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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Carolina Fagundes Cândido Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade Mineira de Direito

A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Carolina Fagundes Cândido

Belo Horizonte

2011

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Carolina Fagundes Cândido

A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Processual Linha de pesquisa: O processo na construção do Estado Democrático de Direito Orientador: Prof. Dr. Fernando José Armando Ribeiro

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Cândido, Carolina Fagundes C217e A equidade judicial e o arbitramento dos honorários advocatícios. / Carolina

Fagundes Cândido. Belo Horizonte, 2011. 115f. Orientador: Fernando José Armando Ribeiro Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Equidade (Direito). 2. Advogados - Honorários. I. Ribeiro, Fernando José

Armando. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.965.7

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Carolina Fagundes Cândido

A equidade judicial e o arbitramento dos honorários advocatícios

Dissertação defendida e aprovada em 28/03/2011 pela banca examinadora constituída

pelos professores:

____________________________________________________ Prof. Dr. Fernando José Armando Ribeiro - Orientador

____________________________________________________ Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques

____________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Gonzaga Jayme

____________________________________________________ Prof. Dr. José Marcos Rodrigues Vieira (Suplente)

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Agradeço primeiramente a Deus por me guiar,

Aos meus pais pelo incentivo,

Ao Fernando, pelas preciosas considerações,

Ao Kléber pelo apoio,

Aos amigos do mestrado pela força.

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RESUMO

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece no art. 20, §4º do CPC a possibilidade do uso de

equidade pelo juiz ao arbitrar os honorários sucumbenciais. Todavia, a discricionariedade à

que se refere deve vir amparada por condicionantes objetivas, tais como consta do mesmo

artigo em seu §3º. No entanto, na prática forense, os magistrados não estão a observar esses

parâmetros que, por sua vez, devem ser verificados dentro da perspectiva de uma

processualidade democrática, com estrita observância aos seu princípios instituintes,

principalmente o do contraditório e o da fundamentação das decisões.

Palavras-chave: Equidade. Judicial. Arbitramento. Honorários. Sucumbenciais.

Condicionantes. Objetivas.

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ABSTRACT

The Brazilian legal system provides in art. 20, § 4 of the CPC the possible use of equity by the

judge to arbitrate the fees defeat. However, the discretion of the case must come supported by

objective constraints such as set out in that article in its § 3. However, in forensic practice,

judges are not watching those parameters which, in turn, should be checked within the

perspective of a democratic processivity, with strict adherence to principles of instituting

decision, especially that of the adversary and the reasons for decisions

Key-words: Equity. Judiciary. Arbitration. Fees. Defeat. Constraints. Objective.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8

2 A EQUIDADE JUDICIAL ............................................................................................ 11

2.1 Noções sobre equidade ................................................................................................ 11

2.2 A equidade vislumbrada na perspectiva do Estado Liberal e do Estado

Social ................................................................................................................................... 20

2.3 Livre arbítrio judicial em face da processualidade democrática ............................ 24

3 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO À ADMINISTRAÇÃO DA

JUSTIÇA............................................................................................................................ 32

3.1 Administrar a justiça .................................................................................................. 32

3.2 Exercício da advocacia ................................................................................................ 35

3.3 Natureza contratual da prestação do serviço do advogado..................................... 40

4 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.............................................................................. 45

4.1 Origem teórica ............................................................................................................. 46

4.2 Espécies......................................................................................................................... 48

4.2.1 Honorários convencionais ou convencionados........................................................ 48

4.2.2 Honorários fixados por decisão judicial................................................................... 50

4.2.3 Honorários sucumbenciais........................................................................................ 53

4.2.3.1 Origem teórica....................................................................................................... 53

4.2.3.2 A observância aos requisitos do art. 20 do CPC................................................. 55

5 A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRI OS

ADVOCATÍCIOS.............................................................................................................. 69

5.1 A falsa ideologia do ativismo e decisionismo judiciais ............................................. 69

5.2 O princípio jurídico da igualdade no processo e no acerto da decisão................... 73

5.3 A legitimidade decisória e o devido processo legal ................................................... 83

5.4 A responsabilização do Estado pelas decisões judiciais arbitrárias ....................... 94

6 CONCLUSÃO................................................................................................................. 101

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 106

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1 INTRODUÇÃO

Têm sido cada vez mais frequentes as decisões judiciais que fixam aos advogados

honorários sucumbenciais1 em valores irrisórios, não condizentes com os parâmetros objetivos

estabelecidos pela lei e em desacordo com uma processualidade democrática.

O artigo 20 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece um mínimo de 10% e o

máximo de 20% sobre o valor da condenação. Todavia, nas causas de pequeno valor, nas de

valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública,

e nas execuções embargadas ou não, estabelece referido artigo em seu parágrafo quarto, que

os honorários devem ser fixados conforme apreciação equitativa do juiz, levando, todavia, em

consideração o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação de serviço, a natureza e

importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu

serviço (conforme alíneas a, b e c do § 3º do referido artigo).

No entanto, existem julgados diversos, em todo o país, nos quais os magistrados, ao

interpretarem a legislação a respeito, não estão a observar as garantias processuais

asseguradas constitucionalmente, que deveriam permear a avaliação acerca dos itens definidos

legalmente, quando da apreciação judicial da quantificação dos honorários.

Ao contrário, o que se verifica no contexto atual é uma gama enorme de decisões

desprovidas de fundamentação legítima, nas quais resta desrespeitado, sobretudo, o princípio

do contraditório, que confere às partes interessadas a possibilidade isonômica de discutir os

honorários sucumbenciais fixados.

É que o arbitramento de honorários pelos magistrados sem uma decisão participada

dos interessados não traz a possibilidade de formação de um provimento legítimo, no qual

seja assegurado o debate indispensável dentro de uma processualidade democrática.

O desrespeito constante dos julgadores ao proferirem decisões arbitrando

indevidamente os honorários sucumbenciais, sem a observância de uma argumentação

1 Importante destacar que existem duas espécies de honorários: os convencionais que advêm do contrato de

prestação de serviços, relacionados à situação extrajudicial, englobando assessoria, consultoria ou planejamento jurídico e os judiciais, tendo como objeto a representação em juízo e os honorários fixados judicialmente, dos quais são exemplo aqueles previstos pelo art. 20 do CPC. São estes últimos que nos interessam neste momento.

