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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PAULA ALMEIDA RAMOS A EXPRESSÃO DA RELAÇÃO MÃE-FILHO DA VIVÊNCIA DA SÍNDROME NEFRÓTICA: UM ESTUDO POR MEIO DO JOGO DE AREIA SÃO PAULO 2003

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PAULA ALMEIDA RAMOS

A EXPRESSÃO DA RELAÇÃO MÃE-FILHO DA VIVÊNCIA DA SÍNDROME

NEFRÓTICA: UM ESTUDO POR MEIO DO JOGO DE AREIA

SÃO PAULO

2003

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PAULA ALMEIDA RAMOS

A EXPRESSÃO DA RELAÇÃO MÃE-FILHO NA VIVÊNCIA DA SÍNDROME

NEFRÓTICA: UM ESTUDO POR MEIO DO JOGO DE AREIA

Trabalho de Graduação Interdisciplinar

apresentado à Universidade Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial para

a obtenção do titulo de Psicóloga

Orientador: Paulo Afrânio Sant’ anna

SÃO PAULO

2003

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Paulo Afrânio de Sant’ Anna

A EXPRESSÃO DA RELAÇÃO MÃE-FILHO NA VIVÊNCIA DA SÍNDROME NEFRÓTICA: UM ESTUDO POR MEIO DO JOGO DE AREIA

Ramos, P.A.

A síndrome nefrótica é uma disfunção renal crônica que se caracteriza pela perda de proteínas pela urina, inflamações da pele e órgãos, baixa proteína e alto colesterol no sangue. Essa síndrome se destaca pela retenção de líquidos e edemas formados a partir da perda da proteína. Pode afetar todas as idades, sendo mais freqüente entre 2 a 6 anos e em meninos. Segundo o artigo “Behavior Problems in Nephrotic Syndrome”(Metha et al, 1995) pacientes com doenças crônicas podem ter dificuldade de ajustamento, auto-estima e autoconfiança rebaixadas. Em alguns casos na Síndrome Nefrótica, pode haver problemas como depressão, hiperatividade, comportamento agressivo e problemas escolares. Os casos que necessitam de intervenção estão relacionados ao comportamento familiar, em particular, a atitude das mães, muitas vezes, com exagerados graus de ansiedade que podem determinar a seriedade dos desajustes comportamentais. Diante desses dados e da demanda constatada num hospital público de São Paulo foi desenvolvida a proposta da presente pesquisa que teve por objetivos verificar as expressões da relação mãe-filho caracterizada pela vivência da Síndrome Nefrótica na criança; propor e avaliar um modelo de atendimento clínico que englobe a díade mãe-filho por meio do Jogo de Areia em ambulatório e verificar em que medida o atendimento com o Jogo de Areia facilita a expressão de sentimentos relativos a essa vivência. Para isso foram realizados dois encontros, propondo uma anamnese com a mãe, aplicação do DFH e desenho da família com a criança e duas aplicações em conjunto mãe-filha com o jogo de areia. O rim pode simbolizar as relações de parceria. As disfunções em suas principais funções: a filtragem e a regulação do organismo são análogas às funções do ego e de compensação da psique. Segundo Jung a personalidade da criança permanece como produto dos pais, já que a consciência do eu ainda está desenvolvida de forma primitiva.

Assim, a criança pode estar compensando algum desequilíbrio no inconsciente dos pais, sobretudo o da mãe. Devido ao fato de ter um ego pouco desenvolvido ela não teria condições de lidar com esses conteúdos necessitando somatizar e poupar o ego do esforço de elaborar o evento doloroso.No caso estudado verificou-se que a culpa da mãe advinda da vivência da doença parece gerar comportamentos como a super-proteção, mecanismos de defesas, a negação e a racionalização. Isso resulta numa relação de dependência entre mãe-filha. A ansiedade da mãe também não permite que a filha elabore e signifique a experiência acarretando em insegurança, sufocamento e forte auto-crítica.

Diante dos dados coletados verificou-se que o atendimento através da díade mãe-filha é adequado para a vivência da síndrome nefrótica tendo em vista que, nesse caso o desequilíbrio orgânico está relacionado ao desequilíbrio na relação. Assim como mencionado por Metha et al (1995) observou-se que a influência dos sentimentos da mãe advindos da vivência da doença no comportamento e psique da filha.

A metodologia utilizada mostrou facilitar a expressão dos sentimentos tanto da mãe quanto da filha à medida que foram expressos de forma não-verbal por meio das cenas. Porém, o número de encontros permitiu apenas um diagnóstico não proporcionando qualquer forma de elaboração.

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O método também trouxe alguns pontos a serem trabalhados por se tratar de um atendimento ambulatorial num hospital. Se por um lado ele facilita a expressão por outro pode dificultar a rotina hospitalar, já que num hospital público é necessário que haja praticidade para atender o maior número de pessoas, higienização para não haver possibilidade de infecção. A caixa de areia portátil acaba despendendo um tempo maior para a limpeza da areia e das miniaturas, para organização do material e para o próprio atendimento. Levantou-se também a necessidade de um tratamento com essa população que vivencia sentimentos próximos àqueles já estudados em pacientes na hemodiálise. Mostrou-se também a necessidade de um trabalho voltado para os “cuidadores” que vivenciam estressores que podem também influenciar no tratamento do paciente. Palavras-Chave: Síndrome nefrótica, técnicas expressivas, relação mãe-filho e-mail: [email protected] [email protected]

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SUMÁRIO

I – Introdução............................................................................................................................01

II - Discussão Teórica:

1. Os rins...........................................................................................................................08

2. Síndrome Nefrótica:

2.1 Aspectos clínicos.....................................................................................................16

2.2 Aspectos simbólicos................................................................................................22

3. A visão da saúde segundo a psicologia analítica

3.1 Complexo/Arquétipo...............................................................................................29

3.2 Símbolo/ Compreensão Simbólica da doença.........................................................34

3.3 Processo de Individuação........................................................................................39

3.4 O desenvolvimento da consciência.........................................................................41

3.5 A centroversão.......................................................................................................46

III - Objetivos:...........................................................................................................................49

IV – Método

1 Adaptações realizadas no projeto..............................................................................50

2 Amostra.......................................................................................................................51

3 Instrumentos

3.1 Entrevista com a mãe da criança.......................................................................53

3.2 D.F.H……........................................................................................................54

3.2.1 Material………………………………………………………….……...55

3.2.2 Aplicação……………………………………………………………….55

3.3 Desenho da Família…………………………………………….…….........…56

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3.3.1 Material.....................................................................................................57

3.3.2 Aplicação..................................................................................................57

3.4 Aplicação do Jogo de Areia....................................................................................57

3.4.1 1a Sessão: Tema Livre.................................................................................57

3.4.2 2a Sessão: Caixa Temática.........................................................................58

4. Análise dos dados.........................................................................................................59

V - Resultados e Análise:

1. Anamnese......................................................................................................................62

2. D.F.H. ...............................................................................…………………………...68

3. Desenho da Família…...............................................................…...………………....70

4. Primeira Aplicação do Jogo de Areia...........................................................................74

5. Segunda Aplicação do Jogo de Areia...........................................................................77

VI – Considerações Finais........................................................................................................82

VII - Referências Bibliográficas...............................................................................................89

VIII - Anexos...........................................................................................................................93

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I – Introdução

A síndrome nefrótica é uma disfunção renal crônica que se caracteriza pela perda de proteínas

pela urina, inflamações da pele e órgãos, baixa proteína e alto colesterol no sangue. Essa

síndrome se destaca pela retenção de líquidos e edemas formados a partir da perda da proteína. A

Síndrome Nefrótica tem três formas de apresentação: primitivo, secundários a doenças

generalizadas (lúpus, diabetes, etc) e neonatal que pressupõe um antecedente infeccioso materno

na gravidez (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose). Pode afetar todas as idades, sendo mais

freqüente entre 2 a 6 anos e em meninos.

Whaley e Wong no livro “Enfermagem Pediátrica” (1997) apontam para ausência de explicação

para a doença e descrevem especulações como a de distúrbios metabólicos, bioquímicos, físico-

químico ou imunológico que possam fazer com que haja um aumento na permeabilidade dos

glomérulos responsáveis pela filtragem dos rins permitindo a passagem de proteínas, em especial

a albumina. O edema é resultante da redução oncótica causada pela perda de proteínas

plasmáticas e pela retenção anormal de água e cloreto de sódio. A perda de imunoglobulinas e

componentes predispõe o rim a infecções.

O tratamento mais comum é a emissão de altas dosagens de corticóides (anti-inflamatório e

modulado diminuindo o edema e o risco de infecções), imunossupressores (para casos de cótico-

resistentes aumentando a imunização do indivíduo que pela perda de imunoglobulinas fica

sujeito à infecções) e controle da quantidade de proteína na urina.

O prognóstico se torna pior em casos de cortico-resistência; doença presente em menores de 1

ano; componentes de hematúria, glicosúria, insuficiência renal, hipertensão arterial;

hipocomplementemia persistente. Nesses casos, muitas vezes, a saída recai apenas na

possibilidade de um transplante ou hemodiálise.

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Segundo o artigo “Behavior Problems in Nephrotic Syndrome”(Metha et al, 1995)

pacientes com doenças crônicas podem ter dificuldade de ajustamento, auto-estima e

autoconfiança rebaixadas. Em alguns casos na Síndrome Nefrótica, pode haver problemas como

depressão, hiperatividade, comportamento agressivo e problemas escolares. Os casos que

necessitam de intervenção estão relacionados ao comportamento familiar, em particular, a atitude

das mães, muitas vezes, com exagerados graus de ansiedade que podem determinar a seriedade

dos desajustes comportamentais.

Ao pensarmos em crianças cuja relação tem como base a relação primal e depende desta para seu

desenvolvimento deve-se pensar em que medida ela atua nesse psiquismo de forma a alterá-lo ou

não.

A união com a mãe só vai se dissolvendo gradualmente, à medida que a individualidade e a consciência de ego da criança desenvolve. C.G.Jung atribui muitos dos distúrbios da psique infantil a distúrbios dos pais. Isto significa que, até a puberdade, existe normalmente uma união parcialmente inconsciente entre filhos e pais, especialmente filho e mãe. A situação da participation mystique expressa-se por exemplo no fato de um estado de ansiedade da mãe passar para o filho sem necessidade de haver nenhum tipo de comunicação direta ou indireta. Enquanto que para a Psicologia Analítica a constelação de identidade da relação primal e o desenvolvimento do ego a partir dela desempenha uma papel importante e talvez decisivo, Sullivan concentra-se quase que exclusivamente na transmissão da ansiedade da mãe para o filho. (Neumann, 1999, p.20)

Importante acrescentar que é através do chamado eixo ego-Self que os conteúdos chegam à

consciência sendo integrados ou não a ela, sendo assim e reforçando a importância da relação

mãe-filho e que vinha sendo descrito anteriormente têm-se:

De um ponto de vista que privilegie o desenvolvimento, um eixo ego-Self vigoroso e viável forma-se no indivíduo, em função da qualidade do relacionamento entre a mãe e o bebê, com um equilíbrio entre a união e separação, entre a evolução e a aprovação de habilidades específicas e aceitação do bebê como um todo entre a exploração do mundo externo e auto-reflexão. (Samuel apud Chagas e Forgione 2002)

Um dos desafios da atuação do psicólogo no hospital é a inserção de recursos que favoreçam uma

intervenção mais adaptada aos ambulatórios específicos que tratam de diferentes tipos de

patologia (Romano, 1998). Uma das dificuldades refere-se ao setting terapêutico, que se

diferencia muito do conhecido e tradicional clínico. Faz-se necessária uma adaptação deste à

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estrutura da instituição, ao atendimento multiprofissional e especialmente à resistência por parte

do paciente. É necessária uma postura flexível que aceite e interaja com esse ambiente, mas que

também investigue e crie novos recursos e estratégias que facilitem um manejo mais adequado a

essas condições. Portanto, realizar adaptações em técnicas que possam ser levadas para esse

contexto a fim de enriquecer o trabalho terapêutico é de extrema importância.

Avaliando a função do psicólogo nessas instituições e verificando uma demanda que requereria

uma técnica não-verbal, dada a dificuldade de expressão da vivência de possibilidade da perda,

surge a proposta de atendimento por meio da técnica de Jogo de Areia. De acordo com Denise

Ramos no prefácio à obra de Ruth Ammann (Ammann, 2002) “a técnica do Jogo de Areia vem

preencher uma lacuna dentro da psicologia analítica” uma vez que alguns pacientes apresentam

dificuldade em sair do plano concreto em sonhar, imaginar, fazer associações ou realizar

imaginação ativa. Outros apresentam déficit de expressão verbal ocasionado por doenças

orgânicas, ou ainda há os que usam de racionalização como defesa.

As técnicas expressivas e projetivas são recursos que o psicólogo tem como possibilidade de

atuação dentro do hospital. Esses recursos têm importância, na medida em que são facilitadores

da comunicação entre paciente e psicólogo, permitindo que conteúdos significativos e conflitivos

sejam representados de maneira natural e menos dolorosa.

O Jogo de Areia é uma técnica terapêutica não-verbal e simbólica criada pela analista junguiana

Dora Kalff, na década de 50. A base dessa técnica é a construção de cenas em uma caixa com

areia cujo fundo é pintado de azul. Usa-se areia seca ou molhada e miniaturas dos mais variados

tipos. A areia, o fundo e os lados em azul oferecem a concreta possibilidade de cavar até o fundo

ou construir, tendo desta maneira três dimensões de figura, o que oferece uma disponibilidade

grande de representações. O ato de entrar em contato com a areia e o fato do terapeuta estar por

perto ajudam o aparecimento de uma imagem para o paciente. É necessária uma empatia que

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provê a liberdade e a proteção, encorajando a criança e o adulto a experenciar seu interior, quase

sempre inexplorado, num ambiente e num espaço seguro e sem julgamentos. Neste caso, a psique

do paciente torna-se um guia mais seguro do que o próprio terapeuta. Quando há o processo de

simbolização há movimentação no inconsciente coletivo e individual e desta maneira a cura pode

acontecer espontaneamente. Quanto mais harmônica a relação entre consciente e inconsciente,

maior é a reestruturação do ego.

O grupo de pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie vem realizando pesquisas

(Bazhuni e cols, 2000, 2001) por meio das quais verificou-se que o Jogo de Areia é uma das

terapias mais utilizadas em instituições psiquiátricas no Japão. Nos Estados Unidos há muitos

trabalhos com crianças hospitalizadas, com terapia familiar, com grupos de jovens delinqüentes e

usuários de drogas institucionalizados e com aconselhamento de jovens e adultos. Em Israel há

uma associação de terapeutas que trabalham com Jogo de Areia em hospitais com uma vasta

gama de pacientes e disfunções. Esta associação relata que um dos aspectos mais significantes de

seu projeto, que é direcionado a crianças e jovens adultos com risco de vida, é que o Jogo de

Areia oferece a estas pessoas, que ainda não adquiriram um grau suficiente de abstração para

expressar estas experiências em uma linguagem mais estruturada, possibilidades de expressão e

elaboração de experiências de medo e de ameaça de desintegração físico-psíquica (Meltzer,

2001).

No Brasil, entretanto, o Jogo de Areia continua restrito aos consultórios particulares e pouco tem

sido desenvolvido no sentido de introduzir esta técnica, de extensa abrangência e validade, em

instituições de saúde ou mesmo educacionais. Apesar da proposta inicial de Kalff restringir o uso

do Jogo de Areia à situação psicoterápica individual, nos últimos anos ele tem sido utilizado em

instituições hospitalares com muito sucesso. Existem ainda algumas pesquisas em andamento

como a registrada no artigo “O paciente hemiplégico e o sandplay: uma possibilidade de

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expressão” (Chagas; Forgione 2002) que propõe um estudo que discute a utilização do jogo de

areia como recurso psicoterápico para pacientes portadores de hemiplegia com distúrbios de

comunicação num contexto de um programa de reabilitação em instituição hospitalar. Nesse

artigo as autoras também apontam que tradicionalmente no jogo de areia as cenas são feitas

individualmente, porém pode-se pensar em outras formas de aplicação que incluam um membro

da família. Em especial no caso de doenças agudas em que o auxílio desse familiar se torne

indispensável para a elaboração do diagnóstico. “Nesse caso, a atividade na caixa de areia estaria

favorecendo a comunicação de uma dinâmica que se estende à família.” (Chagas; Forgione, 2002,

p. 95) Nesse artigo também explica a viabilidade do jogo de areia em pesquisas com pacientes

que tiveram um diagnóstico de uma doença permanente:

Acredita-se que com o sandplay se tem um quadro constante do processo do paciente, um diagnóstico permanente, fato esse que faz dele um recurso interessante para ser utilizado em pesquisas por dar uma quadro objetivo do desenvolvimento do paciente, como, por exemplo, o surgimento de um complexo psicológico no processo subsidiando o sintoma físico. Dentro da visão psicossomática analítica, acredita-se que no substrato de toda doença orgânica está presente um complexo ao nível psíquico. O sintoma mostra uma disfunção do organismo como um todo: físico e psíquico. Quando o sintoma passa a ser simbolizado no sandplay pode-se entender a dinâmica que está por trás da doença. Mesmo que seja causada por fatores externos, ela se soma ao complexo da paciente. A possibilidade de elaboração desse complexo pode evitar recorrências (outro AVC, por exemplo), pois a causa, ou melhor, a contraparte psíquica da doença também está sendo tratada (...) (Chagas; Forgione, 2002, p. 95)

Diante desses dados e da demanda constatada num hospital público de São Paulo foi

desenvolvida a proposta da presente pesquisa que teve por objetivos verificar as expressões da

relação mãe-filho caracterizada pela vivência da Síndrome Nefrótica na criança; propor e avaliar

um modelo de atendimento clínico que englobe a díade mãe-filho por meio do Jogo de Areia em

ambulatório e verificar em que medida o atendimento com o Jogo de Areia facilita a expressão de

sentimentos relativos a essa vivência. Para isso foram realizados dois encontros, propondo uma

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anamnese com a mãe, aplicação do DFH e desenho da família com a criança e duas aplicações

em conjunto mãe-filha com o jogo de areia.

O rim pode simbolizar as relações de parceria. As disfunções em suas principais funções: a

filtragem e a regulação do organismo são análogas às funções do ego e de compensação da

psique. Segundo Jung a personalidade da criança permanece como produto dos pais, já que a

consciência do eu ainda está desenvolvida de forma primitiva.

Assim, a criança pode estar compensando algum desequilíbrio no inconsciente dos pais,

sobretudo o da mãe. Devido ao fato de ter um ego pouco desenvolvido ela não teria condições de

lidar com esses conteúdos necessitando somatizar e poupar o ego do esforço de elaborar o evento

doloroso. No caso estudado verificou-se que a culpa da mãe advinda da vivência da doença gera

comportamentos como a super-proteção, mecanismos de defesas, a negação e a racionalização.

Isso resulta numa relação de dependência entre mãe-filha. A ansiedade da mãe também não

permite que a filha elabore e signifique a experiência acarretando em insegurança, sufocamento e

forte auto-crítica.

Diante dos dados coletados verificou-se que o atendimento através da díade mãe-filha é

adequado para a vivência da síndrome nefrótica tendo em vista que, nesse caso o desequilíbrio

orgânico pode estar relacionado ao desequilíbrio na relação. Assim como mencionado por Metha

et al (1995) observou-se que a influência dos sentimentos da mãe advindos da vivência da doença

no comportamento e psique da filha.

A metodologia utilizada mostrou facilitar a expressão dos sentimentos tanto da mãe quanto da

filha à medida que foram expressos de forma não-verbal por meio das cenas. Porém, o número de

encontros permitiu apenas um diagnóstico não proporcionando qualquer forma de elaboração.

O método também trouxe alguns pontos negativos por se tratar de um atendimento ambulatorial

num hospital. Se por um lado ele facilita a expressão por outro pode dificultar a rotina hospitalar,

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já que num hospital público é necessário que haja praticidade para atender o maior número de

pessoas, higienização para não haver possibilidade de infecção. A caixa de areia portátil acaba

despendendo um tempo maior para a limpeza da areia e das miniaturas, para organização do

material e para o próprio atendimento.

Levantou-se também a necessidade de um tratamento com essa população que vivencia

sentimentos próximos àqueles já estudados em pacientes na hemodiálise. Mostrou-se também a

necessidade de um trabalho voltado para os “cuidadores” que vivenciam estressores que podem

também influenciar no tratamento do paciente.

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II – Discussão Teórica

1 Os rins:

O Sistema Urinário é formado por dois rins responsáveis pela produção da urina; dois ureteres

que conduzem a urina para o terceiro componente do sistema: a bexiga e a última parte do

sistema, a uretra, que elimina (esvazia) a urina da bexiga.(Fig.1)

Fig.11

Os rins estão localizados um pouco acima da linha da cintura, na parte posterior do abdômen,

entre a 12a vértebra torácica e a 3a vértebra lombar. Devido ao seu contato, na parte superior,

com o diafragma eles acompanham seu movimento durante a respiração.

1 Imagem retirada do site http://www.corpohumano.hpg.com.br

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O rim direito normalmente fica abaixo do rim esquerdo sendo coberto em sua parte anterior pela

supra-renal, pela porção descendente do duodeno e pelo fígado. O rim esquerdo, por sua vez, tem

em sua porção anterior a glândula supra-renal, o estômago, o pâncreas, o jejuno e o baço.

Cada rim tem o formato de um grão de feijão e se seccionado podemos enxergar uma borda

côncava e outra convexa. Na borda côncava encontra-se uma fissura chamada hilo por onde

passam a artéria, a veia, os nervos renais, os vasos linfáticos que irrigam todo o órgão. Também

podem ser encontrados: os cálices renais que recebem a urina formada no hilo e a mandam para

a pelve renal que é considerada como porção superior aumentada do ureter fazendo a ligação

com as vias urinárias. (Fig.2 e Fig. 3)

Fig.22

2 Imagem retirada do site http://www.corpohumano.hpg.com.br

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HILO

Fig.33

“A unidade funcional do rim é chamada de néfron. Cada rim contém cerca de um milhão de néfrons, cada um dos quais consistindo em um corpúsculo renal e um túbulo. O corpúsculo renal ou corpo de Malpighi, consiste de um glomérulo, um novelo de capilares derivados da arteríola aferente, que está contido numa depressão do túbulo em forma de taça, chamada cápsula glomerular (cápsula de Bowman). Os capilares glomerulares estão assim situados exclusivamente entre duas arteríolas. Estendendo-se da cápsula glomerular há um longo túbulo consistindo de um túbulo contornado proximal, uma alça de Henle e um túbulo contornado distal que se abrem dentro do túbulo coletor juntamente com uma série de outros túbulos distais. Os túbulos dão uma aparência estriada à medula e os corpúsculos renais dão uma aparência granular fina ao córtex. A urina é eliminada no ápice da pirâmide medular nos cálices da pelve e, então, desce para o ureter. (Fig.4 e Fig.5) O ponto no qual uma porção do túbulo distal entra em contato com a arteríola aferente é chamado de aparelho justaglomerular, o qual secreta a renina, uma importante enzima na regulação e retenção de sódio e água e da pressão sanguínea.” (JACOB; FRANCONE; LOSSOW, 1990, p. 444)

3Imagem retirada do site http://clinica nephron.com.Br/f f rim1.html

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Fig.44

A função do rim e a formação da urina:

O rim é um órgão vital responsável:

• Pela eliminação de toxinas do sangue;

• Regular a pressão sanguínea bem como a formação do sangue e a produção de glóbulos

vermelhos;

• Equilibrar o balanço químico e de líquidos no corpo.

Para que isso ocorra é necessário que seja feito o processo a seguir: de acordo com Engel “O

clínico e a Nefrologia” o sangue chega através da artéria renal, passa pelo hilo e vai se dividindo

em direção à região Cortical. No córtex identifica-se as arteríolas aferentes que, como já foi dito,

4 Imagem retirada do site http://www.corpohumano.hpg.com.br

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dão origem ao novelo de capilares que formam a estrutura arredondada chamada glomérulo. O

sangue continua através da arteríola eferente, originada pela união desses capilares, nutrindo o

córtex renal. Essa artéria tem uma grande quantidade de músculo liso, por isso ela pode contrair e

relaxar controlando a pressão hidrostática de acordo com a necessidade do organismo. Dessa

forma quanto mais contraída a arteríola eferente, maior a pressão glomerular e maior o volume

do filtrado. ( Fig.5)

“A gênese da urina se inicia com a formação do filtrado glomerular nos corpúsculos de Malpighi. Este filtrado percorre as demais estruturas do Néfron, sofrendo transformações resultantes da secreção e reabsorção de água e de várias substâncias, e dando origem finalmente à urina, que deixa os túbulos coletores em direção aos cálices renais, pelve e ureteres.” ( ENGEL, 1999, p.39)

Fig.55

5 Imagem retirada do site http://www.corpohumano.hpg.com.br

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Como foi dito o glomérulo age como uma membrana semi-permeável sendo capaz de reter as

menores moléculas de proteína (como a albumina) permitindo a passagem do filtrado. Esse

filtrado semelhante ao plasma, porém sem proteína é formado nas alças glomerulares a partir da

ação da alta pressão hidrostática em oposição às pressões oncótica (sangue) do plasma, do

líquido contido nos túbulos e a pressão do interstício renal. O rim funciona através do mecanismo

de auto-regulação que tenta manter a pressão nas alças glomerulares constante tendo, dessa

forma, um volume urinário adequado e constante. Isso ocorre da seguinte maneira: Engel explica

que quando o sangue chega ao rim é necessário que haja uma vasodilatação do leito arterial para

permitir a entrada da maior quantidade de sangue possível. Ao mesmo tempo as arteríolas

eferentes se utilizam da capacidade descrita acima contraindo a musculatura para manter a auto-

regulação. Relembrando que essa contração aumenta a pressão glomerular e o volume do filtrado.

Em contrapartida o aumento da pressão do fluxo da artéria renal leva a uma dilatação da

arteríolas eferentes que diminuem a pressão nas alças glomerulares e assim sucessivamente.

O túbulo proximal recebe esse filtrado formado nas alças e absorve toda a glicose, parte da água e

do sódio, todos os aminoácidos, proteínas, vitamina C e bicarbonato. Esse filtrado passa pela

porção descendente da alça de Henle, bastante permeável à passagem de água, sódio e cloro. O

meio medular é hipertônico, sendo assim, seguindo o princípio da osmose, sai a água e entram os

solutos tornando o filtrado mais concentrado, ou seja, hipertônico. Esse filtrado continua seu

percurso seguindo pela porção ascendente da alça de Henle. Esta é impermeável a água e através

do mecanismo de transporte ativo, ou seja, a secreção dos solutos diluindo o filtrado e

concentrando o espaço medular. Assim, ao final da passagem do filtrado pela alça de Henle, o

interstício medular permanece hipertônico (mais concentrado) e a urina vai diluída (isotônica)

através dos túbulos coletores para o túbulo contorcido distal. Enquanto a urina percorre os

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túbulos coletores a medula se responsabiliza por sua concentração liberando ou não hormônio de

acordo com a necessidade.

