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A “EXPOSIÇÃO” DO SAGRADO NO MARANHÃO: memória, identidade e resistência
através da religiosidade africana no museu
Andressa Cristina de Souza Nunes1
Vanderley Rabelo de Jesus2
RESUMO: este trabalho trata das representações da religiosidade africana nos museus, colocando em debate as diversas formas de preconceitos e segregações as quais está subjugada. Objetiva evidenciar a função social dos museus enquanto instrumento de criação de políticas de afirmação que vise a ruptura de visões reducionistas e preconceituosas em relação a tradição negra, no que tange a concepção do seu “sagrado”. Através de um estudo bibliográfico, intenta-se suscitar discussão sobre a necessidade de maior reconhecimento das crenças africanas, não apenas de forma representativa e folclorizada, mas como legítima expressão cultural e identitária.
Palavras-chave: museu. políticas de afirmação. religiosidade africana.
ABSTRACT: this paper deals with the representations of African religiosity in museums, putting in debate the various forms of prejudices and segregations In which are subjugated. It aims to show the social function of museums as an instrument for the creation of affirmation policies aimed at breaking down reducionists and prejudiced visions of the black tradition in the conception of its "sacred". Through a bibliographical study, we try to raise a discussion about the need for greater recognition of African beliefs, not only in a representative and folkloric way, but as a legitimate cultural expression and identity.
Keywords: museum. affirmation policies. african religiosity.
1 Graduada em Turismo – UFMA. Pós-Graduanda na Especialização em Supervisão, Gestão e Planejamento
Educacional – Instituo de Ensino Superior Franciscano (IESF). Membro do Grupo de Estudo e Pesquisas em Patrimônio Cultural (GEPPaC – PGCult/UFMA). [email protected] 2 Graduado em Turismo – UFMA. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade –
PGCult/UFMA. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisas em Patrimônio Cultural (GEPPaC – PGCult/UFMA). [email protected]
1 INTRODUÇÃO
A religiosidade africana vem passando por um constante processo de afirmação e
resistência diante do caráter subalternizado o qual foi a ela imposto durante séculos. A
tradição, os costumes, manifestações e demais mecanismos de expressão do povo africano
foram inferiorizados e colocados em aprovação, fato este, que continua sendo reproduzido,
mesmo após os profundos avanços, no que tange a igualdade étnico racial e,
consequentemente, vem influenciando diversos âmbitos da sociedade contemporânea.
Portanto, o objetivo deste artigo é analisar como esse preconceito enraizado, age
sobre as práticas culturais de descendência africana, precisamente no que tange a
religiosidade, expressão da fé nas religiões de matriz africana, cujo desdobramento do
preconceito “demoniza” suas divindades e rituais sagrados em função das relações étnico-
raciais.
Isto posto, coloca-se como espaço do estudo o museu, sob a justificativa deste ser
um espaço em que se reverencia a história e consequentemente seleciona conteúdo para
ser exposto aos visitantes, logo uma oportunidade para conhecer a história de uma
perspectiva diferente, na qual sejam construídas narrativas que não alteradas por
interesses particulares que insistem em deslegitimar a crença africana como uma autêntica
expressão étnico-cultural. O museu como canal de difusão cultural e dentro de um contexto
de expressão social, pode se tornar um espaço de criação de diálogos e fortalecimento da
religiosidade africana, assim como um dispositivo que busque combater a perpetuação
dessa cultura de demonização.
À vista disso, após introduzir o tema, na segunda seção deste artigo faz-se
importante conhecer o contexto das religiosidades africanas no Maranhão, compreendendo
esta como uma dimensão da vida, um modo de viver para e a partir da crença às divindades
em cada religião. Na seção seguinte levanta-se debate sobre o racismo e a intolerância
religiosa que culmina na imposição de um caráter negativo à essas religiosidades.
Na quarta seção, aprofunda-se ainda mais nos objetivos do estudo, e são
evidenciadas as questões que se voltam ao museu como espaço de promoção do
conhecimento acerca das religiosidades africanas, tendo como função social a ruptura de
preconceitos enraizados no que tange a narrativas subalternizada que contribuem para a
intolerância religiosa, disfarçada diariamente na sociedade com manifestações de repulsa às
práticas das religiões de matriz africana.
2 MARANHÃO: Terra da religiosidade africana
Pensar a religião é dialogar com o tempo, o espaço e pessoas distintas que
interagem e interpretam o mundo a partir das suas crenças e símbolos religiosos, mantendo
a tradição do sagrado em diferentes territórios e momentos históricos. Tal característica,
exprime no Brasil a pluralidade das crenças a partir do divino, percorrendo do catolicismo,
protestantismo, aos cultos de matriz africana que possuem práticas religiosas fortemente
ligadas a elementos da natureza.
