A Estela de Suti e Hor
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Os hinos das estelas funerárias de Suti e Hor no contexto do
culto solar egípcio da XVIII Dinastia
Regina Coeli Pinheiro da Silvaarqueóloga
O culto solar
Na mitologia egípcia, o culto ao sol destaca-se em relação aos dos demais deuses e
chega ao seu ápice durante o Antigo Império (2575 a 2134 a.C.1). Seu simbolismo se
relaciona ao movimento cíclico do seu ritmo diário.
No Novo Império, quando a capital do Egito Antigo era Tebas, a divindade cultuada em
Karnak e em Luxor era Amon-Re, resultado da união entre os deuses Re de Heliópolis e
Amon de Tebas2, efetivando-se uma identificação que já teria se iniciado desde o Médio
Império. Amon-Re foi entendido pelos egípcios como um deus universal com poderes
criativos. Seu culto passa a adquirir cada vez maior força e influência como deus estatal,
chegando à situação de concorrer com o poder real.
Já o deus solar Aton (ítn – o disco solar) teve como local principal de adoração a cidade
de Akhetaton, localizada na atual vila de El-Amarna. Adotado por Akhenaton durante o
período amarniano, antecede à reforma empreendida por esse faraó, e assume grandes
poderes tornando-se uma deidade universal e mais exclusiva durante seu reinado. Uma
primitiva e talvez a mais antiga iconografia de Aton como deus, aparece em uma estela
em Gizé, como um disco solar alado, com braços estendidos que seguravam em suas
mãos um cartucho com o nome do faraó.
1 Cronologia elaborada pelo Prof. Dr. Antônio Brancaglion Jr, tendo por base Baines, J. e Malek, 2000.2 Possivelmente por união de interesses desses dois cleros.
Existem referências a Aton desde o Médio Império, na passagem do “Conto de Sinuhe”
(Papiro de Berlim 10499-B), onde pode ser lido: (...) quando o rei foi para o céu,
unindo-se ao disco solar/Aton, o corpo do deus se uniu àquele que o criou. Nesse texto
Aton aparece com o determinativo de deus3 ( ).Quando usado nos textos religiosos
dos Caixões, Aton refere-se somente ao disco solar.
No início do Novo Império, o faraó Ahmose é referido em uma estela como sendo
relacionado a Aton quando brilha, e seu sucessor, Amenhotep I, quando de sua morte,
torna-se unido com Aton, juntando-se àquele do qual veio (Hart:1998:38).
A rainha Hatshepsut usou seu símbolo no lado sul de um dos seus obeliscos no Templo
de Karnak significando entretanto o conceito astronômico do disco (Hart,1998:37), ou
seja, o disco do sol - mas não o deus sol. Entretanto, existe uma inscrição datada de
cerca de 1500a.C. (Hart,1998:38), achada na Núbia, em que a palavra Aton ocorre
seguida do símbolo de deus, na forma de uma deidade ostentando um disco solar na sua
cabeça.
O gradual crescimento da importância de Aton na religião egípcia da XVIII
dinastia
Seguindo a sequência de registros de utilização da representação de Aton, esta obtem
maior destaque a partir da XVIIIª Dinastia, sendo identificado como uma deidade solar
somente no reinado de Tuthmés IV. Este faraó manda fazer um escaravelho
comemorativo no qual Aton aparece protegendo-o como um deus associado à guerra,
num contexto que coloca esse deus na vanguarda do exercício do faraó em batalha
(Hart,1998:38 e Wilkinson,2003:236) – um lugar geralmente dado a Amon. Seu
sucessor (?) Amenhotep III mandou construir um templo para Aton fora dos muros do
perímetro leste do templo de Karnak, cujo espaço era dedicado ao deus Amon. Essa
estrutura se chamava Per Aton, que significa A Casa de Aton (Ermann 1952: 138:143).
