A fitoterapia no âmbito da atenção básica no sus 2

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  • 1. UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE SADE PBLICA Prticas integrativas e complementares para a promoo da sade Paula Cristina Ischkanian Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica para obteno do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de Concentrao: Servios de Sade Pblica Orientadora: Prof Dra. Maria Ceclia Focesi Pelicioni So Paulo 2011

2. expressamente proibida a comercializao deste documento tanto na sua forma impressa como eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, desde que na reproduo figure a identificao da autora, ttulo, instituio e ano da dissertao. 3. DEDICATRIA Este trabalho dedicado a todas as pessoas que como eu acreditam ser possvel construir uma sociedade melhor e igualitria. Acreditam que ter sade depende do tipo de relao que se estabelece com os outros e com o meio ambiente; que sabem que sem amor, respeito e interagncia fica difcil produzi-la. Dedico especialmente Naturologia e aos naturlogos! 4. AGRADECIMENTOS Aos profissionais de sade da Unidade Bsica e do Ambulatrio de Especialidades que gentilmente participaram desta pesquisa. querida orientadora e professora Maria Ceclia Focesi Pelicioni por ter me conduzido neste caminho do saber sempre com dedicao e carinho. E tambm aos seus, Dr. Amrico e Andra por terem me recebido de braos abertos. Aos meus pais, por terem me aceito em suas vidas e por terem permitido minha primeira experincia sobre o amor. Em especial, a minha querida e amada me por me acompanhar alm das fronteiras! Anna Tereza Badana (Nny) pela parceria, dedicao, compreenso e companheirismo que iluminam minha vida e me faz ser a melhor parte do que eu sou. Gratido e amor! Banca examinadora: Prof Dra. Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira e Prof Dra. Renata Ferraz de Toledo pelas valiosas consideraes desde o exame de qualificao e pela generosidade expressada na pr-banca que tivemos. E aos respectivos suplentes: Prof Dra. Elaine de Azevedo, Prof Dr. Claudio Gasto Junqueira de Castro e Prof Dra. Nicolina Silvana Romano-Lieber, meu sincero agradecimento. Ao amigo-irmo, Prof Dr. Luizir de Oliveira (Pichuco) que alm da eterna amizade, enxergou em mim o potencial acadmico e me fez acreditar nele. eterna amiga e professora, Dra. Elaine de Azevedo, no s pela amizade e carinho, mas por ser especial inspirao e modelo tambm para vida acadmica. E, por seus olhos violetas (mesmo que s eu os veja). Aos amigos e amigas que generosamente compreenderam minha ausncia neste perodo. Aos que chegaram como colegas e foram se tornando amigos com encanto e alegrias: Edson Zombini, Vanessa Almeida, Sandra Costa de Oliveira. Aos professores(as) da Faculdade de Sade Pblica/USP e especialmente aos funcionrios(as) do Departamento de Prtica: Lvia, Soninha, Cidinha, Val, Francisco; da Comisso de Ps-graduao: Angela de Andrade e da Assessoria Acadmica: Marcia Ferreira Silva. 5. Aos funcionrios da Biblioteca da Faculdade de Sade Pblica/USP, especialmente a Sra. Maria Lucia, Sra. Letcia e ao Sr. Jos pelo auxlio na redao das Referncias Bibliogrficas. Aos amigos do LAPACIS/UNICAMP pelo acolhimento e aprendizado. Secretaria Municipal de Sade do Estado de So Paulo, especialmente Coordenadoria de Sade da Zona Norte/SP e ao Departamento de Medicinas Tradicionais e Prticas Integrativas por atender s solicitaes da pesquisa. Aos profissionais de sade do Centro de Sade Escola Geraldo Horcio de Paula Souza por terem concedido parte de seu tempo para que se realizasse o pr-teste da pesquisa. s agncias financiadoras CAPES e CNPq pelas bolsas de estudo concedidas propiciando a dedicao necessria para o desenvolvimento desta pesquisa. 6. Ischkanian, P. C. Prticas integrativas e complementares para a promoo da sade. 201. 110 p. Dissertao (Mestrado em Sade Pblica) Faculdade de Sade Pblica, Universidade de So Paulo, So Paulo. Resumo A Promoo da Sade tem contribudo para a construo de aes que possibilitam responder aos interesses e demandas da populao visando melhoria do nvel de sua sade. Como forma de integrar outras racionalidades mdicas Ateno a Sade, o Ministrio da Sade aprovou, em 2006, a Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC) buscando atender, sobretudo, a necessidade de incorporar e implementar experincias que h algum tempo vm sendo desenvolvidas com sucesso no Sistema nico de Sade (SUS) em resposta ao desejo de parte dos usurios, expresso nas recomendaes de Conferncias Nacionais de Sade, desde 1988. Assim, tem se tornado cada vez mais urgente investigar os conhecimentos, opinies e representaes sociais dos gestores e profissionais de sade sobre essas Prticas (PIC) no SUS, e identificar as dificuldades e desafios que se apresentaram em sua implementao, utilizao e divulgao nos Servios de Sade. Decidiu-se realizar uma pesquisa na zona norte de So Paulo/SP, em uma Unidade Bsica de Sade e em um Ambulatrio de Especialidades. A metodologia utilizada foi a qualitativa e os instrumentos, a anlise documental e a entrevista, com roteiro pr-estabelecido. Os resultados mostraram que os gestores no estavam preparados para a implementao da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, que apenas cinco dos vinte e seis entrevistados conheciam a Poltica Nacional (PNPIC), que ainda prevalece o modelo biomdico nos atendimentos, que o fornecimento de material e aquisio de insumos utilizados em algumas das PIC tem se constitudo em grande problema na unidade, que a divulgao das PIC no tem sido suficiente para que profissionais e usurios as conheam. Nem todos os profissionais que atuavam no Ambulatrio de Especialidades onde as PIC tm sido oferecidas tm valorizado essas atividades. As Prticas Integrativas e Complementares no tm ocupado o papel que deveriam e/ou poderiam dentro do SUS para a Promoo da Sade. Verificou-se que essencial que o Municpio de So Paulo/SP incentive e crie condies para o oferecimento das PIC em todas as suas Unidades, aprimorando sua divulgao e apoiando a insero de profissionais no mdicos, desde que apresentem formao adequada, pois prticas como Homeopatia, Acupuntura, Antroposofia e Fitoterapia j so consideradas especialidades mdicas. As Prticas Integrativas e Complementares, se integradas ao SUS, certamente podero contribuir, e muito, para a Promoo da Sade. Descritores: Promoo da Sade, Sade Pblica, Prticas Integrativas e Complementares. 7. Ischkanian, P. C. Complementary and integrative practices to promote health. 201. 110 p. Thesis (Master in Public Health) - Faculdade de Sade Pblica, Universidade de So Paulo, So Paulo. Abstract Health promotion has been contributing to foster actions which aim at responding to the interests and demands of the population in order to improve the level of their health. As a means of integrating other medical and health care practises, the Ministry of Health adopted, in 2006, the National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC) so as to particularly face the need to incorporate and to implement experiences which for some time have been successfully developed in the National Health System (SUS) in response to the desire of the users as expressed on the recommendations of the National Health Conferences, since 1988. That is why it has become more and more urgent to investigate the knowledge, opinions and social representations of managers and health professionals about those practices (PIC) in SUS as well as to identify the difficulties and challenges that are present in their implementation, use and disclosure in the Health Services. In order to better comprehend those issues, a survey in a Basic Health Unit and Specialty Clinic in the northern area of Sao Paulo/SP has been carried out. The chosen methodology was the qualitative approach with its instruments, documentary analysis and interviews based upon pre- established guidelines. The results support the thesis that managers are not prepared to implement the National Policy on Integrative and Complementary Practices (PNPIC) in SUS: only five out of the twenty six respondents were aware of the National Policy (PNPIC); the biomedical model sessions still prevails; material supply and acquisition of raw materials used in some of the PIC has become a major issue in the unit; that the disclosure of the PIC has not been enough so as to be fully known by professional and users alike. Furthermore, most of the professionals working in the Specialty Clinic where the PIC have been offered have undervalued those activities. The Complementary and Integrative Practices have not played the role they should and/or could in the SUS for the Promotion of Health yet. It is pivotally necessary that the City of So Paulo/SP encourages and creates conditions for taking the PIC into all the Health Units, so as to improve, disclosure and support the inclusion of non-medical professionals, provided that they have proper training since practices such as Homeopathy, Acupuncture, Anthroposophy and Phytotherapy are already considered as medical specialties. If they come to be included in SUS, the Complementary and Integrative Practices can certainly contribute a lot for the Promotion of Health. Descriptors: Health Promotion, Public Health, Complementary and Integrative Practices 8. NDICE 1. INTRODUO......................................................................................... 11 1.1. SADE, PROMOO DA SADE, EDUCAO EM SADE ........... 11 1.2. O SISTEMA DE SADE (SUS)........................................................... 19 1.3. PRTICA INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.......................... 36 1.3.1. Naturologia..................................................................................... 46 2. OBJETIVOS............................................................................................. 56 2.1. QUESTES DE FUNDO .................................................................... 57 3. MTODO ................................................................................................. 58 3.1. CENRIO E POPULAO DE ESTUDO ........................................... 58 3.2. TIPO DE ESTUDO.............................................................................. 59 3.3.INSTRUMENTOS DE PESQUISA E ANLISE DOS DADOS ............. 63 3.3.1. Pesquisa documental..................................................................... 64 3.3.2. Entrevista....................................................................................... 64 3.3.3. Anlise dos dados.......................................................................... 65 3.4. ASPECTOS TICOS DA PESQUISA................................................. 66 4. RESULTADOS E DISCUSSO............................................................... 67 4.1. SOBRE O CONHECIMENTO, OPINIES E REPRESENTAES SOCIAIS DOS GESTORES E DOS PROFISSIONAIS DE SADE DA UNIDADE BSICA DE SADE QUE NO TEM OFERECIDO AS PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES AOS USURIOS DO SEU SERVIO DE SADE................................................................................... 68 4.1.1. dos gestores da Unidade Bsica de Sade ................................... 