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constitucionalmente adequada traduz-se em ofensa ao princípio da fundamentação das

decisões e em flagrante desprestígio à classe dos advogados.

Observamos, ainda, que a prestação do serviço feita por advogado tem caráter público,

nos termos do parágrafo 1º do art. 2º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem

dos Advogados do Brasil - EAOAB), constituindo-se, portanto, como um “múnus público”,

consoante igualmente preceitua o parágrafo 2º do mencionado artigo, expressão que pode ser

definida como “o que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos

encargos em benefício da coletividade ou da ordem social” (FERREIRA, 1999, p. 1381).

Percebe-se, pois, a relevância da prestação do serviço advocatício, que, conforme

disposto no art. 133 do diploma constitucional, é indispensável à administração da justiça

(DIAS, 2004, p. 83).

Ademais, a verba honorária tem natureza de prestação alimentar, motivo pelo qual

deve ser arbitrada levando-se em consideração a dignidade da profissão, o que não está a

ocorrer em muitos julgados de nossos tribunais pátrios, principalmente se verificarmos a

remuneração de outros profissionais liberais auxiliares do juízo, como, por exemplo, os

peritos.

Todavia, a despeito disso, parece estar havendo uma desvirtuação do instituto da

equidade no âmbito do Processo Democrático, uma vez que sua aplicação errônea

proporciona decisões arbitrárias, em ofensa aos princípios constitucionais, com o que não se

pode coadunar.

Nesse sentido, da forma como se está a aplicar o disposto no art. 20, § 3º e § 4º do

Código de Processo Civil, acobertando uma série de subjetivismos, há uma forte tendência em

se consolidar, de um lado, uma exacerbação de poderes do magistrado, bem como, de outro, o

aviltamento da profissão advocatícia.

O estudo desenvolvido tem como fundamento a Processualidade Democrática no viés

pesquisado no programa de pós-graduação em Direito Processual da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais. O estudo parte, pois, de duas vertentes, a verificação dos poderes

do juiz no Estado Democrático de Direito quando da utilização de equidade como parâmetro

para a fixação dos honorários advocatícios devidos em virtude do procedimento jurisdicional

realizado e, em contrapartida, a adoção do princípio da igualdade jurídica na decisão, com

ofensa às garantias processuais pelo magistrado quando do uso da equidade no arbitramento

dos referidos honorários.

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A linha de pesquisa adotada é, então, o Processo na construção do Estado Democrático

de Direito. E, nesse contexto, torna-se necessária a análise da prática que vem se tornando

constante na utilização equivocada da equidade, importada do sistema da common law, em

nossa jurisdição pátria. Ocorre que a equidade quando utilizada em uma perspectiva

ultrapassada, do Estado Liberal e do Estado Social, muitas vezes é colocada à frente do

devido processo constitucional, registrando-se, portanto, a utilização indevida do referido

instituto.

Ademais, torna-se importante fazer uma análise crítica das decisões a respeito, com

destaque para a indispensável tomada de consciência pelo magistrado acerca da importância

de se observar os aspectos práticos acerca do tema, considerando a adoção de uma visão

constitucionalizada e democrática do Processo, uma vez que o uso equivocado do juízo de

equidade em detrimento do juízo de direito não pode ser concebido no Estado Democrático de

Direito.

Durante todo o trabalho será enfocada a principiologia processual constitucional, com

destaque para o princípio jurídico da igualdade no processo e as bases instituintes da decisão,

em face do arbítrio judicial, que deve ser revisto com rígida verificação das circunstâncias

fáticas face aos parâmetros objetivos estipulados por lei.

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2 A EQUIDADE JUDICIAL

No presente capítulo, primeiramente far-se-á uma abordagem sobre o instituto da

equidade com breve referência histórica às diferenciadas noções da mesma ao longo do tempo

em variadas localidades.

Em seguida será feita uma análise sobre a utilização da equidade em face dos

paradigmas ultrapassados do Estado Liberal e do Estado Social, nos quais se evidenciam

ideologias incompatíveis com o atual Estado Democrático de Direito.

Por derradeiro, apontar-se-á a importância da utilização do arbítrio judicial, quando da

aplicação da equidade, em conformidade com uma processualidade democrática.

2.1 Noções sobre equidade

À análise e estudo do tema proposto é necessário tecer algumas considerações básicas

sobre equidade e seus desdobramentos. É bom que se diga, desde logo, que não se pretende

aqui esgotar a matéria, mas, sim, traçar linhas gerais para a compreensão da ideia que se quer

passar sobre a sua aplicação no contexto jurídico atual.

Para tanto, fundamental que se faça uma rápida contextualização das noções de

equidade ao longo da história, uma vez que de acordo com o período e com a localização

temporal, existirão diferenças ou semelhanças em relação à terminologia adotada em uma

concepção atual.

A exploração dessas noções numa perspectiva histórica tem como intuito,

primeiramente, possibilitar sua compreensão em face do pano de fundo do horizonte de vida e

de conceitos que circundou cada uma de suas manifestações. Ademais, visa-se com isso

alcançar uma compreensão paradigmática dos mesmos, compreensão esta que possa nos

conferir hoje uma mais adequada percepção dos limites e possibilidades de sua utilização em

nossa realidade.

A primeira noção de equidade encontra raiz histórica na cultura grega, nas conhecidas

tragédias, de natureza mítica, em especial em Antígona de Sófocles (19--, p. 212) em que há

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forte confronto entre a lei dos homens e a lei divina, gerando, por assim dizer, um contraponto

para o alcance contextual da equidade.2

Nesse sentido, aquele que faz a lei e a aplica, utilizando-se eminentemente de juízo de

valores, extrapolando eventuais critérios jurídicos é a divindade, o senhor, que tem o poder de

deixar de lado, quando do conflito entre a lei divina e a letra da lei, ou seja, quando do

conflito entre o ius strictum e o ius aequum.

Ainda na Grécia, o filósofo Platão, em uma passagem de sua obra Político, traduzida

por Carlenton Kemp Allen, traz a seguinte noção de equidade:

Estrangeiro: As diferenças entre os homens e suas ações e os infinitos movimento irregulares das ações humanas, não admite uma norma universal e única. Nenhuma ciência pode estabelecer uma norma que dure sempre, isso devemos admitir.

