A Essencia Do Reino de Deus - Goppelt - Aspectos Da Teologia Dos Sinoticos

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Faculdade Unida Teologia do Novo Testamento 1 A essência do reino de Deus (GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2002, p. 101-104) 1) As bem-aventuranças: Em 5,3-12, Mateus apresenta oito bem- aventuranças, que são complementadas por uma nona, que foge ao esquema. Em Lucas encontramos, no mesmo trecho, no princípio do sermão do campo, em 6,20-23, quatro bem-aventuranças; correspondem á primeira, terceira, quarta e nona de Mateus. [...] A primeira bem-aventurança anuncia aos pobres a participação no reino de Deus: “Bem aventurados os pobres; pois deles é o reino de Deus!”. As duas bem-aventuranças seguintes anunciam aos famintos que serão fartos e aos tristes que serão consolados. Se pensarmos na relação desses anúncios com a participação no reino de Deus, veremos que há apenas uma resposta: o saciar a fome e o consolo são promessas para o tempo da graça. Tudo isso ocorre quando vem o reino de Deus. Nas promissões (promessas) das bem- aventuranças se desdobra, portanto, como no espectro de um arco-íris, o que é trazido pelo reino de Deus. Por isso podemos deduzir das bem- aventuranças, para a concepção do reino de Deus de Jesus, o seguinte: a) O reino de Deus traz o consolo que afasta toda a dor e a saciedade que põe fim a toda a fome. Cada um dos evangelistas acentua um aspecto específico desse estado de graça: Lucas, a fome de pão; Mateus, a fome de justiça. A promissão de Jesus, porém, se refere a fome e sofrimento de maneira tão generalizada como as tradições veterotestamentárias que estão por trás dela. O reino de Deus, por conseguinte, traz um estado de graça corporal e espiritual, i.é, um novo mundo sem carência e sofrimento, um mundo de paz e justiça. Baseado nas bem-aventuranças de Jesus, o vidente João expõe a visão do novo mundo, em Ap 21,1-15. b) Como vem esse novo? O reino vem por meio de uma ação de Deus no

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  • Faculdade Unida Teologia do Novo Testamento 1

    A essncia do reino de Deus (GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento.

    So Paulo: Teolgica, 2002, p. 101-104)

    1) As bem-aventuranas: Em 5,3-12, Mateus apresenta oito bem-

    aventuranas, que so complementadas por uma nona, que foge ao

    esquema. Em Lucas encontramos, no mesmo trecho, no princpio do sermo

    do campo, em 6,20-23, quatro bem-aventuranas; correspondem primeira,

    terceira, quarta e nona de Mateus.

    [...] A primeira bem-aventurana anuncia aos pobres a participao no reino

    de Deus: Bem aventurados os pobres; pois deles o reino de Deus!. As

    duas bem-aventuranas seguintes anunciam aos famintos que sero fartos e

    aos tristes que sero consolados. Se pensarmos na relao desses anncios

    com a participao no reino de Deus, veremos que h apenas uma resposta:

    o saciar a fome e o consolo so promessas para o tempo da graa. Tudo isso

    ocorre quando vem o reino de Deus. Nas promisses (promessas) das bem-

    aventuranas se desdobra, portanto, como no espectro de um arco-ris, o que

    trazido pelo reino de Deus. Por isso podemos deduzir das bem-

    aventuranas, para a concepo do reino de Deus de Jesus, o seguinte:

    a) O reino de Deus traz o consolo que afasta toda a dor e a saciedade que

    pe fim a toda a fome. Cada um dos evangelistas acentua um aspecto

    especfico desse estado de graa: Lucas, a fome de po; Mateus, a fome de

    justia. A promisso de Jesus, porm, se refere a fome e sofrimento de

    maneira to generalizada como as tradies veterotestamentrias que esto

    por trs dela. O reino de Deus, por conseguinte, traz um estado de graa

    corporal e espiritual, i., um novo mundo sem carncia e sofrimento, um

    mundo de paz e justia. Baseado nas bem-aventuranas de Jesus, o vidente

    Joo expe a viso do novo mundo, em Ap 21,1-15.

    b) Como vem esse novo? O reino vem por meio de uma ao de Deus no

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    homem. Segundo uso corrente na Palestina, Deus o sujeito das promisses

    formuladas em voz passiva: Eles sero consolados significa: Deus os

    consolar. Eles sero fartos significa: Deus fartar os famintos, Se

    tomarmos ainda o segundo grupo de bem-aventuranas, em Mateus, que pelo

    contedo podem ser da autoria de Jesus, podemos dizer: Ele se apiedar dos

    misericordiosos e chamar de seus filhos os pacificadores (Mt 5,7-10).

    Conseqentemente aqui a vinda do reino vista, primariamente, de maneira

    teocntrica, como ao pessoal de Deus no homem. O reino vem de maneira

    que Deus se encontra com o homem e o torna participante de sua comunho.

    Surge ali onde Deus supera o sofrimento e a fome, recebendo, enfim,

    misericordiosamente, o homem como filho.