69 4.1.2. dos profissionais de sade da Unidade Bsica de Sade ............. 76 4.2. SOBRE OS CONHECIMENTOS, OPINIES E REPRESENTAES SOCIAIS DOS GESTORES E DOS PROFISSIONAIS DE SADE DO UNIDADE BSICA DE SADE QUE TEM OFERECIDO AS PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES AOS USURIOS DO SEU SERVIO DE SADE................................................................................... 82 4.2.1. da gesto do Ambulatrio de Especialidades ................................ 83 9. 4.2.2. dos profissionais de sade do Ambulatrio de Especialidades...... 86 5. CONCLUSES...................................................................................... 106 6. RECOMENDAES E SUGESTES................................................... 109 7. REFERNCIAS ..................................................................................... 110 ANEXOS Anexo 1. Roteiro de perguntas para gestores(as) de Ambulatrio de especialidades que oferece atendimento com as prticas integrativas e complementares.................................................... 120 Anexo 2. Roteiro de perguntas para gestores(as) de Unidade Bsica de Sade que no oferece atendimento com as prticas integrativas e complementares.......................................................................... 121 Anexo 3. Roteiro de perguntas para entrevista com profissionais de sade da Unidade Bsica de Sade que no oferece as Prticas Integrativas e Complementares...................................................................... 122 Anexo 4. Roteiro de perguntas para entrevista com profissionais de sade do Ambulatrio de Especialidades que oferece as Prticas Integrativas e Complementares...................................................................... 124 Anexo 5. Quadros 4 e 5. Como cadastrar os servios e os profissionais de prticas integrativas e complementares no ................................ 125 Anexo 6. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................ 126 Currculo lattes da autora.............................................................................s/n Currculo lattes da orientadora.....................................................................s/n 10. LISTA DE QUADROS Quadro 1. Pesquisas cientficas em Universidades brasileiras.................... 53 Quadro 2. Modelos de medicina e abordagens metodolgicas ................... 62 Quadro 3. Do processo de implementao de aes e servios das PIC no SUS............................................................................................. 71 LISTA DE FIGURAS Grfico 1. Conhecimento dos profissionais de sade das PIC viabilizadas no ambulatrio de especialidades em 2010..................................... 86 11. 11 1. INTRODUO 1.1. SADE, PROMOO DA SADE, EDUCAO EM SADE Grande parte dos estudos que tm sido realizados sobre sade tm utilizado como definio a da Organizao Mundial da Sade (OMS) de 1947 que preconiza a sade como o mais completo estado de bem-estar fsico, mental e social mesmo que ele seja amplo e impossvel de ser avaliado, por no considerar seus determinantes e condicionantes. Para a conquista desta condio fundamental que seja estimulada maior participao dos indivduos e grupos para identificar suas aspiraes, satisfazer suas necessidades e atuar na modificao positiva do ambiente em que vivem. Para alguns pesquisadores da rea da sade social a definio supramencionada de perfeito bem-estar foi avanada para sua poca, mas nas dcadas posteriores, foi considerada irreal e ultrapassada (DONNANGELO, 1976). Tal estado de perfeio visto como completude inatingvel. Capra (2006) tambm considera essa definio irrealista por descrever a sade como um estado esttico em vez de um processo que encontra-se em constante mudana e evoluo. Segre e Ferraz (1997) indagam sobre o que perfeito bem-estar e se possvel caracterizar a perfeio. Esses autores tambm consideram a definio de sade da OMS utpica, s sendo aceitvel falar de bem-estar, felicidade ou perfeio por aquele sujeito que, dentro de suas crenas e valores, pode torn-la legtima. Todavia, este trabalho no objetiva apenas discutir a subjetividade da definio de sade da OMS, mas ressaltar a importncia de ampliar sua 12. 12 compreenso e aproxim-la do conceito de Promoo da Sade, este sim, objeto desta dissertao. Mais do que um conceito, a promoo da sade, como uma das estratgias de produo de sade tem sido vista como um modelo, como um modo de pensar e de operar articulado s demais polticas e tecnologias desenvolvidas no sistema de sade brasileiro, que vai contribuir na construo de aes que possibilitam responder s necessidades sociais em sade da populao (BRASIL, 2006). Isso presume uma concepo de sade que no est restrita a ausncia de doena, mas que seja capaz de atuar sobre seus determinantes, o que incide nas condies de vida da populao. Est alm da prestao de servios clnico-assistenciais, supondo aes intersetoriais que envolvam a educao, o saneamento bsico, a moradia, o trabalho e a renda, a alimentao, o meio ambiente, o acesso a bens e servios essenciais e tambm ao lazer, entre outros determinantes sociais da sade (SCOLI e NASCIMENTO, 2003). Uma efetiva promoo da sade inclui portanto, como foi dito, uma ao coordenada entre diferentes segmentos da sociedade (governo, populao, iniciativa privada, mdia, organizaes voluntrias e no governamentais) visando proporcionar situaes conducentes sade, bem como assegurar a oportunidade do indivduo conhecer e controlar os fatores que influenciam a sua sade para melhorar suas condies de vida (RESTREPO, 2002; BUSS, 2003; CZERESNIA, 2003). Para Carvalho (2008) a promoo da sade deve ser compreendida como uma agenda integrada e multidisciplinar cujo objetivo principal estimular mudanas na assistncia sade, na gesto local de polticas pblicas e na proteo e desenvolvimento social para todos. A promoo da sade estreita ento sua relao com a vigilncia em sade, numa articulao que refora a exigncia de um movimento integrador na construo de consensos e sinergias e na execuo de 13. 13 agendas governamentais a fim de que as polticas pblicas sejam cada vez mais favorveis sade e vida, e estimulem e fortaleam o protagonismo dos cidados em sua elaborao e implementao, ratificando os preceitos constitucionais de participao social (BRASIL, 2006). A 8 Conferncia Nacional da Sade (1986), no Brasil, foi um marco histrico que permitiu, pela primeira vez, a participao da populao nas discusses do evento conforme preconizado desde Alma-Ata, em 1978. Suas propostas que apresentam muitas idias comuns promoo da sade foram contempladas tanto no texto da Constituio Federal/1988, como na Lei Orgnica da Sade, de n. 8.080/90 que dispe sobre as condies de vida para a promoo, proteo e recuperao da sade, a organizao e o funcionamento dos servios correspondentes e d outras providncias e na lei n. 8.142/90 que dispe sobre a participao da comunidade na gesto do Sistema nico de Sade (SUS) e sobre as transferncias intergovernamentais de recursos financeiros na rea da sade (BRASIL. LEI N 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990). A partir desta 8 Conferncia Nacional de Sade, a sade passou, portanto, a ser conceituada como resultante das condies de vida e tambm, a incluir novas dimenses, principalmente a socioambiental que vai alm da dimenso fsica como determinante das condies de sade assim como a psicossocial e a espiritual assim, sendo a sade considerada como o conjunto de resultados advindos das condies de alimentao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, moradia e aos servios de sade. Neste sentido, a concepo de sade contextualizou-se mais socialmente aniquilando a idia que a ligava apenas s condies sanitrias. A partir desta viso, pode-se afirmar que a promoo da sade no responsabilidade exclusiva do setor sade, e vai para alm de um estilo de vida saudvel, na direo de um bem-estar global (OPAS, 1986, p.1). Parte do movimento em prol da Promoo da Sade germinou das Cartas e Declaraes das Conferncias Internacionais da Promoo da 14. 14 Sade; seis de carter internacional/global, respectivamente em Ottawa (1986), Adelaide (1988), Sundsvall (1991), Jacarta (1997) e Mxico (1999), Bangkok (2005) e outras duas de carter sub-regional em Bogot (1992) e Port of Spain (1993). Como produto da 1 Conferncia Internacional de Promoo da Sade realizada no Canad foram propostos pela Carta de Ottawa (1986), um dos principais documentos da promoo da sade, os cinco campos de ao considerados prioritrios para ampliar a ateno e o cuidado sade de forma a contemplar os diversos sistemas sociais, culturais e econmicos: a elaborao de polticas pblicas saudveis; a criao de ambientes favorveis sade; o reforo participao da comunidade; o desenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientao de servios de sade. No entendimento dos campos de ao, elaborar polticas pblicas saudveis exige um dilogo entre polticos e gestores de todos os setores de forma a estabelecer com mtua responsabilidade as prioridades para a sade. De acordo com Buss (2000) as polticas pblicas saudveis so concretizadas por meio de diversos mecanismos complementares, incluindo legislao, medidas fiscais, taxaes e mudanas organizacionais, entre outras e por aes intersetoriais coordenadas que guiem para a eqidade em sade, distribuio mais eqitativa da renda e polticas sociais. A criao de ambientes saudveis na sociedade contempornea urgente e indiscutvel. Quaisquer mudanas nos modos de vida, de trabalho e de lazer exercem significativo impacto no meio ambiente, consequentemente sobre a sade, com devido destaque para as reas de tecnologia, produo de energia e urbanizao tornando-se essencial o acompanhamento sistemtico seguido de aes que assegurem benefcios positivos para a sade da populao, pois a proteo do meio-ambiente e a conservao dos recursos naturais devem fazer parte de qualquer estratgia de promoo da sade (OPAS, 1986). 15. 15 Ainda nos campos de ao preconizados na Carta de Ottawa, o reforo participao da comunidade um ponto fundamental para que se materialize a promoo da sade proposta a partir de aes comunitrias concretas e efetivas, criando condies para que a comunidade seja ativa no desenvolvimento das prioridades, na tomada de deciso, na definio de estratgias e na sua implementao, visando a melhoria das condies de sade individual e coletiva. O desenvolvimento de habilidades pessoais e social deve se dar por meio da divulgao de informao, educao para a sade e intensificao das habilidades vitais sendo para isso, essencial capacitar as pessoas para aprender durante toda a vida, tarefa que deve ser realizada nas escolas, nos lares, nos locais de trabalho e em outros espaos comunitrios e cujas aes aconteam com apoio de organizaes educacionais, profissionais, comerciais e voluntrias, bem como pelas instituies governamentais. Finalmente, a reorientao dos servios de sade indica a necessidade de ser adotada uma postura abrangente pelos servios de sade, que leve em conta as peculiaridades culturais incentivando indivduos e comunidade a uma vida saudvel sendo a ponte entre o setor sade e os setores sociais, polticos, econmicos e ambientais. Alm disso, este campo de ao tambm requer um esforo maior de pesquisa em sade, assim como de mudanas na educao e no ensino dos profissionais da rea da sade (OPAS, 1986). A Organizao Panamericana da Sade (OPAS), engajada a esse movimento, definiu a promoo da sade como o resultado de todas as aes empreendidas pelos diferentes setores sociais para o desenvolvimento de melhores condies de sade, pessoal e coletiva, isto para toda a populao no contexto da sua vida cotidiana (PELICIONI, 2005). Nos diferentes eventos, a promoo da sade aparece como um processo de capacitao da comunidade para atuar na melhoria de sua 16. 