Segundo Ferretti, M. (2001, p. 19)
O Maranhão aparece geralmente nos estudos afro-brasileiros como "a terra do Tambor de Mina" - manifestação religiosa dominante em São Luís, que tem como principais representantes a Casa das Minas-Jeje (dahomeana) e a Casa de Nagô (iorubana), abertas por africanas em meados do século XIX. De acordo com as informações disponíveis, o Tambor de Mina foi levado da capital para outras cidades maranhenses [...].
Assim, no Estado do Maranhão através das crenças dos negros escravizados,
desenvolveram-se outras religiões como Terecô e a Cura ou Pajelança, fundamentados por
princípios próprios; em São Luís, o universo das divindades apresentam os Voduns da Casa
das Minas, os Caboclos, Voduns, Encantados e Orixás da Casa de Nagô, além do Terreiro
do Egito, considerados a matriz da religiosidade africana na capital.
Com isso, a fé nas divindades concebe o terreiro como um espaço de união, onde
se compartilham conhecimentos, principalmente por meio da oralidade e confiabilidade na
transmissão dos saberes, conquistados com tempo, paciência e respeito aos preceitos
religiosos, uma vez que, na religião africana se estabelece uma conexão com a divindade
por meio do transe.
Portanto, o Tambor de Mina – parte da tradição africana no Maranhão, compõe a
religiosidade popular e configura-se como elemento de identidade e resistência das
tradições ancestrais do povo negro em São Luís.
2.1 Guardiões da ancestralidade
Para a manutenção da tradição religiosa africana, é fundamental compreender o
terreiro enquanto comunidade, unida por laços de solidariedade, responsabilidade e
dedicação ao sagrado, que se constrói a partir das vivências coletivas, hábitos, festas e
agradecimentos que honram seus ‘encantados’ com gestos de amor ligados à sua fé.
“O Tambor de Mina é criação cultural de um grupo que se orgulha de suas raízes. É também uma das formas possíveis de manifestação da criatividade e de organização popular, exteriorizadas sobretudo durante a realização de festas, nas quais eles usam vestimentas diferentes e as pessoas desempenham papéis diversos dos de sua vida cotidiana. (FERRETTI, S. 2009, p. 11)
Em vista disso, a fé se configura no elo que aproxima o humano de sua crença, um
sentimento intimo que se evidencia no dia a dia, representando importantes fundamentos
para formação intelectual e espiritual, uma virtude humana baseada na confiança e
princípios sólidos.
Desta forma, o cuidado com o espaço físico do terreiro demonstra o trato para o
bem espiritual, no qual os guardiões da ancestralidade tornam-se mantedores dos saberes
africanos, desde os Pais de Santo aos filhos da casa, bem como os zeladores que
constituem a família do terreiro e mantém os ritos sagrados, como oferendas, doutrinas,
paramentações especificas, entre outras para se cumprir uma missão de natureza sagrada.
2.2 A máscara da desaceitação
África, para além de uma palavra ou a denominação de um Continente, refere-se às
origens de vários povos, mas sobretudo uma África negra, cuja bravura e riqueza histórico-
cultural resistiram ao tempo e às perversidades da colonização europeia, cuja as
consequências de um regime escravocrata, privaram a liberdade de ser povo negro, bem
como estigmatizaram sua inferioridade em relação a não-negros, manifestada
principalmente em razão da cor de sua pele, além de marginalizar suas práticas culturais na
sociedade.
Conforme afirma Santos (2002, p. 55)
A cultura diferente desse povo era encarada como signo de barbárie. A vida sexual, política, social dos povos africanos foi sendo devassada e diminuída diante da vida
dos europeus. A invisibilidade das diferenças entre os vários povos da África fazia com que todos fossem vistos de uma única e mesma forma: todos são negros.
Assim, a forma como os negros são vistos no mundo atingiu um consenso – o
bárbaro – elevando-o ao status de inferior entre gerações. No Brasil, o regime de trabalho
escravocrata também submeteu negros africanos e seus descendentes à condições de vida
sub-humana, contudo houve luta e resistência – as fugas demonstravam a indignação com o
sistema escravista, ocasionando o surgimento de refúgios como os quilombos, espaços de
solidariedade e expressividade dos saberes e tradições africanos.