Assim como existe um mecanismo auto-regulador da pressão e do fluxo sanguíneo os rins

também equilibram a concentração da urina. Essa regulação é realizada pelo hormônio anti-

diurético (ADH) sintetizado pelo hipotálamo, armazenado e secretado pela neuro-hipófise.

“Quando a perda de líquido excede o influxo, os osmorreceptores no hipotálamo respondem à

elevação da pressão osmótica do plasma com estímulo para liberação de ADH” (JACOB;

FRANCONE; LOSSOW, 1990 ,p.447). O ADH aumenta a permeabilidade dos túbulos coletores

à água. Assim é formada uma urina hipertônica (mais concentrada) absorvendo a maior parte da

água antes que atinja o túbulo distal.

Segundo Jacob et col (1990) o túbulo contorcido distal localizado no córtex renal é responsável

pela reabsorção do sódio que não foi reabsorvido no túbulo proximal através do transporte ativo

com a ação reguladora da aldosterona. Caso tenha sido liberado o ADH as células da parede

tubular se tornam permeáveis à água, como explicado anteriormente, e a reabsorção é feita por

difusão passiva (sódio + água). De qualquer forma, há uma redução na pressão sanguínea que

estimula a liberação, através do aparelho justaglomerular do rim, da enzima renina.

Essa enzima inicia a formação de angiotensinaII, um octapeptídeo em duas etapas. Na primeira,

angiotensinaI, é formada através da ação da renina num substrato do plasma, na segunda ela é

dividida durante a passagem pelo outros órgãos, principalmente nos pulmões formando a

angiotensinaII que leva a vaso constrição difusa, acionando a secreção de aldosterona e elevando

o volume sanguíneo e a pressão arterial. A aldoesterona regula o volume sanguíneo e a retenção

de sódio e água, por isso é alvo dos diuréticos quando existe alguma disfunção. “Alterações no

volume sanguíneo ou na pressão influenciam a secreção de aldoestorona via sistema renina-

angiotensina.” (JACOB; FRANCONE; LOSSOW, 1990, p.448)

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Após a passagem pelo túbulo distal, onde também será feito o equilíbrio ácido-básico, a urina

agora concentrada chega aos cálices renais seguindo pela pelve, ureteres e por fim deixando

armazenado na bexiga para ser eliminado através da uretra.

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2 Síndrome Nefrótica

2.1 Aspectos Clínicos:

A síndrome nefrótica por alteração mínima (SNAM) é responsável por 80% dos casos de

síndrome nefrótica. É uma disfunção crônica renal que se caracteriza pela perda de proteínas pela

urina, inflamações da pele e órgãos, baixa proteína e alto colesterol no sangue. Essa síndrome se

destaca pela retenção de líquidos e edemas formados a partir da perda da proteína.

A Síndrome Nefrótica tem três formas de apresentação: primitivo, secundários a doenças

generalizadas (lúpus, diabetes, etc) e neonatal que pressupõe um antecedente infeccioso materno

na gravidez (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose). Pode afetar todas as idades, sendo mais

freqüente entre 2 a 6 anos e em meninos.

Whaley e Wong no livro “Enfermagem Pediátrica” (1997) apontam para ausência de explicação

para a doença e descrevem especulações como a de distúrbios metabólicos, bioquímicos, físico-

químico ou imunológico que possam fazer com que haja um aumento na permeabilidade dos

glomérulos responsáveis pela filtragem dos rins permitindo a passagem de proteínas, em especial

a albumina. O edema é resultante da redução oncótica causada pela perda de proteínas

plasmáticas e pela retenção anormal de água e cloreto de sódio. A perda de imunoglobulinas e

componentes predispõe o rim a infecções.

A seguir segue um esquema retirado do livro “Enfermagem Pediátrica” (1997) tendo em vista

que organismo humano funciona de forma a regular e equilibrar seus componentes e funções

físico-químicas. Assim, quando temos uma disfunção ou alguma perda ou excesso o organismo

tentará compensá-la de alguma forma desencadeando uma série de eventos na tentativa de chegar

ao equilíbrio.

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Lesão Glomerular renal

Proteinúria (maciça)

“A membrana glomerular, que é normalmente impermeável à albumina e outras proteínas, torna-se permeável a elas, em particular à albumina, que extravasam pela membrana e são eliminadas na urina (hiperalbuminúria). Esta perda reduz os níveis séricos de albumina (hipoalbunemia), diminuindo a pressão coloidosmótica nos capilares . Em conseqüência, a pressão hidrostática vascular excede a pressão coloidosmótica, provocando o acúmulo de líquido nos espaços intersticiais (edema) e cavidades corporais, particularmente na cavidade abdominal (ascite). O desvio de líquido do plasma para os espaços intersticiais estimula o sistema renina-angiotensina e a secreção de hormônio anti-diurético e aldosterona. Na tentativa de aumentar o volume

Aumento da síntese hepática de

proteínas e lipídios Hipoproteinemia

Diminuição do fluxo sanguíneo renal

Edema Liberação de Renina

Aumento da

pressão hidrostática

Vasoconstrição

Reabsorção de Na+ e água

Aumento da secreção ADH e aldosterona

Hipovolemia Diminuição da Pressão Oncótica Hiperlipidemia

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intravascular ocorre aumento na reabsorção tubular de sódio e de água. A elevação do lipídios séricos não tem explicação.” (WHALEY; WONG., 1997, p.858)

Em outras palavras, de forma simplificada, temos uma lesão glomerular renal que pode ter sido

gerada por uma série de fatores tais como: herança genética; doença neonatal (sífilis), doença

generalizada (por exemplo lúpus) ou qualquer outro tipo de infecção que tenha levado a uma

lesão no glomérulo renal. Essa lesão afetou o sistema de filtragem desse glomérulo que agora

não retém mais as proteínas e sais essenciais para o organismo tais como a albumina. Isso leva a

ter uma urina com proteinúria, ou seja, com proteínas maciças que deveriam continuar no

sistema renal para continuar seu sistema de equilíbrio e a regulação (ver capítulo do rim). Assim,

o organismo fica com hipoproteinamia, isto é, uma diminuição de proteínas fundamentais no

sangue levando a uma diminuição da pressão no sangue (oncótica) e a um aumento da síntese

hepática (fígado) de proteínas para suprir a falta e também de lipídios levando a uma

hiperlipidemia de razões não explicadas. A diminuição na pressão oncótica leva a uma

diminuição no volume do sangue (hipovolemia) levando ao mesmo tempo a :

• Estimulação da secreção de ADH, hormônio secretado pela neuro-hipófise6, aumentando

a permeabilidade do túbulos coletores à água, que devido à liberação de aldoesterona pela

renina (enzima) será reabsorvida juntamente com Na+ na tentativa de aumentar o volume

intravascular.

• Estimulação da enzima renina que forma a angiotensina que em seu segundo estágio

secreta a aldoeterona que leva a vasoconstrição aumentando a pressão arterial e o volume

6 Ver capítulo I

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sanguíneo (pressão hidrostática). Levando ao desenvolvimento do edema, excesso de

líquido a cloreto de sódio nos espaços intersticiais.

O edema, nada mais que um acúmulo de líquidos, pode aparecer em qualquer região do

corpo.(Fig.6 e 7)7

As manifestações clínicas da Síndrome são:

Ganho ponderal Edema Intumescimento da fase Especialmente ao redor dos olhos Evidente ao levantar pela manhã Cede durante o dia Edema do abdome (ascite) Dificuldade respiratória (derrame pleural) Intumescimento labial ou escrotal Edema de mucosa intestinal, podendo causar: Diarréia Anorexia Absorção intestinal deficiente Palidez extrema da pele (freqüente) Irritabilidade Facilmente fadigada Letárgica Pressão arterial normal ou ligeiramente diminuída Suscetibilidade a infecções Alterações urinárias: Diminuição do volume

Opalescente escura Espumosa (WHALEY; WONG, 1997, p.858)

7 Figuras tiradas do site: http://www.encolombia.com/pediatria34399guiademanejo2.htm

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Fig.6:Entumescimento da face Fig.7: Edema escrotal

com edema bipalpebral.

O tratamento mais comum é a emissão de altas dosagens de corticóides (anti-inflamatório e

modulado diminuindo o edema e o risco de infecções), imunossupressores (para casos de cótico-

resistentes aumentando a imunização do indivíduo que pela perda de imunoglobulinas fica

sujeito à infecções) e controle da quantidade de proteína na urina. Alguns casos também são

utilizadas a ciclofosfamida para evitar cistite hemorrágica e Vitamina D, além de manter uma

dieta de acordo com a perda sofrida podendo ser: normoprotéica, normocalórica e hiposódica.

Fica proibida a aplicação de vacinas durante o período de doença ativa ou durante o tratamento

até 2 meses do termino do mesmo.

Existem casos em que há remissão do quadro sem seqüelas renais, porém as recaídas são

freqüentes.

Classificam-se tipos de população:

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- Cortico-sensíveis que tem a remissão completa (redução de proteína na urina)

dentro das primeiras 8 semanas de tratamento com corticóides. Nesses casos pode

ou não haver recaídas decorrentes a uma nova disfunção ou há queda de

imunidade resultante do próprio tratamento.. Trazendo, muitas vezes, a

necessidade de retomar o mesmo processo.

- Cortico-dependência ou cortico-resistentes: quando recai com a redução ou

suspenção da corticoterapia.

- Resposta inicial: resposta adequada em 7 a 10 dias do tratamento.

- Resposta tardia: resposta nas últimas semanas de terapia.

O prognóstico se torna pior em casos de cortico-resistência; doença presente em menores de 1

ano; componentes de hematúria, glicosúria, insuficiência renal, hipertensão arterial;

hipocomplementemia persistente. Nesses casos, muitas vezes, a saída recai apenas na

possibilidade de um transplante ou hemodiálise.

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2.2 Aspectos Simbólicos

Segundo Dahlke e Dethlefesen (2002), a doença surge como a manifestação de uma falta de

harmonia com a totalidade. Sendo a consciência humana polarizada, ou seja, não consciente da

sua totalidade, estando sempre o consciente e o inconsciente a compensar seus diferentes

aspectos, faz pensar na doença como expressão inevitável da imperfeição do humano. Essa

desarmonia se manifesta na forma de sintomas, que seriam parte da sombra da nossa consciência

que não foram integradas e precipitaram de forma física. Ou seja, o sintoma vem no lugar daquilo

que nos falta na consciência. A cura de fato só é viável à medida que nos integramos a esses

aspectos da sombra descobrindo seu verdadeiro Self, tornando o sintoma supérfluo. Para isso não

cabe tentar encontrar causas para os sintomas, tendo a noção de que estes são atemporais. Isso

quer dizer, que podemos sim encontrar um motivo no passado que o justifiquem ou mesmo

alguma finalidade futura, mas isso de nada facilitaria na compreensão e na integração dos

conteúdos à consciência. Deve-se compreender o conteúdo bem como o que está atrelado a ele.

Como foi dito anteriormente não temos consciência da nossa totalidade, assim nos identificamos

sempre com apenas uma parte do EU. Para atingirmos a perfeição precisamos entrar em contato

com nossos aspectos não aceitos, que Jung chama de sombra, e integrá-los enquanto auto-

imagem. Assim teríamos uma unidade, que engloba tanto o feminino quanto o masculino. O ser

humano é constantemente impelido a realizar as suas potencialidades e chegar à totalidade. Dessa

maneira, todos os seres humanos são impelidos à busca de alguém que personifique a sua sombra

para que possa integrar seus próprios aspectos que são, em geral, projetados no outro.

Relembrando e sintetizando a função dos rins8 que ficam comprometidas nessa síndrome:

O principal trabalho dos rins é a filtragem, separando que é benéfico e prejudicial ao organismo. 8 A descrição detalhada dos aspectos orgânicos e as funções dos rins está no cap. I

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Para simplificar o tema, devido à sua complexidade fisiológica vamos falar de duas funções básicas. O primeiro passo do processo de filtragem funciona segundo o modelo de um filtro mecânico, no qual são retirados pedaços de determinado tamanho. Os poros desse filtro têm o tamanho exato para reter as menores moléculas das proteínas (albumina). (DAHLKE; DETHLEFSEN, 2002, p.170)

Esse processo pode ser comparado à função discriminatória do ego, que seleciona aquilo que fica

no consciente e aquilo que, por algum motivo não poderia ser aceito pelo indivíduo como sendo

seu, é reprimido ficando no inconsciente. Assim, o psiquismo se alto preserva. Sem uma

modulação do que pode ou não irromper a consciência, o psiquismo ficaria sobremaneira

desprotegido podendo sucumbir diante de um conteúdo que ainda não poderia ser aceito pelo

indivíduo.

O ato de selecionar implica em discriminar, escolher, pressupõe hierarquia, assertividade, um senso objetivo e ação, o que do ponto de vista da psicologia analítica, são características que se desenvolvem na relação com a figura masculina, com o pai, base a partir da qual, predominantemente, se realiza o animus na mulher.(YOSHIKAWA, 2002, p. 151)

Outro processo importante depende dos princípios de: osmose, que trabalha a compensação entre

a pressão e a concentração de dois fluidos divididos por uma membrana semi-permeável e

contrafluxo explicado abaixo:

Durante o processo, o princípio do contrafluxo faz com que ambos os líquidos, cuja concentração é diversa, sempre tornem a passar perto um do outro; a conseqüência disto é o fato de os rins poderem, caso necessário, excretar a urina altamente concentrada. (...) O objetivo final desse equilíbrio osmótico é assegurar ao corpo a capacidade de reter os sais vitais ao organismo, dos quais, entre outras coisas, depende o equilíbrio entre ácido e base. (DAHLKE; DETHLEFSEN, 2002, p.170)

Da mesma forma que o rim tem essa função de auto-regulação do organismo, equilibrando

pressão concentração de elementos vitais ao organismo o psiquismo também trabalha de forma

compensatória. A tendência compensatória e sistematizadora é o que Neumann (1995) denomina

como centroversão9 levando o psiquismo a integrar a totalidade. Essa tendência está

intimamente relacionada ao biológico e orgânico podendo, dependendo do primitivismo do nível 9 A centroversão está explicada no capítulo II-3.5

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psíquico, ser intensamente identificada com os eventos corporais. “Complexos e arquétipos mais

profundos têm as suas raízes ainda mais assentadas na fisiologia do corpo e, ao irromperem na

consciência, afetam, de maneira violenta, o todo da personalidade...” (Neumann, 1995, p.210)

Essa pode ser a gênese de psicoses e somatizações.

O processo que visa equilibrar a quantidade de ácidos e bases no organismo, pode segundo

Dahlke e Dethlefesen (2002) ser relaciondo com O Yin e o Yang, os aspectos femininos e

masculinos. Assim como “o rim deve garantir o equilíbrio ácido/base o parceiro através do

relacionamento, concretiza a sombra do outro.” (DAHLKE; DETHLEFSEN, 2002, p.171) A

dificuldade ocorre quando reconhecemos todas as influências perturbadoras apenas no outro,

ficando assim estagnados na projeção. Isso demonstra a incapacidade da psique de elaborar os

aspectos da sombra refletidos pelo outro e, dessa forma, reconhecê-los como meus. A

somatização disso pode levar os rins a permitir a passagem de substâncias vitais como a proteína

(albumina) e os sais analogamente aos aspectos vitais do próprio desenvolvimento.

O rim traz em seu significado simbólico as relações de parceria. Essa parceria não precisa ser

necessariamente conjugal ou sexual, mas o envolvimento da pessoa com seus semelhantes. Ao

pensarmos em crianças cuja relação tem como base a relação primal e depende desta para seu

desenvolvimento deve-se pensar em que medida ela atua nesse psiquismo de forma a alterá-lo ou

não.

A união com a mãe só vai se dissolvendo gradualmente, à medida que a individualidade e a consciência de ego da criança desenvolve. C.G.Jung atribui muitos dos distúrbios da psique infantil a distúrbios dos pais. Isto significa que, até a puberdade, existe normalmente uma união parcialmente inconsciente entre filhos e pais, especialmente filho e mãe. A situação da participation mystique expressa-se por exemplo no fato de um estado de ansiedade da mãe passar para o filho sem necessidade de haver nenhum tipo de comunicação direta ou indireta. Enquanto que para a Psicologia Analítica a constelação de identidade da relação primal e o desenvolvimento do ego a partir dela desempenha uma papel importante e talvez decisivo, Sullivan concentra-se quase que exclusivamente na transmissão da ansiedade da mãe para o filho. (NEUMANN, 1999, p.20)

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Também devemos pensar que, como foi dito e explicado de forma mais detalhada em outro

capítulo10 a criança já desenvolveu seu self e a consciência do ego, mas ainda está caracterizada

de forma embrionária sendo ainda produto dos pais. Dessa maneira, como Jung afirma que a

criança pode identificar-se com o psiquismo dos pais, de tal forma que ela passa a representar o

inconsciente deles e a viver de acordo com as escolhas que eles não fizeram e que agora se

encontram reprimidas em seu inconsciente. Sendo assim não podemos falar de uma sombra

exclusiva da criança, pois esta representa a sombra coletiva relacionada à família e

principalmente aos pais.

Partindo desse princípio e relembrando que para Jung grande parte das neuroses infantis vem de

conflitos inconsciente dos pais e do relacionamento entre eles, podemos dizer que a criança vive

essa sombra mal projetada dos pais.

Importante acrescentar que é através do chamado eixo ego-Self que os conteúdos chegam à

consciência sendo integrados ou não a ela, sendo assim e reforçando a importância da relação

mãe-filho e que vinha sendo descrita anteriormente têm-se:

De um ponto de vista que privilegie o desenvolvimento, um eixo ego-Self vigoroso e viável forma-se no indivíduo, em função da qualidade do relacionamento entre a mãe e o bebê, com um equilíbrio entre a união e separação, entre a evolução e a aprovação de habilidades específicas e aceitação do bebê como um todo entre a exploração do mundo externo e auto-reflexão. (SAMUEL apud CHAGAS; FORGIONE, 2002, p. 93)

A criança ainda tem um ego germinal, um eixo ego-self frágil não conseguindo modular esses

conteúdos “adultos” e transformá-los em imagens que possam ser “digeridas” pelo psiquismo,

sendo assim somatiza.

Marinucci (1997, p. 200) coloca que o sintoma psicossomático substituiria a experiência interna da dor, poupando dessa forma a um ego muito débil, o esforço da elaboração do evento doloroso. O sintoma teria a função de manter a integridade

10 Cap.II- 3.4: O desenvolvimento da consciência

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psíquica, preenchendo uma lacuna originada na relação primitiva com a figura materna. (YOSHIKAWA, p.48, 2002)

Winnicott (apud CARBONE 2001) também tem em sua teoria, de uma forma diferente, a

importância da relação mãe-filho para a constituição do indivíduo. Esse autor em especial ressalta

o papel da mãe para o desenvolvimento nos primeiros anos de vida que repercutirão em toda a

sua existência. A mãe suficientemente boa, como ele nomeia, é aquela capaz de suprir de forma

adequada e equilibrada as necessidades físicas e emocionais do filho. A mãe, em seu papel

fundamental possibilita que o bebê do seu estado não-integrado passe para uma vivência de

integração com seu corpo desenvolvendo seu próprio self. Essa integração só é possível, de forma

saudável, se a mãe conseguir traduzir para o bebê o mundo saciando as sua necessidades de

forma adequada. Segundo Carbone (2001) a partir disso o bebê começa a ter o contato com seu

próprio corpo e a sentí-lo como sendo sua totalidade. Inicialmente o bebê não tem uma

organização de pensamento tem apenas sensações do que é prazeiroso ou não. Ele não sabe que o

seio da mãe lhe nutre, mas sabe que existe alguma coisa que o acalma e sacia. Chupa o dedo num

movimento semelhante ao sugar do seio, que deve relembrar a sensação acolhedora conseguindo

da mesma forma se acalmar. O bebê fantasia na experiência do corpo, que para a criança é uma

representação de sua totalidade. Dessa forma, desenvolve o que Winnicott chama de elaboração

imaginativa simbolizando e vivendo cada parte de seu corpo e suas funções através de uma

representação mental. A psique dessa maneira aloja-se no corpo:

“A psique portanto está fundamentalmente unida ao corpo através de sua relação tanto quanto o tecido e órgãos quanto com o cérebro, bem como através do entrelaçamento que se estabelece entre ela e o corpo, graças a novos relacionamentos produzidos pela fantasia e pela mente do indivíduo, consciente ou inconsciente.” (WINNICOTT apud CARBONE 2001, p.45)

Para Winnicott (apud CARBONE 2001) é necessário que haja saúde física para que tenha a

segurança necessária para se desenvolver emocionalmente de forma satisfatória. Se é assim,

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como pensar ao desenvolvimento da criança numa doença? Como foi dito é necessário que a

criança tenha a vivência de um ambiente acolhedor, suficientemente bom, dessa forma ela é

capaz de integrar-se e agüentar a falha do ambiente (a doença) transformando a frustração em

adaptação. De outra forma, seria mais difícil integrar a experiência de forma a se ajustar

saudavelmente. Já que falamos do aspecto simbólico do rim levando a pensar nos

relacionamentos e que o primeiro relacionamento está com essa mãe, que por algum motivo não

teria conseguido traduzir e suprir as necessidades do bebê de forma adequada. E que o corpo

representaria um estado da psique, o desequilíbrio químico, a disfunção num órgão, poderia estar

denunciando essa falha no ambiente e talvez evidenciando uma dificuldade nessa relação.

Atrelado as hipóteses descritas, que ressaltam a relação, têm-se estudos como o registrado no

artigo “Behavior Problems in Nephrotic Syndrome” (METHA et al, 1995) que diz que pacientes

com doenças crônicas podem ter dificuldade de ajustamento, baixa auto-estima e autoconfiança.

Em particular na Síndrome Nefrótica, em alguns casos pode haver problemas como depressão,

hiperatividade, comportamento agressivo e problemas na escola. Em geral, os casos que

necessitam de intervenção estão relacionados ao comportamento familiar, em particular, a atitude

das mães, muitas vezes, com exagerados graus de ansiedade que podem determinar a seriedade

dos desajustes comportamentais.

No I Congresso Brasileiro de Saúde Mental e qualidade de vida em nefrologia (2003) foi

evidenciado em alguns trabalhos a desestruturação familiar na descoberta da doença, o stress dos

cuidadores, as modificações na percepção de si e do corpo discutindo a readaptação e a

qualidade de vida. Ressaltam a dificuldade em lidar com algo inesperado, uma doença que

irrompe a família e leva a todos alterarem as suas rotinas para o bem-estar do doente. A dinâmica

familiar, bem como as relações, também é alterada. Segundo Lazaretti (2003) a família, muitas

vezes, passa a se identificar como sendo “diferente”, não somente a sua estrutura muda, mas seu

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imaginário também refletindo em suas relações sociais. Segundo Belasco (2003) freqüentemente

há a sobrecarga de um membro da família e em 86% dos casos são mulheres e com nível baixo

econômico.

A maioria dos trabalhos, não somente desse congresso, mas em toda a literatura estudada acentua

a insuficiência renal crônica, a hemodiálise, o transplante. Na síndrome nefrótica a família e o

paciente passam pela incerteza do diagnóstico, da cronicidade da doença levando ao que Bury

(apud GUALDA; LIMA, 2001) chama de ruptura biográfica. “A ruptura biográfica é

caracterizada pela perda potencial da identidade e pela perda de controle sobre o corpo,

resultantes das alterações corporais, do aparecimento dos sintomas e do estabelecimento do

diagnóstico.” (BURY apud GUALDA, LIMA, 2001, p.46). Esse mesmo autor ressalta que a

ruptura pode ser amenizada quando o indivíduo consegue, através do esforço pessoal, elaborar

um significado ou uma explicação para sua doença.

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3 A visão de saúde segundo a Psicologia Analítica

Whitmont (2000) ressalta em seu livro “A busca do símbolo” a importância de entendermos que a

terminologia é necessária, mas que não é capaz de descrever os conceitos de complexo,

arquétipo, self, símbolo, anima, animus, sombra e outros da psicologia analítica de forma

completa. Ele os chama de hipótese simbólica como sendo algo que representa da melhor forma o

que é desconhecido, o que não pode ser visto, tocado ou verificado laboratorialmente ou

estatisticamente. Cita Jung dizendo: “em psicologia as teorias são o próprio demônio. É verdade

que precisamos de certos pontos de vista para a orientação e o valor heurístico, mas eles devem

sempre ser considerados auxiliares que podem ser descartados a qualquer

momento”.(WHITMONT, 2000, p. 32)

3.1 Complexo/ Arquétipo

Jung, no hospital de psiquiatria em Zurique, fazia pesquisas de Psicologia experimental

utilizando em seus sujeitos o processo associativo. Nesse processo o pesquisador citava uma lista

de palavras sem nenhuma relação entre si. O participante deveria responder com uma única

palavra a primeira coisa que viesse em sua mente. Esse processo era cronometrado e partia do

princípio que “vida psíquica explicar-se-ia pelas combinações e recombinações dos elementos

mentais, que entrariam em conexão segundo determinadas leis (leis de contigüidade, semelhança,

contraste, etc)” (SILVEIRA, 2000, p.25)

Essas experiências meticulosamente registradas e analisadas apontaram para variações na

qualidade e no tempo da resposta. Alguns momentos os participantes hesitavam a responder,

riam, brincavam, respondiam com uma frase. Isso tudo que a psicologia clássica considerava

como inadequado e inconveniente era objeto de principal atenção para Jung. Através de suas

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análises ele percebeu que essas variações ocorriam quando por algum motivo a palavra-estímulo

havia perturbado o participante. Verificando a reação dos participantes percebia que havia

atingido algo tão carregado que o ego não foi capaz de incorporar. Considerou que havia atingido

algum conteúdo emocional que só pôde ser apresentado devido ao enfraquecimento da atenção. A

esses conteúdos Jung denominou inicialmente como agrupamento de idéias de acento emocional

no inconsciente e mais tarde como complexo.

As respostas produzidas em associação espontânea não são, por natureza, acidentais, mas determinadas, com incrível precisão, pela influência perturbadora de conteúdos inconscientes e sensíveis aos complexos. Por isso, o tipo e a duração dos sintomas permitem concluir sobre a tonalidade do sentimento e a profundidade e efeito dos conteúdos carregados de emoção, ocultos no fundo da psique.(JACOBI, 1986, p.17)

Jacobi (1986) descreve o complexo segundo Jung tendo uma parte nuclear com uma carga afetiva

que o consciente não tem controle e a casca com uma série de associações ligadas ao elemento

nuclear originadas do ambiente através das experiências do indivíduo e da sua constituição

pessoal. Nessa afirmação podemos apontar uma relação entre complexo e arquétipo entendendo

arquétipo como “alicerces da vida psíquica comuns a todos os seres humanos” (SILVEIRA,

2000, p.33).

