A Experiência de Violência Doméstica e Suas Repercussões No Cotidiano de Uma Mulher Vítima de...
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7/25/2019 A Experincia de Violncia Domstica e Suas Repercusses No Cotidiano de Uma Mulher Vtima de Agresses
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A experincia de violncia domstica e suas repercusses no cotidiano de uma
mulher vtima de agresses.Andria Colpo
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Jefferson Silva Krug2
Universidade do Auto Uruguai e das Misses URI Campus Santiago
Resumo
A violncia contra as mulheres uma questo complexa e multiforme. Pesquisas
apontam que a agresso produzida no mbito domstico elicia uma mistura desentimentos gerando confuso, revolta, acomodao e culpa. Todos estes sentimentosmovidos pela relao entre marido e mulher geram ainda estruturas de medo e ameaa.Neste sentido, o presente estudo buscou investigar de maneira abrangente a experinciade uma mulher vtima de violncia domstica e as repercusses desta vivncia em seucotidiano. Realizou-se um estudo de caso atravs de uma entrevista semi-estruturada.Os dados coletados foram analisados atravs da tcnica de Analise de Contedo,gerando cinco categorias de anlise intituladas caractersticas da relao agressor-vtima, evoluo do relacionamento, avaliao do agressor por parte da vtima,conseqncias da agresso e sentimentos despertados pela agresso. Por fim,discute-se cada uma das categorias, buscando aprofundar a vivncia da vtima de
violncia.
Palavras-chave: Violncia Domstica, Violncia de Gnero.
INTRODUO
O cenrio da violncia de gnero hoje est presente nos mais diferentes
contextos. Dentre estes, salienta-se a violncia contra a mulher, violncia esta que
assola os mais diferentes segmentos. Diversos autores conceituam o termo gnero como pensamento de que somos iguais, e que temos os mesmos direitos e deveres, que
apenas devemos nos utilizar deste termo para compreender melhor como este se
constitui dentro das relaes e suas complexidades.
1Acadmica do Curso de Psicologia da URI.2Psiclogo, Mestre em Psicologia Clnica (PUCRS), Professor do Curso de Psicologia da URI.
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No entanto, observa-se que as diferenas no so tratadas como na proposta
acima descrita, j que evidenciamos diariamente situaes onde as mulheres so
submetidas a agresses, na maioria das vezes ocorridas dentro de seus prprios lares.
Pesquisas ainda apontam que as agresses so cometidas, na maioria das vezes, por
seus companheiros e maridos, fazendo com que suas mulheres se submetam a este tipo
de violncia por medo de serem discriminadas pela sociedade. A falta de perspectiva
propulsiona fatores que geram sentimentos de medo e ameaa, j que a agresso
uma situao corriqueira dentro da rotina das mulheres que so expostas a este tipo de
relao violenta.
Partindo do contexto acima descrito verificamos que ser uma mulher vitima deviolncia domstica uma questo ainda presente em nossa sociedade. Neste sentido, a
presente pesquisa se deu em forma de estudo de caso. Atravs de uma entrevista semi-
estruturada buscou-se conhecer a experincia de uma mulher vtima de violncia
domstica e as repercusses desta vivncia em seu cotidiano.
FUNDAMENTAO TERICA
Levando-se em conta as intensas mudanas ocorridas na ltima metade do sculo
no contexto scio-cultural, econmico, religioso, jurdico, psicolgico, deparamo-nos com
a profundidade do tema. Neste contexto, busca-se elucidar questes prticas ocorridas
no ambiente domstico, analisando-se a situao da violncia de gnero. A psicologia
defini o termo gnero como elemento usado para compreender as relaes entre as
pessoas. Segundo Scott (1990 PAGINA), gnero constitu-se no meio de decodificar o
sentido e de compreender as relaes complexas entre as diversas formas de interao
humana.Scott (1990) nos reporta ao pensamento de que somos iguais, e que temos os
mesmos direitos e deveres, que devemos apenas nos basear na palavra gnero para
compreender melhor como este se constitu dentro das relaes e de suas
complexidades, e no como um meio de discriminao e opresso que assola as
mulheres nos mais diferentes mbitos.
