A Ética da irresponsabilidade
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No casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi o Presidente que chamou a atenção para a incoerência da sua atitude
A ética da irresponsabilidade
OPresidente da República entendeu promulgara lei que institucionaliza o casamento civil en-tre pessoas do mesmo sexo. Fê-lo invocandoa "ética da responsabilidade" e contra o seupróprio parecer sobre a questão.
A expressão "ética da responsabilidade" é redundante,porque a irresponsabilidade nunca é ética, corno é óbvio."Responsabilidade" significa, etimologicamente, o "peso"(pondus, em latim), da "coisa" (em latim, rés), ou seja, serresponsável é acarretar com as consequências das própriasconvicções em todos os actos e opções. A "ética da respon-sabilidade" opõe-se, portanto, à lógica da conveniência,cujo critério decisivo não é pautado por imperativos morais,mas por razões de oportunidade.
Ora o Presidente, que podia não ser cristão e, não o sendo,até podia ser partidário do casamento entre pessoas do mesmosexo, fez questão em deixar claro que não concorda com oteor do diplonta que promulgou. Ou seja, foi o Presidente quechamou a atenção para a incoerência da sua atitude: enquan-to cidadão supostamente católico pensa de uma forma; masenquanto Presidente age ao contrário. Como a fé se manifestapelas obras e os princípios também, pois se assim não fossenão seriam princípio de coisa nenhuma, forçoso é concluir quequem procede deste modo não tem fé, nem princípios.
Também por razões de oportunismo, não faltaram po-
líticos, militares, cientistas, juizes, etc., que cederam àsexigências do poder, nomeadamente nazi e estalinista,por exemplo. Não restam dúvidas de que o seu acatamentodessas ordens superiores beneficiaram a coesão social dosrespectivos regimes, sobretudo em situação de guerra oude grave crise nacional, mas uma tal vantagem prática osnão iliba da correspondente responsabilidade moral: nãoé uma desculpa, mas uma culpa decorrente da sua irres-ponsabilidade ética, do seu relativismo moral. Não foramvítimas dessas injustiças, mas cúmplices. O medo pelasconsequências necessárias de um acto eticamente exigidonão é prudência, é cobardia.
Mas - poderiam objectar alguns politólogos mais manho-sos - não seria ineficaz, em termos práticos, a recusa dapromulgação do controverso diploma, na medida em queconstitucionalmente não poderia deixar de o ser, se, denovo, fosse remetido à Presidência pelo Parlamento, comodecerto ocorreria?! De modo algum, porque o Presidente po-dia e devia fazer saber a quem de direito que, não podendoagir contra os seus princípios e a sua consciência, ver-se-iaobrigado a demitir-se, se essa lei lhe fosse reenviada, ou adissolver a Assembleia da República. Em qualquer dos casos,a responsabilidade pela crise política decorrente seria únicae exclusivamente de quem insistisse nessa questão fractu-rante. Pelo contrário, promulgando o diploma, oPresidente
GonçaloPortocarrerode Almada
não só o faz seu, como faz saber à nação e aos outros órgãosde soberania que está disponível para sancionar qualquerlei, mesmo que contrária aos princípios morais que erasuposto seguir na sua actividade política.
Outra é a lógica da honra e da fé. Thomas More, ex-chanceler de Henrique VIII, estava disposto a servir o seupaís e o seu rei, mas não ã custa dos seus princípios moraisou da sua religião. Em termos de estabilidade política ou deconveniência pessoal, poderia ter transigido com o divór-cio real, mas, como era um homem de fé e de princípios,não o fez. A coerência custou-lhe a vida. João Baptista nãoteve medo de denunciar a imoralidade de Herodes e a suanão cedência ante o adultério do monarca, que teria sidomuito oportuna social e politicamente, dada a grave criseresultante da ocupação romana, teve para o precursor umaconsequência trágica: o martírio.
S. Thomas More e S.João Baptista perderam literalmentea cabeça, mas não a fé, nem a honra, ao contrário dos quevendem a alma e a sua dignidade por mesquinhos interes-ses conjunturais. Aqueles não foram vencidos da vida, masvencedores do mundo, ao invés dos que renegam os seusprincípios por calculismo eleitoral e oportunismo político.Vae victis... Licenciado em Direito e doutorado em Filosofia.Více-presidente da Confederação Nacional das Associaçõesde Família (CNAF)