A Evolução Da Figura Do Diabo Na Pos Moderna

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    Revista Urutgua - revista acadmica multidisciplinar www.uem.br/urutagua/20soc_almeida.htmQuadrimestral N 05 Dez/Jan/Fev/Mar Maring - Paran - Brasil - ISSN 1519.6178

    Centro de Estudos Sobre Intolerncia - Maurcio TragtenbergDepartamento de Cincias Sociais - Universidade Estadual de Maring (DCS/UEM)

    Do terror ao entretenimento: a evoluo da figura do Diabo na

    sociedade ps-moderna

    From terror to entertainment: the evolution of the figure of the

    Devil in the post-modern society

    Marcos Renato Holtz de Almeida

    Resumo:

    O artigo aborda as diferentes faces e fases destinadas representao da figura doDiabo pela arte atravs do devir scio-histrico-cultural da sociedade ocidental namodernidade. A produo artstica de bens simblicos sobre o Diabo adquiriu diversoscontornos desde o ocaso da Idade Mdia e, mediante o devir histrico, vivenciou sua

    transformao e reproduo em mercadoria no sculo XX. Tomando por base essecenrio, por meio da ao da Indstria Cultural, o imaginrio existente sobre o Diabopassou a ser utilizado pela indstria do entretenimento e pela sociedade de consumocomo mercadoria capaz de satisfazer os gostos das sociedades e das culturas ps-modernas.

    Palavras-chave: Indstria Cultural; Diabo; Arte.

    Abstract:

    The article aboard the different faces and phases destined to the representation of the

    figure of Devil by art through the social, historical and cultural turn out of the westernsociety in the modernity. The artistic production of symbolic goods about Devilacquired many contours since the dusk of the Middle Ages and, through the historicalturn out, lived your transformation and reproduction in commodity in the XXthcentury. Based in this scenario, by means of the action of the Industry of Culture, theimaginary existent about Devil passed to be utilized by the industry of entertainmentand by the society of consumption as commodity able to satisfy the liking of thesociety and culture post-moderns.

    Key words: Industry of Culture; Devil; Art.

    Doutorando em Sociologia Unesp (Araraquara-SP), Mestre em Cincias da Religio Umesp (So Bernardodo Campo/SP 2003) e Graduado em Cincias Sociais Unesp (Araraquara/SP 2000).

    http://www.uem.br/urutagua/20soc_almeida.htmmailto:[email protected]:[email protected]://www.uem.br/urutagua/20soc_almeida.htm
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    Introduo:

    Com o surgimento e ulterior desenvolvimento das sociedades de consumo do sculo XX,aliado a crescente presena da Indstria Cultural no campo das produes culturais, os antigosmitos, lendas, histrias populares, entre outros, tornaram-se elementos passveis de seremapropriados e transformados em mercadorias cuja finalidade no era a de manter viva asantigas lendas e saberes, e sim de torn-las aptas a serem consumidas em larga escala, porm,desprovidas de seu significado original e reduzidas a produtos fragmentados, tanto na origemquanto finalidade.

    O mito do Diabo cristo passou por esse processo. Durante o devir histrico ele experimentousua sistematizao e unificao por meio dos telogos dos sculos XII-XIII adquirindo, assim,suas caractersticas que o marcaram em toda a poca moderna, vivenciou o auge na sociedadeeuropia nos sculos XIV-XVI atravs dos artistas renascentistas, foi enfrentado pela luz darazo e, conseqentemente, enfraquecido pelos filsofos e cientistas da poca do Iluminismonos sculos XVII-XVIII, resgatado pelos poetas e escritores romnticos dos sculos XVIII-XIX e, finalmente, apropriado, distorcido e fragmentado pela Indstria Cultural no sculo

    XX.A partir das produes artsticas do perodo citado, o mito do Diabo mostrou caractersticas dedescontinuidade em sua representao, reflexo da viso que a evoluo da sociedade europiae ocidental fazia dele. Se em dados momentos o Diabo figura terrvel e temida nos afrescosdas igrejas e nas telas dos pintores renascentistas, em outros momentos ele submetido aironias e aproximado mentalidade dos burgueses na era romntica, tornando-se reflexo deuma sociedade contrria s ideologias da Idade Mdia e do Antigo Regime e, por ltimo, nosculo XX o Diabo encontrado nas telas dos cinemas, nos jogos de videogame, na

    publicidade, nas letras das msicas deHeavy Metal,na Internet e nas histrias em quadrinhos,evidenciando o desapego ideolgico de sua figura e sua banalizao enquanto mercadoria

    para as sociedades de consumo.Portanto, as artes evidenciam a evoluo que o mito do Diabo sofreu com o devir histrico esuas conseqentes metamorfoses sofridas no campo das ideologias sagradas e profanas.Tendo, provavelmente, a Indstria Cultural desferido o golpe final que tornou o mito doDiabo um mito destinado a ser objeto de consumo, um mito a servio do entretenimento nassociedades ps-modernas.

