capire comeci si mette in una posizione di creazione sociale.

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Se siamo disposti a leggere e a nondisperdere le pratiche di socialità femminile (acui gli uomini partecipano e di cui possonogodere), che hanno retto all’impatto delladisgregazione sociale possiamo far leva sulladifferenza femminile che oggi parla inparticolar modo nel lavoro e nelletrasformazioni delle sue forme.17 Il di più delledonne nelle relazioni umane e nella capacità dicreare contesti di cura, se riconosciuto, puòessere a disposizione di uomini e donne sia perun potenziamento della ricerca e delle politichesociali, sia per la messa in circolo di praticheefficaci, capaci di promuovere processi diempowerment straordinari.

Ad una rivisitazione del vicinato, anticapratica sociale di origine femminile, grazie allamediazione dell’associazione Le vicine di casadi Mestre, si è inizialmente ispirata laprogettazione di due edizioni del percorsoformativo Io lavoro nel mio quartiere.

Io lavoro nel mio quartiere: una Ricerca-Azione su formazione al lavoro e formazionecon donne

Una fotografia

Una giovane donna dal viso aperto e sor-ridente, con un ciuffo raccolto da un ferrettoguarda con curiosità quasi divertita chi la stariprendendo. È questa l’immagine cheaccompagnava la promozione del corso diformazione Io lavoro nel mio quartiere. Corsodi formazione alla creazione di un’impresacooperativa di servizi per l’infanzia,l’adolescenza e la famiglia; progettato ecoordinato dall’associazione veroneseMimesis,18 che si è rivolto a donne adulteinteressate alla creazione di un’impresa coo-perativa di cura alla persona. Questa foto, comele donne che hanno partecipato al corso hannospesso segnalato, colpiva e piaceva.

All’obiettivo dichiarato del percorso formativo,creare un’impresa sociale nel proprio quartiere,veniva associata un’immagine che rompeva unacatena associativa stereotipata che vedenell’Imprenditrice l’equivalente femminadell’Imprenditore della piccola e media impresadel nord-est d’Italia. Quel giovane voltosuggeriva, forse, un rapporto con il lavoro nelterritorio più libero e femminile, con uncarattere di positività e con un tratto di dolcezza.

Io lavoro nel mio quartiere è statal’occasione per percorrere un’intuizione fortee anche oscura orientante le ideatrici, resa chi-ara nel farsi del percorso: la presenza di unapoliticità elementare nel fare formazione condonne adulte che arrivano al percorso formativoper necessità e desiderio di mettersi in giocosu una scommessa sociale creativa, con al cen-tro il lavoro e la ricerca di un rapporto più libe-ro delle donne con esso, e che può prendere laforma di un’impresa sociale. Per politicitàelementare intendo un esserci in prima personadi donne, che mettendo al centro le relazionitra loro, investono lavorativamente nelterritorio per coniugare desideri soggettivi ebisogni del territorio in un contesto che è ilquartiere-città.

I corsi, della durata di sette mesi, si sonosviluppati essenzialmente in due fasi. Nellaprima parte l’attenzione si è concentrata sullamessa a fuoco dei diversi desideri soggettivi esulla lettura dei bisogni sociali del territorio.La seconda parte concentrava la sua attenzionesugli aspetti imprenditoriali e sull’elaborazionedei diversi progetti d’impresa che emergevanotra le donne in formazione.

L’originalità di Io lavoro nel mioquartiere consiste nell’aver sperimentato, in uncontesto di formazione al lavoro con donneadulte, una combinazione nuova, elaborata ematurata dalle formatrici all’interno delle loropratiche di impresa sociale femminile, traalcune delle pratiche guadagnate dalla politica

17 A.A.V.V., La rivoluzione inattesa. Donne al mercato del lavoro, Pratiche, Parma 1997; Cristina Borderías, Strategie della libertà. Storie e teorie del lavoro femminile,manifesto libri, Roma2000.18 Sono tra le fondatrici di Mimesis e ho partecipato alla progettazione e alla gestione del corso di formazione nelle due edizioni: la prima nel 1998/99 nei quartieri diGolosine/SantaLucia, la secondanel 2000/2001nei quartieri diVeronetta/BorgoVenezia, aVerona. In entrambe le edizioni il percorsoè stato sostenutodalMinisterodell’Industria (L.215/92), dall’assessoratoper laPromozione al lavorodelComunediVerona, dagli assessorati per laFormazione al lavoro e alBilanciodella Provinciadi Verona e dalla Fondazione Cassa di Risparmio di Verona, Vicenza, Belluno e Ancona.

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delle donne in Italia, come il partire da sé e lamessa in gioco del desiderio femminile, e degliesempi di autogestione, creazione e gestionedi imprese sociali che fanno la loro comparsa,nella metà degli anni ottanta in piena crisi delWelfare di stato19 . Ho parlato di combinazionedi pratiche di diversa provenienza e diun’originalità nel metterle insieme sensatamen-te, perché né le pratiche di origine femminile,né l’impresa sociale come forma di impresa noncapitalistica e nonprofit, da sole, davano contodel bisogno di radicalità che ha spinto lefondatrici di Mimesis a creare un’impresa e aprogettare e gestire percorsi formativi perimprese sociali femminili, che mettesse al suocentro le relazioni piuttosto che il denaro (cherimane un fattore portante dell’impresa).Mettere al centro le relazioni ha significato, perla pratica formativa con donne, che tra gliobiettivi ci fosse la capacità di mostrare che 1.la formazione al lavoro può ispirarsi a saperi epratiche femminili e non necessariamenteall’ideologia aziendalistica 2. che ciò che fa‘impresa sociale femminile’ non è tanto o soloessere una forma di non profit, quanto esserecapace di una radicalità nel lavoro che è conti-nua interrogazione sulle scelte, sull’agire, sullecontraddizione e i fallimenti, sulle relazioni,sul territorio, sui bisogni nostri e degli altri, apartire dal nostro essere in contesto. È saperintrecciare continuamente desideri personali eascolto dei bisogni del territorio per guadagnareuna competenza alla creazione sociale,diventare autrici di invenzioni sociali, di vitaassociata, di legami e scambi sensati. Laradicalità sta dunque, nel non appiattire ilproprio desiderio di fare ‘impresa socialefemminile’ su un’interpretazione che vedetroppo spesso un’idea di fare impresa nel sen-so aziendalistico del fare da sé e per séatomizzato o, com’è nel casodell’autoimprenditorialità e dell’autogestionenon profit, la possibilità di lavorare solo inmodo meno alienato. Ci possono essere altre

motivazioni, altri desideri che spingono ledonne ad associarsi per creare un’impresa: “Sitratta piuttosto della determinazione acostituirsi un luogo, a far nascere la novità diun luogo dove possa agire propriamenteun’adesione efficace al desiderio, alla ricercadel proprio agio.”20 La ricerca dell’agio, nelsuo senso etimologico “il luogo stessodell’amore”, è forse l’unico movente che perla sua potenza desiderante può stare al passocon la potenza desiderante del denaro, ma allasola condizione che il desiderio sia strettamentelegato ad una dimensione di necessità, radicatanella vita materiale, ai bisogni più vicini eprofondi.

Io lavoro nel mio quartiere è stata lasperimentazione di alcune pratiche capaci diriavvicinare diverse dimensioni della vitamateriale: lavoro e casa, intesi come luoghisimbolici della produzione/riproduzione, in uncontesto carico di senso e di progetto come èdiventato il quartiere; dimensioni distinte manon antagoniste. Alla continuità del lavoro dicura della casa con quello della città, il corsodi formazione Io lavoro nel mio quartierevoleva mettere in tensione elementi didiscontinuità meno visibili e riconosciuti, comei desideri soggettivi e i bisogni della vitamateriale, per introdurre nel continuum delmillenario lavoro di cura delle donne unadiscontinuità segnata dal diventare autrici dinuovi con-testi sociali, di essere protagonistedi creazioni sociali.

La letteratura corrente sullo sviluppo el’azione locale integrata e partecipativa haaffrontato il rapporto con il territorio trovandoun aggancio nel ‘quartiere’ inteso come princi-pio progettuale21 . Alla luce della Ricerca-Azione Io lavoro nel mio quartiere, vorreisegnalare che la messa in gioco dellasoggettività femminile nel lavoro e nelterritorio, ha mostrato di essere un elemento dipotenziamento per azioni sociali orientate allosviluppo locale e alla partecipazione. Si è

19 Ota de Leonardis, In un diverso welfare. Sogni e incubi, Feltrinelli, Milano 1998.20 Annarosa Buttarelli scrive queste parole facendo riferimento all’esperienza di Mimesis, che ha studiato assieme ad altre realtà di imprese femminili; “ Lavorareradicalmente” in La rivoluzione inattesa. Donne al mercato del lavoro, p. 99.21 Antonio Tosi, Abitanti. Le nuove strategie dell’azione abitativa, Il Mulino, Bologna 1994.

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mostrata da una parte una continuità delrapporto storico privilegiato tra donne e legamisociali, e dall’altra un investimento di donneche fanno della loro azione sociale, declinatain modi disparati e in posizioni differenti, siaun partire da sé che una scrittura sociale vali-da per uomini e donne. Contemporaneamente,si è rivelata la capacità del contesto formativoad accogliere imprevisti, conflitti, fallimentidegli obiettivi e degli scopi esplicitati einizialmente condivisi. L’elemento socialedell’atto formativo, il suo essere fondato suscambi e relazioni in modo strutturale, rimaneun elemento costitutivo per l’e.d.a, tanto inte-ressante quanto destabilizzante.

‘La vita come noi l’abbiamoconosciuta’22 : le maestre dell’autoformazione

È questo il titolo di una raccolta diautobiografie di donne proletarie inglesi, conle quali Virgina Woolf, non senza qualchetitubanza, entra in dialogo. Sono donne chefanno parte di una Lega cooperativa femminile.In questo libretto si succedono storie di lavoroduro e malpagato e storie di vita di donne chenella loro azione politica avevano guadagnatouna straordinaria competenza di formazione edi autoformazione informale – che colpì ancheVirginia Woolf – di mettersi, nonostante lacriticità e la complessità della loro condizione,in una posizione di autrici della vita sociale,che era in primis riflessione sulla loro vitamateriale e simbolica. Incontrare simili storiemi ha dato il senso che è in contesti come questiche la formazione con donne nasce, luoghi dovesi ritrova un bisogno di comprendere,simbolizzare, mettere in parole.

È grazie a uno spostamento simbolico chepossiamo oggi parlare di ‘formazione condonne;23 spostamento che ha permesso unpassaggio da azioni formative ideate e

progettate in un’ottica di ‘formazione per ledonne’, con l’intenzione di tutelare e integrarepositivamente - mirando alla parità donna/uomo - soggetti che nel mondo del lavorosarebbero a rischio di esclusione, ad unorizzonte di formazione/educazione adulta cheparte già dall’esserci di competenze,intenzionalità e desideri femminili chedomandano una formazione al lavoro. Lospostamento in gioco è, da un lato passare dauna formazione che investe dall’esternol’esperienza di chi apprende, ad una pratica discambio fra adulte “capace di far emergeredall’interno dell’esperienza professionale diciascuna, un inizio di competenza simbolicaoperante come fonte e principio di sapere”24 ,dall’altro rintracciare nella formazione condonne gli elementi essenziali che ne fanno unapratica politica.25 Oggi è possibile nominarechiaramente la formazione con donne come unapratica politica26 anche facendo leva suesperienze che già in passato hanno lasciato unsegno per l’esistenza libera delle donne. Miriferisco a quella parte di formazione di matricesociale e sindacale che ha prodotto l’esperienzadelle 150 ore, rappresentando un momentomolto forte per le donne che vi hannopartecipato come fruitrici o come formatrici.Vi parteciparono, in particolare a quelliorganizzati sui temi della salute, della gestionedei servizi, e della condizione femminile. Le150 ore furono un’occasione per far emergerele donne come soggetto nell’incontro consoggetti diversi: la scuola, il sindacato, e persperimentare percorsi nuovi di conoscenza,come ricerca autonoma. In Donne a scuola.Bisogno di conoscenza e ricerca di identità , 27

- un libro che restituisce in modo vivo il climae il fermento politico degli anni Settanta tramovimento delle donne, scuola e sindacato -le autrici mettono bene in luce la novità cheemerge nella domanda di donne che

22Anna Rossi-Doria (cur.), La vita come noi l’abbiamo conosciuta. Autobiografie di donne proletarie inglesi, Savelli, Perugia 1980.23 Maria Giovanna Piano, “Farsi istituzione” in A.Piussi- L. Bianchi, Sapere di sapere, Rosenberg & Sellier, Torino 1995.24 Anna Maria Piussi- Letizia Bianchi, Sapere di sapere, p. 18.25Anna Maria Piussi (cur.),Atti del convegno “La formazione tra adulte come pratica politica e pedagogica”,Università degli Studi di Verona, 23 ottobre 1999.26 Per significare il termine pratica faccio riferimento alla definizione che ne dà Luisa Muraro in Lingua materna Scienza divina, D’Auria, Napoli 1995. “Per noi la praticaè un agire qualificato in contrasto con uno non qualificato. La sua qualità è duplice: consapevolezza e regolarità. (…) La pratica, dunque, non è semplicemente unmodo di essere o di agire, ma è un agire o un essere determinante per tutto l’essere della persona”, pp. 163-164.27 AA.VV., Donne a scuola. Bisogno di conoscenza e ricerca di identità, Il Mulino, Bologna 1981.

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nell’esperienza formativa trovano il contestoper dare voce ad un bisogno che prima di essereprofessionale è esistenziale, di conoscenza, diautonomia e autorità personale e collettiva. Inquel contesto troviamo un largo impiego dellestorie di vita e di autobiografie.

Le pratiche formative che emergono conle 150 ore per le donne, sono già il frutto dellascoperta dell’autocoscienza del femminismosorgivo, della fine degli anni 60 e degli inizidegli anni 70. È nel femminismo sorgivo chesi crea lo spazio simbolico che dà vita a nuovescuole e a importanti e originali luoghi diformazione e autoformazione informale,all’interno dei quali, per le donne il testoautorevole diventa la propria vita, e si dàl’occasione di mettere in circolo saperi diadulte. Questa pratica si innestava su una pra-tica sociale da sempre esistita ma che non avevamai assunto un valore politico. Nell’incontrarsi,nel prendere coscienza della loro condizione,le donne mettevano al centro una possibilità dieducazione informale, di autoformazione, ecome si direbbe ora, uno straordinario proces-so di empowerment. Questa rivoluzionerappresenta un esempio della creazione, tra lealtre cose, di scuole più libere; la possibilità difare di una pratica politica un laboratorio diformazione e autoformazione. Il loro non eraun metodo o una tecnica ma una pratica:diversificata a seconda dei gruppi, ma centratasulla parola e sulla potenza trasformativa dellerelazioni e dei legami tra donne. Ed èl’autobiografia come pratica di scrittura e comepratica di autocoscienza ad essere al centrodella scoperta di questa soggettività libera eadulta di donne. È in un contesto di relazionitra donne che vengono scritti e pubblicati i diarie altre autobiografie che segnano un passaggiofondamentale per la storia della civiltà e perl’affermazione di un’educazione adulta,informale, con una capacità di produrreautoformazione.28 Carla Lonzi, femministaradicale, nella premessa al suo diario Taci, anzi

parla mette in luce qual è il contesto di relazioniin cui è stato possibile il passaggio da scritturapersonale a scrittura personale-politica, asoggettività condivisa, a messa in circolo di‘un’educazione’che passa attraverso praticheautobiografiche e autocoscenziali.

Ma perché rievocare l’esperienza delfemminismo sorgivo e i corsi 150 ore in uncontesto che è profondamente mutato? Proprioora che quel contesto sociale e politico, caricodi aspettative e di partecipazione collettiva, ditensioni trasformative sembra, più che mai,irrimediabilmente lontano e inattingibile?Volgere lo sguardo all’indietro ha per me unsenso che non si esaurisce nel richiamareun’origine simbolica delle pratiche formativee autoformative con adulte, ispirate a scuolelibere; ha un valore in più: mi permette disegnare, assieme al filo di continuità tra ieri eoggi, una discontinuità che riguarda le donnedella mia generazione,29 che non hanno godutodi quella tensione collettiva, di quel desideriocomune e diffuso che attraversava gli anniSessanta e Settanta, e che si sentono, nonostantel’attuale criticità, con il desiderio di essereautrici, di dar vita a inizi, a creazioni sociali, dirinnovare in modo personale e originale un sen-so politico delle relazioni e del fare impresafemminile assumendo come contesto significa-tivo ciò che ci è prossimo (relazioni umane eterritorio) e facendo, in particolare dellaformazione con donne adulte, una leva peraccrescere un’intelligenza per ricreare legamisociali, tessere senso, azioni significative eparole: fare creazione sociale.

Da Io lavoro nel mio quartiere, daglielementi di successo e di insuccesso messi afuoco nel corso della Ricerca-Azione, horicavato che il fare impresa collettiva (sociale)è una figura che permette a molte donne di direun desiderio di autonomia e di autorialitàsociale. Si ripresenta, in maniera discontinua eoriginale rispetto al passato, la preferenzafemminile per il lavoro di cura e per una

28 L’autobiografia è “faccenda adulta” (D. Demetrio, Raccontarsi. L’autobiografia come cura di sé, Raffaello Cortina Editore, Milano 95, p. 21); è dunque un trattodistintivo di un passaggio e di un guadagno di soggettività e di presa sul mondo.29 Per il dibattito che riguarda le generazioni nel femminismoal quale hopartecipando cfr.: ViaDogana, Le ereditiere, n°44/45 eDWF,Genealogie del presente, 2001nº 49.

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scrittura personale, segnata dalla soggettività.Le donne tendono a interpretare il fare impresain modo radicalmente differente da come vuolelo spirito imprenditoriale-aziendale, mossodalla competizione economica. Capita così chenon vi siano ‘imprenditrici’ in un’impresafemminile, ma che ci siano relazioni chedefiniscono l’identità dell’impresa; capitaanche che imprese riescano anche mancando

gli obiettivi di partenza, diventando altro da ciòche inizialmente era definito come risultato daraggiungere: nel farsi del percorso si puòscoprire che l’impresa è imprese di vita, dipassioni e relazioni, è prendere gusto alla vitaassociata per essere e sentirsi insieme conqualità e progettualità.

Avventure amorose più che scommessesolitarie.

Antonia De Vita

Ricercatrice a contratto all’Università degli Studi di Verona - Facoltà di Scienze della Formazione- Dipartimento di Scienze dell’Educazione, sioccupa di Filosofia della Formazione e di Creazionesociale in collaborazione con la professora Anna Maria Piussi. È fondatrice, con altresocie, della Cooperativa Guglielma che si occupa di ricerca e di creazione sociale. Vive e abita aVerona.

Tra le sue pubblicazioni:

Antonia De Vita, Imprese d’amore e di denaro. Filosofie della formazione ecreazione sociale, Guerini e Associati, Milano 2004.

- , “Vocazioni laiche alla vita associata” in Duemilaeuna. Donne che cambiano l’Italia, Le Pratiche,Parma 2000.

- , “Scrittura della soggettività” in Bailamme. Rivista di spiritualità e politica, N. 23, dicembre1998.

- , “Il Rap di Mimesis”, in Via Dogana. Rivista di politica, n. 37 maggio 1998.