16 qualidade de vida e sade, incluindo uma maior participao no controle deste processo (BRASIL, 2002). Para Pelicioni MCF e Pelicioni AF (2007, p.326) a comunidade deve ter o direito e a responsabilidade de tomar decises que sejam viveis e que se conjugue a favor da vida de seus membros e para isso tem que ser preparada, pois os indivduos s aprendem a participar, participando. A participao depende, portanto, de uma educao democrtica e libertadora. A mesma autora observa que estimular o interesse por cuidar de sua prpria sade e ajudar a populao a reconhecer os fatores que a torna vulnervel no processo sade/doena faz parte da responsabilidade educativa. Para isso: A educao em sade deve ser crtica, problematizadora da realidade, compartilhada e reflexiva como um processo intencional com o objetivo de prover situaes ou experincias que estimulem a expresso potencial dos seres humanos (PELICIONI MCF; PELICIONI AF, 2007 p. 324). A educao e educao em sade esto intrinsecamente ligadas s aes de promoo da sade visto que a 3 Conferncia Latino Americana de Promoo da Sade e Educao para a Sade realizada em So Paulo (2002) teve como objetivo o estmulo e o desenvolvimento de estratgias de promoo da qualidade de vida e sade e educao para a sade na Amrica Latina foi na qual se promoveu o debate sobre princpios, estratgias e compromissos orientados para a universalidade e a eqidade no acesso aos direitos fundamentais e sociais da regio (USP, 2002). Segundo o documento denominado Sade Brasil 2008, elaborado pelo Ministrio da Sade, o grau de escolaridade seja individual ou da comunidade associa-se melhor percepo dos problemas de sade (...) implica maior acesso aos meios materiais de promoo da sade e do enfrentamento das adversidades associadas deteriorao das condies de sade (BRASIL, 2009). 17. 17 Em anlise a situao de sade, foi elaborado pelo Ministrio da Sade o documento, nele pretendeu-se analisar os 20 anos de Sistema nico de Sade (SUS) elaborado pelo o grau de escolaridade, Segundo Pelicioni, Pelicioni e Toledo (2008) uma Educao em Sade alm de crtica e formadora precisa possibilitar s pessoas condies para identificarem e optarem pela melhoria de sua qualidade de vida e exercer o controle sobre o meio ambiente e sobre os fatores intervenientes em sua prpria sade. Visto desta maneira, o processo educativo em sade permitir que os indivduos adquiram habilidades necessrias para tomar decises e fazer escolhas visando sempre o bem comum. Isso vai facilitar sua participao na promoo de sua sade e na sade da comunidade. A importncia da participao popular no setor sade encontra-se prevista na Constituio Federal de 1988, que determina no artigo 198, que dentre as aes e servios pblicos de sade estejam organizadas as diretrizes de descentralizao, atendimento integral e a participao da comunidade (BRASIL, 1995). Em 2005, o Ministrio da Sade brasileiro definiu uma Agenda de Compromissos pela Sade agregando trs eixos temticos: O Pacto em Defesa do Sistema nico de Sade (SUS), O Pacto em Defesa da Vida e o Pacto de Gesto. Dentro das diretrizes operacionais do Pacto em Defesa da Vida destaca-se a Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS), que na Portaria n 687 de 2006, tambm enfatiza a sade: Como produo social de determinao mltipla e complexa, que exige a participao ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua produo usurios, movimentos sociais, trabalhadores da sade, gestores do setor sanitrio e de outros setores , na anlise e na formulao de aes que visem melhoria da qualidade de vida (BRASIL, 2006, p.11). 18. 18 Alm disso, a PNPS prope uma compreenso mais ampla dessa produo social, onde a condio de sade vista, como uma conseqncia do conjunto de aes de cada indivduo, de sua comunidade, dos gestores de diversos setores que formam a sociedade, na prtica de cuidado, garantia e acesso aos Servios. Dessa maneira, a sade: o resultado das condies de vida, dos cuidados que cada pessoa dispensa a si mesma e aos demais, da capacidade de tomar decises e de controlar a prpria vida como tambm da garantia de que seja oferecida a todos os membros da sociedade a possibilidade de usufruir um bom estado de sade e de ter acesso aos servios de sade (PELICIONI, 2005b, p.831). Torna-se evidente que Promoo da Sade tem um papel essencial no desenvolvimento da autonomia dos usurios dos servios de sade, voltando-se cada vez mais para a viso holstica. De acordo com Souza e Luz (2009) o holismo um conjunto de valores aplicados teraputica que atravessa dimenses da racionalidade mdica que estimula o estudo cientfico interdisciplinar e transdisciplinar. O estudo comparativo de diversos sistemas mdicos decorrente de pesquisa realizada por Luz (1996) apresentou como Racionalidades Mdicas, um sistema estruturado de determinado tipo de medicina, capaz de apresentar cinco dimenses especficas principais, todas interligadas e interdependentes entre si: doutrina mdica, dinmica vital (ou fisiologia), morfologia (ou anatomia), sistema de diagnose e sistema de interveno teraputica, alm de uma sexta dimenso que seria a cosmologia, qual uma determinada racionalidade estaria submetida, ainda que implicitamente (LUZ, 1996). A medicina moderna representada pelas racionalidades mdicas estaria se contrapondo medicina tradicional e complementar. Para Smuts (1926) segundo Gordon (1988) holismo era uma forma de observar e descrever as coisas da vida, incluindo pessoas, como uma importante entidade por si s diferente da soma de suas partes. 19. 19 Dossey (1989) define o holismo como um processo de vida do corpo- mente-esprito que leva o indivduo uma jornada interior em direo autotransformao e identificao da prpria capacidade de mudana e cura, uma alternativa, um tipo de ateno mais acessvel que no nega a necessidade de imediatismo e remdios sofisticados ou cirurgias, mas que enfatiza a promoo e a educao em sade. De acordo com Capra (2006), na concepo holstica, as patologias psicolgicas e sociais quando tm suas manifestaes fsicas suprimidas por intervenes mdicas, podem muito bem expressar-se de algum outro modo, facilmente como uma enfermidade ou doena, psicopatias e sociopatias, que com efeito tornaram-se importantes problemas de sade pblica. Na abordagem holstica, o saber popular encontra um campo de dilogo com o saber oficial dando vazo ao conhecimento assiduamente, represado pelo modelo reducionista. A abordagem holstica em sade convoca uma aproximao entre saber oficial e saber popular e os estudos transculturais tero enorme valia na construo de novas formas integrativas de sade. Os modelos msticos e diversas culturas tradicionais precisam ser conhecidos, estudados e integrados ao modelo holstico de sade que se quer (TEIXEIRA, 1996, p. 288). Assim sendo, a Promoo da Sade como uma nova cultura da sade tende a promover um dilogo mais abrangente e integral, diferente do modelo biomdico vigente que voltado para as especialidades e a fragmentao do conhecimento, capaz de estimular a ruptura da cincia moderna. 20. 20 1.2. O SISTEMA NICO DE SADE (SUS) Antes da Reforma Sanitria no Brasil h pouco mais de duas dcadas, a sade no era considerada um direito social. O modelo de sade atendia ao servio privado, privilegiando quem podia pagar pelos servios de sade e os trabalhadores formais, que por serem segurados pela Previdncia tinham direito sade pblica. Denominou-se Movimento da Reforma Sanitria toda a trajetria percorrida por um movimento social advinda de um conjunto de atores mobilizados em busca da mudana de um modelo at ento, excludente. Aproveitou-se o perodo de abertura poltica para fortalecer os princpios democrticos e construir um modelo de ateno sade mais amplo e sustentvel. As reivindicaes que nortearam o movimento foram apresentadas, fundamentalmente, por meio dos Secretrios Municipais de Sade e catalisadas na 8 Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986 (BRASIL, 2000, p.5). Assim, o Sistema nico de Sade (SUS) foi criado, em 1988 pela Constituio Federal Brasileira, para oferecer atendimento igualitrio e cuidar e promover a sade de toda a populao. Constitudo por um projeto social nico materializado por meio de aes de promoo, preveno e assistncia sade dos brasileiros. A emenda Constitucional n29, aprovada em 2000, modificou o Art. 198 da Constituio Brasileira assegurando que as aes e servios pblicos de sade integrassem uma rede regionalizada e hierarquizada e constitussem um sistema nico, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; III - participao da comunidade (BRASIL, 2000a). 21. 21 Vale ressaltar, portanto, alm das diretrizes, alguns princpios que fundamentam o SUS: o princpio da universalidade indica que a sade direito de todos e dever do Poder Pblico que deve prover servios e aes que atendam necessidade do cidado, priorizando as aes de preveno e reduo no tratamento de agravos; o princpio da integralidade enfatiza a ateno sade considerando as necessidades individuais ou coletivas nos mais diferenciados nveis de complexidade e o princpio da equidade que considerando os princpios anteriores prope um dos maiores desafios que minimizar as iniquidades sociais, disparidades que motivam as aes e os servios voltados principalmente a Ateno Bsica Sade. Os princpios fundamentais da ateno bsica no Brasil so: integralidade, qualidade, eqidade e participao social. Mediante a delimitao de clientela, as equipes do Programa Sade da Famlia (PSF)1 estabelecem vnculo com a populao, possibilitando o compromisso e a co- responsabilidade dos profissionais de sade com os usurios e a comunidade (BRASIL, 2006b). Em pouco mais de 20 anos de existncia, o Sistema nico de Sade (SUS) ampliou o acesso assistncia sade para grande parte da populao brasileira, antes excluda, ou dependente da ao de instituies assistenciais e filantrpicas. Em 2009, foram realizados 721 milhes de atendimentos ambulatoriais e 11 milhes de procedimentos de mdia e alta complexidade e internaes em mais de 8 mil unidades de sade, segundo o Relatrio de Gesto 2009 do Ministrio da Sade (BRASIL, 2010). Esta relao, que prevalece na medicina moderna, aparece em menor escala em outros sistemas mdicos como o de medicina tradicional e complementar. Alm disso, pode-se observar a importncia dada aos aspectos sociais e espirituais fortalecidos por estes sistemas. 1 Programa de Sade da Famlia PSF, implantado em 1994, caracteriza-se como uma estratgia de reorientao do modelo assistencial com a atuao de equipes multiprofissionais nos municpio e nfase nas aes de preveno de doenas e promoo da sade. 22. 