    * * *

    Figura emblemtica presente no imaginrio popular europeu devido ascenso docristianismo religio dominante, o Diabo personificao do Mal recebeu diversasdefinies que o moldaram atravs dos sculos. Ludibrivel, temido e apreciado, ele assumiu,

    conforme o veio cultural de cada poca, seus adjetivos e contornos, porm, sempre estevepresente no seio da sociedade ocidental, contribuindo para o avano do ocidente, se adaptandoas suas transformaes e dialogando com a mentalidade cultural de cada poca.

    Figura pouco discutida na Idade Mdia, limitada a discusso teolgica a alguns conclios, aosmonastrios e elite laica crist, no havia um consenso sobre quem ou o que era o Diabo.

    Satans tinha assim sado dos quatro primeiros sculos do cristianismo com um singularestatuto: ele existia efectivamente, mas no se sabia verdadeiramente quem ele era nem porque que tinha nascido. Em termos filosficos, poder-se-ia assim concluir que a suaexistncia tinha precedido a sua essncia. Muitas autoridades tinham cada uma a sua idiaacerca disso, mas ele no existia de comum acordo; em suma, no havia teoria do Diabo.

    (MESSADI, 2001, p. 345).

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    Valendo-se da indefinio da Igreja acerca da origem do Diabo, grande parte do imaginriopopular existente enquadrava-o como ser inferior ao homem e objeto de escrnio e zombaria,podendo ser facilmente vencido. O imaginrio relativo ao Diabo durante a baixa Idade Mdiaenriqueceu-se atravs das lendas transmitidas oralmente ou de forma escrita, masespecialmente pelas peas teatrais de apelo popular. Tais encenaes permitiram um vasto

    contedo a ser desenvolvido mais amide por outros artistas, os quais, ao entrarem em contatocom a esttica teatral, contriburam para a evoluo da representao do Diabo na arte.

    A ligao mais ntima entre o Diabo da arte e o Diabo da literatura o demnio do teatro. Aelaborada literatura de viso sobre o inferno influenciou as artes de representao tanto quantoDante, e algumas pinturas so virtualmente ilustraes de tais vises. Arte e teatroinfluenciam-se pelo menos no fim do sculo XII, quando o teatro vernculo comeou a serpopular. A representao do Diabo no teatro foi derivada de impresses visuais e literrias, eem troca artistas que tinham visto produes de teatro modificaram a prpria viso deles. Opequeno e preto diabinho que no pde ser representado facilmente no teatro declinou no finalda Idade Mdia. O desejo de impressionar as audincias com fantasias grotescas pode terencorajado o desenvolvimento do grotesco na arte, fantasias de animais com chifres, rabos,

    presa, casco rachado e asas; fantasias de monstro, meio-animal e meio-humano; e fantasiascom faces nas ndegas, barriga ou joelhos. Mscaras, luvas com garras e dispositivos paraprojetar fumaa pela face do demnio tambm eram usados. (RUSSELL, 2003, p. 245-6).

    No entanto, a discusso sobre o Diabo e seu papel mudou nos sculos seguintes. No outono daIdade Mdia tornou-se forte objeto de acirrados debates teolgicos a partir do sculo XII-XIIIquando a unificao das idias sobre as capacidades e caractersticas do Diabo e de seusauxiliares, os demnios, revelou-se necessria Igreja. Dava-se, desse modo, odesenvolvimento de uma obsesso diablica com o objetivo de identificar os inimigos daIgreja.

    Pode-se datar do fim do sculo XII, o momento em que, devido sobretudo acentuao dasameaas herticas, se passa de um estado de relativo equilbrio na matria a uma acentuadapreocupao pela ao diablica. A amplitude das ameaas com que se acha confrontada aIgreja, com os Bogomilos, os Valdenses e os Ctaros, sem esquecer a presso turca e apresena dos judeus, explica em parte a ateno obsessiva que dada ao Diabo. Como muitobem viu Jean Delumeau, instala-se na cristandade um medo difuso que ajuda a criar a idia deque est em curso um ataque concertado contra o cristianismo, um ataque conduzido por umapotncia sobrenatural, pelo inimigo, o Diabo. (MINOIS, 2003, p. 68).

    A partir do sculo XII e seguintes, devido s transformaes engendradas pela sociedadeeuropia no campo da poltica e da economia, as quais confluram para uma significativaevoluo das instituies e devido tambm necessidade europia de empreender uma maiorcoerncia religiosa e refletindo os problemas sociais da poca, o Diabo passou a assumir um

    papel importante na formao do imaginrio ocidental atravs das imagens sobre o Juzo Finale o Inferno.