Aton adquire então cada vez mais prestígio com Amenhotep III, tendo entretanto seu
apogeu somente durante o reinado de Amenhotep IV (que posteriormente assume o
nome de Akhenaton). Este faraó apresenta-nos um Aton doador de vida, deus único,
sem igual, que tomaria o lugar de Amon-Ra com exclusividade.
3 http://www.textosjeroglificos.com/sinuhe2.htm
Na parte inicial do seu reinado, no período conhecido como pré-amarniano, Akhenaton
construiu no Templo de Karnak - dedicado ao deus Amon - um novo espaço para culto a
Aton. Trata-se de um momento de transição, quando ainda pensava ser possível fazer
Tebas abrir mão de seu tradicional deus Amon em favor de Aton.
Posta sob confronto com as teologias anteriores, a atoniana trouxe em seu cerne uma
relação com a teologia de Heliópolis, com a diferença que, nesse novo culto, o deus age
sem a intervenção de outras divindades. Se Amon era o deus Oculto, Aton era o deus
manifestado, revelado. HART vê uma relação entre Aton e o culto solar de Heliópolis,
esta reforçada no fato do nome do local construído para culto atoniano em Karnak ter
recebido o nome de
Casa do Benben, simbolizando o monte primordial no qual o deu-sol se
elevou do Nun, o criador do universo. Benben era o nome do santuário em
Heliópolis, cujo determinativo hieroglífico era um obelisco - outro
empréstimo do culto heliopolitano - possivelmente indicando que um
obelisco se situava ali a leste de Karnak (HART,1998:40).
O gradual crescimento da importância de Aton na religião egípcia da XVIII dinastia:
No começo da XVIII Dinastia, Aton, o disco solar, era compreendido como uma das três fases do percurso do sol no céu.
Com o reinado do faraó Amenhotep III, Aton começa a assumir uma posição mais importante;
- já existiam evidências de um culto a esse deus, indicando que estava estabelecido em Heliópolis, onde contava com um corpo de sacerdotes e um templo.
- muitos dos oficiais desse faraó usaram títulos ligados a Aton, como Administrador da Grande Casa de Aton.
Amenhotep III estimulou o culto solar a Aton, fato demonstrado em um dos seus epítetos Tjekhen - Aton ou “Radiância de Aton”, um termo que também foi usado em vários outros contextos durante seu reinado.
Ele constrói:• o palácio em Malkata, complexo arquitetônico que se localizava no lado oeste de
Tebas; chamava-se “A casa de Nebmaatre é o esplendor de Aton”, • e nele o Per Hay, ou Casa do Júbilo, referência esta que também será encontrada, em
parte, do Grande Templo de Aton amarniano.
Seu barco era chamado Aton Brilha.
Destaca-se também a presença do nome do deus em Baketaton, filha mais nova
desse faraó com a esposa real Tiye.
Entretanto, Amenhotep III não negligenciou os cultos dos outros deuses e não
existem indícios de que tenha considerado Aton como uma deidade especial, destacada
do panteão egípcio. Registros arqueológicos demonstram esse expressivo estímulo ao
deus, mas Amenhotep III deixou foi um governante que poderíamos chamar de
tradicional, respeitoso a Amon-Re.
Concluindo: aos poucos Aton passa a ocupar um maior espaço no repertório religioso
da XVIII dinastia, até chegar ao ápice no reinado de Akhenaton.
Entretanto, essas estela que vamos ver a seguir pertencem a um reinado anterior, mais
especificamente ao reinado de Amenhotep III, pai deAkhenaton.
A estela de Suti e Hor
Durante o reinado do faraó Amenhotep III (datar), período que antecede à reforma
amarniana, o culto a Amon Re passa a desenvolver uma crença em que este deus vem a
se orientar para a característica solar. Amon Re passa então a ser celebrado sob esse
aspecto, uma mudança que não reflete mais aquelas características presentes no Grande
Hino a Amon. Uma prova arqueológica dessa afirmativa é encontrada na estela
pertencente aos arquitetos do reinado de Amenhotep III, Suti e Hor (Ermann:1952:135-
136), atualmente no Museu Britânico (nº 826). Nela, Amon aparece equiparado a uma
listagem dos nomes múltiplos do sol tais como Harakhti, Re, Khépri, e Aton,
assemelhando-se muito à idéia de primazia do sol como deus criador e mantenedor da
vida, concepção também adotada por Akhenaton.
