A FIXAÇÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

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A FIXAÇÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO Durante o terceiro século, mais atenção foi dada a seleção dos escritos apostólicos que poderiam ser usados pelas igrejas para fins de doutrina. Orígenes de Alexandria e Cesárea (185-254) sucedeu Clemente como o diretor da escola de Alexandria. Mais tarde mudou-se para Cesárea. De anos de estudos com Clemente e de suas próprias investigações, ele tornou-se capaz de falar com autoridade acerca dos livros que eram comumente aceitos pelas igrejas. Ele foi o primeiro a mostrar uma consciência acerca de problemas sobre alguns livros usados por vários grupos. Ao discutir os livros, ele dividiu tudo em três categorias: aceitos, duvidosos e rejeitados. Ele foi o primeiro escritor a mostrar definidamente um conhecimento de todos os livros do Novo Testamento que estão no presente Canon, incluindo Tiago, II Pedro e III João. O próprio Orígenes aceitava todos os vinte e sete livros, mais os livros de Barnabé, o Didaque e o Pastor de Hermas. Contudo, indicou que havia alguma duvida acerca de Hebreus, II Pedro, II e III João e Judas. Todos os outros livros foram rejeitados como inconvenientes para doutrina. Seguindo-se a Orígenes, Dionísio de Alexandria (que morreu em 264) foi a outra grande figura do terceiro século na avaliação crítica da dignidade dos escritos cristãos. Embora ele não negasse a canonicidade do Evangelho de João e do Apocalipse, ele negou que o apostolo João pudesse ter escrito

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A FIXAÇÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Durante o terceiro século, mais atenção foi dada a seleção dos escritos apostólicos

que poderiam ser usados pelas igrejas para fins de doutrina. Orígenes de Alexandria e Cesárea

(185-254) sucedeu Clemente como o diretor da escola de Alexandria. Mais tarde mudou-se

para Cesárea. De anos de estudos com Clemente e de suas próprias investigações, ele tornou-

se capaz de falar com autoridade acerca dos livros que eram comumente aceitos pelas igrejas.

Ele foi o primeiro a mostrar uma consciência acerca de problemas sobre alguns livros usados

por vários grupos.

Ao discutir os livros, ele dividiu tudo em três categorias: aceitos, duvidosos e

rejeitados. Ele foi o primeiro escritor a mostrar definidamente um conhecimento de todos os

livros do Novo Testamento que estão no presente Canon, incluindo Tiago, II Pedro e III João.

O próprio Orígenes aceitava todos os vinte e sete livros, mais os livros de Barnabé, o Didaque

e o Pastor de Hermas. Contudo, indicou que havia alguma duvida acerca de Hebreus, II Pedro,

II e III João e Judas. Todos os outros livros foram rejeitados como inconvenientes para

doutrina.

Seguindo-se a Orígenes, Dionísio de Alexandria (que morreu em 264) foi a outra

grande figura do terceiro século na avaliação crítica da dignidade dos escritos cristãos.

Embora ele não negasse a canonicidade do Evangelho de João e do Apocalipse, ele negou que

o apostolo João pudesse ter escrito ambos. Ele provocou uma controvérsia acerca da autoria

do Apocalipse que ainda se mantém ate hoje.

Eusébio de Cesárea (270-340) tinha a maior biblioteca de escritos cristãos do mundo.

Ele fora pupilo de Panfilo (um discípulo de Orígenes), que fundou a grande biblioteca

teológica em Cesárea. Eusébio foi o primeiro grande historiador eclesiástico dos primeiros

séculos. Em seus seis volumes existentes, ele preservou muita coisa dos escritores primitivos.

O imperador Constantino, em 331, pediu a Eusébio que preparasse cinqüenta copias dos livros

em grego aceitos nas igrejas cristas.

Começando com a obra de Orígenes, Eusébio deu uma lista dos livros

universalmente aceitos: quatro Evangelhos, Atos, catorze Epistolas de Paulo (incluindo

Hebreus, embora ele tenha observado que a igreja ocidental não aceitasse a autoria paulina), I

Pedro, I João e talvez o Apocalipse. Nos livros duvidosos ele colocou Tiago, II Pedro, II e III

João e Judas. Estes livros eram duvidosos, mas foram aceitos pela maioria das igrejas. Nos

livros espúrios, ele colocou Barnabé, o Dedique, o Pastor de Hermas e, talvez, o Apocalipse.

A ambiguidade sobre o Apocalipse surge no fato de que o próprio Eusébio teria rejeitado o

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livro, mas a tradição de aceitação era forte demais para ele negar sua validade. Ele tinha outra

categoria que dava uma lista de livros que deveriam ser completamente rejeitados.

Em 367, Atanásio, Bispo de Alexandria de 328 a 373, publicou uma Carta de Páscoa

as igrejas que estavam sob sua responsabilidade. Esta carta contém uma lista de vinte e sete

livros, que haviam sido aprovados para instrução doutrinária. Esta lista coincide com os vinte

e sete de nosso Novo Testamento.

