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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6340 A EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO MARÍTIMO INTERNACIONAL COM BASE NA TEORIA DOS CICLOS LONGOS DE KONDRATIEFF EDSON DE MORAIS MACHADO 1 Resumo: O transporte marítimo sempre possuiu relevância estratégica para as mais diversas civilizações, entretanto foi no mercantilismo que esta atividade ganhou uma dimensão planetária. O capitalismo manufatureiro, engendrado nesta conjuntura, deu origem ás relações comerciais centro-periferia, mundializando a economia. Assim, os portos e a navegação adquirem um novo status, o de papel central nas relações comerciais, passando por verdadeiras revoluções. Este novo cenário é melhor compreendido quando apoiado na teoria dos ciclos longos (Kondratieff), onde as ondas de inovações, implementadas na fase expansiva do ciclo, propiciaram grandes alterações no cenário econômico- politico mundial. Engendrados nesta conjuntura os portos das nações mais dinâmicas em cada ciclo são lançados à liderança planetária, se tornando hegemônicos em movimentação de cargas. Assim aconteceu com os portos ingleses, norte americanos e alemães, respectivamente. Palavras-chave: formação sócioespacial; ciclos longos; portos. Abstract: Shipping has always had strategic importance for many different civilizations, however was the commercialism that this activity has gained a global dimension. The manufacturing capitalism engendered this situation gave rise ace center-periphery trade, mundializando the economy. Thus, ports and shipping acquire a new status, the central role in trade relations, through real revolutions. This new scenario is best understood when supported in the theory of long cycles (Kondratieff) where innovation waves, implemented in the expansive phase of the cycle, led to dramatic changes in the economic and political world stage. Engendered at this juncture the ports of the most dynamic nations in each cycle are launched on a global leadership, becoming hegemonic in cargo handling. This happened with the English ports, North Americans and Germans, respectively. Key-words: socio-spatial training; long cycles; ports. 1 Introdução As relações comerciais entre os povos capitaneada pelo transporte marítimo sempre teve papel estratégico para as mais diversas civilizações. Entretanto foi no mercantilismo que esta atividade ganhou uma dimensão planetária. O capitalismo manufatureiro, engendrado nesta conjuntura, deu origem ás relações comerciais centro-periferia, mundializando a economia. Assim, os portos e a navegação adquire 1 - Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. E- mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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A EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO MARÍTIMO INTERNACIONAL COM BASE NA TEORIA DOS CICLOS LONGOS DE KONDRATIEFF

EDSON DE MORAIS MACHADO1

Resumo: O transporte marítimo sempre possuiu relevância estratégica para as mais diversas civilizações, entretanto foi no mercantilismo que esta atividade ganhou uma dimensão planetária. O capitalismo manufatureiro, engendrado nesta conjuntura, deu origem ás relações comerciais centro-periferia, mundializando a economia. Assim, os portos e a navegação adquirem um novo status, o de papel central nas relações comerciais, passando por verdadeiras revoluções. Este novo cenário é melhor compreendido quando apoiado na teoria dos ciclos longos (Kondratieff), onde as ondas de inovações, implementadas na fase expansiva do ciclo, propiciaram grandes alterações no cenário econômico-politico mundial. Engendrados nesta conjuntura os portos das nações mais dinâmicas em cada ciclo são lançados à liderança planetária, se tornando hegemônicos em movimentação de cargas. Assim aconteceu com os portos ingleses, norte americanos e alemães, respectivamente.

Palavras-chave: formação sócioespacial; ciclos longos; portos.

Abstract: Shipping has always had strategic importance for many different civilizations, however was the commercialism that this activity has gained a global dimension. The manufacturing capitalism engendered this situation gave rise ace center-periphery trade, mundializando the economy. Thus, ports and shipping acquire a new status, the central role in trade relations, through real revolutions. This new scenario is best understood when supported in the theory of long cycles (Kondratieff) where innovation waves, implemented in the expansive phase of the cycle, led to dramatic changes in the economic and political world stage. Engendered at this juncture the ports of the most dynamic nations in each cycle are launched on a global leadership, becoming hegemonic in cargo handling. This happened with the English ports, North Americans and Germans, respectively.

