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1 A ESPADA DE FERRO NA BALANÇA E A RESISTÊNCIA: O MOVIMENTO SINDICAL E POLÍTICO DOS TRABALHADORES EM PETRÓPOLIS SOB A DITADURA MILITAR NO PERÍODO DE 1964 A 1968 Comunicação ao 56º. Congresso Internacional de Americanistas – Salamanca, 2018 COMISSÃO MUNICIPAL DA VERDADE DE PETRÓPOLIS

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A ESPADA DE FERRO NA BALANÇA E A RESISTÊNCIA: O MOVIMENTO SINDICAL E POLÍTICO DOS TRABALHADORES EM PETRÓPOLIS SOB A

DITADURA MILITAR NO PERÍODO DE 1964 A 1968

Comunicação ao 56º. Congresso Internacional de Americanistas – Salamanca, 2018

COMISSÃO MUNICIPAL DA VERDADE DE PETRÓPOLIS

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Introdução

A presente proposta de comunicação Simpósio “Ditaduras e Mundos do Trabalho no Cone Sul” no âmbito do 56º Congresso Internacional de Americanistas (ICA) é uma iniciativa da Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis (CMVP). Entidade de caráter público e constituída pela sociedade civil, a Comissão foi instituída pelo Decreto 893, de 11 de dezembro de 2015 com a missão de esclarecer graves violações de direitos humanos cometidos pela Ditadura Militar em Petrópolis no período de 1964 a 1985. Tem por objetivo apresentar os achados da pesquisa sobre a história da repressão sobre os movimentos sindical e partidário de esquerda e da resistência oposta, por estes mesmos movimentos, no período 1964 a 1968, A presente comunicação destina-se a apresentar os achados da pesquisa relacionados principalmente aos anos de 1964 a 1968, durante a primeira fase da repressão e a imposição do Alto Comando das Forças Armadas como único e legítimo representante da burguesia. Problematização e pressupostos do estudo A falência da política de colaboração de classes – evidente na mobilização política das classes trabalhadoras do campo e da cidade, radicalizadas em torno de suas reivindicações específicas e na decisão do presidente João Goulart em seguir o diapasão popular para manter sua liderança disputada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, dentro do Partido Trabalhista Brasileiro e no movimento sindical – unifica a burguesia em torno do golpe militar desfechado em 1º. de abril de 1964. O golpe expressou uma ampla aliança política que envolveu os partidos (PSD, UDN, PSP, etc.), as associações de classe de industriais, fazendeiros, banqueiros, comerciantes, a maioria da Igreja Católica e da grande imprensa. O apoio das chamadas classes médias viabilizou a “base de massa” para o sucesso do golpe que se manifestou na Marcha pela Família com Deus pela Liberdade, realizada em São Paulo em 19 de março de 1964. Organizações civis de direita, vinculadas a estas classes, atuaram como força repressiva de apoio ao golpe com a tarefa de prender lideranças e ativistas e desmantelar as organizações de massa dos trabalhadores, a exemplo das Ligas Camponesas e dos sindicatos operários organizados em torno do Comando Geral dos Trabalhadores; dos estudantes, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as Uniões Estaduais de Estudantes (UEEs); das esquerdas no amplo espectro de organizações reformistas e revolucionárias; e também de prender as lideranças ligadas ao governo de João Goulart. O rompimento com a democracia representativa foi a conseqüência do golpe militar, mas os golpistas apresentaram-se, no Ato Institucional no. 1, de 9 de abril de 1964, como um movimento “revolucionário” destinado a restabelecer a democracia ameaçada pelas forças (depostas, presas, perseguidas, exiladas e assassinadas)

