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ISSN 1983-828X | Revista Encontros de Vista - oitava edição Página 74
A ESCRITA ACADÊMICA NA ÁREA DE FÍSICA: MODALIZAÇÃO E
EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE1
Severino Rodrigues 2
Diego Alexandre 3
RESUMO: Apesar de a modalização estar presente tanto nos estudos linguísticos quanto nos estudos
lógicos, a ciência da linguagem parece caminhar mais sobre essa área. Nela, propõe-se a analisar apenas
as marcas explícitas que imprimem o posicionamento do sujeito frente ao que enuncia, os chamados
modalizadores (NEVES, 2006). Neste trabalho, nosso objetivo central é observar como os autores-
pesquisadores do discurso acadêmico do curso de Física exprimem a sua presença nos três gêneros dos
principais degraus da formação universitária: monografias de conclusão de curso, dissertações de
Mestrado e teses de Doutorado. Para tanto, nosso aporte teórico parte de leituras acerca, sobretudo, da
Linguística da Enunciação (Flores e Teixeira, 2008) e da modalização seguindo as categorias gramaticais
de Neves (2006; 2011).
PALAVRAS-CHAVE: Discurso científico; modalização; subjetividade.
RESUMEN: Apesar de la modalización estar presente en los estudios lingüísticos y en los
estudios lógicos, la ciencia del lenguaje parece caminar más sobre esa área. En ella, se propone a analizar
lar marcas explícitas que imprimen el posicionamiento del sujeto frente al que enuncia, los conocidos
modalizadores (Neves, 2006). En este trabajo, nuestro principal objetivo es observar como los autores-
investigadores del discurso académico del curso de Física expresan su presencia en tres géneros de las
principales etapas de la enseñanza universitaria: las monografías, las disertaciones y las tesis. Para eso,
nuestro enfoque teórico por parte de la lectura, sobre todo, de la lingüística de la enunciación (Flores
y Teixeira, 2008) y de la modalización según las categorías gramaticales de Neves (2006; 2011).
1. Introdução
Mikhail Bakhtin (2003) aponta que as Ciências Humanas e as Ciências Exatas
apresentam como objetos de estudo o ser expressivo e falante e a coisa muda,
respectivamente. No que diz respeito ao objeto das Ciências Exatas, caberia apenas um
olhar objetivo e a produção de enunciados referentes a ele seria limitada, uma vez que,
nesse caso, não há um diálogo de consciências (há um sujeito que se volta para um
objeto mudo ideologicamente). Nas Ciências Humanas, diferentemente, os autores
travam permanentes diálogos com outros textos e, assim sendo, na ilimitada produção
de enunciados, materializa-se a heterogeneidade de vozes, a plurivocalidade discursiva.
Aclarando essa ideia, Rodrigues e Luna (2010) afirmam que nas Ciências Exatas “o
autor volta-se para o seu objeto numa ação unilateral porque esse objeto é acabado e
completo, ou seja, ao pesquisador é possível contemplá-lo em sua totalidade, em um
estado específico” (p. 295). Essas variadas maneiras de se debruçar sobre o material de
estudo afetam, consequentemente, a escrita das pesquisas desenvolvidas nessas duas
áreas.
1 Este artigo é resultado das pesquisas do projeto Autoria e Discurso Científico, coordenado pela Profa.
Dra. Siane Gois Cavalcanti Rodrigues, do Departamento de Letras, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
2 Bolsista Voluntário do Programa de Iniciação Científica (PIC/CNPq/UFPE).
3 Bolsista Voluntário do Programa de Iniciação Científica (PIC/CNPq/UFPE).
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No presente trabalho, buscamos observar como os pesquisadores do curso de
Física exprimem seu posicionamento, como autores de seus próprios textos, através da
análise das marcas modais encontradas nos gêneros produzidos pelos três diferentes
degraus da formação acadêmica: monografias de conclusão de curso, dissertações de
Mestrado e teses de Doutorado.
Ainda que muitos sejam os pesquisadores que trabalham com a questão dos
modalizadores, seguiremos a definição e as categorias gramaticais apresentadas por
Neves (2006; 2011), além de levarmos em consideração a língua enquanto fenômeno
enunciativo.
Quando falamos em enunciação, devemos ter em mente que estamos abordando
a linguagem em uso e o sujeito nos estudos linguísticos. Embora observemos diferentes
teorias enunciativas, cada uma com suas peculiaridades, não podemos negar a existência
de um campo de estudo com questões, mais ou menos, homogêneas.
No Brasil, as pesquisas linguísticas, nesse domínio, sofreram –e ainda sofrem–
forte influência dos estudos de linha francesa. Apresentaremos, com base em Flores e
Teixeira (2008), os principais teóricos que contribuíram para o desenvolvimento da
Linguística da Enunciação, a fim de compreender a formação do pensamento
enunciativo da linguagem.
Segundo Teixeira e Flores (2008), o pós-saussuriano Charles Bally é apontado
como seguidor das ideias de Ferdinand de Saussure e, também, como formador de uma
nova estilística. Para os pesquisadores, o primeiro rótulo é bastante redutor, pois não
leva em consideração o fato de que Bally foi o primeiro a voltar seu pensamento para a
enunciação; e o segundo, causador de enganos.
Bally estuda a estilística da língua francesa, mais pautada no idioma e não,
exatamente, na literatura ou nos autores. Para ele, as questões de estilística deveriam ser
observadas de maneira descritiva largando, assim, o modelo normativo. Elabora,
também, uma linguística da fala, ao considerar que a linguagem expressa os
pensamentos e as emoções apontando, logo, para um estudo da língua que vai além do
exame do enunciado em si, mas que abarca o momento enunciativo.
Flores e Teixeira (Idem, p. 16) afirmam que a estilística de Bally “é um estudo
que busca, na investigação dos processos linguísticos por intermédio dos quais o falante
se expressa, dar conta do caráter coletivo da expressividade linguística”. Como pós-
saussuriano, o teórico francês não deixa de ser influenciado pelas dicotomias de
Saussure, no entanto, utiliza-as para a análise que faz da língua viva, em uso.