Amenhotep III estimulou esse culto solar a Aton, fato demonstrado em um dos seus
epítetos Tjekhen - Aton ou “Radiância de Aton”, um termo que foi também usado em
vários outros contextos durante seu reinado. Entretanto, esse faraó não negligenciou os
cultos dos outros deuses e não há indícios de que tenha considerado Aton como uma
deidade especial, destacada do panteão egípcio. Registros arqueológicos demonstram
esse expressivo estímulo, refletido no aumento das referências a ele, mas nem por isso
Amenhotep III deixou de ser um governante que poderíamos chamar de tradicional,
respeitoso a Amon-Re. Entretanto, evidências sugerem que um culto já estava
estabelecido em Heliópolis, com a mais antiga evidência de um sacerdócio e templo de
Aton. Muitos dos seus oficiais usaram títulos ligados ao deus, como Administrador da
Grande Casa de Aton. Constrói o palácio em Malkata, complexo arquitetônico fundado
por volta do ano onze de seu reinado. Consistia de uma série de edifícios de um único
andar e assemelhava-se a uma cidade. Na realidade, essa era essencialmente sua função,
ou seja, a de prover a família real com um lugar de residência e acomodar todos os
aposentos administrativos necessários para a administração dos assuntos do governo.
Incluía várias moradias reais separadas: o palácio real, o palácio do sul, o palácio do
meio e o palácio do norte. Localizado no lado oeste de Tebas, chamava-se A casa de
Nebmaatre é o esplendor de Aton, e depois Per Hay, ou Casa do Júbilo, referência esta
que também será encontrada em parte do Grande Templo de Aton amarniano. Essa
extraordinária construção pode significar uma primeira tentativa de isolamento por parte
do rei e de seu corpo administrativo, do sacerdócio de Amon, que exercia grande
influência nos assuntos políticos daquela época. Nesse sentido, a construção da cidade
de Akhetaton, por parte Amenhotep IV, pode significar, por sua vez, uma conclusão ou
aperfeiçoamento dessa estratégia isoladora.
O barco de Amenhotep III era chamado Aton Brilha. Destaca-se também a presença do
nome do deus em Baketaton, sua filha mais nova com a esposa real Tiye.
Interessante destacar que na pedreira de onde se retirava matéria prima para as
construções no Templo de Karnak, Amenhotep IV/Akhenaton é mostrado em adoração
a Amon-Re, mas com uma inscrição em que se auto-refere como O primeiro profeta de
Re-Harakhte em júbilo no Horizonte em seu nome A Luz que é Aton. Esse título já
aponta para o futuro reformador, intermediando as antigas idéias de Heliópolis e as
novas criadas para o culto a Aton.
Não esquecer de colocar o hino a Aton também!
As estelas funerárias de Suty e Hor
Datam c. de 1390 a. C.-1352 a. C., reinado do faraó Amenhotep III
Irmãos arquitetos e supervisores do templo de Amon em Tebas
As estelas :
Duas estelas originárias de Tebas, sendo que uma se encontra quase que totalmente
destruída.
Descrição: Estelas de cume arredondado, esculpido no quadro retangular da porta.
Supõe-se que essas duas estelas ficavam na entrada da tumba, uma de cada lado.
Dimensões:
Altura: 146 cm.
Largura: 90 cm.
Espessura: 29 cm.
Granito cinza
nº 826 - British Museum nº 34051- Museu do Cairo
A moldura da estela apresenta invocações para oferendas funerárias; a área central
mostra os dois irmão fazendo oferendas a Osiris e a Anubis
Composta por vinte e uma linhas de hino ao deus sol, suas inscrições estão gravadas ao
longo e figuras esculpidas em relevo. No lintel da porta são três linhas horizontais de
leitura de texto a partir do centro para fora. No lado direito e no direito existem três
linhas de texto vertical.