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genericamente denominadas de “subversivas” mas a serviço do “comunismo” que ameaçava tomar o poder, sem ter de sujeitar-se completamente aos limites institucionais-legais desta democracia, principalmente a Constituição de 1946. Desde o início ficou claro para a burguesia que os militares eram os mais aptos a cumprir este papel. Entretanto, uma coisa é derrubar uma ordem política tida como ameaça à dominação burguesa, outra é substituí-la com suas próprias forças e sem a iniciativa política dos representantes diretos ou civis daquela classe. De um lado, a unidade do Alto Comando estava marcada por um consenso provisório entre várias facções militares e, por outro, os comandantes haviam assumido o compromisso de restabelecer a democracia mediante a prévia “limpeza” dos comunistas, peleguistas ou “populistas”. A pressão dos representantes civis da burguesia, ávidos em retomar as rédeas do poder, obrigou o novo regime a admitir, entre 1964 e 1965, os partidos existentes à direita do espectro político e a usar a legislação vigente antes do golpe, como a Lei de Segurança Nacional de 1953 e a Constituição de 1946, emendada apenas pelo Ato Institucional n. 1. Examinaremos, portanto, o processo da formação da ditadura militar – e da resistência que lhe foi oposta – como resultado das contradições de classes, entre e intra-classes, característica de uma sociedade de uma complexa sociedade de base capitalista; em decorrência, apreciaremos as constantes oscilações desse processo, vislumbrando as recusas, as concessões, as medidas parciais e as formas de muitas vezes contornar problemas sem atacá-los diretamente. De acordo com esta perspectiva de análise histórica, estabelecemos os seguintes pressupostos: a) o movimento golpista implicou uma reinterpretação do passado imediato e, para justificar a repressão desencadeada teve de criar a figura de crimes ideológicos; b) as limitações institucionais-legais da conjuntura afetaram a amplitude da repressão; c) a percepção política da conjuntura propiciou a resistência, tanto no plano sindical como político. Metodologia Adotamos os procedimentos de análise histórica com uso de fontes textuais de pesquisa constituídas pelos acervos da polícia política, constante no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro; da 67ª Delegacia de Polícia Civil de Petrópolis, no Arquivo Histórico do Museu Imperial; da imprensa petropolitana, no Arquivo Municipal; das atas das sessões da Câmara dos Vereadores de Petrópolis, no Arquivo da mesma instituição; do Projeto Brasil Nunca Mais; da Associação em Defesa dos Mananciais do Alcobaça (ADMA), detentora do acervo do Centro Cultural Wilma Borsato Costa/Museu de Cascatinha, composto, dentre outra documentação, de mais de 3.000 fichas de empregados da Companhia Petropolitana de Tecidos.

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Resultados e discussão 1. A região serrana – entre as cidades de Petrópolis e Três Rios – foi, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, o epicentro de um confronto que acabou por não acontecer. Na noite de 31 de março, tropas do 1º Batalhão de Caçadores (Batalhão Dom Pedro) desfilaram pelas ruas de Petrópolis em direção à estrada União e Indústria, deslocadas para enfrentar os golpistas e defender o governo Goulart. O dia 1º de abril foi, talvez, um dos mais febris e angustiantes da história contemporânea do Brasil. Enquanto as tropas do 1º. BC mantinham posição em Três Rios com o objetivo de paralisar a movimentação dos golpistas mineiros e aguardar a chegada do Regimento Sampaio (1º Batalhão de Infantaria Motorizada, de Duque de Caxias), no alto da serra, dirigentes sindicais mobilizavam-se, cedo de manhã, para fazer piquetes nas fábricas, em resposta à convocação de greve geral feita pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e conclamada por nota do Conselho Sindical de Petrópolis. De acordo com as memórias de Bomtempo (2006), dada a gravidade da situação nacional, o prefeito Flávio Castrioto convocou vereadores, sindicalistas e representantes das classes patronais para uma reunião no seu gabinete. É importante destacar, com base em notícia divulgada no Jornal de Petrópolis no dia 2 de abril de 1964, as diferenças de posição entre os sindicalistas e os políticos. O Conselho Sindical, presente na reunião, leu a nota que o Prefeito não quis assinar, na qual se propunha: a paralisação geral de todas as atividades industriais; a manutenção dos serviços públicos essenciais e do comércio de gêneros, inclusive farmácias, leiterias e padarias, em pleno funcionamento; a integração de todos os meios de comunicação numa cadeia nacional da legalidade – plano a ser executado por uma comissão dos sindicatos em conjunto com a Prefeitura e a Câmara dos Vereadores. De acordo com o cronista João Francisco (Jornal de Petrópolis, 10/04/64: “O Prefeito nos acontecimentos do dia 1º de abril”), o chefe de polícia da cidade tinha ordens expressas do secretário de segurança do estado, Herval Basílio, para não reprimir os piquetes. Alguns pontos da nota do Conselho merecem destaque: em primeiro lugar, apesar de se colocar a reboque do governo municipal do ponto de vista do encaminhamento das medidas propostas, os dirigentes sindicais propunham a greve geral em defesa do governo de Goulart e contra o golpe, mas neste aspecto se distinguiam da orientação do CGT para quem a paralisação deveria afetar apenas os transportes públicos. A nota sugere o entendimento de que se tratava de um equívoco, uma vez que impediria a mobilização dos operários. Em contraposição, a nota de Castrioto publicada no Jornal de Petrópolis de 02-04-64 sob o título “Comunicado ao povo” – que, aliás, vem ao lado da manifestação do