Os pesquisadores ressaltam que Bally se preocupava com questões referentes ao
ensino da língua materna e acrescentam que a contribuição das questões estilísticas
estaria no fato de que não aborda as noções de “certo” e “errado” nos processos de
aprendizagem.
Roman Jakobson publicou um grandioso número de artigos e livros, mais de
seiscentos, por isso Flores e Teixeira (2008) tratam da impossibilidade de apresentar
esse teórico em breves linhas, já que delimitações seriam necessárias e acabariam
resultando num reducionismo inevitável. Jakobson explorou inúmeros temas como a
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crítica literária, o folclore, a patologia de linguagem, a poesia, dentre outros. Entretanto,
limitaremos nosso estudo ao entendimento das funções da linguagem e dos shiferts.
Jakobson pode ser considerado um dos primeiros linguistas a pensar sobre as
questões da enunciação, porque sua teoria das funções da linguagem e seu
trabalho com os shiferts são algumas das primeiras sistematizações que se
tem em linguística sobre o lugar do sujeito na língua. (Ibidem, 22).
Flores e Teixeira (Ibidem, p. 22) pontuam que o psicólogo alemão Karl Bühler
foi o primeiro a trabalhar com as funções da linguagem, antes de Jakobson. O teórico
alemão, contudo, só abordava três funções: a representativa (mundo ou conteúdo da
mensagem), a apelativa (centrada no locutor) e a expressiva (com foco no destinatário).
Jakobson, além de renomear essas três, designando-as agora de referencial, expressiva e
conativa, acrescenta outras: a metalinguística, a poética e a fática. Os cernes delas
correspondem, respectivamente, ao código, à mensagem e ao contato.
Os pesquisadores observam que a teoria das funções da linguagem, de Roman
Jakobson, abarca noções de uma Teoria da Comunicação e uma visão da língua
enquanto código. Mas, apesar disso, asseveram que o modelo proposto por Jakobson, ao
levar em conta a fala, apresenta, mesmo que de modo indireto, o sujeito falante. Seria
com o estudo dos shiferts que o linguista da comunicação realizaria um estudo mais
pautado dentro do domínio enunciativo.
Como afirmam Flores e Teixeira (2008), Jakobson observa quatro diferentes
associações entre código e mensagem, embasados, todavia, na Teoria da Comunicação.
É possível verificar as seguintes relações: M/C, M/M, C/M, C/C. Respectivamente,
correspondem a mensagem e código; mensagem e mensagem; código e mensagem;
código e código.
Émile Benveniste é, reconhecidamente, o linguista da enunciação. Segundo
Flores e Teixeira (2008, p. 29), ele elaborou um método de análise da língua com ênfase
na enunciação numa época em que o estruturalismo atingia seu auge no campo da
ciência da linguagem. Mas, vale ressaltar que, no estruturalismo, o sujeito enunciador é
colocado à parte e que um dos critérios dessa análise corresponde à observação da
repetibilidade das unidades linguísticas da língua. Como a enunciação abarcava
aspectos contextuais, os estruturalistas acreditavam “que abordá-la era dar lugar a
fenômenos extralinguísticos, exteriores ao sistema, logo, sem pertinência para uma
visão estrutural da língua” (p. 30).
Para Benveniste, o sujeito enunciador e a estrutura estariam interligados. Ao
passo que insere uma nova maneira de estudar a língua levando em consideração a
questão da subjetividade, ele ainda mantém características da língua tratadas por
Saussure, a exemplo, estrutura e signo. No entanto, não devemos pensar que o linguista
francês seja um seguidor extremado das ideias saussurianas, porque sua teoria inaugura
um novo pensamento na Linguística.
A fim de ratificar esse posicionamento teórico de Benveniste, Flores e Teixeira
(2008), partindo da leitura de alguns dos seus principais textos, destacam as seguintes
abordagens do teórico francês: no que tange à (inter)subjetividade da língua, ele observa
nas palavras dois níveis de significação, um semiótico e um semântico, sendo este
marcado pela intencionalidade do locutor e aquele resultado de “valores opositivos e
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genéricos e disposto em uma organização paradigmática” (p. 31). Faz-se necessário
compreender, também, o debate que envolve as pessoas verbais em que ele opõe à 1ª e à
2ª pessoas à 3ª pessoa. Estabelecendo as correspondências de personalidade e
subjetividade. Aquela estaria apontando o ele como não-pessoa e esta indicando que a
única pessoal verbal marcadamente subjetiva seria tão somente o eu.
Disso conclui-se que, com Benveniste, a categoria de pessoa adquire outro
estatuto, porque não basta defini-la em termos de presença/ausência do traço
de pessoalidade, mas é necessário concebê-la em termos de subjetividade. O
“eu” é pessoa subjetiva; o “tu” é apenas pessoa: “Poder-se-á, então, definir o
tu como a pessoa não subjetiva, em face da pessoa subjetiva que eu
representa; e essas duas „pessoas‟ se oporão juntas à forma de „não-pessoa‟.”
Encontramos a dêixis ainda neste ponto, já que correspondem a formas
linguísticas que só podem ter seu sentido apreendido por completo quando levada em
consideração a enunciação, o contexto de elocução. Mais uma vez, a relevância dos
elementos extralinguísticos denuncia a necessidade de se estudar a língua em uso.
Teixeira e Flores (2008, p. 34) ainda asseveram que para Benveniste “a
linguagem é condição de existência do homem e como tal ela é sempre referida ao
outro, ou seja, na linguagem se vê a intersubjetividade como condição da
subjetividade”. Sendo assim, concluímos que, para o teórico francês, é inviável pensar a
subjetividade sem a intersubjetividade, porque vivemos em sociedade e numa completa
interação. Assim como a linguagem depende da língua, a subjetividade depende da
intersubjetividade.