    Concomitantemente, a arte foi um dos principais instrumentos de represso polticaencontrada pela classe dirigente, isto , a Igreja e os representantes do Estado os reis.Ambos exerciam influncia sobre as mentalidades e se utilizavam tanto do poder espiritualcomo do temporal para comunicar o poder do Diabo prncipe deste mundo ao povo nofinal da Idade Mdia.

    A arte foi a ferramenta escolhida tanto por sua capacidade de inserir-se no imaginrio atravsde imagens, as quais denotam identidade ao observador, como pela falta de uma populaoletrada que pudesse ler e compreender as escrituras sagradas. Desse modo, no outono da Idade

    Mdia e, com grande potencial, na Renascena, a arte tornou-se o meio de expresso,divulgao e difuso dos poderes nefastos do Maligno, contribuindo para moldar o imaginrio

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    popular sobre os terrveis perigos de uma vida que fosse contrria aos ensinamentos da Igrejae de seu cdigo moral e, desse modo, do contexto cultural da poca, alm de ser umaferramenta til de coero individual e social.

    O poder real teve ento necessidade do Diabo para aterrorizar os seus inimigos e justificarsuas cobranas, e o Papa ofereceu-lhe ento suas bulas para o satisfazer. A nvel elevado onde

    se tomam as decises, o Diabo uma fico de propaganda que no serve seno para justificaros desgnios tenebrosos ou francamente crpulas dos prncipes. Se alguma vez reis ou papativessem acreditado verdadeiramente no Diabo, ele teria, para comear, ficado assustado pelasua prpria infmia. O Diabo era um espantalho para uso da plebe e, paradoxo amargo, afico deste Prncipe do Mundo servia, com efeito, para conquistar o mundo. Como naMesopotmia e no Ir, a religio era um instrumento do poder poltico. O Papado, h querecord-lo, era ento tambm um poder temporal.

    Ora, este poder exercido tanto mais facilmente quando o povo mantido num estado deignorncia, logo, de superstio e de irracionalidade. (MESSADI, 2001, p. 351).

    No entanto, em toda a Idade Mdia a produo de bens simblicos sobre o Diabo no foimuito grande e no teve a mesma importncia que a produo renascentista, pois a unificaoda concepo teolgica sobre as caractersticas do Diabo s veio a ocorrer, como j foi citado,no sculo XIII. O Diabo ainda no tinha alcanado seu domnio hegemnico sobre oimaginrio popular, porque

    at o sculo XII o mundo era demasiado encantado para permitir a Lcifer ocupar todo espaodo medo, do temor ou da angstia. O pobre diabo tinha concorrentes demais para reinarabsoluto, ainda mais porque o teatro do sculo XII fazia dele uma imagem de pardia oufrancamente cmica, retomando o veio popular referente ao Mal ludibriado.(MUCHEMBLED, 2001, p. 31).

    Atravs do desenvolvimento de uma pedagogia do medo, isto , de uma orientao dosdirigentes da Igreja aos sacerdotes para endurecerem o discurso e o controle moral, e aos

    artistas para que estes criassem obras de arte que pudessem exprimir o incrvel poder doMaligno e o lamentvel destino das almas que no Inferno chegassem, a Igreja se fortalecia. A

    pedagogia do medo se referiu valorao e ao recorrente uso que se deu s representaes dafigura do Diabo atravs das artes plsticas (pintura, escultura, arquitetura) na inculcao(re)afirmao e na (re)construo da mentalidade e do imaginrio cristo voltadas ademonstrar a finitude do corpo fsico e a eternidade da alma, temas caros poca. A danaoe a salvao eram vistas como prximas, realizando-se na morte. A pedagogia do medo foi a

    poltica cultural escolhida pelos governantes para impor sua ideologia e ajud-los a seperpetuar no poder.

    O auge do poderio e da presena do Diabo no imaginrio europeu foi atingido com a crise do

    Feudalismo e com o advento da Renascena (scs. XIV-XVI). Durante este perodo oseuropeus experimentaram um aumento da obsesso diablica, em particular devido ao medodas inconstncias sociais.

    a Peste Negra que marca em 1348 o retorno ofensivo das epidemias mortais, as sublevaesque se revezam de um pas a outro do sculo XIV ao XVIII, a interminvel Guerra dos CemAnos, o avano turco inquietante a partir das derrotas de Kossovo (1389) e Nicpolis (1396) ealarmante no sculo XVI, o Grande Cisma escndalo dos escndalos , as cruzadas contraos hussitas, a decadncia moral do papado antes do reerguimento operado pela Reformacatlica, a secesso protestante com todas as suas seqelas excomunhes recprocas,massacres e guerras. Atingidos por essas coincidncias trgicas ou pela incessante sucesso decalamidades, os homens da poca procuraram-lhes causas globais e integraram-nas em uma

    cadeia explicativa. (DELUMEAU, 1989, p. 205).