O jovem Sócrates: Certamente

Estrangeiro: Mas isso é que pretende fazer a lei, como um obstinado ignorante tirano, que não permite que se faça nada contra os seus desígnios nem que se lhe formule pergunta alguma, nem sequer quando houver mudanças nas circunstâncias, quando resulta ser melhor para alguém de modo diverso do que ordenado. (ALLEN, 1969 apud LOPES, 1993, p. 49, tradução nossa).3

Platão, referencial da cultura grega, no trecho acima citado deixa evidente a

contraposição do ius aequm ao ius strictum, a qual se torna perene na evolução do Direito.

Nesse sentido, a leitura da obra de Platão nos leva a crer que estaríamos a ver lançada a

semente da equidade que posteriormente seria desenvolvida por Aristóteles em sua Ética a

Nicômano (LOPES, 1993, p. 42).

Aristóteles, por sua vez, estabeleceu o conceito primevo de epiêiqueia-epiéikeia, em

que adota a equidade como meio de complementar a lei, colocando o julgador no lugar do

legislador, na medida em que se faz legislador para o caso concreto, em perspectiva criativa,

2 Com bem ressalta Mônica Sette Lopes: “O conflito instala-se entre a letra da lei e a concepção cultural

dominante que não admitia o sentido da norma vigente, tal como editada por Creonte”. É que o édito impedia fosse enterrado o corpo de Polinices, irmão de Antígona, comando que se situava em flanco contrário à lei divina, na qual tal direito estaria garantido (LOPES, 1993, p. 43).

3 “Extrangeiro: Las diferencias de los hombres y de las acciones, y de los infinitos movimentos irregulares de las cosas humanas, no admite uma norma universal y única. Ningún arte puede estabelecer una norma que dure siempre, esto debemos admitirlo.

El joven Sócrates: Ciertamente.

Extrangeiro: Pero esto es que pretende hacer la ley: como un obstinado ignorante tirano, que no permite que se haga nada en contra de sus desígnios ni que se le formule pregunta alguna: ni siquiera em respectivos câmbios de circunstancias, cuando resulta ser mejor para alguen al diferente de lo que ordeno”.

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alheia a qualquer ditame legal (ARISTÓTELES, 1973, p. 336 apud LOPES, 1993, p. 46).4

Na concepção aristotélica, a justiça é definida como virtude (dikaiosýne), objeto de

uma ciência prática, designada ética, que por sua vez cumpre investigar, por exemplo, o que é

o justo e o injusto, o bom e o mal, através da prática de uma conduta diária em que se irá

construir um comportamento dito “virtuoso”.

Segundo Aristóteles, a equidade não é o justo segundo a lei, de acordo com o que está

consignado na lei e foi posto pela vontade humana como vinculativo da conduta social, mas sim,

é um corretivo do justo legal. Para ele, equidade é, portanto, uma correção dos rigores da lei.

É que a necessidade da aplicação da equidade decorre do fato de que as leis

prescrevem conteúdos de modo genérico, dirigindo-se a todos indistintamente, sem

diferenciar variações concretas, fáticas ou quaisquer outras.

Nesse sentido, surgem casos para os quais se aplicada a lei (nômos) em sua

generalidade, estar-se-á a causar injustiça por meio do justo legal. É aí que surge a equidade,

com o fito de superar os problemas da impossibilidade de haver uma lei detalhada, uma vez

que a lei escrita, imperativa, tem fórmula impessoal para tutelar uma série de casos.

A equidade, em Aristóteles, é vista, então, como medida corretiva da justiça legal, que

deve ter em conta não a letra da lei, mas a intenção do legislador, não a parte, mas o todo,

sendo que a tarefa do juiz seria a de tentar ajustar uma à outra.

Para tanto, o estagirita faz uma comparação entre a régua de Lesbos e a equidade.

Segundo ele: “Com efeito quando a coisa é indefinida, a regra também é indefinida, como a

régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas: a régua adapta-se à forma da pedra

e não é rígida, exatamente como o decreto que se ajusta aos fatos” (ARISTÓTELES, 1973, p.

337 apud LOPES, 1993, p. 46).

Wolfgang Friedman também se referindo a Aristóteles afirmou que é: “Necessariamente,

genérica e implacável suas aplicações nos casos individuais. Toda discussão do problema de

equidade, da interpretação correta de um precedente deriva daquela explicação fundamental do

problema” (FRIEDMAN, 1965, p. 12 apud LOPES, 1993, p. 45, tradução nossa).5

4 Em sua Ética a Nicômano, Aristóteles afirma que “o eqüitativo é o justo, superior a uma espécie de justiça-

não a justiça absoltuta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. É essa a natureza do eqüitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade” (ARISTÓTELES, 1973, p. 336 apud LOPES, 1993, p. 46).

5 “Nécessairement généralisateur et souvent impitoyable dans son application au cas individual. Toute discussion du problem de l’équité, de l’interprétation correcte d’un précédent derive de cet énoncé fondamental du problème”.

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Gustav Radbruch, por sua vez, diz que a justiça “considera o caso individual no ponto

de vista da norma geral”, ao passo em que a equidade “procura achar a própria lei do caso

individual, para depois transformar também em uma lei geral, visto ambas tenderem por

natureza para a generalização”. Referido autor também enfatiza que a equidade é a “justiça de

cada caso particular, mas esta noção não nos obriga a modificar a definição de direito que já

demos quando chamamos a este a realidade que tem o sentido de se achar ao serviço da

justiça” (RADBRUCH, 1979, p. 91 apud LOPES, 1993, p. 46).

Na metáfora invocada, não se pode perder de vista como lembra Mônica Sette Lopes,

que:

Tanto a régua de Lesbos quanto a pedra, a que ela se amolda para medir, mantêm íntegra sua natureza _ régua como régua, pedra como pedra, ambas submetidas ao critério apreciador daquele que se incumbe da definição da medida. (LOPES, 1993, p. 46).

E é o apreciador, no caso, o juiz, quem vai dizer como deverá ser esse ajustamento. Ou

seja, ele fará nascer o molde para aquela decisão.

De outro lado, temos como contraponto à comparação com a régua de lesbos feita por

Aristóteles, a crítica aos tribunais de equidade, Courts of Equity, feita por Lord Selden,

segundo o qual “Equity varies as the lenght of the Chancellor’s foot” (EDER, 1950, p. 67;

WALKER, 1980, p. 45 apud LOPES, 1993, p. 46).