22 Para Pelicioni (2005, p.413) o modelo biomdico adotado durante os ltimos anos no trouxe para a sade pblica tantos avanos quanto se esperava. Uma nova maneira de abordar a Sade Pblica de modo que a viso de promoo da sade seja mais ampla e abrangente precisa levar em conta as condies de sade, a qualidade de vida, a capacitao para autonomia e maior participao dos usurios no processo sade/doena tendo em todo o seu contexto como indicadores de sade, os determinantes obtidos tambm por meio da educao popular. No contexto global, observa-se a crise dos paradigmas da Medicina moderna com a prevalncia da viso biolgica, surgida no final do sc. XIX pautada nos micoorganismos e no meio como determinantes exclusivos das doenas (ROSEN, 1994). Com abordagem reducionista, cartesiana que v a sade como um funcionamento mecnico, traz em sua base uma concepo estreita de doena representada por uma sria lacuna da medicina moderna que se torna cada vez mais evidente. A populao tem se mostrado insatisfeita com o atual sistema de ateno sade, que gera custos exorbitantes e na qual grande parte dos mdicos preocupa-se em tratar as doenas sem demonstrar interesse pelo paciente (CAPRA, 2006). Apoiada na viso biolgica, tal medicina fortaleceu um sistema que excluiu os saberes tradicionais. Trata-se de uma prtica mdica voltada mais para o individuo do que para a comunidade; subestima a promoo da sade, tecnicista e se desenvolveu rumo especializao ao invs de olhar o ser humano como um ser integral. A prtica mdica, baseada em to limitada abordagem, no muito eficaz na promoo e manuteno da boa sade (CAPRA, 2006, p.133). Traz uma lgica hospitalocntrica, com foco nos procedimentos, na interveno e no medicamento, o que acabou por fortalecer as indstrias farmacuticas e a tecnologia mdica. 23. 23 Capra (2006) afirma que o desenvolvimento da tecnologia mdica alcanou um grau de sofisticao sem precedentes, tornando-se onipresente assistncia mdica e gerando uma dependncia da medicina em relao alta tecnologia. O autor apresenta a idia de Toynbee (1972) ao concluir que muitos problemas advindos dessa relao no so apenas de natureza mdica ou tcnica, mas envolvem questes sociais, econmicas e morais muito mais amplas. Muito se tem dito e escrito sobre a crise da medicina, desde a dcada de 1970, atribuindo-lhe origens ora predominantemente econmico- financeiras ou polticas, ora corporativas ou ticas (LUZ, 1996, p. 275). A partir da segunda metade do sculo XX, surgiu o movimento denominado contracultura2 que exerceu forte presso sobre o campo da sade, projetando tcnicas e racionalidades do paradigma no biomdico e promovendo uma revoluo cientfica (BARROS, 2008, p.24), com a importao de modelos e sistemas teraputicos distintos e opostos ao modelo biomdico que pode atender melhor situaes de emergncia, mas tem deixado muito a desejar para a sade pblica. Esse momento histrico atingiu o Brasil e outros pases da Amrica Latina, mais fortemente durante a dcada de 1980. A inacessibilidade de servios, ausncia de simpatia e solicitude, impercia ou negligncia, so consideradas por Capra (2006) razes para o descontentamento generalizado com as instituies mdicas, sendo o tema central de todas as crticas, a desproporo entre o custo e a eficcia da medicina moderna. Para Luz (2007) o evento marcou o boom das medicinas tradicionais, denominadas terapias ou medicinas alternativas na sociedade ocidental, o que ajudou a favorecer o uso de outros recursos teraputicos eficazes em muitas das instncias de tratamento. Essa transio pde privilegiar dcadas depois o uso desses recursos conhecidos popularmente como alternativos ou naturais, denominados pela Poltica Nacional de Prticas Integrativas e 2 Movimento social urbano, desencadeado nos anos 1960 e prolongado durante os anos 1970 nos E.U.A e no continente europeu (LUZ, 2007). 24. 24 Complementares (PNPIC) de 2006, como Prticas Integrativas e Complementares (PIC) conforme descrito adiante. Mesmo com a insero de prticas teraputicas no convencionais no Sistema nico de Sade (SUS), desde 2006 muitos usurios permanecem insatisfeitos com o modelo, predominantemente biomdico, que vm sendo praticado na ateno sade da populao. Pesquisa divulgada pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento3 (PNUD) apresentou em 2010, o novo ndice de valores humanos (IVH)4 revelando que em termos de sade, o Brasil teve um desempenho mais baixo do que nas reas de trabalho e de educao. O resultado de 0,45 numa escala de 0 a 1 (quanto mais prximo de 1, maior) foi obtido a partir de entrevistas realizadas com 2.002 pessoas em 148 municpios e 24 Estados. Tal avaliao considerou principalmente o tempo de espera para atendimento mdico ou hospitalar, a facilidade ou no de compreenso da linguagem usada pelos profissionais de sade e o interesse da equipe mdica percebido pelo paciente. Outra pesquisa, mais recente, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) divulgada em fevereiro de 2011, trouxe a opinio dos usurios de todas as regies do pas atravs do Sistema de Indicadores de Percepo Social do Pas (SIPS)5 . Esse Sistema tem por finalidade principal levantar dados sobre a percepo da populao no que diz respeito justia, cultura, segurana pblica, servios para mulheres e cuidados das crianas, bancos, mobilidade urbana, sade, educao e qualificao para o trabalho e por meio das pesquisas, criar um quadro de dados que possa servir de arcabouo pragmtico que ajude a otimizar a eficcia e a eficincia dos investimentos pblicos diante dos servios direcionados a estes fins. 3 Disponvel em http://www.pnud.org.br/cidadania/reportagens/index.php?id01=3537&lay=cid. Acesso em: 21 ago.2010. 4 O IVH faz parte do Caderno 3 do Relatrio de Desenvolvimento Humano do Brasil 2009/2010. 5 Disponvel em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/110207_sipssaude.pdf. Acesso em: 02 mar.2011. 25. 25 Pretende tornar-se um indicador essencial para que o setor pblico possa estruturar da melhor maneira suas aes. Trata-se de uma forma da sociedade civil entender o que de fato se configura como interesse comum e quais os fatores mais requisitados ao Estado visando a formulao de polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiro (IPEA, 2011). Em relao sade, o IPEA realizou uma pesquisa com 2.773 pessoas de todas as regies do Brasil. Teve por objetivo principal avaliar a percepo da populao sobre servios prestados pelo Sistema nico de Sade (SUS), contemplando os seguintes temas: a) percepo sobre cinco tipos de servios prestados pelo SUS: 1- atendimento em centros e/ou postos de sade, 2- atendimento por membro da Equipe de Sade da Famlia (ESF), 3- atendimento por mdico especialista, 4- atendimento de urgncia e emergncia e 5- distribuio gratuita de medicamentos; b) avaliao geral sobre o SUS; c) avaliao dos servios oferecidos por planos e seguros de sade. O resultado da investigao indica que o atendimento em centros e/ou postos de sade e o atendimento de urgncia ou emergncia foram os servios com as maiores propores de qualificaes negativas consideradas ruim ou muito ruim, notoriamente para as regies sudeste e norte do pas. O melhor resultado, na percepo dos entrevistados refere-se aos atendimentos que foram realizados por membros da Equipe de Sade da Famlia (ESF) advindo do Programa Sade da Famlia (PSF). Nesse aspecto 80,7% dos entrevistados opinaram que o atendimento prestado muito bom ou bom. Apenas 5,7% dos entrevistados opinaram que esse atendimento ruim ou muito ruim. A distribuio gratuita de medicamentos no SUS foi qualificada como muito boa ou boa por 69,6% dos entrevistados e como ruim ou muito ruim por 11% destes. O atendimento por mdico especialista no SUS foi o 26. 26 terceiro servio com maior proporo de opinies positivas: 60,6% dos entrevistados que utilizaram (ou acompanharam algum que utilizou) opinaram que esse servio muito bom ou bom, enquanto 18,8% o consideraram ruim ou muito ruim. Embora os resultados demonstrem a satisfao dos usurios de forma geral, a pesquisa indica tambm que melhorias no atendimento, feito por mdicos especialistas, nos Centros e/ou Postos de Sade e no servio de urgncia e emergncia, seriam alcanados com o aumento na quantidade de mdicos disponveis no servio pblico de sade, segundo a opinio dos entrevistados. Essas pesquisas podem justificar o questionamento que tem sido feito por parte dos usurios sobre atendimento versus demanda ocorrido nos servios pblicos de sade, j que o modelo aplicado na rede pblica tem valorizado mais o resultado estatstico referente quantidade de atendimentos realizados pelo SUS do que a qualidade aplicada aos mesmos. Nesta direo, pode-se considerar o tempo gasto no atendimento como um dos aspectos que prejudicam a relao mdico-paciente. Percebe- se uma diferena grande quando o servio de sade pblico e quando privado, sendo que neste ltimo, o tempo dedicado consulta, normalmente, tem sido superior ao que ocorre no servio pblico conforme concluiu a pesquisa do PNUD mencionada anteriormente. Alguns autores tais como Boltanski (2004) e Foucault (2004) tm referido que, muitas vezes, a relao entre o paciente e o mdico uma relao de poder que se diferencia de acordo com a classe social do paciente, acabando por favorecer as classes superiores ou dificultar o acesso aos servios e qualidade do atendimento sade das classes populares. Para o primeiro autor, a relao doente-mdico uma relao de classe em que o mdico adota um comportamento diferente conforme a classe social do doente (BOLTANSKI, 2004, p.34). 27. 27 No se pode ignorar que tal comportamento s possvel porque realmente existe uma relao de poder sobre o paciente. Para Foucault (2004), uma relao de poder no existe sem que se constitua um campo de saber, pois todo saber compe novas relaes de poder e essas relaes so como teias que se alastram por toda a sociedade, o poder est sempre presente e se exerce com uma multiplicidade de relaes de fora. Hoggart (1958) citado por Boltanski (2004) definiu os detentores do saber mdico como representantes de um universo estranho classificando- os como os outros ao falar da diviso social e ns como os leigos deste saber. Os outros, ao possuirem conhecimento, bens materiais e direitos recebem poderes externos e permisso de manipulao, ou no mnimo, vontade de manipular. Essa relao unilateral d mais voz ao mdico do que aos leigos dificultando a comunicao entre ambos. Problemas de comunicao e de confiana entre pacientes e mdicos so considerados por Tesser e Luz (2002) como dilemas e tenses da prtica clnica biomdica, um conjunto de situaes cotidianas denominado crise de harmonia clnica: falta de entendimento mtuo, processos diagnsticos incertos, por vezes, anmicos e iatrognicos, dilemas, limites ou ausncia de teraputica (...) seus riscos, seus custos, suas iatrogenias e suas restries de abrangncia sobre o processo sade/doena do paciente. No dia-a-dia da clnica biomdica muito comum que doentes sejam dispensados ou reencaminhados a outra especialidade por falta de diagnstico (p.364). Todavia, outros problemas tm distanciado cada vez mais a populao usuria dos equipamentos pblicos e privados de atendimento sade como, por exemplo, os altos custos dos servios. O custo da ateno sade faz com que o servio mdico seja praticamente inacessvel, e no apenas populao, mas ao prprio mdico, hoje, muitas vezes convertido em vendedor de procedimentos, 28. 