Os complexos podem manifestar todos os graus de autonomia. Enquanto uns ainda jazem ocultos pacificamente na estrutura geral do inconsciente, mal sendo notados, outros trabalham como perturbadores reais da “ordem caseira” da psique e outros já abriram caminho para o interior do consciente, mas mesmo ali não se deixam influenciar e permanecem, num maior ou menor grau, como teimosos autocratas. (JACOBI, 1986, p.19)

Os complexos só adentram na consciência quando se associam com o complexo do eu dessa

forma constelam e irrompem a consciência, podendo ser percebidos quando cometemos “gafes”,

falhas na memória, sonhos denotando que algum fenômeno se associou a sua carga energética.

Os complexos podem se apresentar ao consciente e voltar à inconsciência por ação da repressão

ou nunca se tornarem conscientes. Eles podem também “ser conhecidos” pelo consciente, mas

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compreendidos de forma intelectualizada. Atuarão de forma nociva até serem reconhecidos, ou

seja, que haja uma transferência de sua energia ocasionando numa descarga emocional sendo

assim dissolvido pela consciência. Esse é o trabalho da terapia reconhecer esses complexos e

corrigi-los. Quando há a “digestão” do complexo a psique regula sua energia Evidentemente é

mais fácil reconhecer aqueles que já estão na consciência, que já são conhecidos. Os que estão na

inconsciência podem até se associar a fenômenos, mas jamais serão reconhecidos.(Jacobi, 1986)

Por isso, Jung discorda de Freud quando este diz que a conscientização pode levar a “completa

superação da mentalidade primitiva” (JACOBI, 1986, p.30) já que ele teria solucionado apenas a

parte que estava constelada. Para Jung, segundo JACOBI (1986) apenas uma interpretação

simbólica é capaz de “libertar o núcleo da sua envoltura patológica”. Ele pode estar relacionado

ao inconsciente pessoal ou coletivo “a personalidade consciente do eu decide o papel que cabe ao

complexo” (JACOBI, 1986, p.34) e para libertá-lo onde o consciente é capaz de compreender e

integrar esse aspecto. Caso contrário o “consciente sucumbe vítima do complexo”. (JACOBI,

1986, p.34)

“Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os complexos de teor emocional que

constituem a intimidade pessoal da existência já os conteúdos do inconsciente coletivo, porém

são chamados arquétipos.” (JACOBI, 1986, p.36) Por esse motivo é difícil precisar a origem dos

arquétipos já que só temos acesso ao inconsciente coletivo de forma indireta. Segundo Silveira

(2000) ele é o representante de um “depósito” de vivências da humanidade historicamente e

biologicamente com suas emoções, percepções pensamentos e ações que estão fadadas a se

repetirem.

O arquétipo se apresenta ao consciente através de imagens de acordo com as vivências internas e

externas de cada um. O arquétipo só é considerado parte da psique quando ele recebe uma forma

manifestada pela vivência particular do indivíduo. Esse é o que Jung chama de arquétipo

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perceptível caso contrário ele é apenas uma “imagem arquetípica” do inconsciente coletivo com

potencial de se transformar num arquétipo em si ou perceptível.

Os arquétipos não se propagam, de forma alguma, apenas pela tradição, a linguagem e a migração, mas podem renascer espontaneamente em qualquer lugar e tempo, isto é, de um modo que não é influenciado por nenhuma transmissão externa...Esta constatação significa nada menos que, em cada psique, há prontidões vivas, formas que, embora inconscientes, não são, por isso, menos ativas, e que moldam de antemão e instintivamente influenciam o seu pensar, sentir e atuar.” (Jung apud JACOBI, 1986, p.41)

Isso quer dizer, que os arquétipos não são produções da psique inconsciente, mas são pré-

existentes a ela estando de alguma forma ligada ao cérebro. Segundo Jacobi (1986) Jung ressalta

que os arquétipos são ao mesmo tempo imagem mitológicas e emoção que o indivíduo herda

juntamente com a estrutura cerebral tornando-se os aspectos psíquicos dessa estrutura.

Temos, por isso, que necessariamente admitir que a estrutura cerebral dada deve o fato de ‘ser como é’ não apenas à influência das condições ambientais, mas, na mesma medida, à natureza específica e autônoma da matéria viva, isto é, a uma lei que é dada com a vida. A natureza do organismo em por isso, um produto de condições externas, por um lado, e das determinações inerentes ao ser vivo, por outro. Em vista disso, a imagem originária (o arquétipo) também deve ser relacionada, sem dúvida alguma, por um lado, com certos processos naturais que, caindo nos sentidos e se renovando continuamente, são, por isso mesmo, sempre efetivos; por outro lado, no entanto, ela deve ser relacionada, com o mesmo caráter indubitável, com determinadas determinações internas e da vida geral. (JUNG 1950 apud JACOBI, 1986, p. 43)

Essa “herança” em nada tem a ver com hereditariedade, mas sim como “estrutura da psique, tal

como é, representa um patrimônio humano geral e carrega dentro de si a capacidade de

manifestar-se em determinadas formas específicas” (JACOBI, 1986, p.54). Isso significa que

pessoas diferentes em lugares diferentes podem, segundo sua característica pessoal e sua natureza

interna e externa, constelar de maneira a produzir as mesmas formações.

A noção de arquétipo, postulando a existência de uma base psíquica comum a todos os seres humanos, permite compreender por que em lugares e épocas distantes aparecem temas idênticos nos contos de fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, na filosofia, nas produções do inconsciente de um modo geral – seja nos sonhos de pessoas normais, seja em delírios de loucos. (SILVEIRA, 1997, p. 69).

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Segundo esse autor, Jung enfatiza que os arquétipos não são idéias herdadas, mas a

“possibilidade herdada de idéias” (JUNG apud JACOBI, 1986, p.54). Dessa forma, a pessoa

nasce com o potencial para tornar uma “imagem arquetípica” num arquétipo dependendo apenas

da constelação, que assim que acontece ele começa a agir organizando e dirigindo o material

consciente através de imagens. Jacobi (1986) ressalta também que a interpretação do arquétipo

varia de acordo com o indivíduo já que a matéria aliada na constelação do arquétipo pode variar

de acordo com a natureza interna da psique do indivíduo. Atenta para a ilusão de definir um

arquétipo dizendo ser a tradução por metáforas a única forma viável de explicá-lo.

Os arquétipos têm sim diferentes graus como uma certa hierarquia entre eles. Quanto mais

próximo do consciente menor a numinosidade e a carga energética atrelada a ele. Portanto se vier

de pontos mais profundos da consciência, mas opacas e difíceis de compreensão, porém com uma

maior possibilidade de desenvolvimento ao descobrir seu significado. (JACOBI, 1986)

Jung também apontou para a presença de eventos que ocorrem simultaneamente sem qualquer

relação de causalidade. Aquelas “coincidências” que ocorrem em circunstâncias com o mesmo

sentido ou algum sentido parecido. Elas podem ser originadas de vivências internas como sonhos

e intuições e externas. A isso ele denominou sincronicidade sendo atemporal e sem relação de

causa e efeito e tomando o arquétipo como o principal causador dessa “sensação.” Explica que

isso se deve a queda do nível consciente espontaneamente o arquétipo penetra nesse campo

tornando-se perceptível a ele.

Por mais incompreensível que isso possa parecer somos forçados finalmente a admitir que há, no inconsciente, algo como um saber a priori, ou melhor, uma reserva de acontecimentos, que não necessita de qualquer fundamento causal e que, sob uma constelação adequada, se manifesta de maneira perceptível. (JUNG 1950 apud JACOBI, 1986, p.64)

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Para tornar-se perceptível ao consciente o arquétipo tem que tomar a forma de uma imagem e só

assim ele se torna acessível a qualquer forma de tradução, que pode ou não se configurar num

símbolo a dizer:

Quando um arquétipo aparece no aqui e agora do espaço e do tempo, podendo, de algum modo, ser percebido pelo consciente, falamos então de um símbolo. Diz-se, dessa forma, que cada símbolo é também um arquétipo, que ele precisa estar determinado por um arquétipo “em si” (que não é perceptível), o que significa que precisa ter um “esboço fundamental arquetípico” a fim de ser considerado símbolo; mas isso não quer dizer que o arquétipo precisa ser idêntico a um símbolo. Como estrutura inicialmente indefinível em seu conteúdo, como “sistema de prontidão” ou “centro energético invisível”, etc., como já caracterizamos o “arquétipo em si”, ele é, sem dúvida alguma, sempre um símbolo em potencial e, quando existe uma constelação psíquica geral ou uma posição adequada do consciente, ele está sempre pronto para atualizar e aparecer como símbolo. (JACOBI, 1986, p.72)

3.2 Símbolo/ Compreensão Simbólica da doença:

A palavra símbolo é largamente usada em todos os campos da experiência humana, porém muitas

vezes o termo usado não representa o que Jung entende por símbolo. Por isso, ele faz a distinção

entre símbolo e signo.

O símbolo representa algo que não é nomeado é sentido. Oculta algo profundo que foge ao

consciente. Sua aparência se modifica de acordo com as circunstâncias internas e externas do

indivíduo. Como foi dito, ele vem da percepção de um arquétipo, ou seja, de acordo com o

inconsciente coletivo, “símbolo coletivo”, a ao se juntar à consciência individual toma um caráter

particular, próprio do indivíduo “símbolo individual”. (JACOBI, 1986) Na maioria dos casos um

símbolo que é decorrente do inconsciente pessoal é,na verdade, um sintoma ou signo.

“A experiência simbólica não é feita por nós, mas sim nos acontece.” (WHITMONT, 2000, p.22)

Ela surge como uma necessidade de auto-regulação da psique que funciona de maneira a

compensar ou complementar as vivências e experiências do indivíduo. Um símbolo para Jung é

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“a expressão de uma experiência espontânea que aponta para além de si mesma na direção de um

significado não transmitido por um termo racional (...)” (WHITMONT, 2000, p.18) Assim, o

símbolo não se apresenta conscientemente não podendo ser explicado de forma lógica, por isso se

a representação traduz algo conhecido ela é chamada de signo e nunca como símbolo.

Segundo Whitmont (2000) a abordagem simbólica vai se preocupar com aquilo que parte da

emoção e do conhecimento intuitivo buscando o que está além do observável. Ao explicar isso

aponta para a dificuldade de homem contemporâneo em aceitar e entender essa abordagem

decorrente do movimento, iniciado na Idade Média, que levou a superestimar a lógica em

detrimento da emoção. Esta acaba sendo considerada dispensável e a intuição como irreal. Atenta

que essa forma de supervalorizar a razão trouxe ao homem ocidental a atrofia e o primitivismo

em suas ações no que dizem respeito às emoções. Por isso, e dentro dessa ótica apresentada, uma

experiência simbólica como um sonho, que representa sentimentos, sensações, pensamentos

subliminares compreendidos inconscientemente, jamais terá seus conteúdos e elementos

traduzidos, substituídos ou compreendidos como desvios de uma normalidade ou expressão nua e

crua de uma disfunção. Verá sim, que as imagens estão ali porque a psique necessita transmitir

alguma mensagem para o indivíduo, que podem ter um significado futuro até então desconhecido

sendo, muitas vezes, conseqüências dessa unilateralidade da consciência. Isso ocorre porque,

segundo Jung, consciente e inconsciente atuam de forma compensatória. O inconsciente não é

estático, imutável. Ele atua de forma a compensar a consciência e esta, em contrapartida, também

se encontra subordinada ao inconsciente. Dessa forma a psique se encontra auto-regulada.

Qualquer falha nessa regulação traz como conseqüência disfunções como a neurose, psicose,

doenças orgânicas, etc. Foi através dos sonhos que Jung explicou essa função compensatória.

Sempre que existir alguma reação consciente que se encontra de uma forma exagerada ou

unilateral surgem sonhos compensadores para regular a psique. Seguindo o mesmo princípio,

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É auxiliar a alcançar essa terceira possibilidade o objetivo da proposta simbólica de compreensão da doença orgânica segundo Serino (2001), à medida que se considera essa vivência como forma representativa de significados simbólicos se atinge a compreensão da doença como um todo e não apenas por suas considerações orgânicas. Dessa forma, admite-se “a vivência do universo psíquico por meio do corpo. O conceito que fundamenta essa possibilidade é o chamado Self Corporal, definido por Erich Neumann.” (SERINO, 2001, p.39)

Segundo Serino (2001) o corpo é local em que o indivíduo também pode se desenvolver

psiquicamente, é onde ficam depositados os aspectos mais primitivos não integrados pela

consciência. Assim deve-se entender o Self Corporal como “instância corpórea da totalidade”

(SERINO, 2001, p.40) possibilitando a expressão de símbolos através da experiência orgânica.

O Self Corporal, no dinamismo matriarcal, é vivenciado por meio do simbolismo primitivo: a experiência é vivida em sua concretude, não passando por processos secundários de elaboração simbólica abstrata, recurso somente adquirido posteriormente , no dinamismo patriarcal. Portanto, quando se fala de símbolos matriarcais se fala em uma simbolização imediata, isto é, não mediada por outros recursos de elaboração (...) O Self Corporal como instância primeira e inauguradora do processo de diferenciação ontogenética da psique, é o germe de todo o processo de individuação. É na relação primal que o corpo se constitui, e é no corpo que a psique se constitui secundariamente: “... psique aqui significa a elaboração imaginativa de partes, sentimentos e funções somáticas, isto é, de vivências físicas” (SERINO, 2001, p. 40)

Quando o indivíduo adoece, ele busca um médico que irá procurar a origem da moléstia através

da disfunção química ou da atividade de algum órgão. Seus esforços serão direcionados para a

compreensão dos sintomas, seu momento e local de origem. Dessa maneira, como uma máquina

que não está regulada, será tratada sem levar em conta o contexto e o significado, a singularidade

da doença para esse indivíduo. Assim, separando psique e corpo trabalha-se com uma como se

outra não existisse tornando o homem vítima do acaso, sem responsabilidade e consciência de

seu desequilíbrio.(RAMOS, D. 1995)

Entender a doença como uma possibilidade de encontro de aspectos do ser humano e integração

dos opostos numa perspectiva simbólica aponta para a necessidade de se entender que a ausência

de sintomas não é mais sinônimo de saúde e que o corpo doente pode ser uma expressão da

necessidade de equilíbrio.

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Essa visão dicotomizada traz como erro os dois aspectos já que ignorar a importância do

orgânico seria tão grave quanto é desprezar os aspectos psicológicos da doença portanto a

proposta não consiste em desconsiderar os aspectos tradicionais da medicina, mas de ampliá-los

a uma concepção da natureza simbólica dos sintomas do indivíduo em seu contexto histórico no

sentido de significá-las em busca de uma ampliação da consciência que possibilite a “cura”.

Byington (apud Serino, 2001) levanta uma questão ao desenvolver o conceito de Símbolo

Estruturante como algo na psique que reúne consciente e inconsciente:

Todas as partes do corpo desempenham, em algum momento da vida, a função de Símbolo Estruturante do desenvolvimento psíquico e a qualquer momento podem se tornar Símbolo Estruturante do processo normal de desenvolvimento, (...) todo o médico deveria conhecer o simbolismo do corpo e a sua capacidade de expressão simbólica pelo sofrimento de um órgão. Se alguém é agredido e reclama, ninguém vai achar que está doente. Por que então não reconhecemos as reclamações simbólicas viscerais e buscamos os fatores existenciais que estão expressando? (Byington apud SERINO, 2001, p. 34)

Como já foi dito para a Psicologia Analítica a doença pode ter a função de regular a psique.

Lembrando que para Jung a psique tem uma função compensatória: para todo excesso ou déficit

de alguma atitude na consciência a psique denuncia o desequilíbrio através de expressões

oníricas, fantasias ou sintomas físicos. Diante disso, é necessário compreender o indivíduo em

todas as suas dimensões. Denise Ramos (apud SERINO, 2001) propõe aspectos relevantes para a

compreensão de um homem bio-psico-social em que é considerado em todas as suas dimensões e

individualidades. Para ela devemos compreender:

- a relação da doença orgânica com a totalidade do indivíduo; - a compreensão dos significados dessa doença para o indivíduo; - a perspectiva processual da doença; - o instrumento relacional como referência para a compreensão dos significados da

doença para o indivíduo; - a perspectiva simbólica do corpo e de suas doenças; - a singularidade da doença para cada indivíduo. (SERINO, 2001, p. 20)

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Whitmont (2000) aponta a necessidade de conhecer a finalidade da doença para o indivíduo, que

uma vez descoberta poderia ser integrada à consciência revelando-se em forma de cura. Denise

Ramos, em seu livro a “Psique do Coração” (apud Serino, 2001), aponta a importância do

símbolo como mediador entre consciente e inconsciente para chegar à cura dos sintomas.

A bússola do ego em direção à totalidade é dada pelo símbolo. Um desvio da rota também é revelado pelo símbolo e representado, com freqüência, pelo sofrimento. Mas, assim como o símbolo aponta o erro, pelo sofrimento envolvido, também aponta para o seu significado. Entretanto, simplesmente pela forma com que um símbolo se apresenta (doença ou saúde), não podemos dizer se ele aponta para a necessidade de uma correção ou se revela uma próxima etapa no desenvolvimento normal. Em geral, as intenções se mesclam e de início a consciência não as discrimina.(RAMOS, D., 1995, p. 46)

Em seu segundo livro “A psique do corpo” (apud SERINO, 2001) a autora acrescenta que a

doença pode ter a finalidade de fazer o indivíduo entrar em contato com o desconhecido e

ampliar a consciência. Segundo Denise Ramos em a “Psique do coração” (1995) para Jung a

doença seria uma representação simbólica no processo de individuação.

... o sintoma leva o indivíduo a uma maior consciência corporal e pode reposicioná-lo no processo de individuação. No caso de uma repressão, a doença poderia ser necessária para a religação da consciência com a sua totalidade, uma vez que esta foi perdida ou lesada por processos de desajustes emocionais, desajustes estes decorrentes, em geral da atuação de um complexo e/ou perturbação no eixo ego-Self. (RAMOS, D., 1995, p.46)

Sendo assim a tradução do simbolismo da doença poderia auxiliar na integração dos aspectos da

sombra e conseqüente transformação do indivíduo (YOSHIKAWA, 2002).

3.3 Processo de Individuação

Para Jung o processo de individuação é uma ampliação da consciência onde consciente e

inconsciente tornam o seu diálogo mais próximo. “É uma tendência instintiva a realizar

plenamente potenciais inatos.” (SILVEIRA, 1997, p. 77). Ocorre de forma circular, consciente e

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inconsciente se agrupam em torno do self sendo esse o centro da personalidade total. Para Jung

este

é o centro organizador que rege o desenvolvimento psíquico. É o arquétipo da orientação e do sentido. A meta do processo de individuação é o self. Jung utilizou a mesma palavra para designar a totalidade psíquica e o centro desta. Quando queremos diferenciar uma coisas da outra usamos o termo“si-mesmo” para a totalidade e “arquétipo central” para o centro. (RAPPAPORT, 1984, p. 150).

Para atingir esse estágio o indivíduo tem que passar por algumas etapas do processo de

individuação tais como despir a roupagem da persona, travar conhecimento com a sombra,

confrontar anima e animus. Persona são os papéis que vamos assumindo ao longo de nossa vida

desde o nascimento. É o que a família, a sociedade espera de nós, como devemos ser como mãe,

pai, filho, profissional, etc. São as exigências e expectativas sociais. Cada ser humano deve

construir uma persona adequada que possibilite adaptar-se ao meio em que vive, porém é

impossível satisfazer a todas as exigências da coletividade e deve-se saber distinguir o ego da

persona. Quando este é identificado com a mesma traz como conseqüência neuroses e torna mais

difícil o encontro com sua identidade profunda.

O confronto com a sombra não é uma das tarefas mais simples do ser humano. Nela estão todos

os valores individuais e coletivos reprimidos, tudo aquilo que não queremos ou não podemos

trazer à “superfície, parte iluminada” que reconhecemos como sendo parte de nossa

personalidade. Podem ser também qualidades que por circunstâncias do meio não pudemos

desenvolver. Vivemos projetando essa parte no meio externo vendo nos outros características

que não reconhecemos ser nossas também.

O encontro com anima e animus. A anima corresponde ao aspecto feminino inconscientes no

homem e animus o masculino que existente na psique da mulher ambos agem como mediadores

do inconsciente e consciente respectivamente do homem e da mulher “O importante é notar que

são componentes psíquicos da máxima importância, pois são os arquétipos que regem o encontro

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do eu com o outro, com o diferente, já que traduzem a polaridade feminino-masculino.”

(RAPPAPORT; 1984, p. 150)

Para Jung todo o processo de evolução é entendido através do processo de individuação.

Para auxiliar na compreensão dos outros conceitos é importante também conceituar inconsciente

pessoal e inconsciente coletivo:

O inconsciente na Psicologia Analítica compreende inconsciente pessoal e coletivo. O

inconsciente pessoal se refere às percepções, sentimentos que não puderam ficar na consciência

por serem incompatíveis com sentimentos morais conscientes ou ideais e foram repelidos por

algum mecanismo de defesa ou traços de acontecimentos passados e todo material que, por não

ter energia suficiente, não atingiram a consciência.

Numa camada mais profunda do inconsciente, Jung estabelece o termo inconsciente coletivo:

Do mesmo modo que o corpo humano apresenta uma anatomia comum, sempre a mesma, apesar de todas as diferenças raciais, assim também a psique possui um substrato comum. Chamei a este substrato inconsciente coletivo. Na qualidade de herança comum transcende todas as diferenças de cultura e de atitude conscientes, e não consiste meramente em conteúdos capazes de se tornarem conscientes, mas em disposições latentes para reações idênticas... (SILVEIRA, 1997, p. 64).

3.4 O desenvolvimento da consciência

O primeiro estágio do desenvolvimento da consciência, segundo Neumann (1995), é o uroboros,

da Grande Mãe. Tendo em vista que ego e consciência são pré-existentes no indivíduo, na sua

forma mais arcaica e primitiva correspondendo apenas à capacidade do indivíduo de fazer

experiências. Sendo assim, nessa primeira etapa teremos uma condição pré-ego, o germe do ego.

Segundo esse autor o estado original é o que Lévy-Bruhl designa como participation mystique,

onde ego e inconsciente, o indivíduo e o mundo, órgão e corpo encontram-se numa unidade. Essa

participação também é um importante aspecto da infância já que esta se encontra ainda imersa na

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psicologia inconsciente dos pais. Esse caso se manifestará da mesma forma que a situação

urobórica ocorre no plano coletivo. Neumann (1995) as descreve através de comparações

antropológicas do homem ressaltando: “a história ensina que, no princípio, o indivíduo não

existia ainda como entidade independente, sendo o domínio exercido pela psique grupal, que não

permitia a emancipação de um ego individual.” (NEUMANN, 1995, p.197) Dessa forma, explica

que apesar da responsabilidade grupal havia diferenças individuais entre os membros do grupo,

que inicialmente permaneciam sob o efeito da totalidade para mais tarde adquirir uma

consciência individual com o nascimento do ego.

Nessas circunstâncias, onde a consciência ainda não se diferenciou suficientemente do inconsciente, nem o ego do grupo, o membro do grupo encontra-se tão à mercê do grupo como de constelações inconscientes. O fato de ser pré-consciente e pré-individual leva-o a experimentar o mundo e reagir a ele de um modo mais coletivo do que individual e mais mitológico que racional (...) O coletivo e os membros do grupo não experimentam o mundo de maneira objetiva, mas mitologicamente, em imagens e símbolos arquetípicos; e a sua relação a ele é arquetípica, instintiva e inconsciente, e não individual e consciente.(NEUMANN, 1995, p. 201)

Da mesma forma que o homem primitivo é afetado pelo grupo, não tendo seu eu claramente

diferenciado a criança é atingida pela família. Para Jung em geral as reações mais fortes das

crianças provêm do inconsciente dos pais e não do plano consciente como esperado já que este dá

possibilidade de um maior controle. “A criança encontra-se de tal modo ligada e unida à atitude

psíquica dos pais, que não é de causar espanto se a maioria das alterações nervosas verificadas na

infância devam sua origem a algo de perturbado na atmosfera psíquica dos pais.” (JUNG, 1986,

p. 43)

Assim como foi dito sobre os povos primitivos, Jung (1986) aponta que também existem

diferenças individuais nas crianças possibilitando uma diferenciação entre irmãos de tal forma

que numa família com vários filhos apenas um identifica-se de forma marcante ao inconsciente

dos pais, outros de forma menos acentuada ou sequer apresentam essa identidade. Afirma

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também que geralmente a vida que os pais não viveram, ou seja, o que os pais deixaram de lado,

o que poderiam ter feito ou o que poderia ter acontecido se tivessem feito escolhas diferentes

ficando agora reprimido, atuam de forma mais acentuada no psiquismo da criança.

Importante ressaltar a preocupação do autor em não reduzir as reações infantis apenas aos

problemas paternos, estes podem também agir como catalisadores de alguma tendência

hereditária e não por causas psíquicas dos mesmos. Isso se dá porque a própria individualidade da

criança está mais sujeita a influência dos avós e antepassados que dos próprios pais imediatos.

“não apenas o corpo da criança, mas também sua alma, provém da série dos antepassados, no

sentido de que ela pode ser distinguida individualmente da alma coletiva da humanidade.”

(JUNG, 1995, p.48) Ressaltando mais uma vez em sua explicação que a alma infantil, nessa

etapa, apenas não possui a linguagem pois o conteúdo já é pré-existente. Não existe a consciência

do eu, porém existe uma consciência que reprime os fatores coletivos anteriores por conteúdos da

atualidade. A presença de tais conteúdos coletivos na psique infantil pode ser verificada nos

sonhos das crianças de três ou quatro anos, repleto de conteúdos e sentidos mitológicos que Jung

(1986) dizia ser facilmente confundidos com sonhos de adultos.

Para Jung (1986) a criança em seus primeiros anos de vida tem processos psíquicos, porém não

tem ainda uma consciência definida do eu, lhe falta a continuidade característica da consciência e

sem a qual esta não pode existir. Quando a criança começa a falar eu ela já adquiriu certa

consciência, mesmo assim, segundo Neumann, (1995) a consciência ainda não é sistematizada

surgindo com seus conteúdos por alguns momentos e voltando à inconsciência. Á medida que ela

vai se sistematizando vai se tornando mais contínua e se caracterizando como consciência do ego.

Até os três primeiros anos de vida o estado da criança pode ser comparado ao psiquismo animal,

em que o indivíduo se encontra “fundido ao ambiente” (JUNG, 1986, p. 57), Como foi dito na

fase embrionária, a criança vivencia uma realidade unitária, sendo parte do corpo e psiquismo

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materno. Nessa fase vive um estado paradisíaco não havendo tensões entre ego e inconsciente

característicos da expressão do ego.