As cortes de equidade criadas no século XIV no Direito inglês, em contraposição às

cortes legais (common law), tinham por objetivo possibilitar novo julgamento àqueles que não

conseguiam por algum motivo alcançar a justiça pela letra fria da lei. Nesse sentido, entendeu

o ordenamento jurídico inglês como adequado criar uma justiça paralela flexível, na qual os

pretores julgariam segundo a sua própria consciência, fazendo valer “a justiça praeter ou

mesmo contra legem” (CARBASSE; DEPAMBOUR-TARRIDE, 2009, p. 315).

Foi nesse período que se originou a expressão célebre, acima citada, criada por Lord

Selden, “the chanceler’s foot”, traduzida para o português como “pé do chanceler”, ao criticar

a utilização de equidade nos julgamentos. Segundo Selden:

A equidade é um mau negócio, porque o Direito é uma medida pela qual sabemos a que nos atermos. A equidade, ao contrário, depende da consciência daquele que é chanceler, e, como esta pode ser mais larga ou mais estreita, o mesmo acontece com a equidade. É como se a medida de comprimento, que chamamos um pé, dependesse do comprimento do pé do chanceler. Que medida incerta seria: um chanceler tem um

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pé grande, outro um pé pequeno, e um terceiro um pé médio. A situação é a mesma com a consciência do chanceler. (CAENEGEM, 2009, p. 311).6

Osmar Brina Corrêa Lima, todavia, esclarece em artigo publicado na revista da

Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que julgar por

equidade não significa julgar contra legem:

A criação das Cortes de Eqüidade nos países de direito angloamericano ocorreu, em determinada época histórica, para suprir lacunas da lei, quando ainda prevalecia, entre os magistrados, uma visão muito estreita e formalista do Direito; uma visão superada com a evolução dos tempos.

A palavra ‘eqüidade’, contida na expressão ‘julgar por eqüidade’, corresponde precisamente ao conceito de ‘equity’ do direito angloamericano.

‘Julgar por eqüidade’ significa julgar aplicando os principios gerais do direito. Não significa -e nem poderia significar julgar ‘contra legem’ (contra a lei) repete-se. (LIMA, 2000, p. 228).

O contexto de equidade no período romano, ao seu turno, parte de noções

diferenciadas daquelas utilizados pelos gregos, tais como a adaptação da lei à vida social, às

relações humanas, através da atuação dos magistrados, bem como dos princípios éticos de

Justiça, alicerçados na caridade e na benevolência (MEIRA, 1968, p. 40 apud LOPES, 1993,

p. 47).

Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, como um de seus expoentes, vê a

equidade, em sua feição retórica, como suporte decisivo da produção pretoriana, na dedução e

na indução de princípios como o de bona fides, à medida que “destinada, primordialmente, a

sensibilizar um público, perde precisão e ganha extensão” (CORDEIRO, 1984, v. 1, p. 127).7

Já de acordo com Tobeñas José Castán, referencial na primeira etapa do Direito

Romano Republicano, a equidade participaria da formulação das decisões em dois

parâmetros: de um lado, pelos jurisconsultos que “tenían la faculdad de emitir opiniones

jurídicas dotadas de autoridad”, de outro lado, os magistrados que

6 O trecho acima foi traduzido por Raoul C. Van Caenegem e o original em inglês apresenta-se da seguinte

forma: “Equity is a roguish thing, for law we have a measure know what to trust too. Equity is according to the conscience of him that is chancellor, and as that is larger or narrower soe is equity. This all one as if they should make the standart for the measure wee call a foot, to be the chancellors foot; what an uncerian measure would this be; one chancellors has a long foot, another a short foot, a third an indifferent foot; this the same thing is the chancellors conscience”.

7 Segundo referido autor: “O nortear da atividade pretoriana, corrigindo o ius civilis apresentou e manteve um emprego retórico. Nessa acepção, confunde-se com um dos sentidos comportados por bonus et aequm. A faceta expandiu-se no período pós-clássico romano, com o papel decisivo do pretor. Uma menção retórica, destinada primordialmente, a sensibilizar um público, perde precisão e ganha extensão. A mistura com noções similares é fácil”.

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Não se limitando a aplicar a lei, teriam o poder por meio do édito para completa-lá, desenvolvê-la e modificá-la quando necessário, e por meio da redação da fórmula (instrução escrita na qual eram determinados os pontos de direito aos quais deveria se ater o júri ao proferir a sentença depois de ter apreciado os fatos) davam um jogo maravilhoso a equidade, colocando-a por cima do próprio direito positivo. (CASTÁN, 1954, p. 37-38 apud LOPES, 1993, p. 48, tradução nossa).8

Enfoca referido autor que: “A equidade é um procedimento de elaboração jurídica que

serve não para formular novas normas, mas para aplicar adequadamente as normas existentes ao

caso concreto em exame” (CASTÁN, 1954, p. 41 apud LOPES, 1993, p. 48, tradução nossa).9

Ainda em Roma, numa segunda etapa, a equidade não desaparece por completo,

apesar de ceder parte de seu espaço para uma atuação mais firme do Direito legislado,

centrado no poder imperial, que vai, com Justiniano, fixar as bases definitivas do Direito

Privado daquele povo, matriz da moderna civil law.

Tobeñas José Castán destaca também que a equidade no Império Justiniano e

Bizantino divide-se em três expressões fundamentais: como justiça natural; como critério

orientador da função do juiz e de uma interpretação ampla e flexível (ius aequum x ius

strictum); e finalmente, como critério de aplicação benigna, pela influência do cristianismo

(CASTÁN, 1954, p. 41 apud LOPES, 1993, p. 48).

No Direito Romano, a presença do pretor, bem como a utilização da denominada

“formula”, também pode ser citada como uma das fortes influências ao surgimento da

equidade, em face da contradição entre o ius strictum e o ius aequum, principalmente em face

do confronto entre o ius civile e o ius honorarium, já que ao pretor atribuía-se a possibilidade

de se utilizar de discricionariedade (CUENCA, 1957, p. 54 apud LOPES, 1993, p. 48).