No que tange a religiosidade dos africanos escravizados, de acordo com Verger
(1981, p. 14), as convicções religiosas dos escravizados eram “colocadas a duras provas
quando de sua chegada ao novo mundo, onde eram batizados obrigatoriamente “para a
salvação de sua alma” e deviam curvar-se as doutrinas religiosas de seus mestres”.
Agora, as religiosidades africanas ainda sofrem resquícios desse processo de
subalternização da sua cultura e suas crenças permanecem em um resistente estado de
aprovação, no qual, em muitos casos, se estabelecem a religiosidade africana apenas como
elemento exótico da cultura brasileira. Ferreti (2004, p. 25) ressalta:
Na maioria das vezes elas são muito valorizadas como folclore, cultura popular tradicional de origem africana, como fonte de inspiração para artistas de diversas áreas e como atração turística, mas não são encerrados propriamente como religião (FERRETTI. M, 2004, p.25).
Assim, esta discussão deve ser conduzida por meio de uma análise da maneira
que, ao longo dos tempos, certas categorias e ideias influenciaram no processo de
preservação, distorção ou exclusão destas culturas, contribuindo na formação do patrimônio
e sua importância enquanto elemento norteador de identidades e construção de imagens
sobre nações e memórias daí recorrentes.
4 POLÍTICAS DE AFIRMAÇÃO DA RELIGIOSIDADE AFRICANA NO MUSEU
O Museu é uma instituição que detém um papel importante no resgate e
comunicação de distintas culturas e formações sociais que vieram se transformando no
decorrer dos séculos, executando um trabalho necessário de criação de narrativas legítimas
na articulação do passado com o presente. Neste resgate são trazidas inúmeras discussões
referentes a diversidade cultural, relações étnico-raciais, religiosidade, cidadania entre
outras questões que permeiam os processos das produções e exposições museais.
Assim, o museu se consolida como um agente de promoção do conhecimento e
contribui para a ruptura de cenários de preconceito e exclusão de culturas consideradas
subalternas, como é o caso das vertentes africanas, principalmente no que concerne as
religiosidades africanas.
De acordo com Chagas (2005), o museu ultrapassa o caráter de instituição ou
qualquer bem tangível, uma vez que este se configura como um conceito, uma categoria de
pensamento, um fenômeno social e um nome. Enquanto nome o termo museu pode ser
aplicado às coisas mais dispares. O autor ressalta ainda que, além de nome, a palavra
museu aponta para um conceito socialmente construído e construtor, que foi historicamente
determinado, podendo ser variável no tempo e no espaço (CHAGAS, 2005).
[...] os museus vêm ganhando renovada importância na vida cultural e social brasileira, como processos socioculturais colocados a serviço da democracia, da sociedade e como uma ferramenta de desenvolvimento social. Longe de ser apenas um lugar onde se guardam coisas velhas, os museus brasileiros, na sua diversidade, são agentes que inter-relacionam múltiplas políticas, estéticas, formas de fazer, de saber, de conhecer – reveladoras das várias facetas do inesgotável repertório da cultura brasileira (IBRAM, 2010).
Sendo assim, o museu afirma-se como um espaço político de disputas de
representação, a priori pelas representações atribuídas aos objetos pelos próprios técnicos
desses espaços culturais, seguidas dos participantes das comunidades onde esses museus
estão inseridos e chegando até as representações advindas dos patrocinadores das
exposições e demais públicos que visitam essas instituições. Por isso, os museus podem,
ora atuar como instrumento de hierarquização de culturas e identidades, ora contribuindo
para colocar em circulação representações alternativas sobre diferentes grupos sociais,
étnico-raciais e culturais, sobre memórias, histórias e culturas (ZUBARAN; MACHADO,
2013).
Porém, embora a consolidação do museu como espaço para rupturas de
preconceitos em relação a determinadas culturas seja uma face mais adequada para essas
instituições, o que ainda se ver é um constante processo de ocultação e estigmatização das
religiosidades africanas, concomitante à uma insistente alteração dos sentidos e significados
originais das crenças e rituais de origem africana. Para Freitas (2005), esse cenário de
invisibilização e segregação das origens africanas, é diretamente percebido no campo do
patrimônio cultural. Esse tratamento demonizado da cultura africana faz com que grande
parte deste patrimônio seja construído e alicerçado em processos desiguais, nos quais
muitas vezes é excluído das iniciativas para o seu fomento e difusão apoiadas pelo governo,
podendo até ser excluídas dos registros governamentais.