Key-words: socio-spatial training; long cycles; ports.

1 – Introdução

As relações comerciais entre os povos capitaneada pelo transporte marítimo

sempre teve papel estratégico para as mais diversas civilizações. Entretanto foi no

mercantilismo que esta atividade ganhou uma dimensão planetária. O capitalismo

manufatureiro, engendrado nesta conjuntura, deu origem ás relações comerciais

centro-periferia, mundializando a economia. Assim, os portos e a navegação adquire

1 - Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-

mail de contato: [email protected]

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um novo status, o de papel central nas relações comerciais, pois passaram por uma

verdadeira revolução com extraordinários ganhos de produtividade.

Este novo cenário é melhor compreendido quando apoiado na teoria dos

ciclos longos (Kondratieff), onde as ondas de inovações, implementadas na fase

expansiva de cada ciclo, ocasionaram profundas alterações na infraestrutura

portuária e na navegação marítima e, consequentemente, no cenário econômico-

politico mundial. A teoria dos ciclos longos demonstra como primeira revolução

industrial orientou e moldou o século XIX (capitaneado pela Inglaterra), como a

segunda revolução provocou profundas modificações no cenário econômico-politico

(tendo o predomínio dos norte-americanos), além de fornecer bases para o

entendimento da terceira revolução industrial que está em andamento e que

começou a moldar o século XXI. Diante disto, num contexto histórico, este artigo

busca analisar, descrever e discutir a trajetória de tal processo com base em

levantamento de dados, bibliografia especializada e leituras teóricas

2 – O sistema capitalista e os ciclos econômicos

A conclusão mais geral que se pode chegar ao analisar o desenvolvimento

do modo de produção capitalista é que este acontece de maneira cíclica, ou seja,

regidos por períodos de expansão e retração. Visentini (2010, p.14) comenta que

antes do surgimento do capitalismo as crises econômicas, na qual produzem ondas

de instabilidade e novas relações de acomodação, não possuíam qualquer

regularidade. Sendo que se tratavam de crises de escassez e não de

superprodução, como passou a ocorrer a partir do século XV. Estas crises de

escassez são evidenciadas por Mamigonian (1999, p.152) ao comentar que até a

Revolução Industrial a humanidade conheceu ritmos climáticos nas suas atividades

econômicas, que podiam levar a crises de escassez de alimentos: os anos

climáticos catastróficos seguidos provocaram fomes e epidemias e levaram a

grandes conflitos.

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Dentro das diversas teorias de ciclos econômicos pode-se distinguir os

modelos de desenvolvimento a longo prazo ou seculares; os ciclos longos de

Kondratieff, ou simplesmente ciclos longos; e os ciclos de Juglar.

As etapas seculares de longo prazo ou modelos de acumulação e

desenvolvimento devem possuir não apenas certas características comuns em

relações a variáveis econômicas fundamentais (taca de lucros, taxa de acumulação,

tipo de progresso técnico, taxa de salários), mas também características estruturais

comuns no que diz respeito à natureza das relações de produção dominantes

(BRESSER, 1986).

Os Ciclos Juglar foi inaugurado a partir da Revolução Industrial dos fins do

século XVIII, sendo estes ocorridos em períodos decenais. Foram analisados tanto

por Marx como por Engels entre 1848 e 1857, sendo sistematizado em 1860 por

Juglar, tendo a característica de possuir uma fase expansiva, fase “A”, e uma fase

depressiva, fase “B”. A reversão cíclica no inicio da crise no ciclo Julglariano, está

relacionado com a queda da taxa de acumulação do capital, ocasionadas

basicamente por uma superprodução (ou inter-setoriais). Com a diminuição da taxa

de acumulação do capital diminui-se a taxa de lucro, ocasionado por uma

insuficiência da demanda e tendo como consequência o período depressivo.

Os ciclos longos ou de Kondratieff, possuem uma duração média de

cinquenta anos, e assim como os Juglarianos se dividem em uma fase de expansão

(fase “A”) seguida de uma fase de contração (fase “B”), estando geralmente

relacionados a um determinado padrão de acumulação. Segundo Mamigonian

(1999) as crises do ciclo longo parecem estar ligadas a tendência à queda da taxa

de lucro de longo prazo, com o esgotamento do uso das invenções revolucionárias

ligadas a cada revolução industrial.