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    A hegemonia satnica partiu da concepo da prpria igreja, pois ela tinha por objetivodesenvolver uma mentalidade na qual o mal estava presente no mago da humanidade e que oDiabo espreitava os homens e aguardava um pequeno deslize de sua f para que fosse possvelcorromp-los. Com essa poltica cultural a pedagogia do medo a igreja esperava cooptarum maior nmero de fiis, pois era somente atravs dela que os homens poderiam ser

    conduzidos salvao e, por outro lado, serem mantidos nas precrias condies sociais quelhes era destinada, evitando atravs da represso moral e inculcando o medo do inferno e aameaa do advento do juzo final, as insubordinaes e revoltas. Os medos escatolgicoscontriburam para que o perodo entre os sculos XIV-XVI fosse um perodo marcado pelaefervescncia do imaginrio sobre o Diabo, como podemos notar pela quantidade de obras dearte que ilustram essa angstia sofrida pelos europeus.

    Na Renascena surgiram diversas obras de arte representativas do imaginrio existenterelativo ao Diabo. Uma das principais caractersticas do renascimento era a redescoberta ereleitura do legado cultural da Antigidade e complexificando-o com as inovaes do campoda tcnica e atualizando-o s transformaes do momento histrico vivido, como o

    surgimento da burguesia, a formao e o fortalecimento dos Estados-nao, as grandesdescobertas, a Reforma Protestante, etc. Desse modo, as polticas culturais da Igreja Catlica,aliadas s transformaes scio-culturais do perodo da Renascena, foram responsveis porinfluenciarem a alma do artista e pela produo de bens simblicos inovadores sobre o Diabo.

    De acordo com as determinaes dos dirigentes da Igreja Catlica, corroborada com astransformaes scio-culturais da poca e mais a percepo diferenciada de artistas comoDante Alighieri (1265-1321), Giotto (1267-1337), os irmos Limbourg (sc. XIV-XV), Bosch(1450-1516), Signorelli (1450-1523), Michelangelo (1475-1564), Rafael (1483-1520),Brueghel (1568-1625), John Milton (1608-1674), entre outros, a produo de bens simblicossobre o Diabo no perodo da Renascena contribuiu para uma reconfigurao do imaginrio einfluenciou toda a humanidade a partir desse momento, cujos ecos ainda podem ser

    percebidos at os dias de hoje.Os artistas, com efeito, procuraram retratar o Diabo de acordo com os preceitos cristosobtidos mediante a leitura das Escrituras. Inspirados pelas narrativas bblicas e pelos sermesdos padres, aliados ao imaginrio popular, manifestaram o arqutipo do Diabona arte tantoquanto pela figura dosedutorcomo pela estereotipia do monstro.

    Para Jung, a existncia do Diabo indubitvel, na medida em que se trata de um mito eficaz,de um arqutipo, ou seja, de uma estrutura da conscincia individual. Do mesmo modo queDeus representa o lado claro dessa conscincia, o Diabo representa o seu lado sombrio eescuro. Na sua obra Modern man in a search of a soul (1933), Jung declara que Deus e oDiabo so as duas faces de uma mesma moeda. Os arqutipos, com efeito, no so metforas,

    mas imagens pulsionais indutoras de comportamentos. Desse ponto de vista e, a esse nvel, omito do Diabo verdadeiro. Em todas as civilizaes, o Diabo, seja ele representadoiconograficamente como serpente ou como drago, concentra em si as reaces de medo, derevolta, de rejeio, assim como o fascnio por todas as delcias proibidas. (MINOIS, 2003, p.153-4).

    O primeiro (sedutor) seria o tentador do homem por meio da oferta do prazer, refletindo osmandamentos da moral dos costumes imposta pela Igreja, a qual devia-se negar o prazer,

    porque este levava perdio e afastava os homens de Deus, sendo, portanto, o prazer odomnio do Diabo. O segundo (monstro) se referia ao Diabo como oponente de Deus,

    bestializado segundo a imaginao humana.

    (...) desde sempre, os artistas hesitaram entre duas representaes da figura diablica. E, narealidade, ora magnificaram um personagem sedutor, ora procuraram rebaixar uma espcie demonstro horrendo.

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    Nos primeiros sculos [do VI ao IX], a arte destacou, sobretudo, as origens angelicais deSatans, apresentado-o como um belo jovem nimbado e vestindo (sic!) como um nobre (...).

    No entanto, a partir do sculo XI, por influncias dos contos populares e das narrativas deorigem monstica, assim como por alguma iconografia oriental de monstros, o Diabo transformado numa criatura imunda. (MINOIS, 2003, p. 54).