Ao concluir a explanação sobre Benveniste, os autores fazem uma breve
introdução ao pensamento do filósofo russo Mikhail Bakhtin. Segundo Teixeira e Flores
(2008), não existe uma uniformidade de opiniões acerca do tratamento que Bakhtin dá à
língua. Para alguns, o filósofo russo rejeitaria o uso da língua de maneira abstrata, mas
bastante explorada por Saussure; já, para outros, ele tomaria a língua como aceitável
enquanto parte imprescindível para a construção do sentido do texto. Os pesquisadores
ainda apresentam uma breve discussão ao redor da autoria dos textos bakhtinianos,
porém, neste trabalho, não nos deteremos nessa questão.
Para os pesquisadores, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin
discorre sobre a língua a partir de duas perspectivas: a do subjetivismo idealista e a do
subjetivismo abstrato. Concentrando neste a sua maior crítica, nega a exclusividade de
um olhar sincrônico sobre a língua, pois se deteria apenas em signos linguísticos
dissociados da realidade concreta, da língua em uso resultando na formulação de
normas que fingiram um caráter atemporal.
Bakhtin (Voloshinov) vai mais longe em sua crítica ao acrescentar que a
consciência subjetiva do locutor não se utiliza desse sistema, que de fato “é
uma mera abstração, produzida com dificuldade por procedimentos
cognitivos bem determinados”. A proposta do filósofo é ver a língua imersa
na realidade enunciativa concreta, servindo aos propósitos comunicacionais
do locutor. Para ele, não importa a forma linguística invariável, mas sua
função em um dado contexto. (p. 48)
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Ou seja, a realidade estaria marcando essa língua de determinados modos e
inserindo nela uma carga ideológica que não poderia ser retirada sem a perda ou
prejuízo de sentido do texto.
Outro ponto que devemos ressaltar é a colocação, por Bakhtin, do sujeito como
participante ativo no processo de enunciação, visto que ele seria responsável por dar o
acento apreciativo ao sentido. Aqui o sujeito enunciador age interativamente com o
outro “sendo atribuído papel criativo no processo de composição do sentido, podendo,
por sua entoação expressiva, desestabilizar as redes instituídas” (p. 52). Dessa forma,
entendemos claramente a necessidade da presença do sujeito para que haja um
enunciado concreto, pois sem ele estaríamos diante tão somente de uma oração
descontextualizada.
Antes de passarmos aos estudos de Oswald Ducrot, que são os próximos a serem
apresentados por Flores e Teixeira (2008), faz-se necessário pontuar a concepção
bakhtiniana de dialogismo na qual não existe um enunciado original, uma vez que
estamos a todo momento, em nosso discurso, retomando palavras de outros autores, de
outros enunciadores. Permanece assim a ideia de que “no dito co-existe o já-dito” (p.
59), seja ele explicitado claramente ou não. Vale ressaltar que para o teórico russo o
diálogo não pode ser meramente interpretado como interação entre duas pessoas, mas
como um conjunto de vozes que ora estão de acordo, ora estão em discordância, num
verdadeiro embate linguístico.
As pesquisas de Ducrot concentram-se dentro de uma disciplina que pode ser
denominada tanto Semântica Pragmática quanto Pragmática Linguística. Para ele, a
Pragmática e a Semântica deveriam estar integradas de modo essencial e não acessório.
“Em sua visão, uma Pragmática Linguística teria por objeto as imagens do sujeito da
enunciação veiculadas pelo enunciado” (p. 63). Seguiremos o recorte dos pesquisadores
e abordaremos apenas duas questões dos trabalhos de Ducrot: primeiro, a teoria
polifônica; e, segundo, a teoria dos topoi argumentativos.
Em uma de suas obras, O dizer e o dito, Ducrot faz algumas definições teóricas e
metodológicas. Distingue, primeiramente, a frase do enunciado. Aquela, objeto de
estudo do gramático e denominada de significação; e este observável ao linguista, pois
abarcaria uma perspectiva histórica da língua. Seria, portanto, denominado de sentido.
Para ele, a enunciação poderia ser atribuída não apenas a um sujeito, mas a outros
sujeitos. Ocorrendo também uma diferenciação entre dois tipos. Um, o locutor, e o
outro, o enunciador.
O locutor corresponderia àquele que possui a responsabilidade pela enunciação,
ou seja, o responsável pela construção do enunciado. O enunciador seria aquele que
reproduz o enunciado do locutor sem ter com ele essencialmente a marca de sua
formulação e sendo individualizado em relação ao primeiro, por não se revelar
responsável pela produção do enunciado. Vale acrescentar que o locutor pode não
concordar com os enunciadores.
Sobre a teoria dos topoi como princípio argumentativo, Ducrot apresenta três
características, a fim de que essa perspectiva possa ser entendida. Ei-las:
1) Universalidade;
2) Generalidade;
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3) Gradualidade.
Para entendê-las, não é necessário buscar um sentido muito além do que permite
uma interpretação das próprias palavras, pois, 1) indicaria um enunciado que é
apreendido por todo o grupo linguístico que o utiliza; 2) se determinado princípio
argumentativo é válido para um certo caso, serviria igualmente para todos os outros; e
3) a possibilidade de uma crescente relação de sentidos argumentativos. Ou seja, com
evidenciam Flores e Teixeira (2006, p. 68) “a argumentação como elemento constitutivo
do sentido do enunciado pode ser traduzida, então, nos termos da teoria polifônica,
como enunciadores que evocam os princípios argumentativos que são representados no
sentido do enunciado”.
Completando o quadro de teóricos apresentados por Flores e Teixeira (2008),
encontramos a neo-estruturalista Jaqueline Althier-Revuz. Ela parte da perspectiva
saussuriana ao analisar a língua enquanto objeto próprio e considera a existência de
influências externas, mas ressalta que não se deve deixar que haja a perda do corpus de
exame da ciência da linguagem. Ao mesmo tempo, notamos que se não considera a
língua como imanente também não a observa a partir de um amplo olhar dos elementos
contextuais na sua relação com a enunciação.