Os diferentes padrões de acumulação são definidos em função do pacote

de inovação e acumulação, aonde o progresso técnico é um importante

componente. Em determinados períodos ocorre uma elevada busca por inovações,

onde os novos setores industriais podem ser implantados ou, por sofrerem

aperfeiçoamentos, apresentarem um elevado ganho de produtividade (progresso

técnico de produto), também pode ocorrer o desenvolvimento de novas formas de

produção que ocasionou redução de custos e aumento da produtividade (progresso

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técnico de processo) (VISENTINI, 2010). No desenrolar desta situação novos

mercados começam a ser explorados, inserem-se no processo de produção novas

matérias-primas, novas técnicas e estruturas de comercialização, etc.

3 – A dinâmica dos ciclos longos de Kondratieff

Embora já descrito por alguns estudiosos, como Engels ao analisar a crise

europeia de 1848 e o próprio Marx, foi Nikolai Kondratieff (1892–1938), que

comprovou existências destes ciclos de forma empírica através de uma série de

dados estatísticos, tornando a teoria dos ciclos econômicos longo conclusivos. Neste

processo J. Schumpeter teve papel essencial ao divulgar e analisar esta teoria2.

Através da análise dos referidos dados Kondratieff evidenciou que a economia,

durante um período de 25 a 30 anos, possuía um ritmo de crescimento acelerado,

posteriormente a esta fase de rápido crescimento se tem inicio a uma nova fase que

ocorre nos próximos 25 ou 30 anos, onde a economia diminuiu seu ritmo, crescendo

a taxas médias em torno 2% ao ano. Havendo portando uma reversão cíclica.

Considera-se que a fase depressiva do ciclo ocorre em períodos onde a taxa de

lucro está baixa, sendo consequência o esgotamento das invenções revolucionárias

ligadas a cada revolução industrial. Em outras palavras, cada ciclo econômico longo

nasce com uma revolução industrial, amadurece, se materializa e posteriormente se

esgota, a taxa de lucro cai, e há necessidade de uma nova revolução tecnológica.

Sobre essa onda de inovações Kondratieff citado por Bresser (1986, p.187)

comenta:

Durante a fase de desaceleração dos ciclos longos, um número especialmente grande de importantes descobertas e invenções na técnica de produção e comunicação são feitas, as quais, entretanto, são geralmente postas em prática em larga escala no inicio da nova expansão longa.

2 SCHUMPETER, J. Business cycles: a theoretical, historical, and statistical analysis of the capitalist

process - 1939.

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Isto significa que nas fases depressivas há uma intensa busca pela retomada

da lucratividade antes existente. Esta busca vai acarretar em um esforço intenso de

invenções, que se transformam em tecnologias nova, mais nova e depois novíssima,

aumentando a taxa de lucro e permitindo uma nova onda de investimentos maciços

que irá criar a viabilidade para sucatear o capital fixo envelhecido por ter alcançado

um alto grau de avanço técnico e preço baixo, ocasionando a denominada

“destruição criadora”, conforme salienta Mamigonian (1999), com base em Rangel e

Schumpeter.

O primeiro Kondratieff inicia a partir da primeira revolução industrial, sendo

datado de 1790 até 1842, onde se tem o desenvolvimento da maquina a vapor, de

tear e fiar; o segundo se ocupa do período dominado pelo uso do aço e extensão do

uso da máquina a vapor (locomotivas e navios), estendendo-se de 1842 a 1897

(ocorrem principalmente na Inglaterra e na França); o terceiro Kondratieff (1897 a

1946) é o da eletricidade, da química e dos motores, na fase depressiva (1920-1946)

buscaram-se também novos métodos de produção que acabou desembocando no

fordismo, ocorre, sobretudo na Alemanha e Estados Unidos; a partir de 1946 se tem

o quarto Kondratieff, sendo considerado o ciclo do desenvolvimento da indústria

automobilística, aeronáutica, eletrônica, informática, entre outros. Este ciclo,

singularmente, tem sua fase expansiva até o ano de 1973, permanecendo ainda na

sua fase depressiva.