Na primeira infância ainda vive parcialmente na psique materna e posteriormente na psique do

pai. Assim, segundo Jung (1986), até depois da idade escolar a criança pode-se afirmar que a

maioria das perturbações nervosas das crianças se devem a perturbação na psique dos pais e dos

relacionamento entre eles exemplificando esse fator mais uma vez através dos sonhos que

expressam mais a realidade dos pais do que delas mesmas. Afirma que a partir dos três a cinco

anos quando a criança já adquire a consciência do eu ela desenvolve uma psique individual,

porém esta só se tornará independente após a puberdade até então ela continua sujeita aos fatores

ambientais. Uma criança de seis anos, em idade escolar já possui como foi dito a consciência do

eu, mas de forma embrionária sendo ainda um produto dos pais sem a capacidade de afirmar a

sua personalidade.

Neumann (1999) endossa Jung e ressalta a importância da relação primal. Quando se fala em

relação mãe-filho na vivência de uma doença é fundamental sua explanação a respeito da relação

primal e a formação do self-corporal.

Neumann (1999) descreve essa fase inicial do desenvolvimento da criança como sendo

paradiasíaca já que não existem tensões decorrentes da oposição ego-Self como existe nos

adultos, pois a mãe é ao mesmo tempo Self e “tu”. A tensão normal aos adultos é resultante da

separação dos dois sistemas, inconsciente representado pelo centro da totalidade, o Self e

consciente representado pelo centro da consciência, o ego. “O ego situa-se entre o Self e o

mundo, e o desenvolvimento automórfico da personalidade como um todo fica na dependência da

atitude do ego em relação às solicitações internas e externas, do Self e do mundo.” (NEUMANN,

1999, p. 14) Essa oposição entre Self e “tu” não existe na fase pré-ego. Posteriormente o

desenvolvimento do eixo ego-Self, inicia oposição entre a relação da mãe representando o Self e

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a criança como o ego. Inicialmente tudo está numa união dual em que só se separa em dois Self

para o contentamento e compreensão do fenômeno pela nossa mente polarizada. Essa duplicação

se caracteriza por um lado pelo Self Corporal da criança sua totalidade psicobiológica que a

desenvolve e por outro a mãe que é pré-condição para esse desenvolvimento.

Ao final dessa fase, quando a criança já desenvolveu seu ego, ela adquire também o seu Self. O

Self Relacional inicialmente representado pela mãe se une ao Self Corporal da criança. A mãe

passa então a representar o ambiente e o inconsciente e a criança. A criança sai dos limites da

relação dual com um ego capaz de se confrontar com o mundo e pode, assim, se abrir para novas

relações. Essa é a representação que Neumann (1999) dá para o que ele chama de “verdadeiro”

nascimento. Porém, para chegar ao estágio adulto a criança ainda terá que passar por algumas

fases arcaicas e terá ainda que se basear na relação dual.

A necessidade da criança de preservar a relação dual da relação primal é quase idêntica ao seu instinto de autopreservação, pois sua existência é totalmente dependente da mãe. Esta, porém, não é apenas orgânica e material; como agora sabemos, não se relaciona apenas com cuidados e alimentação. A perda da mãe ou da pessoa que a substitui é sentida menos na esfera corporal do que na psíquica. Manifesta-se também como perda de contato com o mundo, lesões no automorfismo e no instinto de autopreservação e destruição dos primeiros ensaios de desenvolvimento do ego. (NEUMANN, 1999, p.19)

A mãe ou o papel da mãe que freqüentemente citamos não está relacionado com a mãe pessoal e

sim com o arquétipo da Grande Mãe. É seu comportamento inconsciente e instintivo, comum aos

seres humanos que possibilita o desenvolvimento da criança.

A criança tem repousada em sua psique uma imagem arquetípica de mãe. Se a mãe vive de

acordo com seu papel arquetípico ela mobiliza essa imagem que coloca em “movimento uma

complexa interação de funções psíquicas essenciais entre ego e inconsciente.” (NEUMANN,

1999, p.21) possibilitando o desenvolvimento. Esse arquétipo permanece dominante

representando proteção, compensação e segurança. O ego estruturado ainda emerge em poucos

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momentos que vão se tornando mais freqüentes tendo a mãe como modelo, o que implica em

dizer que o desenvolvimento da criança ainda depende da relação mãe-filho.

3.5 A centroversão

Neumann (1995) denomina centroversão a tendência do organismo em manter a unidade

psicofísica através de processos compensatórios que auto-regulam e auto-equilibram o corpo e a

psique do indivíduo. A centroversão surgiria apenas no estágio formativo já que inicialmente não

se tem ainda um ego ou centro da consciência e o self como centro psíquico sendo mais adequado

denominar, no período inicial, como estado integrativo. Porém, o próprio autor após essa ressalva

permite o uso do termo centroversão para toda as etapas da vida para facilitar a compreensão.

Quanto mais primitivo o nível psíquico, tanto maior será a sua identidade com eventos corporais que o regem. Mesmo os complexos pessoais, ou seja, partes separadas e semiconscientes da personalidade que pertencem às camadas superiores do inconsciente, são carregadas afetivamente e têm “acento emocional”, evocam alterações físicas no sistema circulatório, na respiração, na pressão, etc. (NEUMANN, 1995, p. 210)

Relembrando a explicação sobre o uroboros e a relação primal veremos que nesse estado em que

ego e consciência estão pouco desenvolvidos a centroversão está ligada ao simbolismo do corpo

primitivo. Tem-se o self corporal como unidade psicobiológica, como totalidade do indivíduo e

sentido como base natural da personalidade.

Essa união com o corpo como “propriedade” é a base do desenvolvimento individual. Mais tarde, o ego se relaciona com o corpo, com os seus poderes superiores e com o inconsciente, com o qual os seus processos se identificam em larga medida, de uma forma diferente e até contrária. Como princípio superior que opera mediante a cabeça e a consciência, o ego entra em conflito com o corpo e esse conflito às vezes leva a uma dissociação parcial, neurótica, que, contudo, é apenas um produto de uma ultradiferenciação posterior. Mas, mesmo então, a totalidade do corpo parece se encontrar numa relação de identidade e igualdade com a totalidade da psique, ou seja, o self. Essas duas formações da totalidade, ou imagens de inteireza, são superiores à consciência do ego e regulam os sistemas individuais, inclusive a consciência do ego, a partir de um ponto de apoio total de que o ego só pode ter consciência parcial. Isso tudo

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obedece ao estágio urobórico de perfeição em que o corpo e psique são idênticos.(NEUMANN, 1995, p. 212)

Enquanto no estágio posterior a centroversão age no sentido se desenvolve no sentido da

formação da consciência do ego (Neumann, 1955) no uruboros onde a consciência do ego não foi

sistematizada encontrando-se ainda indiferenciada a centroversão ainda está ligada ao

funcionamento do corpo de forma geral. Esse autor divide essa situação em dois aspectos

unificados no símbolo do uroboros alimentar, condição prévia da evolução para o estágio sexual:

a “psiquização” inconsciente do corpo e o simbolismo metabólico. A primeira corresponde a

significação simbólica do corpo e suas partes e a segunda representando o “intercâmbio entre

corpo e mundo...O objetivo da fome, a comida a ser “tomada”, é o próprio mundo; já o produtivo

do processo é simbolizado pela saída, isto é pela eliminação...” (NEUMANN, 1995, p. 212)

Assim ele cita que mitologicamente a urina, a saliva, o suor e a fezes são símbolos do princípio

criador.

Um sistema de consciência centrada no ego registra, armazena e compensa os estímulos

exteriores e interiores à medida que surgem diferenciações na experiência do organismo. A maior

parte dessas compensações são incorporadas inconscientemente no sistema corporal e

transformada em imagens. Tendo a imagem como síntese de experiências externas e internas:

Assim que é a imagem- símbolo psíquica “fogo”, como algo “vermelho”, “quente”, “ardente”, contém não apenas elementos da experiência interior, mas da exterior. “Vermelho” possui não só a qualidade perceptível de vermelhidão, mas igualmente o componente emocional do calor como um processo interior de excitação. (NEUMANN, 1995, p.214)

Essa representação por imagens dá ao indivíduo uma dimensão mais ampla do que ocorre em seu

mundo interior e exterior permitindo que ele se oriente. Isso se dá através da tendência do

organismo a centroversão que já aparece nas primeiras funções da psique do indivíduo levando

os conteúdos inconscientes a serem representados através de imagens para a consciência do ego.

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A centroversão não é responsável apenas pela formação das imagens simbólicas, mas também da

reação do ego frente a elas.

“A dor e o desconforto são os primeiros fatores criadores de uma consciência. São sinais de

alarme da centroversão para indicar que o equilíbrio inconsciente está perturbado.” (NEUMANN,

1995, p. 216). Cabe ao ego não apenas perceber mas também assimilar esses sinais.

O ego e a consciência são órgão da força inconsciente de centroversão, que cria a unidade e equilíbrio no interior dessa unidade. A sua tarefa não é apenas a regulação do equilíbrio, mas apresenta um caráter produtivo. Faz parte da natureza do organismo não só preservar a totalidade e o seu status, com a ajuda de regulações compensadoras, mas de se desenvolver, isto é, progredir para totalidades mais complexas e maiores, no sentido de fazer o mundo experimentado com que entra em contato aumentar progressivamente. (NEUMANN, 1995, p.218)

Falávamos do estágio do uroboros em que consciência e inconsciência não estão diferenciados,

dependentes entre si. Isso pode ser considerado normal e experenciado como positivo, porém no

estágio seguinte, da Grande Mãe manter a dependência do filho torna-se uma aspecto negativo, o

inconsciente urobórico deve ir no sentido de libertar o ego e a consciência.

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III – Objetivos

1 Objetivo Geral:

- Verificar as expressões da relação mãe-filho caracterizadas pela vivência da

Síndrome Nefrótica na criança;

2 Objetivos Específicos:

- Propor e avaliar modelo de atendimento clínico que englobe a díade mãe-filho por

meio do Jogo de Areia em ambulatório;

- Verificar em que medida o atendimento com o Jogo de Areia facilita a expressão

de sentimentos relativos à experiência da Síndrome Nefrótica.

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IV –Metodologia

1 Adaptações realizadas no projeto:

A coleta dos dados foi feita por meio de levantamento teórico, realização de mapeamento da

demanda dos pacientes atendidos no setor da nefrologia de um hospital público, levantamento de

prontuário de pacientes que necessitaram de acompanhamento, entrevista inicial, aplicação de

técnicas projetivas como desenho-história e utilização da técnica do Jogo de Areia.

Devido a problemas na instituição relacionada a horários de utilização das salas, um único dia

para atendimento de pacientes da nefrologia aliada às dificuldades financeira dos mesmos não foi

possível desenvolver o método e a amostra tal como foi proposta. Foi impossível ter acesso aos

prontuários e os pacientes tinham poucas condições de comparecer às consultas, que por serem

realizadas apenas às quartas-feiras deixavam os participantes receosos de perder a vez e o lugar

não querendo se “distrair” com outras atividades. Todas as quartas-feiras eu ficava na sala de

espera da nefrologia conversando com as mães e convidando aquelas que tinham filhos com

síndrome nefrótica entre 6 a 9 anos. Todas conversavam muito, contavam toda a sua trajetória até

aquele momento mesmo sem questionamento direto, porém quanto à atividade muitos se

interessaram, mas alegavam problemas para sair do trabalho e necessidade de cuidar dos filhos.

Dessa forma, o procedimento foi reduzido para apenas dois encontros com intervalo de pelo

menos 20 dias um do outro. Houve participantes que desistiram e outros que não poderia

comparecer dentro do prazo do trabalho. Dessa forma, além dessas dificuldades não haveria

tempo hábil para a realização com outros colaboradores. Assim, foi feito um estudo exploratório

com apenas uma menina de 9 anos, com síndrome nefrótica diagnosticada há 4 anos. Assim as

atividades, tal como foram descritas a seguir, foram condensadas em dois dias:

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- o primeiro tendo: anamnese com a mãe, aplicação DFH e Desenho da família coma

criança e aplicação do jogo de areia em conjunto mãe e filha com tema livre (tal como

foi explicado abaixo);

o segundo dia, após análise dos dados coletados no primeiro dia foi proposta mais uma aplicação

do jogo de areia com tema pertinente ao que foi analisado no primeiro dia buscando alguma

forma de elaboração durante a confecção da cena.

2 Amostra:

A pesquisa foi feita com uma menina de 9 anos com síndrome nefrótica e sua mãe:

Dados de identificação:

Nome (iniciais): E.M.M

Data de nascimento: 30/10/1966

Naturalidade: São Paulo

Estado civil: “amigada” (SIC)

Escolaridade: 2o grau incompleto

Número de filhos e idade: 3 (17, 15, 9)

Do filho a ser atendido: 9

Nome (iniciais): T.M.S

Data de nascimento: 8/01/1994

Escolaridade: 3a série do ensino fundamental

Naturalidade: São Paulo

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Tempo de diagnóstico da síndrome nefrótica: 4 anos

Remédios que toma: Está há 3 meses sem remédio. Tomava metilcorten, aldactone, aditil.

Nessa fase inicia-se a separação psicológica entre a psique da criança e o inconsciente dos pais.

A experiência consciente do mundo, a relação sujeito-objeto, surge primeiro em termos de interação entre “eu” -corpo e “eles” -corpo. As imagens que representam conceitos mais amplos quando a experiência do adulto se torna altamente diferenciada e simbólica são formadas no sistema de referência do corpo. (WHITMONT, 2000, p.243).

Pouco a pouco essa referência vai sendo mudada do corpo para a fantasia em imagens gerais e

depois em conceitos. Entendendo gradativamente que essas fantasias ou conceitos não precisam

ser necessariamente iguais ao que os objetos representam.

“Os impulsos, afetos e elementos arquetípicos que tenderiam a dissolver o ego nascente

aparecem como forças ameaçadoras – bruxas, gnomos, demônios, dragões, monstros, feras

selvagens – para serem mortos ou aplacados por figuras heróicas, sábias e beneficentes.”

(WHITMONT, 2000, p.244). Essa é a fase de experiência mitológica, tem-se o desenvolvimento

da racionalidade e da consciência sendo representados pelo masculino que emplaca na busca

heróica.

A Síndrome Nefrótica é mais comum em meninos de 2 a 6 anos de idade. Aos dois anos a

criança teria a noção de unidade com os pais dependendo do que eles são e não apenas do que

eles fazem ou dizem. Dentro de um desenvolvimento normal a partir dos 6 anos como explicado

acima há a separação da psique da criança do inconsciente dos pais e o desenvolvimento da

racionalidade. Pensando que nessa época espera-se que a criança passe da referência do corpo

para a fantasia resta a dúvida de como seria o desenvolvimento diante da vivência de uma

doença nessa etapa.

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3 Instrumentos e procedimentos:

3.1 Entrevista com a mãe da criança:

Foi realizada uma anamnese simbólica, ou seja, um roteiro de atendimento que vá além da

anamnese médica tradicional que visa apenas a localização histórica, familiar dos sintomas e o

período em que ocorrem. “A anamnese simbólica tem como função levantar imagens, mitos,

associações de lembranças pessoais, familiares e universais, sendo, portanto, um exercício de

recuperação de significados através do pensamento simbólico.” (SERINO, 2001 p.56) Dessa

forma pode-se relacionar esses fatores entre si buscando significados e trazendo à consciência

aspectos básicos que não atingiram o nível de elaboração consciente compensando o mesmo

através de uma manifestação corpórea. Segundo Serino (2001) em “Diagnóstico Compreensivo

Simbólico. Uma psicossomática para a prática clínica”, a realização dessa anamnese pode ser

proposta em três níveis:

- Interpessoal: questões voltadas para as relações interpessoais, familiares, sociais e

profissionais decorrentes da doença, sem esquecer as relações transferencial e

contratransferencial entre pesquisado e pesquisador;

- Intrapessoal: seria o complemento da anamnese médica já que a doença passa a ser o foco da

investigação. Porém, o objetivo não é a concretude orgânica e sim a busca do significado.

Compreende-se que estaremos em contato com os referenciais pessoais internos projetados

em outras pessoas, personagens e a própria doença.

- Arquetípico: compreende todas as imagens colhidas, seja no nível inter ou intrapessoal

associando a imagens universais e arquetípicas.

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Seguindo o raciocínio proposto anteriormente: “Investigar símbolos corpóreos significa explorar

imagens que apresentam lacunas de conteúdos que estão sendo preenchidas por formas orgânicas

significantes.” (SERINO, 2001, p.57)

As mães que freqüentam o ambulatório para cuidar de seus filhos serão convidadas a participar

das atividades de pesquisa. Seguindo os seguintes critérios: mães de meninos com idade entre 6 a

9 anos; com prognóstico de pelo menos 3 semanas de acompanhamento médico; a criança terá

que ter já definido o diagnóstico de síndrome nefrótica e não ter nenhuma outra doença ou

anomalia. Conforme foi esclarecido anteriormente não foi possível manter todos os critérios

descritos acima.

Foi realizada, portanto, um roteiro de entrevista (Anexo AA) com essas mães.

Nenhum dos procedimentos propostos nessa pesquisa apresenta qualquer risco à saúde dos

colaboradores. Mesmo sem essa possibilidade foi cuidado para que cada participante utilize

material novo, não manuseado incluindo a areia que foi trocada em todas as aplicações. A areia

utilizada passará por um processo de tratamento sendo higienizada antes da realização das

atividades propostas.

Investigação e rapport através de 2 aplicações de material projetivo gráfico com a criança:

3.2 DFH:

Desenho da Figura Humana: buscando apreender a auto-imagem da criança na vivência da

doença.

Abraham (apud RAPPAPORT, 1984) em seus estudos analisa o conceito de imagem corporal que

abrange não apenas imagens e representações mentais, mas sim resultante das relações que vai

construindo consigo mesmo e com os outros. Acentua o “aspecto social na formação e no

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desenvolvimento da imagem corporal.” (RAPPAPORT, 1984, p. 15). Segundo esse autor

teríamos, no desenho da figura humana, a projeção dessa imagem corporal expressando o

conceito de si mesmo.

Porém, o desenho pode ser a expressão de outros aspectos tais como a imagem ideal do eu; o tipo

de aspiração do eu; um reflexo do que a pessoa gosta ou desgosta ou daquilo para com o que se

sente ambivalente; projeção da atitude para com alguém do ambiente como pai, mãe, etc...;

projeção da imagem ideal do eu, um resultado das circunstâncias externas; uma expressão da

tonalidade emocional; uma projeção das atitudes para com o examinador e a situação; uma

expressão para com a vida e a sociedade em geral.

3.2.1 Material:

- papel sulfite branco A4;

- lápis;

- borracha;

- apontador;

- folha para anotação;

- roteiro do questionário (Anexo AB).

3.2.2 Aplicação:

Foi entregue o material à criança dando as seguintes instruções:

- Você vai desenhar uma figura humana da forma mais completa que você puder;

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Em seguida, dar outra folha e solicitar:

- Agora, desenhe uma figura humana do sexo oposto ao que você desenhou.

Depois de feito o desenho solicitar que conte uma história da figura do mesmo sexo que o

examinado:

- Você vai me contar uma história dessa pessoa, para ajudar farei algumas perguntas.

3.3 Desenho da família:

“A família tem grande participação não só na estruturação, mas também na dinâmica e

funcionamento do indivíduo, atuando muitas vezes como condutora ou indutora de atitudes e

resultados.” (RETONDO, 2000, p. 121)

Pensando nisso e na proposta dessa pesquisa de verificar a relação mãe-filho no contexto da

Síndrome Nefrótica, torna-se relevante a aplicação do mesmo teste para compreender como a

criança apreendeu a situação familiar.

“De acordo com Lima (apud TRINCA,1997) é no contexto familiar que a criança faz as suas

primeiras relações de objeto, as quais vem posteriormente determinar as modalidades de vínculos

que ela estabelece com o mundo.” (RETONDO, 2000, p. 120)

Dessa maneira pode-se pensar que a família é a base do processo de aquisição da identidade,

sendo os pais os depositários de afetos e ansiedades das crianças que utilizarão esse modelo

aprendido ao longo de sua vida.

A criança constrói uma família dentro de si como representante de seus desejos e impulsos. Essa

família, ideal, interferirá em sua relação com a família real, que seria o modo como ela apreendeu

a realidade e os sentimentos vivenciados com essa família.

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Assim, ao solicitar os desenhos da família real e ideal pode-se identificar angústias inconscientes

presentes na criança e em suas relações familiares bem como a dinâmica das mesmas. No caso,

verificar como a relação mãe-filho está configurada no contexto familiar.

3.3.1Material

Sulfite A4

Lápis preto

Borracha

Roteiro do questionário (Anexo AC)

3.3.2 Aplicação:

O material foi entregue e o aplicador dará as instruções:

- Desenhe sua família real (ou de origem);

Em seguida, entrega-se outra folha e se faz uma nova orientação:

- Agora desenhe uma família ideal (ou a família que gostaria de ter)

3.4 Aplicação do Jogo de Areia:

Foi utilizada uma caixa de areia portátil11, com miniaturas variadas. O grupo de Pesquisa da

Faculdade Presbiteriana Mackenzie desenvolveu, em pesquisa anterior (BAZHUNI e col, 2001),

uma caixa de areia móvel, realizando inicialmente a montagem de um protótipo da caixa em

papelão e fita adesiva, que levou em consideração a proporção da caixa tradicional com tamanho 11 FOTO NO ANEXO AL.

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(30 centímetros de largura por 50 centímetros de comprimento e 10 de profundidade), número de

miniaturas e a forma de fixação da caixa sobre a cama (caixa fixada numa bandeja com pés).

Foram realizadas aplicações da técnica em ambiente hospitalar com paciente geriátrico, com

dificuldade de locomoção e fala. De acordo com os resultados realizou-se algumas alterações na

caixa com a finalidade de torná-la mais adequada às nossas necessidades.

Constatou-se segundo Bazhuni e col. (2001) que o modelo de caixa de areia móvel atende às

necessidades de um atendimento em leito hospitalar, pois esta é de fácil transporte e manejo,

pode ser fixada e manuseada em cima do leito, oferece a possibilidade de expressão de conteúdos

relativos à experiência de hospitalização e interfere minimamente na rotina hospitalar. Tendo em

vista os resultados positivos obtidos foi possível desenvolver uma caixa que suprisse as

dificuldades encontradas.

Todas as aplicações serão realizadas em conjunto: mãe e filha.

3.4.1 1a sessão: Tema: livre.

Nessa aplicação foi utilizado o método clássico de atendimento na caixa de areia. Nesse método

nenhuma instrução é dada, sendo o paciente encorajado a criar aquilo que desejar na caixa de

areia. O terapeuta sentou-se silenciosamente, observou as reações e comportamento do paciente,

a cena que montou e desenhou um esboço para identificar os objetos para estudo posterior.

Durante a confecção da cena, o paciente pode falar e ao terminar a cena pode ou não mudar algo.

Ao terminar, o terapeuta pediu para que o paciente conte uma história do cenário e fez perguntas

sobre o que considerar relevante, no entanto, não solicitou associações, nem fez interpretações.

Foram feitas fotos de todo o processo e a interpretação foi dada com a presença das mesmas.

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3.4.2 2a sessão: Caixa Temática.

Foi utilizado o método projetivo de aplicação como forma de intervenção. A partir das

informações coletadas através dos desenhos (DFH e família); da entrevista com a mãe e do que

foi expresso na cena da primeira aplicação pode-se propor um tema para que mãe e filha

desenvolvam uma cena e posteriormente uma história. Em seguida, apresentou-se a foto da

primeira cena e solicitou-se que fizessem associações entre a primeira e a segunda cena,

observou-se o resultado em seguida foi solicitado que fizessem uma história aliando as duas

cenas e foram feitas algumas perguntas para esclarecimentos. Após verificar se os participantes

gostariam de alterar algo na cena foi tirada uma foto.

4 Análise dos dados:

Essa é uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório. Segundo Penna (2003) no texto “O

paradigma junguiano no contexto da metodologia de pesquisa qualitativa” a concepção de

ciência foi tendo transformações ao longo do tempo. A concepção de ciência moderna estava

ainda embasada no Positivismo lógico de Comte, que traria a idéia de que o conhecimento

científico só poderia ser atingido em situações extremamente controladas, analisadas de forma

objetiva, com distanciamento do pesquisador de forma a garantir a fidedignidade, previsibilidade

e confiabilidade dos dados que deveriam ser coletados empiricamente. Essa noção sofreu uma

série de críticas e avanços ao longo do tempo até chegar à concepção da ciência pós-moderna

que tem como principais características:

pluralidade de pontos de vista; diversidade de epistemologias e métodos; aceitação da imprecisão; da paradozalidade; das incertezas; da relatividade dos parâmetros; ênfase na polivalência dos significados; valorização do auto-conhecimento e por conseguinte

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da subjetividade na aquisição e na produção de conhecimento e integração da individualidade na coletividade.(HAUKE, 2001 apud PENNA, 2003).

Penna (2003) vai aproximando através da história e dos paradigmas de ciência e da metodologia

da Psicologia Analítica as características vistas por Jung e a semelhança com as concepções

atuais de ciência pós-moderna:

Para Tarnas (2001) o conceito kuhniano de paradigma, que ressalta a impossibilidade de se

alcançar a objetividade pretendida pelos princípios da ciência moderna,é uma das principais

características do pensamento pós-moderno “refletindo uma consciência crítica da natureza

essencialmente interpretativa da cultura contemporânea que não se satisfaz mais com a simples

constatação dos fatos, mas deseja compreendê-los e interpretá-los criticamente.” (PENNA, 2003)

Jung já antecipava essa idéia e também apontava a importância de atentar para a personalidade

do pesquisador, já que esta influenciará no fenômeno estudado. Aborda aspectos que se

assemelham às concepções da ciência pós-moderna e com os pressupostos das metodologias

qualitativas atuais tais como

a relatividade do conhecimento humano diante da infinitude do inconsciente coletivo; a busca de integração e harmonização dos opostos sem anular as diferenças; a aceitação de paradoxos e contradições, inerente à diversidade e complexidade da natureza humana. (PENNA, 2003).

Na entrevista serão avaliados o contexto em que a doença surge, de que forma a família lida com

ela, os sentimentos da mãe com relação a doença da filha, sua relação com ele, o significado que

ela atribui a essa vivência e as expectativas referentes à cura.

Do material projetivo foi analisado o aspecto geral do desenho tais como traçado, proporção,

omissões, posições e estruturas da figura humana e conteúdo das histórias, a noção de família

real e ideal que a criança atribui bem como os sentimentos relacionados e como se configura a

relação mãe-filha nesse contexto.

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No Jogo de Areia a análise se dá desde a escolha do tipo de areia usada, seca ou molhada; a

maneira como o paciente entra em contato com a mesma; os movimentos realizados; o tempo

que leva entre a elaboração e a confecção da cena; os tipos de miniaturas escolhidas e seus

simbolismos; as modificações que são feitas no decorrer do processo; a posição das miniaturas

dentro da caixa; a relação entre as miniaturas; a historia contada; a escolha do título. Enfim, todo

o movimento e elaboração do paciente durante a sessão. São feitas fotografias das cenas para

serem vistas no final da elaboração de determinado conteúdo e trabalhadas através da reflexão do

paciente do processo como um todo.