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Na maioria das vezes as opresses dispostas para as mulheres ocorrem dentro do
mbito familiar, j que pesquisas apontam que esta violncia praticada pelos seus
prprios companheiros, maridos, fazendo com que esta se submeta violncia. Como
nos lembra Grossi (1994, p. 52), opresses se manifestam no apenas nos maus tratos
que elas experinciam nas mos dos prprios companheiros, mas no fato de que suas
necessidades bsicas de sobrevivncia como alimentao, habitao, vesturio, e
cuidados com a sade, trabalho e renda freqentemente desatendida.
Segundo Basted, apud Grossi (1997) a psicologia caracteriza como inferioridades
as desigualdades enfrentadas pelas mulheres que apenas tornam-se superficiais quando
equipa naturalmente estas para serem excelentes em seus papis de esposas e mes.Para Simois (1993), para a sociedade em geral so boas as mulheres que toleram a
infidelidade, os maus tratos, o abuso, a deteriorao da prpria sade ou a violncia,
uma mulher que no pense em divorciar-se nem abandonar ao pai de seus filhos,
mantendo unida a famlia. So boas as mulheres que trabalham e mantm a seus pais,
filhos e irmos; as que so capazes de renunciar a seus gostos e prazeres. O requisito
bsico que faam tudo para o bem dos demais. Esse discurso assimilado pelas
mulheres, recriando um modo de vida e constituindo assim um conselho social (Simois,
1993, p. 56).
Para Marodin apud Strey (2001) existe uma contradio entre aquilo que
ensinado s mulheres e a dura realidade que elas enfrentam, j que estas aprendem que
devem temer a rua e que em casa encontram o seu refgio seguro, mas a realidade
outra e nos mostra que elas devem ter muito medo de seus pais, de seus irmos, dos
homens conhecidos, principalmente dentro de casa, e dentro deste aspecto encontram
dificuldades em se libertarem deste cenrio violento. Existe uma dificuldade em libertar-
se deste contexto violento, em buscar uma forma de escapar deste cenrio, impostopelos maridos e companheiros. Basted, apud Grossi, (1997, p.68 ) coloca que existe uma
dificuldade em pr um fim a violncia sofrida, pois no momento em que elas transgridem
o modelo de obedincia, da resignao do papel bem tradicional atribudo a uma mulher
casada, so submetidas a atos de violncia domstica, pois os universos particulares do
homem e da mulher tiveram evoluo desigual.
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Para Guimares apud Strey (2001), a discriminao entre homem e mulher
acompanha a histria da civilizao. Apesar da igualdade formal garantida h sculos
quase nenhuma igualdade material, de efetiva aplicao, observou-se. A famlia
patriarcal a partir do interesse econmico desvalorizou a mulher, confinando-a no espao
privado do lar, quase como uma propriedade do marido, levando a construo de uma
identidade do marido, e de uma identidade psicolgica de submisso, repetida de
gerao em gerao.
O medo da intimidade, pelo receio de uma relao submissa a outro, parece estar
tambm no cerne da negativa de muitas das mulheres em voltar a estabelecer uma
relao afetiva com outro homem aps se separarem, principalmente quando implicamorarem na mesma casa. Devemos, portanto, levar em conta que uma extensiva
reestruturao dever ser realizada no mago da organizao familiar em setores
econmicos da sociedade no sentido de favorece-la, para que homens e mulheres
compartilhem da mesma valorizao social e se relacionem em posio de desigualdade
e de respeito mtuo (Zuwick apud Mattos, et al, 2001, p.37).
Para Strey (1998), as diferenas sexuais so fsicas as diferenas de gnero so
socialmente construdas, o respeito (ou o medo) ao marido (mesmo com tudo o que
sofrem) um valor cultural sedimentado. Entrar nessa discusso questionar uma forma
de viver e todas as barreiras que impedem de ter uma outra vida, ignorar, uma situao
desse tipo, to ntima, cotidiana, que causa sofrimento, infelicidade, doenas, amarguras,
fofocas o mesmo que compactuar com ela.
Como as mulheres mesmo falam, difcil se libertar, mas difcil no se libertar.
doloroso usar tantas artimanhas, inclusive na cama, reprimir os prprios sonhos, para
conseguir viver nesse pacto do morrer (Strey,1998). Estas idias nos remetem a
explorao da experincia de violncia domstica, que apesar de estar envolta de todos
os aspectos anteriormente citados, ganha uma roupagem especial de acordo com cada
caso.
MTODO
Tipo de estudo
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Para melhor leitura do problema proposto foi utilizado o mtodo estudo de caso.
Esse mtodo caracterizado por ser um estudo intensivo (Fachin, 2001, p.43).