Conforme Mamigonian (1999) cada revolução industrial corresponde a dois

Kondratieff (a 1ª em fins do século XVIII, a 2ª em fins do séc. XIX e a 3ª está por se

iniciar). A primeira revolução industrial coloca a Inglaterra na liderança econômica-

politica planetária, iniciando o primeiro ciclo longo. O desenvolver do segundo ciclo

longo, na sua fase expansiva (1848-1873) é o responsável por mantê-la na

liderança. A segunda Revolução Industrial lança a Alemanha e os Estados Unidos

como potências mundiais, ocupando-se disto o terceiro e o quarto ciclo longo. No

quinto Kondratieff, que está por se iniciar, ou já deveria ter iniciado, bem como a

terceira Revolução Industrial, se tem a China como provável liderança. O retardo

deste novo ciclo está relacionado ao fato de que as novas invenções que ocorrem

no período depressivo (pós 1973) não foram capazes de propiciar uma “destruição

criadora”. Assim com as taxas de lucros baixas o foco continuou na busca

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incessante de redução de custos, que foi buscada além das fronteiras do centro do

sistema, ocasionando um aprofundamento na divisão internacional do trabalho. Com

a mundialização da economia, o aumento do fluxo de capitais e mercadorias entre

as nações, e considerando a dimensão dos oceanos perante as terras emersas, a

redução de custos foi adquirida através de um forte processo de modernização dos

portos e da navegação marítima, se materializado através do uso intensivo dos

contêineres e do gigantismo dos navios.

3 – Os ciclos econômicos longos e as consequentes alterações no

setor portuário mundial.

A rápida análise dos ciclos longos do sistema capitalista acima exposta leva-

nos a conclusão de que a organização do espaço, no referido modo de produção,

dependeu e depende das revoluções industriais, num primeiro momento (1º e 3º

Kondratieff), e na revolução nos transportes num segundo momento (2º e 4º), para o

nascimento de um novo ciclo.

No primeiro momento a tecnologia propiciada pela revolução industrial,

garantida com os super lucros, oligopolização e cartelização, eleva o país de origem

como principal potência mundial. Posteriormente, o segundo momento ou ciclo longo

posterior, trata-se de um prolongamento das revoluções industriais no setor de

transporte. Estas duas ações, que duram aproximadamente cem anos, provocam

profundas alterações na organização do espaço e nas infraestruturas de transporte,

desenhando consequentemente, a cada dois Kondratieff, um novo mapa econômico-

político do mundo.

Tomamos como exemplo a fase expansiva do primeiro ciclo longo de

Kondratieff (1790-1815), onde a Inglaterra, impulsionado pela maquina a vapor, a

fiação e os teares mecanizados, torna-se a oficina do mundo, transformando-se na

maior potencia mundial. Os produtos ingleses ganham o mundo, acataputando seus

portos como os mais movimentados do planeta (Liverpool, Londres, etc.). Na fase

recessiva do primeiro ciclo a Inglaterra começa a perder folego.

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Este folego é recuperado na nova fase expansiva do segundo Kondratieff,

alcançada através de uma revolução nos transportes com o uso da maquina à vapor

nas ferrovias e nos navios (tecnologia do ciclo anterior aplicada ao setor de

transporte). Assim, o setor portuário e da navegação, que ficaram atrasados no ciclo

anterior, passam a ser o principal foco de investimento, impulsionando os portos

ingleses para a liderança planetária.

O desenvolvimento das maquinas a vapor aplicadas ao setor de transporte

permitiu o desenvolvimento das ferrovias ligando importantes áreas industrias aos

centros de produção, fornecimento e de consumo dos produtos industrializados3. A

eficiência, a rapidez e a maior capacidade de carga das ferrovias, aliada aos navios

a vapor permitiram um aumento extraordinários na taxa de lucro, possibilitando o

nascimento de um novo ciclo longo através da viabilidade de uma nova onda de

investimentos.