Encontramos, segundo Flores e Teixeira (2008), forte filiação de Authier-Revuz
com as ideias de Benveniste. Eles validam essa proposição através da exemplificação
dos seguintes aspectos: a análise da língua e da sua propriedade reflexiva; o exame da
língua como objeto próprio, mas tendo em consideração que existem nela elementos da
ordem do discurso; e a observação das formas pessoais que denunciam a presença do
outro na língua. “A singularidade de sua abordagem deve-se ao reconhecimento de que
o campo da enunciação é marcado por uma heterogeneidade teórica, o que leva a ver
como inevitável o chamamento [...] de abordagens estranhas à linguística enquanto tal”
(p. 74). A pesquisadora francesa apresenta no artigo, publicado em 1982,
Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos para uma
abordagem do outro no discurso, as diferentes maneiras pelas quais podemos apreender
a alteridade e entender a inclusão de pontos de vistas, no estudo da língua, de campos
exteriores à linguística.
Authier-Revuz (2004) apresenta algumas maneiras através das quais o
enunciador demarca explicitamente o discurso do outro no fio do seu próprio discurso.
São inúmeros os discursos do outro que perpassam, seja mais nitidamente ou não, a voz
do sujeito; eles constituem-na. A partir desse posicionamento frente ao discurso é que a
linguista francesa trabalha com o conceito de heterogeneidade, mostrada ou constitutiva.
Para tanto, tem como embasamento teórico fundamentos do dialogismo bakhtiniano e
da psicanálise.
A pesquisadora aponta como marcas explícitas da heterogeneidade as formas
linguísticas visíveis que delimitam o discurso do outro no discurso. A exemplo, o
discurso direto e o discurso indireto. No primeiro, encontramos a voz do outro recortada
de modo integral e, no segundo, o sujeito enunciador expõe com o seu próprio
vocabulário e com a sua própria forma de constituir sintaticamente um texto a voz de
outrem. “Sob essas duas diferentes modalidades, o locutor dá lugar explicitamente ao
discurso de um outro em seu próprio discurso” (p. 12) [grifo da autora].
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Authier-Revuz trabalha com o conceito de modalização autonímica4. “Essa
modalização corresponde a “um modo dividido que opacifica o dizer, no qual o dizer
(1) realiza-se ao falar das coisas com palavras, (2) representa-se enquanto se constitui,
(3) apresenta-se, pela autonímia, em sua própria forma” (CHARADEAU &
MAINGUENEAU, 2006, p. 84).
A teórica francesa (2004) não pretende descrever com minúcias as formas que
precisam os pontos de heterogeneidade no discurso, mas enumerar apenas algumas
delas. Podendo ser quando indicamos a origem, explicamos ou traduzimos determinada
palavra ou expressão de outra língua ou de uma variante da mesma; quando buscamos
ao inquirir, diretamente ou não, o interlocutor sobre determinado vocábulo ou sentido
que pretendemos abarcar no discurso; ou quando indicamos o sentido querido da
palavra que estamos usando; ou ainda, quando denunciamos, digamos assim, o autor do
qual retiramos certas palavras, expressões, frases inteiras, pontos de vista, comentários
para constituição do nosso discurso.
A heterogeneidade mostrada também pode ser encontrada no fio do discurso.
Trata-se, segundo a autora, “das outras palavras, sob as palavras, nas palavras” (p. 18).
Seriam maneiras claras, expostas à vista, nas quais o outro estaria delimitado. O
interlocutor não deveria ignorar essas formas, mas se ater a elas para perceber o lugar de
outrem no discurso. Observamos tais expressões da atitude do falante quando apenas
um sentido deve ser buscado ou quando duas leituras imediatas se fazem necessárias
para a decodificação e compreensão do sentido de uma palavra, expressão ou segmento.
A pesquisadora francesa ainda trabalha com a questão da percepção do discurso
do outro de modo implícito:
[...] mesmo se, algumas vezes, esse implícito se impõe com a força da
evidência – entra-se novamente no caminho que, sem demarcações definidas,
conduz para onde toda sequência pode ser considerada como potencialmente
habitada por todos os jogos possíveis de serem feitos com outros
significantes, para onde se desdobram as “leituras paragramáticas”, onde se
ancorava a ansiedade de Saussure quanto à “realidade” de seus anagramas.
(p. 20-21)
Authier-Revuz afirma que não podemos passar das formas explícitas presentes
na heterogeneidade mostrada para o entendimento da heterogeneidade constitutiva, pois
seria apenas o acompanhamento, num contínuo, em que, de um lado estariam as formas
mais explícitas que denunciam o discurso do outro e, do outro, o apagamento dessas
marcas linguísticas no discurso do enunciador. Todavia, a autora ressalta que o exame
das formas também se faz imprescindível. Então, podemos concluir que o discurso do
outro é base do discurso do eu, logo o constitui, seja mostrando aquele de modo mais ou
menos demarcado nas suas fronteiras ou não.
A pesquisadora adota perspectivas teóricas que são parte do domínio de outros
campos do conhecimento e não da Linguística propriamente dita. Ei-las: o dialogismo
bakhtiniano e a psicanálise. “Sem se perder ali ou ali se diluir, permanecendo em seu
4 Apresentamos brevemente a modalização autonímica como forma de melhor explicitar o
posicionamento teórico de Althier-Revuz, no entanto não utilizaremos tal perspectiva enunciativa na
análise do corpus deste artigo.
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terreno, parece-me que a linguística deve levar em conta, efetivamente, esses pontos de
vista exteriores e os deslocamentos que eles operam em seu próprio campo” (p. 22)
[grifo da autora].