Segundo Fachin (2001), este mtodo dado na obteno de uma descrio e
compreenso completas das relaes dos fatores em cada caso, sem contar o nmero
de casos envolvidos.
Dentro deste mtodo de estudo utilizou-se a pesquisa qualitativa que responde a
questes muito particulares. Ela se preocupa, nas cincias sociais, com um nvel de
realidade que no pode ser quantificado (Minayo, 1999, p. 50), buscar ainda dentro
deste contexto se utilizar os mtodos de abordagem (dialtico), j que este se prope
abarcar o sistema de relaes que constri, o modo de conhecimento exterior ao sujeito,
mas tambm as representaes sociais que traduzem o mundo dos significados.
Local e populao
O local sugerido para realizao deste trabalho foi residncia da vitima, a qual
preferiu por se sentir mais vontade. O presente estudo se constituiu com a populao
formada por uma vtima de violncia domstica.
Tcnica de coleta de dados
Os dados foram coletados atravs de entrevista semi-estruturada, por se tratar de
um importante componente da realizao da pesquisa qualitativa. A entrevista o
procedimento mais usual no trabalho de campo, atravs dela, o pesquisador busca obter
informes contidos na fala dos atores sociais (Minayo,1999, p. 54).
Ela no significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere
como meio de coleta de fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos da
pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que est sendo focalizada, neste
caso o problema proposto no estudo.
Tcnica de Anlise de Dados
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Aps a coleta de dados, a fase seguinte da pesquisa foi a anlise e interpretao
dos dados. Minayo (1994) enfatiza que somos partidrios do posicionamento de
compreender a anlise num sentido mais amplo, abrangendo a interpretao, por
acreditarmos que a anlise e a interpretao esto contidas no mesmo movimento: o de
olhar atentamente para os dados da pesquisa.
A anlise e interpretao dos resultados desta pesquisa foram realizadas de
maneira qualitativa, baseada no mtodo de Anlise de Contedo de Bardin (1979).
Consideraes ticas
Com relao s questes ticas deste estudo, a participante teve direito ao
anonimato e pde desistir de responder a entrevista sem nenhum prejuzo. Esta tambm
foi esclarecida sobre o artigo que seria escrito com base na sua entrevista, e ainda teve
acesso ao termo de consentimento livre e esclarecido juntamente com o entrevistador. O
estudo se deu inicialmente com o consentimento da universidade.
Os objetivos deste trabalho foram explicados e as dvidas quanto pesquisa foramesclarecidas.Os resultados foram divulgados ao sujeito participante da pesquisa, o qual
pde ter acesso s discusses tema violncia de gnero.
ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS
Aps a anlise dos dados da entrevista constru-se o seguinte quadro de categorias:
Figura 1: Quadro de categorias.Cat 1- Chantagem emocional
Cat 2- Intimidao
Cat 3 Agresso Verbal
Cat 4 - Ameaa
Cat 5 Ridicularizao
Cat 6 Culpa
Cat A
CARACTERISTICAS DA RELAOAGRESSOR - VTIMA
Cat - 7 Divergncia de opinies
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Cat - 8 DesconfianaCat 9 Sensao de estar sendo
prejudicadaCat- 10 Questionamentos
Cat 11 Retomadas da relao
Cat 12 Conceitos referentes apossib ilidades de agresso degnero.
Cat 13 Comeo das discusses
Cat 14 Trmino
Cat B
EVOLUO DO RELACIONAMENTO
Cat 15 ArrependimentosCat 16 Opinio da vitima sobre o
companheiroCat 17 Possib ilidades deagressoCat 18 Machismo
Cat C
AVALIAO DO AGRESSOR PORPARTE DA VITIMA
Cat 19 Tentativa de justificativa
Cat 20 Mudanas de habito
Cat 21 Frustrao
Cat D
CONSEQUENCIAS DAAGRESSO Cat 22 Decepo
Cat 23 Estado de Choque
Cat 24 MedoCat 25 Impotncia
Cat E
SENTIMENTOS DESPRETADOS PELAAGRESSO Cat 26 Humilhao
A primeira categoria engloba todas as passagens do relato do sujeito que
apontam as caractersticas da relao agressorvtima. relatada pela participante da
pesquisa que a relao vivida era permeada por chantagens, constantes ameaas,
intimidao, como demonstram as afirmaes da mesma durante entrevista:(...) ameaava-me dizendo depois que tu fizer tudo o que eu mandar vou te picar
todinha.