Freitas (2005), ainda coloca que neste cenário observamos, em muitos casos,
dentro da museologia e dos museus nacionais, a presença destas populações somente
como um elemento negativo e/ou reprimido, como em situações de escravidão ou
submissão. Em vista disso, tornando-se cada vez mais imprescindível, as políticas dos
museus “implicam o reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro e a construção de
novos projetos museais e expositivos que respondam ao silêncio e à exclusão com que a
memória e a história dos afrodescendentes têm frequentemente sito tratadas nos museus
brasileiros.” (MACHADO, 2013, p. 11). Em contrapartida, esta cultura de segregação da
religiosidade africana é confrontada pelos movimentos sociais e pelos esforços em prol da
igualdade, que contribui para que a memória de populações de origem africana seja, ainda
que lentamente, inserida à memória e história nacional, incluindo-se o próprio movimento
por essas conquistas (FREITAS, 2005).
A Política Nacional de Museus (PNM) criada em 2003, representa um importante
marco nesses avanços, elevando a visão que se tem de museus e solidificando a sua
atuação diante do desenvolvimento de políticas públicas e participação da sociedade,
trazendo um novo fôlego as articulações e diálogos entre as relações ético-culturais
traçadas dentro dos espaços museais. Na Figura 1 podemos observar os princípios
norteadores da PMN, os quais tencionam-se para o reconhecimento de anseios nacionais
que há muito vinham sido construídos e reivindicados pelas camadas sociais.
Figura 1 – Princípios norteadores da Política Nacional de Museus (2003)
Fonte: (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2003)
De acordo com Moutinho (2004), o PNM na sua amplitude tem a qualidade de
interpelar o sistema social brasileiro e a comunidade internacional para a necessidade de se
seguir novos rumos que passam pelo direito de participação e de decisão acessível a todos,
além de reorganizar, certamente, os grandes museus, mas sobretudo, reconhecer os
pequenos museus. O autor ressalta que estes pequenos museus nasceram e nascem da
consciência dos indivíduos, da vontade coletiva de criar, de se organizarem para intervir no
lugar onde vivem e trabalham. “São museus que manifestam a relação do dia-a-dia de cada
um, com a memória, com o esquecimento, com o património, com a vontade de assumir o
direito de cidadania e de querer mudar o mundo.” (MOUTINHO, 2004, p. 06).
Assiste-se, assim, a um crescimento dos museus comunitários, museus populares, museus étnicos, ecomuseus e museus temáticos em detrimento de museus nacionais em várias partes do mundo. No Brasil, exemplo mais contundente desse novo processo museológico se deu com a criação do Museu da Favela, na favela da Maré, cidade do Rio de Janeiro, fruto da reivindicação dos próprios moradores locais. [...] É o museu, com uma nova prática de memória cidadã, dando visibilidade a grupos étnicos e comunidades tradicionais (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013, p. 14).
Desta forma, os museus adquirem cada vez instrumentos de articulação da
população e suas identidades culturais, permitindo que as expressões da religiosidade
africana se estabeleçam enquanto parte sólida do patrimônio cultural da sociedade na qual
se faz presente. E para cumprir essa função, os museus devem ser processos e
corresponder as necessidades da sociedade, bem como do seu desenvolvimento. Estes
devem estar comprometidos com a gestão democrática e participativa, adotarem
mecanismos de investigação e interpretação, de mapeamento, documentação e
preservação cultural, de comunicação e manifestação dos fenômenos do homem e da
natureza, com vistas a contribuir para a expansão das alternativas de construção identitária
e a percepção crítica em relação a realidade cultural do povo brasileiro (MINISTÉRIO DA
CULTURA, 2003).
Neste cenário de esforços para uma maior igualdade de representação de
identidades, não há como se perpetuar, dentro dessas instituições, preconceitos e
estigmatizações em torno das religiosidades africanas. Cabe lembrar que os estudos sobre
as memórias, as histórias e a cultura da comunidade negra não devem ser encaradas como
assuntos que dizem respeito somente às populações negras, e sim como “um tema que
interessa a toda sociedade brasileira, na medida em que contribuem na desconstrução de
preconceitos e estereótipos étnico-raciais, no combate ao racismo e á discriminação étnico-
racial.” (MACHADO, 2013, p. 11).
4.1. Museus e as afirmações da religiosidade africana em São Luís do Maranhão
A entrada dos negros escravizados no Maranhão aconteceu por volta dos anos de
1755, com a fundação da Companhia de Comercio Grão Pará e Maranhão pelo ministro do
Rei de Portugal D. João I, o Marquês de Pombal. Estes foram trazidos para serem utilizados
no trabalho do cultivo de arroz. “Entre os anos de 1756 e 1789, a Companhia abasteceu os
mercados de São Luís e de Belém, com mais ou menos 20.339 escravos transportados de
diferentes partes.” ((PEREIRA, 2005, p.181). Tendo esse número da população negra no
estado aumentado consideravelmente no decorrer dos anos.