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Início de conversa

Nossa proposta neste artigo é fazer umaleitura das possibilidades da capoeira no res-gate e contribuição para o fortalecimento deidentidades e, conseqüentemente, do despertarda conscientização política, notadamente emcrianças e jovens de escolas públicas, enquan-to cultura genuinamente brasileira, nascida noberço das lutas de resistência do povo negrocontra a opressão da escravidão no Brasil.

Nossa discussão insere-se no campo deconhecimento do currículo, centrando-nos nateoria dos Estudos Culturais que, entre muitascaracterísticas e perspectivas, pretende efeti-var a investigação sobre a diversidade de obje-tos e de fenômenos que se constituem de inte-

CAPOEIRA E CURRÍCULO: uma reflexão sobre as contribuiçõesda capoeira no fortalecimento das identidades de

alunos de escolas públicas

Robson Carlos da Silva1

Marlene Araújo de Carvalho2

RESUMO

Este artigo trata de uma análise no contexto metodológico do cam-po de conhecimento do currículo escolar a partir da teoria dos Estu-dos Culturais, das possibilidades e da necessidade da implantaçãode currículos multiculturalistas ou contextualizados, que, ao nãohierarquizarem os diversos tipos de conhecimentos sociais, podemcontribuir para que crianças e jovensna escola, principalmente, aque-las pertencentes às camadas menos favorecias de nossa socieda-de, possam participar efetivamente da construção de sua própriaidentidade, desconstruindo significações construídas pelo “Outro”hegemônico, tornando material e humano determinadas represen-tações político-culturais naturalizadas e essencializadas. Neste sen-tido, utiliza-se da capoeira, enquanto cultura de resistência negracontra a opressão da escravidão imposta no Brasil colônia e de suaspossibilidades de desconstrução de muitos dos discursoshegemônicos e dominantes presentes nos currículos escolares.

Palavras-Chave: Representação político-cultural, Currículo, Estu-dos Culturais, Capoeira.

ABSTRACT

Thisorticle refers toananalise inmethodical context in field’sknowingof school curriculumbased in teoryof the cultural study, possibilitiesan the need to implant multicultural curriculum or in context way,that, it doesn’t make any hierarcky in relation of diverse types ofsocial knowing, they can contribute for those children and young inschool, mainly those poors that has few importance in society, in thiscase they can participate of the growing of their own identify, and itdoesn’t any importance about the “other” superior, become materialand human some cultural-politic representations that are natural andessential. In this way, practice capoeira, it is a culture that had apoint of view against the slavery in Brazil colony and its possibilitiesto destroying many superior speeches and dominates in schoolcurriculum.

Keywords:Cultural-politic representation,Curriculum,Cultural study,Capoeira.

resse dos diferentes movimentos sociais quevão se formando nos mais variados espaços dassociedades, amparados e motivados pela im-plantação de uma política de apoio e fortaleci-mento das diversidades e do respeito àspluralidades, colocando-se a favor dos estudos,concepções e das lutas contra-hegemônicas.

Assim, seguindo o fio condutor dos estu-dos e pesquisas que estão sendo efetivados nocampo dos Estudos Culturais, pretendemos des-tacar alguns aspectos históricos, culturais e peda-gógicos da capoeira que podem contribuir parauma formação mais consciente e, portanto, maiscrítica dessas crianças e jovens estudantes emnossas escolas públicas, principalmente, por se-rem, em sua grande maioria, pertencentes às ca-madas menos favorecidas de nossa sociedade.

Recebido: maio de 2004Aceito: junhode20041 Mestrando em Educação, do Programa de pós-graduação em Educação da UFPI. Bolsista da CAPES. Professor substituto do Departamento de Fundamentos daEducação-UFPI.2 Coordenadora da Pós-graduação e Pesquisa da FSA. Professora aposentada e colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPI.

Teresina n.10 43 - 55 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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Defendendo a concepção de currículo es-colar enquanto artefato cultural e social huma-no3 , pensamos ser possível sua crítica,reestruturação e transformação histórica. Defen-demos, ainda, a construção de um currículomulticulturalista ou contextualizado, que, dentremuitos aspectos, pressupõe a concepção de pro-fessores como intelectuais transformadores4 , doemprego de práticas culturais geradas em con-textos contra-hegemônicos; a idéia de educaçãocomo processo ininterrupto de formação de pes-soas conscientes de suas possibilidades e de seuspotenciais e a implantação de uma política edu-cacional e cultural articulando e mantendo sem-pre integrados as discussões educacionais e osinteresses públicos de nossa sociedade.

É neste sentido, que conduzindo nossasidéias e reflexões por meio do campo do currí-culo e da educação, optamos por uma perspec-tiva culturalista, que, ao invés de negar as cul-turas e os novos movimentos sociais que seconstróem e se moldam dentro da textura soci-al de acelerada transformação que hojevivenciamos, favorece a oportunidade de seconhecer e discutir as possibilidades de contri-buição que as discussões suscitadas nestesmovimentos sociais podem trazer para que seconcretize a concepção de pessoas, nunca comomeras espectadoras, mas sim como atores desua própria história.

Acreditamos que a capoeira, enquantocultura totalmente forjada e difundida no cam-po de luta contra as formas de repressão de umpovo colonizador sobre outro povo, o oprimi-do, possa tornar real, no contexto de nossasescolas, a realidade acima concebida, seja nochamado currículo “oficial”, seja nos diversosaspectos curriculares “ocultos”5 , que permeiamos currículos das escolas, por meio da práticaafetiva de seus movimentos e fundamentos, nadifusão dos discursos sobre sua história, nasdiversas narrativas presentes no seu contexto,

como por exemplo, nas cantigas e estórias quenarram a vida e os “feitos” dos capoeiristas maisafamados, dentre outros aspectos.

Um pouco da história da capoeira.

A capoeira constitui-se em uma mani-festação da cultura brasileira com caracterís-ticas de jogo, luta e dança, praticada ao somde instrumentos musicais (berimbau, pandei-ro e atabaque), acompanhada de palmas ecânticos, com aspectos característicos de umeficiente sistema de defesa pessoal e treina-mento físico fundamentado nas tradições cul-turais genuinamente brasileiras. É, ainda, umaatividade que envolve de diversas formas oindivíduo que a pratica.

Notadamente, a partir dos anos 80, a ca-poeira tem estimulado significativamente pes-quisas acadêmicas. Nos últimos anos diver-sos trabalhos foram reproduzidos nas ciênci-as humanas (Antropologia, Sociologia, His-tória, Psicologia Social), como por exemplo,Vieira (1998, 2002), Sodré (2002), Bruhns(2000), Carvalho (2002) Campos (1990) eBarbieri (1993), nascidas das inquietações emse perceber o potencial da capoeira na com-preensão das relações cotidianas do quadrosocial e político brasileiro.

Vieira (1998) afirma que a capoeira podecontribuir para um entendimento das desigual-dades e da luta constante das camadas sociaismenos favorecidas em fazer valer suas reivindi-cações, o que não nega o direito e a oportunida-de de pessoas pertencentes às camadas maisfavorecidas ao acesso e prática dessa cultura.

Devido à falta de registros históricos maisfidedignos, são muitas as controvérsias sobreas origens da capoeira, presente nas discussões.Seria a capoeira uma arte genuinamente brasi-leira ou teria vindo da África, com a chegadados escravos no Brasil?

3 Segundo Silva e Moreira, na obra Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 4. ed., Petrópolis-RJ, Vozes, 2001, sendo um artefatocultural e social, o currículo não é um elemento neutro nem inocente, estando implicado nas relações de poder que transmitem visões particulares e vinculadas aformas específicas de sociedade e de educação, é capaz de forjar identidades particulares e individuais e, portanto, é essencialmente histórico, produzido e difundidodentro da dinâmica social e histórica da existência humana neste planeta.4 Ver GIROUX, Henry. Professores como Intelectuais Transformadores. In: Os Professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. PortoAlegre. Artes Médicas, 1997. p. 156-164.5 Segundo SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica: 2002, são aqueles aspectos,presentes na realidade escolar, que, mesmo não sendo parte do currículo oficial, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes.

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Os defensores da capoeira como arte ge-nuinamente brasileira acreditam ser ela umamistura de diversas culturas (lutas, rituais, dan-ças) africanas no Brasil, vindo seu nome dovocábulo de origem Tupi-Guarani, que signi-fica mato ralo, denominado capoeira, em queos escravos ficavam após serem libertados oufugidos (CAMPOS, 1990), devido ao caos quefoi instalado na costa litorânea do Brasil, cau-sado pela invasões holandesas, o que permitiua uma grande leva de escravos a oportunidadede fugirem, para o interior do país, “(...) esta-belecendo-se em comunidades muiti-étnicasdenominadas de quilombos” (VIEIRA, 2002,p.226). Foi a partir desse período que a capoei-ra se constituiu em luta de defesa e resistênciacontra o sistema escravista, sistema este queconstituía-se na principal fonte de riqueza eco-nômica do Brasil colônia. Nessa época, os es-cravos passaram a ser denominados de “negrosda capoeira”, “negros capoeira” e mais tardesomente de “capoeira” (VIEIRA, op. cit.).

Outro fato em que se apoiam os defen-sores dessa vertente, é o pressuposto de que,com a chegada dos primeiros escravos ao Bra-sil, houve uma tentativa de desarticulação dequalquer forma de organização que pudesse setransformar em levante ou revolta dos escra-vos, o que, segundo Ribeiro (1995) levou àpolítica de se evitar a concentração de escra-vos oriundos de uma mesma etnia, nas mes-mas propriedades, e até nos mesmos naviosnegreiros, impedindo a formação de núcleossolidários que retivessem o patrimônio cultu-ral africano, favorecendo, no entanto, o inter-câmbio e a troca de elementos culturais distin-tos, e dessa “troca” ou contato cultural, surgeuma manifestação totalmente nova, com carac-terísticas próprias e uma combinação jamaisimaginada de aspectos tão diversos como lutae dança. Nasce, assim, a capoeira, arte e cultu-ra genuinamente brasileira.

No outro oposto, estão os estudiosos epesquisadores que defendem a capoeira comomanifestação africana aqui introduzida pelos

negros africanos, notadamente, o povo Banto,da região de Angola. Carneiro (1936) afirmaque a capoeira, inicialmente, era praticada en-tre os angolanos, não como meio de defesa, mascomo dança religiosa, como um ritual tipica-mente banto (povo angolano).

Esse pensamento busca reforço em dan-ças africanas que muitos afirmam ser semelhan-tes à capoeira, como o N´angolo (dança das ze-bras). Porém este pensamento perde, hoje, cadavez mais forma, pois não existem, em outrospaíses que receberam influência africana, ma-nifestações semelhantes à Capoeira.

O certo é que a capoeira surge como ins-trumento de defesa do negro africano no Bra-sil, contra as profundas relações de dominaçãoe desrespeito às condições de humanidade quepermeavam o sistema de escravidão em terrasbrasileiras, e torna-se uma arma eficiente nasfugas e revoltas dos escravos. Portanto, osurgimento da capoeira se confunde com a his-tória da resistência negra no Brasil, a propósi-to do que afirma Silva (1993, p.12):

Os Negros faziam incursões às fazendas e povoadosmais próximos, onde cometiam grandes depredaçõesvingando-se, não raro, das afrontas e maus tratos so-fridos de seus antigos senhores [...]. Embora comarmas primitivas, quase todas improvisadas, os ne-gros derrotaram sucessivamente vinte e quatro expe-dições chefiadas pelos célebres Capitães- de- Mato.Começava a tradição marcial da capoeira.

Com o fim da escravidão, o que não sig-nifica a aceitação imediata da comunidade ne-gra na vida social (VIEIRA, 1998), a capoeirapassa por um momento obscuro e ressurge noséculo XIX, transformando-se em um fenôme-no social nos grandes centros da época: Rio deJaneiro, Salvador e Recife.

Pode-se observar a figura do “Capoeira”presente em obras de Machado de Assis6 ,Aluízio de Azevedo7 , na arte de Rugendas eDebret, dentre outros, mostrando assim, o con-vívio dos capoeiristas nos costumes da época.Geralmente, pertenciam às famosas Maltas8 ,onde os integrantes de outras Maltas eram con-

6 No conto “A Causa Secreta”, na obra Contos (2. ed.), Editora Paz e Terra, São Paulo, 1997, p. 51-66, Machado de Assis fala sobre a história do personagemFortunato, destacando uma passagem em que este é agredido a facadas e navalhadas por uma Malta de capoeira.7 Toda a história de O Cortiço, 8 ed. São Paulo: Ática, de Aluízio de Azevedo, 1979, gira em torno do mulato “Firmo”, capoeira, malandro e boêmio, figura típica dasnoites cariocas.8 Bandos organizados, cada qual com sua denominação, seu grito de guerra e sua demarcação territorial, que aterrorizavam a sociedade naqueles tempos.

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siderados inimigos mortais, perseguindo-se edesenvolvendo verdadeiros duelos, muito alar-deados e divulgados nos jornais e noticiáriosdo período.

Com a Proclamação da República, surgeuma nova fase de perseguição à Capoeira coma criação do decreto nº 487 do código PenalBrasileiro, de 11 de outubro de 1890, que esta-belecia, no Capítulo XIII, dos “vadios e Capo-eiras”, penas de até seis meses de prisão oudeportação do país, no caso de se tratar de es-trangeiros, para todos que fossem pegos prati-cando capoeira ou que pertencesse a algumbando ou Malta. Inicia-se um período de tenta-tivas de extermínio da Capoeira com muitosde seus adeptos sendo exilados e participandode trabalhos forçados.

Esse quadro permaneceu até 1934, quan-do o então Presidente Getúlio Vargas extingueo Decreto nº 487 e libera a capoeira, bem comooutras manifestações populares (notadamenteas de origem negra), para sua prática livre, apósassistir a uma apresentação de capoeira coman-dada por Manoel dos Reis Machado, afamadono meio capoeirístico como Mestre Bimba, res-ponsável pelo desenvolvimento do primeirométodo pedagógico de ensino da capoeira, de-nominado de Capoeira “Regional Baiana”9 ,amparado e subsidiado por seus alunos, mui-tos dos quais universitários, sendo considera-do até os dias atuais, o pai da capoeira moder-na.Aesse propósito afirma Vieira (1998, p.43):“A maior contribuição introduzida, por MestreBimba, na capoeira foi o seu método de ensi-no. O curso de ‘Capoeira Regional’ tinha umaduração variável [...] com aulas de uma hora,três vezes por semana.”.

A capoeira, a partir de então, deixa osguetos e os esconderijos reservados às práticasescondidas e marginalizadas, conquistando osmais diversos espaços, notadamente os espa-ços educacionais, os espaços escolares, sejacomo prática curricular diversificada, sejacomo prática curricular oculta, constituída, que

é de características e aspectos significativamen-te apropriados à cultura das crianças e jovensque freqüentam e constituem o alunado de nos-sas escolas públicas ou particulares.

Capoeira e educação: um encontro possível.

A prática da capoeira, não faz muito tem-po, era considerada marginal, inclusive comprevisão de punição devidamente apontada noCódigo Penal Brasileiro10 . Com o passar dosanos a capoeira começa a ser valorizada soci-almente, notadamente, por seu valor cultural.Este percurso de valorização, faz com que acapoeira seja, cada vez mais, aceita em insti-tuições escolares, despertando o interesse dosalunos, por sua beleza plástica, pela diversida-de de movimentos ou ainda pela riqueza cultu-ral que carrega em sua história e em seus fun-damentos.

Neste espaço vamos tentar percorrer umpouco do caminho trilhado pela capoeira, suaaceitação e adequação aos objetivos educacio-nais das instituições escolares.

No final do século dezenove e início doséculo vinte, surgem, no Brasil, movimentosem prol da nacionalização de nossa educaçãona luta contra o analfabetismo e a melhoria dascondições culturais do povo. Em 1907, surge aprimeira tentativa de instituição de uma ginás-tica brasileira: “O Guia da Capoeira ou Ginás-tica Brasileira”, com autor oculto nas iniciaisO D C, levando muitas pessoas de famílias im-portantes a praticar a capoeira, vendo nela umexcelente exercício de destreza e defesa pes-soal. Alguns mestres aproveitam o momentopara organizarem pequenas academias de en-sino dessa arte.

Em 1961 a capoeira é introduzida, comodesporto, no currículo da Polícia Militar do Es-tado da Guanabara, homologada em dezembrode 1972, pelo Ministério de Educação e Cultu-ra como modalidade desportiva. Surgem diver-sas Federações de Capoeira pelo país, a pri-

9 Estilo de capoeira desenvolvido por Mestre Bimba, afamado mestre de capoeira baiano, e que se constituía de um sistema metodizado de treinamento peloemprego de balões cinturados e seqüências estruturadas de execução dos movimentos da capoeira.10 Código Penal Brasileiro, Decreto Lei nº 487, “Dos vadios e capoeiras”, de 11 de outubro de 1890. Este Decreto afirmava, dentre outras coisas, que os indivíduosque fossem pegos nas ruas e praças públicas executando exercícios de agilidade e destreza corporal e fazendo desordens, cumpririam penas de dois a seis mesesde prisão, assim como, afirmava que os praticantes da capoeira não poderiam andar em grupos, sob pena de prisão de três anos.

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meira fundada em julho de 1974 em São Pau-lo. Como manifestação artística conquista di-versos países como Estados Unidos, França,Alemanha, dentre outros, firmando-se cada vezmais como manifestação cultural forte e queleva vários praticantes estrangeiros a estuda-rem o idioma português e a cultura brasileirapara uma maior compreensão da capoeira e suasnuanças. (SILVA, 1993).

No início dos anos 80 a capoeira tem suainclusão no currículo de várias escolas de Edu-cação Física do Brasil, levando o Ministérioda Educação, pela Secretaria dos Desportos, doMinistério dos Esportes a organizar o Progra-ma Nacional de Capoeira, divulgado pelo Cen-tro de Informação e Documentação sobre a ca-poeira, com pretensão de legitimar a capoeiranas antigas escolas de 1º e 2º graus.

Desde então, a capoeira vem ganhandodestaque nos diversos segmentos da socieda-de, principalmente em instituições de ensino,sendo reconhecida como instrumento educativoimportantíssimo para a consciência da culturabrasileira, presente no currículo de escolas deensino fundamental e médio, em significativaparcela das Faculdades de Educação Física,além de sua aplicação como disciplina optativaou prática desportiva em significativa parcelade universidades do país.

Outra demonstração do reconhecimentoda capoeira como atividade educativa é o gran-de número de projetos de atendimento a jovense adultos carentes em quase todas as cidadesdo país, tanto nos centros urbanos quanto emdiversos espaços rurais, numa aceitação e re-conhecimento de suas possibilidadeseducativas e lúdicas (SANTANAet. all., 1999).

Em Teresina, a capoeira tem uma traje-tória parecida com a dos grandes centros11 , pas-sando por um momento de grande conturba-ção, marcada por um preconceito forte e semjustificativa, explicado pela dinâmica das rela-ções sociais do momento histórico (começo dosanos 70) em que se deu seu aparecimento; mo-

mento esse, marcado por profundas desigual-dades e relações de imposições, perseguiçõese descaso contra as manifestações populares,notadamente as de origem negra; mas, devidoao trabalho sério e comprometido de muitosprofessores e mestres, a capoeira vem conse-guindo espaço e respaldo por parte das maisdiversas camadas sociais e de autoridades pú-blicas e particulares.