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Conselho Sindical – e, apesar de mencionar “a totalidade dos Sindicatos de Trabalhadores de Petrópolis”, não contém nenhuma assinatura destas organizações. A diferença de conteúdo é clara: o governo assume um plano para garantir a tranqüilidade da população. Ao recusar-se a assinar a nota do movimento sindical, Castrioto teria assumido uma posição “firme”, “serena” e “equilibrada” para evitar “baderna e agitação nas ruas”, de acordo com o cronista Celio S. Thomaz (Jornal de Petrópolis, 7/04/1964) e de atuar “em favor da ordem e da tranqüilidade da família petropolitana”, conforme manifesto da Associação Comercial e Industrial de Petrópolis publicada no mesmo jornal em 14 de abril de 1964. É sintomático que a primeira-dama, Heloisa Castrioto, em nota assinada em 4 de abril e publicada no dia seguinte no Jornal de Petrópolis, informava ter sido apenas uma das organizadoras da Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade acontecida em 2 de abril na Guanabara, citando nominalmente Ana Maria Derickson, Renée Lamonier, Léa Fontenelle, Dayse Dale, Nelly Rubinstein e Sara Levi. Como a maioria dos políticos da situação, Castrioto e Bomtempo faziam jogo duplo, a favor e contra o governo Goulart, na expectativa de sobrevivência política. É o que se pode inferir da análise da lista dos doadores da Marcha que partiu de Petrópolis, publicada no Diário de Petrópolis de 14 de maio de 1964, na qual representam as maiores contribuições em valores absolutos:

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As prisões em massa começaram a partir do dia 2 de abril de 1964 e se prolongaram até meados de 1966: mais de uma centena de dirigentes e ativistas sindicais, vereadores vinculados à classe trabalhadora e lideranças de esquerda (Partido Socialista Brasileiro (PSB), do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dos Grupos dos Onze). De acordo com as memórias de Bomtempo, uma parte das prisões nos idos de abril aconteceu na ambulância do sindicato dos têxteis confiscada pela polícia política, então praticamente representada por Wilson Madeira. Mas também pelo 1º. Batalhão de Caçadores, cujo comandante, aliás, transformou a prisão de Floreal Garcia, membro do Comitê Municipal do PCB e figura de expressão pública em Petrópolis, em ato político de grande repercussão local ao mandar as tropas cercar o edifício onde funcionava o escritório de contabilidade dele. Do ponto de vista criminal, as prisões ocorriam sem ordem escrita e sem motivo específico. A justiça, porém, logo depois, formalizava a sanha repressiva com a decretação das prisões preventivas, baseadas na legislação de segurança nacional então vigente, a Lei no. 1.802, de 5 de janeiro de 1953, assinadas pelos juízes Antonio Neder e Paulo Gomes da Silva na 3ª Vara Criminal que funcionava no antigo Fórum de Justiça de Petrópolis. No dia 3 de abril a imprensa noticia a substituição do tenente coronel Kerenski Tulio Mota no comando do 1º. BC pelo tenente coronel Antonio Ferreira Marques. A troca de comando devia-se ao fato de Kerenski ter agido em favor da legalidade, na defesa do governo de Goulart contra a rebelião liderada por Olimpio Mourão. O mesmo se passou em todo o país, incluindo a prisão e tortura de sargentos, cabos e mesmo de altos oficiais, como a do Almirante Aragão, que perdeu um olho nesse processo que, no caso dele, duraram quatro meses. A nova ordem se apresentava como uma “revolução” contra a democracia representativa “conspurcada” pelos interesses dos trabalhadores – e de, fato, tal justificativa se fazia necessária para declarar nula toda a ordem política e jurídica vigente até a véspera e fazer proceder das próprias Forças Armadas o poder de instituir e aplicar novas leis ou “poder instituinte autonomeado” como expressa o Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964. A onda repressiva ganhou espaço na imprensa petropolitana nos primeiros dias de abril, em meio à euforia dos vitoriosos e o medo dos derrotados. No dia 7 de abril o Jornal de Petrópolis estampa no alto da primeira página a informação “Novas prisões realizadas” e, abaixo, a matéria “As forças mineiras do general Murici foram ovacionadas”. Esta matéria refere-se à comemoração dos vitoriosos quando do retorno das tropas mineiras vindas da Guanabara, de passagem por Petrópolis. O povo petropolitano estava representado por uma “Comissão de Senhoras que idealizou e realizaram a Marcha da Democracia, com Deus e pela Liberdade, autoridades civis, militares e eclesiásticas, além de contingentes de alunos de todas as classes”.