(...) agredia-me verbalmente dizendo sua vagabunda, vagabunda.
(...) ele dizia: porque tu nunca gostaste de mim, sempre esteve envolvida pelo teu ex-
marido"
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Dentro deste aspecto ainda salientado pela vitima que a relao tambm se
caracterizava por agresses fsicas desencadeadas por sentimentos de desconfiana,
por divergncias de opinies, como disposto pela mesma nas seguintes passagens:(...) chegava sorrateiramente como se quisesse me surpreender com algum, e isto me
incomodava muito, bastava para comearem as discusses.
(...) e quando eu me dei por conta ele ergueu a mo e me deu um tapa na cara, mas
daqueles de derrubar.
Todo este discurso que a vitima traz na categoria A nos remete ao pensamento
de que durante um certo perodo de tempo ela suportou a idia de que a mulher deve se
submeter autoridade do homem, no se impondo frente suas decises e opinies.Desta forma, a mulher deveria seguir sua maneira de pensar para que no venha a
sofrer as conseqentes agresses por parte do companheiro e represso da sociedade
em geral.
Segundo Meneses (2001), pensar sobre a prpria liberdade parece difcil e
doloroso, j que significa ir contra uma estrutura de pensamento previamente
estabelecida em nvel religioso, moral, econmico, psicolgico e social. Mexer com a
dominao do homem sobre a mulher significa desarticular um sistema de crenas,conceitos antigos de dominao. Articulando este modelo de pensamento s afirmaes
da vitima nos deparamos com o discurso do autor citado acima, onde este ratifica que
em uma sociedade patriarcal, o cenrio exibido de que o companheiro exerce a
condio de dono do poder.
Para Scott (1990) a ideologia de gnero legitima o poder masculino e justifica a
supremacia do mesmo, explicando porque e como os homens e mulheres so diferentes
e devem, por isso, ter os mesmos direitos, obrigaes, restries e recompensas
diferentes e freqentemente desiguais. Subentende-se a partir de tais embasamentos
que estas caractersticas apontam que o relacionamento aqui analisado caracterizado
por elementos que eliciam de maneira clara a violncia de gnero.
Seguindo a anlise dos dados que compem esta pesquisa, observa-se que na
categoria B a vitima trata da evoluo do relacionamento. Para esta o relacionamento
evolua com muitos questionamentos, j que a mesma dizia no entender determinados
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comportamentos de seu companheiro. Isto por si s eram fortes elementos que
compunham uma srie de dvidas na vitima.
Este tipo de sentimento propulsionado pelos questionamentos, pela possibilidade
de agresso e pelo sentimento de culpa imposta sobre a vitima desencadeavam
preocupaes na mesma, j que seu relacionamento era inconstante com trminos e
recomeos. Esta ainda coloca que as agresses verbais eram freqentes e seguidas de
arrependimento por parte do agressor, como mostra a seguinte passagem, na qual
podemos observar que a vitima se sente perdida, sem entender o que acontece, j que
seu companheiro se contradiz.
(...) daqui a pouco ele voltou e [disse] que eu era a mulher ideal para vida dele.
Essa situao levou a entrevistada a no estranhar mais tais agresses, chegando
a consider-las normais. Pode-se pensar que este comportamento da participante da
pesquisa deva-se a presso exercida pela sociedade, que impe as mulheres um papel
de ser boa e aceitar como atitudes normais todos os comportamentos agressivos de
seu companheiro. Segundo Simois (1993), para sociedade em geral, so boas as
mulheres que toleram a infidelidade, os maus tratos, o abuso, a deteriorao da prpria
sade ou a violncia: uma mulher que no pense em se divorciar nem abandonar ao pai
de seus filhos, mantendo unida a famlia. So boas as mulheres que trabalham e
mantm seus pais, filhos e irmos, as que so capazes de renunciar a seus gostos e
prazeres, que trabalham para sustentar suas famlias. O requisito bsico que faam
tudo para o bem dos demais, e desta forma jamais sero violentadas. Esse discurso
assimilado pelas mulheres, recriando um modo de vida e constituindo assim o contexto
familiar desejado e idealizado pela sociedade em geral.