Atualmente, a capoeira está nas princi-pais escolas públicas e particulares de Teresina,seja como atividade optativa, seja por projetosdesenvolvidos em espaços fora das escolas,como os Naicas da Secretaria Municipal dacriança e adolescente que envolve os alunosem práticas esportivas, de lazer, culturais e dereforços escolar nos horários em que não estãona escola regular. Na Universidade Federal doPiauí, a capoeira também já ocupa espaço, sen-do introduzida como prática desportiva e estu-dos e propostas para sua implantação como dis-ciplina do curso de Educação Física, num pro-jeto defendido pelos alunos e recebido com boavontade por professores do setor de esportes.

Nesta perspectiva Freitas (1997) afirmaque a capoeira constitui-se em um importanteinstrumento formador e integrador das crianças,por trazer em seus fundamentos aspectos quereforçam, nessas, o sentimento de brasilidade, ogosto pela música, o prazer pelo jogo, o espíritode cooperação, o sentimento de respeito huma-no, o desenvolvimento do ritmo, o despertar pelapoesia, pela dança e pela cultura, além da artede brincar com o próprio corpo no tempo e noespaço, não só do ponto de vista dapsicomotricidade mas também da própriaconscientização de sua identidade histórica e noseu movimento incessante; movimento esse, quecaracteriza o ser humano e o seu eterno agir nomeio ambiente em busca da satisfação de seusobjetivos e de suas necessidades.

Através da Capoeira e da descoberta deseu corpo a criança terá condições de efetivaruma comunicação mais completa com os “ou-

11 Na REVISTA DOS ESPORTES ,Teresina, ano I, n. 7, nov. 2000, fazemos um breve apanhado histórico sobre a origem e o desenvolvimento da capoeira emTeresina, destacando as dificuldades iniciais de sua aceitação enquanto atividade físico-cultural benéfica, alguns dos pioneiros de sua difusão em nossa capital,assim como, as conquistas que a capoeira vem galgando a cada ano, notadamente o reconhecimento de seu grande valor enquanto prática pedagógica nos maisdiversos espaços e instituições educacionais.

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tros”, devido à expressão de uma multiplicidadede movimentos que, como afirma Santos(1987), são idealizados internamente eexteriorizados num determinado tempo e es-paço e que somente tornam-se concretos esignificativos através do relacionamento comoutra pessoa, com o “outro”, numa relação har-moniosa centrada no respeito e confiança nocompanheiro, que constitui-se assim em ele-mento humano imprescindível, tomando cons-ciência e se apropriando das diferenças e dosconflitos presentes em sua cotidianidade.

Essa postura consciente ocorre por meiode atividades que preservem o bem estar dooutro; o alcance dos objetivos pessoais pelotrabalho conjunto e a partilha; a cooperaçãocomo meio para se alcançar objetivos mutua-mente desejados; a ajuda aos outros como umfim; e a satisfação em ajudar os outros a al-cançarem os seus objetivos, processo este quese realiza mediante o estudo e aplicação dosjogos recreativos adaptados à capoeira, ultra-passando a idéia de simples brincadeira e as-sumindo um compromisso com o lúdico comouma diretriz educativa pensada e refletida(SILVA, 1993).

O Currículo escolar: espaço para se pensara cultura, conhecimento e poder

O campo de conhecimento do currículo,há muito tempo, vem ocupando lugar de des-taque nos estudos e pesquisas que envolvem aproblemática da educação e da cultura em nos-sa sociedade ocidental, o que não garante queo currículo no campo da educação tenha sidodiscutido e problematizado em sua totalidade,chegando mesmo a surpreender uma certa fal-ta de questionamento, devido sua crescenteimportância, no campo educacional como noschama a atenção Silva e Moreira (2001).

No final do século XIX e início do sécu-lo XX, nos Estados Unidos, houve o surgimento

de um significativo número de trabalhos de edu-cadores centrados nas questões curriculares,dentre os quais, Moreira e Silva (1995) citamCremin (1975), Seguel (1966) Franklin (1974),Pinar & Grumet (1981), todos centrados no pla-nejamento científico das atividades pedagógi-cas, com o fim de controlar o comportamentodos alunos, evitando que se deslocassem demetas e padrões preestabelecidos.

Desta configuração inicial, passamos, nadécada de setenta, pela eclosão das idéias deteorias tais como o neomarxismo, Escola deFrankfurt, psicanálise, etnografia, enotadamente da Nova Sociologia da Educa-ção12 que deixa evidente a preocupação atualcom as relações estruturais entre os diferentestipos de conhecimento que constituem o currí-culo e sua ligação com princípios diferentes depoder e controle (SILVA, 2002).

Assim, com a complexidade em que vãose constituindo, cada vez mais, as sociedades atu-ais, sujeitas que estão às transformações e à as-cendência cada vez maior das formas detecnologia, notadamente no campo da comuni-cação e da informatização, pode-se perceber,como nos chama a atenção Silva (op. cit.), umforte caráter ambíguodosprocessos culturais pós-modernos, não podendo negar-se a emergênciade manifestações culturais de grupos dominan-tes e de grupos “minoritários” e que não podemser esquecidos quando se volta a reflexão o cam-po de estudos sobre o currículo escolar.

Neste sentido, ao trazermos nossas refle-xões sobre a importância de se pensar na cons-trução de espaços, nos currículos escolares, paraa introdução de formas culturais nascidas emum processo de resistência e que podem favo-recer o fomento a debates sobre identidade erepresentação13 político-cultural e conceben-do o currículo como artefato cultural e socialhumano (SILVA, 2002), optamos por conduzirnossas reflexões mediante a concepção dosEstudos Culturais.

12 Nestas teorias predomina a rejeição às perspectivas que consideravam o campo do currículo como ciência, enfatizando-se uma maior ligação entre currículo eestrutura social, cultura, poder, ideologia e controle social, até a mais recente valorização das contradições e resistências, assim como, o potencial libertador que ocurrículocontém.13 Representação, neste contexto, trata-se das formas como o “outro” é representado, da capacidade que alguns assumem como legitimadora para que possam,através de discursos, das diversas formas de linguagens, construir a identidade social e cultural de outras pessoas e, consequentemente, a sua própria identidade.A representação, neste sentido, centrado na problemática mais complexa de uma política cultural, envolve uma forte conexão entre saber e poder. (SILVA, 2002;COSTA,2001)

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A Emergência dos Estudos Culturais

Surgidos nos anos sessenta do século XX,no Center for Contemporary Cultural Studiesat Birmingham, os Estudos Culturais buscamde início se orientar por estratégias que se ba-seiam pela rejeição de um domínio objetal, deuma tradição fundadora, de uma metodologiaprópria e de um léxico próprio, constituído-senum campo que pretende ser, na afirmação deWortmann e Veiga Neto, “...‘adisciplinar’, oumesmo, talvez, antidisciplinar” (2001, p.33).

Os Estudos Culturais utilizam-se de qual-quer campo epistemológico, onde se percebauma disposição ou necessidade para construiro conhecimento, cujas problemáticas se confi-guram na adoção, de forma acrítica, das práti-cas disciplinares formais nos espaços acadê-micos, visto serem práticas repletas de exclu-são com reflexos e efeitos sociais que os Estu-dos Culturais rejeitam e recusam.

De acordo com Giroux (1998) é preocu-pação fundamental dos Estudos Culturais asrelações entre cultura, conhecimento e poder,o que requer uma preocupação maisaprofundada sobre as diversas vertentes, ten-dências e conceitos de cultura, as relações di-versas e complexas de poder, assim como, osprocessos de produção e circulação do conhe-cimento. Ainda segundo Giroux14 :

Em parte, essa indiferença pode ser explicada pe-los estreitos modelos tecnocráticos que dominamos esforços convencionais de reforma e queestruturam muitos programas de educação. [...] Nocontexto dessa tradição, questões de gerência eadministração tornam-se mais importantes quecompreender e melhorar as escolas como esferaspúblicas democráticas. Conseqüentemente,enfatizam-se a regulamentação, a certificação e apadronização do comportamento docente, em de-trimento da criação de condições para que profes-sores e professoras exerçam os sensíveis papéispolíticos e éticos que devem assumir como inte-lectuais públicos/as [...] (op.cit, p.85).

Continuando nessa linha de análise,Giroux (op.cit.) afirma que os Estudos Cultu-rais podem oferecer algumas possibilidades

para que se repense a prática e a teoria educa-cionais e a partir desse repensar se reflita sobreo verdadeiro significado do ato de educar oude se preparar professores/as que irão desen-volver a tarefa da educação nos séculos vin-douros. Nesse sentido os Estudos Culturais re-jeitam os discursos alienantes e elitistas, levan-tando questionamentos sobre os conhecimen-tos que são produzidos e transmitidos nas uni-versidades e sua importância para a vida pú-blica democrática.

Outro ponto relevante para os EstudosCulturais, “[...] é a de como democratizar asescolas de forma a capacitar aqueles grupos malrepresentados a produzir suas próprias auto-imagens, contar suas próprias histórias e seenvolver num diálogo respeitoso com outrosgrupos” (op. cit., p.92).

Silva (1999) cita o trabalho de RaymondWilliams, Culture and Society, de 1958, comouma das obras centrais no campo dos EstudosCulturais, onde o autor defende a cultura comoum modo de vida global de uma sociedade oude um agrupamento humano, promovendo umamaior atenção para as diversas formas de cul-turas urbanas, principalmente aquelas conside-radas “subalternas”.

A Cultura, a partir das análises dos Es-tudos Culturais é percebida como “...um cam-po de luta em torno de significação social”(Silva, 1999, p.133), e por isso mesmo cami-nha no sentido de definir como os grupos e aspessoas, envolvidas e identificadas com cadagrupo social específico, devem seridentificadas, ou seja, constituir sua identida-de, do seu modo de ser e de agir, numa rela-ção que se conectam e confundem-se culturaespecífica ou particular, as significações, aprópria identidade e as relações de poder. Aotentar revelar as origens e as conseqüênciasdessas relações sociais, os Estudos Culturaisassumem um propósito eminentemente polí-tico, identificando as relações de poder exis-tentes numa situação cultural determinada,onde determinados grupos se apresentam cul-turalmente em desvantagem a outros. A res-

14 Girouxcomenta sobre apopularidadedosEstudosCulturais eopoucoaproveitamentodesses estudospelos acadêmicosdasFaculdadesdeEducação,notadamenteem sua incorporação nos discursos sobre reforma educacional.

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peito do campo do currículo Silva afirma:

Em primeiro lugar, os Estudos Culturais permi-tem-nos conceber o currículo um campo de lutaem torno [...] da identidade. A partir dos EstudosCulturais, podemos ver o conhecimento e o currí-culo como campos culturais, como campos sujei-tos à disputa e à interpretação, nos quais os dife-rentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia(op.cit., p.134)

Percebe-se que a consideração do currí-culo como uma construção social, portanto umartefato cultural, conduz o entendimento de quea natureza do currículo está intimamenteconectada à produção de identidades sociais eculturais, pois os conhecimentos que estão pre-sentes e compõem o currículo, são entendidoscomo criação humana, segundo interesses eideais privilegiados por determinado modelosocial e legitimados pelas elites dominantes quese favorecem diretamente desse modelo domi-nante que a todo custo tenta manter a sua “ver-dade” como a única possível e naturalmenteexistente.

É nessa concepção que os Estudos Cul-turais denunciam que os currículos escolaressão uma construção social intencional e aten-dem determinados interesses; nunca devem serconsiderados uma “revelação” de inspiraçãodivina que segue o curso natural das coisas, davida, da existência, mas devem ser considera-dos artefatos culturais, sociais, históricos ehumanos, construídos dentro das relações his-tóricas de poder que marcam e determinam asrelações humanas nesta existência.

Nesse sentido há uma equiparação en-tre todos os conhecimentos existentes, tantoaqueles considerados sistemáticos, ou esco-lar, quanto aqueles conhecimentos cotidiana-mente produzidos e vivenciados pelas pesso-as, visto que todo conhecimento objetiva amodificação das pessoas, a transformação dequalquer aspecto específico das pessoas, deacordo com os propósitos e objetivos de de-terminado conhecimento.

Os Estudos Culturais também reforçama importância de se analisar a história não comouma narrativa linear, vinculada de forma não-problemática ao progresso, mas como uma sé-rie de rupturas.AHistória, neste sentido, é uma

dinâmica humana mais complexa tornando dis-ponível aos estudantes certas narrativas, histó-rias locais e memórias que foram excluídas emarginalizadas nas interpretações dominantesda história oficial.

Essa concepção, notadamente, quandopensada a partir da ótica do conhecimento es-colar, pode contribuir na formação de pessoascríticas, ativas e solidárias, e ajudar na recons-trução duma realidade mais igual, sendo im-prescindível que se desprenda uma importân-cia prioritária aos conteúdos culturais, assimcomo a determinadas estratégias de ensino-aprendizagem e avaliação que possam favore-cer a promoção de tal objetivo.

Significação e identidade cultural: resistin-do e questionando o “outro” essencial

Ao situarmos nossas reflexões no campodos Estudos Culturais, estamos defendendo umaconcepção de representação como aquelas for-mas de inscrições, por meio das quais o “outro”é representado, ou seja, a forma “legitimada”que determinadas pessoas utilizam para, atra-vés de relações de poder, determinar a identida-de das outras pessoas, grupos ou classes, e, aomesmo tempo, a sua própria identidade.

Estes significados produzidos sobre o“outro”, são, como afirma Costa (2001, p.40)“...o resultado de um processo de produção designificados pelos discursos, e não como umconteúdo que é espelho e reflexo de uma ‘rea-lidade’ anterior ao discurso que a nomeia.”. Po-demos entender a representação, na linha deraciocínio que elegemos como fio condutor denossas reflexões, como noções estabelecidasmediante as diversificadas formas de discur-sos, determinando significados fortemente am-parados e devidamente legitimados a partir declaras conexões com o poder. Neste sentido,Costa afirma:

Sendo assim, as representações são mutantes, nãofixas, e não expressam, nas suas diferentes confi-gurações, aproximações a um suposto ‘correto’,‘verdadeiro’, ‘melhor’. Aliás, o emprego de cate-gorias avaliativas, nesta concepção, é inadequadoe desnecessário (op. cit., p.41).

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É neste sentido que defendemos a idéiade que quando alguém, alguma coisa, ou fenô-meno, é representado, ou explicado, ou ainda,tem determinado tipo de significado sobre suaexistência, este alguém, ou algo, está sendocondicionado, explicitado em sua existência enos seus atributos, qualidades, dentre muitosoutros aspectos que lhe instituem dentro dedeterminados “padrões”, por outro alguém quepossuí, dentro de toda uma dinâmica ou pro-cesso materialista, e nunca essencialista, o po-der de narrar, o poder de produzir identidades,as identidades dos “outros” e a sua própria.

Geralmente, quem tem o poder de narrarsobre o outro, de determinar sobre a identida-de do outro, acaba tomando a si próprio comoreferência, como normal e, neste sentido, tomao outro como diferente, como fora do normalou, no sentido em que nos comunica Costa (op.cit.), “excêntrico”, “exótico”, “misterioso”, quequando merece nossa consideração, é pela áu-rea de mistério que desperta, por ser diferente,anormal, fora do padrão instituído como “nor-mal” e central, o que pode levar à prática deuma política cultural que, na busca de repre-sentar o “outro”, trata de subjugá-lo, dedescrevê-lo como diferente e, até mesmo, comcerto grau de discriminação, de rejeição, deinferior socialmente, dentre muitos outros as-pectos negativos, do ponto de vista da constru-ção de identidades.

O que mais nos desperta a atenção, é ofato de que essas significações sobre o “outro”,essa forma de forjar as identidades alheias, sãoconstruídas com a intenção de tornar essas iden-tidades essencializadas e portadoras de um ca-ráter natural que não nos caberia discutir, masapenas aceitar, de acatar o caráter de inferiorde determinada cultura, de determinado modode vida, de determinados hábitos, de determi-nados seres humanos, frente à posição superi-or e privilegiada conquistada por determina-dos grupos, classes sociais ou pessoas, que,favorecidos pela configuração de determinadosprocessos históricos, sociais, políticos, econô-micos dentro de certas conexões de poder, que-rem tornar “natural” o caráter de superioridadede uns sobre outros.

Geralmente, esse caráter de superiorida-

de é explicado e justificado por uma força su-perior “divinizada”, ou “sagrada” e, geralmen-te, ainda, com inumeráveis prejuízos para os“inferiores”, como podemos perceber visivel-mente nos dias atuais, através dos grandes ins-trumentos comunicacionais, porque a própriamídia, mesmo sendo muitas vezes, empregadacomo instrumento de legitimação desses inte-resses “superiores”, vem revelando diariamen-te, principalmente, através da televisão, os pre-juízos sociais, culturais, econômicos, humanos,éticos e políticos de que são vítimas pessoassomente pelo fato de pertencer a determinadas“classificações”, como por exemplo, os jovens,as mulheres, os negros, os idosos, os portado-res de necessidades especiais, os homossexu-ais, dentre muitos outros que o espaço desteartigo não nos permite aprofundar.

Santomé (1998) nos chama a atençãopara as atitudes de racismo e discriminaçãoatravés do silenciamento de acontecimentoshistóricos, culturais e sociais envolvendo de-terminados grupos ou etnias, tratadosdissimuladamente de inferiores ou primitivos,através das narrativas dos livros didáticos emnossas escolas, no que concordamos e pensa-mos ser uma realidade que torna-se mais efe-tiva, e com maiores conseqüências negativas,nas escolas públicas, onde se encontra estu-dando a quase totalidade de crianças oriun-das das classes sociais menos favorecidas eco-nomicamente.

Como amostra dessa discriminação po-lítica pode-se considerar o exemplo da inva-são dos povos europeus aos países de terceiromundo, no caso de Portugal com relação aoBrasil, onde práticas de exploração e esgota-mento das riquezas do país é representada comoato de heroísmo, descobrimento para civilizar,aventura de povos desenvolvidos para levar oprogresso aos povos primitivos e bárbaros, den-tre outras identidades e estereótipos criadas erepassadas como naturais e únicas possíveis,com raros casos em que se enfatiza ou se de-nuncia a exploração, domínio, brutalidade e es-cravidão com que tais invasões são efetivadase levadas a cabo.

Ao mesmo tempo, as lutas por liberta-ção e de resistência contra as políticas de es-

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cravidão impostas pelo homem branco euro-peu ao povo negro africano em terras brasilei-ras, faz surgir determinadas manifestações cul-turais, como por exemplo a capoeira, que pre-servam em seus discursos e formas de comu-nicação, narrativas que contam a história bra-sileira a partir do olhar dos povos oprimidos,que sofreram diretamente os abusos e as desu-manidades das práticas escravistas, a partir daconcepção e percepção dos vencidos.

Nossa pretensão, a partir da concepçãode representação político-cultural, é chamar aatenção para a necessidade de se criar espaços,dentro dos currículos escolares, para que pos-samos ir desconstruindo as narrativas e os dis-cursos que estão pretendendo tornar os ideaise os valores hegemonicamente “superiores”como legítimos e essencializados, valores es-tes, oriundos dos muitos séculos de domina-ção e de escravidão de povos sobre outros, deculturas sobre outras, de discursos sobre ou-tros, ou seja, de tornar cultural, político, soci-al, humano, material o outro “essencial”, ooutro tornado “essência”, tornado central e le-gítimo em prejuízo dos outros que estão sendodesconstruídos, inferiorizados.