    Contudo, os artistas necessitaram fazer um tremendo esforo intelectual para conseguir darum rosto ao Diabo, pois no havia um consenso entre a elite crist sobre sua aparncia, da orecorrente uso da iconografia das mitologias pags para lhe dar feies:

    Na hora de pintar o Diabo, os artistas tinham enorme dificuldade. No existia tradio literriadigna do nome e, o mais exasperante, no havia tradio pictrica alguma. Nas catacumbas enos sarcfagos no h Diabo. Essa inexistncia de tradio pictrica, combinada a fontesliterrias que confundiam o Diabo, Sat, Lcifer e demnios, so razes importantes para aausncia de uma imagem unificada do Diabo e da iconografia irregular. Mas alguma coisasempre melhor do que nada. E havia algo que o artista cristo podia tirar das fontes clssicasque os comentrios teolgicos corroboravam P. (LINK, 1998, p. 53).

    A iconografia destinada a representar o Diabo na arte se alimentou das diversas manifestaesculturais que os europeus mantiveram contato.

    (...) A encarnao do Mal apareceu sob as representaes mais variadas: serpente, sapo,deuses e deusas antigas, monstros, animais fabulosos... O tipo mais corrente fixou-se nosculo XII: uma forma humana, o corpo veloso, as orelhas pontiagudas, os ps bfidos, cornose provida de uma longa cauda. As asas de morcego, com as quais Giotto, Bosch ou Botticellivestiram os seus demnios, provm das pinturas chinesas no estilo das ondas de Li LongMien. Os cornos e as unhas de Satans revelam uma origem mediterrnea:Pan, Dionsio e asStiras possuam estes atributos, eles prprios iguais de certas figuras sagradas doPaleoltico... Uma verdadeira tradio da forma demonaca aproxima-se assim dos gnios dopanteo assrio-babilnio das grgulas das nossas catedrais e das mscaras Khmers das figuras

    grotescas de Grnewald e de Callot. (NRET, 2003, p. 13).Aps esse perodo, considerado o auge do Diabo na sociedade europia, apareceram os

    primeiros sinais de seu suposto fim. Do mesmo modo que o Diabo assumia uma posiodestacada na influncia das prticas cotidianas no perodo da Renascena, surgia o preldiodo pensamento racionalista atravs dos tratados filosficos de pensadores como F. Bacon(1561-1623) e R. Descartes (1596-1650), os quais lanaram um dos aspectos fundamentais daEra moderna ao difundirem as idias iniciais de toda filosofia moderna o racionalismo e oempirismo cuja contribuio para o nascimento da cincia moderna na Europa foi

    primordial e impulsionou a dessacralizao da natureza e revolucionou a relao do homemcom o mundo material, implicando em um novo modo de lidar com o mundo.

    Se atravs do incio da Era da Moderna o Diabo comea a perder espao para a razo e para opensamento crtico, no campo do imaginrio ele ainda est presente:

    O Imaginrio ocidental no expulsou brutalmente o diabo em meados do sculo XVII, mesmoque este momento possa marcar uma real ciso intelectual entre os racionalistas e ospensadores tradicionais, empenhados em manter para a teologia sua posio dominadora nocampo das idias. Na verdade, Sat foi perdendo lentamente, insensivelmente, sua soberba emuma Europa em profunda mutao. Sua imagem, at ento concentrada no discurso de luta dasIgrejas em acirrada concorrncia e imposta ao conjunto das populaes, e do cimo aosprimeiros degraus da escala social, esfacelou-se em mltiplos fragmentos. O fim das gravescrises religiosas, a ascenso de Estados nacionais rivais, a picada aberta pela cincia, e logo aseguir o fluxo das novas idias que iriam ser qualificadas de Luzes, ou, para alguns, o gosto

    por uma dolce vita, compuseram a trama profundamente movedia da mudana. Associedades do Velho Continente comearam a afastar-se do medo de um demnioaterrorizante e de um inferno escabroso. No de maneira unnime, pois este imaginrio

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    continuou a ser defendido, mantido e difundido at os nossos dias, em setores mais ou menosamplos da sociedade, em funo da vitalidade de seus partidrios e da permeabilidade dosambientes. (MUCHEMBLED, 2001, 191).

    Em virtude do advento do Iluminismo como fenmeno racionalizador e ao processo desecularizao que compreende a deslegitimao do poder da esfera eclesistica para a

    legitimao do poder da esfera civil e laica, ambos processos de uma revoluo mental queculminou no desencantamento do universo,a sociedade europia dos sculos XVIII-XIX nomais compartilhava do medo do Diabo tal como ele foi apresentado nos sculos anteriores aoIluminismo, logo, tanto o medo do Diabo em si, como o temor do advento do Juzo Final e a

    perseguio s bruxas entraram em declnio, passando a serem tratadas pelo espritoiluminista como supersties fundamentadas no senso comum.

    Desse modo, devido s transformaes culturais resultantes desses fenmenos, a arte sobre oDiabo e a noo do homem sobre a personificao do mal mudam de foco.