28 medicamentos e refm de altas tecnologias. Para Aciole (2007) essa venda se d por meio das vrias modalidades de prestao de servios como as seguradoras, as cooperativas, as empresas de autogesto, as medicinas de grupo e tambm pelo Estado. O fortalecimento desse mercado monopoliza os equipamentos utilizados na produo dos procedimentos de alto custo concentrando o domnio e a posse de tais equipamentos pelo setor privado representado por um nmero restrito de produtores. Com isso, o acesso e o consumo desse tipo de procedimento so vendidos aos clientes privados por meio dos planos de sade, ou disponibilizado ao seu cliente individual e talvez, mais importante: o Sistema nico de Sade brasileiro (SUS). O SUS, que busca universalizar os servios pblicos de sade, um dos maiores clientes de servios e procedimentos tcnico-profissionais dos prestadores de servios de sade especializados, transformando o Estado num grande financiador do setor de sade privado (ACIOLE, 2006). No apenas a venda de procedimentos e tecnologia, muitas vezes, realizada pelos mdicos deve aparecer como elemento responsvel pelos altos custos geridos pelo setor sade, mas a medicalizao excessiva tambm tem sido um produto incutido nesse mercado. O Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo (Cremesp) avaliou o comportamento mdico perante as indstrias de remdios, rteses, prteses e equipamentos mdico-hospitalares. Dados levantados em 2010 pelo Datafolha envolveram cerca de 600 mdicos de vrias especialidades. A pesquisa revelou que pouco menos de 100% (93%) dos mdicos afirmaram ter recebido, em um ano, produtos, benefcios ou pagamento da indstria em valores de at R$500,006 (quinhentos reais), incluindo amostras grtis de medicamentos, almoos e jantares e ingressos para eventos. Os 7% restantes declararam ter ganho 6 O salrio mnimo nacional vigente nesse perodo era de R$510,00 (quinhentos e dez reais). 29. 29 presentes de maior valor, dentre cursos viagens para congressos internacionais. Para o Cremesp, um tero dos mdicos do Estado de SP mantm uma relao contaminada com a indstria farmacutica e de equipamentos, que ultrapassa os limites ticos. Um fato que contribui para que essa conduta tomasse maiores propores, segundo o presidente do Conselho, a propaganda de laboratrio, considerada por boa parte dos mdicos, como a nica forma de atualizao e com ela, presentes e brindes contriburam para que a relao se tornasse mais promscua aumentando ainda mais com o monitoramento das receitas, momento em que muitas farmcias e drogarias auxiliaram a indstria de remdios a vigiar as receitas prescritas. Essa prtica no considerada ilegal, porm antitica (COLLUCCI, 2010). Desde 2010, est em vigor no Cdigo de tica Mdica, um artigo, uma resoluo da ANVISA e um cdigo de condutas da Associao das Indstrias visando evitar o conflito de interesses na relao entre mdicos e laboratrios. Conforme os Arts. 68 e 69 vedado ao mdico exercer a profisso com interao ou dependncia de (...) qualquer organizao destinada fabricao, manipulao, promoo ou comercializao de produtos de prescrio mdica, bem como exercer simultaneamente a medicina e a farmcia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercializao de medicamentos, cuja compra decorra de influncia direta em virtude de sua atividade profissional (CFM, 2009). Para Brulio Luna Filho, coordenador da pesquisa do Cremesp, essa relao de troca comea na graduao e depois de formado, o mdico continua achando isso natural. O processo de seduo da indstria de medicamentos e de equipamentos se inicia nas escolas mdicas. A pesquisa tambm apresentou a confirmao de que 74% dos mdicos entrevistados presenciaram ou receberam benefcios durante os seis anos de curso e 58% receberam ou foram visitados pelos representantes da indstria farmacutica 30. 30 no hospital-escola, sendo que 13% obtiveram financiamento para participar de evento cientfico, cultural ou esportivo. As principais escolas dos Estados Unidos, como Harvard, Stanford e Michigan no permitem que representantes da indstria circulem pelos hospitais-escola a fim de combater o conflito de interesses. No Brasil, segundo Marcos Boulos, diretor da Faculdade de Medicina da USP, alguns setores do Hospital das Clnicas, como o de infectologia, por exemplo restringem o acesso dos representantes da indstria, mesmo que outros ainda dependam de amostras grtis (COLLUCCI, 2010). Mesmo a par dessa situao onde o conflito de interesses reconhecido, o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que no h qualquer restrio legal que impea mdicos ligados a indstria participarem de consensos e que preciso rever essa situao. O atual presidente do CFM, Roberto Luiz d'vila, afirma que difcil adotar diretrizes elaboradas por mdicos brasileiros comprometidos com a indstria de medicamentos. Para ele, perde-se a credibilidade quando as orientaes que padronizam a conduta para determinada doena so feitas por entidades profissionais, esses documentos definem, por exemplo, qual a taxa de colesterol ou o nvel de presso arterial aceitveis e quais as classes de remdios que devem ser usadas no tratamento dos pacientes. Outra pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2011, revelou entre outras diretrizes, que dos 111 profissionais responsveis pelo documento sobre hipertenso, mais da metade (56,7%) declarou ter recebido, nos ltimos trs anos, algum tipo de ajuda patrocinada por laboratrio, alm de dois deles, serem acionistas na indstria. Nos EUA, h um movimento mdico crescente que considera inaceitvel esse tipo de conflito. Consideram que, ao terem ligao com a indstria, os mdicos podem favorec-la prescrevendo mais remdios, minimizando os riscos das drogas ou distorcendo dados sobre a eficcia das mesmas. 31. 31 Dcadas atrs, as escolas mdicas no tinham relaes financeiras extensas com a indstria, e os que faziam pesquisa com patrocnio da indstria no tinham laos com patrocinadores. Mas as escolas agora tm acordos mltiplos com a indstria e esto em difcil posio moral para impedir que seu corpo docente se comporte da mesma forma (ANGELL, 2009, p.31). Esse tipo de problema, que vm ocorrendo desde a formao do mdico, no isolado. Outros aspectos esto alm de qualquer relao do estudante com as indstrias de medicamentos, como a baixa qualidade na formao mdica que, inclusive, tem sido questionada pela Sociedade Brasileira de Clnica Mdica SBCM (LOPES, 2010). Lopes7 relatou o caos instaurado h dcadas nos cursos de formao mdica onde muitos no tm currculo adequado e apresentam um corpo docente de capacitao duvidosa. comum, por exemplo, ver Faculdades sem hospital-escola, sendo que impossvel aprender medicina sem contato com pacientes. Outra questo que aparece em uma formao deficiente a restrio discusso filosfica ou existencial relacionada a qualquer enfermidade, posio caracterstica da medicina moderna, que geralmente no discute atitudes e estilos de vida saudvel, tampouco, indagam O que sade?, so consideradas questes filosficas que pertencem ao domnio espiritual, fora da esfera da medicina, que se pressupe ser uma cincia objetiva e que no deve se preocupar com juzos morais (CAPRA, 2006, p.137) Para Almeida-Filho (2011) apesar de conservadoras e elitistas, as universidades no so a principal fonte do problema, porque o sistema educacional da sade acaba por refletir o modelo de prestao de servios de sade prevalecente no Brasil e regido por foras de mercado. Baseado na tecnologia mdica, ao invs de fundamentado na solidariedade e em relaes sociais mais humanas, nesse aspecto o estabelecimento acadmico, liderado por faculdades tradicionais, contra o rearranjo da base 7 Disponvel em: http://www.escolasmedicas.com.br. Acesso em 15 fev.2011. 32. 32 ideolgica do ensino superior e, portanto, tende a recusar modelos de cursos inovadores (p.7). Para o mesmo autor, prossionais qualicados, orientados para evidncia, capacitados e comprometidos com a igualdade na sade, o que considera ser a fora de trabalho ideal para atendimento no SUS no correspondem ao perl dos prossionais que tm operado na rede pblica de sade apesar da determinao do SUS em provocar uma forte presso poltica em favor da substituio do padro reducionista, centrado no hospital e orientado para a doena e a especializao vigente na educao prossional, por outro modelo que seja mais humanista, voltado para a sade, com foco nos cuidados de ateno primria e socialmente comprometidos. Nesse contexto, o Ministrio da Educao - MEC, pressionado pelos movimentos sociais, assumiu a liderana at ento de responsabilidade das universidades, propondo iniciativas como REUNI8 e o Pr-Sade9 . Assim, relaciona essa disparidade como decorrente da autosseleo, pois o setor privado, na formao de seus profissionais promove uma ideologia individualista na qual se considera o servio pblico apenas como um emprego mal remunerado, que oferece estabilidade, porm em uma posio secundria, de complementao de renda em relao iniciativa privada ou aos empregos em empresas de sade com ns lucrativos, supostamente mais graticantes. Almeida-Filho (2011) comenta que: pode-se encontrar uma compreenso mais aprofundada do problema na dissonncia entre a misso do SUS e o sistema de ensino superior. Assim, a questo-chave para a sade no Brasil poderia ser a deformao do ensino humanstico, prossional e acadmico do profissional de sade (p. 6). 8 Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais para ampliao do acesso e permanncia na educao superior. Institudo pelo Decreto n 6.096, de 24 de abril de 2007. Disponvel em http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=28 Acesso em: 31 mai.2011. 9 Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade baseado no SUS que tem por objetivo reformar o ensino superior para a fora de trabalho da sade. Institudo em 2005. Disponvel em http://www.prosaude.org/. Acesso em: 31 mai.2011. 33. 33 Kaseker (2009) publicou uma entrevista com representantes da Associao Paulista de Medicina (APS), do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo (Cremesp), do Ministrio da Educao (MEC), da Associao Brasileira de Educao Mdica (Abem) entre outras e tornou pblica suas crticas em relao formao e qualificao mdica em entrevista Revista da APM Associao Paulista de Medicina, realizada em 2009. Apesar de no haver estatstica que correlacione deficincias do ensino mdico com o aumento de processos contra os profissionais da medicina, ressalta-se o aumento no nmero de queixas contra jovens mdicos. Para o vice-presidente atual da APM, Florisval Meino, a abertura indiscriminada de escolas mdicas e a formao inadequada de centenas de profissionais certamente o que leva maior ocorrncia de falhas tcnicas. Escolas abertas sem critrio prejudicam o prprio estudante no sentido tcnico-cientfico, e tambm no sentido tico, expressa, Jos Maia Vinagre, vice-corregedor do CFM. De acordo com ele, vrios alunos recebem o diploma sem conhecer o Cdigo de tica Mdica, alm disso, no tm sido preparados para terem uma boa relao com o paciente, o que os faz exercer mal a medicina. Sem contar a pouca nfase dada na promoo da sade, educao em sade, ateno primria, entre outros aspectos de suma relevncia para uma formao mais adequada dos profissionais da sade, especialmente os mdicos. O mdico mal formado, tambm aumenta o custo para o Sistema de Sade. Segundo o Secretrio Geral da APM desde 2005, tambm coordenador das Delegacias da Capital, no Cremesp, Ruy Tanigawa, o que poderia ter o custo reduzido acaba resultando na realizao de mais exames, na repetio de procedimentos e outras aes desnecessrias. 