Sobre o desenvolvimento das ferrovias, Mamigonian (2013, p.18) comenta

que:

O uso das vagonetas no transporte do carvão nas minas subterrâneas para

abastecer as máquinas a vapor das fábricas têxteis foi a fonte de inspiração

das locomotivas (1824) que ligaram inicialmente Manchester industrial à

Liverpool portuária, levando tecidos e trazendo algodão em pluma.

Da mesma forma que a tecnologia desenvolvida na primeira Revolução

Industrial e que deu inicio ao primeiro Kondratieff foi aplicada ao meio de transporte

terrestre, ela também foi aplicada ao modal marítimo. Embora os primeiros navios a

vapor tenham surgidos ainda na segunda década do século XVIII, eles começam a

ter predominância sobre os navios a vela a partir de meados do século XIX.

Mantendo assim a Inglaterra como a senhora dos mares.

Na fase depressiva do segundo Kondratieff (1873-1896) a Inglaterra vai

perdendo sua liderança mundial, pois se concentra excessivamente na sua

expansão colonial, nos quais geravam lucros exorbitantes através dos monopólios

3 Cabe lembrar que o sistema de transporte utilizado no primeiro Kondratieff, em terra, era realizado

por carroções com tração animal, e por mar em navios à vela.

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das matérias-primas tropicais (borracha, algodão, etc.). No desenrolar deste

processo construiu em todo mundo ferrovias que ligava o interior dos continentes

aos portos no litoral, seja na América do Sul (Brasil, Argentina), na Ásia (China) ou

na Africa (Africa do Sul, Sudão, Quenia, Uganda). Estas interferências promoveram

profundas modificações (criação, destruição e reestruturações) na organização do

espaço. A exemplo se tem o desenvolvimento das indústrias junto às estradas de

ferros e das vias de navegação, e o consequente desenvolvimento dos centros

urbanos ao entorno destas.

Entretanto, durante a década de 1870 desencadeou-se uma nova revolução

industrial, tendo base na siderurgia, na química, na eletricidade, nos motores a

combustão e no uso do petróleo como combustível. A Inglaterra começa então a

perder o controle da liderança mundial. A unificação alemã colocava em cheque a

hegemonia inglesa na Europa, aliada a crescente influência econômica dos Estados

Unidos.

A segunda Revolução Industrial faz nascer a fase expansiva do terceiro

Kondratieff (1896-1921), neste período se desenvolve setores como a eletricidade

(aplicada à energia, motores, transportes), a química (responsável pelas novas

matérias-primas sintéticas) e os motores de explosão, que revolucionaram os

transportes e tornaram o petróleo economicamente estratégico (Estados Unidos e

Rússia eram seus maiores produtores). A metalurgia constituiu-se como papel

fundamental da nova onda de invenções, com aço e novos metais (níquel, alumínio,

etc.) sendo intensamente utilizados em navios, trens, pontes, construções e veículo

automotores (VISENTINI, 2010, p. 99).

Num segundo momento esta revolução atingiu direta e radicalmente os

sistemas de comunicação e transportes (1920-1948), permitindo a retomada

revolucionária de novos investimento e o nascimento de um novo ciclo de

Kondratieff. Desenvolve-se assim redes em escalas planetárias, com telefones,

telégrafos sem fio, cabos submarinos, ferrovias transcontinentais (transcontinentais

na América do Norte, transandina, transiberiana e transeuropeias), canais

interoceânicos (Panamá, Suez) além da onda de rodoviarização em todo o mundo.

Os portos marítimos e os navios foram alvos de intenso investimentos e

consequentes modificações, muito mais radicais do que no desenrolar do segundo

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ciclo longo. Os navios passam a substituir o uso do carvão pelo petróleo para

movimentar os navios, ampliando a velocidade e diminuindo o tempo de traslado.

Atrelado a um extraordinário aumento da capacidade de carga4.

O uso intensivo cada vez maior do petróleo faz surgir navios petroleiros (nas

últimas décadas do século XVIII). Concomitantemente a eletricidade vai propiciar o

desenvolvimento dos navios frigoríficos, alterando profundamente a produção e

distribuição de carnes e derivados. Soma-se a isto o fato que as novas dimensões

dos navios tornar propicio a integração transcontinental da mineração de ferro,

bauxita, carvão, etc. tendo o Brasil e Austrália como os mais importantes

exportadores no pós-guerra.