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O processo tomou um caráter público na cassação dos mandatos dos vereadores vinculados à legenda do Partido Socialista Brasileiro e à Frente de Mobilização Popular promovido pela Câmara Municipal entre 17 de abril e 3 de maio de 1964, estando os cassados na condição de presos ou foragidos. Ou seja, sem defesa. A instrução do processo teve informações encaminhadas pela polícia política sem provas materiais, com apoio do comandante do 1º. BC, demarcando a intenção de excluir politicamente os representantes dos trabalhadores. Deve-se registrar que a cassação teve a unanimidade dos votos dos presentes e justificativa favorável à mesma dos ausentes. Nesse contexto de violência, o fechamento do ramal Vila Inhomirim–Três Rios da Estrada de Ferro da Leopoldina imediatamente após o golpe de 1964 levou à demissão e aposentadoria dos ferroviários, desorganizando a mais importante categoria do movimento dos trabalhadores de Petrópolis, cujo sindicato já estava sob intervenção e com a liderança presa. 2. Um levantamento inicial na documentação nos acervos acima apontados permitiu registrar um total de 175 nomes de pessoas detidas e presas no período de 1964 a 1966. De acordo com o Diário de Petrópolis de 19 de março de 1966, um total de 118 pessoas haviam sido presas e 400 ouvidas pela polícia. A estimativa para o período 1964-66 aproxima-se do número de detenções e prisões registrado e estudado até o momento. A repressão era articulada localmente entre o DOPS como setor da polícia civil (67ª DP), o 1º. Batalhão de Caçadores (Batalhão Pedro II) e a 3ª Vara Criminal, mantendo tal estrutura um vínculo de comando com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e encaminhamento processual junto a 1ª Auditoria Militar da 1ª Circunscrição Judiciária Militar. O desencadeamento das prisões não seguia o procedimento legal, pois não se fazia com base em mandatos e acusações formais. Wilson Madeira, o chefe do setor do DOPS em Petrópolis, dispunha de uma vasta documentação a respeito da atuação do PCB para prender os militantes pelo seu passado – e que os tipificava como criminosos ideológicos – e arrancar as confissões necessárias para provar estarem agindo contra a ordem instituída ou a “Revolução de 1964”, seja nas dependências da 67ª D.P., seja no DOPS, em Niterói. Como assinalado, a tentativa de resistir ao golpe militar passou a ser base da prova que os termos de declaração dos presos confirmavam sob a ameaça de tortura. Havia aqueles encaminhados para Niterói que sofreram de fato torturas físicas, como os dirigentes sindicais Alencar Thomaz Gonçalves, dos têxteis, e Saturnino da Silva, dos ferroviários, assim como o vereador José de Araujo Aranha, de acordo com as memórias de Bomtempo (2006) e os testemunhos prestados à Comissão Municipal da Verdade a partir de 2015. Um exemplo flagrante de criminalização ideológica pode ser constatada na comparação dos boletins de Ismael Galdino, detido no local de trabalho (Companhia Petropolitana) e conduzido à Delegacia pelo Sargento Ivair, em 28 de abril de 1964. Um está manuscrito e a prisão, ocorrida às 13:30 horas, tem por motivo a denominação “comunista”; outro, datilografado, com o registro às 15:30 horas,

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registra o motivo da “averiguação ideológica”, deixando patente a orientação do setor do DOPS no tocante à redação do boletim do preso. (APERJ. Ismael Galdino. Prontuário policial 21.070)