    Entre o sculo XVI e o sculo XVIII, o discurso sobre o Diabo passa por uma mutaoradical. Deixa de ser uma obsesso religiosa e, no perodo imediatamente anterior ao

    romantismo, transforma-se num grande mito literrio. A substituio de Satans porMefistfeles no fundamentalmente um processo de natureza religiosa, mas de naturezasimblica. No se trata, portanto, de uma passagem da crena descrena, mas uma transioentre mitos. O Diabo, com efeito, laiciza-se, o seu papel perpetua-se, mas com inverso desinal. (MINOIS, 2003, p. 110).

    O Diabo passa a ser reflexo do prprio homem: O diabo somos ns!. Ele saiu dos afrescosdas igrejas para entrar no universo da literatura trgica, cuja sobrevivncia se d atravs dafico. Uma vez que a fico enquadra-o ao olhar mais humano, em que o mal est contido no

    prprio homem. Fragmenta-se assim o poder do Malfico e a Igreja j no mais possuigrandes poderes para continuar inculcando imagens repressivas no imaginrio popular.

    Em suma, a viso do Diabo diversifica-se, nos sculos XVII e XVIII. Fico ultrapassada paraos materialistas, mito literrio eficaz para os pr-romnticos, sedutor e amante dos prazerespara os epicuristas, revoltado indomvel para muitos outros, a sua figura corre o risco de sedissolver num ser proteiforme. Todas essas vises no podem deixar de ser encaradas, porparte da Igreja, como uma evoluo perigosa, a exigir uma resposta adequada. No entanto,apesar de todas as tentativas para impor a sua viso da figura diablica, tarefa a que a Igreja sededicou, durante todo o sculo XIX, as metamorfoses de Satans revelaram-se imparveis.(MINOIS, 2003, p. 114).

    A secularizao do Diabo ocorre como reflexo dos movimentos cientfico-filosficosrepresentantes de uma era que j no mais se encontrava sob o jugo das autoridades religiosas.Mediante o esprito artstico, em especial o literrio o Diabo mostrava seus novos contornos

    para o homem moderno.Ao se ver livre da tutela eclesistica, os homens do sculo XVIII-XIX vo encontrar no Diaboa liberdade de expresso do esprito que outrora se encontrava reprimida. O Diabo passar arepresentar o esprito da poca, ser visto como um Prometeu, o libertador do homem, o

    promotor da cincia e do progresso (Minois, 2003, 118). Portanto,

    O Romantismo transformar Sat no smbolo do esprito livre, da vida alegre, no contra umalei moral, mas segundo uma lei natural, contrria averso por este mundo pregada pelaIgreja. Satans significa liberdade, progresso, cincia, vida. Tornar-se- moda a identificaocom o Demnio, assim como procurar refletir no semblante o olhar, o riso, a zombariaimpressas nas feies tradicionais do Diabo. (...) O Diabo passa a representar a rebelio contraa f e a moral tradicional, representando a revolta do homem, mas com a aceitao do

    sofrimento porque este uma fonte purificadora do esprito, uma nobreza moral, da qual spode surgir o bem da humanidade. E o demonaco torna-se o smbolo do Romantismo:

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    demonaco como paixo, como terror do desconhecido, como descoberta do lado irracionalexistente no homem: a exploso da imaginao contra obstculos excessivos da conscincia edas leis. (NOGUEIRA, 2000, p. 104-5).

    Por meio das obras de escritores romnticos como Jacques Cazzote (1720-1792), Goethe(1749-1832), Willian Blake (1757-1827), Lord Byron (1788-1824), Honor de Balzac (1799-

    1850), Victor Hugo (1802-1885), alm de Dostoivski (1821-1881) entre outros, e CharlesBaudelaire (1821-1867) que pode ser representado como um elo entre o romantismo e omodernismo, o imaginrio literrio romntico quebrou o monoplio teolgico da explicaodemonolgica para lan-lo ao mundo onrico do fantstico, do grotesco e do maravilhoso.

    A literatura romntica contribuiu fortemente para a reabilitao do Diabo. Os escritoresromnticos, adeptos do ideal liberal, sentem-se atrados pela suprema liberdade do Prncipedas Trevas, pela sua grandeza e pela sua altivez. verdade que perdeu e que a sua derrota foiabsolutamente catastrfica, mas o romntico um paladino das causas perdidas, um revoltadocontra os limites estreitos impostos condio humana. imagem do Diabo, deseja libertar-se dos condicionalismos sufocantes do espao e do tempo. (MINOIS, 2003, 118).

    Abre-se a espao para o distanciamento entre o real e o imaginrio, resultando na ruptura dapercepo, da coero e da crena. Porm, nunca efetivamente realizada, pois o medo doinexplicvel encontra no mago humano abrigo e sustentao. Conseqentemente, devido aoRomantismo, o mito de Sat perde sua coerncia com a fragmentao do tema entre a eliteculta.No entanto, para o populacho ele ainda se encontra presente e opressivo no imaginrio.