À direita e à esquerda do topo do arco da estela, no ângulo formado pela moldura da
porta estão os olhos "wedjat'. No arco da estela há um disco alado.
A estela inclui dois registros:
1) - está dividido em duas cenas simétricas:
a - Anubis à direita,mostrado com cabeça de chacal, vestindo uma saia curta e
segurando um cetro na mão esquerda e "ankh" no canto direito, é adorado por Hor e
uma mulher (ambos de quase totalmente apagados). Acima de Anúbis, há duas colunas
de texto vertical. Acima de Hor e a mulher, estão quatro colunas verticais de texto.
b – Osiris à esquerda, mostrado em forma de múmia, usando uma coroa, barba, colar,
segurando um cetro na mão; é adorado pelos Suty e uma mulher (também apagados).
Acima de Osíris estão duas colunas de texto vertical. Acima Suty e da mulher, estão
quatro colunas verticais de texto.
2) - uma inscrição em 21 linhas horizontais. Essa estela está bem preservada, mas há
pequenas escoriações. O nome do Suty no painel do lado esquerdo da porta e todas as
figuras com as suas inscrições de acompanhamento, com exceção das dos deuses, foram
apagadas na antiguidade.
Os textos
Hino nº 1 da Estela de Suty e Hor (da linha 1 ao meio da linha 8)traduzido de W. Murnane Texts from the Amarna Perior in Egypt”, 1994, p.27-28
"(...) hail to you, beaultiful ReWhen you are moved to rise at dawn,
your brightness opens the eyes of catthe;and when you set in Manu,
then they sleep in the fashion of death“
“(...) Saudação para você, formoso ReQuando se move para surgir no amanhecer,
seu brilho abre os olhos do rebanho;e quando você se põe na colina ocidental,
então eles dormem como se estivessem mortos “
Hino nº 2 da Estela de Suty e Hor (do meio da linha 8 até a linha 14)
“Hail to you Aten of the daytime,Who was created all and made them live (...)”
“Saudação a você Aton do dia,Que criou tudo e os fez vivos (...)”
Obs: as linhas restantes consistem de depoimentos pessoais e súplicas dos dois irmãos
Conclusões
Os textos da estela de Suti e Hor avançam no conceito da unicidade do deus, apresentando um domínio da teologia solar, numa concepção universalista do culto ao sol. A vida está relacionada à presença do astro solar. O segundo texto da estela é dedicado a Aton;
Testemunham a inclusão, entre as manifestações do deus-sol, o disco solar/Aton, visto como uma deidade distinta, já durante o reinado de Amenhotep III.
Esse hino ao deus sol destaca o disco solar como um legítimo deus e o descreve como o único criador de tudo e doador e mantenedor de vida, concepção essa também adotada por Akhenaton.
Aton, em destaque nesse hino, convive com outros deuses (Amon, Horus, Nut, Khnum, Khepri). Quanto a Amon, este aparece equiparado a uma listagem de múltiplos nomes do sol, tais como Harakhti, Re, Khépri, e Aton, compondo a idéia de primazia do sol, já referida.
Os dois hinos da estela de Suti e Hor do Museu Britânico apresentam de, modo antecipado, idéias contidas no Hino a Aton, composto no reinado seguinte (Akhenaton).
A composição da estela mostra a transição do culto tradicionalista a Amon para o atoniano, base da reforma político-religiosa do faraó Akhenaton.
Entendimento de que a reforma amarniana, não deve ser vista como um episódio único, sem antecedentes, mas sim como conclusão de um processo que já vinha se firmando desde faraós antecessores, sendo Amenhotep III o responsável por um implemento ao culto ao deus Aton, mais tarde reforçado por Akhenaton.
O Hino a Aton da reforma amarniana mantendo elementos comuns com a estela de Suty e Hor e com hinos egípcios de outros deuses (Amon, Ptah, Osiris) – idéia de continuidade na concepção da reforma amarniana.
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