Essa possibilidade de utilização da discricionariedade perdurou até por volta de 130

d.C, quando houve a fixação de um teor literal para os éditos, “a jurisprudência do magistrado

judicial perdeu [...] definitivamente seu potencial criativo e, em seu lugar, a jurisprudência e,

cada vez mais, a legislação do império possibilitaram a evolução do Direito Romano”

(KUNKEL, 1972, p. 103 apud LOPES, 1993, p. 49, tradução nossa).10

8 “Sin limitarse a aplicar la ley, tenían potestad por medio del edicto para completarla, desarrolarla y modificarla

cuando necesario, y por medio de la redacción de la formula (instruccíon escrita en la que determinaban los

puntos de derecho a que debia atenerse el juez al dictar sentença después que hubiera apreciado los hechos) daban un juego maravilloso a la equidad, colocandola por encima del próprio derecho positivo”

9 “La equidad es un procedimiento de elaboración jurídica, que sirve no para formular normas nuevas, sino para aplicar debidamente las normas existentes al caso concreto de que se trate”.

10 “la jurisprudencia del magistrado judicial perdió [...] definitivamente, su potencia creadora y, em su lugar, la jurisprudencia y, cada vez más, la legislación imperial fueron quienes continuaron la evolución del Derecho Romano”.

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17

De acordo com a evolução traçada em relação ao Direito Romano, pode-se lhe atribuir

um importante papel transformador, dentro daquele contexto jurídico-histórico. Nesse sentido,

Margarida Maria Lacombe Camargo em Hermenêutica e Argumentação- uma contribuição

ao direito:

Em Roma, a hermenêutica desenvolveu-se muito com a própria prática jurídica. Os pretores e os jurisconsultos diziam o direito para cada caso concreto, sem qualquer pretensão de generalidade. Mas essas decisões consolidaram-se com o tempo, transformando-se em máximas que se tornaram muitas vezes obrigatórias. (CAMARGO, 2003, p. 25).

E ainda reforça em nota de rodapé, salientando que:

O valor do argumento de autoridade em Roma é grande, haja vista a Lei das Citações, promulgada por Constantino no século IV d.C. Este estatuto legal veio corroborar o que a prática já havia confirmado: a sabedoria dos jurisprudentes notáveis tinha legitimidade para estender-se a situações similares. De acordo com a Lei das Citações, o juiz deveria aplicar as opiniões de Ulpiano, Modestino, Gaio, Papiniano e Paulo, da seguinte forma: em primeiro lugar, prevalece a opinião da maioria; em caso de divergência, acolhe-se a opinião de Papiniano; finalmente, não havendo regras específicas para o caso, cabe ao juiz adotar a tese que lhe pareça melhor. (CAMARGO, 2003, p. 25).

Por derradeiro, ainda em Roma, não se pode deixar de se reportar a Rudolf Jhering,

que traz a lume, ainda que de maneira oblíqua, a dúvida que se coloca em relação à segurança

jurídica quando da utilização de equidade (JHERING, 1886, v. 2, p. 90 apud LOPES, 1993, p.

50). Entrementes, Heinrich Henkel, a seu modo, critica a adoção dos valores extrajurídicos,

como, por exemplo, doçura, benevolência, que demonstram

desconhecimento fundamental da essência da equidade em Direito, enquanto sua tendência à atenuação se passa unicamente em relação ao rigor do Direito conformado, desconhecendo que, como tal, nem muito menos atua sempre e necessariamente no sentido indulgente, melhor para o afetado. (HENKEL, 1968, p. 529 apud LOPES, 1993, p. 50, tradução nossa).11

Na Idade Média, a equidade aparece dentro de uma tônica marcada pelo teocentrismo,

11 “Desconocimento fundamental da la esencia de la equidad em Derecho, em cuanto que su tendência a la

‘atenuation’ se passa unicamente en relación com el rigor (rigidez) del Derecho conformado, desconociendo que, como tal, ni mucho menos actúa siempre y necesariamente en el sentido indulgente, benévolo para el afectado”. Também nesse sentido se mostra Recaséns Siches, para quem o problema não se resume a corrigir a lei ao aplicá-la aos casos particulares (RECASENS SICHES, 1978, p. 654 apud LOPES, 1993, p. 51, tradução nossa). Já Henri de Page destaca a humanização da regra como a função mais importante da equidade, “É ela que inspirou o juiz, desde então, a atenuar o rigor excessivo do direito dos legisladores latinos e dos hard cases do direito inglês” (PAGE, 1931, p. 109 apud LOPES, 1993, p. 51, tradução nossa): “Cést elle qui a inspiré le juge lorqíl a tempere la riguer excessive du is strictum des legislateurs latines et des hard cases du droit anglais”.

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onde o cristianismo apresentava-se praticamente como rival do Direito, uma vez que “a moral

cristiniana se colocava como candidata a instalar-se no lugar do direito romano” (VILLEY,

1978, p. 37, tradução nossa).12

Essa concepção teocêntrica é característica de todo o período medieval, sendo que “o

eqüitativo, pois, só pode ser visto dentro do equilíbrio natural, vinculado a valores

teocêntricos” (LOPES, 1993, p. 52).

Nesse período, o juiz aparece, portanto, como um cumpridor das vontades de Deus,

um instrumentalizador dos desígnios divinos. Como ressalta Jean-Marie Carbasse:

A consciência do juiz medieval é, antes de tudo, uma consciência cristã. O juiz tem deveres para com Deus, Juiz supremo e modelo dos juízes terrenos, que serão, por sua vez, julgados por Ele. (CARBASSE, 2009, p. 80).

Nessa concepção, o filósofo Santo Agostinho considera a justiça como o dar a cada

um o que é seu - suum cuique tribuere (NADER, 1997, p. 120)13, uma vez que atribuir algo

que não é devido a alguém, configura injustiça, tendo em vista dois conceitos fundamentais,

quais sejam o da justiça divina e o do livre-arbítrio (GILSON, 1998, p. 146 apud BITTAR;

ALMEIDA, 2005, p. 186).14

O Direito medieval, além de se reportar constantemente ao enfoque divino, também o

fez em relação ao Direito natural, como ressaltou Coing, que destacou a coexistência entre o

Direito natural e o Direito Positivo, uma vez que aquele é introduzido neste último como

“equidad, imparcialidad, naturaleza de la cosa, servindo para completar lacunas” (COING,

1976, p. 177 apud LOPES, 1993, p. 53).

A ideia de equidade como expressão técnica da justiça, na esteira do pensamento de

Coing, como ressalta Mônica Sette Lopes, caracteriza-se como um “amoldamento da situação

de fato em enquadramento conceitual, normativo, interpretado em seu nível mediador,

adaptador, conformador” (LOPES, 1993, p. 41).