34. 34 A problemtica instaurada na formao e na qualificao dos profissionais mdicos, no entanto, vai mais alm. Existe um dficit na oportunidade de residncia mdica no pas devido ao grande nmero de vagas nos cursos de graduao, alm da concorrncia em determinadas especialidades e regies, cenrio que evidencia a falta de especialistas no Brasil, afirma o ex-presidente da Associao Brasileira de Educao Mdica (Abem) e professor titular de Clnica Mdica da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, Milton Arruda. A Residncia Mdica, instituda desde 1977, considerada por ele, o melhor instrumento para a especializao e o crescente nmero de mdicos recm-formados que no tiveram acesso a ela e buscarem outras formas de continuar seu treinamento, como estgios que no passam por processos de autorizao, credenciamento e avaliao, podem contribuir para aumentar essa problemtica. De acordo com o Cremesp, 61% dos mdicos em atividade no Estado de So Paulo no cursaram Residncia Mdica considerando o nmero de mdicos paulistas formados entre 1996 e 2005, o que pode ter aumentado. Frente a esse quadro, uma Comisso Especial do Ministrio da Educao, presidida por Adib Jatene, exigiu medidas para garantir a qualidade do ensino-aprendizagem em escolas mdicas com baixo conceito, de acordo com o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Alm de suspender o vestibular, diminuir as vagas e outras sanes, a principal ao, para Jatene, foi modificar os pr-requisitos para a candidatura de Instituies abertura do curso de medicina. Uma das exigncias haver um complexo mdico-hospitalar em funcionamento h pelo menos dois anos e com nmero de leitos quatro vezes superior quantidade de vagas da escola. No caso de convnio com hospital no-universitrio, a responsabilidade pelos atendimentos caber aos professores. preciso ter claro, que parte desses problemas detectados atinge tambm profissionais de sade de outras reas e no somente a rea mdica. Almeida-Filho (2011) chama a ateno para a necessidade de se 35. 35 reconhecer os graves problemas que envolvem a igualdade de oportunidades, qualidade e ecincia dos profissionais de sade. Para este autor, a falta de investimentos, as condutas de corrupo e a m gesto decorrente da burocracia governamental elencam essa problemtica, tendo como o principal determinante da baixa qualidade dos cuidados prestados pela rede SUS, de forma qualitativa, a limitao de recursos humanos. Carvalho e Ceccim (2007) alertam para as polticas pblicas educacionais, onde a graduao na rea da sade, no tem tido uma orientao que integra ensino e trabalho, mas voltada para uma formao terico-conceitual, cuja metodologia potencialize competncias de integralidade, onde se inclui o enfrentamento das necessidades de sade da populao e do desenvolvimento do prprio Sistema de Sade, ao invs do formato centrado em contedos e pedagogia da transmisso (...) de desvinculao entre ensino, pesquisa e extenso. A educao mdica, assim dizem eles [os mdicos ou grande parte deles], deve estar dissociada, por definio, das preocupaes sociais, uma vez que estas so causadas por foras sobre as quais os mdicos no tm controle (CAPRA, 2006, p.133) No h dicotomia ao mencionar todos esses problemas como sendo de ordem pblica ou privada, pois os profissionais que tm sido formados sob a gide de escolas inadequadas encaminham-se tanto ao servio pblico de sade quanto ao servio privado conforme pode-se verificar pelos inmeros problemas noticiados cotidianamente pela mdia. Tais inquietaes tm levado valorizao e sistematizao de outras prticas mdicas. 36. 36 1.3 PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES Para Luz (1996) formas simplificadas e no invasivas, consumo de medicamentos oriundos de produtos naturais e uma proposta ativa de promoo da sade fazem parte de sistemas teraputicos e prticas de medicao e cuidado, desde a segunda metade da dcada de 1970. Neste perodo, alm do sucesso da Homeopatia abrir cada vez mais espao a uma perspectiva naturista, o Movimento Contracultura j mencionado anteriormente e uma posio anti-tecnolgica referente sade defendiam as teraputicas provenientes da natureza sem que isso significasse apenas uma rejeio da medicina especializada e tecnificada, anti-natural, invasiva e iatrognica, mas reafirmava a presena de uma fora curativa advinda do meio natural. As medicinas tradicional e complementar, alm de promoverem a reduo dos custos, tm se mostrado eficazes e investido na promoo da sade e na educao em sade, contribuindo para evitar que a doena se instale e que suas conseqncias sejam muito graves. Para Azevedo (2006, p.24): O resgate e a busca dessas formas tradicionais de cura aparece como impulso cada vez mais forte que questiona a abordagem biolgica dominante na medicina (moderna) e a sua capacidade de curar, prevenir doenas e promover sade. A Organizao Mundial de Sade (OMS) denominou esse conjunto de prticas e saberes, como Medicinas Complementares e Alternativas / Medicinas Tradicionais (MAC/MT) em um momento em que no existia a terminologia de Praticas Integrativas e Complementares definida mais tarde, em 2006, na Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Tais prticas visam estimular o uso de mtodos naturais de preveno e recuperao, com nfase no desenvolvimento do vnculo teraputico, 37. 37 integrao do ser humano com a natureza, viso ampliada do processo sade-doena e a promoo do cuidado (BRASIL, 2006a). No incio da dcada de 1960, a Organizao Mundial da Sade (OMS) pronunciou-se pela primeira vez sobre a Medicina Tradicional e Complementar usando a terminologia da Medicina Alternativa. Ao final da dcada seguinte, em 1978, a OMS recomendou aos seus estados-membros o uso integrado destas prticas pelos seus sistemas de sade, todavia em conjunto com as tcnicas da medicina moderna. Em 2002, houve um avano no discurso da Organizao quando foi lanada a Estratgia sobre a Medicina Tradicional para 2002-2005 por meio de um documento vasto e de pretenso estrategicamente global dirigido s naes membros da ONU, tratando das teraputicas de sade ditas no convencionais. O termo Medicina Complementar Alternativa (MCA) foi definido como um conjunto de prticas sanitrias que no fazem parte da tradio do pas, ou no esto integradas em seu sistema sanitrio prevalecente (OPAS, 2002, p.18). A MCA difere do conceito de Medicina Tradicional (MT), que foi definido pela OMS (2002) como sendo prticas, enfoques, conhecimentos ou crenas sanitrias diversas que incorporam fitoterapia, tcnicas manuais, tcnicas espirituais e exerccios, de forma individual ou em combinao, para manter o bem-estar, alm de tratar, diagnosticar e prevenir as enfermidades (p.1). Segundo dados da OMS, cerca de 80% dos pases do Hemisfrio Sul se utilizam de alguma forma de Medicina Tradicional e Complementar como parte dos cuidados bsicos de sade (AZEVEDO, 2006). Tambm, em 1986, na 8. Conferncia Nacional de Sade referiu-se a importncia da Medicina Complementar Alternativa (MCA) e Medicina Tradicional (MT) para alcanar um sistema de sade mais universal e preventivo. 38. 38 Uma dcada depois, na realizao da 10 Conferncia Nacional de Sade (1996) novamente essa importncia foi reforada, mas desta vez com carter um pouco mais poltico e cientfico que deixou claro, em seu relatrio final, a responsabilidade dos gestores da rede pblica de sade, no somente em estimular ou apoiar as prticas populares alternativas, mas ampliar e avaliar sua efetividade por meio de pesquisas tendo o apoio das agncias de fomento pesquisa e realizadas em parceria com Universidades Pblicas conforme itens 80 e 80.2 do documento: 80 - Os Gestores do SUS devem estimular, apoiar e promover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas de interesse social na rea da sade, divulgando-os amplamente aos Usurios, com a finalidade de favorecer o pleno desenvolvimento do SUS (...) 80.2- pesquisas que analisem a efetividade das prticas populares alternativas em Sade (fitoterapia, alimentao alternativa, etc.), com o apoio das agncias oficiais de fomento pesquisa e realizadas em parceria com Universidades Pblicas (CNS, 1996, p.28-29). Diante da necessidade de se integrar a medicina moderna s prticas de sade no convencionais e garantir a integralidade na ateno sade o Ministrio da Sade aprovou em 2006, a Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares PNPIC. Esta poltica veio atender, sobretudo, a necessidade de se conhecer, apoiar, incorporar e implementar experincias que j vinham sendo desenvolvidas na rede pblica de muitos municpios e estados respondendo ao mesmo tempo ao desejo de parte da populao, manifesto nas recomendaes de Conferncias Nacionais de Sade, desde 1988. Os objetivos da Poltica foram construdos de forma a priorizar: (i) a preveno de agravos e a promoo e recuperao da sade, com nfase na ateno bsica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em sade; (ii) a contribuio ao aumento da resolubilidade e a 39. 39 ampliao do acesso, garantindo qualidade, eficcia, eficincia e segurana no uso; (iii) a promoo e racionalizao das aes de sade; (iv) o estmulo das aes de controle/participao social, promovendo o envolvimento responsvel e continuado dos usurios, gestores e trabalhadores da sade. Foram nomeadas 11 diretrizes a fim de definir estratgias de insero, gesto e avaliao das prticas complementares no SUS: 1. estruturao e fortalecimento da ateno; 2. desenvolvimento de qualificao para profissionais; 3. divulgao e informao de evidncias para profissionais, gestores e usurios; 4. estmulo s aes intersetoriais; 5. fortalecimento da participao social; 6. acesso a medicamentos; 7. acesso a insumos; 8. incentivo pesquisa sobre eficincia, eficcia, efetividade e segurana; 9. desenvolvimento de acompanhamento e avaliao; 10. cooperao nacional e internacional; 11. monitoramento da qualidade (BARROS, SIEGEL & SIMONI, 2007). Essas diretrizes so essenciais para a implantao da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC), esto dentro da perspectiva holstica e contemplam trs aspectos relevantes para este trabalho. A primeira diretriz da PNPIC que considera a estruturao e o fortalecimento da ateno em Prticas Integrativas e Complementares (PIC) no SUS, mediante sua insero em todos os nveis de ateno, enfatiza na Ateno Bsica o desenvolvimento multidisciplinar, a implementao de aes e o fortalecimento do que existe, o estabelecimento de mecanismos de financiamento, a elaborao de normas tcnicas e operacionais e a articulao com a Poltica Nacional de Ateno Sade dos Povos Indgenas e demais polticas do Ministrio da Sade (BRASIL, 2006a). A segunda diretriz, to importante quanto a primeira, refere-se ao desenvolvimento de estratgias de qualificao em Prticas Integrativas e Complementares para profissionais do SUS e em conformidade com os 40. 