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Mas as pressões contra as torturas que começavam a mobilizar até mesmo os apoiadores do golpe, principalmente na imprensa e na Igreja Católica, obrigaram a ditadura militar a instaurar processos formais de acusação. Uma parte dos acusados foi inclusive desqualificada para ser julgada pela Auditoria Militar, tendo o juiz imposto a sua soltura. Ainda assim, prisões ilegais, a tortura e os desaparecimentos temporários, por vários meses, atingiram militantes como Fabrício Alves de Quadros e Nelson Corrêa de Oliveira, membros do Comitê Municipal do PCB. No caso de Fabrício, de acordo com testemunho de seus familiares, findo o prazo de duração do mandato de prisão preventiva, ele havia se apresentado na 3ª Vara Criminal da Justiça de Petrópolis. Liberado para responder ao processo em liberdade pelo juiz, na saída foi seqüestrado pela polícia política e conduzido ao DOPS em Niterói, onde permaneceu preso durante aproximadamente três meses. Nelson Corrêa de Oliveira, após solto, desapareceu da cidade por longos anos, dada a ameaça que pairava sobre a segurança de sua família. O caso de Pedro Lopes Neves, também dirigente comunista, retrata o quadro da opressão com a marca do assassinato, pois ele falecera em decorrência das torturas, fato reconhecido por um informante do Departamento de Policia Política e Social da 11ª região policial (serviço secreto) que aqui transcrevemos: Ilmo Sr. Diretor Chefe de Seção Cumpre-nos informar a V.Excia, e dando sequência à correspondência da semana próxima passada, que o Sr. Pedro Lopes Neves, chamado PEDRINHO, comunista fichado, e implicado em IPM, faleceu no dia 17 de julho de 1966, internado no Hospital Santa Tereza, e depois terminado seus dias e momentos, em sua casa, à Rua Dr. João Braga, também considerada Rua Aldo Tamancoldi, no Alto da Serra. Ex-funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina, exercia o cargo de foguista ou maquinista, e sua morte foi ocasionada por abcesso, já antigo, e agora supurado. Sua morte constrangeu seus colegas de ofício, tendo o Sr. OSMAR PEREIRA, braço direito do Sr. Saturnino Silva, e do próprio morto, dito que – “Este a polícia não precisa mais maltratar, e também depois da vida que tivemos na delegacia, outro não poderia ser o seu fim. Petrópolis, 20 de julho de 1966.” (Arquivo Histórico do Museu Imperial. Acervo da 67ª D.P.) A par de lançar mão de registros do passado para instruir processos de prisão, interessava aos órgãos de repressão política o papel que alguns militantes do PCB poderiam ter na resistência armada ao regime que, imediatamente após o golpe, envolveu o nome e a influência de Leonel Brizola. Na documentação relativa a Fabrício Alves de Quadros produzida pelo Setor do DOPS em Petrópolis e reproduzida pelos órgãos de informação das Forças Armadas consta que teria retornado do Uruguai para o Brasil onde teria estado asilado até aquele momento. Assim, no Informe no. 170/EMAER, de 14 de maio de 1965, da Subchefia de Operações e Informações da Aeronáutica, 2ª Seção, registra-se:

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FABRICIO é homem muito vinculado a LEONEL BRIZOLA e a ELISEU TORRES. A sua saída de Montevidéu precedeu de alguns dias a prisão de dois uruguaios (...) investigando um contrabando de armas que envolve ELISEU TORRES e sua mulher. É elemento importante no dispositivo contra-revolucionário. (APERJ. Fabrício Alves de Quadros. Secreto/Notação7/Dossiê 2/folhas 86-87) Dois anos mais tarde surgia uma “esquerda armada” a partir de cisões no PCB, com destaque para a ALN e MR-8. A influência cubana sobre estas organizações, tendo por marco a fundação da Organização Latinoamericana de Solidariedade (OLAS), realizada em Havana de 31 de julho a 10 de agosto de 1967, expressa-se tanto no apoio material e no treinamento militar, como na orientação estratégica e tática, especialmente quanto ao papel da guerrilha. A importância conferida pela polícia política aos membros do Comitê Municipal do PCB em Petrópolis deve-se, no curso do ano de 1967, à crise política do partido que poderia representar uma reorientação estratégica no sentido da luta armada. É o que se destaca na Informação 132, abaixo reproduzida:

Vale ressaltar que, por iniciativa da SSP-RJ, vários delegados e comissários, inclusive de Petrópolis, foram treinados por agentes norte-americanos especialmente destacados para este fim por meio do chamado “Ponto IV”. Esta denominação que remete ao quarto ponto do discurso do Governo Truman sobre a ajuda aos países da América Latina iniciados em 1950 sob a coordenação da International Cooperation Administration (ICA), foi continuada depois pela United States Agency for International Developmnent (USAID), a partir de 1961. 3. Aos poucos, porém, a oposição à ditadura militar começou a se fazer sentir também do ponto de vista das suas próprias bases de sustentação. Uma parte expressiva dos representantes civis da burguesia, a exemplo de Juscelino Kubitscheck e de Carlos Lacerda, apoiou o golpe militar apenas para liquidar com as pretensões do trabalhismo em manter-se no governo, de modo a recuperá-lo na eleição presidencial agendada para 1965. Nos municípios a hesitação dos governantes entre legalismo e golpismo propiciou uma sorte de adesismo de última hora considerado suspeito pela polícia política. O oportunismo político entrou na mira da repressão política, com investigações e organização de provas, de modo a conseguir cassações e impugnações. Foi o que aconteceu em 1966, quando prefeito e seu sucessor foram cassados com

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base no Ato Institucional no. 2. A indicação de um interventor ainda estava limitada pelas regras da legislação vigente, de modo que teve de convocar nova eleição. A subseqüente tentativa da polícia política em impugnar candidatura aparentemente vinculada a um dos depostos fracassou diante da tragédia provocada pelo suicídio de um candidato a vice-prefeito em Petrópolis e acabou por provocar divergências dentro do aparelho de repressão. 4. Após a repressão desencadeada contra o movimento sindical – com prisões, torturas, perseguições e humilhações durante os anos de 1964 a 1965 – os operários retomaram suas lutas. Praticamente defensivas, pelo pagamento de salários atrasados e direitos descumpridos pelos patrões, refletindo a continuidade da crise econômica desencadeada em 1962 e que se aprofunda com a política econômica da ditadura militar, trata-se de greves que alcançaram dimensões maiores como no caso da greve geral dos operários da Companhia de Tecidos Petropolitana, de caráter legal, ocorrida entre 1966 e 1967. Em 26 de março de 1966, na matéria “América Fabril vai pagar operários”, o jornal Diário de Petrópolis dá conhecimento de um confronto entre operários e policiais, com vários feridos em ambos os lados. Pouco depois uma situação semelhante acontece na Companhia Petropolitana. Na matéria “Princípio de greve em Cascatinha” (Diário de Petrópolis, 07 de junho de 1966) informa-se sobre a paralisação das atividades da fábrica em decorrência da suspensão de um empregado. A Rádio Patrulha, apesar de chamada a intervir, não pode agir devido a ação dos operários. Com a chegada do reforço e da polícia civil, inclusive do chefe do DOPS, Wilson Madeira, a situação poderia ter evoluído para o confronto não fosse a mediação do comissário Milton Moraes, aceitando os operários a retomar o trabalho. Ainda assim, dois policiais permanecem lá a postos para prevenir qualquer ato de violência contra o Gerente da Fábrica. Ainda nesse ano consta na documentação da polícia política (Secretaria de Segurança Pública/DA/Processo no. 2257, relativo ao exercício de 1967) o registro de uma paralisação da Petrópolis Confecções S.A. e Indaiá Modas S.A. No ano de 1966, houve na confecção um movimento grevista, promovido pelas operárias, que ameaçavam depredar os vidros e máquinas por atraso de pagamento. O processo avança no ano seguinte, com reclamações apresentadas pelo advogado Wagner Rodrigues sobre demissões, coação e perseguições da “polícia feminina”, bem como de denúncias de máquinas sendo retiradas pela empresa à noite. Em Petrópolis também ocorreram manifestações estudantis, principalmente em sinal de protesto contra a violência policial que matou o jovem Edson Luiz de Lima Souto, no meio da repressão a uma passeata-relâmpago contra a alta do preço e a má qualidade da comida no restaurante do Calabouço. Reunidos na Universidade Católica de Petrópolis, os acadêmicos de Direito, de Engenharia e de Filosofia decidiram entrar em luto oficial por 3 dias (Jornal de Petrópolis, 30/03/1968). Numa passeata marcada para as 18 horas, os estudantes