Adepto dessa concepção naturalista, destaca-se Salbury, segundo o qual a república

apresenta-se como “um corpo animado por la gracia divina y orientado bajo hacia la equidad

12 “La moral cristiniana se ponía a candidata a instalarse en el lugar del derecho romano”. 13 “O Direito Positivo se fundamentaria, em último grau, na lei eterna, que é a lei de Deus. A exemplo de

Ulpiano e Cícero concebeu a justiça como virtude: Iustitia et virtus est quae sua cuique distribuit”. 14 Agostinho concebe o homem como sendo uma alma num corpo: “Todavia ao contrário de Platão, que

extrema o corpo como cárcere da alma, o agostiniano faz derivar os males não da natureza material de parte do homem, mas de seu mau uso do livre-arbítrio, pelo pecado”.

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suprema, consistente en La voluntad de Diós [...] El menosprecio de La equidad y de La ley

divina convierte cabalmente la monarquia legítima en tiranía” (FASSÒ, 1978, p. 178 apud

LOPES, 1993, p. 54).15

Santo Tomás de Aquino, por sua vez, vai conceber o Estado como de indiscutível

caráter ético, cujo respeito só se faz cessar pelas leis injustas e pela tirania, ressaltada, sempre,

a importância das leis divinas como padrão aferidor de legitimidade (BITTAR; ALMEIDA,

2005, p. 190).

Santo Tomás de Aquino adota teoria que “admite uma Lex naturallis mutável, e que,

portanto, não se encontra nos ombros estreitos do que é absoluto”, uma vez que “sua

concepção transcende para a lei divina, da qual faz derivar tudo o que foi gerado por força da

razão divina” (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 216).

Pode-se dizer, então, que o juiz medieval teve na maioria das vezes, como ponto de

partida para as decisões que proferiam, a sua consciência, eivada de valores cristãos

(CAMARGO, 2003, p. 25).16

O fluxo renascentista, ao seu talante, traz uma noção de equidade baseada em uma

compreensão das estruturas valorativas dominantes no espírito daquela época (PERROY,

1979, p. 18 apud LOPES, 1993, p. 55).17 É que o desenvolvimento das ideias ao longo de

variadas etapas históricas trouxe oscilações entre a fé absoluta e o absoluto racionalismo

(LOPES, 1993, p. 57).

Posteriormente, quando da transição entre o período medieval e o renascimento e os

Estados absolutistas, a equidade aparece associada a conceitos de racionalidade, do

jusnaturalismo, baseando-se em princípios da razão, como fez Thomas Hobbes, ao ligar o

Direito à natureza peculiar do homem, despindo-o definitivamente de sua capa divina

15 Para ele “la ley es autenticamente ley cuando interpreta la equidad, en cuanto es ‘voluntad de euidad y de

justicia’. Y la equidad, ley de Diós, en términos jurídicos es adecuación racional recíproca de las cosas [...] Existem normas [...] que tienem una obligatoriedad eterna, son válidas en todos los pueblos y que no pueden ser impunemente violadas”.

16 Como destacou Margarida Maria Lacombe Camargo: “Durante a Idade Média, a análise sistemática sobre a evidência da revelação divina deu origem à Teleologia, e a hermenêutica assumiu o aspecto exegético da correta interpretação dos textos sagrados, dando ensejo ao seu desenvolvimento no campo filológico”.

17 É o que ressalta Mônica Sette Lopes, reportando-se a Perroy, para afirmar que “o conflito entre o homem de fé e o homem racional, como forças essencialmente antagônicas, é enfatizado pro diversos autores. A razão desvincula-se da fé”.

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(MONCADA, 1955, v. 2, p. 175 apud LOPES, 1993, p. 59).18

John Locke enfatiza a valoração de um estado de natureza no qual a vítima poderia

aplicar diretamente a punição que lhe parecesse cabível, mas acaba por reconhecer a

necessidade de um juiz externo a si (LOPES, 1993, p. 60).

Já a visão do equitativo como eco de liberdade do juiz sofre, de parte dos iluministas,

restrições com base nos ideais de garantia da liberdade contra o arbítrio dos governantes. A

segurança jurídica é o fundamento principal de uma concepção dominante segundo a qual a

equidade passa a ser vista como uma porta aberta para a arbitrariedade e a lesão ao principal

Direito dos cidadãos, que é o direito à liberdade (LOPES, 1993, p. 61-62).

Por derradeiro, o antropocentrismo enfatiza de um lado a importância da segurança

jurídica e de outro a necessidade de limites rígidos para a atuação do juiz, através da previsão

do maior número possível de normas (HERNANDEZ, 1971, v. 1, p. 58 apud LOPES, 1993, p.

63).19

Em face do breve giro histórico feito acima fica evidente a transformação no que tange

às noções e aplicações diferenciadas da equidade ao longo dos tempos e da evolução histórica

do direito, apresentando formatos e interpretações variadas, conforme detalhado.

A seguir veremos como a equidade é utilizada na concepção do Estado Liberal e do

Estado Social, enfatizando as diferenças em sua aplicação quando da apreciação equitativa

face ao Estado Democrático de Direito.

2.2 A equidade vislumbrada na perspectiva do Estado Liberal e do Estado Social

Após análise sobre conceituação da equidade no contexto histórico-jurídico mister que

se aponte como se dá a apreciação equitativa pelo juiz na perspectiva do Estado Liberal e do

Estado Social, que muito se distancia da utilização do arbítrio judicial em face da

processualidade democrática, vislumbrada no contexto atual. 18 “O direito natural ou a lei natural não passa, como todas as outras leis, de um ditame da razão (dictamen

rectae rationis). Chama-se natural só por constituir, como qualquer outra faculdade ou afecto de nosso ânimo, de uma parte de nossa natureza”.

19 Nesse esteio Kant, que “fixa-se em uma idéia de igualdade, como um objetivo visado na generalidade da norma, afastada, em sua concepção, um direito de eqüidade ou um tribunal de eqüidade” assim como os outros adeptos da escola da exegese, segundo os quais “no hay más equidad que la de la ley ni más razón que La de ésta”.

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Todavia, para uma melhor compreensão do ponto em análise, é necessário que se

façam algumas breves considerações sobre o Estado Liberal e o Estado Social.

O Estado Liberal era aquele em que se apregoava a teoria individualista dos interesses

e direitos, de modo que a justiça só poderia ser obtida e satisfeita por aqueles que pudessem

suportar os seus custos, priorizando uma igualdade meramente formal, mas não efetiva.