Essas idias so reforadas pela constatao de que a participante imaginava queapenas sofria violncia quem provocava e levava seu parceiro ao extremo. Podemos
verificar tal conceito na seguinte afirmao:
(...) sabe, era uma coisa que eu jamais pensava passar porque eu pensava que s
apanhava quem fizesse por merecer, ou seja, que provocasse o homem at o extremo.
Conforme Janecy T.S Lopes apud Marlene Strey (2000), a cultura exerce uma
presso sobre as mulheres, confirmando a idia de que a mulher s pode ser medida
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que exerce suas funes sociais em relao aos outros. Esse papel ainda continua
sendo idealizado como algo sublime que impede a visualizao do outro lado da moeda,
onde existe a restrio das potencialidades e do crescimento pessoal da mulher.
Na categoria C observamos que feita pela vitima uma avaliao do agressor e
como esta o descreve. Podemos perceber que dentro deste quadro a vtima afirma que
seu companheiro podia realmente ter coragem de agredi-la, j que esta comeava a se
deter em observaes mais detalhadas de determinados comportamentos, comentrios e
atitudes que a levavam a crer na possibilidade concreta de que seu companheiro podia
de fato cometer atos de violncia contra sua pessoa. Podemos verificar nas afirmaes
da vitima que esta tinha conscincia do risco que corria, e que demonstrava suadecepo quanto ao relacionamento. Isto fica claro ao relatar tais possibilidades:
(...) depois de muito relutar e com muita dor eu senti que era bem possvel ele me agredi,
j que eu no tinha nenhum valor pra ele.
(...) ele dizia: mulher que no obedece a gente tem que pegar e bater.
(...) t, esse da bate, ser que este louco no vai me matar?
Existem autores que acreditam que a sociedade tem sua parcela de culpa nesta
situao. Isto acontece quando as regras sociais do ao agressor plenos poderes para
que estes venham desempenhar papeis de dominadores onipotentes. Para as mulheres
apenas sobram a submisso a tais comportamentos, atitudes e comentrios, para que
assim sejam reconhecidas no seu meio de convvio. Isto ratificado por Navarro (1998) e
Lerner (1990,), apud Strey (2000), quando estes colocam que por definio, nas
sociedades onde existe a estratificao de gnero, os homens possuem poder superior
sobre as mulheres. Isto existiria como um acordo generalizado de que essa situao
normal e que sempre teve tal configurao.
Partindo ento da anlise das categorias anteriores, na qual foi exposto que o
relacionamento entre vitima e agressor era muito irregular, permeado por ameaas,
agresses verbais, intimidao, entre outros, percebemos que todos estes elementos
das categorias A, B e C levam a vitima a comear criar formas de se defender das
situaes de agresso, eliciando os contedos relacionados na categoria D, na qual a
mesma faz meno a situaes em que ameaada pelo agressor.
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A vtima refere que foi intimidada pelo mesmo que a ameaava, dizendo que iria
lhe bater muito. Para no sofrer as agresses, a participante desta pesquisa relata que
fugir serviu como um meio de se defender, sem ter que acabar seu relacionamento e ter
que passar por todas as represses que sabia que teria que passar se viesse a pblico
sua separao. Nota-se que o comportamento aqui disposto pela vitima mais uma vez
vai ao encontro da citao acima, onde os autores colocam que o papel da sociedade no
estabelecimento de relaes de poder determinante, e este ainda compe o cenrio
recriminador das mulheres, atribuindo aos homens a razo.
A afirmao abaixo demonstra o comportamento, utilizado como meio de defesa
por parte da vitima:(...) um dia ele me encerrou l dentro do apartamento dele e me disse todas as
obscenidades possveis e eu fugi com medo de apanhar, mas sai quieta para ningum ver,
ele era muito querido por todos.
As idias anteriormente citadas tambm se relacionam com o que dito por Yll e
Bograd (1998). Segundo estes, a sociedade ensina a mulher que esta deve ser
submissa, passiva e compreensiva, satisfazendo assim as expectativas tradicionais dos
papis de gnero feminino.Aps tantos trminos e recomeos, discusses e agresses, a vtima tambm se
utiliza da recusa como forma de proteo, j que percebendo os comportamentos
estranhos de seu companheiro, esta comea a recusar convites de tentativa de
aproximao. O companheiro inconformado com tais atitudes a retribui com ameaas e a
agride verbalmente, sempre reforando sua supremacia de ser homem e de tudo poder.