Nossa concepção sobre currículo, atéaqui explicitada, não deixa dúvidas, pensamosnós, diante de nossa defesa, até certo ponto in-transigente e urgente, para a construção de umcurrículo multiculturalista ou, como gosto dechamar a partir de nossa prática de pedagogo,envolvido com a multidimensionalidade doprocesso educativo, “contextualizado”, no sen-tido de estar voltado para as reais preocupa-ções e interesses das pessoas concretas, diantede suas realidades, de suas experiências, ummodelo de currículo escolar que, nas palavrasde Silva “...não separe questões de conhecimen-to, cultura e estética de questões de poder, po-lítica e interpretação” (2002, p.130).

Conclusão: algumas possibilidades da ca-poeira

Ao final deste artigo, não temos a pre-tensão de concluirmos sobre as possibilidades

da capoeira nos espaços propiciados pela cons-trução de um currículo contextualizado, por-que é um campo que requer, ainda, muitos es-tudos e pesquisas, porém pretendemos deixarclaro alguns aspectos imprescindíveis a esterespeito.

Em primeiro lugar, queremos chamar aatenção para a necessidade de todas aquelaspessoas15 que se sintam comprometidas comuma educação menos injusta e menosexcludente, estarem refletindo e propondo pro-jetos centrados na idéia de implantação de umapolítica cultural em todas as escolas, no sentidode se refletir constantemente e, assim, envolveros alunos num debate contínuo e igual, sobrepluralidades, diversidades, diferenças, dentreoutros aspectos, e de como se articular aintegração destes aspectos com a realidade con-creta destas escolas, notadamente a escola pú-blica, devido ao maior déficit que carrega estainstituição em nosso país, fruto de décadas dedescaso promovidas pelo poder público.

Faz-se necessário, neste projeto, que oprofessor conceba-se enquanto um intelectualtransformador, no sentido em que defendeGiroux (1997), ou seja, tornando o conhecimen-to problemático, utilizando-se de um diálogocrítico e afirmativo, defendendo um mundomelhor para todos e, acima de tudo, dando vozativa, aos estudantes, em suas experiências deaprendizagem, tudo isto a partir do entendimen-to de que todos são agentes potenciais de mu-dança, que todos, a partir de umaconscientização e de uma conseqüente açãoprática, podem, e devem, contribuir para a pro-moção da mudança social, sabendo ser este umprocesso histórico e de profundo envolvimentoe luta para que possa se concretizar, para quepossa tornar-se real.

Não podemos negar a importância de selevar para dentro das escolas as diversas for-mas de culturas que fazem parte da vida dosestudantes, as culturas populares, no sentidode terem sido criadas e desenvolvidas no seiodos movimentos populares e que, por isso mes-mo, trazem uma outra visão da história do povo,que não aquela contada a partir da ótica de

15 Aqui estamos considerando os professores, supervisores, coordenadores, diretores, profissionais de serviços trabalhando na escola, políticos, familiares, etc.

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quem estava nas posições de poder, ouhegemônicas, no momento de se organizar osdiscursos (informações, narrativas) que farãoparte da história “oficial” e que estarão presen-tes, por exemplo, nos livros didáticos escola-res, nos manuais educacionais, nas imagens egravuras que compõem estes manuais.

Estas culturas, além de serem negadas,ou seja, ocultadas, não mencionadas, nos cha-mados currículos oficiais, muitas vezes, sãotrabalhadas através do que podemos denomi-nar um falso interesse multicultural, quer di-zer, estas culturas são lembradas apenas emdias específicos, tipo dia do negro, dia Inter-nacional da Mulher, dia do Índio, Semana daecologia, dentre outros, e que na realidade,acreditamos, pretendem apenas dar uma certasatisfação à sociedade e aos movimentosengajados nos interesses sociais, numa clarapolítica de “arranjo” social, de mascaramentode uma verdadeira intenção de silenciar osmovimentos contra-hegemônicos e de resis-tência, que vão tentando se fortalecer no seioda sociedade.

Éesta inquietação, dos interessesdominan-tes, frente às culturas contra-hegemônicas, frenteaos movimentos sociais organizados, que deixaclaro todo o potencial conscientizador destas cul-turas, como por exemplo a capoeira, que podemestar ajudando na construção da identidade, decrianças e jovens, presentes nos espaços escola-res, no sentido de criar espaços para que estaspessoas possam estar falando de si próprias, deseus hábitos, de seus interesses, de suas vidas,que possam estar construindo suas próprias sig-nificações, sua representação político-cultural.

Numa sociedade de classes, como a bra-sileira, de modelo eurocêntrico e colonialista,a realidade educacional escolar não prepara ascrianças e jovens estudantes para uma atuaçãoconcreta e adequada, situação que se acentuapara as crianças e jovens oriundas das cama-das sociais menos favorecidas econômica, po-lítica, social e culturalmente, tendo como agra-

vante o fato de que essa sociedade é cultural-mente pluridiversificada.

Sendo a educação um dos processos ele-mentares, se não o principal, para a formaçãode pessoas aptas a atuar na sociedade da qualfazem parte, as políticas públicas educacionaisdeveriam refletir as necessidades mais urgen-tes da realidade social para que, somente as-sim, pudesse voltar o seu interesse para a pro-posta e implantação de modelos curricularesmais condizentes com os anseios, os interes-ses e as necessidades imediatas dos atores so-ciais, podendo, dessa forma, estar contribuin-do para a formação de pessoas integradas e ati-vas, em todos os aspectos que compõem suamultidimensionalidade humana, no contextosociocultural em que estão inseridas.

É neste sentido, que a capoeira, atravésde suas cantigas e das histórias de seus movi-mentos e de seus personagens mais importan-tes, pode constituir-se numa prática dequestionamento e desconstrução das narrati-vas oficiais das classes hegemônicas, dentrodo espaço escolar, principalmente, por envol-ver a presença de crianças e jovens oriundasdas mais diversas realidades econômica, po-lítica, cultural e social, sendo ainda uma cul-tura genuinamente brasileira, nascida em si-tuações de discriminação e, por isso mesmo,carregando formas de resistência e dedesconstrução de determinados estigmas e re-presentações negativas arraigadas em concep-ções preconceituosas que foram sendoconstruídas frente ás manifestações popula-res, notadamente aquelas de origem negra.

Podemos concluir, afirmando que a capoei-ra pode contribuir na promoção de determinadassituações de conscientização e de esclarecimentodas reais condições em que se deram determina-das construções de identidades sociais e culturaispresentes no imaginário de grande parcela de pes-soas socialmente excluídas, encaminhando a umprocesso inverso de reconstrução de identidades erepresentações política e cultural.

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1. A Educação em Foco

As mudanças radicais dos costumes e osinúmeros problemas de ordem social provoca-dos pela Revolução Industrial do século XIXforam decisivos para despertar o interesse e aindignação de Karl Marx, no que se refere àsdramáticas condições de trabalho da classe ope-rária, e em especial as condições de trabalho aque eram, submetidas mulheres e crianças.

Do mesmo modo, para Durkheim, astransformações ocorridas neste período deixa-ram-no profundamente inquieto em relação aosdesequilíbrios sociais, que no seu entendimen-to, eram decorrentes da falta de moralidade edos valores que devem nortear as relações so-ciais. Valores morais esses, que são essenciaispara a harmonia das relações sociais.

Os paradigmas sociológicos deDurkheim e Marx diferem enormemente. En-quanto para o primeiro, a sociedade poderiaalcançar um nível de perfeição desejável, pormudanças que se fizessem ao nível da moralsocial, para Marx, a sociedade capitalista seriasempre imperfeita, e diante de tal constataçãosomente seria admitida a sua transformação

IDÉIAS E TEMPORALIDADES;A educação e o ensino nas visões do Durkheim e Marx

Olivette Rufino Borges Prado Aguiar1

RESUMO

Este artigo procura refletir sobre os paradigmas educacionais abor-dados por Durkheim e Marx, a partir da realidade que se materializanocontextodaRevolução Industrial. Temporobjetivo,numprimeiromomento, analisar omodelodo consensodefendidoporDurkheim.em que a educação caracteriza-se por ser um fenômeno eminente-mente social, orientada no sentido da socialização metódica dasnovas gerações. Num segundo momento retoma a discussão emtorno da união trabalho-instrução proposta por Marx, discutindo osdiversos fatores que envolvem este processo.

Palavras-chave: educação, moral social, adaptação, dominação,consciência.

ABSTRACT

This article quest for to reflect on theboarded educational paradigmsfor Durkheim and Marx from the reality that if materializes in thecontext of the Industrial Revolution. It has for objective, at a firstmoment, to analyze the model of the consensus defended forDurkheim, where the education is characterized for being a guidedeminently social phenomenon in the direction of the methodicalsocialization of the new generations. At as a moment it retakesdiscuss around theunionwork-instructionproposal forMarx, arguingthe diverse factors that involve this process.

keywords: education, social moral, adaptation, domination,consciousness.

radical rumo ao socialismo.Enquanto para Durkheim a ciência soci-

ológica e a educação poderiam ser capazes demelhorar o capitalismo, Marx propunha a classetrabalhadora que se organizasse e lutasse porseus direitos buscando as mudanças necessári-as, e neste processo, a educação teria um papelfundamental.

Este artigo representa uma tentativa teó-rica, limitada e parcial de se compreender a pos-tura de cada um desses teóricos diante dos inú-meros problemas da sociedade capitalista e decomo a educação, nesse contexto, é entendidana sua finalidade.

2. 0 Paradigma do Consenso

Precursor do moderno funcionalismo,Durkheim, influenciado pelo positivistaAugusto Comte, compreende a educação comoo meio através do qual a sociedade se perpe-tua. A educação, no seu entendimento, devetransmitir os valores morais que são os princí-pios norteadores do equilíbrio e integração so-cial. As transformações provocadas pela Re-volução Industrial despertaram profundas in-

Recebido: maio de 2004.Aceito: junhode2004.1 Doutoranda emEducaçãopelaUniversidadeFederal doRioGrandedoNorte-UFRN,Natal 2004.

Teresina n.10 56 - 66 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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quietações especialmente quanto ao que eledenominou de “desintegração moral”, compre-endida como a causa primeira dosdesequilíbrios sociais.

Preocupado com a ordem das coisas,Durkheim refletiu sobre esses problemas, cons-tatando que nem sempre a sociedade funcionade maneira harmônica e isto acontece quandoas leis que regem a moral social ou consciên-cia coletiva deixam de ser cumpridas, fazendosurgir os problemas decorrentes da não adap-tação dos seus indivíduos aos padrões de com-portamento preexistentes e legitimados. Aconsciência coletiva é assim,

[...] em certo sentido, a forma moral vigente nasociedade. Ela aparece como um conjunto de re-gras fortes e estabelecidas que atribuem valor edelimitam os atos individuais. É a consciência co-letiva que define o que, numa sociedade, é consi-derado “imoral” “reprovável’ ou “criminoso”(COSTA , 1998, p. 63).

A teoria sociológica durkheimiana enten-de que os fatos sociais independem daquilo quefaz o indivíduo em particular, e desse modo, aconsciência individual, o modo de ver as coisase interpretar os acontecimentos são superadospelas formas padronizadas de comportamento.É a consciência coletiva que se impõe aos mem-bros de um grupo social e sobrevive através dasgerações, definindo o que e moral ou imoral.

A não observância dos valores moraislevaria à desordem e ao caos não fosse a efeti-va ação exercida pela educação formal e infor-mal, que como fato eminentemente social,independe da vontade dos membros de umasociedade e assim, tanto a educação quanto aescola surgiriam como reprodutoras da moralsocial, orientando-se no sentido de organizar asociedade para o seu bom funcionamento(MEKSENAS, 1995).

Nesse contexto, a socialização das gera-ções mais jovens torna-se fator indispensávelno sentido de adaptá-las ao sistema de regras enormas sociais que são responsáveis pela or-dem e pelo progresso da sociedade. Os costu-mes e valores morais que permeiam as rela-ções sociais em uma dada sociedade formamos padrões de conduta a que deve se submeter

os indivíduos.Do mesmo modo, o desrespeito a esses

princípios norteadores de comportamento, po-dem dar origem a sanções diversas, que tantopodem surgir espontaneamente como podemser aplicadas por meios legais através das ins-tituições responsáveis pelo cumprimento dasleis. Assim, a educação surge como um instru-mento que atua no sentido de garantir a todosas condições essenciais da existência coletiva.

Esse entendimento recai sobre a propo-sição de que a sociedade, somente poderá sub-sistir se houver entre seus membros umahomogeneidade suficiente, e ai reside a contri-buição da educação, no sentido de promover asocialização da criança, que se dá na esfera daconstrução do “ser social’ superando o “ser in-dividual” existente em todo indivíduo indis-tintamente, e que pretende ser útil à perpetua-ção da sociedade. Os desejos pessoais e inte-resses individuais precisam ser superados, es-pecialmente pela ação educativa, pois o queimporta não é a personalidade individual maso grupo social e as ações legitimadas e torna-das coletivas visando a harmonia social.

As ações legitimadas socialmente passa-riam, necessariamente, pela aceitação coletivados valores morais e da aceitação de “bem e demal, cuja imposição de princípios dogmáticosdetém a pretensão de harmonizar o tecido so-cial. Marx, entretanto, ao analisar a questãomoral na sociedade de classe, afirma que estasempre foi uma moral de classe, e que de for-ma consciente ou inconsciente, as idéias demoral estão intrinsecamente relacionadas àscondições materiais das classes sociais. Ou seja,não existe no interior de uma sociedade dividi-da em classe, uma moral eterna e imutável, poiscada segmento da sociedade tem a sua moralprópria e intransferível.

Enquanto para Durkheim, a educaçãoacrescenta ao ser egoísta e associal uma natu-reza capaz de aceitar a disciplina moral (umavez que esse processo não ocorre espontanea-mente), para Marx esse processo é legitimadopelas condições materiais.

Tais afirmações levam ao entendimentode que, ao contrário de Marx, a educação paraDurkheim, torna-se fator decisivo na manuten-

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ção da relações sociais, em que se verifica anecessidade de que os valores estabelecidospela sociedade ao longo do tempo, sejam rapi-damente agregados ao ser egoísta e associal quenasce a cada geração, criando a possibilidadede um ser novo. Não se trata aqui de adestrá-losimplesmente, ou fornecer-lhes um treinamentoa exemplo de animais passíveis de condicio-namento para a realização de determinadas ta-refas, mas ao contrario, utilizar-se da força cri-adora que possui a educação para se produziruma conduta adaptada à natureza das coisas.

O desenvolvimento das qualidades indi-viduais deve, necessariamente, refletir as exi-gências do meio social e as ações de cada um.Os frutos das experiências conseguidas na vidasocial, e que são repassadas às novas gerações,permitem aos indivíduos galgar uma posiçãosuperior a do animal e até de si mesmo. Tal con-dição, no entanto, somente será possível atravésda entidade moral duradoura que é a sociedade.

Para Durkheim, o ser social que se so-brepõe ao individual só será alcançado por meiode muito esforço, no sentido de conter o egoís-mo natural de que é dotado o ser humano e quefaz parte da sua natureza animal. As motiva-ções ou razões que favorecem a adoção dessapostura podem ser resumidas em duas: a ne-cessidade de defesa física ou a vontade moral.E é a vontade moral ou o senso do dever quevai se sobrepor e tornar-se o eixo da questão,podendo ser assimilado tanto pelo adulto quan-to pelas crianças.

É por esse motivo que na visãodurkheimiana, a figura do mestre. assim comosuas atitudes terão importância fundamental noprocesso ensino-aprendizagem. A postura au-toritária assumida pelo mestre deve pressupornão a violência física, mas a ascendência mo-ral e a confiança que a criança precisa sentirpara, inclusive, aceitar as punições como legi-timas e inquestionáveis. Desse modo, todo es-forço empreendido pelos sistemas educativosdeve pressupor que o homem que a educaçãodeve formar, deverá ser aquele que a socieda-de necessita que ele seja e ela o quer conformereclame a sua economia interna e o seu equilí-brio (DURKHEIM, 1978).

A educação para Durkheim, se restringe,

portanto, à ação exercida pelos adultos sobreas crianças, assim como a divisão do trabalhotambém é um fator normal em qualquer socie-dade organizada posto que, não poderão todosos seus membros se dedicarem a um mesmogênero de vida.

Também nesse sentido não poderá havereducação homogênea e igualitária. Pois have-rá sempre diversidades ocupacionais e estasfunções exigirão uma orientação educacionalespecifica a cada uma em suas particularida-des. Ao contrário de Marx, para quem a educa-ção politécnica vislumbrava a possibilidade dadedicação tanto ao trabalho manual quanto aotrabalho intelectual e acesso a cultura,Durkheim entende que haverá sempre homenscujas aptidões divergem entre a ação e a cultu-ra do pensamento, sensibilidade e reflexão.

Assim, mesmo nas sociedades suposta-mente igualitárias a educação é um fenômenoconcretamente variável e assim o deve ser, umavez que cada profissão requer uma educaçãoespecifica, embora na sua especificidade todaela esteja alicerçada sobre uma base comum.Abase comum, entretanto, também varia confor-me a sociedade a que se destina, pois a educa-ção está estruturada para assegurar a sobrevi-vência da sociedade, e esse entendimento im-plica concebê-la como uma ação coercitiva quese traduz na,

Ação exercida, pelas gerações adultas, sobra gera-ções que não se encontrem ainda preparadas para avida social: tem como objeto suscitar e desenvol-ver, na criança, certo número de estados físicos emorais, reclamados pela sociedade política no seuconjunto, o pelo meio especial a que a criança, par-ticularmente, se destine (DURKHEIN, 1978, p. 4).

Desse modo, para cada povo existe umaeducação que lhe é peculiar, orientada para apromoção da integração do indivíduo à socie-dade através da inculcação dos valores, e nodesenvolvimento de atitudes comuns que vi-sem assegurar a ordem social. Nesse sentidopode-se entender que a educação tem paraDurkheim, função uniformizadora, desconsi-derando as contradições existentes nas socie-dades de classe, bem como as implicações de-correntes de grupos em conflitos e com dife-

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rentes graus de poder.Objetivando a ordem e o progresso soci-

al, esta educação terá para cada indivíduo emparticular, uma finalidade especifica, cujo ob-jetivo é o de preparar as crianças para o de-sempenho de funções úteis na sociedade e as-sim, não poderá ser igual para todos, pois a di-versidade de profissões requer característicaspeculiares, resguardando, entretanto, os valo-res morais que devem se constituir a base so-bre a qual repousa a harmonia do grupo.

A educação tem, portanto, dupla função:despertar valores que integrem o indivíduo aogrande grupo social a que pertence e fazer sur-gir certos estados físicos e mentais que o gru-po social particular considere indispensáveispara o convívio familiar e o desempenho pro-fissional. Desse do a diversidade ocupacionalprovocaria em todo indivíduo o desejo de coo-peração, despertando sentimentos comuns.