Foi dada atenção aos aspectos relacionados à vivência da doença, aos sentimentos expressos e

principalmente à interação mãe-filha: de que forma ela se apresenta, como se configura o espaço

de cada um, como se dá o desenvolvimento da cena em conjunto, o que verbalizam.

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V – Resultados e Análise:

1) Anamnese com a mãe12:

T: Tais M: Mãe

F: Filha E: Estagiária

1.1 Indicadores da relação mãe-filha:

• A filha interrompeu a entrevista duas vezes por não querer ficar longe da mãe.

• A mãe relata ter uma relação com muita conversa com a filha, em sua maioria para

orientá-la com relação ao seu comportamento diante das pessoas e da doença.

• Eu acho que sou uma boa mãe, não sei se ela acha. Eu procuro dar o melhor de mim. Mas,

não sei se ela acha. Se ela acha agora só se você perguntar para ela. (risos)

• Bom eu acho que eu sou uma mãe carinhosa, amiga. Quando tem que ser repressora eu

sou. Quando tem que cobrar eu cobro, quando tem que brigar eu brigo, quando tem que

dar carinho eu dou, quando tem que brincar eu brinco e assim quando tem que ser

criança...eu procuro as horas que é para brincar chegar na idade dela e na hora que é para

ensinar ou repreender mostrar a minha postura como mãe.

• Bom, mudança assim eu acho que aproxima mais. Eu acho que se dedica mais, procura

dar mais carinho para a criança não se sentir diferente. Eu acho que eles se sentem um

pouco diferente com tanta cobrança do tratamento. Então a gente se achega mais assim.

12 Anamnese na íntegra no anexo AE

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Mas, em relação dela para mim, com relação mãe-filha para mim, acho que é a mesma

coisa.

• Quem cuida da T?P: Eu. 24 horas eu. Às vezes eu penso em trabalhar fora porque a gente

tem um comércio. Mas meu marido fala que eu tenho que ficar com a T, aí ele faz

currículo manda porque ele sabe que quem cuida melhor, não que ele não saiba ele até se

dispõe, mas tem aquele negócio de remédio, horário, dieta, regime, comida, aí ela fala:

“então você tem que tomar conta dela” para dormir no hospital sempre fui eu. Que eu me

lembre a noite só com eu.

• Eu faço a minha parte numa boa. Procuro me dar como quando ela ficou internada fazer

atividades para animar ela. No caso que eu falei que ela ficou desanimada: “Ah!vamos

para brinquedoteca.” Brincava com ela no corredor, na motoquinha, gangorrinha, se ela

não queria sair da cama levava as coisas para ela como lápis e papel porque ela adora

desenhar, adora pintar. Procuro fazer a minha parte para ajudar, me empenho para ver ela

bem.

• O serviço, antes eu não teria tanta preocupação. Então muitas vezes eu deixo de trabalhar

fora, se for o exemplo, porque eu acho que tem que dar atenção para o caso dela porque

não e largar assim que ela vai se cuidar porque ela não vai. Mas, eu assim como pessoa

normal. Algumas coisas a gente se priva para não deixar ela de lado, sempre estar perto.

Talvez até ruim isso para ela. Eu falo para ela: “quando você tiver maior que você aceitar

100% todas condições impostas a você aí você pode ficar a vontade” Mas, eu acho ela

ainda menor para se defender, para se cuidar, então eu a gente fica mais em cima. Mas eu

acho que conforme ela vai aprendendo, ela vai ser mais cuidadosa com ela mesma.

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• Pode ser que fora de casa alguém veja algum defeito, mas eu acho que ela é uma ótima

menina, para mim ela é ótima.

• Ela gosta de ajudar, ser prestativa... Eu falo: “isso mesmo! Quem você puder ajudar, ajude

sim e nunca isole ninguém porque todos vocês têm o mesmo direito. Já pensou se te

isolassem porque você tem esse pequeno problema, não seria triste?

• Eu acho que ela até amadureceu... O ruim da T. é que ela não gosta, não aceita errar. Se

ela fizer alguma coisa que deu errado, ser chamada a atenção ela chora. Ela acha que ela

tem que ser perfeita.

Análise: A mãe demonstra ter uma relação muito próxima com a filha, interagindo bastante e

tentando manter um diálogo. A mãe demonstra se sentir “sobrecarregada”, com necessidade

de retomar a vida social e profissional o que gera culpa que ela tenta amenizar

superprotegendo a filha. Apresenta também traços de insegurança diante do julgamento da

filha aparentando uma necessidade de reconhecimento e de suprir alguma falha que tenha

cometido se “desdobrando” nos cuidados para com a filha. Parece uma relação de

dependência das duas com a mãe super-protegendo a filha e esta tendo dificuldades em lidar

com a angústia de separação. A mãe tenta negar as privações que lhe foram impostas pela

vivência e passa implicitamente em seu discurso “exigências” e expectativas relacionadas ao

comportamento da filha. Esta demonstra insegurança e aparenta se sentir “cobrada” não se

permitindo errar. Dessa forma, fazendo tudo “certo”, ela tenta diminuir a sobrecarga da mãe.

1.2 Indicadores da representação da doença:

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• Aí chegou numa certa época acho que conforme, eu não sei eu calculo assim, que

conforme ela foi crescendo foi amenizando as crises e o corpo fica mais resistente e

começa a parar um pouco de pegar infecções.

• Olha, logo no mês de maio que o médico no pronto-socorro falou para mim que ela

estava com os rins “parado” foi um choque... Pensava que era o caso até de transplante.

• Então, o primeiro ano foi difícil, mas depois eu comecei explicar para todo mundo que era

uma coisa tratável, explicava para ela também.

• aí eu disse: “olha T. você vai ter uma vida normal. Muito mais saudável do que antes...

Até a sua família vai também ser bem mais alimentada...a família se enquadrou no regime

dela... E melhorou todo mundo em casa.

• Agora para mim eu procuro aceitar da melhor maneira possível, não que a gente aceite

bem. Vou achar normal ela ter um problema desse. Eu queria que ela vivesse

despreocupada.

• Mas, para mim, olha eu vejo ela super normal muitas vezes eu nem me lembro. Se ela não

vem no hospital hoje eu praticamente nem me lembro que ela tem nada, a não ser assim

quando ela tem algum excesso, quando quer abusar comer algum salgadinho, boberia.

• Eu acho que ela encara bem a não ser as “podação” que ela tem. Eu acho que ela acha

horrível.

• (medo da T.) Ah! De ter que tirar o rim, ter que entrar na cirurgia, ter que fazer biópsia de

novo essas coisas. (medo da mãe): Pensava que era o caso até de transplante.

• Hoje ele aceita bem. Ele ficou desesperado, mas hoje ele vê que é um problema

tratável...Mesma questão que assim por causa do problema ele passou a dar mais atenção

e até mais afeto, carinho para a criança não se sentir diferente da outra.

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• A relação mudou. A gente ficou mais unido. Depois que a T. teve esse problema eu

melhorei muito mais como ser humano. Eu me achei assim eu passei a respeitar mais as

pessoas, a ver que tudo na vida a gente tem que lutar não importa o que seja, aprendi a

amar todos ao meu redor, se eu puder ajudar, ajudar sempre, eu falo para elas que a vida

vale muito a pena que elas têm que lutar, procurar ser honesta, lutar correr atrás, tudo

acho que se resume o amor é...quebra todas as barreiras e o respeito ao próximo. Eu acho

que melhorei muito.

• Você vê que você não é inabalável então você tem que fazer o melhor porque se

acontecer o pior você não deixar de ter feito nada de bom. Ter lutado para ser melhor na

vida, eu acho que é isso.

• Eu acho que todas as doenças de hoje se relacionam a forma de viver de hoje... Então para

não ficar pirando eu vou aceitar que o médico falou porque ela tinha mesmo muitas

infecções de garganta, que ele falou que pode ter sido alguma infecção que foi mal

administrada, que pode ter ocasionado a lesão então eu não tenho nenhuma paranóia não.

• Ou é esse problema ou é a forma de vida que a gente leva sem a preocupação com a

alimentação. A realidade é que nem com o jeito de lavar a verdura eu me preocupava

tanto, se ela tava bem higienizada ou não. Hoje não, me preocupo com os mínimos

detalhes. Você aprende a melhorar a sua alimentação, higiene. Pensando que pode ter sido

um alimento não bem limpo, que os médicos falou que não tem assim o que possa ter

certeza 100% o que provocou essa lesão, mas pode ter sido uma infecção, algo que ela

ingeriu mal higienizado.

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• Mudou. O serviço, antes eu não teria tanta preocupação. Então muitas vezes eu deixo de

trabalhar fora... Algumas coisas a gente se priva para não deixar ela de lado, sempre estar

perto.

• Eu não tenho mais medo. A única coisa é que eu não tenho a certeza do que provoca essa

lesão. Foi uma infecção de garganta ou de ouvido, isso ou aquilo. Com relação ao

tratamento eu entendo e aceito, ela responde bem aos corticóides. No mais não tenho

dúvidas.

Análise: Parece que constatação da doença gerou angústia de morte. A família, em

especial, a mãe se deparou com sua própria fragilidade gerando sentimentos relativos ao medo da

morte. Passada a fase inicial essa angústia foi amenizada com mecanismos de defesa como a

racionalização tentando a todo momento reafirmar “que é uma doença tratável”. Tenta também

negar a importância das privações que a vivência da doença traz tratando como se fosse algo

banal. A vivência também gerou sentimentos de culpa na mãe que parece se sentir responsável

pela doença da filha buscando incessantemente explicações com os médicos: “a única coisa que

eu não tenho certeza do que provoca essa lesão”. Culpa-se por não ter cuidado direito da

alimentação, da higienização dos alimentos acreditando que “as doenças de hoje se relacionam

com a forma de viver de hoje”. A mãe tenta rebater a culpa, compreender e passar a vivência da

doença como algo positivo e banalizando as “perdas” que a doença gera como as “podações” que

filha sofre. Dessa forma, reforça os “ganhos” fazendo a doença ser vista como algo que tem o

papel de tornar a família mais unida, a mãe mais solidária, a irmã mais preocupada, o pai mais

carinhoso. Reforça também os cuidados com a filha e com a família.

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2) D.F.H13:

2.1 Grafismo:

• Traçado estruturado com pressão média: boa energia, vitalidade.

• Desenho extremamente detalhado: insegurança.

• Correções e retoques: insatisfação com a produção, insegurança.

• Rasuras: desejo de perfeccionismo.

2.2 Composição:

• Desenho extremamente detalhado: insegurança.

• Complemento com paisagem: sente-se ameaçado pelo mundo exterior.

• Linha de solo: preocupação com o estar no mundo, saber onde pisa.

• Perspectiva: toda de frente. Indica ingenuidade e comunicabilidade social.

• Nuvens: ansiedade, pressão ambiental.

• Cabeça grande: dependência social e emocional.

• Disparidade no tamanho dos braços: ambivalência na confiança na própria produtividade

e eficiência.

• Pernas longas: necessidade de autonomia.

• Muitos botões: forte dependência materna. Pode indicar também uma vivência corporal

intensa.

• Braços estendidos para o ambiente: sentimento de inferioridade e inadaptação.

• Pernas separadas: falta de equilíbrio.

13 Relato da aplicação do D.F.H na íntegra no anexo AF

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• Pernas juntas: rigidez, tentativa de controlo dos impulsos corporais.

• Roupas em ambas as figuras bem detalhadas e elaboradas: sentimento de inferioridade e

necessidade de proteção.

• Objeto na mão: insegurança.

• Cinto com fivela: controle e racionalização da tensão.

• Figuras grandes: sugerem as pressões ambientais com sentimentos de expansão e

agressão, falta de controle ou inibição e idéias de grandeza, para encobrir sentimentos de

inadequação.

Análise: Demonstra sentimentos de insegurança, inferioridade, necessidade de proteção e

dependência materna contrastando com a necessidade de autonomia. Isso aliado à pressão do

ambiente a faz vivenciar o meio externo como ameaçador. Diante disso demonstra também

uma falta de equilíbrio e inadaptação necessitando controlar e racionalizar os impulsos

corporais.

2.3 Indicadores da relação mãe-filho no inquérito:

• Mas, ela não quis e começou a chorar porque queria ficar com a mãe e só com 11 ela

podia ir.

• A Maria é grande, morena, cabelo encaracolado, olho verde igualzinha a mãe dela. A

Madalena é do meu tamanho, morena, cabelo liso e parece com a mãe dela.

• Elas brincam, a mãe conta história. O pai leva para passear, no cinema, brincar no

parquinho.

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• Porque ela tinha medo. Que os pais se mudassem e não buscassem ela.

• (triste) Quando tira nota 0 na escola.

• Tinha um quarto só para ela.

Análise: Apresenta forte identificação com a mãe, não conseguindo lidar com a angústia de

separação tendo medo do abandono. Mostra uma forte exigência com ela mesma sentindo-se

pressionada pelo meio externo. Tem necessidade de autonomia, mas mantém uma relação

dependente com a mãe trazendo sentimentos de insegurança e inferioridade.

2.4 Indicadores da representação da doença no inquérito:

• (saúde) É bem boa. Só fica doente quando vai para a escola e ta chovendo.

• (sente) Nada.Chato porque não pode sair no quintal para brincar.

Análise: Demonstra perceber a fragilidade de sua saúde bem como as privações

inerentes a essa característica. Essa vivência corporal intensa traz um certo desequilíbrio, com

tensões e sentimentos que necessitam ser “controlados”.

3) Desenho da família14:

a) Família de origem:

14 Relato da aplicação do desenho da família na íntegra no anexo AG

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3.1 Grafismo:

• Traçado estruturado com pressão média: boa energia, vitalidade.

• Traços longos: medo de iniciativas.

• Traços com predominância de linhas decisivas, controladas, livres: decisão, rapidez.

3.2 Composição:

• Linha para representar o chão: instabilidade entre os membros da família.

• Proximidade entre as figuras: sentimento de interação, solidariedade.

• Omissão do examinando: sentimento de rejeição, inferioridade.

• Figura da mãe desenhada em primeiro lugar: figura dominante.

• Família de figuras geométricas: conflitos.

• Família com excesso de membros: dificuldade de ligação afetiva e solidão.

• Figuras pequenas: excesso de autocontrole e reações de maneira não adequada às pressões

ambientais.

Análise: Há uma ambigüidade no desenho da família: se por um lado são muitos e

solidários por outro há indícios de conflitos, instabilidade. A colaboradora tem a figura da

mãe como figura principal da família. Demonstra também dificuldade de ligação afetiva

gerando sentimentos de solidão e rejeição. Tem energia e impulsos voltados às decisões,

porém tem medo de iniciativas e um excesso de autocontrole levando a reações não

adequadas às pressões ambientais.

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3.3 Indicadores da relação mãe-filho no inquérito:

• A mãe é dona-de-casa

• (gostaria que fossem) Que a minha mãe pudesse trabalhar fora.

Análise: Tem a mãe como figura dominante da família. Demonstra sentir-se responsável pela

privação da mãe tendo como desejo que ela volte a trabalhar fora. Demonstra dificuldade na

ligação afetiva sentindo-se rejeitada e solitária.

3.4 Indicadores da representação da doença no inquérito:

• (triste) Quando alguém fica doente, quando vai mandado embora do emprego.

• Quando a minha prima fica doente só brinca nós dois. Eles ficam triste. Querem que ela

sare logo.

Análise: Relaciona a doença com perdas, com dificuldades financeiras demonstrando

perceber as privações que a família passa em decorrência da vivência. Parece que ela se sente

responsável pela tristeza da família.

b) Família ideal

3.1 Grafismo:

• Traçado estruturado com pressão média: boa energia, vitalidade.

• Traços longos: medo de iniciativas.

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• Traços com predominância de linhas decisivas, controladas, livres: decisão, rapidez.

3.2 Composição:

• Família de figuras desumanizadas: atitude controlada, racionalizada e sem emoção.

• Examinando se inclui na família: sentimento de pertinência, de fazer parte da família.

• Figuras muito pequenas, minúsculas: a criança que faz o desenho muito pequeno indica

que as relações com o meio são sentidas como esmagadoras.

• Complementos: sente o mundo externo como ameaçador.

• Casa com porta e janelas fechadas: defesa, cautela nas relações interpessoais.

Análise: A criança se sente parte da família, porém se defende tendo uma relação com esta é

controlada, racionalizada. As relações com o meio externo são feitas de forma cautelosa já

que ele é sentido como ameaçador e suas relações esmagadoras.

Análise da Família de Origem X Família Ideal: Parece querer um espaço para si, separando a

sua família em seus principais componentes: mãe, pai e irmã. Dessa forma, se vê parte da

família que será feliz, sem brigas com todos trabalhando e estudando. Não seria mais

responsável pela privação da mãe, ela teria um emprego e não teriam dificuldades financeiras.

3.3 Indicadores da relação mãe-filho no inquérito:

• O pai trabalha, a minha mãe também eu e minha irmã estudam.

• Minha mãe é legal, leva na escola, no parquinho.

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Análise: O ideal seria que a mãe trabalhasse e ficasse com ela para passear.

3.4 Indicadores da representação da doença:

Não apareceu nenhum indicador da doença nesse item.

4) Primeira aplicação do jogo de areia15: “Um dia na praia” 16

Indicadores da relação mãe-filho:

4.1 Aspectos da cena:

• Estruturada.

• Equilibrada, sem excesso de miniaturas.

• Tem um centro organizador da cena: o golfinho dentro d’água. Todas as miniaturas estão

voltadas para ele.

• O cavalo tem um movimento antagônico.

• Dois ambientes: interno e externo.

• Há uma divisão: a mãe faz as figuras na praia e a filha dentro de casa.

4.2 Aspectos comportamentais:

15 Relato da primeira aplicação do jogo de areia na íntegra no anexo AH 16 fotos da cena da primeira aplicação no anexo AI

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• A mãe se antecipa à filha na montagem da cena.

• Conversam muito antes e durante a confecção da cena.

• A mãe questiona a filha a respeito das miniaturas que escolhe, coloca dados de realidade.

• A mãe estimula a filha a contar a história.

4.3 Verbalizações:

• M: Você está tendo as mesmas lembranças que eu.

• M: Vamos arrumar o cenário. (Lavaram as mãos) Pega o que você quiser que eu vou

pegar para mim.F: Estou esperando você sair.

• Eu sei que era uma praia muito linda, tinha flores, árvores, tinha estrela-do-mar, olha

nossa praia tinha um golfinho, né?F: Bem que eu queria ver um golfinho de perto eu

nunca vi.M: Nem eu.M: Tinha um cavalo na sua praia T.

• M: Porque você só empurra para mim? Descreve elas agora que eu quero ver. Esses dois

aqui eu quero ver como são. (apontando para as figura que a representa e que representa

seu marido)

• E: E aqui? (as figuras perto do golfinho) F: Aqui é todo mundo da minha família.

Análise: Na história demonstram uma atividade imaginativa pobre essencialmente descritiva.

Colocam um dia de lazer, onde não há regras, onde a menina pode brincar à vontade e a mãe

pode deixá-la sozinha parece um rompimento com a rotina marcada. A mãe se mostra

sobrecarregada quer que a filha comece a tomar iniciativa; cobra atitudes; estimula, porém

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não permite que a filha atue se antecipando a ela. Ao mesmo tempo a mãe demonstra também

um sentimento de insegurança preocupando-se com o julgamento que a filha terá de seu

comportamento e de suas ações levando a pensar num eventual sentimento de culpa que essa

mãe carrega. Esse aspecto da mãe e o fato de terem uma função complementar: a mãe coloca

o externo e a filha o interno, podem estar reforçando a relação de dependência. Apesar de já

haver um movimento que busca a separação, elas demonstram ainda estarem “misturadas”, ou

seja, trazem em seu psiquismo as mesmas lembranças e expectativas. Isso pode estar

relacionado a outro aspecto da relação levantado nessa atividade: a relação de dependência

que se mantém entre as duas. A filha também está nesse movimento de dependência, porém já

demonstra necessidade de “cortar o cordão umbilical” colocando a figura do cavalo

representando um movimento antagônico à cena inicial. Por outro lado, apesar da necessidade

de filha a mãe parece querer mantê-la sob seus cuidados, superprotegida. Coloca um golfinho

dentro d’água indicando um movimento de acolhimento, de mantê-la “dentro do útero”.

Indicadores da representação da doença:

• Negocinho de médico. (mas, não pôs na cena)

• F: Mãe depois vamos brincar de médico?

Análise: Parece que fizeram um dia de lazer onde não houvesse a doença. A mãe não faz

nenhuma referência, mas a filha encontra objetos de médico que ela não integra na cena, mas em

seguida sente necessidade em brincar de médico indicando que essa vivência está presente

mesmo quando fantasia.

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5) Segunda Aplicação do jogo de areia17: “O dia da cura”

5.1 Aspectos da cena:18

• Estruturada.

• Sobrecarregada, excesso de miniaturas.

• Há uma divisão: a mãe faz numa metade a parte da cena interna da casa e na outra metade

a filha faz a parte externa da casa.

• Presença de figuras da fantasia: Jesus curando o corcunda de notre Dame.

• A mãe coloca as figuras humanas e a filha de animais.

5.2 Aspectos comportamentais:

• Antes de começar a montar a cena a mãe mexia na areia passando as duas mãos em toda

extensão da caixa e a filha apenas pinçava com uma mão um pouco de areia no canto da

caixa.

• No início, a mãe já tomou a iniciativa pegando diversas miniaturas e colocando na caixa

enquanto a filha ainda pensava e começava a mexer na areia. A mãe colocou as

miniaturas primeiro, em seguida a filha e depois as duas ajeitaram a cena e acrescentando

o que achavam que faltava.

• Existe no diálogo entre mãe-filha agressões veladas através da ironia.

17 Relato da segunda aplicação do jogo de areia na íntegra no anexo AJ 18 Fotos da cena da segunda aplicação no Anexo AL

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• A mãe se antecipa e perde a conexão com a filha.

• A mãe, muito excitada,invade a cena com muitas miniaturas.

5.3 Verbalizações:

• A mãe começou a tirar as miniaturas da caixa.F: Ô mãe, eu já imaginei. M: Hã. Então

imagina aí.F: Mas, eu estou esperando você sair.

• M: E esse aqui, quem vai ser? Tem pato dentro de casa?(risos) F: Então, não tem

coqueiro, nem lua.M: Põe o que você quer por.

• M: O Alan fumando cachimbo. Você já está viciando o menino?F: Pára mãe.

• F: O Jorjão ele é polícia.M: O Jorjão?F: ele também está no dia da cura.M: E agora você

pôs o Jorjão lá? (risos)F: Que que tem? Tem até bombeiro porque não posso pôr o Jorjão?

• M: Tem um monte de gente. (colocando todas as miniaturas humanas na caixa de areia.)F:

E eu vou ficar sem?M: Sem o quê?F: Sem pessoinhas, sem bichinhos desses?

• F: Aqui ta todo mundo dançando. A vó ta varrendo a casa. (tentando colocar a vassoura

apoiada na princesa)M: Ela ta varrendo a casa ou está participando da festa? O dó. Nem

no dia da festa da pára de trabalhar.F: Então deixa eu varrer a casa. (passando a vassoura

na areia como se estivesse varrendo)

• Ah! Fala a sua parte T. Você está feliz com a sua festa?F: Tô. M: Só isso?F: Só.M: Não

tem nada para contar, uma festa tão bonita?F: Não.

• F: Também estão brincando de pega-pega.(afundando as miniaturas)M: Vai afogar as

crianças.

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• E: O que aconteceu antes dessa cena?F: Tava todo mundo chegando.M:Dã. Que

dedução!F: (risos)

• Ah! T. depois eu fiquei pensando que a gente montou uma piscina e colocou o golfinho

dentro da piscina.F: Que que tem? Era a bóia.M: Tá bom.

Análise: A mãe se mostra ansiosa, antecipando o desenvolvimento do tema sem que a

filha ao menos tivesse imaginado como seria. Mostra que a vivência, para ela, tem sido intensa a

ponto ignorar as sensações e desenvolvimento do pensamento da filha como se a experiência

fosse sua exclusivamente. Parece ansiosa para voltar à vida social, ao mesmo tempo em que cuida

da filha parece desejar maior independência. Mostra estar sobrecarregada querendo dividir com

as outras pessoas. Demonstram um certo grau de agressividade entre elas representada através da

ironia. A mãe mostra esperar reconhecimento da filha.

Mãe e filha parecem complementar a experiência interna tendo a mãe a relação com o real

e a filha com os instintos e a fantasia. Porém aparece um conflito, uma certa dificuldade da mãe

permitir que a filha fantasie sempre barrando essa experiência com dados de realidade. Devido a

isso a experiência se torna, de certa forma, cindida já que a mãe não consegue integrar os

aspectos da filha e pobre, por ter essa parte do desenvolvimento da criança bloqueada.

5.4 Indicadores da representação da doença:

• M: Coloca o Deus aí que ele é poderoso. F: Põe ele curando as pessoas. M: Ajudando os

médicos a ter sabedoria para curar as pessoas.

• M: Estamos fazendo uma festa porque você está curada.

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• F: Ele está na frente de Jesus. Jesus está curando ele porque ele está com a cara torta.

• E todo mundo está feliz porque a T está curada.

• E Deus também está presente dando inteligência para os médicos continuar curando as

pessoas, né? Esse aqui é quem está sendo curado.

• F: Problema no rim.E: Como curou?M: Como curou?F: Jesus pôs a mão no meu coração

e aí curou.

• M: E os remédios?F: Parou tudo.M: Remédios também ajudaram, né?E: O que aconteceu

quando ele colocou a mão no coração?F: Ele falou que era para curar eu. Aí ele curou.

• E: Mudou alguma coisa depois disso?F: Vai. Vai mudar tudo.M: O que que vai mudar?F:

Eu vou comer tudo. Todo o bolo e não vai sobrar nada. Porque ele é de chocolate e eu

adoro chocolate.(risos)M: Mas, você come quase de tudo T.F: A única coisa que eu não

como é salgadinho e refrigerante e salgado.M: Pois é. Refrigerante não é bom para a

saúde e salgadinho também não. Não é verdade?M: Sua vida mudou tanto assim depois

que você teve problema?F: Ahã.M: Então, só tem uma vida mais saudável não é

verdade?F: Ahã.M: E aí? Aí você vai ficar mais aliviada que não vai precisar tomar

remédio não é?F: Ahã.M: Isso é uma das grandes coisas.

Análise: A mãe coloca a doença no plano divino, o que pode ser um sinal de que é percebida

como enviada por Deus. Nesse caso, viria como um castigo relacionado a alguma culpa que essa

mãe mantém. A filha mostra uma solução mágica colocando Jesus tocando seu coração para a

cura, enfatizando o órgão do afeto. A mãe mostra dificuldade em aceitar a solução mágica sem

interpor um dado da realidade para que possa ser aceita e viável, apesar de ser “o dia da cura” a

mãe coloca médicos e enfermeiras. A mãe nega tais aspectos “ruins” necessitando racionalizá-los

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transformando numa experiência totalmente “positiva”. Na tentativa de impedir o sofrimento da

filha e o próprio a mãe impõe essa racionalização à criança impedindo que ela elabore, signifique

a experiência. Em contrapartida a filha, através do simbolismo de Jesus tocando seu coração,

demonstra necessitar de um espaço para sentir, expressar seus sentimentos fazendo com que se

sinta “curada”.