Authier-Revuz observa a heterogeneidade constitutiva a partir desses dois
olhares que, segundo ela, são exteriores ao campo dos estudos linguísticos. Em linhas
gerais, a autora pontua que o dialogismo do círculo de Bakhtin, ao levar em
consideração a interação com o outro no discurso, faz dessa mesma interação o cerne da
constituição de qualquer tipo de discurso. Assinala que a língua concreta está
perpassada pelos inúmeros discursos num “jogo inevitável de fronteiras e
interferências” (p.68) [grifo da autora]; que a palavra não se apresenta como neutra,
mas marcada também pelos inúmeros sentidos que lhe atribuíram os mais vários
discursos e, sendo assim, “o discurso se constitui, pois, por um encaminhamento
dialógico, feito de acordos, recusas, conflitos, compromissos... pelo ‘meio’ de outros
discursos;” (p. 68) [grifos da autora]; e que o discurso que o sujeito vai atribuir ao
interlocutor será determinante do conjunto dialógico do discurso que vai sendo
constituído.
A abordagem psicanalítica é desenvolvida a partir das leituras de Lacan acerca
de Freud. Para essa perspectiva, qualquer que seja a palavra, ela não se mostra apenas
ela mesma, mas como caracterizada por palavras outras. Sob a ilusão de apenas uma
voz, um discurso, temos nessa palavra várias vozes, vários discursos. Por trás dela,
esconde-se uma verdadeira polifonia que a percorre mesmo que o sujeito não a note,
pois “o discurso é constitutivamente atravessado pelo „discurso do Outro‟” (p. 69).
A autora relaciona a heterogeneidade à visão do sujeito descentralizado, segundo
a qual ele precisa manter a ideia de que é o centro do discurso e unicamente responsável
pela sua construção e constituição, como também a opinião de que pode manter uma
relação de distanciamento frente à linguagem e, por conseguinte, ao seu próprio
discurso.
Todo discurso se mostra constitutivamente atravessado pelos “outros
discursos” e pelo “discurso do Outro”. O outro não é um objeto (exterior, do
qual se fala), mas uma condição (constitutiva, para que se fale) do discurso de
um sujeito falante que não é fonte-primeira desse discurso. (p. 69).
Acrescentamos que, além de demarcar o outro presente no enunciado, podemos
denunciar a nossa presença enquanto sujeitos enunciadores, seja de forma explícita ou
implícita na nossa produção textual. A fim de explanar essa questão, baseamo-nos no
conceito de modalização a partir das leituras de Neves (2011; 2006).
Neves (2006) aponta para dois problemas principais na hora de conceituar a
modalidade. O primeiro ponto conflitante corresponde às discussões em torno da
existência ou não de enunciados não modalizados (que não apresentam explicitamente
marcas modais) e o outro seriam os limites imprecisos entre a Lógica e a Linguística. A
autora ressalta que, na tradição dos estudos dos modalizadores pela ciência da
linguagem, estudar a modalidade seria estudar as expressões explícitas que marcam a
presença do falante no seu enunciado. Dessa forma, podemos observar que as maiores
dificuldades parecem ser resultado da transferência de noções da lógica aristotélica para
os estudos linguísticos.
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Ao abordar as modalidades a partir do ponto de vista da Lógica e apresentando-
as sob o quadrado do filósofo Aristóteles, a linguista trabalha com a noção de verdade
e/ou falsidade na construção dos enunciados que foi a mesma adotada por aquele. Tal
noção parece ter influência considerável nos estudos dos modalizadores atualmente,
pois envolve as modalidades do possível e do necessário, tendo sido a partir desses
pressupostos lógicos que surgiram dois eixos, o do conhecimento e da conduta, que
resultariam nos dois principais tipos de modalidade, a epistêmica e a deôntica,
respectivamente.
Por isso, mais adiante, a pesquisadora ressalta que “falar de modalização, em
princípio, é falar de conceitos lógicos” (NEVES, 2006, p. 155), no entanto, reforça a
existência de diferenças sensíveis entre ambas as áreas, já que os lógicos não
consideram o enunciador nos estudos dos segmentos modais, deixando-o à parte,
diferentemente dos linguistas, que entendem ser a referência ao enunciador de
fundamental importância para análise de qualquer enunciado modalizado.
A respeito de todas essas questões, escreve a pesquisadora:
O problema das relações entre lógica e Linguística não é simples de ser
esclarecido, mas ninguém duvida de que seria necessário, em princípio, opor
o plano lógico-semântico ao plano da manifestação linguística. Entretanto,
embora certos linguistas tenham tentado distinguir a modalidade linguística
da lógica, as definições oferecidas trazem, na maior parte das vezes, a marca
lógica. E afinal, apesar de as línguas naturais não se comportarem de maneira
lógica, as pesquisas têm demonstrado que os domínios da Lógica e da
Linguística são inseparáveis. (p. 157).
A seguir a autora examina os diferentes tipos de modalidade. As noções de
necessidade e possibilidade estariam na base das subdivisões. A modalidade alética é a
primeira a ser apresentada, contudo, ela não é tão facilmente encontrada nas línguas
naturais. Esse tipo está intimamente ligado à Lógica, sendo nela, estudo central. “A
modalidade alética, ou lógica, está exclusivamente relacionada com a verdade
necessária ou contingente das proposições.” (p. 159). Ou seja, ela caminha pelas noções
do necessário ao impossível e estaria associada a questões de verdades relativas a
mundos possíveis. A modalidade alética não é alvo de muitas investigações. Para a
autora, isso é uma consequência do fato de os enunciados, apesar de estarem
pronunciando uma verdade teoricamente inquestionável, não virem previamente
avaliados pelo falante.
A modalidade epistêmica abarca as noções de necessidade e possibilidade
epistêmicas e as atrela ao conhecimento sobre o mundo por parte do enunciador. A
modalidade deôntica está atrelada às noções de obrigatoriedade e permissão. “A
modalidade deôntica está condicionada por traços lexicais específicos ligados ao falante
([+controle]) e, de outro lado, implica que o ouvinte aceite o valor de verdade do
enunciado para executá-lo.” (p. 160).