Se para Durkheim (1978), o homem nãoé humano senão porque vive em sociedade, aeducação tem importância fundamental no pro-cesso de transmissão das idéias e valores vi-gentes, transformando cada indivíduo em agen-te passivo e submisso, mero repetidor de com-portamentos socialmente aceitos. Mesmo ab-dicando dos seus desejos e realizações pesso-ais, todo indivíduo, perfeitamente adaptado àsregras e normas existentes em cada sociedade,tornar-se-á verdadeiramente humano e particu-larmente comprometido com os interesses co-letivos, sendo o desenvolvimento dessas carac-terísticas, a grande meta para a qual devem es-tar orientados os sistemas de ensino.

Na realidade o ser social não nasce como homem, mas ao contrário, vai sendo metodi-camente construído, em especial, por meio daação educativa formal e informal, sendo esta afinalidade precípua da educação. É desse modoque, espontaneamente, o homem não se dis-põe a submeter-se as normas vigentes; isto seconcretizará através da escola, que inculcarána criança os valores legitimados pelo gruposocial a que pertence. Se o homem precisa doconvívio social para tornar-se humano ele ne-cessitará sentir-se incluso e aceito no gruposocial, bastando para isso que todas as leis queregem a consciência coletiva sejam observa-

das, internalizadas e cumpridas.Influenciado pela biologia, Durkheim

concebe a sociedade como um corpo social quese assemelha ao corpo humano. São vários ór-gãos que desempenham funções específicas eque dependem um do outro para funcionarharmonicamente. O Estado aparece nesse en-tendimento, como o cérebro do corpo social ecomo o seu órgão vital, cuja função é acompa-nhar e resguardar os princípios que regem amoral social assim como a organização social,através dos interesses coletivos

É tarefa do Estado preparar o indivíduopara o desempenho de uma função útil na soci-edade por meio de uma educação isenta de pai-xões individuais. E assim sendo, educação eEstado devem manter uma relação íntima, umavez que somente este é capaz de organizar umtipo determinado de educação cuja finalidadeesteja relacionada aos interesses sociais.

Essa vinculação entre Estado e educaçãoserá efetivada pela ação da escola que é a insti-tuição capaz de exercer o controle sobre as cri-anças e jovens. Assim é que, para Durkheim, aconcepção de educação está entendida no sen-tido de proporcionar a integração social do in-divíduo e o seu ajustamento, visando garantira ordem social.

Se a sociedade é para Durkheim, seme-lhante a um corpo, cuja característica principalé a sua tendência ao progresso e harmonia, queestão determinados sobretudo, pela condutaexigida pela moral social, esta deverá ser, ne-cessariamente transmitida aos mais jovens pelaeducação. Nesse sentido a educação é una, por-que reproduz os valores essenciais de uma dadasociedade, objetivando a sua manutenção e nãoe sua transformação, embora ela também pos-sa ser considerada múltipla.

O caráter múltiplo da educação pode serdeterminado na medida em que, mesmo trans-mitindo os valores essenciais de uma socie-dade, ela possui conhecimentos e valores quesão peculiares a cada classe social e a cadaprofissão particularmente. Assim, apesar deser una pode existir, também uma certa diver-sidade ou especialização de conhecimentos(MEKSENAS, 1995).

O caráter uno e múltiplo da educação

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pretende garantir que do mesmo modo que elaatua como transmissora da moral social, possatambém proporcionar ao individuo a especia-lização necessária ao desempenho de uma fun-ção útil na sociedade.

Se para Marx. a educação pressupõe to-dos os processos que irão contribuir para desen-volver a mudança de consciência nas pessoas,para Durkheim ela representa a reprodução devalores de uma sociedade visando garantir aintegração de seus membros. Assim, a concep-ção educativa encontra-se limitada a ação de umageração madura e experiente, perfeitamenteadaptada ao meio social, sobre uma geraçãoimatura, no sentido de prepará-las adequadamen-te para assumir o seu papel na sociedade.

O homem que a educação deve realizar, em cadaum de nós, não o homem que a natureza fez, maso homem que a sociedade quer que ele seja, e ela oquer conforme reclame a sua economia interna, oseu equilíbrio. Prova-o exuberantemente, a maneirapor que tem variado a concepção do tipo humano,nas sociedades como as vemos na história [...]toda transformação, mais ou menos importante naorganização de uma sociedade, apresenta comoefeito, uma mudança de igual importância na idéiaque o homem deve fazer de si mesmo(DURKHEIM, 1978 p. 81).

É um processo unilateral e determinista,e ao educando, cabe a tarefa de assimilar pas-sivamente o que lhe é imposto e a agir de acor-do com o que está determinado. Nesse caso,toda ação será moral, se legitimada pelo gruposocial e isenta de interesses individuais.

A análise histórica mostra que a forma-ção dos sistemas de educação foram, em todasas épocas, influenciados pelas crenças religio-sas, organização política, grau de desenvolvi-mento das ciências etc. A partir dessesdeterminantes pode-se perceber que, para cadamomento histórico existe um tipo regulador deeducação. São costumes e idéias que se forma-ram ao longo do tempo, foram socialmenteaceitos pelas gerações passadas e que se per-petuam. Todo esse conjunto de princípios queregem a educação determinam o tipo de indi-víduo que se pretende formar. Para Durkheimesse individuo deverá ter o perfil do homemadaptado aos interesses sociais e pronto a agir

de modo a perpetuar a sociedade tal como elaestá estruturada.

A importância da educação se insere,então, na proposta de construção do ser socialem todo individuo tornando-o verdadeiramen-te humano e adaptado ao seu grupo social.

A educação tem variado infinitamente com o tem-po e com o meio. Nas cidades gregas e latinas, aeducação conduzia o individuo a subordinar-secegamente à coletividade, a tornar-se uma coisada sociedade. Hoje, esforça-se em fazer dele per-sonalidade autônoma (DURKHEIM, 1978 p. 35).

O que a visão durkheimiana pretende de-monstrar é que a educação não pode ser mode-lada apenas pela vontade de seus reformadores,mas ao contrário, sofre influências e determina-ções que subsistem no contexto histórico e queos fatos sociais, e, portanto, a educação, nãopodem ficar isentas dessas determinações. Taisafirmações são respaldadas pela história e ca-racterizam as modificações sofridas ao longo dotempo no que diz respeito a finalidade da edu-cação em momentos históricos distintos.

Uma breve incursão na história nos mos-tra que em Atenas pretendia-se a formação deespíritos delicados e sutis; em Roma o idealera o preparo do homem de ação, apaixonadopela glória militar; na Idade Média buscava-sea contemplação e o ascetismo cujo ideal era aformação do homem de fé e no Renascimentotemos a acentuação do caráter leigo e literário.Tais determinações levam ao entendimento deque os homens de cada época possuem um sis-tema de educação orientado para determinadosfins, e que esse sistema é imposto a todoindividuo em cada sociedade e em cada mo-mento particular.

No modelo de educação perseguido porDurkheim, não são consideradas as contradiçõesnaturalmente existentes nas sociedades de clas-se, sendo esta, a visão como é tratada por ele aquestão “divisão do trabalho”. Enquanto paraMarx, a divisão do trabalho pressupunha oembrutecimento da massa trabalhadora em de-trimento do domínio intelectual da burguesia,Durkheim entende que esta divisão deve acon-tecer para a própria sobrevivência da sociedade.

A divisão do trabalho deve acontecer

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mesmo nas sociedades sem classes, pois a di-versidade ocupacional é um fator imprescindí-vel na manutenção da sociedade em seus di-versos aspectos, e do mesmo modo, em todosos grupos sociais os indivíduos devem ser pre-parados para desempenhar papéis diversifica-dos e úteis, no sentido de se alcançar à harmo-nia e o progresso social.

3. 0 Paradigma Do Conflito

Os problemas oriundos da RevoluçãoIndustrial fornecem subsídios para os estudosde Marx e constituem uma crítica ao capita-lismo individualista e competitivo que foraimplantado notadamente na Inglaterra do sé-culo XIX.Impulsionado pela constatação das dramáti-cas condições de trabalho da classe operária— especialmente no caso do trabalho de mu-lheres e crianças e pelo descaso com que eramtratadas as necessidades sociais no campo daeducação, Marx realiza estudos que preten-dem apresentar propostas concretas com re-lação ao ensino e a instrução, colocando-oscomo instrumentos capazes de transformar arealidade.

Afirmamos que a sociedade não pode permitir quepais e patrões empreguem, no trabalho, crianças eadolescentes, a menos que se combine este traba-lho produtivo com a educação.[...] esta combina-ção de trabalho produtivo com a educação intelec-tual, os exercícios corporais e a formação políticaelevará a classe operária acima dos níveis da clas-se burguesa e aristocrática (MARX, 1992 p. 60).

As propostas para a introdução de umnovo tipo de educação, unindo o trabalho ma-nual ao intelectual, pretendem estabelecer asbases de um novo sistema de ensino capazde contribuir para a possibilidade de um novohorizonte histórico, onde as relações de do-minação deixem de existir. Esses paradigmasformam a base sobre a qual se consolidamas concepções de Marx com relação à ques-tão ensino-educação. A educação está, por-tanto, baseada na combinação do ensino, emtodos os níveis com o trabalho produtivo eremunerado para crianças acima de determi-nada idade.

As raízes da concepção da união ensino-trabalho encontram-se no socialismo utópico,representado particularmente pelo francêsCharles Fourier e o inglês Robert Owen. Ten-do sido o inspirador direto de Marx, tanto pe-las idéias quanto pelas experiências práticasvivenciadas em sua fábricas, Owen estava con-vencido de que a causa direta de todas as ano-malias sociais eram a falta do instrução e a ig-norância das massas populares, e que apenasum sistema de ensino organizado e racionalpoderia erradicar as injustiças Sociais (NO-GUEIRA, 1993).

A educação, no pensamento marxista,deve incluir todos os processos que irão con-tribuir igual e simultaneamente para a forma-ção intelectual, mudança de consciência e so-cialização. Tais pressupostos, no entanto, con-solidar-se-ão em coerência com princípios ge-rais tais como: a análise dos fatores econômi-cos que determinam a estrutura social, a histó-ria da luta de classes e a ideologia, que carac-teriza a cultura das sociedades de Classes,

Na análise dos fatores econômicos, cons-tata-se a existência de três aspectos: uma basede sustentação que são as forças materiais deprodução e se constituem em métodos atravésdos quais são asseguradas as condições de so-brevivência; as relações de produção, que sãoem última instância as relações entre os homense, finalmente, as superestruturas legais e polí-ticas, incluindo es idéias e formas de consci-ência social.

Desse modo, as relações sociais e a su-perestrutura são determinadas peio modo deprodução que condiciona também a educação,estando esta localizada na superestrutura. Nahistória da luta de classes, estas se encontramem constante antagonismo, pois os seus inte-resses, assim com a posição econômica deambas são divergentes. Outro aspecto a serconsiderado refere-se a ideologia, em que asidéias são condicionadas pelo modo de produ-ção, na medida em que as classes que detém ocontrole do modo de produção material, con-trolam também os meios de produção intelec-tual, inclusive a educação

Conseqüentemente, as idéias da classehegemônica se tornam idéias de todas as clas-

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ses, de tal modo que a posição do grupo nopoder seja legitimada. É nesse contexto que aideologia impede as pessoas de reconheceremseus reais interesses adquirindo uma falsa cons-ciência.

[...] os indivíduos que constituem a classe domi-nante possuem, entre outras coisas, também a cons-ciência a, por isso, pensam; na medida em quedominam como classe e determinam todo o âmbi-to do uma época histórica, é evidente que o façamem toda sua extensão e, conseqüentemente, entreoutras coisas, dominem também como pensado-res, como produtores de idéias; que regulem a pro-dução e a distribuição das idéias de seu tempo eque suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéiasdominantes da época (MARX, 1989, p.72).

Para Marx, não pode haver educação li-vre e universal na sociedade de classes, assimcomo a proposta burguesa para o fornecimen-to de instrução à classe operária é consideradairrealizável, tanto pela própria organizaçãoquanto pela maneira como está estruturada asociedade. Entretanto, analisando as peculiari-dades dessa sociedade, identifica-se no seu seio,elementos que vão determinar a sua própriadestruição, pelo movimento dialético das for-ças antagônicas.

Dessas observações desenvolve-se umenfoque alternativo no sentido de descobrir den-trodessemovimentodedesagregação,os elemen-tos que possam constituir fatores de uma novaordem social, que conduza à mudança: mudançaesta, que se consolidará pela luta política.

Depreende-se assim, que a educaçãonuma sociedade de classes, enquantoveiculadora da ideologia da classe dominante,é inegavelmente um instrumento de domina-ção desta, mesmo utilizando disfarces sutis.Marx descobriu que a história de todas as soci-edades fora até então a história da luta de clas-ses e por essa razão:

[...] Tomamos a luta de classes como uma das ca-tegorias básicas para a ação pedagógica da trans-formação. Desde logo Marx observou que a lutade classes não se operava mecanicamente. Nelaintervinham forças “externas”: intenções, interes-ses, enfim ideologia. Ideologia e luta de classes,tornaram-se assim os pontos-chaves da visão damudança do mundo, na filosofia de Marx(GADOTTl, 1991, p. 68).

Analisando o processo de dominação,Marx desenvolve um enfoque alternativo depensar a educação como entendimento criticoda realidade, onde o aluno aprende a ler nasdesigualdades do capitalismo, as viascondutoras para a construção de uma nova so-ciedade. Do mesmo modo, admite que somen-te com a direção e controle da produção é quese chegará à verdadeira emancipação e supera-ção das condições de alienação.

Admitindo que a situação da classe ope-rária é a situação de dominação e alienação de-correntes das manifestações históricas da rela-ção entre trabalho e capital, é necessário que oprocesso de escolarização contemple o desper-tar da consciência; essa conscientização, no âm-bito da formação política, deve ficar a cargodos sindicatos e se fará a partir da interpreta-ção da realidade cotidiana, das lutas diáriascontínuas, capazes de conduzir a mudanças dascondições gerais de existência.

A emancipação das condições de opres-são, no entendimento de Marx, somente po-dem se concretizar quando tal emancipaçãoconseguir atingir todos os níveis, dentre osquais, o da consciência, pois a educação, pe-las suas múltiplas possibilidades, inclui todosos processos que contribuem para a formação,mudança de consciência e do caráter daspessoas. Desse modo, a educação contribui nãoapenas para a escolarização, mas para a socia-lização em geral.

As medidas socialistas referentes a uniãoensino e trabalho, embora tenham sido pensa-das para atender a massa trabalhadora são des-tinadas a todas as crianças e não apenas aosfilhos de operários. Trata-se de medidas ime-diatas e também futuras, ou seja, não se cons-tituem indicação pedagógica limitada a seu tem-po. Não é sem motivos que Marx havia indica-do na emancipação do proletariado a emancipa-ção da humanidade como um todo, incluindo odesenvolvimento omnilateral das capacidades detodos os membros da sociedade mediante a eli-minação da divisão do trabalho, e pelo desen-volvimento de habilidades que permitem a exe-cução de atividades alternativas.

O ensino em Marx pretende contribuirpara a eliminação da propriedade privada, da

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divisão do trabalho e da unilateralidade do ho-mem. Essas eliminações são premissas para queas forças produtivas se tornem plenamente de-senvolvidas.

O contexto que interessa a ética marxis-ta é a situação dos trabalhadores, e o modeloem que pensa é o de uma estrutura social emque estes consigam alcançar a hegemonia, nãohavendo divisão nem necessidade. Pretende-se desse modo, alcançar a socialização do ho-mem como condição primordial para a supera-ção do capitalismo, uma vez que na sociedadecapitalista, a riqueza social está relacionadacom as mercadorias e com o valor a elas atri-buído (MARX; ENGELS, 1992).

Nesse sentido, a evolução do homem sópode ser concebida, como o desenvolvimentodesta riqueza social no sentido da suauniversalização, e assim, o desenvolvimentodas faculdades humanas no trabalho de domi-nação da natureza é, portanto, um movimentopedagógico.

Por serem as forças produtivascondicionantes do desenvolvimento da natu-reza humana e da riqueza social, é preciso in-tegrar os conceitos de educação com a forma-ção profissional. Dai as severas críticas à divi-são do trabalho, que subjuga o homem à má-quina e lança as bases de uma teoria da perso-nalidade, em que as faculdades do homem se-jam desenvolvidas em todos os domínios davida social, quais sejam: o trabalho, a política,a economia e a educação, entre outros.

Nesta perspectiva surgem as propostas decriação de escolas politécnicas e agronômicase escolas profissionais. O ensino politécnicodeve compreender dois níveis inseparáveis, asaber: deve ser realizado como síntese do estu-do teórico e de um trabalho prático na produ-ção, transmitindo a total compreensão do pro-cesso de produção; deve estimular as associa-ções livres dos indivíduos, colocando em evi-dência o caráter social do trabalho.

É necessário destacar a importância daunião ato produtivo e ato educativo, uma vezque esta união é o meio decisivo para a eman-cipação do homem. Considerando a necessi-dade de compreender o processo de produçãoe não apenas de dominar uma habilidade den-

tro do processo produtivo, é que o ensinopolitécnico surge como uma alternativa desti-nada a fazer compreender e viver a estruturaeconômico-social a partir de sua inserção naatividade de produção, intensificando assim, ascapacidades de ação.

Os fundamentos da proposta de uniãoensino-trabalho baseiam-se em argumentos deordem geral e pedagógica. As justificativas deordem pedagógica se referem ás observaçõesrealizadas acerca de crianças trabalhadoras apartir das quais ficou constatado que as crian-ças que alternavam trabalho e escola alcança-vam rendimento maior do que as que perma-neciam na escola em tempo integral. Rendi-mento esse que se dava, sobretudo, pelaalternância das atividades, que pode ser con-cebida numa perspectiva de recreação de umaatividade com relação à outra.

Esta opção de tarefas trabalho-ensinoconstitui interessantes estratégias pedagógicas,capazes de elevar o rendimento da atividaderealizada, e são reforçadas pelas condiçõesmotoras e psicológicas das crianças, que se sen-tem atraídas pelo movimento e pela variedade.Além disso, as longas e monótonas jornadasescolares diminuem, sobremaneira, a disposi-ção para o aprendizado, agravada pelosedentarismo dos bancos escolares que devemser compensados pela prática regular de ativi-dade tísica (NOGUEIRA, 1993).

A diversidade e quebra de rotina para aelevação do rendimento devem ser ampliadospara qualquer tipo de trabalho, seja eleeducativo ou de produção material e se propõea servir como meio para o desenvolvimentointegral do indivíduo.

As justificativas de ordem geral e maisconsistente, dizem respeito à implantação deum novo sistema de educação, pois este somen-te atingirá sua realização plena numa sociedadefutura, visto que, apenas numa sociedade socia-lista é que a escola poderá se tornar um fio con-dutor de influências proletárias, sendo respon-sável pela definição de papéis que cabem aoseducandos na nova sociedade. Partindo desseentendimento à jornada escolar mais breve, as-sim como a prática regular de atividades físicas,são recursos pedagógicos poderosos.

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Quanto á educação do corpo, deve ser de-senvolvida para compensar os efeitos nocivosdo trabalho fabril nas crianças e adolescentesproporcionando as condições necessárias à pre-venção ou correção (mesmo que parcial) dasdeformações provocadas pelas novas condiçõesde trabalho. Esta educação corporal se desti-naria também a contribuir para a formação demilícias populares em que os exercíciosginásticos ocupam uma posição tão relevantequanto as disciplinas que contribuem para aeducação tecnológica e intelectual.