Nesse paradigma, o Direito encontra-se adstrito à lei e é garantido pelo Estado, aqui

entendido como um “mal necessário”, assegurando apenas, em caráter mínimo, vedação de

excessos individuais em detrimento da sociedade. Assim ressalta Menelick de Carvalho

Netto:

A questão da atividade hermenêutica do juiz só poderia ser vista como uma atividade mecânica, resultado de uma leitura direta dos textos que deveriam ser claros e distintos, e a interpretação algo a ser evitado até mesmo pela consulta ao legislador na hipótese de dúvida do juiz diante de textos obscuros e intricados. Ao juiz é reservado o papel de mera ‘bouche de loi’. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 106).

Rosemiro Pereira Leal, a seu turno, afirma que: “Ao Estado Liberal burguês interessa

o dogma da completude da lei como forma de o juiz garantir, em qualquer eventualidade, as

liberdades negativas da intervenção do Estado na órbita indevassável dos direitos individuais”

(LEAL R., 2002, p. 99).

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, também sintetiza o que seria o direito sob o

paradigma liberal:

O Direito sob o paradigma liberal seria uma ordem, um sistema fechado de regras, que teria por função estabilizar expectativas de comportamento temporal, social, materialmente generalizadas, determinando os limites e ao mesmo tempo garantindo a esfera privada de cada indivíduo. Seria, através de leis gerais e abstratas, garantindo, ainda que formalmente, liberdade, igualdade e propriedade, que todos os sujeitos receberiam os mesmos direitos subjetivos. (OLIVEIRA, 2001, p. 160).

No esteio do pensamento de Jürgen Habermas, tem-se que, no Estado Liberal, havia,

portanto, uma “submissão” do direito privado a princípios do direito público em face da

“destruição” do edifício autônomo de um sistema jurídico unitário (LEAL R., 2002, p. 99).20

De outro lado, no Estado Social, paternalista, também designado estado do bem-estar

social, passou-se a conceber não somente uma teoria individualista, mas também houve

20 Nesse sentido Rosemiro Pereira Leal, sob o enfoque de que “o dogma da completude da lei” serviria “como

forma de o juiz garantir, em qualquer eventualidade, as liberdades negativas da intervenção do Estado na órbita indevassável dos direitos individuais”.

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acolhimento de interesses coletivos e difusos, na busca de uma justiça efetiva.21

A partir da perspectiva do modelo do Estado Social, Jürgen Habermas destaca duas

versões principais: a primeira conferindo grande espaço de ação e intervenção política numa

sociedade à sua mercê; e a segunda como um sistema dentre vários que se limita a impulsos

reguladores indiretos dentro de um pequeno espaço de ação, de maneira mais realista

(HABERMAS, 1997, t. I, p. 144).

De qualquer forma, verifica-se que o Estado Social pretendeu uma maior regulação em

detrimento da autonomia privada do Estado Liberal, através de uma ideologia do social,

traduzida em valores de justiça social ou distributiva, ideologia esta que passou a dominar o

cenário constitucional do século XX (CARVALHO, 2009, p. 233).

A equidade, aqui entendida dentro da perspectiva ultrapassada do Estado Liberal e do

Estado Social, é acatada a partir de uma lógica clássica e autoritária, a partir do momento em

que sugere uma prática constante da atuação ex officio do juiz, reduzindo consideravelmente,

ou mesmo anulando o espaço argumentativo.

Há nesse contexto uma preconização da dogmática, pela necessidade de se manter a

crença em regularidades advindas de repetições históricas, enraizadas em teorias pré-

condicionantes. Nessa perspectiva, adota-se, pois, a opção pela fala monológica, solipsista, ou

seja, pela atuação solitária do juiz, venerada como balizadora de verdades, o que se traduz,

muitas vezes, em arbitrariedades.

A partir do momento em que se permite a súplica do discurso em face de decisões

autocráticas, abre-se margem à possibilidade de falibilidade exacerbada. Isso porque parte-se

de premissa equivocada de que as decisões dos juízes são completas por si mesmas,

eliminando-se qualquer espécie de argumentação crítica.

É que ao se considerar o princípio retórico do Estado Liberal, impregnado de

silogismos que nos levam a crenças em verdades absolutas, não problematizadas, preconiza-se

uma ideologia reducionista.

Norberto Bobbio, nessa esteira de pensamento, acredita ser o jurista intérprete

privilegiado da lei, uma vez que constrói enunciados normativos pela fala natural, sem

21 Também ressalta Rosemiro Pereira Leal que “ao Estado Social de direito (Welfare State) interessam as

lacunas da lei para o juiz livremente decidir habilidosamente em parâmetros de conveniência (Common Law) os conflitos que possam colocar em desequilíbrio o sistema social a ser mantido em suas bases de tradição e autoridade”.

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explicitar os critérios utilizados, em evidenciada supressão das bases instituintes da decisão.22

Ronald Dworkin, por sua vez, é adepto de uma centralização no juiz, do solipsismo

judicial, defendendo a ideologia do juiz Hercúles, figura criada por ele para ilustrar um “juiz

imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade”

(DWORKIN, 1999, p. 287 apud LEAL, 2002, p. 61-62).23

Todavia, toda vez em que houver uma decisão sem observância da regra suprema do

devido processo, de forma crítica, não se poderá visualizar uma perspectiva democrática,

segundo uma concepção epistemológica pautada na democracia.

Neste contexto ultrapassado em que se aborda a equidade, dentro da perspectiva do

Estado Liberal e do Estado Social, a jurisdição é concebida como atividade de juízes que

revelam, pelo ato sentencial, suas próprias vontades (BÜLLOW, 2005 apud LEAL A., 2008,

p. 6624), ou uma outra vontade pronta da lei, a da mens legis ou a da mens legislatoris ou,

ainda, intervenções solipsistas e contingenciais em realidades sociais que estariam a suplicar

socorro prestante em razão da inércia (ou inaptidão) do legislador soberano (LEAL A., 2008,

p. 31).

O juiz, nessa concepção equivocada e, repita-se, ultrapassada, é aquele que tem o

“poder” de dizer o direito, como outrora salientou Hélio Tornaghi:

O juiz ocupa na relação processual uma posição de realce e mando. Ele é órgão do Estado soberano, que se coloca acima de tudo e de todos (super omnia) e que proíbe os particulares de agir diretamente uns contra os outros, fazendo injustiça pelas próprias mãos. E apenas lhes dá o direito de agir perante ele, Estado, para exigir dele (ação) que use o seu poder de impor o que é de direito em cada caso (jurisdição). (TORNAGHI, 1987 apud LEAL A., 2008, p. 31).