Essas mudanças nos navios acabaram atingindo diretamente os portos. Le

Havre passou gradualmente a ser o avant-port5 de Rouen, S. Nazaire o avant-port

de Nantes, Bremerhaven o avant-port de Bremen, pois antes uma boa localização

portuária era o mais interior possível da foz dos rios, o que acabou se tornando má

localização com o aumento do tamanho dos navios, deslocando os sítios portuários

cada vez mais para o mar, como ocorre hoje com os maiores portos do mundo

(Shanghai e Rotterdam). As mudanças continuaram com dimensões cada vez

maiores dos cais de atracação, que passaram a alcançar dezenas de quilômetros,

com berços cada vez mais especializados visando atender a crescente

especialização das cargas e descargas (MAMIGONINAN, 2013, p16-17).

A crise do Petróleo, aberta no ano de 1973, dá inicio a atual e singularmente

fase depressiva do quarto ciclo de Kondratieff. Diferente do que aconteceu nos

ciclos anteriores, as novas invenções (informática, robótica, etc.) não foram capazes

de promover uma “destruição criadora”. Singularmente o comércio e a

movimentação financeira internacional foram artificialmente alavancadas nas últimas

quatros décadas e a possibilidade de ganhos com debêntures inibiu a destruição

criadora. Ou seja, ao invés dos capitais disponíveis serem utilizados maciçamente

em inovações tecnológicas radicais que suplantariam aquelas presentes nas

fábricas, os capitais foram direcionados para especulação (ações, câmbio, títulos da

4 Saltando de 20 mil toneladas antes da 2ª guerra mundial para 100 a 200 mil toneladas após a

guerra. 5 Portos localizados a jusante de um antigo porto, beneficiando-se das condições marítimas

tradicionais e melhores adaptados a profundidade dos cascos dos navios modernos.

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dívida pública, etc)6. Logo a estrutura produtiva das indústrias do mundo todo

praticamente permanece com a mesma d segunda revolução industrial, e por

consequência retardaram-se as materializações das invenções terceira revolução

industrial (informática, robótica, etc. como já dito).

Os bancos centrais com os mecanismos da desregulamentação financeira e

dos avanços tecnológicos na área da telemática (união dialética entre a informática e

as telecomunicações) impuseram aos países do mundo todo, no período neoliberal

dos anos 90, o retardamento das inovações radicais, passando a administrar os

ciclos de Kondratieff.

Diante do retardamento de um novo ciclo, o foco, pós 1973, continuou na

busca incessante de redução dos custos e ao mesmo tempo no aprofundamento da

divisão internacional do trabalho (DIT). Atrelado a isto e adaptando-se a ampliação

do fluxo de capitais e mercadorias que ocorreu em consequência deste

aprofundamento, os portos e a navegação marítima passaram por forte processos

de modernização, materializado com o uso cada vez maior dos contêineres7 e da

utilização de embarcações gigantescas8.

Cabe lembrar que a perda de velocidade das economias centrais permitiu a

expansão da economia do oriente, e os portos e as navegações chinesas tornaram-

se hegemônicos mundialmente. Atualmente a maior fachada portuária mundial é

asiática, pois abrangem um percurso que vai desde Singapura até os portos

coreanos e japoneses, passando por Hong-Kong, Shenzhen e Shangai. Nesta

fachada situam-se os maiores portos do mundo (portos de Shangai, Singapura,

Shenzhen, Hong Kong, Busan, Ningbo, Qingdao), sobressaindo-se aos tradicionais

portos europeus como Le Havre, Rotterdam, etc.

6 Em 2004 o PIB do mundo estava na casa do 60 trilhões de dólares e nesse mesmo ano circulou em debêntures 600 trilhões de dólares (dez vezes mais). 7 O norte-americano Mc Lean cria em 1956 a Sealand, a primeira grande armadora de

containeres do mundo. 8 O navio CSCL Globe, fabricado pela Hyundai Heavy Industries, consegue comportar 19.000 TEUs

8,

a linha Triple-E da Maersk, fica no segundo lugar, possui capacidade de18.000 TEUs

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