Nesta perspectiva, quanto mais instruí-dos, hábeis e qualificados os trabalhadores,formando assim uma força de trabalho desen-volvida, maior a sua produtividade no traba-lho. A conseqüência disso seria o aumento dotempo livre, tempo de não-trabalho que paraMarx, é uma condição para o desenvolvimen-to intelectual do homem, O tempo livre seriautilizado para a efetiva participação em ativi-dades culturais e a subjacente elevação dasaptidões intelectuais. Tais pressupostos, noentanto, somente serão concretizados quandoas condições de exploração tenham sidoabolidas.

Para tanto será imprescindível o desenvol-vimento dos meios de produção pelo desenvol-vimento tecnológico e ainda, pelo aprimoramen-to das capacidades das forças de trabalho, quese efetivam na qualificação do trabalhador.

No pensamento marxista, a educação nasociedade de classes e a divisão do trabalhopressupõem o embrutecimento da massa tra-balhadora em detrimento do domínio intelec-tual da classe dominante, tanto no campo ar-tístico e cultural quanto no campo das ciênci-as. Surge, assim, o homem alienado, divididoe unilateral, com o aumento do tempo de tra-balho necessário à sua sobrevivência e com acriação da mais valia. Assim o trabalhador nãopode dispor de tempo livre para o desenvolvi-mento das suas reais possibilidades.

Desse modo, é pertinente afirmar quesomente pela conquista da emancipação polí-tica é que se corroborará a elevação do nívelcultural da massa trabalhadora, e pela educa-ção se dará a consolidação dessas conquistas,com a fusão trabalho produtivo e ensino inte-

lectual. Entretanto, apenas na produção socia-lista pode haver a superação da divisão do tra-balho, e o trabalhador pode, de fato, desenvol-ver-se omnilateralmente, uma vez que o fimprecípuo da educação nesta sociedade, está fun-dado na vontade de humanizar o homem.

O que importa é tornar o homem apto aenfrentar as mudanças necessárias para o de-senvolvimento do homem histórico, e acimade tudo despojado da alienação. Este novo ho-mem, por sua vez, será o ponto de partida enão de chegada do homem livre da dominaçãoe da exploração (MANACORDA, 1991).

É necessário ultrapassar a relação esco-la-qualificação profissional, posto que esta con-dição impede a conquista da omnilateralidade,e colocar a educação numa perspectiva de uni-ficar o que o capitalismo, de fato, conseguiudividir: a cultura, a produção, escola e fábrica,estudantes e trabalhadores e o grande contin-gente de operários entre si.

4. Perspectivas de uma (In)conclusão

A educação para o funcionalismo pres-supõe que as gerações adultas e socializadas eperfeitamente integradas a sociedade, exerçamuma ação sobre as gerações mais jovens com oobjetivo de torná-las um ser social. Esse pro-cesso deverá acontecer por meio da inculcaçãodos valores presentes na sociedade e preten-dem garantir a harmonia das relações sociais.

No modelo funcionalista de educaçãobuscado por Durkheim, não são considera-dos as contradições naturalmente existentesnas sociedades de classes nem os conflitosque lhe são peculiares. Também não consi-dera as divergências de uma sociedade com-posta por grupos com diferentes graus depoder ou a imposição ideológica a que estãosubmetidos os dominados.

Esse entendimento acerca das questõeseducacionais conduz necessariamente à com-preensão de que, tanto os meios utilizadosquanto os fins educacionais atendem sempreàs necessidades sociais. É com o intuito deresolver os problemas da sociedade que ossistemas de ensino deverão funcionar, pois oque importa realmente á a existência coleti-

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va e é em torno dela que gira a formação dasnovas gerações.

A abordagem marxista sobre educaçãoadmite a real possibilidade de mudança e eman-cipação do indivíduo atrelada às relações exis-tentes no trabalho e as condições econômicase históricas. Neste entendimento, a educaçãonão antecede a revolução, mas ao contrário,caminha ao seu lado possibilitando a aberturade novos horizontes que motivarão o desen-volvimento das capacidades genuinamente hu-manas e espirituais.

O entendimento que tomamos do pensa-mento de Marx, é de que a educação deve for-necer a classe trabalhadora os subsídios neces-sários à compreensão da sua realidade e ao pa-pel destinado a ela na sociedade. Deve, sobre-tudo, fornecer condições para um controle realsobre as condições de trabalho.

A burguesia tem uma ciência, uma cul-tura e uma educação que lhe são próprias e quesão dominantes. Desse modo, a ciência, a cul-tura e a educação somente estarão a serviço daclasse trabalhadora quando esta detiver o con-trole dos meios de produção. Nesse contexto,o trabalho é considerado como princípio doprocesso educativo, pois a tomada de consci-ência não é um processo espontâneo, mas aocontrário, exige esforço e atuação de elemen-tos internos e externos ao indivíduo.

Na sociedade de classes o proletariado nãoconsegue alcançar uma consciência de classe,uma consciência política nem tampouco urnateoria revolucionária espontaneamente. Para issoa ação educativa é necessária, e mais precisa-mente, a educação política conscientizadora.As-sim sendo, é pertinente pensar a educação nãocomo uma forma de adaptar o homem à socie-dade nem como uma forma de reproduzir as

desigualdades sociais, mas concebê-la comoinstrumento de transformação.

Embora já se tenha passado quase umséculo e meio do nascimento do sociólogoFrancês Émile Durkheim, a idéia difundida porele de que a educação é um bem social aindaestá muito presente no nosso contexto, assimcomo a posição assumida por um número sig-nificativo de professores: detentor do saber emestre autoritário.

Não se pode negar, entretanto, que umarevolução de idéias transformadoras tem inva-dido o cenário educacional, e exatamente porisso, os frutos dessa revolução já podem ser per-cebidos na prática educativa. Educar para trans-formar, ganhou, especialmente com Paulo Freire,uma dimensão prático-reflexiva importante naeducação brasileira, e mudanças substanciaistêm ocorrido, a partir dos debates constantes edas ações efetivas em permanente crescimento.

Apenas para citar alguns aspectos, é ine-gável o avanço que as últimas décadas trouxepara a educação, proporcionando a inclusãoescolar de uma parcela significativa da classetrabalhadora, muito embora esse número nãoseja suficiente para atender a demanda. Poroutro lado, a penetração deste contingente pos-sibilitou a desmistificação do acesso à escolacomo garantia de democratização daescolarização, pois o fracasso escolar destaparcela da população, em termos percentuais,ainda persiste, o que remete à questão daseletividade nos sistemas de ensino.

Como afirmou Marx há tantas décadaspassadas, os que detêm os meios de produçãocontrolam também a educação, e este fato é fa-cilmente reconhecível quando se analisa o fra-casso escolar e o grande número de crianças dasclasses menos favorecidas alijadas da escola.

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Introdução

Discutiremos a tendência de formaçãoinicial de professores numa perspectiva da in-serção da pesquisa no currículo dos cursos delicenciatura, refletindo sobre as contribuiçõesdessa proposta para as aprendizagens formais,políticas, práticas e conceptuais dos futurosprofessores.

A literatura contemporânea sobre a for-mação docente, problematiza a relevância daaproximação entre ensino e pesquisa, ampli-ando o espaço a tais propostas, que historica-mente tornam-se marcantes a partir da décadade 40. Motivados por essas leituras sistemati-zamos uma pesquisa bibliográfica enriquecidapela observação de nossa prática formadora nocurso de Licenciatura Plena em Pedagogia, en-quanto uma ação educativa voltada para o de-senvolvimento da pesquisa discente,

A PESQUISA TEMATIZANDO A PRÁTICA NA FORMAÇÃOINICIAL DE PROFESSORES1

Eliete Silva meirelesMestranda em Educação/UFPI

Professora da Faculdade Piauiense - Teresina

RESUMO

Sistematizamos esse trabalho a partir de uma pesquisa bibliográfi-ca, enriquecida pela observação de nossa prática formadora desen-volvida no curso de licenciatura plena em Pedagogia. Temos o ob-jetivo de refletir sobre as aprendizagens mediadas pela inserção dapesquisa tematizando a prática na formação inicial de professoresdoEnsinoFundamental.Asanálisespermitiramconfigurarumasignificativa contribuiçãodestaperspectiva de formação docente para as aprendizagens formais,aprendizagens políticas, aprendizagens práticas e aprendizagensconceptuais desses futuros profissionais. Compreendemos assimque o formar pela e para pesquisa começa na formação inicial. Estaprecisa ser redimensionada de modo a constituir-se em uma práxisformativa necessária ao desenvolvimento de uma práxis educativaconsistente e de qualidade.

Palavras-chave: formação inicial, pesquisa , prática.

ABSTRACT

We systematized that work starting from a bibliographical research,enriched by the observation of our practice formadora developed inthe course of full degree in Pedagogy. We have the objective ofcontemplatingon the learningsmediatedby the insert of the researchtematizando thepractice in the teachers’ of theFundamentalTeachingnitial formation.The analyses allowed to configure a significant contribution of thisperspectiveof educational formation for the formal learnings, politicallearnings, practical learnings and learnings conceptuais. Weunderstood as soon as forming for the and for research it begins inthe initial formation. This needs to be way redimensionada toconstitute in a necessary formative práxis to the development of aconsistent educational práxis and of quality.

Keywords: initial formation, researches, practice.

tematizando as práticas pedagógicas no cotidi-ano escolar.

Essa reflexão sobre a formação inicial ar-gumentará sobre a consistência dessa tendên-cia para a qualificação da formação docente.

A sistematização desse percurso reflexi-vo discute inicialmente a relação teoria e práti-ca nas perspectivas de formação inicial de pro-fessores; em seguida desenvolvemos uma lei-tura dos marcos históricos da proposta de pro-fessor-pesquisador e, então, analisamos as con-tribuições formativas da pesquisa tematizandoa prática com base na articulação entre oreferencial teórico e a observação da nossa prá-tica formadora.

1. Arelação teoria-prática nas perspectivasde formação inicial de professores

Vivenciamos um momento em que a pró-

1 Recebido: maio de 2004Aceito: junho de 2004

Teresina n. 10 67-77 jan./jun.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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pria compreensão de formação inicial torna-seproblemática, uma vez que no jogo legalistacontemporâneo são reconhecidos dois níveisem que pode ocorrer formação inicial dos pro-fessores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamen-tal: o nível médio e o nível superior.

Conforme explicitado no art. 62 da LDB9.394/96:

A formação de docentes para atuar na educaçãobásica far-se-á em nível superior, em curso de li-cenciatura, de graduação plena, em universidadese institutos superiores de educação, admitida comoformação mínima para o exercício do magistériona educação infantil e nas quatro primeiras sériesdo ensino fundamental, oferecida em nível médio,na modalidade normal.

Nesse trabalho estaremos nos referindoao nível superior de formação inicial, desen-volvido no curso de Licenciatura Plena emPedagogia. E perceberemos essa formaçãocomo “condição necessária, mas não suficien-te, em si mesma, para conseguir melhores pro-fessores, ela é capaz de proporcionar um bomsuporte, a fim de prepará-los para atuar na pro-fissão. Depende [...] da concepção pela qual sepauta essa formação” (VEENMAM apudMIZUKAMI, 2002, p. 22). Ainda na perspec-tiva desses autores, o conteúdo dessa forma-ção deve abranger os conceitos no âmbito ci-entífico, cultural, contextual, psicopedagógicoe pessoal; procedimentos reflexivos, a fim decompreender a tarefa educativa em sua com-plexidade, e atitude interativa e dialética refe-rente ao processo educativo e a sua própria for-mação permanente. “Assim, se é verdade quea formação inicial sozinha não dá conta de todaa tarefa de formar os professores [...] tambémé verdade que ocupa um lugar muito impor-tante no conjunto do processo total dessa for-mação” (MIZUKAMI, 2002, p. 23).

A questão da relação teoria e prática en-contra-se presente nas diversas perspectivas deformação docente, assumindo diferentes for-mas. Analisando a classificação de Sacristán ePerez Gomes (1998), compreendemos que aperspectiva acadêmica estabelece uma posiçãohierárquica e dicotômica da teoria em relaçãoà prática. É uma formação docente, cuja apren-dizagem está apoiada basicamente na teoria. A

perspectiva técnica busca a aplicabilidade prá-tico-tecnológica do conhecimento teórico- ci-entífico, e nesse sentido “o docente deve sepreparar no domínio de técnicas derivadas des-de fora, por especialistas externos, que ele deveaprender a aplicar” (SACRISTÁN; PEREZGOMES, 1998, p. 358).

Na perspectiva prática essa relação teo-ria e prática é visualizada a partir do pólo opos-to, valorizando as singularidades contextuaisda prática docente, o que exige uma arte dosprofessores no seu fazer cotidiano. “A forma-ção do professor se baseará prioritariamente naaprendizagem da prática, para a prática e a par-tir da prática” (SACRISTÁN; PEREZ GOMES,1998, p.363). Redimensionando essa concepção,a perspectiva da reconstrução social propõe arelação dialética teoria - prática, concebendo apráxis, enquanto a dinâmica ação-reflexão.“Dessa forma, a formação cultural, o estudo docontexto e a análise reflexiva da própria práticasão eixos sobre os quais se estrutura a formaçãodo futuro professor/a” (SACRISTÁN; PEREZGOMES, 1998, p. 375).

Do bojo das análises nas perspectivasprática e de reconstrução social é que emerge apossibilidade de o docente teorizar sua prática,produzir conhecimento, propor mudanças e agircom autonomia. Formar o professorinstrumentalizado pelos saberes da e para pes-quisa inicia-se, portanto, no ínterim da própriaformação inicial. André (2001) elenca comopontos coincidentes nas diversas proposiçõesteóricas que abordam essa perspectiva de for-mação a valorização da articulação teoria prá-tica; o reconhecimento da importância dos sa-beres da experiência e da reflexão crítica; atri-buição de um papel ativo aos professores emseu desenvolvimento profissional e a defesa dacriação de espaços coletivos na escola consti-tuindo comunidades reflexivas.

2. Uma leitura dos marcos históricos da pro-posta de professor- pesquisador

A definição de marcos no desenvolvi-mento histórico da formação de professores -pesquisadores propostos por Contreras (1994)é analisado por Lisita et all (2001). Encontra-

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mos nesse estudo a contribuição de Kurt Lewinnos anos 40 argumentando que as pesquisaseducacionais só influenciariam mudanças narealidade se conduzidas pelos professores. “Apesquisa necessária à prática social [...] é umtipo de pesquisa de ação, [...] e pesquisa queleva à ação social. Pesquisa que produza ape-nas livros não será o bastante” (LEWIN,1948, p.217).

No entanto, já está presente nos trabalhosde Dewey a necessidade da aprendizagem deuma atitude investigativa da prática, como es-crevem Sacristán e Pérez Gomes, (1998, p. 365apud DEWEY, 1933, grifo nosso) “é obrigató-rio reconhecer em Dewey [...] sua não menosinfluente proposta de formar um professor/a re-flexivo que combine as capacidades de busca einvestigação com as atitudes de abertura men-tal, responsabilidade e honestidade”

Diversos autores (Pacheco, 1996),Sacristán; Perez Gomes (1998), Lisita, Rosa eLipovestky (2001),André (2001) referem-se aoinglês Lawrence Stenhouse, na década de 70,como o ponto de difusão do movimento de for-mação de professores investigadores. Sua aná-lise redimensiona o papel do professor junto àatividade curricular, transpondo-o de um ope-rário executor para um arquiteto, construtor einvestigador prático.“Denomino atitudeinvestigativa uma disposição para examinarcom sentido crítico e sistematicamente a pró-pria atividade prática” (STENHOUSE, 1984apud PACHECO, 1996, p. 49).

Segue o processo a colaboração de JonhElliott que, de acordo com Lisita et all (2001),propôs a investigação-ação como um processode espirais de reflexão que servem para me-lhorar a prática, integrando a produção teóricae prática do professor.

Podemos abstrair da análise deSacristán e Perez Gomes (1998) os seguin-tes pressupostos da investigação – ação pro-posta por Elliott:

• A indiscutível vinculação teoria prática.• A abrangência investigativa sobre todos os

aspectos que afetam a prática educativa.• A investigação reflexiva como ação

modificadora dos participantes e da situação;

• A reflexão investigativa como processo dediálogo, e, portanto não sendo um fenôme-no solitário;

• A recusa à estrita divisão do trabalho entreespecialistas (como produtores de pesquisa)e técnicos, como consumidores dos sabereselaborados externamente).

Nos anos 80 essa tendência é reforçadapelo trabalho de Donald Schön, quando pro-põe a formação de profissionais reflexivos.

Este tipo de reflexão, a ser rigorosa depende dodesenvolvimento de dados diretamente observáveis[...]. Temos que chegar ao que os professores fa-zem através da observação direta, registrada, quepermita uma descrição detalhada do comportamen-to e uma reconstrução das intenções, estratégias epressupostos (SCHÖN, 1992, p. 90).

Ele suscita a necessidade de formaçãodos practcums reflexivos, estimulando sua cri-ação na formação inicial, nos espaços de su-pervisão e na formação contínua.

Na análise que desenvolve sobre o mo-delo reflexivo e artístico de formação de pro-fessores Perez Gomes (1992, p.112) compre-ende a prática como um processo de investiga-ção. “Um processo de investigação na ação,mediante o qual o professor submerge no mun-do complexo da aula para a compreender deforma crítica e vital [...]. A prática reflexivaexige um novo modelo de investigação, ondetenha lugar a complexidade do real”.

Ainda na citada década, outro marco im-portante considerado pelos pesquisadores é o tra-balho de Carr e Kemmis, que defendendo umaeducação emancipatória percebem a investiga-ção- ação tanto como uma forma de compreen-der o ensino como um processo permanente deconstrução coletiva quanto como um meio deos professores produzirem seus discursos públi-cos, conforme Lisita et all (2001) analisam.

Nos recentes anos 90 fazem-se signifi-cativos os estudos de Liston e Zeichner e PedroDemo sobre esse tema. Os primeiros propõemque os programas de formação assumam umapostura tanto em caráter institucional quantono contexto de escolarização, de modo a pro-mover a emancipação dos sujeitos. Nesse sen-tido colocam que

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um grande número de inovações [...] foram conce-bidas para a preparação de professores que se assu-mem como investigadores da sua própria prática [...]todas estas abordagens têm em comum o fato deestruturarem o practicum, de modo que os alunosse possam empenhar em pesquisas sobre o ensino,utilizando a investigação ação colaborativa ou aorientação em grupo (ZEICHNER, 1992, p.127).

Em seus trabalhos sobre a pesquisa comoprincípio educativo, Demo entende que o pa-pel da educação é contribuir para a construçãoda atitude política emancipatória. Para alcan-çar tal finalidade propõe uma organizaçãocurricular em que a pesquisa seja um elementoestrutural na organização da prática educativa.O “professor define-se como orientador do pro-cesso de questionamento reconstrutivo do alu-no.” (DEMO, 1996, p.78). O aluno busca oaprender a aprender incorporando atitude pre-ventiva, emancipatória, redistributiva eequalizadora.