ASPECTOS QUE GARANTEM A AUTENTICIDADE DE UM LIVRO

Datação - Levando-se em consideração a datação. Quanto mais próximo do evento Jesus de

Nazaré mais originalidade o texto possui.

Origem apostólica - Jesus escolhera doze homens para estarem com ele e serem seus

intérpretes após sua ascensão. Esses homens deveriam ser os responsáveis pela instrução de

novos discípulos. Seu testemunho deveria ser aceito pela igreja como possuindo a autoridade

do próprio Jesus. Consequentemente, seus escritos deveriam ter um lugar de honra dentro das

igrejas. Embora Paulo não fosse um dos doze, ele foi reconhecido como um homem

singularmente inspirado pelo Espírito Santo para preencher a posição de um apostolo. Ate

mesmo Pedro reconheceu a autoridade de Paulo (II Ped 3,15), e Clemente de Roma, em sua

carta aos Coríntios, pode escrever sobre a inspiração de Paulo, enquanto ele mesmo

(Clemente) não pode pretender nem distinção apostólica nem inspiração.

Ortodoxia - Consistência doutrinária é elemento na determinação do Canon final. Com o

padrão do Velho Testamento e o ensino dos apóstolos, esta foi uma útil consideração. Ela

possibilitou a igreja a expor e repudiar as grandes heresias dos primeiros séculos e a preservar

o evangelho em sua pureza. Livros com erros óbvios, bem como não tão óbvios, foram, desta

forma, eliminados do Canon.

A QUESTÃO SINÓPTICO

Os três primeiros Evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) apresentaram uma área de

incerteza nos estudos do Novo Testamento. Estes livros foram chamados os "Evangelhos

Sinópticos", desde que o termo foi pela primeira vez usado, chama a atenção para o material

comum a todos os três e indica que eles são melhor compreendidos quando estudados juntos.

Mesmo uma leitura casual dos quatro primeiros livros do Novo Testamento mostra que os três

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primeiros têm muita coisa em comum (representando uma tradução comum) e o quarto parece

pertencer a outra tradição distinta.

O problema Sinóptico entra em foco quando a seguinte estatística é observada: entre

94% e 95% do Evangelho de Marcos é reproduzido em Mateus e Lucas. Dos 661 versículos

contidos em Marcos, todos, exceto cerca de 30, são encontrados nos outros dois Sinópticos. A

substância de 606 versículos pode ser encontrada em Mateus. Lucas reproduz cerca de 320

versículos de Marcos.

Os evangelhos são frutos de uma Tradição Oral - Nos primeiros anos da igreja cristã,

o evangelho foi transmitido e preservado oralmente. Como os primeiros discípulos esperavam

para breve a volta do Senhor ressurreto, eles não sentiram nenhuma necessidade de escrever

uma narrativa do testemunho apostólico. Foi somente depois que os apóstolos e outras

testemunhas começaram a morrer, que se sentiu ser necessário preservar, em forma de escrita,

o teor do ministério do Senhor Jesus.

A pregação e ensino dos apóstolos e outros lideres da igreja, lógica e naturalmente,

dariam uma forma fixa as narrativas acerca da vida de Jesus. Essa "tradição fixa" explicaria a

relação estreita dos Sinópticos. As diferenças são explicadas como sendo contribuições de

pessoas individuais, aumentando a informação mais geral, que pertencia à igreja como um

todo. Então, também, o propósito de cada autor deve ser tido em mente, a medida que ele

reuniu e colecionou seu material.

Essa ideia é de que cada autor dos Evangelhos teve seu próprio propósito e plano na

seleção de seus materiais para inclusão em sua narrativa. Recentemente mais ênfase foi dada a

este princípio básico de interpretação. Uma tentativa de se discernir a ênfase teológica de cada

um dos Evangelhos como um autor criativo focalizando a atenção sobre os aspectos especiais

de sua obra inteira. Isto levaria em conta o acréscimo da situação da vida do autor aos fatores

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interpretativos dos Evangelhos, e da ideia distintiva de que o Evangelho individual deve ser

tratado como um todo, em vez de simplesmente como uma coleção de perícopes.

Os Evangelhos, conforme agora os temos, não são criações simples de um tecido

inteiro, mas consistem de coletâneas de material cuja seleção final e disposição devemos aos

próprios evangelistas. Marcos é aqui a influência primária; ele criou a forma literária

"Evangelho", e Mateus e Lucas, ambos, o seguem e usam seu método.

O material agora apresentado nos Evangelhos tem uma historia anterior de uso na

igreja, em grande parte uma historia de transmissão oral. Ele circulou na igreja na forma de

unidades individuais ou pequenas coletâneas de material relacionado, e nesta forma serviu a

funções definidas na vida e no culto da igreja.