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VI – Considerações finais:

Através das atividades propostas foi possível verificar aspectos da relação mãe-filho na

vivência da síndrome nefrótica. Diante das análises podemos inferir que essa relação se

caracteriza pela “mistura” de sentimentos, superproteção e dependência. A mãe atribui à filha

sentimentos e sensações suas, em contrapartida a filha assimila esses sentimentos como fazendo

parte de sua psique. Dessa forma, o psiquismo de mãe e filha encontra-se “misturado”, a filha traz

as mesmas lembranças e expectativas da mãe preocupando-se em buscar e alcançar os ideais dela.

No caso estudado a mãe demonstrou sentimentos de insegurança, ansiedade e culpa diante da

doença da filha. Relaciona as doenças “ao modo de viver de hoje”, incluindo o problema da filha

já que, segundo ela, não se preocupava com a alimentação e higienização das verduras. Esse fator

aliado ao desejo inconsciente de ter uma maior independência parece gerar um sentimento de

culpa que ela tenta amenizar reforçando os cuidados com a filha e negando as privações inerentes

a uma vivência de doença e enfatizando os aspectos “positivos”. Porém, na tentativa de evitar o

sofrimento da filha e seu próprio, a mãe acaba superprotegendo a criança, acentuando os

“ganhos” da doença como se esta só tivesse aspectos positivos como: tornar a família mais unida,

a mãe mais solidária, o pai mais carinhoso, a irmã mais preocupada. Racionaliza a vivência de tal

forma que não permite que a filha expresse as limitações que está sujeita bem como os

sentimentos atrelados à vivência sempre afirmando que é algo “tratável”, “que terá uma vida mais

saudável” e relacionando crianças com experiências clínicas mais graves: “ás vezes quando ela

tinha alguma reclamação eu falava: “T. você é uma criança privilegiada porque a gente anda

muito dentro do hospital e você vê várias crianças com problemas mais sérios. E eu falava: Olha

que dó! Você está vendo aquele seu amiguinho não poder beber água igual você.”

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A mãe demonstra uma ambigüidade com relação à filha ora com fantasias de separação e ora

com desejos de aproximação o que também pode gerar insegurança e preocupação com o

julgamento da filha “eu acho que sou uma boa mãe, não sei se ela acha...”

A filha também se mostra insegura e dependente buscando a atenção da mãe. Diante dessa

ambigüidade a mãe tenta amenizar a culpa e a vivência da privação a superprotegendo “eu acho

que se dedica mais, procura dar mais carinho para a criança não se sentir diferente” o que gera

uma sensação contrária do esperado: ela se sente diferente porque de certa forma é tratada assim.

Acaba ficando insegura, com medo de ter iniciativas e com dificuldade em lidar com a angústia

de separação. Por conta disso, a filha que demonstra uma necessidade de autonomia, não tem

atitudes neste sentido ficando presa à relação de dependência com a mãe. Isso pode trazer

conseqüências futuras como Jung explicita em seu livro “O desenvolvimento da Personalidade”

(1999): “a ligação muito forte aos pais constitui impedimento direto para a acomodação futura no

mundo” (JUNG, 1999, p. 59).

A família, em especial a mãe, faz sacrifícios e sente necessidade de reconhecimento e passa em

seu discurso expectativas com relação ao comportamento da filha: “acho ela até corajosa para

caramba...”; “Ela gosta de ajudar, ser prestativa... Eu falo: “isso mesmo! Quem você puder

ajudar, ajude sim e nunca isole ninguém porque todos vocês têm o mesmo direito. Já pensou se te

isolassem porque você tem esse pequeno problema, não seria triste?

Assim, a filha parece se sentir, de alguma maneira, “cobrada” tentando corresponder às

expectativas da mãe. Apesar de não poder expressar ela percebe as privações que ela e sua

família sofrem, acaba se sentindo responsável pela sobrecarga da mãe, acreditando que traz

tristeza à família. Por isso, para não aumentar o “peso” para a mãe ela tenta fazer tudo certo: “O

ruim da T. é que ela não gosta, não aceita errar. Se ela fizer alguma coisa que deu errado, ser

chamada a atenção ela chora.”

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A mãe estimula a filha a começar a ter iniciativa, cobra atitudes e comportamentos “maduros”,

mas se mostra ansiosa se antecipando à filha. A filha está fortemente identificada com a mãe,

parece que a relação delas tem uma função complementar: a mãe trazendo dados da realidade e a

filha os instintos e fantasia. Quando se trata da vivência da doença, há uma certa dificuldade da

mãe em permitir que a filha fantasie ficando assim com uma experiência cindida e pobre por ter

essa parte do desenvolvimento bloqueada. Dessa forma, ela impede que a filha elabore, signifique

a experiência, apesar disso a filha tenta apontar a necessidade de representar aspectos da sua

vivência bem como as fantasias atreladas a ela. No jogo de areia, por exemplo, a filha coloca

através do simbolismo de “Jesus tocando seu coração” o seu desejo de cura bem como a sua

necessidade de sentir, expressar seus sentimentos o que faria com que se sentisse “curada”.

Assim como o rim tem a função de regular a pressão, o volume sanguíneo, equilibrar ácidos e

sais, no presente caso a criança parece ter a função de regular e equilibrar a família. Quando ela

nasceu seus pais mudaram o ritmo de vida, passando a administrar melhor seus ganhos e

melhorar a qualidade de vida: “houve uma mudança grande e até para melhor na vida da gente.

Aí a gente foi planejar melhor as coisas...” Quando desenvolveu a doença ela melhorou a

qualidade de vida da família tornando-os mais saudáveis, com uma alimentação e um

relacionamento melhor.

Jung explica que numa família, uma criança pode se identificar de forma marcante com o

inconsciente dos pais encontrando- se tão identificada que é comum representar aspectos do

inconsciente dos mesmos. Parece que foi o que aconteceu com T, logo que nasceu desempenhou

a essa função de reequilibrar a vida dos pais e continua desempenhando a função de regular a

dinâmica familiar, sendo o “termômetro” da família. Parece apresentar conflitos apesar da

negação da mãe. A filha em todas as atividades de família deseja uma família feliz que ela traduz

como família sem brigas, a mãe por sua vez também deseja a união e relata que isso foi possível

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na vivência da doença da filha. Parece que a função de reorganizar a dinâmica familiar

sobrecarregou seu ego ainda pouco desenvolvido não sendo capaz de elaborar a vivência.

Dessa forma, não resta outra saída para um funcionamento ainda primitivo senão a somatização,

na tentativa de equilibrar o organismo e substituir a experiência interna preenchendo a lacuna

originada na relação com mãe (YOSHIKAWA, 2002).

O rim tem em suas funções principais a filtragem e a regulação da pressão, concentração e

volume sanguíneo como já foi explicado pode-se relacionar essas duas funções principais com a

função do ego e a tendência a centroversão. Essa tendência está intimamente relacionada ao

orgânico e biológico quanto mais primitivo o organismo maior sua identificação com os eventos

corporais. Sendo assim, como a colaboradora tem um funcionamento inafantil, com um ego

pouco desenvolvido, demonstra dificuldades na seleção, discriminação dos conteúdos que

poderiam ir ou não à consciência sendo descarregado no físico aquilo que a consciência não

consegue integrar.

Dadas as características apresentadas torna-se compreensível que o rim seja órgão “escolhido”

para a somatização. Podemos também relacionar a falha da filtragem do rim na Síndrome

Nefrótica, em que há perda de proteínas vitais ao organismo devido o aumento da permeabilidade

dos glomérulos do rim permitindo a passagem dessas substâncias à essa dificuldade do ego pouco

desenvolvido, que tem como uma das principais funções, a “filtragem” dos conteúdos, selecionar

aquilo que fica no consciente e aquilo que, por algum motivo não poderia ser aceito pelo

indivíduo como sendo seu, é reprimido ficando no inconsciente. Assim, o psiquismo se auto-

preserva. Sem uma modulação do que pode ou não irromper a consciência, o psiquismo ficaria

sobremaneira desprotegido podendo sucumbir diante de um conteúdo que ainda não poderia ser

aceito pelo indivíduo. Já que o ego pouco desenvolvido não “dá conta” de discriminar os aspectos

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que a criança do caso vivencia só resta a somatização para que o psiquismo não fique

desprotegido.

Através desse estudo exploratório podemos inferir algumas respostas às questões apresentadas

nesse trabalho. A hipótese de que a vivência da doença pode estar representando alguma falha no

ambiente da criança parece encontrar ressonância no caso. Outra hipótese que se mostrou

pertinente é a relação da ansiedade da mãe com o comportamento da filha com síndrome

nefrótica. Foram expressas acima todos as variáveis que fundamentam essa afirmação, esboçando

a dificuldade da mãe em lidar com seus sentimentos tais como a ansiedade e a culpa não

permitindo que a filha elabore a experiência e dê um significado a ela. Foi intensificada a relação

de dependência dificultando o desenvolvimento do movimento de separação natural nessa fase do

desenvolvimento.

Portanto, o estudo apresentado demonstrou a influência dos sentimentos da mãe advindos da

vivência da doença no comportamento e psique da filha, como já havia sido registrado no artigo

“Behavior Problems in Nephrotic Syndrome” (METHA et al, 1995). Porém é importante citar

que na experiência com síndrome nefrótica e seus acompanhantes na sala de espera pude

constatar alguns fatores estressores que tornam a vivência da doença ainda mais intensa para os

cuidadores:

- A angústia da incerteza do diagnóstico, o medo da insuficiência renal crônica.

- A necessidade de ajustar a rotina às freqüentes consultas e exames. Fazer com que

isso faça parte do desenvolvimento da criança que necessita também se adaptar as

dietas e compreender a necessidade.

- Perceber que a criança se dá conta das limitações, da sua vulnerabilidade que pode

gerar sensação de desconforto, privação.

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- A incerteza quanto à eficácia do tratamento já que demora algum tempo e alguns

pacientes têm recaídas freqüentes levando ao medo da insuficiência renal.

- As mães são submetidas a um nível de stress elevado, sendo muitas vezes, as

cuidadoras sofrendo em alguns casos a culpa de privar os filhos de atividades pela

vulnerabilidade a infecções ao medo que isso ocorra e leva novamente à disfunção ou

o agravamento do quadro.

Coloca-se portanto a necessidade de trabalhar com os cuidadores para amenizar a angústia e o

stress e de certa maneira diminuir a influência negativa deles para com os pacientes.

Percebi que muito do que é relatado nos casos mais acentuados da doença já surge num estágio

anterior que pode ou não levar a necessidade de hemodiálise ou do transplante. Os medos e

angústias são os mesmos: a perda do rim, a nova adaptação: com privações, medo de infecções.

Seria interessante um trabalho interventivo para facilitar a elaboração dessa vivência, que acaba

sendo de certa forma tão intensa quanto quem vai para a hemodiálise já que ainda não se teria

certeza do contrário.

Surge também a dúvida já que podemos pensar que os indivíduos nessa etapa ainda estão lutando

para não perder o rim. Alguns enfrentam anos de necessidade de exames, remédios, melhoras e

recaídas chegando ao final na insuficiência renal. Nesse caso, eles tiveram que se adaptar à

vivência da privação, dos remédios, da expectativa do exame para chegar ao que pode ser

considerado o “fracasso”. Todos aqueles medos e angústias agora são vivenciados. Para um

estudo posterior seria interessante verificar a dificuldade que esses indivíduos que necessitam da

hemodiálise tem de lidar com essa realidade e será que se houvesse um trabalho de elaboração da

vivência da doença bem como seus medos e angústias em seu estágio de reconhecimento não

seria mais fácil a elaboração caso chegasse realmente a insuficiência renal crônica

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O atendimento através da díade mãe-filha mostrou-se adequado para a vivência da síndrome

nefrótica nesse caso tendo em vista que desequilíbrio orgânico pode estar relacionado ao

desequilíbrio na relação e que os sentimentos vivenciados pela mãe influenciam na elaboração da

experiência pela filha.

A metodologia utilizada mostrou facilitar a expressão dos sentimentos da filha à medida que

foram expressos de forma não-verbal e que de outra forma poderiam ser “sufocados” pela mãe.

Essa, em contrapartida, pôde também vivenciar a fantasia e simbolizar a sua vivência. Porém, o

número de encontros permitiu apenas um diagnóstico não proporcionando qualquer forma de

elaboração.

O método também trouxe alguns pontos que precisam ser trabalhados por se tratar de um

atendimento ambulatorial num hospital. Se por um lado ele facilita a expressão por outro pode

dificultar a rotina hospitalar, já que num hospital público é necessário que haja praticidade para

atender o maior número de pessoas, higienização para não haver possibilidade de infecção. A

caixa de areia portátil acaba despendendo um tempo maior para a limpeza da areia e das

miniaturas, para organização do material e para o próprio atendimento.

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VIII - Anexos

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ANEXO AA

Roteiro de Anamnese com a mãe:

Nome (iniciais):

Data de nascimento:

Endereço:

Naturalidade:

Estado civil:

Escolaridade:

Número de filhos e idade:

Do filho a ser atendido:

Nome (iniciais):

Data de nascimento:

Escolaridade:

Naturalidade:

Tempo de diagnóstico da síndrome nefrótica:

Remédios que toma:

Tópicos importantes:

- Gravidez: planejada ou não, qual era a relação com o pai da criança, quais as fantasias

com relação ao bebê;

- Amamentação: como foi essa fase, quais foram as sensações, a relação com o bebê;

- Desmame: como foi introduzido, com quanto tempo;

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- Contexto familiar em todos esses períodos;

- Descrever a criança e seu relacionamento com a mesma;

- Diagnóstico: como foi que se deu a procura pelo diagnóstico, quais eram as fantasias,

onde foi procurar ajuda, como foi quando descobriu a doença, houve mudanças no

contexto familiar, na relação com a criança, na sua vida profissional, como a família e

amigos receberam a notícia, quais foram os mitos e fantasias que surgiram;

- Da relação com a doença: de que forma trata a doença, qual seu conhecimento e

relacionamento com a mesma, quais as associações que faz com a doença, quem cuida da

criança, quais fatores de melhora e piora da doença, qual a sintomatologia;

Observar: como a pessoa se apresenta ao encontro; qual o seu papel nas relações pessoais,

familiares e profissionais; sua relação com o filho antes e depois da doença; ganhos e perdas com

a doença; sentimentos, fantasias, mitos, personagens envolvidos no contexto da vivência da

doença.

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ANEXO AB

Roteiro do questionário do DFH:

Pedir para que conte uma historia e investigar os seguintes aspectos da figura:

- Idade;

- estado civil;

- profissão;

- escolaridade;

- como se comporta;

- os sentimentos que possui;

- saúde;

- família;

- desejos;

- hábitos;

- lazer;

- o que a irrita;

- o que a deixa feliz;

- amigos;

- idade dos amigos;

- sentimentos que nutre pela família.

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ANEXO AC

Roteiro para o questionário do desenho da família:

- como e essa família;

- como ela se comporta;

- como e o relacionamento entre as pessoas que a compõe;

- quais as pessoas que a compõe;

- quem ela gosta, se identifica mais;

- como essa família se diverte;

- como e quando alguém esta doente;

- como gostaria que essa família fosse. O que mudaria nessa família;

- como gostaria que se comportassem;

- como eles se sentem e como gostaria que eles se sentissem;

- o que seria uma família feliz;

- como e cada membro dessa família, como gostaria que fossem.

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ANEXO AD

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ANEXO AE

Anamnese com a mãe:

E: Estagiária

P: Participante

M: Mãe

F: Filha

T: Taís

Dados da entrevista:

E: Desde 99 vocês têm o diagnóstico. Como começou?Vamos tentar lembrar da história.

P: A primeira internação dela foi aqui no pronto-socorro foi em abril de 99, né? Ela foi para o

pré. Para a escolinha quando chegou em casa estava inchada né? Toda inchada. Aí eu corri para o

pronto-socorro aí eles deram o diagnóstico que os rins dela estavam “parado” até aí foi um

desespero, porque até aí a gente não tinha nenhuma explicação. Aí internaram ela, ficou 3 dias

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fazendo acompanhamento médico sem nenhum especialista só pediatra, né? Aí pediram que eu

procurasse um especialista em nefrologia, aí me deram uma carta e eu vim para cá. Ela teve alta

depois dos 3 dias com mais ou menos 10 dias que ela tinha parado de tomar o remédio ela

descompensou de novo. Até aí eu não sabia nem que a palavra que usava era descompensou. Ela

inchou, falava que ela inchou. Aí volta para o PS, aí interna de novo. Aí queriam ficar fazendo

exame, exame...Aí eu cheguei no hospital falei pra pediatra que acompanhava na época: “vai

adiantar o quê? Vocês ficarem retiram sangue e cole sangue e cole urina?” “Ah! Só para ajudar.

Vamos tentar da medicação para ela urinar...” e não sei o quê...eu falei assim: “Tem especialista

aqui?” Ela falou não. Eu falei: “Então eu vou procurar um local que possa atender ela

corretamente, adequadamente.” E aí eu vim para cá. Foi aonde internaram ela e já começo fazer

todos os exames e ficamos aqui cinco dias internados com ela aqui em cima, no andar da

pediatria nefrológica, aí fizeram todos os exames aí deram alta com ela com todo diagnóstico, né?

Que era síndrome nefrótica e com todo o tratamento os remédios...ao a gente começou o

tratamento. Só que até então se ela tivesse um resfriado ela descompensava. Qualquer coisa ela

descompensava. Aí foram quando pediram a biópsia em 2000. Aí ela fez a biópsia e foi

constatada que era de lesões mínimas o problema dela. Aí continuou no tratamento até hoje.

E: Você disse que ela teve três recaídas...

P: É, ela tá desde 99...o primeiro ano foi bem difícil, né? Porque aí ela não sei se é a fase da

aceitação da medicação. Aí eu não sei. Ela tinha diarréia, aí voltava descompensava. Ficava

internada tomava albumina, voltava para casa. Aí ficou nessa fase. Aí chegou numa certa época

acho que conforme, eu não sei eu calculo assim, que conforme ela foi crescendo foi amenizando

as crises e o corpo fica mais resistente e começa a parar um pouco de pegar infecções. Aí ela foi

diminuindo as crises: eu sei que no primeiro ano ela ficou internada várias vezes aqui no Hospital

São Paulo, 99, 2000...de 2001 para cá que ela começou a diminuir as crises. Esse ano ela só teve

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uma internação aqui, só uma. Só no começo do ano em fevereiro, tá uma beleza, muito bem

mesmo respondendo muito bem ao tratamento. Então eu acredito assim, como eu estou

observando que conforme o crescimento ela ta ficando mais resistente tendo menos infecções,

né? Porque ela já teve sinusite, pneumonia, tinha diarréias com freqüência, resfriados com

freqüência e agora já não. Agora ela tem resfriado, mas não assim tão...não deixa ela tão

debilitada é uma coisa que passa rápido você dá vitamina C, natural, laranja, maracujá, goiaba,

fruta, legume, líquido e ela se recupera bem. Agora vai muito bem mesmo graças a Deus.

E: E esse período que você ficou procurando o diagnóstico como foi para você?

P: Olha, logo no mês de maio que o médico no pronto-socorro falou para mim que ela estava

com os rins “parado” foi um choque. Eu entrei em desespero porque até aí eu não aceitava.

Como? A menina nasceu bem até o cinco anos estava tudo bem. Aí eu entrei em pânico, chorava

dia e noite. Pensava que era o caso até de transplante. Aí depois que eu vim para cá, conversando

com os médicos, eles foram explicando, foram me colocando como era o problema, que era

tratável que bastava eu ajudar no tratamento e ela também aceitar bem a medicação, obedecer não

abusar com sal, com salgadinho essas coisas que criança gosta, que teria tudo para dar certo o

tratamento, mas foi difícil viu? Porque aí você vem no hospital e falam: “Ah! Mas, você acredita

no que os médico falam? O meu filho começou com síndrome nefrótica também de lesões

mínimas e hoje ele esta na fila do transplante...”e não sei o quê aí eu sofria, né? Mas, aí a partir

do momento que eu comecei a trabalhar a minha cabeça e a ouvir só o que os médicos falavam, aí

sim eu comecei a reagir melhor e hoje quando assim se eu chego e alguém me fala: “ai a minha

filha tem o mesmo problema.” Eu falo: “tenha paciência. Tenha calma. É uma coisa tratável. A

minha desde os cinco anos eu trato também ela reage super bem.” E hoje eu não tenho mais

medo. No começo sim. No primeiro ano foi um terror para todo mundo. A família inteira ficou

abalada. Mas, depois não. Graças a Deus a gente conseguiu.

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T. entrou na sala. Pedi para que ela esperasse um instante na sala com a televisão, que em seguida

a chamaria para fazermos a atividade.

P: Então, o primeiro ano foi difícil, mas depois eu comecei explicar para todo mundo que era uma

coisa tratável, explicava para ela também. Eu senti que no começo ela ficou muito triste. Teve

assim uns dias, no primeiro diagnóstico daqui ela ficou uma semana de cama, ela não tinha uma

atividade, não queria brincar, não queria comer, nada. Aí eu não sei se foi por causa da situação,

por causa do problema dela ou também por conta do remédio, da medicação que começou a ser

introduzida. Aí depois ela foi saindo disso começou a ter uma vida, aí eu disse: “olha T. você vai

ter uma vida normal. Muito mais saudável do que antes. Porque antes a gente não pegava no seu

pé com salgadinho, com coisa enlatada então hoje você vai ter uma vida melhor, com mais saúde.

Até a sua família vai também ser bem mais alimentada porque antes a gente não ligava comia

fritura, comia excesso, salgadinho, essas coisas”. Hoje não, a família se enquadrou no regime

dela. Que serviu, tanto que os médicos orientavam: “tratamento não é só para ela ter essa vida

natural, saudável é para vocês todos terem uma vida melhor.” Então hoje todo mundo se

enquadra: é pouco sal, nada de refrigerante, suco só natural, nada se excesso com fritura,

salgadinho, essas bobeira. A gente come coisa mais natural. E melhorou todo mundo em casa.

E: Como você acha que é seu entendimento da doença?

P: Bom, eu no caso eu sempre pergunto para os médicos: “Qual, como surge essa doença?” O que

eles me colocaram, na época foi assim, não sei se hoje é, mas foi assim: “olha mãe a gente não

tem uma definição correta. É isso que provoca com certeza. A gente tem algumas hipóteses. Pode

ser por algumas infecções que ela tivesse com freqüência que pode ter levado a essa lesão ou não.

Isso hoje não é assim 100% de certeza na medicina, ainda não foi 100% esclarecido.” Agora para

mim eu procuro aceitar da melhor maneira possível, não que a gente aceite bem. Vou achar

normal ela ter um problema desse. Eu queria que ela vivesse despreocupada. Ai eu posso fazer,

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viver, comer tudo que eu quero. Porque a única coisa que é prejudicial para ela atualmente é uma

má alimentação, né? Mas, para mim, olha eu vejo ela super normal muitas vezes eu nem me

lembro. Se ela não vem no hospital hoje eu praticamente nem me lembro que ela tem nada, a não

ser assim quando ela tem algum excesso, quando quer abusar comer algum salgadinho, boberia.

Falo: “Não T. Não é porque você está sem remédio que você vai abusar. Vamos manter uma vida

saudável. Manter o seu corpo com resistência para não pegar infecção.” Mas, no mais eu não me

preocupo mais de forma alguma. De forma alguma, Graças a Deus ela está correspondendo bem.

Os médicos colocaram para mim que ela responde muito bem ao tratamento, que o caso dela é

muito bem aceito pela medicação. Então, eu fico tranqüila.

E: E como ela está encarando tudo isso?

P: Eu acho que ela encara bem a não ser as “podação” que ela tem. Eu acho que ela acha horrível.

Mas, ela assim ela toma bem o remédio. Ela acostuma quando está no ritmo do remédio ela

mesma sabe os horários, ela mesmo lembra e toma. Eu acho, não sei, para mim ela nunca

reclamou do tratamento.

E: Fale um pouco dela.

P: Ah! A T. é uma menina alegre, inteligente, normal como qualquer criança ela tem as artes

dela. É carinhosa, atenciosa com todo mundo, gosta de ser amiga, gosta de ajudar todo mundo.

Eu acho que ela é muito prestativa. O convívio dela na escola é bem bom também com os

amigos, com a família também muito educada. Eu né? Pode ser que fora de casa alguém veja

algum defeito, mas eu acho que ela é uma ótima menina, para mim ela é ótima.Na boa.

E: Você viu se teve alguma mudança na T. depois que soube da doença?

P: Não achei. Não, como pessoa não. No começo ela ficou um pouco triste, mas depois ela

aceitou numa boa eu conversei, os médicos conversaram. Sempre quando tinha alguma dúvida eu

aproveitava as consultas e falava: “Olha T. você tem aquela dúvida, aquela medo pergunta para o

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médico, para médica se é o que eu falei é certo ou errado. Aí ela sempre aceitou bem, ela

perguntava. Então acho que hoje ela aceita muito bem.”

E: Que tipo de medo ela tinha?

P: Ah! De ter que tirar o rim, ter que entrar na cirurgia, ter que fazer biópsia de novo essas coisas.

Sempre ela perguntava. Porque ela não lembra da biópsia, mas assim a gente conversando em

casa ela sempre ouve alguma coisa. Ela ficava: “mãe eu vou ter que fazer biópsia de novo?” Eu

falava: “olha T. isso quem sabe são os médicos, eu não sei. Mas, eu acredito que não.” Porque

depois que passa aquela fase da anestesia eles ficam horas urinando com sangue, né? E ela via.

Mesmo tentando esconder ela via. Então ela tinha um pouco de receio, mas no mais...acho que

não. Até para colher sangue ela vem, não tem medo. Acho ela até corajosa para caramba. Vem

numa boa, estica o bracinho, ela mesma se ajeita na cadeira. Eu acho que ela até amadureceu. Eu

acho que colocando, ás vezes quando ela tinha alguma reclamação eu falava: “T. você é uma

criança privilegiada” porque a gente anda muito dentro do hospital e você vê várias crianças com

problemas mais sérios. E eu falava: Olha que dó! Você está vendo aquele seu amiguinho não

poder beber água igual você pode beber, tem restrição hídrica 250 ml por dia, não pode comer

com sal de jeito nenhum, você pode. Então procure se ajudar, seguir o regime que os médicos

pedem ter uma vida saudável porque eu acho que nem pesa tanto, porque o que eles pedem é ter

uma vida normal. Então procura seguir corretamente para você não ficar doente.” E ela aceita,

obedece ás vezes a professora me procura, porque aí conforme você passa para os professores,

para as pessoas que convivem eles mesmos observam. Quando ela dá uma escapulidinha a

professora avisa “a T. ta comendo salgadinho escondida em mãe, conversa com ela.” Desde o pré

todo mundo ajudava, desde a diretoria até os amiguinhos. Então é assim ela encara numa boa.