Nesse sentido, visa uma elaboração pró-pria na perspectiva complexa do tema, perce-bendo a prática como fundamento para ahistoricidade concreta formada no saber e mu-dar. “O que é professor? Em primeiro lugar épesquisador [...], é, a seguir, socializador de co-nhecimentos, [...], é, por fim, quem [...] torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no alu-no” (DEMO, 2002, p. 48).

O conjunto argumentativo formado poresses estudos, tem influenciado as propostasformativas atuais. Os próprios Referenciaispara Formação de Professores, embora limita-dos em sua concepção distintiva entre pesqui-sa acadêmica e a pesquisa do professor, defen-dem que

a análise e reflexão sobre a prática é consideradaum valioso instrumento de formação [...] Trata-sede uma atividade intelectual que se aprende pelopróprio exercício [...] e mediante procedimentosde observação, investigação, sistematização e pro-dução de conhecimento (MEC/SEF, 1999, p. 126).

Não pretendemos neste trabalho analisaras restrições da concepção formativa dosReferenciais Curriculares para Formação deProfessores, mas sim, abstrair dele essa peque-na janela legal que possibilita a construçãooficializável de propostas e práticas de forma-

ção que incorporem de maneira substancial aimportância da pesquisa na e para formação eatuação docente. Nesse enfoque, concordamoscom Lisita et all (2001, p. 125) quando “com-preendemos a necessidade de uma ruptura comos paradigmas dominantes [...] na investigaçãoeducativa e apostamos na investigaçãoeducativa que não seja investigação sobre aeducação, e sim para a educação.”

3. As contribuições formativas da pesquisatematizando a prática

As palavras de Freire (2003) caracteri-zam o desenvolvimento da atitude reflexivacomo ”um olhar sensível e pensante”. É comoeste olhar que observamos a nossa prática for-madora enquanto uma ação educativatematizadora da prática por meio da orienta-ção de pesquisa discente no curso de Licencia-tura Plena em Pedagogia. Buscamos refletirsobre os tipos de aprendizagens formativas doprofissional docente mediadas por esta propostade trabalho.

Não é nossa meta abranger todas asaprendizagens possíveis nessa ação formado-ra, mas explicitar sistematicamente aquelasidentificadas no contexto de nossa prática, con-siderando todas as limitações encontradas noexercício da docência, relativas aos aspectosinstitucionais, profissionais, da própria culturadocente, dos interesses próprios das instituiçõesprivadas, das perspectivas discentes em rela-ção ao processo ensino-aprendizagem, e atémesmo pessoais.

Encontramos análises sobre as contribui-ções da articulação entre formação de profes-sores e a pesquisa em diversos autores. Masantes de explorá-los, vamos situar o termo pes-quisa como um procedimento que entenda mi-nimamente três condições, conforme Beillerot(2001): uma produção de conhecimento novo,uma produção rigorosa de encaminhamento euma comunicação de resultados. Consideramoscoerente também a compreensão de

pesquisa não só como busca de conhecimento, masigualmente como atitude política [...]. Aí cabe asofisticação técnica, como cabe o seu cultivo es-pecificamente acadêmico, desde que não

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desvinculado do ensino e da prática. Mas deve ca-ber ainda a sua cotidianização, no espaço político[...], a níveis críticos [...], a domínio tecnológico[...], a cultura própria. [...]Apesquisa não é ato iso-lado, intermitente, especial, mas atitude processualde investigação [...]. Não só para ter, sobretudo paraser é mister saber (DEMO, 2002, p.16).

Sobre essa relação entre formação e pes-quisa Freire (2000, p.32) nos esclarece bastan-te quando registra seu entendimento de que opesquisador no professor é parte da próprianatureza da prática docente. “O que se precisaé que, em sua formação permanente, o profes-sor se perceba e se assuma, porque professor,como pesquisador”. A contribuição formativaadvinda dessa prática seria a superação, pelarigorosidade metódica, de uma curiosidade in-gênua para uma curiosidade epistemológica.

Na análise de Beillerot (2001, p. 88),

o contato com as pesquisas é suscetível de desen-volver as capacidades de análise e investigação,de evitar confundir a evidência com o fato demons-trado [...].Apesquisa seria suscetível de formar osjovens docentes no espírito crítico, na dúvida me-tódica, no comportamento racional, assim comono cuidado de responder com elegância às situa-ções encontradas.

Segundo Lisita; Rosa e Lipovetsky(2001) a pesquisa na formação docente é sig-nificativa enquanto meio de desenvolvimentoda autonomia docente.As autoras supracitadasargumentam nesse sentido pelo fato de consi-derarem que a pesquisa permite a articulaçãoconhecimento e ação, tem como sujeitos ospróprios implicados na prática, possibilita a mo-dificação de como os professores entendem erealizam a prática e, possibilita oquestionamento da visão instrumental da prá-tica. O endosso a esses argumentos éexplicitado por Pimenta e Anastasiou (2002,p. 199) “a pesquisa [...] dá voz ao professorcomo autor e ator. Favorece uma autocríticaextremamente salutar. Reconstrói a teoria exis-tente. Permite esvaziar os aspectos e açõesimediatistas, levando à construção de uma teo-ria emancipatória”.

Uma implicação necessária que julgo

precisar fazer é reportar-mo-nos ao trabalho deKincheloe (1997) quando discute as relevan-tes contribuições da pesquisa-ação crítica comoum ato cognitivo na linha do construtivismocrítico. Embora nossa prática formativa inicialnão utilize a pesquisa-ação, reconhecemos apossibilidade de traçar um paralelo entre osbenefícios cognitivos da pesquisa-ação com osbenefícios cognitivos das pesquisas qualitati-vas desenvolvidas pelos alunos em formaçãoinicial por meio dos diversos tipos de pesqui-sas que realizam.

O autor enumera oito benefícios da pes-quisa-ação crítica:

• Leva-nos ao reino crítico da produção doconhecimento, porque ela nos induz a orga-nizar as informações e a interpretá-las. Nes-se sentido os alunos em formação inicialconscientizam-se de que enquantoeducandos e futuros professores não apenaslhes cabe apenas receber informações, masreconhecer-se como sujeitos capazes de pro-duzir conhecimentos.

• Focaliza nossa atenção no pensar sobre nos-so pensar, porque nós exploramos nossa pró-pria construção da consciência, nossa auto-produção. Um dos principais objetivos emnossa prática formadora é desenvolver a per-cepção dos alunos de seu próprio processode metacognição, de compreender a formade raciocínio que precisam desenvolver.

• Cria uma orientação analítica para o nossotrabalho. Enquanto atitude de reflexividadeé o que vimos praticando com nossos alu-nos, embora percebamos sua ocorrência emdiferentes níveis.

• Ajuda-nos a aprender a ensinar a nós mes-mos. Referimo-nos nesse caso a uma forma-ção rumo à autonomia da aprendizagem, doaprender a aprender.

• Melhora nossa habilidade para engajar-senuma acomodação emancipatória2 . Esse as-pecto é trabalhado quando os alunos são ori-entados a assumirem uma perspectiva de in-terpretação das ações, no caso educativo, apartir de uma lógica da análise dos contex-

2 O autor compreende o processo de acomodação crítica como um refazer da consciência de acordo com as preocupações do sistema crítico de sentido.

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tos e dos sentidos atribuídos pelos sujeitos.• Cultiva a empatia com os alunos e colegas.

Os ganhos referentes à qualidade das rela-ções inter-subjetivas seja dos alunos entre si,entre o grupo de professores e entre alunos eprofessores foram bastante significativos aoiniciarmos o trabalho com as pesquisas.

• Nega a confiança nos procedimentos do pen-samento. A consciência da possibilidade deflexibilização e diversificação dos métodose técnicas de pesquisa é discutida, porém,percebemos ainda as limitações discentesquanto à autonomia cognitiva em relação àdiversidade metodológica.

• Faz a tentativa de melhorar o pensamentoao entendê-lo como simplesmente mais umaspecto da existência cotidiana. O tipo depensar exercitado pelo processo de pesqui-sa já aponta para superação de visõesdogmatizadas, deterministas e lineares dosaber em favor de compreensões maiscomplexas.

Nesse contexto de formação faz toda di-ferença, mudar nossa forma de ver a nós mes-mos, aos educandos, à realidade institucionale ao contexto social, pois nas palavras desseautor “quando nós aprendemos por que vemoso que vemos, nós estamos pensando sobre opensar, analisando as forças que moldam nos-sa consciência, colocando o que nós percebe-mos num contexto significativo”(KINCHELOE, 1997, p.192).

Nossas reflexões apontam para um gan-ho qualitativo na formação inicial dos futurosdocentes segundo essa tendência detematização da prática, principalmente media-das pela pesquisa. E esse, com certeza, é umfator significativo no contexto da qualidadeeducacional brasileira. Encontramos um impor-tante reforço em Tardif (2002, p.293), “a con-tribuição da pesquisa para a formação inicialconsiste em fornecer aos futuros docentes umrepertório de conhecimentos constituído a par-tir do estudo da própria prática dos professo-res”. Quando então, analisamos as aprendiza-gens construídas a partir dessa proposta de for-mação docente, estamos nos referindo à iden-tificação das diferentes dimensões de conheci-

mentos elaborados por meio da pesquisa sobrea prática pedagógica. E, a partir dessas análi-ses, sistematizamos essas aprendizagens per-cebendo-as como: aprendizagens formais,aprendizagens políticas,aprendizagens práticase aprendizagens conceptuais.

3.1 Aprendizagens Formais

O rigor metodológico da pesquisa é umelemento indispensável. E tem configurado umdos aspectos de resistência por parte dos pes-quisadores acadêmicos em relação aos saberesproduzidos pelos professores em exercício. É,portanto imprescindível em sua formação ini-cial que os professores desenvolvam ainstrumentalização metodológica. Observamosessas aprendizagens no decurso do processoformativo que vimos realizando.

Os discentes demonstram curiosidade ecuidados formais na estruturação dos trabalhosacadêmicos. A oportunidade de elaboração deum projeto de pesquisa, demanda deles outrasaprendizagens dessa natureza, além da própriaestrutura do projeto, a leitura e o fichamentobibliográfico, escrita de resenhas, elaboraçãodos instrumentais, como roteiro de entrevistas,pautas de observação, questionários e registrosreflexivos, escolha do método adequado ao es-tudo que pretendem realizar, entre outras. Essasaprendizagens abrangem ainda as posturas con-venientes em atividades acadêmicas de sociali-zação de conhecimentos, como exposição depainéis, sessão de comunicações e outros.

A construção dessas aprendizagens for-mais demanda leituras diversificadas, orienta-ções docentes, vivências acadêmicas eproblematizações sobre os diferentes métodose formalizações propostas pelos estudiosos dametodologia científica e pela Associação Bra-sileira de Normas Técnicas (ABNT). O fazer,refletir, orientar e refazer trabalhos buscandouma adequação formal dos trabalhos científi-cos, torna-se uma necessidade nesse processode aprendizagem.

Sabemos que as instituições superioresde ensino, em geral, inserem no currículo umadisciplina voltada para a Metodologia Cientí-fica, no entanto, a experiência tem demonstra-

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do que no caráter introdutório, como geral-mente é proposta, e de forma isolada como sedesenvolve numa organização curricular pordisciplinas, esse trabalho educativo tem sidoinsuficiente para que o aluno aprenda o saber,o saber fazer e o saber ser, enquanto sujeitoprodutor de conhecimento. Essa aprendizagemé substancialmente enriquecida e aprofundadano processo de vivência da ação pesquisadora.

A importância das aprendizagens formaisestá em dois aspectos que julgamos centrais: aquestão do método como elemento distintivoentre os tipos e a valoração dos conhecimentose a adequação lingüística, como elemento fun-damental do processo comunicativo das pro-duções. “Nada favorece mais o surgimento dodiscípulo “copiador” que a ignorânciametodológica” (DEMO, 2002, p.24). Ambosos aspectos representam-se no trabalho de pes-quisa por meio de exigências formais.

Quando o fazer pesquisa tematiza e con-duz o aluno ao interior da prática do cotidianoescolar, o professorando tem a oportunidade delidar com formas diferenciadas de linguagens,de estruturação formal dos registros, dos pró-prios pressupostos de avaliação dos saberescom os quais entra em contato. Essa diferenci-ação permite ao graduando a percepção daslógicas dos discursos e também da necessida-de de uma adequação lingüística que possibili-te o diálogo, ao tempo em que sensibiliza seuolhar para que, ao analisar os registros cotidi-anos não o faça na postura de juiz, mas deaprendiz. Como tal poderá perceber acriatividade da lógica da prática e assimressignificá-la de modo coerente. “O estudo doensino [...] deveria fazer emergir as constru-ções dos saberes docentes que refletem as ca-tegorias conceituais e práticas dos próprios pro-fessores, constituídas no e por meio do seu tra-balho cotidiano” (TARDIF, 2002, p. 260).

Podem até parecer óbvias essas coloca-ções, no entanto, é por falta desses saberes for-mais que muitos professores julgam-se inca-pazes de produzir conhecimentos; por outrolado são essas formalidades que muitos utili-

zam para excluir os docentes da prática da pes-quisa e de seu papel como sujeito produtor deconhecimentos. É, portanto, salutar possibili-tar aos futuros professores a segurança e a au-tonomia metodológica de análise e interaçãono exercício profissional. E esses saberes sãoassimilados significativamente quando incor-porados na prática de pesquisa discente.

3.2 Aprendizagens Políticas

Compreendendo a ação educativa cons-tituída pela dimensão técnica e pela dimen-são política, mediadas pela ética , não pode-mos deixar de desenvolver desde a formaçãoinicial a consciência ético-política dos futu-ros professores.

A questão política implica a percepçãodas relações de poder presentes na educação.Ao nos referimos ao poder, o fazemos de modoa “resgatá-lo na sua significação de consenso.[...] Pensar no poder como uma conjugação depossibilidades e limites” (RIOS, 2001, p.58).Esse aspecto traz o significado daintencionalidade na ação educativa, de modoque “o saber e o saber fazer [...] não têm senti-do isolados do para que saber e fazer, que afas-ta a possibilidade de uma suposta neutralidade(idem, p. 59)”.

Neste sentido a pesquisa da prática do-cente tem sido rico meio de aprendizagens so-bre a natureza das relações estabelecidas nocontexto escolar. As análises críticas sobre asdeterminações legais relativas ao sistema3 edu-cacional, o contato com os diversos agenteseducacionais indiretos (técnicos das secretari-as de educação municipal e estadual) e diretos(gestores, supervisores, professores) possibili-tam aos professorandos a percepção do siste-ma, da organização institucional e das relaçõesde poder neles implicadas sob diferentes pers-pectivas. Essa visão permite uma reflexão en-tre o saber, o querer e o poder realizar açõeseducativo-emancipatórias no espaço escolar eespecificamente na função docente.

É a própria busca da compreensão entre

3 Sobre a discussão de uma existência do sistema educacional brasileiro na perspectiva da intencionalidade, coerência e unidade ver DEMERVAl,Saviani. Educação brasileira: estrutura e sistema. Campinas: Autores Associados, 2000.

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os direitos e os deveres legalmente propostos eas restrições sistêmicas que dificultam ouinviabilizam a concretização de tais direitos,ao tempo em que exarcebam vários deveres.

Diante da observação prática dessas re-lações, o reconhecimento da necessidade deassumir uma postura ante o trabalho docenteemerge à consciência do futuro professor semque seja apenas uma resposta ao discurso doformador. Como por exemplo, a reflexão de queum professor mesmo quando se diz “fora des-sas discussões” está necessariamente vinculan-do-se a uma posição política, embora não queiraassumi-la.

Será também a partir da análise do coti-diano que os discentes discutirão sobre as for-mas e meios de intervenção junto à realidade.Identificar os aspectos que demandam interven-ção, dialogar com os professores sobre as es-tratégias empreendidas, consecução ou não deobjetivos, provocam reflexões sobre os limitese as possibilidades de intervir quando no exer-cício profissional.

Não negamos, entretanto que o contatocom a realidade demonstra as dificuldades pararomper e mudar práticas consolidadas. Por ou-tro lado, dissolve em larga medida a ilusão doacadêmico de que pode transformar o “mun-do” sozinho. O equilíbrio o fará perceber que,embora importantes, as ações individualistasprecisam fortalecer-se constituindo coletivida-de. Desse modo será mais producente sua açãono enfrentamento das condições do trabalho do-cente. Assim que a importância da pesquisa“engloba também objetivos mais amplos decompreensão, de mudança e até de emancipa-ção” (TARDIF, 2002, p. 293).

3.3 Aprendizagens Práticas

Uma das mais contundentes críticas aomodelo acadêmico de formação docente é odespreparo dos estudantes em relação ao saberfazer da docência. O modelo técnico por suavez restringe essa formação a um fazer mecâ-nico. São as perspectivas práticas e de recons-

trução social que se preocupam com o desen-volvimento de um saber fazer, na dimensão deautonomia do sujeito docente em relação aosfundamentos desse fazer.

As aprendizagens práticas são, portanto,contextualizadas no estudo sistemático da prá-tica dos professores. As especificidades daspráticas docentes como: planejamento,interação no espaço da sala de aula; estratégiasmetodológicas, avaliação, as formas de inter-venção no processo ensino-aprendizagem erotinas4 são visualizadas em situações concre-tas de educação.

O contato e a reflexão sobre esses ele-mentos práticos mediados pela pesquisa serãomais substanciais que a instrução desse fazerde forma abstraída, com base apenas em orien-tações técnicas ou a partir de julgamento dosexemplares fora de contexto, trazidos para asala de aula da academia. Em contrapartida, oprojeto de pesquisa orientará a análise dos re-gistros práticos dos professores como fonte deaprendizagens situados em seu contexto. Per-mitindo aos graduandos através do diálogocom esses profissionais experientes compreen-der a justificativa de seu modo de saber fazer.

Dialogar com professores experientes,vivenciar momentos de práticas educativas es-colares, não implica de modo algum uma for-mação reprodutivista, principalmente quandorealizado por meio da pesquisa. Significaoportunizar a leitura do real. Perceber a teoriaimplícita em cada prática. Ressignificar a prá-tica a partir do processo reflexivo. Significaenriquecer o repertório de estratégias compre-endendo que estas não são válidas em si mes-mas, mas de acordo com a adequabilidade àsituação que se pretende experienciar.

A aprendizagem vivenciada pela pesqui-sa possibilita, ainda, a distinção entre as práti-cas dos diferentes sujeitos em um determinadocontexto. Isso indica a subjetividade como ele-mento constituinte dos saberes docentes. “Ora,um professor de profissão [...] é um sujeito queassume sua prática a partir dos significados queele mesmo lhe dá, um sujeito que possui co-

4 “Rotinas são meios de gerir a complexidade das situações de interação e diminuir o investimento cognitivo do professor no controle dos acontecimentos”(Tardif,2002,p. 215)

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nhecimentos e um saber fazer provenientes desua própria atividade e a partir dos quais ele aestrutura e a orienta”. (TARDIF, 2002, p. 230).

A socialização dos relatórios de pesqui-sa propicia aos licenciandos a diferenciação noâmbito institucional das condições e linhas pe-dagógicas de trabalho, a partir das análises com-parativas entre realidades de escolas públicas,municipais e estaduais e particulares em seusdiversos níveis econômicos. Assim, os futurosmestres perceberão as variações da autonomiadocente exercida no contexto do espaço esco-lar. “Emerge hoje em dia um novo conceito deinstituição escolar [...] Definem-se aqui os con-tornos de uma territorialidade própria onde aautonomia dos professores se pode concreti-zar” (NÓVOA, 1992, p.29).