OS EVANGELHOS

Marcos - O Evangelho de Marcos, em si, é anônimo, ou seja, dentro do livro não ha

nenhuma afirmação definida quanto ao autor. No início do segundo século, o segundo

Evangelho foi atribuído ao "João chamado Marcos", o filho da Maria para cuja casa Pedro

fugiu depois de escapar da prisão (At 12,12); o mesmo Marcos que Paulo e Barnabé levaram

com eles, na chamada Primeira Viagem Missionária (At 12,25). Ele era primo de Barnabé

(Col 4,10). Marcos deixou Paulo e Barnabé (At 13,13), para retornar a Jerusalém. Em II

Timóteo 4,11, Paulo pede a Timóteo para ir a Roma e levar João Marcos. Em I Pedro 5,12-13,

Marcos está presente, com Pedro, em Babilônia, juntamente com Silvano (Silas), outro ex-

companheiro de Paulo.

Há evidência, no Novo Testamento, de que Marcos esteve em Roma com Paulo e

talvez com Pedro. Se Paulo escreveu a Epistola aos Colossenses de Roma, Marcos estava em

Roma nessa ocasião. Se Paulo escreveu II Timóteo, e se Timóteo fez o que Paulo solicitou,

Timóteo e Marcos provavelmente chegaram a Roma antes da morte de Paulo. Se Babilônia,

em I Pedro 5,13, e uma referência encoberta a Roma, então Marcos estava em Roma com

Pedro quando essa carta foi escrita.

Se, como foi sugerido, tanto Mateus como Lucas tomaram emprestado de Marcos, na

produção de suas respectivas obras, então a data mais tardia seria antes da produção dos dois

Sinópticos restantes. Decisivos, naturalmente, são o Evangelho de Lucas e o Livro de Atos.

Nenhuma data certa pode ser dada para a composição de Marcos; mas, se foi escrito de Roma

e antes de Mateus e Lucas, uma data provável seria por volta de 65 d.C.

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Conforme sugerido acima, estava ocorrendo uma crise na vida da comunidade cristã.

Se o livro foi escrito entre as mortes de Paulo e Pedro (ou logo apos a de Pedro), a igreja

estava sofrendo uma perseguição "política" simplesmente por ser cristã. Acusada, ela era uma

igreja "mártir", severamente ameaçada.

Passando a primeira geração de cristãos, houve a necessidade da narração escrita da

história do Evangelho, da pregação das testemunhas mais antigas. Tiago, o irmão de Jesus e o

líder do cristianismo judaico, fora martirizado em 62 d.C. Com a morte de Paulo e a morte de

Pedro, que se aproximava, sentiu-se ser necessário um registro escrito do ministério do

Senhor, antes que todos os apóstolos morressem e a igreja fosse deixada sem um

conhecimento íntimo acerca da vida e do ministério de Jesus.

Lucas - Informações do segundo século indicam que se acreditava firmemente que

Lucas, o companheiro de Paulo (II Tim 4,11) e "medico amado" (Col 4,14), escreveu o

Evangelho e Atos por volta dos anos 65.

Fator a ser considerado, na determinação de uma data, é o Evangelho de Marcos. Se

Marcos foi uma das fontes que Lucas consultou, em seu Evangelho, então a datação de

Marcos tem um apoio definitivo para a datação do Evangelho de Lucas. Se, como muitos

estudiosos acreditam, Marcos foi composto durante as perseguições neronianas, então os anos

60 seria a data mais antiga possível para Lucas.

Assim, por causa do fato de Marcos ser uma das fontes de Lucas, o terceiro

Evangelho deve ter sido composto depois de Marcos, apos 65 d.C. Alguns tem insistido que o

terceiro Evangelho reflete uma data após a queda de Jerusalém em 70 d.C.

Mateus - O primeiro livro do Novo Testamento e anônimo, como o são os outros três

Evangelhos. Contudo, a tradição antiga é unanime em atribuí-lo a Mateus. Pouca duvida pode

haver de que Mateus, um dos doze, estava, de alguma forma, associado com o Evangelho que

leva o seu nome.

Não há prova definitiva de que os Evangelhos não foram escritos no início da

história da jovem igreja. Alguns estudiosos argumentaram que as referências contidas em

Marcos 13 e Mateus 22 e 24 pressupõem a destruição de Jerusalém. Mateus e Lucas parecem

refletir a separação e crescente entre judeus cristãos e judeus nao-cristaos, entre o cristianismo

e o judaísmo. Naturalmente, esta atitude é observável no livro de Atos e poderia dar credito a

ideia de que estes Evangelhos bem poderiam ter sido escritos durante a década de 60-70. Mais

provavelmente, seria melhor dizer que Mateus foi escrito em algum momento entre 65-75

d.C.

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A verdade do Evangelho depende da realidade histórica dos acontecimentos que

cercam a vida, morte e ressurreição de Jesus. Mateus era, acima de tudo, um homem de fé.

Ele interpretou esses acontecimentos históricos a fim de proclamar o que Deus fizera através

de seu Filho Jesus, para redimir o homem de sua condição desamparada como pecador. Em

sua avaliação do ministério de Jesus, Mateus mostra que Jesus é o Messias, o Cristo, havia

muito esperado. Aquilo que o homem não pode fazer por si, Deus fez por ele, através de seu

Filho.