Neste fragmento da fala da vitima que segue, percebe-se a recusa como tentativa de
trmino do relacionamento:
(...) ele ento me liga depois da fuga e me prope um churrasco e eu respondo: eu no
quero mais saber dessas histrias de churrasco, porque eu para l e tu para c e
comea tudo de novo e eu no quero mais saber disso.
Como conseqncia desta vivncia, vrios sentimentos so desencadeados na
vitima. Esta afirma que os mesmos teriam sido resultados deste relacionamento
conturbado. Dentre os sentimentos despertados, a vitima refere em diversas falas que
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teve que mudar seus hbitos dirios para que no fosse novamente surpreendida pelo
agressor como era de costume. Podemos observar nas falas que seguem as mudanas
de hbito que a vitima se submeteu como forma de proteo, para que no houvesse
nenhuma possibilidade de aproximao.
(...) no abro mais as janelas da casa para ele no inventar de se aproximar de mim.
(...) no fico mais sozinha em casa, e nem saio nas ruas s.
Para Cardoso (1997) apud Strey (2000), a mulher submetida violncia domstica
passa por sentimentos de culpa e vergonha pela situao em que vive, por medo,
impotncia, debilidade e mitos sociais como o de que a mulher tem prazer em apanhar,
por isso no se separa. Este mito colocado pela prpria mulher como auto-justificativa
de no conseguir libertar-se dessa situao, j que no existe o no-querer como uma
condio de liberdade.
Dentro deste contexto podemos evidenciar que vrios so os sentimentos
desencadeados, cada um cumprindo uma funo determinante no comportamento da
vitima, como foi disposto acima. Ela ainda coloca que o medo era constante, e o atribui a
impunidade imposta ao agressor pela justia, que trata os casos de violncia domstica
como atos normais dentro do cenrio familiar, j que este tipo de violncia recente nosautos da justia. Podemos evidenciar tal comentrio nas passagens que seguem, onde a
mesma coloca que o medo presena ativa em sua rotina:
(...) em vrios aspectos eu passei a sentir medo constante, j que eu sei que o agressor
faz o quer com as vitimas e continua ai livre sem ningum fazer nada.
(...) tenho medo constante, e sempre estou atenta. Interessante foi que esses dias atrs
eu estava deitada, j era meia noite mais ou menos e eu escutei um barulho e o
cachorrinho da vizinha estava muito bravo e eu entrei em pnico de tanto medo que fosse
ele aos arredores da minha casa, tomei coragem pois parecia que ele estava caminhando
aqui em roda, abri a janela e era um boi, ento minha vida agora esta, evito abrir as
janelas, ficar com as portas abertas, no vou mais em bailes por medo de encontra-lo e
no fico mais sozinha nem em casa nem na rua.
Como lembra Davidson, apud Archer e Lloyd (1992) a violncia dos homens
contra suas esposas tem acontecido h milhares de anos, e s agora tem sido admitida
pelas leis. Para Carrilho (1997) ainda hoje muitos homens continuam a achar que bater
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ou punir fisicamente suas mulheres um direito, e essa atitude apoiada por algumas
crenas religiosas que acreditam que o submetimento da mulher a golpes e ataques
sexuais no lar tem que acontecer, j que estas se assemelham s formas reconhecidas
de tortura admitidas por estas. Tal situao tem sido freqentemente flagrada nos
processos criminais de homicdios em que maridos ou companheiros, que assassinaram
suas mulheres, surgem como as vitimas inocentes de uma mulher culpada que os
levou ao desespero do ato criminoso.
Para exemplificar essa situao to rotineira na rea do Direito, Grossi e Teixeira
(2000) citam uma situao na qual, no Rio Grande do Norte, maridos assassinos ainda
so absolvidos em jri popular sob alegao de legitima defesa da honra. Conformelembra Baested (1997), quando a participao da vtima analisada luz de perspectiva
do gnero, pode ser visto que a cultura delega aos homens e mulheres diferentes
padres de moralidade e valores, que levam discriminao das mulheres. Ela afirma
que quando se tem uma vida autnoma de seu marido, isto , trabalha fora, tem horrios
prprios, a mulher vista como tendo comportamentos preparatrios a um possvel
crime de adultrio (ou seja, uma mulher que escapa ao controle de seu marido mais do
que provvel que ir fazer algo que no deve). O crime considerado contra organizao
familiar, o ato do marido de agredir a vitima, ou at mesmo mata-la, seria uma espcie
de legitima defesa no s da honra pessoal como da famlia. Esse mesmo raciocnio
no feito quando tais comportamentos so praticados por um homem e, portanto, no
se justificaria nenhuma ao preparatria por parte da mulher.