3.4 Aprendizagens conceptuais

Ser sujeito de sua ação educativa deman-da do professor assumir criticamente as con-cepções sobre os componentes do processoeducativo, que norteiam suas posturas. As de-finições dessas concepções não são aprendidasapenas nos estudos teóricos sobre os fundamen-tos filosóficos, históricos, sociológicos e psi-cológicos da educação. Essas aprendizagenssão assimiladas a partir da compreensão dosfundamentos, implícita ou explicitamente, pre-sentes na prática docente.

Fazer dessa prática, foco do processo depesquisa, alicerça a decisão do licenciando emrelação às concepções que delineará sua iden-tidade profissional.

As discussões acadêmicas em que os for-madores objetivam que os alunosconscientizem-se da intrínseca relação teoria-prática, quando problematizadas a partir daobservação da realidade escolar oferecem ele-mentos para reflexões mais contextualizadassobre o clássico discurso de que “a teoria é umacoisa e a prática é outra”. Desse ponto é possí-vel analisar que a dicotomia teoria e prática éum significado construído pelos sujeitos em seuprocesso histórico de conhecimento da reali-dade. De um lado pela separação acadêmico-tecnicista entre quem produz teoria e quem fazsua aplicação prática; de outro pela estratégia

de resistência dos práticos às exigências buro-cráticas do sistema: verbalizo e registro da for-ma como os especialistas querem ouvir e ler,no entanto realizo como julgo possível e ne-cessário no espaço da sala de aula.

Nessas discussões, então, sãoamadurecidas as concepções de teoria, de prá-tica e da relação entre ambas. Mas estamos tra-tando de formação de educadores, e a concep-ção de educação é outro aspecto desmistificadoatravés da pesquisa. Na academia essas con-cepções são didaticamente esquematizadas ecaracterizadas separadamente. Na reflexão so-bre a prática docente emergem as relações decoexistência, confluência, predominância econtradições entre essas tendências.

As concepções de aluno, professor, ensi-no e aprendizagem, quando analisados no co-tidiano educativo são entendidas no espaço deinteração institucionalmente normatizado e co-letivamente vivenciado. É possível então, aofuturo professor perceber as condições nasquais se efetivam essas interações, ao tempoem que reflete os limites e possibilidades deintervenção nas definições dessas normas ouainda em sua autonomia em relação ao cum-primento ou não das mesmas.

Essa interação educativa entre sujeitosvisa estabelecer a relação destes com o tercei-ro componente desse processo, que é o conhe-cimento. Neste sentido reportamo-nos a Freire(2000, p.25),

nesta forma de compreender e de viver o processoformador [...] é preciso que desde os começos doprocesso vá ficando cada vez mais claro que, em-bora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e for-ma ao ser formado.

A própria concepção de conhecimento narelação desses sujeitos cognoscentes, eviden-cia a questão da produção de conhecimento.Levantar a problematização sobre o mitocientificista de que somente especialistas pro-duzem saberes, já é ação, por nós considerada,de significativa relevância. A desmistificaçãodo processo de elaboração sistematizada desaberes conscientiza o educando da possibili-dade de perceber a si, ao outro e ao professor

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experiente como sujeitos produtores de conhe-cimento publicamente reconhecíveis.

Esta aprendizagem impulsiona a, ainda,iniciante formação da identidade profissionaldocente. “Os professores têm de se assumircomo produtores da <<sua>> profissão [...].Isto é, da mesma maneira que a formação nãose pode dissociar da produção de saber, tam-bém não se pode alhear de uma intervenção noterreno profissional” (NÓVOA, 1992, p. 28).

E neste terreno, o contato com o profis-sional em exercício desperta o interesse e a cla-reza do licenciando em relação às implicaçõesda opção pela profissão de professor. Desen-cadeia a reflexão sobre os elementos constitu-intes dessa profissionalidade, o nível deenvolvimento pessoal nesse trabalho, o papelsocial dessa profissão, enfim, as múltiplas di-mensões que compõem a prática educativa.

Conclusão

As reflexões apresentadas indicam comoconsideramos relevante a tendência de forma-ção de professores na perspectiva de pesquisara prática educativa.

Nosso primeiro argumento é que formaro professor-pesquisador remete aos objetivosda própria formação inicial estendendo-se à for-mação continuada. Considerando que o primei-ro nível de formação é constitutivo de uma basesólida para o desenvolvimento profissional.

Outro argumento é o fato de vivenciarmosum momento histórico propício aoredimensionamento do próprio sentido de serprofessor. Pois se discute todo um processo demudanças de paradigmas nos mais diversos se-tores da sociedade, inclusive no educacional.

A exigência da compreensão da comple-xidade do ser humano implica o terceiro argu-mento: o formar, enquanto processo de

humanização, se faz pela consciência do sa-ber, que sabe fazer, ser e conviver. E que porsua vez exige um processo formativo que inte-gre todas essa dimensões. Portanto, para umapráxis profissional é necessária uma práxisformativa.

Formar pela pesquisa argumenta por simesma pelas aprendizagens do rigor formal,que instrumentaliza o aluno pela socializaçãodo método, da linguagem e da atitudenormatizada pela institucionalização cultural.Não apenas numa proposta de adequar, mas dedar voz ao sujeito.

A formação pela pesquisa permite ao li-cenciado reconhecer-se como sujeito que tempoder de argumentação nas relações discursivas.No entanto, tendo clareza dos limites a seremtranspostos, da articulação coletiva como fontede possibilidades e da importante contribuição,que como profissional comprometido com amudança, pode legar à sociedade.

A valorização dos saberes da experiên-cia e dos conhecimentos que ela pode produziré nosso outro argumento, pois, no processointerativo de educação marcado pela singula-ridade e incerteza, mais que um repertório desaberes é preciso aprender a produzir saberes apartir da capacidade de relacionar e significaras situações experienciadas.

Nosso último argumento, porém nãomenos importante, é que formar pela pesquisaimplica formar professores com autonomia deelaboração de sua prática educativa pela con-sistência dos fundamentos que orientam suaconstrução cotidiana dessa prática.

Essa é, portanto, uma proposta que pre-cisa ser empreendida, discutida e socializa-da, para que tomando proporção coletiva eamadurecimento experiencial contribua comtodas as suas possibilidades para a qualida-de da formação e da prática educativa de nos-sos professores.

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RESENHA

A AUTONOMIA DE PROFESSORES

A autonomia de professores, dentro do contexto de diferentes concepções educativas, é aautonomia que busca entender a relação do professor com a sociedade e do papel desta em relaçãoà educação.

Apesar de ser uma expressão comum em discursos pedagógicos e meios acadêmicos a auto-nomia de professores, não tem sido bem explicada quanto ao seu significado. O tema autonomia émuitas vezes, usado fora do contexto educativo ou apenas como slogans, para encobrir pretensõesoutras, ou somente para justificar objetivos da administração pública e como instrumento de controle.

Os professores em geral, também não têm entendido muito bem o verdadeiro sentido daautonomia profissional e a utilizam como instrumento de defesa, no sentido de impor uma menorinterferência da sociedade e da própria família nos assuntos da escola.

Por conseguinte, há necessidade de se entender a autonomia dentro do contexto pessoal,institucional e principalmente, profissional do docente, já que este ainda vê seu trabalho como frutode capacidades pessoais, ligadas mais aos traços de personalidade e da motivação.

A obra, Autonomia de Professores, escrita pelo autor espanhol, José Contreras Domingo,doutor em ciências da educação pela Universidade de Máloga, vem preencher a escassez de pesqui-sa nessa área. É um texto importante, aonde o autor faz interessante estudo, traçando um perfilesclarecedor sobre a natureza e exercício da autonomia dos professores em serviço.

O resultado é uma análise construída em torno de três partes: na Parte I, OPROFISSIONALÍSMO NO ENSINO, o autor chama atenção para o entendimento do que significaser profissional, discutindo as ambigüidades e contradições inerentes à profissionalidade. Na parteII, MODELOS DE PROFESSORES: em busca da autonomia profissional do docente, encontra-mos o estabelecimento de discussão sobre as diferentes tradições a respeito da profissionalizaçãodo professor, que ora o coloca como um profissional técnico, ora como uma profissão de caráterreflexivo e também sob a concepção de um intelectual crítico. A parte III, AAUTONOMIA E SEUCONTEXTO, encerra o núcleo fundamental da obra. Nela a autonomia do professor é discutidasob o ponto de vista do conteúdo e não como slogan.

O texto mostra que através dos tempos os professores têm perdido o controle sobre o pró-prio trabalho. A proletarização da profissão docente é apontada como fator preponderante nesseprocesso que termina com a perda da autonomia. Nas entrelinhas, se encontra a perda do sentidoético da profissão e a falta de natureza ideológica, na atual concepção do saber docente.

Partindo dos traços que caracterizam cada profissão, como, por exemplo, saber sistemáticoou competência, vocação, licença exclusiva no campo de trabalho, independência ou autonomiatanto frente às organizações como frente aos clientes e auto-regulação ou controle exercido pelaprópria categoria profissional, o autor chega à conclusão que o docente ainda é um semiprofissional,

Domingo, José Contreras. Autonomia de professores. São Paulo-SP: Cortez, 2002. 296 p.

Teresina n. 10 78 - 80 jan./dez.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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pois não apresenta muito desses traços. Na verdade, as reivindicações de profissionalismo dosprofessores, podem resultar numa estratégia discutível em relação sua eficácia e valor de suaspossíveis conquistas. Neste sentido a reivindicação de profissionalismo pode significar a estruturaçãoda profissão docente, mas, por outro lado, não significa que assim o docente esteja conquistandoautonomia.

Em relação à posse do conhecimento científico, a prática científica vem se apresentandocomo um campo discursivo restritivo e seleto, aonde a profissionalização encontrou seu processomais forte de legitimação. Porém, o professor ocupa um papel de consumidor e não de criador, emrelação à comunidade discursiva da educação. Desta forma quem detém o status de profissionais daeducação é um grupo seleto de acadêmicos e pesquisadores universitários, bem como uns poucosespecialistas que têm funções administrativas, de planejamento e de controle no sistema educacio-nal. Neste sentido, o profissionalismo docente encerra uma armadilha, revelada através das trans-formações administrativas e trabalhistas para os docentes, aonde há sempre a exigência de suacolaboração, através de mais trabalho, sem mais remuneração; mais altruísmo, com menos quei-xas, tudo em nome de uma profissionalização que atua como modo de garantia da colaboração dodocente, sem discutir os limites de sua atuação.

A falta de autonomia, revelada pelo descontrole sobre o próprio trabalho docente e peladesorientação ideológica, não justifica que em nome dessa autonomia se possa excluir a comunida-de das decisões educativas que lhe afetam. Nesse paradoxo o autor diz que a autonomia dos profes-sores está mais para a qualidade educativa do que para a qualidade profissional do docente.

Fugir do argumento corporativista que identifica a autonomia como isolamento, intromis-são ou forma de obter colaboração e obediência, pode ajudar a encontrar o valor daprofissionalidade docente, voltada para a natureza educativa e de valoração subjetiva. Para isso,antes de se reivindicar um melhor status profissional, devem ser reivindicados outros valoresprofissionais como: melhor formação, capacidade para enfrentar novas situações e capacidadede decidir, de modo responsável, o propósito educativo. Ora, se a atuação docente não é decaráter isolado do professor, pois, segundo o autor, fatores históricos, culturais, sociais,institucionais e trabalhistas, tomam parte junto com os indivíduos, então, acrescenta ele, para seentender o problema da autonomia, a partir de uma perspectiva educativa deve-se, primeiro,passar pelas três dimensões da profissionalidade, que são: o compromisso de caráter moral, ocompromisso com a comunidade e a competência profissional do docente. O caráter moral si-tua-se acima de qualquer caráter contratual e está relacionado à dimensão emocional, presenteem toda a relação educativa; o compromisso com a comunidade diz respeito à relação de compro-misso social da própria profissão docente, ocupando ai, o professor, uma função encomendada erecomendada publicamente e a competência profissional, que diz respeito à consciência do do-cente sobre as conseqüências de sua prática pedagógica.

A racionalidade técnica é vista pelo autor como “uma solução instrumental de problemasmediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procededa pesquisa cientifica” Assim, o uso da ciência aplicada, é visto como uma barreira ao desempenhoprofissional, primeiro, porque a relação de estabelece entre a prática e o conhecimento é hierár-quica; segundo, porque a ciência aplicada para o professor, seriam apenas regras tecnológicas eterceiro, porque os fins pretendidos são fixos e bem definidos. Entendo que essa preocupação doautor é legítima, pois o profissional técnico passa a ser um dependente do conhecimento e nunca umprodutor; os objetivos de ensino são sempre vistos como produto, em vez de qualidade que possaguiar a prática. Isso é terrível para a educação.

A formação do professor como um profissional reflexivo, é analisada sob a ótica deSchön (1983), que vê o professor como um pesquisador no reflexo da prática. Assim, ao con-

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trário do docente técnico, cuja ação profissional é alheia à realidade externa, o profissionalreflexivo entende que faz parte da ação e através dela pode contribuir para o processo educativo.É a reflexão na ação.

O modelo apresentado por Schön (1983), porém é criticado. O professor como profissionalreflexivo, segundo o autor é limitado pelo próprio envolvimento individual em práticas reflexivas,tendo em vista que leva em conta apenas a pontualidade do que está em suas mãos e não contemplaa situação institucional em sua reflexão. Esse é o mesmo entendimento de autores como LIston eZechcne (1991).

Para o autor, cada modelo de professor apresenta um modelo de autonomia distinta. Para odocente técnico a autonomia é vista como status (atributo) e é ilusória; para o profissional reflexi-vo, é responsabilidade individual e equilíbrio entre a independência de juízo e a responsabilidadesocial. Já para o intelectual critico, a autonomia é concebida como emancipação: liberação pro-fissional e social das opressões, superação das distorções ideológica; é consciência critica.

Nesse sentido, aponta como modelo de autonomia desejada para os professores, a do inte-lectual critico, idéia tratada por vários autores, mas melhor desenvolvida por Giroux (1990). Areflexão crítica alia uma concepção libertadora da prática de ensino com um processo de emancipa-ção dos próprios professores, que avançam, dessa forma, rumo ao processo de transformação daprática pedagógica através da percepção dos valores e significados ideológicos implícitos nas atu-ações de ensino e nas próprias instituições.

Finalizando o autor faz uma abordagem elucidativa sobre o papel que tem hoje a autonomiados professores, mostrando-a como um processo de construção permanente que envolve várioselementos de forma decisiva. Assim necessariamente a dinâmica da autonomia passa pela indepen-dência de opinião do docente; pela formação de sua identidade no contexto de suas relações; pelodistanciamento crítico, pela consciência de sua parcialidade na compreensão dos outros, peloentendimento de que a auto-avaliação e a compreensão de si mesmo, também fazem parte doprocesso de discussão. A autonomia dos professores só pode ser identificada corretamente se ob-servada dentro de um contexto de trabalho, pessoal e institucional, independente das dimensões desua profissionalidade e dos modelos de docentes pré-estabelecidos.

O verdadeiro desafio do professor é, portanto, conduzir a educação democraticamente, fu-gindo da autocomplacência e do individualismo competitivo. È construir a autonomia profissional,junto autonomia social; adquirir maior capacidade de intervir nas decisões políticas de interesse daescola e construir seu saber docente permanentemente, dentro de interesses voltados para os cam-pos profissionais, pessoais e institucionais.

Entendo que a leitura deste rico trabalho desenvolvido por Contreras, pode ser recomenda-da para professores de nível superior em geral, mas precisamente para pós-graduandos lato oustricto sensu, na área de educação e a todos os interessados pelo tema. Pode, também, servir defonte de inspiração para profissionais de outras áreas, desde que se veja a autonomia como condi-ção indispensável para o crescimento profissional e instrumento de compreensão de tensões ou decontradições, engendradas pelas políticas sociais, nas quais a lógica mercantil ganha espaço contraa lógica elaborada com base em princípios que favorecem as igualdades sociais.

José Adersino Alves de MouraMestrando em Educação - UFPI

Oficial da PMPI e Professor da UESPI

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Adalberto da Rocha HeckPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOSAv. Unisinos, 950Bairro Cristo Rei93.022-000 – São Leopoldo – RS

André Valdir ZuninoUniversidade do Sul de Santa CatarinaTubarão – SCe-mail: [email protected]

Antonia De VitaRicercatora e Professoressa dell´Università di VeronaDipartamento di Scienza dell´EducazioneFacultà di Scienza della Formazione37136 – VERONA – ITALIA

Cleânia de Sales SilvaUFRN/Centro de Ciências Sociais AplicadasPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Universitário – Lagoa Nova59.072-970 Natal – RN

Eliete Silva MeirelesUniversidade Federal do PiauíCentro de Ciências da EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Min. Petrônio Portela64.040-730 Teresina - Piauí

Flávia Obino Correa WerlePrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOSAv. Unisinos, 950Bairro Cristo Rei93.022-000 – São Leopoldo – RS

Geida Maria Cavalcanti de SousaUniversidade de PernambucoFaculdade de Formação de Professores de PetrolinaRua Pau Ferro, 310 – Gercino [email protected]

José Adersino Alves MouraUniversidade Federal do PiauíCentro de Ciências da EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Min. Petrônio Portela64.040-730 Teresina - Piauí

Luciana Storck de Melo AuzaniPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOSAv. Unisinos, 950Bairro Cristo Rei93.022-000 – São Leopoldo – RS

Marlene Araújo de CarvalhoUniversidade Federal do PiauíCentro de Ciências da EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Min. Petrônio Portela64.040-730 Teresina - Piauí

Olivette Rufino Borges Prado AguiarUFRN/Centro de Ciências Sociais AplicadasPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Universitário – Lagoa Nova59.072-971 – Natal – RN

Robson Carlos da SilvaUniversidade Federal do PiauíCentro de Ciências da EducaçãoPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoCampus Min. Petrônio Portela64.040-730 – Teresina – Piauí

Rosimar Serena Siqueira EsquinsaniPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOSAv. Unisinos, 950Bairro Cristo Rei93.022-000 – São Leopoldo – RS

Salete Campos de MoraesPrograma de Pós-Graduação em EducaçãoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOSAv. Unisinos, 950Bairro Cristo Rei93.022-000 – São Leopoldo – RS

ENDEREÇO DOS AUTORES DOS TRABALHOS CONSTANTESNESTE NÚMERO

Teresina n. 10 81 jan./dez.2004Linguagens, Educação e Sociedade

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1 – Linguagens, Educação e Sociedade - ISSN – 1518-0743 – é a Revista de divulgação científicado Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí. Publica pre-ferencialmente, resultados de pesquisas originais ou revisões bibliográficas desenvolvidaspelo(s) autor(es) em Educação e área afins;

2 – Os artigos recebidos são apreciados por especialistas na área e pelo Conselho Editorial, man-tendo-se em sigilo a autoria dos textos.

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4 – O resumo (120 palavras aproximadamente) deve sintetizar o(s) objetivo(s), a metodologia,resultado(s) e as conclusões do artigo;

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Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes sobrinhoLinguagens, Educação e Sociedade

Universidade Federal do PiauíCentro de Ciências da Educação

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LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADEREVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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