40 princpios e diretrizes estabelecidos para a Educao Permanente (BRASIL, 2006a). A terceira diretriz orienta as aes de divulgao e informao dos conhecimentos das PIC para os profissionais de sade, gestores e usurios do SUS, considerando as metodologias participativas e o saber popular e tradicional (BRASIL, 2006a). Mesmo assim, aps meia dcada no se tem percebido grandes avanos, principalmente em relao s trs primeiras que possibilitam indiretamente as aes com as demais diretrizes. Pretendeu-se com a criao da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC) assegurar o acesso aos usurios do SUS s medicinas tradicionais e complementares entre as quais, destacam- se aquelas do mbito da Medicina Tradicional Chinesa: a Acupuntura, a Homeopatia, a Fitoterapia, a Medicina Antroposfica e o Termalismo- Crenoterapia (BRASIL, 2006a). Na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) dois plos extremos, Yin e Yang10 , so a base para o modelo mdico que considera o processo sade/doena um processo de fluxo contnuo de movimento e transformao (ROSS, 1994). O Yin e o Yang sustentam o ritmo fundamental do Universo. um processo csmico, intrinsecamente dinmico (CAPRA, 2006). A Acupuntura uma tecnologia de interveno em sade que aborda de modo integral e dinmico o processo sade-doena no ser humano, podendo ser usada isolada ou de forma integrada com outros recursos teraputicos. Originria da medicina tradicional chinesa MTC, a acupuntura compreende um conjunto de procedimentos que permitem o estmulo preciso de locais anatmicos definidos por meio da insero de agulhas filiformes metlicas para promoo, manuteno e recuperao da sade, bem como para preveno de agravos e doenas (BRASIL, 2006a). 10 Estrutura que defina a idia de padres cclicos, dois plos que fixam os limites para os ciclos de mudana (CAPRA, 2009, p.33). 41. 41 A Homeopatia um sistema mdico complexo de carter holstico, que atua sob o princpio vitalista usando a lei dos semelhantes enunciada por Hipcrates no sculo IV a.C. Foi desenvolvida por Samuel Hahnemann no sculo XVIII, aps estudos e reflexes realizados por meia da observao clnica e experimentos. Os princpios filosficos e doutrinrios da homeopatia foram sistematizados por Hahnemann e constam nas obras Organon da Arte de Curar e Doenas Crnicas. A partir da, essa racionalidade mdica experimentou grande expanso por vrias regies do mundo, estando hoje firmemente implantada em diversos pases da Europa, das Amricas e da sia. No Brasil, a homeopatia foi introduzida por Benoit Mure em 1840, tornando-se uma nova opo de tratamento (BRASIL, 2006a). As Plantas Medicinais, a Fitoterapia e seus derivados vm, h muito, sendo utilizados pela populao nos seus cuidados com a sade, principalmente como recurso teraputico na Medicina Tradicional Indgena, Quilombola e por demais povos e comunidades tradicionais; na prtica popular (fitoterapia popular), de transmisso oral entre geraes ou nos servios pblicos de sade, como prtica complementar de cunho cientfico, orientada pelos princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS) (BRASIL, 2006a). A Medicina Antroposfica apresenta-se como uma abordagem mdico-teraputica complementar, de base vitalista, cujo modelo de ateno est organizado de maneira transdisciplinar, buscando a integralidade do cuidado em sade. Entre os recursos que acompanham a abordagem mdica destaca-se o uso de medicamentos baseados na homeopatia, na fitoterapia e outros especficos da medicina antroposfica. Integrado ao trabalho mdico, est prevista a atuao de outros profissionais da rea da sade, de acordo com as especificidades de cada categoria (BRASIL, 2006a) Embora, a Medicina Tradicional Indiana no tenha sido contemplada pela Poltica (PNPIC) considera-se importante mencion-la como mais um modelo tradicional de sade. 42. 42 Carneiro (2009) define o termo Ayurveda como um completo sistema indiano de racionalidade mdica podendo ser traduzido basicamente como cincia da vida, cincia da longevidade, conhecimento da vida. Todavia, definies mais complexas conceituam o Ayurveda como sendo o conhecimento do ciclo da vida ou da dinmica da vida; o que combina corpo, sentidos, mente e esprito numa relao de harmonia interdependente. No que diz respeito sade, a definio ayurvdica est longe da viso mecanicista facilmente encontrada nas cincias materialistas, e mais prxima viso metafsica com uma abordagem mais integral e menos tecnolgica. O Ayurveda diz que uma pessoa sadia aquela que apresenta equilbrio dos princpios vitais (doshas) e das enzimas metablicas e digestivas (...) e que experimenta a felicidade no esprito, nos sentidos e na mente (CARNEIRO, 2009, p.24). Sobre o Termalismo e a Crenoterapia entende-se que o termalismo compreende as diferentes maneiras de utilizao da gua mineral e sua aplicao em tratamentos de sade e a crenoterapia consiste na indicao e uso de guas minerais com finalidade teraputica atuando de maneira complementar aos demais tratamentos de sade (BRASIL, 2006a). Na comemorao dos 20 anos do Sistema nico de Sade (SUS), o Ministrio da Sade e a Secretaria de Ateno Sade (SAS), por meio do Departamento de Ateno Bsica (DAB), em parceria com a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS), realizaram, em Braslia (DF), entre os dias 13 e 16 de maio de 2008, o 1 Seminrio Internacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade, aps dois anos da implantao da PNPIC. O evento, alm de reunir representantes das agncias internacionais de sade, gestores das trs esferas de gesto, OPAS/OMS, autoridades sanitrias, entidades cientficas dentre pesquisadores e profissionais da sade, promoveu um espao para o intercmbio de experincias exitosas de modelos institudos em outros pases nos sistemas 43. 43 oficiais de ateno sade. Em 2009, o Ministrio da Sade publicou um relatrio cujo contedo fruto desse evento (BRASIL, 2009a). Segundo depoimento do Ministro da Sade do Brasil, Jos Gomes Temporo, gesto 2007/2010 foi um desafio para o governo brasileiro incorporar as Prticas Integrativas e Complementares no SUS. Esse 1 Seminrio foi considerado por ele, um espao importante para a troca de experincias nacionais e internacionais, ressaltando o Programa Sade da Famlia como a melhor estratgia onde essas prticas poderiam acontecer integralmente (BRASIL, 2009a). Outra contribuio, para esse tema, no mesmo evento, foi feita pelo representante da OPAS-OMS, Diego Victria, ao afirmar a necessidade de ampliao do atendimento e do respeito s diferenas e culturas dos povos frente s constantes mudanas no cenrio mundial da sade. O Ministrio da Sade brasileiro compilou as experincias na rea de implantao das PIC, como a do Distrito Federal, de Campinas-SP, do Amap, do Recife-PE e de Vrzea Paulista-SP e divulgou o avano do atendimento com a homeopatia e a acupuntura no SUS. Foram realizados, em 2007, mais de 386 mil consultas de acupuntura, por 699 profissionais, e mais de 312 mil consultas em homeopatia, atuaram 810 profissionais em todo o Brasil. Atualmente, j so mais de 1.200 municpios brasileiros que oferecem algum dos tratamentos previstos na Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (Temporo, 2008, p. 50). Para a coordenadora da PNPIC do Ministrio da Sade, Carmen De Simoni, a Poltica surgiu a partir da demanda da sociedade pela incluso de novas terapias no SUS e na Ateno Bsica/Sade da Famlia para atuar em conjunto com as polticas relacionadas aos povos indgenas e s plantas medicinais e fitoterpicos (SIMONI, 2008, p. 65). Alm do Brasil, outros pases como China, Cuba, Bolvia, Mxico e Itlia, apresentaram e debateram seus bons resultados contribuindo para o aprimoramento do modelo brasileiro (BRASIL, 2009a). 44. 44 Segundo o chefe de pesquisas do Centro Nacional de Medicina Natural e Tradicional do Ministrio da Sade cubano, Jorge Luis Campistrous Layaut, Cuba est adotando o mesmo conceito utilizado no Brasil para medicina integrativa e por razes tico-filosfica, cientficas e econmicas esto sendo implantadas as Prticas Integrativas. O pas possui um grupo de especialistas multidisciplinar que de acordo com as recomendaes da OMS investiga as plantas medicinais e outras modalidades de Prticas Integrativas e Complementares. Layaut demonstrou resultados obtidos em hospitais de trs provncias da ilha, onde pacientes com dengue foram tratados com a homeopatia. O autor ainda destacou sua eficcia quando aplicada num episdio de epidemia: nos casos de dengue hemorrgica, por exemplo, apenas 2% dos doentes tiveram sangramento. Segundo ele, o custo para o Estado de pacientes tratados com a homeopatia foi, em mdia, trs vezes mais baixo do que os que foram tratados com medicamento aloptico. No Mxico, o governo incorporou as orientaes da OMS ao seu sistema de sade, j que um dos quatro programas contemplados na Poltica Intercultural do pas destina-se Medicina Tradicional. Foi feito um levantamento sobre o histrico da utilizao das Prticas Integrativas e Complementares o que possibilitou a organizao e classificao de mais de 100 (cem) prticas reconhecidas pelo Ministrio da Sade mexicano. O governo boliviano implementou no seu sistema de sade pblica o Modelo de Sade Familiar e Comunitria Intercultural, semelhante Estratgia Sade da Famlia (PSF) adotada no Brasil, procurando revalorizar, articular e complementar as medicinas existentes no pas. Esse modelo tem como princpios o estmulo participao social, intersetorialidade, interculturalidade e integralidade. Segundo o Secretrio Nacional de Medicina Tradicional do Ministrio da Sade da Bolvia, o programa enfrenta alguns problemas porque a populao est localizada em reas muito dispersas, com vias de difcil acesso e elevados ndices de analfabetismo, em especial para os povos indgenas que no 45. 45 recebem esse benefcio, sendo estes grandes desafios na promoo da sade e no oferecimento dos servios que devem ser enfrentados (LAGUNA, 2008, p. 85). A Revista Brasileira de Farmacognose tem publicado vrios artigos11 gerados por pesquisas com fitoterpicos, entre eles destaca-se uma realizada pelo laboratrio de botnica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul que identificou a franca expanso da comercializao de plantas medicinais, o que demonstrou o crescimento da medicina popular amplamente praticada por raizeiros e ervanrios e sua conseqente projeo (NUNES et al, 2003). A maioria dos pases tem investido cada vez mais na pesquisa e fabricao de medicamentos fitoterpicos, isso vem ocorrendo inclusive no Brasil. Segundo o Relatrio do j citado 1 Seminrio Internacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade - PIC s a fitoterapia movimenta anualmente na Europa 3,5 bilhes de Euros e na China, 14 bilhes de dlares, mostrando crescimento expressivo ano a ano. Atualmente, este mercado chega a 30% do total do comrcio de medicamentos em geral (BRASIL, 2009a). Alex Botsaris, do Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais, enumerou as vantagens da utilizao de plantas medicinais na Ateno Sade. Alm da valorizao da cultura popular, ele destacou o fato de o tratamento fitoterpico ser o mais utilizado por ter baixo custo. Segundo ele, esse tratamento pode substituir os medicamentos tradicionais, em cerca de 95% dos atendimentos mais simples (BOTSARIS, 2008). Mesmo estando em crescimento, so reconhecidas as dificuldades relativas adoo das prticas integrativas e complementares com bases essencialmente nas medicinas tradicionais. Para Tesser e Barros (2008) a hegemonia poltico epistemolgica da Biocincia e a disputa mercadolgica atual no campo da sade, devem ser observadas como fatores importantes 11 Disponveis em: Disponvel em: http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. 