A linguista aponta ainda para mais dois tipos de modalidades: a bulomaica,
também denominada de volitiva, e a disposicional ou também chamada de habilitiva.
Esta se refere à capacidade, disposição ou habilidade e aquela à necessidade e à
possibilidade associadas aos anseios do enunciador. No entanto, a pesquisadora ressalva
que esses dois tipos de marcas modais corresponderiam a modalidades deônticas.
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Para o estudo dos segmentos modais encontrados no corpus do presente
trabalho, adotaremos a classificação dos modalizadores das seguintes classes de
palavras: adjetivo, verbo e advérbio, a partir da leitura de Neves (2006).
Segundo a autora os adjetivos modais5 apresentam valores semânticos
diferenciados e podem ser de modalização epistêmica ou deôntica. Os modais
epistêmicos expressam o saber e a maneira de pensar do enunciador. Ainda subdividem-
se em de certeza ou asseveração e de eventualidade. Os deônticos materializam a ideia
de necessidade por obrigatoriedade.
Os verbos modais, igualmente aos adjetivos, podem indicar tanto modalidade
epistêmica –implicam necessidade ou possibilidade – quanto deôntica – necessidade por
obrigatoriedade e possibilidade com valor de permissão. Os modais mais usados e que
exprimem tais valores são os verbos poder e dever.
Os advérbios ou as locuções adverbiais modais representam um amplo campo de
segmentos modalizadores. Para a pesquisadora (2006, p. 244):
Os advérbios modalizadores compõem uma classe de elementos adverbiais
que têm como característica básica expressar alguma intervenção do falante
na definição da validade e do valor de seu enunciado: modalizar quanto ao
valor de verdade, modalizar quanto ao dever, restringir o domínio, definir a
atitude e, até, avaliar a própria formulação linguística.
Como principais subclasses, encontramos advérbios modalizadores: epistêmicos
(asseverativos afirmativos, asseverativos negativos, asseverativos relativos),
delimitadores, deônticos e afetivos (afetivos subjetivos).
Com base nas categoriais gramaticais e nos respectivos modalizadores
apresentados por Neves (2011), analisamos nosso corpus, a fim de verificar como, por
meios das marcas modais explícitas, os pesquisadores do curso de Física denunciam a
sua subjetividade na linearidade textual de seus trabalhos.
2. Delimitando objetivos e procedimentos metodológicos
Neste trabalho, o objetivo geral é investigar, através dos modalizadores, como os
pesquisadores do discurso científico da área de Exatas, em especial do curso de Física,
denunciam sua subjetividade na linearidade textual ao longo dos diferentes degraus da
sua formação acadêmica: monografias de conclusão de curso, dissertações de Mestrado
e teses de Doutorado. Como objetivo específico, verificar se os pesquisadores, na escrita
acadêmica, fazem o apagamento de sua subjetividade ao evitar o emprego dos
segmentos modais que apontam para a sua presença ao longo do texto.
5 Neves (2011) afirma que os adjetivos podem ser encontrados nas seguintes subclasses: qualificadores ou
qualificativos e classificadores ou classificatórios. Os primeiros caracterizam de forma mais ou menos
vaga, no entanto bastante subjetiva, o substantivo. Os segundos implicam uma característica mais precisa,
indicando maior objetividade na hora de adjetivar um substantivo. Para a autora, os adjetivos modais
estariam na primeira subclasse ao lado dos adjetivos de avaliação.
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Considerados esses propósitos, em primeiro lugar, foram feitas leituras,
sumarizações e resenhas das referências bibliográficas, a fim de fornecer o
embasamento teórico necessário ao desenvolvimento da pesquisa e, depois, da análise
do corpus. Em segundo lugar, estabelecemos as noções centrais que guiariam a nossa
análise. Devido à vasta gama dos tipos de modalizadores que são objeto de estudo no
campo dos estudos linguísticos, foi realizada a delimitação das categorias gramaticais a
serem usadas, levando-se em consideração a Gramática de Usos do Português, de
Maria Helena de Moura Neves (2011).
A partir do acervo disponível para consultas da biblioteca do Centro de Ciências
Exatas e da Natureza (CCEN) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi
selecionado o corpus desta pesquisa: duas monografias de conclusão de curso, duas
dissertações de Mestrado e duas teses de Doutorado do curso de Física. Em seguida, foi
feito o recorte metodológico das seções que seriam utilizadas na análise: a introdução e
a conclusão.
Selecionado e delimitado o objeto de estudo, foi feita a sua análise, que buscou
retomar tanto a categorização dos modalizadores apresentada por Neves (2011) quanto
os conceitos teóricos abarcados na fundamentação teórica do projeto.
Todavia, não foram realizadas tabulações sobre a quantidade de determinadas
marcas modais encontradas, porque a pesquisa teve um caráter mais qualitativo do que
quantitativo. Quer dizer, procuramos averiguar como os modalizadores imprimiam o
posicionamento do autor-pesquisador no gênero científico em questão.
3. Resultados e discussão
Buscamos, na análise do corpus, mostrar como os pesquisadores do curso de
Física, nos diferentes degraus da formação acadêmica (Graduação, Mestrado e
Doutorado), marcam explicitamente seu posicionamento frente ao que enunciam. Para
tanto, examinamos a presença dos segmentos modais em três categorias gramaticais,
seguindo a classificação de Neves (2011): verbos, adjetivos e advérbios.