    No sculo XX complexifica-se a discusso a respeito da representao e do papel do Diabonas artes. Aps a desmistificao perpetrada pelo Iluminismo e pelo Romantismo nos sculosXVIII-XIX, banalizou-se a figura do Diabo. Este fora afastado do circuito das grandes artes edos grandes espritos, pois no condizia mais s aspiraes da poca.

    Ao final do sculo XIX, o Diabo mostrava sinais evidentes de envelhecimento, primeiro

    porque sua existncia fsica vinha sendo amplamente desacreditada, e depois porque suafuno como metfora do mal era considerada por muitos como ultrapassada. Assim, no inciodo sculo XX, novas e mais abstratas explicaes filosficas e polticas para os infortniosmundanos j ocupavam um espao muito mais amplo. Entretanto, mesmo relegado aoesquecimento, o Diabo continuou exercendo seu fascnio natural, pois embora os poetas, osartistas e os escritores o tivessem posto de lado em favor de outras solues para os eternosdilemas da humanidade, a psique popular nunca deixou de t-lo como bode expiatrio,sobretudo nos tempos mais difceis. (STANFORD, 2003, p. 279-80).

    No sculo XX o Diabo encontrou espao de expresso e de representao no veio da IndstriaCultural, a qual apropriou-se de sua imagem e, conhecendo o seu permanente significado noimaginrio, moldou-o ao grande pblico, vendeu-o como uma mercadoria apta a entreter uma

    sociedade consumista dos mais variados bens simblicos, sem se dar conta de sua alienaoperante o produto consumido:

    Em um universo cada vez mais marcado pelo hedonismo, a promoo do indivduo e a buscada felicidade, ou mesmo um prazer incessantemente renovado, o diabo muitas vezesconsumido como algo positivo. No s deixou de existir como figura exterior aterrorizante,como nem sequer provoca mais medo de si mesmo, o temor do demnio interno, aquelemesmo dos psicanalistas. Como elemento publicitrio, veio a tornar-se smbolo de prazer oubem-estar. o que vem ocorrendo na Frana, aps dois sculos de desmistificao sob ainfluncia do romantismo e da cultura da igualdade. Ou, em geral nos pases antes dominadospela religio catlica, em que se revaloriza o mito malfico banalizando-o, integrando-o emum vasto imaginrio ldico trazido pela literatura popular, a publicidade, os filmes, as

    histrias em quadrinhos etc. (MUCHEMBLED, 2001, 288).

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    No sculo XX o Diabo vive seu momento mais controverso. Objeto de consumo pelos meiosde entretenimento das sociedades ps-modernas, porm presente no imaginrio e aindamanifestamente smbolo do medo e do mal interior a todo ser humano, o Diabo revela-secomo o reflexo do esprito de cada poca. Nesse sculo a mdia, fomentada pela IndstriaCultural, redescobre o Diabo. Ele se encontra presente desde as telas dos cinemas no

    expressionismo alemo das dcadas de 1920-30 e nas produes de Hollywood a partir dadcada de 50 s canes das bandas de Heavy Metal, na literatura comercial e nociberespao da Internet, na televiso, nas campanhas publicitrias e nos jogos de videogame.Conseqentemente, torna-se evidente a recuperao da figura do Diabo pelos interesseseconmicos.

    O Diabo tanto mais eficaz como agente publicitrio quanto maior for a folclorizao da suafigura e esta acentuar a sua dimenso de pau-mandado inofensivo. Em pano de fundo,invisveis, como aranhas nos seus buracos, os demnios do capitalismo esto sempre espreita, tais modernos satanases reinado sobre um mundo submetido lei do lucro. (MINOIS,2003, p. 128).

    Desse modo, as descontinuidades de sua representao artstica atravs da modernidade,refletem as prprias faces e fases da histria da humanidade:

    Nos tempos medievos, so muitas as formas escolhidas para o mostrar. No entanto, amonstruosidade horrvel domina as descries e a iconografia. uma forma de representao.Porque, enquanto esprito, o demnio no tem aspecto corpreo, sendo o homem, submergidona cultura e na mentalidade prprias de cada poca, quem o pinta com esta ou com aquelascores. Ou seja, se o demnio, em si, est alm da Histria, a sua representao(pelo discurso,pela afetividade, pela iconografia) sempre produto da Histria... Monstruoso ou atraente sempre aparente a forma escolhida e momentneo o carter adotado. De qualquer modo, deacordo com a mesma tradio. O demnio anjo cado criatura maravilhosa e inteligentena vontade. (FONSECA, 2000, p. 8).

    Portanto, as descontinuidades da representao artstica da figura do Diabo na modernidadealiada aos novos esquemas econmicos e scio-culturais adquiridos pelo advento da ps-modernidade promoveram um novo e diferenciado modo de se relacionar com a figura mticado Diabo atravs da arte.