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universitários deparam-se com o delegado Péricles Gonçalves, chefe da 11ª Região Policial que pondera “a inoportunidade da passeata, mesmo porque não estava devidamente autorizada” (Diário de Petrópolis, 30/03/68). Os estudantes, contudo, realizam, sob a chuva, a passeata unificada, silenciosa e de luto, com cartazes protestando contra a violência e a ditadura. Dirigem-se à Câmara Municipal e em seguida ao gabinete do prefeito Paulo Gratacós, superlotando a sala e demais dependências. A pedido dos estudantes, o prefeito decreta luto oficial por três dias na cidade (Diário, 30/03/68). Fato é que o episódio trágico do restaurante do Calabouço precipita as manifestações massivas dos estudantes em todo o país. As manifestações são interpretadas pelo governo do general-presidente Costa e Silva como uma contestação à ordem. No dia 3 de abril, o Jornal de Petrópolis publica “A continuarem as agitações o Governo iria ao sítio”. As tropas do I Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em apoio à Polícia Militar, controlam as ruas do centro do Rio de Janeiro. Considerações finais A agudização política dos conflitos de classe, protagonizadas pela classe média no começo de 1968 e pela classe operária nas greves de Contagem e de Osasco, em abril e em julho do mesmo ano, é interpretada como uma ameaça que precisa ser erradicada (trata-se dos “inimigos do povo”, no dizer do delegado Péricles Gonçalves). Até mesmo a oposição liderada por Carlos Lacerda sofre com a proibição de funcionamento da Frente Ampla em 5 de abril, proscrita por uma portaria do Ministério da Justiça. A queda do 30º. Congresso da UNE, em Ibiúna (SP) e a prisão de Vladimir Palmeira em outubro, entretanto, dramatizam a derrota do movimento estudantil. O controle cada vez maior da vida social é praticado pela polícia política, inclusive em Petrópolis, como se pode constatar nos pedidos feitos à Prefeitura, de encaminhar a relação dos edifícios existentes, nomes dos proprietários dos apartamentos, número total de andares e elevadores de cada edifício (Of. 23/68, de 23/04/68. Acervo da 67ª DP/Museu Imperial) e a relação dos endereços e números de alunos matriculados nas Faculdades existentes (Ofício n. 37/68- S.A., de 12/07/1968. Idem) Tudo antecipa a decretação do Ato Institucional no. 5, de 13 de dezembro de 1968, iniciando um longo de período de “paz social” imposta pela força sistemática, uma paz de cemitério. Bibliografia Bomtempo, Rubens de Castro. Estação Petrópolis: memórias de um médico que não perdeu o bonde da história. Rio de Janeiro: Desiderata & Memória, 2006. Duarte, Leila Menezes e Araujo, Paulo Roberto Pinto de. A contradita. Policia Política e comunismo no Brasil, 1945-1964. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2013.

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Dreifuss, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 3aed. Petrópolis: Vozes, 1981. Motta, R P S. Modernizando a repressão: a USAID e a polícia brasileira. Revista Brasileira de História, v. 30, n. 59, p. 237-266, 2010. __________. O ofício das sombras. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte: APM, ano XLII, n.1, jan.-jun. 2006, p.52-67. Negro, Antonio Luigi. A história como processo: revelando aspectos da prática policial no período democrático brasileiro (1945-1964). In: Bohoslavsky, Ernesto, Caimari, Lila y Schettini, Cristiana (org.), La policía en perspectiva histórica. Argentina y Brasil (del siglo XIX a la actualidad), CD-Rom, Buenos Aires, 2009. Disponível em http://www.crimenysociedad.com.ar/files/submenu5-item4.html Partido Operário Comunista. Informe Nacional no. 13 – julho de 1969: Formação e natureza da ditadura militar: subsídio para análise das perspectivas da luta de classe no Brasil. Acervo Victor Meyer. Disponível em http://centrovictormeyer.org.br/polop/documentos-basicos/ Relatório parcial do Grupo Pró-Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis: “uma voz que não quer calar.” Petrópolis, 2015, 70 p. Stotz, Eduardo Navarro. As faces do moderno Leviatã. Versão do capítulo do livro “Vinte Anos de Resistência: Alternativas da Cultura no Regime Militar”, organizado por Maria Amélia Mello, publicado em 1986 no Rio de Janeiro pela editora Espaço e Tempo. Disponível em http://cmvpetropolis.org/publicacoes-e-pesquisa/ ________. Memória coletiva dos militantes de esquerda. Versão do capítulo "Tantas ilusões perdidas: memória dos militantes de esquerda" publicado no livro A Deformação da História ou Para Não Esquecer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, de autoria de José Luiz Werneck da Silva. Disponível em http://cmvpetropolis.org/publicacoes-e-pesquisa/

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