A seguir, contrapomos os resultados obtidos, a fim de verificar como ocorre a
marcação do envolvimento do autor com seu texto. Encontramos nas monografias uma
forte presença do verbo dever indicando necessidade deôntica, ou seja, com valor de
obrigação. Como nos exemplos abaixo:
(I) O professor deve atuar como mediador entre o aluno e o conhecimento a
ser apropriado. Deve criar condições e situações que façam o aluno pensar e
questionar, motivando-o sempre para o desejo de querer aprender sempre
mais. Deve considerar os conhecimentos prévios dos alunos, partindo deles à
busca de conhecimento. (MGF1) (Grifo nosso)
(II) Também devemos ressaltar o fato de que uma pesquisa nesse ramo não
foi objeto de nosso trabalho, apenas tivemos a intenção de gerar novas
discussões sobre um tema que se mostrou não totalmente dominado pelos
livros e professores (que os usam como fonte para preparar as aulas). (MGF2)
(Grifo nosso)
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No excerto (I), percebemos como o monografista se posiciona perante seu texto,
ao apontar atitudes que deveriam ser tomadas pelos professores na sala de aula. Com
isso, e se levarmos em consideração ainda que o texto pertence à conclusão, notamos a
tentativa do graduando de propor um caminho para a solução dos problemas observados
ao longo da sua pesquisa, que abarcava o ensino da disciplina de Física nas escolas.
Já no excerto (II), o autor da monografia revela a necessidade de deixar claro
que abordou brevemente, ou mesmo, tangencialmente um ponto da pesquisa que não era
do seu objetivo inicial. Seria, então, uma tentativa de proteger a sua face enquanto
pesquisador, a fim de que futuramente não seja cobrado por algo que não corresponde à
sua preocupação central. É interessante observar que, mais uma vez, o excerto em pauta
se faz presente na conclusão.
Também observamos, nas monografias analisadas, advérbios como
modalizadores afetivos. “Com esses modalizadores, o falante exprime reações emotivas,
isto é, manifesta disposição de espírito em relação ao que é afirmado ou negado.”
(NEVES, 2011, p. 253). A exemplo, observamos no corpus:
(III) Infelizmente, nem sempre o caminho mais fácil é o mais correto, ou pelo
menos o mais coerente. (MGF2) (Grifo nosso)
Nesse caso, a manifestação é subjetiva. Esses advérbios marcam o grau de
aproximação do pesquisador com seu texto ou com seu objeto de pesquisa. Expressam,
sobretudo, as emoções do autor.
A conclusão das dissertações do curso de Física analisadas apresenta os
resultados de forma topicalizada. Talvez, para dar um caráter mais prático e objetivo ao
texto. Vejamos:
(III) Montagem mecânica do laser de diodo: conclui-se, após os cálculos
realizados nos controladores de corrente e temperatura, que a montagem
mecânica deve estar limitando a medida da largura de linha do laser de diodo,
sugerindo assim, a confecção de uma montagem mecânica mais apropriada
para o experimento. (DMF1) (Grifo nosso)
(IV) Fabry-Perot: como foi demonstrado, a largura de linha teórica do
Fabry-Perot é de dv = 19,2 M H z. Entretanto, devido a instabilidades
mecânicas, falta de isolamento térmico e imperfeições nos espelhos pode
estar limitando a medida da largura de linha do laser de diodo também.
(DFM1) (Grifo nosso)
Notamos aqui a tentativa dos pesquisadores de preservarem o seu ethos ao
modalizarem significativamente as suas asserções, evitando asseverações. Nos excertos
III e IV, o sujeito enunciador utilizou os verbos poder e dever com valor de
possibilidade epistêmica. Ou seja, a partir das análises utilizadas na pesquisa, o autor
aponta os possíveis responsáveis pelos problemas encontrados, o que pode indicar que
ele tem consciência, por exemplo, de que outras pesquisas podem apresentar respostas
divergentes. É interessante notar que o verbo sugerir, apesar de não ser classificado por
Neves (2011) como modal, apresenta um valor de possibilidade, na medida em que o
autor do texto não pontua com total segurança o resultado da pesquisa. Vale relembrar o
aspecto conflitante acerca da modalização que ressaltamos anteriormente: se algum
enunciado poderia não estar marcado, modalizado de determinada forma pelo seu
enunciador.
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Vejamos agora este outro excerto:
(VI) Como é bem conhecido, a polianilina em seus vários graus de oxidação
e na sua forma protonada não apresenta fluorescência significativa na região
do visível. Com isso em mente, buscamos, através de métodos teóricos,
entender como um aglomerado de ouro pode vir a influenciar as propriedades
ópticas, em especial a fluorescência, da polianilina. (DMF2) (Grifo nosso)
No trecho acima, o pesquisador faz uso do verbo poder com valor de
possibilidade epistêmica, a fim de marcar no seu enunciado uma possível ação do
material em análise, no caso, um aglomerado de ouro. Essa modalidade está ligada ao
conhecimento, logo compreendemos que o sujeito enunciador apresenta a ação descrita
como provável e preserva a sua face, à medida que a sua asserção revela apenas uma
das possibilidades da reação. A outra, que não está explicitada já que não é
necessariamente de interesse do autor, mas que podemos inferir, corresponde a que um
aglomerado de ouro pode não influenciar as propriedades ópticas.
(VII) Identificamos, também, uma regra que pode ser expressa da seguinte
forma: qualquer transição no espectro de fluorescência deve envolver um par
de orbitais moleculares que tenham sua localização espacial em uma mesma
região da molécula. Vimos também que quando aumentamos o tamanho do
aglomerado de ouro para um determinado estado de oxidação do polímero, os
níveis de energia ocupados e não ocupados tendem a coalescer nas bandas de
valência e de condução, respectivamente. Outro ponto interessante foi
discreto aumento do gap para todos os estados de oxidação do tetrâmero da
polianilina, quando comparamos os aglomerados com n = 3 e 5. (DMF2)
(Grifo nosso)
Na conclusão da mesma dissertação, observamos que o pesquisador, além de
modalizar com valor de possibilidade o verbo poder em VII, faz considerações acerca
de seu trabalho, demonstrando marcadamente seu envolvimento com a investigação
realizada. Notamos também que na conclusão perdurou um tom mais descritivo, posto
que o autor buscava apresentar os resultados dos experimentos realizados durante seu
curso de Mestrado. Logo, torna-se nítida a presença do pesquisador frente ao seu texto.