Partindo ento da impotncia da vitima frente ao agressor, e do descaso frente a
violncia domstica, a vitima coloca as conseqncias da agresso. Ela enfatiza de
forma muito clara a frustrao e reafirma que esta determinante em sua vida aps o
trmino do relacionamento. Lembra que muitas vezes deixou de querer ver realmente asintenes de seu companheiro para no deixar que seus planos construdos com o
agressor fossem jogados fora. Para poder continuar arquitetando plano junto e baseado
nestas tentativas de renovao que eram constantes em suas vidas, a entrevistada
refere que tentou muito acobertar todos os comportamentos agressivos do companheiro,
mas no conseguiu:
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(...) porque no inicio tu faz projetos, planos e acaba jogando todas estas deformaes de
carter para de baixo do tapete se apoiando na idia do amor, mas agora chega eu no
vou mais jogar para debaixo do tapete.(...) assim, como que eu vou te explicar, era uma coisa de atrao, uma coisa diablica
que no uma relao de amor, era uma relao de dio e atrao.
Percebe-se que ela conceitua seu relacionamento de forma desarmoniosa,
permeada por sentimentos negativos que geram agresses de vrios tipos e estas
resultam em conseqncias que eliciaram os temas abordados pela categoria E. Nesta
esto includos os sentimentos resultados desta agresso que so citados e enfatizados
pela vitima de forma consciente com percebemos nas seguintes frases:(...) tu te sente impotente, se sente um ningum, que foi usada a pessoa que tu idealizava
te arrebenta te destri a alma.
(...) e se frustra muito mais j que tu tem que esquecer todos os momentos bons que tu
viveu com ele, esquecer os projetos que vocs construram juntos, destruir aquele
castelinho que junto com ele tu construiu.
Constatou-se que os sintomas mais comuns desencadeados na vitima de
violncia domstica foram medo, impotncia e estado de choque frente agresso.Alm desses sintomas despertados pela situao de agresso, foram ainda geradas
mudanas em seu comportamento como isolamento, mudanas em seus hbitos,
opinies, todos despertados pela situao de agresso, de maneira geral.
A vitima atribui seu estado de choque, sua frustrao, seu medo, seu estado
paranico, s situaes impostas pelos comportamentos agressivos de seu
companheiro. Aps ser agredida de forma brutal e degradante, a entrevistada enfatiza
que ficou destruda, que precisou de ajuda psicolgica e que ainda precisa para poder
tentar reconstruir sua vida e sua rotina, como podemos visualizar nas seguintes
afirmaes:
(...) da comea os questionamentos os porqus de tudo o que aconteceu, e tenho que
tentar ser feliz, mas claro que sempre me acompanham os questionamentos e ento vou
na psicloga e sigo minha vida de uma maneira ou de outra.
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(...) minha maior frustrao e decadncia saber que nunca mais serei a mesma, e
talvez nem queira mais ningum na minha vida, por isso vou a psicloga para tentar
superar tudo isso.
(...) ai tu tem que tentar superar, juntar os caquinhos e te organizar sozinha.
Consideraes finais
Observando os objetivos e articulando-os a anlise, percebemos que a vivncia da
violncia domstica acarreta diferentes repercusses na vida de uma vtima, atingindo
nveis sociais e psicolgicos profundos. Diversas reas do convvio social so afetadas,assim como inmeros sentimentos so despertados pelas situaes de agresso.
A vitima afirma que seu relacionamento era inconstante, permeado por cobranas
de ambos, por chantagens emocionais e por culpa, quando este recomeava. Salientou
que sentimentos foram desencadeados pela agresso, quando cita as mudanas
ocorridas em sua rotina e em seus hbitos, em funo do medo, e das ameaas
dispostas pelo companheiro agressor.
A entrevistada deixa claro em seu relato que as agresses cumpriram um papeldeterminante em sua vida, j que a vitima relata a mudana em seus comportamentos,
em sua rotina e em seus hbitos desencadeados pela situao conflitiva.
Todos estes dados analisados durante o trabalho nos levam a concluir que este
tema de profunda relevncia e que merece total ateno. Ressaltando assim a
importncia deste estudo, uma vez que verificando as estatsticas da violncia
domstica, pode-se afirmar ainda h muito que se debater sobre suas conseqncias.
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