    Se o reino de Deus vem dessa maneira, podemos entender por que

    Jesus pode falar de uma vinda presente do reino, mesmo que o mundo da

    fome e da morte continue a existir. Em sua premissa, a vinda do reino se torna

    independente da mudana das estruturas do mundo.

    c) A vanguarda do reino que h de vir , pois, a condescendncia de Deus

    para com o homem, que se realiza, como j se evidenciou, na atividade de

    Jesus. No judasmo, a vanguarda era totalmente diferente. Para o fariseu, a

    coisa primeira e essencial era a exigncia da lei, com a qual se tomava sobre

    si o jugo do domnio rgio. Para todos era o juzo segundo a lei, a queda dos

    poderosos, a transformao do cosmo. Tudo isso no simplesmente

    anulado por Jesus, mas no mais visto como o precedente indispensvel

    vinda do reino de Deus. O reino de Deus vem independentemente da lei,

    independentemente da mudana das estruturas; a mudana das estruturas

    seguir-se- como conseqncia.

    d) Isso tudo no significa, como opinava o liberalismo, que Jesus s se

    interessava por Deus e pela alma. A saciedade corporal est includa, do

    mesmo como a eliminao da morte. Jesus, em Mt 11,4s, no aponta apenas

    para a sua palavra, mas tambm e em primeiro lugar para as suas curas. O

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    reino de Deus tambm traz novas estruturas, uma nova sociedade, mas no

    vem atravs da modificao das estruturas, mas a partir do centro da histria

    universal: O reino vem quando a relao entre Deus e homem se torna s, no

    sentido da promisso veterotestamentria a respeito da aliana. Jesus no

    raciocina como Filo1, de maneira filosfico-espiritualista, mas de maneira

    teocntrica; no pensa em construes apocalpticas2, mas a partir da

    promisso da Escritura.

    2) O pai-nosso. No pai-nosso (Mt 6,9-15 par Lc) se confirma que Jesus via

    o reino de Deus dessa maneira. Assim como as bem-aventuranas oferecem

    o reino, o pai-nosso ensina a rogar pelo reino. Oferta e pedido se

    correspondem.

    a) A estrutura da orao permite reconhecer o contedo do reino de Deus.

    As trs primeiras preces interpretam-se mutuamente. O reino de Deus vem

    quando Deus aceito como Deus e feita a sua vontade misericordiosa.

    Tambm aqui a sua vinda est orientada rigorosamente de maneira

    teocntrica. A segunda metade da orao corresponde primeira. Cita aquilo

    que separa o pedinte do reino de Deus. Se ele se tornar participante do reino

    de Deus, Deus afastar a preocupao pelo po e a culpa. Tambm aqui o

    reino de Deus implica uma nova relao para com Deus, por meio da qual as

    condies corporal e espiritual se tornam ss.

    b) Essa vinda do reino, vista de maneira teocntrica, tambm aqui a

    vanguarda e no a conseqncia da modificao escatolgica. Talvez Jesus

    tenha dado esse modelo de orao aos seus discpulos, em substituio

    orao das 18 preces que lhe formalmente semelhante. Nessa orao diria

    do homem judeu, a prece pela instalao do reino de Deus era a dcima

    primeira. Nela o reino esperado como conseqncia da modificao das

    estruturas do mundo. No pai-nosso busca-se em primeiro lugar o reino de 1 Filo, ou Filo, foi um pensador judeu da cidade de Alexandria do Egito, famoso por seus muitos escritos, em

    que tentou comunicar ao mundo do pensamento grego o sentido da f judaica. 2 Por construes apocalpticas, Goppelt entende os textos apocalpticos do judasmo do perodo de Jesus,

    que anunciavam a chegada de um novo tempo para o mundo, que mudaria de uma vez toda a realidade.

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    Deus, cf. o dito de Mt 6,33; tudo o que segue pedido como conseqncia

    desse reino.

    c) Se o discpulo, a quem dada essa orao, perguntar como so

    atendidas as suas preces, ele v aquele que afasta nossas preocupaes e

    aceita os pecadores. Cada prece do pai-nosso tem o seu cumprimento naquilo

    que Jesus realiza agora, mesmo que isso se assemelhe a um gro de

    mostarda frente ao todo das preces. Atravs dessa atividade vem realmente o

    reino de Deus, mesmo que de forma provisria.

    Que resulta disso tudo? Se o reino de Deus est determinado dessa

    maneira quanto ao seu contedo, compreensvel que ele venha

    simultaneamente no presente e no futuro. Se o centro decisivo do reino de

    Deus o desejo de que a relao de Deus para com o homem se torne

    perfeita, ento ele surge ali onde por Jesus a relao de um homem com

    Deus se torna nova, mesmo que a vida corporal e o mundo ainda no se

    tenham tornado salvos. Ento a sua vinda no pode se ater apenas a uma

    nova relao com Deus, mas tambm a vida corporal e a histria precisam ser

    abrangidas, pois Deus o criador.

    Por isso a vinda do reino j agora influencia a existncia do mundo. [fim

    da citao]