No trecho abaixo, pertencente a uma tese de Física, observamos claramente
advérbios modalizadores delimitadores, que restringem o campo de abrangência do
enunciado do pesquisador:
(VIII) Os avanços na preparação de sistemas nanométricos se devem
fundamentalmente aos esforços pela manipulação atômica e à utilização de
estruturas auto-ordenadas como ponto de partida e muitas vezes como etapa
final da preparação. Geralmente as metodologias de obtenção de materiais
nanométricos se dividem em técnicas a seco e em técnicas úmidas [2].
(TDF1) (Grifo nosso)
Dessa maneira, “o falante circunscreve os limites dentro dos quais o enunciado,
ou um constituinte do enunciado, deve ser interpretado, e dentro dos quais, portanto, se
pode procurar a factualidade, ou não do que é dito” (NEVES, 2011, p. 250). Ao evitar
asseverações, o sujeito enunciador procura preservar a validade do seu trabalho, ao
marcar o domínio da sua asserção, deixando espaço para novos questionamentos ou
outros pontos de vista talvez já existentes. Isso significa que o doutorando, o sujeito
enunciador neste caso, não afiança a veracidade da assertiva, muito menos faz a
negação da mesma, apenas estabelece um espaço no qual ela possa ser interpretada.
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A segunda tese analisada revela uma escrita que denuncia enfaticamente o
posicionamento do pesquisador acerca de sua pesquisa. Vejamos:
(IX) Avanços consideráveis no entendimento da estrutura da matéria foram
realizados durante todo o século passado devido à criação e desenvolvimento
da mecânica quântica. Poderíamos sem exagero nomear o século XX como o
século da mecânica quântica, que não só inaugurou um novo paradigma na
física básica como também abriu os horizontes para um estrondoso
desenvolvimento tecnológico que nos tirou das válvulas e nos levou para a
era dos transmisores e semicondutores. Apesar de nos encontrarmos ainda
nos primeiros anos do século XXI não seria nenhum absurdo se o chamarmos
de século da nanociência. (TDF2)
É visível que o autor da tese fez uso de adjetivos e locuções adjetivas, a fim de
convencer o leitor da validade do estudo que desenvolveu ao longo do doutorado. A
locução adjetiva sem exagero trata-se de um modalizador epistêmico com valor de
certeza ou de asseveração. Ela perpassa o ponto de vista do enunciador sobre o que
aquilo enuncia. Já o advérbio estrondoso e a outra locução nenhum absurdo encontrada
no excerto correspondem a modalizadores de avaliação. Mais precisamente, de
avaliação psicológica. Neves (2011) escreve que esses “adjetivos exprimem
propriedades que definem o substantivo na sua relação com o falante” (p. 189). Nesses
dois casos, no sentido da coisa ao qual o sujeito enunciador se refere.
Ao observar todo o percurso realizado, verificamos que os verbos modais poder
e dever encontram-se bastante presentes nos gêneros acadêmicos analisados. No tocante
às demais categorias gramaticais, percebemos que, mais de autor para autor do que de
gênero para gênero, variava bastante o uso de acordo com o pesquisador do texto
acadêmico.
4. Considerações finais
As análises efetuadas demonstraram que os sujeitos enunciadores,
indiferentemente do nível acadêmico em que estejam, marcam explicitamente seu
posicionamento perante o que enunciam. Ao longo da formação acadêmica, podemos
perceber uma tentativa de apagamento das marcas explícitas de envolvimento com o
texto, dentre elas, mas não exclusivamente, os modalizadores.
Não podemos, logo, afirmar que os resultados desta pesquisa podem ser vistos
como generalizantes, mas parciais, na medida em que, de um texto para o outro, as
mudanças são bastante significativas e dizem respeito mais à maturidade acadêmica dos
autores do que realmente ao gênero textual que produzem.
Para concluir, talvez possamos reiterar o pensamento bakhtiniano, quando
aponta para o fato de que retomamos, nos nossos enunciados, as palavras que lemos e
ouvimos no nosso enunciado. Sendo assim, fica assinalada a individualidade do sujeito
que, consequentemente, marca a sua escrita, pois seria impossível encontrarmos duas
pessoas com idênticas influências linguísticas.
Fechamos, então, este artigo, ratificando o que escrevem Rodrigues e Luna
(2010, p. 296):
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Há outros fatores que, embora sejam observáveis na linearidade textual, não
podem servir como parâmetro para uma classificação rígida, pois dependem
da individualidade do pesquisador, tais como as diferenças na sua capacidade
de análise dos dados e da amarração das teorias que o embasam, perceptíveis,
geralmente, a cada mudança de nível acadêmico e, principalmente, a
habilidade de se colocar no texto sem se restringir à ratificação dos dizeres
dos „outros‟.
5. Referências bibliográficas
Authier-Revuz, J. Entre a Transparência e a Opacidade: um estudo enunciativo do
sentido. Porto Alegre: EDIPURS, 2004.
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. 4ª ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
Charaudeau, P.; Maingueneau, D. Dicionário de Análise do Discurso. 2ª ed. São
Paulo: Contexto, 2006.
Fiorin, J. L. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.
Flores, V. do N.; TEIXEIRA, M. Introdução à Linguística da Enunciação. São Paulo:
Contexto, 2008.
Neves, M. H. de M. Imprimindo Marcas no Enunciado. Ou: A modalização na
linguagem. 2006. In: _____. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2006.
_____. Gramática de Usos do Português. São Paulo: Editora UNESP, 2011.
Rodrigues, S. G. C. A Produção Discursiva nas Ciências Exatas e a Constituição do
Autor-Pesquisador. In: Moura, V; Damianovic, M. C; Leal, V. O Ensino de Línguas:
concepções e práticas universitárias. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2010.