Verifica-se, assim, um alto nível de influência das expressões de matriz africana em
sua cultura, observadas em suas manifestações, na sua culinária, no seu povo e em
diversos elementos que compõe as tradições do estado nordestino. Em vista disso, é
comum o reconhecimento da religiosidade africana como uma de suas fontes primárias para
a concepção das religiões presentes no Estado.
Em vista disso, em muitos de seus museus existem alusões a diversos elementos
de matriz africana, nos quais se pode conhecer inúmeras questões referentes as culturas
africanas, tais como a própria diversidade dessas culturas, o papel dos africanos
escravizados e seus descendentes na sociedade brasileira e maranhense, a memória de
personagens negros que se destacaram em diversas áreas da história do Brasil, sem deixar
de revelar a violência sofrida por eles na escravização e também suas diferentes formas de
resistência.
Um dos museus de São Luís que trazem em seu acervo uma relevante quantidade
de elementos referentes a religiosidade africana é o Centro de Cultura Popular Domingos
Vieira Filho, localizado no Centro Histórico da cidade, no qual traz em suas exposições
permanentes muitas memórias da cultura afro-brasileiras, compondo uma pequena
demonstração da imensa diversidade de expressões e crenças religiosas africanas.
Figura 2 – Elementos da religiosidade africana no Centro de Cultura Popular
Domingos Viera Filho
Fonte: (Autores)
Na figura 2, pode-se observar no canto esquerdo uma vitrine que faz referência a
Casa das Minas, um tradicional terreiro de religião de matriz africana de São Luís, ao seu
lado uma vitrine que sobre a religião Terecô3 no Maranhão, com destaque para Bita do
Barão, um pai de santo muito conhecido na religião e logo abaixo duas ilustrações que
retratam altares da Umbanda, com imagens dos Pretos Velhos4.
O museu é apenas um dos que trazem a religiosidade africana em seus acervos,
mas se destaca, uma vez que, dentro da sua metodologia de exposição, incorpora a
religiosidade de matriz africana como símbolo legítimo da construção do patrimônio cultural
do estado, reconhecendo seus reais sentido e significados e considerando seu caráter de
expressão religiosa, assim como as demais que compõe o universo de vertentes religiosas
maranhenses.
5 CONCLUSÃO
3 O terecô é a mais popular das denominações dadas à religião afro-brasileira encontrada em diferentes
cidades do Brasil, mas que afirma-se provir do município maranhense de Codó (AHLERT, 2016). 4 Personagens autóctones incorporados aos rituais de matriz africana. Os pretos e pretas-velhas (os cacurucaios
- ancião em quimbundo) são os homens ou mulheres africanos ou afro-brasileiros que ao viverem nas senzalas as mazelas da sociedade escravocrata eram os conselheiros e curandeiros de seu grupo social (ANDRADE JR., 2013).
No estudo e difusão do conhecimento relacionado as culturas africanas e suas
histórias, se faz necessário adotar uma abordagem sensível que não comprometa, em
nenhum aspecto, os sentidos, significados e contextos na qual essas culturas se
desenvolveram. O trabalho do museu durante o processo de “museificação” dessas
memórias não pode, assim, desvencilhar-se de um caráter democrático, no qual políticas de
afirmação permitam que este trabalho seja assistido e cooperado pelos diversos atores
interessados e de um profundo trabalho de pesquisa e resgate histórico.
As relações presentes no museu, tanto do ponto de vista do diálogo (exposição)
com a temática da cultura e religiosidade africana, quanto do reconhecimento da
importância de desmistificar conceitos pré-estabelecidos de forma didática, aprendendo a
conhecer os elementos constituintes para a formação da identidade das comunidades
tradicionais de terreiro em São Luís, permite que o Museu se destaque na comunicação
legítima da história e memória do povo negro e permite que as comunidades se vejam
representadas no circuito expositivo do museu.
Essas afirmativas garantem que a diversidade cultural seja levada em conta na
seleção e composição de exposições museais do estado, desconstruindo, assim, o
imaginário negativo que vem sendo criado em cima das religiosidades de matriz africana e
dando voz a outras narrativas, que diferente desta na qual a tradição afro-brasileira sofre
constantes preconceitos e demonizações, articulem e dialoguem com a pluralidade ético-
cultural.
REFERÊNCIAS
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