Acho que ela não sofre não.

E: O comportamento dela, quando está tomando a medicação, muda de alguma forma?

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P: Olha no começo quando ela fica como ela ficou como daquela vez um mês quando ela voltou a

medicação ela ficou meio desanimada. Toda a vez que ela para e ela volta eu sinto um desânimo.

Fica meio esmorecida só quer dormir. Agora eu não sei se isso tem a ver com a medicação,

introdução do remédio ou é a cabeça dela que fica chateada. Entendeu? Isso, toda a vez é a

mesma coisa. Toda vez que introduz o remédio ela fica meio desanimada agora não conciliei

ainda. Os médicos também não sabem dar essa certeza se é dela ou se é do remédio entendeu. É a

única coisa que eu vejo de diferente, mas depois que passa uma semana ou duas ela volta para as

atividades normais. Depois de uma semana ela volta ao normal.

E: Como ela é na escola?

P: Muito ativa. Ela gosta de completar todos os deveres logo. O ruim da T. é que ela não gosta,

não aceita errar. Se ela fizer alguma coisa que deu errado, ser chamada a atenção ela chora. Ela

acha que ela tem que ser perfeita. Eu já falei para ela: “T. você não é perfeita, ninguém é perfeito.

Se você errar você vai apaga, tenta fazer de novo pede explicação, não precisa ter vergonha de ter

errado. Isso ela tem de defeito. Ela não aceita ser chamada atenção. Mesmo no grupo eu já

peguei. Muitas vezes, algumas vezes na escola ela sai na saída da escola ela vem chorando. Eu

digo: “O que foi T.?” “ai mãe eu estraguei meu desenho, eu colei errado e a professora não quis

me dar outra” Ela fez uma baleia, ela colou errado.Eu disse: “ Não tem problema chegando em

casa a gente arruma. Você me explica como tem que fazer, nós vamos lá vamos desmontar você

cola de novo e leva para a professora amanhã.” E aí a gente chega em casa arruma ela se sente

toda feliz. Leva para escola leva para a professora e eu pergunto: “e aí deu certo?” “deu a

professora falou que estava bom.” “Então ta bom. Ta vendo. Não é porque você errou que

estragou, acabou, não pode refazer. Dá para refazer. Tem coisas na vida que dá para ser refeito.

Outras não, mas essa situação dá.” Eu digo para ela “não queira ser perfeita” Só isso que eu vejo

nela. Incrível como uma criança da idade dela já quer ser tão perfeita. Tem horas que eu falo que

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ela não pode ser assim porque ela pode sofrer no futuro. Nem sempre a gente é perfeito em tudo.

Aí ela se conforma naquele momento. Quando acontecer outra situação ela vai chorar de novo. É

desse jeito a pessoa dela. Tirando que ela é boa ela é muito perfeccionista, eu acho.

E: Como é a relação com os amigos?

P: É boa. Muito boa. Ela gosta de ajudar, ser prestativa. Lá na sala dela tem uma coleguinha dela,

que ela tem um pequeno problema de deficiência, uma atraso meio mental. Então ela quer ajudar

a menina. Todo mundo repele e menina. Fala que ela é burra, piolhenta, não sei o quê. Ela não

consegue assimilar bem a lição. Então a professora pede, ela vai lá ajuda a menina e sai toda

contente de ter ajudado a menina. Então eu acho bonito. Eu falo: “isso mesmo! Quem você puder

ajudar, ajude sim e nunca isole ninguém porque todos vocês têm o mesmo direito. Já pensou se te

isolassem porque você tem esse pequeno problema, não seria triste? Então nunca despreze

ninguém ou porque é negro ou porque é branco demais não faça essa discriminação.” Sempre

procuro ensinar ela nesse meio. Ela assim vai e vai de bom coração.

E: Como você descreveria a relação de vocês?

P: Eu acho que eu sou uma boa mãe, não sei se ela acha. Eu procuro dar o melhor de mim. Mas,

não sei se ela acha. Se ela acha agora só se você perguntar para ela. (risos)

E: Mas, como você sente vocês duas juntas, como que é? Descreve para mim.

P: Bom eu acho que eu sou uma mãe carinhosa, amiga. Quando tem que ser repressora eu sou.

Quando tem que cobrar eu cobro, quando tem que brigar eu brigo, quando tem que dar carinho eu

dou, quando tem que brincar eu brinco e assim quando tem que ser criança...eu procuro as horas

que é para brincar chegar na idade dela e na hora que é para ensinar ou repreender mostrar a

minha postura como mãe. Eu acho que é assim.

E: Teve alguma mudança na relação de vocês depois que souberam da doença?

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P: Não. Bom, mudança assim eu acho que aproxima mais. Eu acho que se dedica mais, procura

dar mais carinho para a criança não se sentir diferente. Eu acho que eles se sentem um pouco

diferente com tanta cobrança do tratamento. Então a gente se achega mais assim. Mas, em relação

dela para mim, com relação mãe-filha para mim, acho que é a mesma coisa.

T. entrou na sala novamente querendo que a mãe descesse. Ela pediu que ela esperasse um pouco

mais.

E: Como é a família da T.?

P: É, teve época de serem muito briguentos, agora estão mais unidos. São carinhosos, todos

gostam dela também ela gosta de todo mundo e assim praticamente no mesmo quintal moram

quatro famílias. O avô dela com a avó, aí moram mais três tias e mais duas tias no quintal que

tem crianças e todos se dão bem, né?E aquela coisa de briguinha de criança, mas o convívio é

legal todo mundo se dá bem. Na medida do possível hoje se dá muito melhor.

E: Me explica melhor.

P: Ah! Tem uma tia que é irmã do pai dela, que mora mais os dois filhos no quintal, ela é viúva.

Tem uma cunhada que mora ela mais a filha e o filho. Mora separada do marido. O meu sogro e a

minha sogra e mais três tios dela.

E: E na casa de vocês?

P: Eu, ela e minha outra menina. Meu outro menino mora com a minha mãe, o mais velho tem 17

anos.

E: Você á amigada com...

P: Com o pai dela. O primeiro casamento não deu certo. Meu menino quando eu conheci esse não

quis vir ficou com a minha mãe. Aí eu tive ela e a outra irmã dela.

E: E como eles vem essa questão da T?

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P: Hoje eles encaram numa boa. No começo tudo eles perguntavam, tudo eles queriam entender.

Aí se dispunham. “Ah! Se for o caso de rim eu dou o meu, a Priscila, a Pámela, tem três pares de

rins, quatro pares de rins.” Falei: “Calma gente! Se for o caso...” Todo mundo se dispôs Graças a

Deus não é um transplante, mas todo mundo se dispôs a ajudar. Mas, todo mundo no começo

ficou sofrendo achando que era a coisa mais grave, mais aí eu fui explicando e hoje todo mundo

aceita numa boa. Assim, não assim numa boa né?Todo mundo procura compreender ver que não

é uma coisa assim tão grave ao extremo. Seguindo o regime do médico, o tratamento tudo dava

certo.

E: Descreve para mim a sua família. Como funciona sua casa, como é cada pessoa, como é a

relação entre elas?

P: Bom, é eu e o pai dela é mais chegado a ela. A irmã dela eu acho que já é mais, ela tem um

pouco de ciúmes, ainda mais que ela está numa idade difícil. Elas são muito briguentas, a

realidade é essa. Não sei se ó caso que desde pequena a gente ter se empenhado em cuidar da T.

parece que e mais velha se sentiu um pouco isolada. Entendeu? Mas, na medida do que eu estou

em cima eu falo: “vocês são irmãs não podem brigar.” Tanto ela é muito implicante com a mais

velha. São muito briguentas. Mas, assim quando elas se internam, a irmã dela fica desesperada,

chorando em casa: “quero minha irmã” Medo dela não voltar mais, não sei o que, não sei o

quê.Mas, na convivência ela briga o dia inteiro. Parece que a maior é menor que ela.

E: Mas, elas brigam por quê?

P: Por besteira: por boneca, por lápis, por papel. “Aí esse lugar, esse lugar eu tava aí” essas coisas

bobas de criança que eu falo gente de Deus como é que pode vocês com mais de cinco anos de

diferença brigarem por causa de lugar. Coisa de irmão mesmo.

E: Como é a relação com o pai?

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P: É muito amorosa. Ela é muito amorosa com o pai. Tanto assim que às vezes eu brinco eu digo:

“T. se um dia a gente se separar, eu do seu pai, com quem você vai ficar?” Aí ela fala: “não sei.

Não, mas vocês não podem se separar.” Eu falo: “Mas, a gente não sabe, ás vezes pode acontecer

tem tanto casal que se separam do nada.” Ela fala: “eu não sei, mas não quero ficar nem sem a

senhora, nem sem o meu pai.”

E: Como ele vê a questão do tratamento da T?

P: Hoje ele aceita bem. Ele ficou desesperado, mas hoje ele vê que é um problema tratável.

E: E o comportamento dele com ela mudou de alguma forma?

P: Não. Mesma questão que assim por causa do problema ele passou a dar mais atenção e até

mais afeto, carinho para a criança não se sentir diferente da outra, né?

E: Você planejou a gravidez, como aconteceu?

P: Não. Essa vez eu estava trabalhando e tomava anticoncepcional. Muita irregularidade, tomava

fora dos horários. Aí eu pedi demissão da firma que eu estava na época para entrar em outra.

Quando eu fui fazer os exames para entrar na outra firma, descobri que estava grávida dela. Aí no

começo eu fiquei desesperada porque eu morava num cômodo, tinha a outra pequena ainda. Aí eu

falava: “e agora meu Deus o que a gente vai fazer?” Houve um mudança grande e até para

melhor na vida da gente. Aí a gente foi planejar melhor as coisas, mudamos nosso ritmo de vida,

passei a vender roupas, ele era balconista, começamos a administrar para aumentar a casa. No fim

deu tudo certo. Aí quando ela nasceu foi muito bem aceita. Veio assim numa época até bem

melhor que a irmã dela, que a gente assim teve mais condições quando ela nasceu. No começo

assim a gente tinha medo como a gente ia criar mais uma criança sem ter estabilidade financeira.

Mas, depois Graças a Deus a gente lutou e conseguiu melhorar. Ela veio numa época boa, cresceu

numa ambiente muito bom, unido, com boa alimentação. Eu acho até que um ambiente

harmonioso. Eu pergunto para ela ás vezes: “você gosta da sua família?” Ela fala que gosta. E até

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a outra, apesar dos pesares de ser briguenta com a outra, mas ela se dá bem com a gente. A gente

tem um boa convivência em casa. A gente não tem brigas tenta manter um lar harmonioso para a

criança não crescer rebelde. Eu acho que a minha estrutura familiar eu acho que é assim boa, não

sei se aos olhos dos outros ela é, mas para mim é boa.

E: Como foi a amamentação dela?

P: Ela amamentou mais ou menos até uns 4 meses. No primeiro mês a noite eu comecei a dar

uma chuquinha com leite porque ela não dormia, aí e foi assim até os 4 meses ela mamava até as

10 horas da noite e para dormir eu dava uma chuquinha de leite e ela dormia. Mamou até os 3, 4

meses até que ela parou de vez.

E: Como você se sentia amamentando?

P: Ah! Eu queria amamentar, queria poder amamentar bastante tempo, mas aí por causa da vida

ter que trabalhar, tem que desmamar cedo por causa do correria. No fim parou mais cedo.

E: Como foi essa parada?

P: Eu acho que a T, achou ruim porque ela me deu muito trabalho para aceitar a mamadeira ela

enjoava rápido. Teve época que eu tive que fazer mamadeira de fruta. Porque ela enjoava do leite.

Logo com uma ano ela não quis mais mamadeira, passou a tomar café com leite e Nescau no

copo porque ela não gostava da mamadeira. Começou a se alimentar comer papinha e comida.

Comida mesmo. Não tinha nem dente e vinha direto no nosso prato comer depois de ter comido a

papinha.

E: Com quanto tempo ela andou, falou?

P: Um ano e meio andava sozinha Ela não engatinhou e falar você me pegou acho que foi nessa

média.Dois anos ela falava bem.

E: Como foi para você a experiência de amamentar, o que você sentia?

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P: Quando era para amamentar eu sentava e amamentava mesmo. Eu acho que é o único

momento que ela está lá pertinho, que passa aquela fase que você pode aconchegar ela pertinho

de você amamentando. Pena que as condições da gente não permitam. Se eu pudesse eu teria

amamentado ela até quando ela quisesse.

E: Qual era a sensação que você tinha?

P: Prazer, proteção.

P: Como era a sua relação com o pai dela quando ela nasceu?

E: Era boa. Desde que a gente decidiu morar juntos sempre foi boa.

P: Como vocês imaginavam o bebê, o que vocês pensavam?

E: A gente sonhava que fosse um menino para ficar um casal, mas depois de alguns meses eu

falei assim: “ai gato a gente tem que cair na real, e se vem uma menina de novo a gente não pode

desprezar. O bebê ta ouvindo já pensou se é uma menininha aqui dentro e a gente chamando de

Kaíque. Já pensou ela vai pensar que estamos rejeitando.” Aí escolhemos nome de menina aí

quando alguém falava “ai Kaíque” eu falava: “não pode ser uma T. não vamos ficar nessa de só

Kaíque, de repente a menina me nasce com trauma já desde o útero, não.T. ou Kaíque.” Então a

gente sonhava em dar melhor conforto para ela, você sempre quer que venha numa época melhor.

Não que venha para sofrer. Então a gente planejou veio com enxoval completo, né? A casa

estava maior, tudo bonitinho. Veio numa época muito abençoada.

E: O contexto familiar mudou da época que ela nasceu, quando soube a doença e agora?

P: A relação mudou. A gente ficou mais unido. Depois que a T. teve esse problema eu melhorei

muito mais como ser humano. Eu me achei assim eu passei a respeitar mais as pessoas, a ver que

tudo na vida a gente tem que lutar não importa o que seja, aprendi a amar todos ao meu redor, se

eu puder ajudar, ajudar sempre, eu falo para elas que a vida vale muito a pena que elas têm que

lutar, procurar ser honesta, lutar correr atrás, tudo acho que se resume o amor é...quebra todas as

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barreiras e o respeito ao próximo. Eu acho que melhorei muito. No começo quando eu vi assim:

“meus filhos vieram todos perfeitos e de repente a minha filha vai precisar de um rim.” Falei, na

época que eu não conseguia entender a doença, falei: “pô, a vida da gente não é nada de repente

você se vê numa fila de transplante, com um câncer, igual na minha família meu sogro apareceu

com um câncer de próstata, até por conta disso a família se uniu mais. Porque por conta disso a

família se uniu mais porque atenção ficou para ela, voltada para ela e para o meu sogro. Então

uniu mais. Você vê que você não é inabalável então você tem que fazer o melhor porque se

acontecer o pior você não deixar de ter feito nada de bom. Ter lutado para ser melhor na vida, eu

acho que é isso.

E: Você relaciona a doença a alguma coisa?

P: Eu acho que todas as doenças de hoje se relacionam a forma de viver de hoje porque eu não

lembro na minha infância de ter ouvido falar de nada igual. Então para não ficar pirando eu vou

aceitar que o médico falou porque ela tinha mesmo muitas infecções de garganta, que ele falou

que pode ter sido alguma infecção que foi mal administrada, que pode ter ocasionado a lesão

então eu não tenho nenhuma paranóia não. Ou é esse problema ou é a forma de vida que a gente

leva sem a preocupação com a alimentação. A realidade é que nem com o jeito de lavar a verdura

eu me preocupava tanto, se ela tava bem higienizada ou não. Hoje não, me preocupo com os

mínimos detalhes. Você aprende a melhorar a sua alimentação, higiene. Pensando que pode ter

sido um alimento não bem limpo, que os médicos falou que não tem assim o que possa ter certeza

100% o que provocou essa lesão, mas pode ter sido uma infecção, algo que ela ingeriu mal

higienizado.

E: Tem alguma coisa que piore e faça ela descompensar?

P: Uma infecção ou quando ela está com baixa resistência, por isso procuro alimentar bem dar

bastante fruta, verdura para não ficar fraca.

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E: Quem cuida da T?

P: Eu. 24 horas eu. Às vezes eu penso em trabalhar fora porque a gente tem um comércio. Mas

meu marido fala que eu tenho que ficar com a T, aí ele faz currículo manda porque ele sabe que

quem cuida melhor, não que ele não saiba ele até se dispõe, mas tem aquele negócio de remédio,

horário, dieta, regime , comida, aí ela fala: “então você tem que tomar conta dela” para dormir no

hospital sempre fui eu. Que eu me lembre a noite só com eu.

E: Como você se sente?

P: Ah! Eu faço a minha parte numa boa. Procuro me dar como quando ela ficou internada fazer

atividades para animar ela. No caso que eu falei que ela ficou desanimada: “Ah!vamos para

brinquedoteca.” Brincava com ela no corredor, na motoquinha, gangorrinha, se ela não queria sair

da cama levava as coisas para ela como lápis e papel porque ela adora desenhar, adora pintar.

Procuro fazer a minha parte para ajudar, me empenho para ver ela bem.

E: Mudou alguma coisa na sua vida sabendo da doença?

P: Mudou. O serviço, antes eu não teria tanta preocupação. Então muitas vezes eu deixo de

trabalhar fora, se for o exemplo, porque eu acho que tem que dar atenção para o caso dela porque

não e largar assim que ela vai se cuidar porque ela não vai. Mas, eu assim como pessoa normal.

Algumas coisas a gente se priva para não deixar ela de lado, sempre estar perto. Talvez até ruim

isso para ela. Eu falo para ela: “quando você tiver maior que você aceitar 100% todas condições

impostas a você aí você pode ficar a vontade” Mas, eu acho ela ainda menor para se defender,

para se cuidar, então eu a gente fica mais em cima. Mas eu acho que conforme ela vai

aprendendo, ela vai ser mais cuidadosa com ela mesma.

E: Você disso cuido 24 horas por dia.

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P: Não. Se eu saio ela está junto, dentro de casa...nossa convivência é 24 horas é difícil se afastar.

Porque o bar a casa é atrás. Acordo, levo para escola, vou buscar, dou banho, janta. Mando para

cama, escovar os dentes.

E:Descreva para mim cada pessoa da sua família.

P: Meu marido é calmo. Ele é água eu sou fogo. A T. é meiga a M. também é meiga, só que a T.

é mais traquina. Num quadro normal todos são amorosos uns com os outros, carinhosos,

respeitam um o outro entendeu?

E: E a relação entre todos?

P: Olha não vou mentir não estava meio abalada por causa dos problemas de adolescente, de

namoro da mais velha. Até que eu conversei com ela e ela aceitou numa boa que a gente sempre

tem diálogo. Na maior parte do tempo conversamos, se tiver alguma dúvida ninguém fica sem

falar, se eu tiver chateada com alguém eu falo, a convivência da gente é franca.

E: E como fica a T. nesse momento abalado?

P:Ela procura ajudar. Quer ser mais adulta, defender um proteger o outro. Porque é assim:

ninguém esconde se tiver algum problema com os quatro todos os quatro sabem entendeu. Se eu

tiver chateada os três sabem e qualquer um é assim. Ela procura “A M. você está errada! O pai ta

certo. Você tem que respeitar o pai.” E assim vai.

E: Há quanto tempo você está com seu marido?

P: 15 anos.

E: Você ainda tem alguma dúvida sobre a doença?

P: Não porque eu pergunto todos os meus medos para os médicos. Hoje não. Eu não tenho mais

medo. A única coisa é que eu não tenho a certeza do que provoca essa lesão. Foi uma infecção de

garganta ou de ouvido, isso ou aquilo. Com relação ao tratamento eu entendo e aceito, ela

responde bem aos corticóides. No mais não tenho dúvidas.

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E: Como é o dia do aniversário da T.?

P: Ela sempre pede um festa. Mas, tadinha uma hora é das meninas super poderosas outra hora da

barbie e eu explico que não dá. Explico que vou dar um presente, uma bicicleta e uma boneca e

assim vai.

E: Mas, como ela fica no dia do aniversário?

P: Ansiosa, ela quer ganhar presente. Quer que todo mundo lembre que é aniversário dela. Quer

ser abraçada, beijada, ela fica chateada se não lembrar.

E: E num dia normal?

P: Alegre. Acorda querendo brincar. Vai para escola numa boa.

E: Tem alguma coisa que eu não tenha perguntado que você considera importante falar?

P: Não. Acho que você perguntou tudo.

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ANEXO AF

DFH

Desenhou primeiro o sexo feminino. Enquanto respondia as perguntas referentes à história

desenhou o restante da paisagem, corações, etc nos dois lados da folha.

História:

Um dia de manhã ela foi na padaria comprar pão. O nome dela era Maria e tinha uma filha

que se chamava Madalena.

Aí depois ela foi no shopping comprar roupa. Ela foi com o marido, o Márcio. Aí foram

embora preparar o jantar para os três. Ligaram para a madrinha da Madalena perguntando se ela

podia passar as férias lá. Ela deixou. Mas, ela não quis e começou a chorar porque queria ficar

com a mãe e só com 11 ela podia ir. Depois a mãe deixou passar as férias. Ela foi. A mãe tinha

comprado outra casa. Tinha um quarto só para ela. E aí viveram felizes para sempre.

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Questões:

E: Qual a idade deles?

P: A Madalena tinha 11, o pai 39 e a mãe 36.

E: Descreva-os para mim.

P: A Maria é grande, morena, cabelo encaracolado, olho verde igualzinha a mãe dela. A

Madalena é do meu tamanho, morena, cabelo liso e parece com a mãe dela. Ela é alegre. O pai é

grande, tem olho azul, cabelo loiro e é branco.

E: Como é a relação da Madalena com a mãe dela?

P: Elas brincam, a mãe conta história. O pai leva para passear, no cinema, brincar no parquinho.

E: O que ela sente pelos pais?

P: Sente felicidade.

E: Por que a Madalena chorou e não quis ir para a casa da madrinha?

P: Porque ela tinha medo.

E: Medo de quê?

P: Que os pais se mudassem e não buscassem ela.

E: Como ela se comporta?

P: Comporta bem.

E: Mas, o que ela faz, como é a rotina dela?

P: Ela acorda come banana, maça, mamão, manga, escova o dente e brinca e dorme. Ela passa 3

meses na casa da mãe e um dia na casa da amiga. Lá ela brinca de bicicleta, boneca, bola, piscina.

Aí quando neva ela brinca de boneco de neve. Na casa da mãe ela brinca no quintal de piscina.

E: Ela estuda?

P: Estuda.

E: Como ela é na escola?

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P: bem ela só tira 10.

E: O que irrita a Madalena?

P: Quando as amigas chamam ela de quatro olhos.

E: O que a deixa feliz?

P: Quando chega o aniversário que ela ganha brinquedos.

E: Como é a saúde dela?

P: É bem boa. Só fica doente quando vai para a escola e ta chovendo.

E: Como ela é quando está doente?

P: Fica assistindo TV, o canal de desenho.

E: E o que ela sente nessas horas?

P: Nada.Chato porque não pode sair no quintal para brincar.

E: Como ela é quando fica triste?

P: Não tem vontade de comer.

E: O que a deixa triste?

P: Quando tira nota 0 na escola.

E: O que ela sonha?

P: Sonha que está voando.

E: Ela tem algum desejo?

P: De ganhar outra boneca da Mônica.

E: Ela tem amigos?

P: Tem 3.

E: Qual a idade deles?

P: 9, 10 e 6.

E: Como eles são?

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P: O de 9 é grande, o de 10 é grande também e fica rosa quando fica doente e o de 6 é pequeno.

E: O que ela está sentindo agora?

P: Nada.

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ANEXO AG

Desenho da família real:

E: Como é essa família?

P: Feliz.

E: Como ela se comporta?

P: Bem. Não brigam nem com os filhos só quando fazem coisa errada.

E: Como é o relacionamento entre as pessoas?

P: Um conversa com o outro, todo mundo conversa quando está feliz, quando está triste.

E: Quando ficam triste?

P: Quando alguém fica doente, quando vai mandado embora do emprego.

E: Quem ela gosta, se identifica mais?

P: O pai e a mãe.

E: Como essa família se diverte?

P: Vai no bar, no parquinho, no Natal ceia.

E: Como é quando alguém está doente?

P: Quando a minha prima fica doente só brinca nós dois. Eles ficam triste. Querem que ela sare

logo.

E: Como gostaria que eles se comportassem?

P: Bem, que nunca brigassem.

E: Como eles se sentem?

P: Feliz quando ganham presente.

E: Como gostaria que eles se sentissem?

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P: Bem, que ninguém brigasse.

E: Como seria uma família feliz?

P: Unida.

E: Como é cada membro da família?

P: A mãe é dona-de-casa, tem um bar; meu pai trabalha no bar; minha irmã ajuda; minha vó visita

e dorme; minha tia é legal; minha prima e meu primo brincam; meu avô resmunga.

E: Como gostaria que fossem?

P: Que a minha mãe pudesse trabalhar fora e que meu avô não fosse tão resmungão.

E: Como seria uma família ideal?

P: Feliz. Com uma casa com quintal só deles.

Família ideal:

E: Descreve para mim essa família ideal.

P: Tem a casa do pai e mãe, carro do pai, piscina, bicicleta. É uma família feliz, não briga, não

discute. O pai trabalha, a minha mãe também eu e minha irmã estudam.

E: Como eles se comportam?

P: Bem. Tem dia que quando pode ele aluga casa na praia e passam lá.

E: Como gostaria que eles se comportassem?

P: Que ninguém brigasse.

E: Descreve cada um e o que eles estão sentindo.

P: O pai é legal e não está sentindo nada e quando ele sente não dá para saber porque ele não fala.

Minha mãe é legal, leva na escola, no parquinho, minha irmã e eu felicidade de estar na casa.

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ANEXO AH

Primeira aplicação do jogo de areia

M: MÃE

E: ESTAGIÁRIA

F: FILHA

Tempo de contato com a areia: 7 minutos

Início da cena: 13h 55min

Término da cena: 14h 15min

Após as instruções elas começaram a mexer na areia. Enquanto mexiam na areia

conversavam:

M: Eu lembrei da Jaqueline na areia.

F: Eu também. Elas foram lá para o fundo e água ficava puxando.

F: Parece areia da praia. Lembrei daquele dia que eu estava lá e achei uma moeda de 5 centavos.

M: Quando você estava catando conchinha. Como foi mesmo? (enquanto a filha contava a

história da conchinha a mãe, que mexia bastante na areia enquanto a filha só passava a mão por

cima, enterrou a mão da filha)

Levanta vê se está pesado.

F: Levantou. (as duas riram)

M: Você está tendo as mesmas lembranças que eu. (a filha enterrou a mão da mãe)

M: Que gostoso! E se a gente enfiar a cara? (colocou o nariz na areia, risos e a filha limpou o

nariz da mãe) Areia traz bastante lembrança.