46. 46 que dificultam a pluralizao teraputica no SUS, cuja tendncia transformar qualquer saber/prtica estruturado do processo sade-doena em mercadorias ou procedimentos a serem consumidos, reforando a heteronomia e a medicalizao. Entretanto, uma comparao feita pela coordenadora do Departamento de Medicina Tradicional da OMS, Dra. Xiaouri Zhang, evidencia as diferenas entre um e outro modelo de sade; enquanto uma se preocupa em identificar e combater os agentes das doenas a outra se preocupa com os aspectos fsicos, emocionais, mentais e ambientais relativos ao paciente. A mdica conclui afirmando que o ato de curar pode ser visto como uma guerra ou como um processo de harmonizao, sendo esta a grande diferena entre esses dois paradigmas. Entretanto, apesar desses movimentos a favor das Prticas Integrativas e Complementares e aes para o fortalecimento da Poltica Nacional, ainda percebe-se uma resistncia implantao e uso desse modelo, em alguns locais. Tal atitude, talvez seja fruto da permanente hegemonia do modelo biomdico sobre os profissionais de sade no mdicos para o exerccio dessas prticas no SUS. Alm disso, importante destacar o estranho fato de que muitas prticas reconhecidamente importantes no foram, at o momento, contempladas na Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC), entre elas evidencia-se as utilizadas pela Naturologia. 1.3.1 Naturologia O estudo das prticas e mtodos naturais, tradicionais e modernos para o cuidado da sade humana visando a promoo, manuteno e recuperao da sade, bem como a melhoria das condies de vida das 47. 47 pessoas, denomina-se Naturologia. Estimula a relao de equilbrio do indivduo com o ambiente e com a sociedade em que vive. Compreender somente os mecanismos biolgicos como a causa exclusiva das doenas, no significa progresso na assistncia sade. Os que dizem que pouco se fez na medicina moderna em vinte anos, tambm esto certos porque falam de cura e no de conhecimento cientfico, espera-se no entanto, que doravante no sejam espcies de progresso incompatveis e nem excludentes. A pesquisa biomdica continuar sendo uma parte importante da futura assistncia sade, ainda que integrada numa abordagem mais ampla, holstica (CAPRA, 2006, p.129). Com base na viso integral do ser humano, a Naturologia fomenta uma postura transdisciplinar, ampla e holstica. Fora um novo debate no campo das cincias, no entendimento do processo sade/doena e promove uma ao multidimensional na relao teraputica, sob uma construo contnua de um novo paradigma. O novo paradigma fora uma viso sistmica e uma postura transdisciplinar. O modelo sistmico atende ao conceito de interdependncia das partes. Postula que tudo interdependente, que os fenmenos apenas podem ser compreendidos com a observao do contexto em que ocorre. Postula tambm que a vida relao (TEIXEIRA, 1996, p. 287). No mbito da graduao, atualmente duas universidades brasileiras, uma na regio sul e a outra na regio sudeste do pas, oferecem a Naturologia. Ambas formam o profissional de sade denominado naturlogo, preparado para atuar na rea da sade de forma multidisciplinar, tendo como ferramentas e recursos teraputicos, as Prticas Integrativas e Complementares conhecidas no contexto da Naturologia como Prticas Naturais ou Terapias Alternativas. H 12 anos a Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL ; pioneira do curso de Naturologia Aplicada no Brasil gradua no perodo de 48. 48 quatro anos e meio o profissional naturlogo. Neste perodo, o projeto pedaggico do curso foi alterado no intuito de adequar e aprimorar a formao do bacharel em Naturologia. A Universidade Anhembi Morumbi, na cidade de So Paulo, oferece a graduao em Naturologia desde 2002. Pioneiro no Estado, o curso tem como base a aplicao prtica dos conhecimentos de tcnicas tradicionais e avanadas da sade natural, que prepara o naturlogo para atuar em diversas reas da sade, em programas de promoo, manuteno e recuperao. Este curso tem tambm durao de quatro anos e meio. Embora, recente no contexto acadmico brasileiro, a Naturologia tem como alicerce fundamentao terico-cientfica e de prtica clnica as medicinas tradicional e/ou milenares: chinesa, indiana, antroposfica, xamnica, entre outras. A Naturologia uma cincia polidisciplinar, trabalha com a decomposio de disciplinas, de conhecimentos diferentes, e precisa ser pensada luz de perspectivas crticas do modelo clssico cientfico (SILVA, 2008, p.14). Durante o II Congresso Brasileiro de Naturologia realizado em Florianpolis/SC em novembro de 2009, aconteceu o I Frum conceitual e nele formulou-se oficialmente, o conceito de Naturologia. abrangente e aplica-se ao campo de atuao da Sade Pblica: A Naturologia um conhecimento transdisciplinar que atua em um campo igualmente transdisciplinar. Caracteriza-se por uma abordagem integral na rea da sade pela relao de interagncia do ser humano consigo, com o prximo e com o meio ambiente, com o objetivo de promoo, manuteno e recuperao da sade e da qualidade de vida. (CONBRANATU, 2009) Em 2003, foi criado um Ncleo de Naturologia da Amaznia na Universidade Federal do Par que apresentava a Naturologia como a 49. 49 cincia, a arte, a cultura, a tcnica, a filosofia e a tradio de aplicao das leis naturais de forma propedutica e educativa, atuando principalmente, para a promoo da qualidade de vida e da sade humana. At o momento, os profissionais naturlogos tm como representantes oficiais de sua categoria, as Associaes Brasileira e Paulista de Naturologia, ABRANA e APANAT respectivamente, esta ltima apresenta a Naturologia como: Uma cincia que estuda mtodos naturais antigos, tradicionais e modernos de cuidado, com objetivos de promover, manter e recuperar a sade, atravs da estimulao e suporte inerente energia do corpo, para a melhoria da qualidade de vida, harmonia e equilbrio do ser humano com o meio em que vive. Destaca-se como cincia da rea da sade que trabalha focada no equilbrio do indivduo e orienta a utilizao das terapias naturais para promover o bem-estar e a qualidade de vida de forma integral (APANAT, 2007). Visa, ainda, identificar os problemas de sade suscetveis s prticas das terapias naturais e selecionar os mtodos e terapias complementares mais adequados a cada tipo de situao, sempre resguardando a livre escolha e a integridade fsica e psquica das pessoas, bem como interagir com as equipes de sade. Apesar de considerar as patologias no contexto teraputico, o Naturlogo, no se ocupa do seu tratamento em especfico, mas sim, da promoo da sade, de forma a estimular a autorregulao orgnica por meio das prticas naturais, associado ao aconselhamento de fatores relativos ao estilo de vida, que de acordo com Nahas et al (2000) representa as aes cotidianas que influenciam as atitudes e valores do indivduo, que por sua vez, acredita-se reverberarem nas condies da qualidade de vida dos interagentes12 (CIDRAL FILHO, 2008). 12 Termo empregado pela Naturologia Aplicada fazendo meno ao paciente como co- responsvel pelo processo de sade individual e coletiva. Aquele que interage, que exerce uma ao recproca com outra pessoa (FERREIRA, 2004; CIDRAL FILHO, 2008; RODRIGUES, 2008). 50. 50 Um diferencial presente na abordagem teraputica proposta pela Naturologia a habilidade que este profissional de sade tem para agregar viso corpo-mente-esprito, compartilhada, por exemplo, pela Medicina Antroposfica. Alm disso, incorpora tambm a viso energtica implcita no apenas nas Prticas Integrativas e Complementares, mas nas medicinas tradicional e complementar e, ainda nas terapias vibracionais, como faz a Homeopatia. Para Hellmann (2009) a Naturologia atua sob o paradigma bioenergtico tal como as Medicinas Tradicionais. No se trata de uma Medicina Natural, considerada pelo ocidente como biomedicina ou da Naturopatia, pois esta busca tratar as doenas com recursos naturais. Por sua vez, a Naturologia pretende trabalhar a sade, em suas causas e no efeitos, reconhecendo que, muitas vezes, essas causas podem ser geradas por problemas estruturais da sociedade. O insumo principal da Naturologia a natureza e tudo o que dela advm para promoo da sade humana e todas as espcies. Souza e Luz (2009) compartilham com tal perspectiva quando definem que: a natureza exerce fora mediadora priorizando o papel da teraputica ao estabelecer a sade dos homens (p.7) e compreendem a natureza fazendo parte do homem, portanto sua sade reside em equilibrar seus componentes naturais da maneira mais harmnica possvel; ela tem fora medicadora. Em vrios municpios paulistas e catarinenses, a atuao do profissional graduado em Naturologia, o naturlogo, tem sido crescente. Alm das capitais, em cidades paulistas como Jundia e Registro foram inseridos no SUS naturlogos concursados. Todavia, essa participao no limita-se apenas aos Estados gestores do curso, como o caso do SPA Caldas da Imperatriz e Brian Itapema Resort, em Santa Catarina e o Medical Day Spa em Jundia/SP, Spa Recanto em Cabreva/SP, dentre outros. No Estado do Mato Grosso, Gois, Par, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, 51. 51 entre outros, o naturlogo pode ser encontrado em clnicas, consultrios particulares, centros de reabilitao, spas, nas Instituies de Ensino13 : Unisul, UAM, FAJ; e ainda, em comunidades indgenas, como o caso de Mbiguau e das aldeias de Amaral e Massiambu, localizadas nos municpios de Palhoa e Bigua em Santa Catarina. Os naturlogos utilizam como recursos teraputicos, prticas integrativas e complementares, muito embora a formao acadmica os qualifiquem no uso das prticas de aromaterapia, arte integrativa, cromoterapia/cromopuntura, essncias florais, fitoterapia, geoterapia, hidroterapia, iridologia, massoterapia, reflexologia, tcnicas de arteterapia e de musicoterapia, este profissional no tem atuado como poderia na Sade Pblica brasileira, acabando por conviver com uma situao, ainda, de invisibilidade no SUS como ocorre com as Prticas Integrativas e Complementares e a Poltica (PNPIC) que as sustentam. Apesar disso, assim como a Naturologia, a divulgao das Prticas Integrativas e Complementares est cada vez mais freqente e utiliza-se de vrios meios de comunicao. Ora relatando a abordagem teraputica integral como um caminho cura e recuperao da qualidade de vida, ora descrevendo os resultados de pesquisas cientficas. Para Azevedo (2007): A discusso acerca das terapias alternativas ou prticas tradicionais ampliadas pelo conhecimento cientfico torna-se especialmente importante em um momento no qual surgem questionamentos sobre o modelo de sade vigente; sobre a necessidade da humanizao das prticas mdicas; sobre o fortalecimento da viso interdisciplinar e transdisciplinar da cincia e os conceitos de eficcia, segurana e reaes adversas dos medicamentos. Tais questionamentos reverberam dentro de um movimento descrito por Fleck e colaboradores (1999) que ocorre nas cincias humanas e biolgicas no sentido de valorizar parmetros mais amplos que o tratamento de doenas, controle de sintomas, diminuio da mortalidade ou aumento da expectativa de vida, e direciona a cincia para as noes de promoo de sade e qualidade de vida (p.