    Desse modo, a consolidao do capitalismo ps-industrial a partir dos anos 60 nos EUA e nospases pertencentes Europa ocidental, propiciou o desenvolvimento de uma cultura doconsumismo atrelada s aspiraes capitalistas da Indstria Cultural, as quais fomentaramnovas necessidades estticas mediante a transformao da cultura em mercadoria. (HARVEY,1992; JAMESON, 1997). Atravs do desenvolvimento dos novos meios de comunicao taiscomo a televiso (e em especial a publicidade que utiliza a figura do Diabo como garoto-

    propaganda de diversos produtos), os videogames e a Internet, alm, tambm, das inovaestcnicas no cinema e na cultura pop, como as msicas de Heavy Metal, a literatura popular eas histrias em quadrinhos, abriu-se um novo campo para que a figura do Diabo, agoratransformada em mercadoria, chegasse aos seus consumidores. Portanto, fomos levados a elecomo consumidores, reflexo de uma era que:

    conduziu (...) a um deleite esttico ou sensorial, e no mais ao medo, como nos tempos dopassado, quando ele explodia nas cabeas avivando a angstia do fim ltimo e o temorfisicamente sentido de um inferno chamejante, fedorento, destinado a expiaes eternas.(MUCHEMBLED, 2001, 343).

    Conseqentemente, para compreendermos a evoluo dessa figura dinmica da sociedadeocidental, faz-se necessrio conhecer e analisar suas diversas mutaes no campo artstico daEra Moderna, as quais delineiam os traos da Era Ps-Moderna, expondo melhor o lado

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    sombrio do homem, que se ancora nas descontinuidades de representao da personificaodo mal o Diabo.

    A necessidade de compreendermos a permanncia do Diabo na sociedade ps-moderna resideno fato deste ter sido transformado numa mercadoria possvel de ser adquirida e utilizada nassociedades que compartilham de uma cultura do consumismo, com o objetivo de entreter seusconsumidores. Deste modo, insere-se a questo de compreendermos sociologicamente o papelda Indstria Cultural, da Sociedade de Consumo e a Cultura de Massas como fatoresconstitutivos e construtores da mentalidade, imaginrio e ideologia do homem e dassociedades ps-modernas no sculo XX e XXI.

    Concluso:

    Por meio do imaginrio existente na sociedade ocidental tanto culto como popular , afigura do Diabo foi representada de diversas maneiras pela arte. Mediante o devir social ehistrico, as representaes sobre a figura do Diabo passaram a evidenciar um Diabo

    proteiforme com poderes incrveis, anunciando que o fim do mundo estava por vir e refletindoa atmosfera que revestia as noes inculcadas de danao e salvao. Essa mentalidadepropiciou o surgimento de diversas obras de arte que denotavam as caractersticas dasociedade medieval e renascentista, ou seja, o poder da Igreja catlica, a existncia do medoda morte por causa da questo do Diabo e do inferno e a crena das populaes emsupersties e em elementos sobrenaturais.

    Com o devir histrico, essa mentalidade obscurantista e religiosa passou a ser confrontadapelo nascimento da filosofia e da cincia moderna, tendo como base o racionalismo tcnico-cientfico do Renascimento. O surgimento dessa nova maneira de encarar o mundo refletiu no

    processo de desencantamento da sociedade europia e na releitura dos artistas sobre o mito doDiabo, porm, ao populacho a permanncia das crenas ainda era presente e atuante.

    Influenciados pelo esprito crtico e cientfico do Iluminismo os artistas romnticosescreveram obras que evidenciavam que os homens e o Diabo se aproximaram. Os romnticosdemonstraram que o Diabo nada mais era do que o reflexo das paixes e dos vcios humanosque se encontravam reprimidos pela religio e pela sociedade. Vestiram-no com os trajes deum burgus, tal qual a poca se afigurava. Sua figura sofria com as metamorfoses dasociedade capitalista que se fortalecia com os ideais liberais ps-iluminismo e com a crescentesecularizao da sociedade europia, cujos reflexos j se faziam sentir desde o sculo XVII eque contriburam para a periferizao da religio crist nos sculos XIX e XX.

    No sculo XX, a evoluo da figura mtica do Diabo deparou-se com a apropriao de suas

    caractersticas pelo capitalismo por meio da ao da Indstria Cultural. Sua figurametamorfoseou-se em mercadoria, suas caractersticas iniciais (medo/represso) passaram aser utilizadas para fins comerciais pela indstria do entretenimento. O Diabo no sculo XXno mais era encarado como uma ameaa terrvel vida e sim como mais uma possibilidadede gozo das sociedades e culturas ps-modernas.

    Portanto, a figura do Diabo que conhecida atualmente uma sombra ofuscada daquelafigura terrvel e constante do imaginrio medieval e renascentista dos sculos XIV-XV. AIndstria Cultural se apropriou de seus elementos grotescos que mexiam com o imaginrio eos transformou em motivo de diverso e riso, levando a sociedade atual a consumir um

    produto padronizado e destitudo de sua real funo religiosa.

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