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F: Mãe, depois nós vamos brincar?

M: Depois vamos bagunçar os brinquedos. (apontando para as miniaturas)

M: Não dá vontade de jogar para cima? (pegando bastante areia nas mãos. risadas) Lembrei de

você enterrada no quintal. (fazendo movimentos na areia como se estivesse fazendo massa de

bolo). Ó tem um relógio antigo que é feito de areia chama ampulheta. (mostrando para a filha

segurando a areia no alto com a mãe fechada e deixando escorrer um pouco de areia.

F: Ah! Mãe eu lembrei da cena da Jaqueline, aquela da conchinha e aquela que fomos com a

Mayra no Perequê. Vou escrever meu nome. (escreveu na areia)

M: Falta o acento.

M: Vamos arrumar o cenário. (Lavaram as mãos) Pega o que você quiser que eu vou pegar para

mim.

F: Estou esperando você sair.

M: Vou fazer de conta que isso é um coqueiro.

F: Olha o coqueiro aqui!(entregando a miniatura para a mãe)

F: eu vou fazer um banheirinho.

M: O sol!

F: Mãe acha o Diego!

M: Faz de conta que esse é o Diego. (bonequinho pequeno com a pá na mão)

M: Olha o som mano. (colocando o rádio na cena)

F: O que é isso?

M: Estrela do mar, faz de conta.

F: Olha.

M: Uma geladeira. (a filha abriu a geladeira e encontrou mais miniaturas)

F: Negocinho de médico. (mas, não pôs na cena)

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F: O pai pode ser o fortão. (pegando a miniatura do soldado)

M: A flor do deserto.

F: tem que ter um cavalo.

M: Tudo bem se você quer. Por que seus móveis estão na areia?

História: Um dia na praia

M: Conta a história. Eu...

F: Eu...

M: (risos) Eu não vou contar a história para você não ou você conta ou eu conto.

F: Então conta aí. É porque eu estou sem mente.

M: Sem mente?

F: Eu to sem cabeça.

M: Ah! Tá. Então vamos lá. Nossa faltou tanta gente, nós não iríamos só esse pessoal para a

praia. Então fomos eu, o pai, a Mayra, você, aí foi a Ágata, a Gabi, o Léo e o Ricardinho para a

praia?

F:É.

M: Chegando lá o que aconteceu que a sala está aqui no meio com quarto?

F: Nós fomos nadar na praia...

M: Aqui é a casa?

F: É. Nós chegamos aí a gente foi almoçar, aí depois a gente pôs o biquíni, aí fomos para o quarto

de trocar e aí a gente foi nadar.

M: Ah! Ta. E eu peguei e levei a barraca então, né?

F: Ahã.

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M: para a gente levar algum lanchinho na barraca?

F: É.

M: Ah! Tá. Então tá bom.

F: Tem bem cara de praia mesmo.(tocando na oca)

M: Deixa aqui é a barraca. Aí na nossa praia tinha um coqueiro com um macaco que eu não sei o

que está fazendo no meio da praia, mas tudo bem, né? Tinha muito sol. Olha o sol, olha alegria

do sol. (risos) O sol fez uma cara mais feliz que a sua tá? Eu sei que era uma praia muito linda,

tinha flores, árvores, tinha estrela-do-mar, olha nossa praia tinha um golfinho, né?

F: Bem que eu queria ver um golfinho de perto eu nunca vi.

M: Nem eu.

M: Tinha um cavalo na sua praia T.

F: Mãe aquele cavalo que você falou: “olha o cavalo T. Olha, cuidam tão bem do cavalo que até

cortam o rabo dele.”

M: Eu não lembro. Ah! Mas, na rua.

F: Tava no mato.

M: Ah! Naquele jardim na frente da casa do tio D., né?

F: É.

M: Ah! Tá. Mas então não tava na praia, mas tudo bem então você lembrou dele, né? Então nós

fomos passar o dia na praia. Todos muito felizes, dormimos na casa do tio D.

F: Ahã.

M: Onde nós almoçamos e jantamos. Passamos o fim-de-semana na praia. E foi muito divertido.

Você ta recapitulando aquele fim de semana na praia?

F: É.

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M: Ah! Tá. Tá bom. Só que aquele fim de semana só foi eu e você. Mas, dessa vez foi o pai e a

Mayra, né? Tudo bem. Então tá bom. Hoje nós duas não estamos muito boa para fazer história

não Dra. Paula.(risos) E aí conta mais história da praia.

F: Eu não sei.

M: Não sabe? Hora você inventa cada redação, faz cada redação na escola para a professora.

E: O que está acontecendo agora?

F: Eles estão brincando na areia.

M: E a Mayra está dançando axé olha até o rádio está lá perto dela. (risos)

E: Quem é a Mayra?

F: É a minha irmã. Essa aqui sem cabelo com pé de fora.

M: Tadinha, mas ele está sem cabelo porque a boneca não tem cabelo porque a Mayra tem e

muito cabelo, né?

F: E é todo fuá. Ninho de passarinho. (risos)

M: Não judia do cabelo dela.

E: O que esses dois estão fazendo?(soldado e boneca)

F: Eles estão andando na praia de manhã.

M: Fazendo Cooper.

E: Eles estão conversando?

F: Não.

M: Mudo? Mudo não T. Eu vou ficar sem conversar com seu pai? Só andar?

F: Fala você então o que você está conversando com ele.

M: Nós estamos apreciando a paisagem andando, olhando o mar como é bonito.

F: Falando que vocês viram um golfinho: “olha o golfinho!”

M: Tá bom. Você me deixou tão torta T. Agora eu caí (ajeitando o boneco).

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E: Ela está dançando e eles?

F: Nos estamos brincando na areia e olhando o golfinho.

E: E esse macaco?

F: pergunta para a minha mãe.

M: (risos) O macaco ta querendo apanhar um coqueiro aqui no pé de coco.

F: Um coqueiro não. Pegando um coco.

M: O macaco quer pegar um coco que ta aqui no coqueiro.

F: Então você não falou.

E: E o cavalo?

F: É que nós chegamos na praia e a gente viu dois “cavalo”. Eu vi, não sei se minha mãe viu.

M: Eu lembro de um.

F: Do branco?

M: Não de um escuro que você falou: “olha o rabo dele que cor ta.” Ah! Eu lembro do branco.

E: O que eles estão sentindo?

F: Felicidade que estão na praia.(risos)

M: Ai bem que eu queria estar na praia eu estaria muito feliz mesmo. Aqui nós estamos felizes de

estar na praia. Pelo menos conseguimos um fim de semana para ir para a praia, né?

E: O que aconteceu antes dessa cena?

M: Você falou que a gente tinha almoçado, né?

F: É. A gente almoçou.

M: Trocou de roupa, colocamos o biquíni, almoçamos...

F: E fomos para a praia.

M: E fomos para a praia.

E: E o que vai acontecer depois?

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F: Nós vamos nadar, nós vamos dormir, aí depois nós vamos acordar de novo, nada, depois nós

vamos dormir e ir embora.

E: Você colocou uma cama, uns móveis aqui...me explica?

F: É dentro da casa.

E: Quem é o dono da casa?

F: O meu tio.

E: e onde está o seu tio?

F: Cadê o tio mãe?

M: Trabalhando.

F: Mas, ele trabalha na praia?

M: Não aí agora no momento não. È mesmo o que aconteceu com seu tio?

F (procurando)

M: eu já sei. T. Eu já sei o que aconteceu. Ele não veio. Ele emprestou a chave da casa.

F: Mãe depois vamos brincar de médico?

E: O que mais vocês me contam desse dia?

F: Eu só conto isso.

M: Só desse pouquinho só? Ah! Conta mais, que a gente fez churrasco na casa.

F: É nós fez churrasco. Depois nós dormimos, quando nós de noite...

M: De noite nós fomos passear lá no centro de Itanhaem...

F: É...

M: Fomos no pão de açúcar. Você não foi...você foi comigo?

F: Vocês não quiseram me levar.

M:A você ficou com as crianças. As crianças não podiam ir. Então ta vamos fazer de conta que

estamos passeando no trenzinho lá na praia de noite.

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F: Cadê o trem?

M: Mas, é imaginário.

F: Ah! Ta.

M: Nós vamos passear, conhecer o centro de Itanhaem à noite, vamos fazer um lanche. Tirando

que a gente vai brincar muito nessa areia, né T? Vamos passar o dia brincando na areia e no mar.

Vai ficar todo mundo assado de brincar na areia e no sol.Eu não gosto de sol.

F: Eu gosto mais de água a Natália gosta mais de areia.

E: Como são essas pessoas da cena. Descreve para mim.

M: T. você.

F: Eu ou a minha mãe.

E: Como vocês preferirem.

M: Porque você só empurra para mim? Descreve elas agora que eu quero ver. Esses dois aqui eu

quero ver como são. (apontando para as figura que a representa e que representa seu marido)

F: Esse daqui é forte e ta andando e minha mãe é morena e está andando também.

E: E aqui? (as figuras perto do golfinho)

F: Aqui é todo mundo da minha família.

E: E como eles são?

F: Felizes.

E: Vocês modificariam alguma coisa nessa cena?

F: Não. Ficou até muito bonito.

M: Ficou mesmo eu gostei. Faltou um monte de gente, mas se for por aí vai encher tudo. Né, T?

Como que a gente levou a Ágata sem o pai dela e a mãe dela, o Léo sem o pai sem a mãe, o

Ricardinho sem o pai sem a avó.

F: Ah! Deixa para lá. (Risos)

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ANEXO AI

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ANEXO AJ

2a aplicação do jogo de areia: Caixa Temática

M: mãe

F: Filha

E: Estagiária

Tema: “O dia da cura”

Dadas as instruções começaram:

Antes de começar a montar a cena a mãe mexia na areia passando as duas mãos em toda

extensão da caixa e a filha apenas pinçava com uma mão um pouco de areia no canto da caixa.

No início, a mãe já tomou a iniciativa pegando diversas miniaturas e colocando na caixa

enquanto a filha ainda pensava e começava a mexer na areia. A mãe colocou as miniaturas

primeiro, em seguida a filha e depois as duas ajeitaram a cena e acrescentando o que achavam

que faltava,

Tempo de contato com a areia: 2 minutos.

Início da cena: 12h14

Término da cena: 13 h

M: Já imaginou aí sua parte, o dia da cura, a sua parte?

F: Ahã.

M: Já, então começa aí.

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F: Não, ainda não imaginei.

M: Não? Então por favor, eu quero meu pedaço aqui.(riso)

F: O mãe, por que não molha a areia para fazer de piso?

M: Hã?

F: Molha a areia para fazer de piso.

M: Molha a areia? Não, não vou molhar não.(respondia enquanto limpava as mãos) Não vou

molhar a areia porque não estou podendo, está frio. (passando para o lado onde estavam as

miniaturas). Meu Deus, montar cenário de novo imaginando o dia da cura...

F: Eu já imaginei. (mexendo na areia com as duas mãos)

A mãe começou a tirar as miniaturas da caixa.

F: Ô mãe, eu já imaginei.

M: Hã. Então imagina aí.

F: Mas, eu estou esperando você sair.

M: Esse aqui era seu pai, né?

F: Qual?(risos)

(mostrou o soldado)

F: Era.

M: E essa aqui era eu, né? (mostrou a miniatura da mulher)

F: É.

M: Ai credo. Como eu estou magrela, quem dera.

F: Olha o Ricardinho. (mostrou o Buda)

M: Nossa T! Que exagero.

F: Deixa eu ver esse bichinho.

M: Coloca o Deus aí que ele é poderoso.

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F: Quem é poderoso?

M: Deus, T.

F: Cadê o Deus?

F: Jesus.

M: É Jesus, né?

F: Põe ele curando as pessoas.

M: Ajudando os médicos a ter sabedoria para curar as pessoas. Funciona assim, certo? Vou fazer

uma festa. Vou enfiar todo mundo aqui, que você está curada. (colocando rapidamente várias

miniaturas de pessoas). Olha você aqui, eu, seu pai, a Mayra...

F: Cadê a Ágata. A Ágata é que ficava mais bonitinha.

M: Estamos fazendo uma festa porque você está curada. A Ágata era essa?

F: Era. Vou pegar o meu.

M: Você?

F: O meu.

M: Ah! Ta. Tá bom da licença.(trocando de lado) Cadê o médico?

F: Ta aqui. (apontando já na areia)

M: Ah! Ta. Colocar do lado da enfermeira, a médica. Pronto médica, médico.

F: O pai, a mãe, a Gabi.

M: Não é a Gabi, é a Mayra.

F: Não aquela é a Mayra.

M: Você colocou a Mayra sem cabelo. Não tem bolo aqui. Queria um bolo.

F: Tem um carneirinho do lado de Jesus.

F: Tem, tem não.

M: Que isso? Televisão, né?

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F: O som...

M: Que pena!

F: Mãe.

M: Queria um bolo. Aqui esse vai ser um bolo.

F: Ô mãe esse vai ser o bolo.(uma casa).

M: Você não lembra da novela Chocolate com pimenta? Tinha um bolo assim.

F: Ah! É.

M: Então faz de conta que é o bolo nós vamos cantar parabéns. (colocando em cima da maca)

F: O seu ta de noite. Tinha pego sol o dia todo e depois...

M: Tem um monte de gente. (colocando todas as miniaturas humanas na caixa de areia.)

F: E eu vou ficar sem?

M: Sem o quê?

F: Sem pessoinhas, sem bichinhos desses?

M: Esse aqui é você. Nossa seu bolo é tão grande que não cabe. Deixa eu achar para você. Essas

pequenininhas são as suas coleguinhas.

F: Ai, ai, ai.

M: (risos)

F: Aqui é a Kauani.

M: Nossa! A Kauani não está lá não?

F: Não.

M: E esse aqui, quem vai ser? Tem pato dentro de casa?(risos)

F: Então, não tem coqueiro, nem lua.

M: Põe o que você quer por.

F: O meu é do lado de fora.

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M: Dentro de casa não tem lua. Cê vai afogar o Léo na areia.(enquanto T, afindava os bonecos na

areia)

(risos)

F: Olha a Bruxa.

M: Ai que horror. Quem é esse mago, aí? (a miniatura do rei)

F: (estava tirando a miniatura)

M: Deixa aí. Faz de conta que é o vô. ( miniatura da princesa)

F: É mesmo. O vô. Essa é a vó.

M: É mesmo que vó bonita. Que vó é essa?

F: A vó Cida. Ela está varrendo a casa. (colocando a vassoura)

M: Quantas pessoas faltam nessa festa.

F: Índio na festa mãe.

M: É representando as pessoas, imaginário. Acabou. Falta um monte de gente aqui.

F: Meu gatinho. (colocou sobre o coqueiro)

M: Esse não é o quintal?

F: É.

M: Então a Lua tem que ta aqui. Um lado é lua o outro é sol. Ta de dia ou ta de noite?

(T. foi colocando as miniaturas e tirou a lua.)

M: Quem é esse aqui?

F: O Alan.

M: O Alan fumando cachimbo. Você já está viciando o menino?

F: Pára mãe.

F: Aqui é a luz.

M: Acho que é assim.

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F: Então deixa. (Guardou.)

M: Tem mais coisa. Quem pode ser esse aqui?

F: O Jorjão ele é polícia.

M: O Jorjão?

F: ele também está no dia da cura.

M: E agora você pôs o Jorjão lá? (risos)

F: Que que tem? Tem até bombeiro porque não posso pôr o Jorjão?

M: É que está representando as pessoas. E esse aqui bonitinho. (corcunda)

F: Ele está na frente de Jesus. Jesus está curando ele porque ele está com a cara torta.

M: (risos) Que lindo! Inteligente a sua idéia. Gostei. Acabou?

F: Não. O cachorrinho aqui latindo para o gato.

M: O tobby.

F: É. Esse daqui é o Tyson. (outra miniatura de cachorro)

M: Cachorro do tio Diney?

M: O Tyson. Parece a tia Vera esse daqui.

F: Esse aqui é o moranguinho. É uma festa na praia.

M: Dãã, meu Deus.

F: Deixa para lá.

M: pode ser em qualquer lugar a festa.

F: Aqui ta todo mundo dançando. A vó ta varrendo a casa. (tentando colocar a vassoura apoiada

na princesa)

M: Ela ta varrendo a casa ou está participando da festa? O dó. Nem no dia da festa ela pára de

trabalhar.

F: Então deixa eu varrer a casa. (passando a vassoura na areia como se estivesse varrendo)

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M: Pronto? Acabou aí? Seus convidado tem mais gente ainda?

F: Tem. Deixa eu ver. (apontando nas miniaturas que já estavam na caixa.) O pai, você, a Mayra,

eu, o Léo...

M: Você tá aqui. (apontando para a miniatura perto do bolo)

F: É. A Kauani, a Ágata, o Léo, o Ricardinho, quem é essa?

M: O Ricardinho você disse que era esse. (apontando para o Buda)

F: Ah! Não. Muito feio. Esse aqui é ele. Quem é esse?

M: Não sei. Quem você convidaria para a sua festa?

F: A Paula, a Pâmela, quem é esse? (apontando para o médico)

M: Dr Rô.

F: Esse é...

M: O pirata. Tio Diney.

F: Tio Diney.

M: Tem a tia Déia, tem o tio..., a tia...,. tem gente demais vai faltar boneco nessa festa.

F: Quem vai ser esse?

F: Tia Nice.

M: Tadinha. Então vamos por mais gente nessa festa. Todos esses são convidados. Tira as armas,

faz de conta que não estão com elas. Só estão ali para se divertir.

F: Ah! Ta faltando uma coisa. (roda-gigante) Para as criancinhas brinca.

M: Boa idéia. Nós vamos dar é trabalho para a Paula. Onde vai ficar?

F: Aí

M: Vai T. Olha que coisa feia, não vou pôr. (tinha arma)

F: Não tem índio na festa da cura também.

M: mas, ele é convidado e não tem mais pessoas. Acabou não tem mais.

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F: Que que é isso?

M: Um balde. O que você vai fazer com um balde?

M: Ta bom? Acabou?

F: Não.

M: Pronto?

F: Deixa eu ver.

M: Todo mundo ê..

F: peraí. (ajeitando todos com os braço para cima)

M: toda família e os convidados especiais.

F: Olha esse aqui ta doente. Não pode mexer o braço. (miniatura com faixa no braço e na cabeça)

M: Acabou?

F: Acabei.

M: Terminamos. Não tem mais boneco. Queria colocar mais gente, mas não tem.

F: Põe esse também.

M: Mas, esse está armado.

História:

M: Você vai contar?

F: Não.

M: Por quê?

F: Você conta.

M: Bom, estamos fazendo uma festa para comemorar a cura da T. Aí convidamos todas essas

pessoas que estiveram do nosso lado esse tempo todo nos animando, né? A família toda e alguns

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colegas. Aqui faltam alguns bonequinhos, mas faz de conta que está toda a família, todos os seus

coleguinhas de escola, seus primos, os avós, né? Ta todo mundo aí, né? E todo mundo está feliz

porque a T está curada.

F: Até o cachorro está participando.

M: E Deus também está presente dando inteligência para os médicos continuar curando as

pessoas, né? Esse aqui é quem está sendo curado. Esse aqui é quem que está sendo curado?

F: É o mestre Dame. O corcunda de Notre Dame.

M: (risos) É quase isso. Mas, ta curando, né? Tem mais coisa aí para contar na história?

F: balançou a cabeça negativamente.

M: Ah! Fala a sua parte T. Você está feliz com a sua festa?

F: Tô.

M: Só isso?

F: Só.

M: Não tem nada para contar, uma festa tão bonita?

F: Não.

E: O que está acontecendo nessa festa?

M: As pessoas estão dançando, conversando. Querendo cortar o bolo. Olha lá as crianças tudo

doida atrás do bolo, né?

F: Também estão brincando de pega-pega.(afundando as miniaturas)

M: Vai afogar as crianças.

E: O que eles estão conversando?

F: Tão conversando: “que festa boa!”

M: Só isso?

F: Só.

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M: É eu não sei que assunto colocar no meio das pessoas.

E: O que aconteceu antes dessa cena?

F: Tava todo mundo chegando.

M:Dã. Que dedução!

F: (risos)

M: Todo mundo chegando T?Antes de estar todo mundo aí a gente estava organizando a festa, né

T?

F: Ahã;

M: Colocando bexiga, enfeitando a mesa, bolo, preparando as bebidas, né, não é isso?

F: É.

M: Então tá bom.

E: Quem organizou a festa?

F: Minha mãe.

M: Só eu?

F: A tia Vanda, aPriscila não porque ela ta grávida. A Mayra, a mãe, a vó, a Vanda, a Priscila,

não a Priscila não porque está grávida, a Pamela, a Jaqueline, a tia Vilma e a vó Cida.

M: Ta bom.

E: E como vocês fizeram?

F: Mandava convite.

E: O que tinha no convite?

F: O que tinha no convite?

M: A festa é sua, não é minha não. O que você vai colocar no convite.

F: Nada.

M: venham todos participar da festa comemorativa de cura da T. Pronto ta bom assim?

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F: Ahã.

M: o que a T. tinha?

F: Problema no rim.

E: Como curou?

M: Como curou?

F: Jesus pôs a mão no meu coração e aí curou.

M: E os remédios?

F: Parou tudo.

M: Remédios também ajudaram, né?

E: O que aconteceu quando ele colocou a mão no coração?

F: Ele falou que era para curar eu. Aí ele curou.

E: quem participou?

F: todo mundo da família.

E: Aqui tem dois ambientes pelo que você falaram.

M: É. Dentro de casa e o quintal.

F: Não coube todo mundo dentro então tem gente no quintal.

M: É verdade a casinha nossa é pequena não cabe esse monte de gente.

E: E que está acontecendo em cada ambiente?

F: Tão conversando, tomando refrigerante, suco e dançando.

M: cervejinha também porque tem uns que bebem e eu também gosto de cervejinha, né? (risos)

Que mais?

F: Só.

M: É. Todo mundo se divertindo. Falar nisso faltou a churrasqueira, né T?

F: Põe aquele negócio branco do lado do sofá.

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M: Isso aqui pode ser. Põe a churrasqueira lá para você não se queimar. (colocou o baú)

E: Mudou alguma coisa depois disso?

F: Vai. Vai mudar tudo.

M: O que que vai mudar?

F: Eu vou comer tudo. Todo o bolo e não vai sobrar nada. Porque ele é de chocolate e eu adoro

chocolate.(risos)

M: Mas, você come quase de tudo T.

F: A única coisa que eu não como é salgadinho e refrigerante e salgado.

M: Pois é. Refrigerante não é bom para a saúde e salgadinho também não. Não é verdade?

M: Sua vida mudou tanto assim depois que você teve problema?

F: Ahã.

M: Então, só tem uma vida mais saudável não é verdade?

F: Ahã.

M: E aí? Aí você vai ficar mais aliviada que não vai precisar tomar remédio não é?

F: Ahã.

M: Isso é uma das grandes coisas.

E: E na família muda alguma coisa?

F: Não.

M: Não vai continuar todo mundo do mesmo jeito. Todo mundo na torcida para não ter o mesmo

problema, né? De saúde, né?

F: ahã.

E: E como é esse jeito?

M: Acho que todo mundo unido, preocupado com o bem-estar de todos. É assim.

E: O que vai acontecer depois dessa festa?

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M: Heim T? Acabou a festa cada um vai para a sua casa, né?

F: Não. A tia Vanda dorme em casa e depois nós leva ela.

M: Então ta a Tia Vanda fica em casa. Igual ontem?

F: É.

M: (risos) Aí depois todo mundo começa a correr atrás do prejuízo, né T?

F: Ahã.

E: Prejuízo?

M: trabalho. Tem que pagar as contas né T?

F: Ahã.

M: cuidar da vida, né?

F: Ahã.

M: Então tá bom. Só eu que falo? Você ta folgada, heim?Olha.

E: O que as pessoas estão sentindo?

M: Todo mundo feliz.

F: Alegria.

M: Felicidade, alegria.

F: Essa aqui é a carne.(mexendo na cena e colocando o balde com areia sobre a churrasqueira)

M: ta bom carne no balde.

E: Vocês mudariam alguma coisa nessa cena?

F: Não.

M: Não. Acrescentaria mais pessoas, mas aqui não tem mais bonecos.

E: O que essas pessoas representam?

M: Toda a família e amigos da gente. Todos têm que participar para terem fé que tem uma cura.

Quando a gente soube todo mundo foi presente para dar apoio, ânimo.

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E: Agora, vocês lembram dessa cena? (mostrando foto)

M: Foi a que a gente montou.(risos) A Dra tirou foto.Ah! T. depois eu fiquei pensando que a

gente montou uma piscina e colocou o golfinho dentro da piscina.

F: Que que tem? Era a bóia.

M: Tá bom.

E: Queria saber de que forma você poderiam relacionar as duas cenas?

M: tem algumas pessoas que estão aqui e estão ali. Né, T?

F: Ahã.

M: Quem tem mesmo? O Léo, a Ágata, o Ricardinho, eu, a mãe, o pai, né?

F: Ahã.

M: Faltou muita gente ali, heim? Só levamos as crianças para mim cuidar heim? Malandra, né?

Só sobra para mim, né?

F: Ahã.

M: Acho que nos dois dias tem alegria. Que lá é, faz de conta a casa de Indaiá, a gente não foi

para a praia.

E: O que você acha T?

F: Tem pessoinhas.

M: Como assim pessoinhas T.

F: O sol tava ali dentro, essas três criancinhas, esses dois, estava todo mundo.

E: O que vocês acham que essa cena pode representar?

M: Um dia alegre, um dia feliz.

E: E nessa?

M: Também.

E: Essa cena aconteceu antes do dia da cura ou depois?

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M: Antes.

E: Onde você estava T?

F: Ali, de vermelho.

E: O que você estava sentindo?

F: Alegria.

E: tem alguma diferença dessa T. para a T da outra cena?

F: Elas estão alegres.

M: Fala com a boca.

F: Não.

M: Por que não fala está com vergonha ou você não estava alegre?

F: Tava.

M: Ah! Bom.

E: E você?

M: Tudo do mesmo jeito. A alegria é a mesma. Muda o ambiente.

E: Queria que vocês contassem uma história com as duas cenas.

M: Misturar as duas. E aí T. ajuda aí.

F: Tinhaaaa...esqueci.

M: Me ajuda T. Vamos começar assim: Nós fomos na praia, passamos o fim de semana na praia

coma as crianças, né? E dias depois veio a resposta que a T. estava completamente curada e

resolvemos dar uma festa em homenagem aos médicos que ajudaram e a T, que está curada, né

T?

F: Ahã.

M: Tem mais alguma coisa que você queria falar? Você gostou da festa?

F: Ahã.

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M: fala com a boca.

F: (risos)

M: A Dra quer ouvir sua voz.

E: Mais alguma coisa?

M: Ta todo mundo bem.

E: Qual seria o grau de importância das pessoas?

M: As pessoas são todas importantes na nossa vida, todas iguais.

E: Vocês gostariam de mudar alguma coisa?

M: Não.

F: Não.

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ANEXO AL