Nesse sentido, em que é concedido ao juiz o “poder” de dizer o direito, Oskar von

Bülow é presença marcante por ter elaborado uma da “tecnologia da jurisdição”, no esteio do

pensamento de André Cordeiro Leal, em sua Instrumentalidade em crise (LEAL A., 2008, p.

32). Referido jurista apresenta, com base na releitura do Direito Romano, fundamentos

histórico-sociológicos pretensamente autorizadores da migração do controle social para as

22 Para Bobbio, neopositivista lógico, seguidor de Kelsen, o ordenamento jurídico não apresenta lacunas, uma

vez que essas são supridas pelas analogias do jurista, o que não pode ser acatado sob o enfoque de uma perspectiva democrática.

23 Também se reporta a Dworkin, André Cordeiro Leal, para enfatizar que o juiz Hércules “concentra excessiva importância no ato decisório”.

24 “Unter das Schema irgend welcher abstrakter Rechstsatzung wolte das heutige richterliche Recht schlechterdings nicht passen, auch nicht einmal in dem doch weitbauschig genug angefertigten Gewade des ‘Gewohnheitsrechts’ ein Unterkommen finden”.

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mãos da magistratura alemã e justifica, a partir daí, a adoção de técnicas que irão permitir a

desvinculação dos julgadores das abordagens formalistas ou legalistas (LEAL A., 2008, p.

62).

Oskar von Bülow afirmou expressamente que: “O atual direito dos juízes não

pretendia se adaptar ao esquema de qualquer preceito jurídico abstrato, nem mesmo encontrar

asilo no amplo espectro do ‘direito costumeiro’” (BÜLLOW, 2003 apud LEAL A., 2008, p.

66).

A equidade judicial, portanto, verificada dentro de uma perspectiva ultrapassada do

Estado Liberal e do Estado social, aparece presa a preocupações no que tange à preservação

de valores previamente estabelecidos, seja pela tradição, historicismo, argumento de

autoridade, teocentrismo, dentre outros, que não servem à atual concepção de um Estado

Democrático de Direito, como será visto adiante.

2.3 Livre arbítrio judicial em face da processualidade democrática

A equidade judicial em face da processualidade democrática, vislumbrada no contexto

atual do Estado Democrático de Direito, busca realçar a imposição da vontade explícita e

implícita da norma positivada interpretada, de acordo com os princípios instituintes a que se

subordina, caracterizando-se, portanto, por pretender observar os parâmetros do processo

constitucional.

Todavia, a partir do momento em que a equidade judicial for adotada como meio do

juiz criar o direito ao seu mero talante, com influências de natureza política, econômica e

religiosa, dentre outras, então tal atuação se aproxima da ideologia apregoada pelos

defensores do movimento denominado “direito alternativo” ou “direito livre”, que por sua

vez, se adotado indiscriminadamente pode, inclusive, resultar em última instância em um

Estado de Exceção. Ora, já que o “direito alternativo” apregoa que deve ocorrer no vazio

hipotético normativo, uma ação humana, sem qualquer relação com o direito, em última

análise pode trazer à baila uma ideologia de total supressão de normas e princípios.

Nesse sentido Giorgio Agambem acentua que essas lacunas fictícias no ordenamento

servem de base ao estado de exceção:

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Longe de responder a uma lacuna normativa, o estado de exceção apresenta-se como a abertura de uma lacuna fictícia no ordenamento, com o objetivo de salvaguardar a existência da norma e sua aplicabilidade à situação normal. A lacuna não é interna à lei, mas diz respeito à sua relação com a realidade, a possibilidade mesma de sua aplicação. É como se o direito contivesse uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua aplicação e que, em caso extremo, só pudesse ser preenchido pelo estado de exceção, ou seja, criando-se uma área onde essa aplicação é suspensa, mas onde a lei, enquanto tal, permanece em vigor. (AGAMBEM, 2004, p. 48).

Ainda sob esse enfoque, merece destaque a linha tênue que separa uma concepção da

outra, as quais se podem traduzir em hipóteses bem diferenciadas.

Ocorre que não é cabível, pois, permitir tentativas de distorção do discurso da

constitucionalidade por uma designada equidade judicial “mítica e falaciosa” que pretende

reafirmar carga autocrática e privilegiar subjetivismos diversos, como vimos em recente

decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Agravo Regimental nos

Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 279.889-AL, no qual assim se manifestou o

ministro Humberto Gomes de Barros:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade de minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolida o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura me obriga a pensar que assim seja. (BRASIL, 2001).

Como bem salienta Rosemiro Pereira Leal, não se pode, pois, ficar à mercê da

doutrina do “assim seja” da cabeça prodigiosa do magistrado investido no manto sagrado da

suprema inteligência, mesmo porque a concentração de poderes nos juízes não garante a tão

almejada efetividade do direito, que só se legitima pelo processo, aqui entendido como

instituto de direitos fundamentais constitucionalizados (LEAL R., 2009a, p. 151).

Sem que o juiz explicite o critério adotado pelo seu raciocínio legal, o que prevalece é

a equidade sob o prisma de um sistema eivado somente por subjetividade na “construção” da

norma, uma vez que se suprime a incursão na base instituinte do direito, como ocorre no

Estado Social de Direito.

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O método crítico, adotado por Karl Popper, por sua vez, não trabalha com verdades

absolutas, a priori, pressupostas, mas sim, é adepto de uma regra suprema, demarcatória, qual

seja, regra de proibição de vedação de liberdade, proveniente de uma compreensão

formalizada por problemas (POPPER, 1975).25

Karl Popper condena, pois, o historicismo, apesar de não desconsiderar a história, uma

vez que discorda da reificação ideológica trazida por aquela, corroborada pela tradição e pelos

costumes. Nesse sentido, faz uma tentativa de diferenciação entre teoria e ideologia.

Elio Fazzalari (2006), a seu turno, destaca a atuação das partes que, através do

exercício do contraditório, assumem lugar primordial na construção do provimento em

igualdade de oportunidades, atuando em conjunto com o juiz, uma vez que se apresentam

como destinatários do provimento final.26

Jürgen Habermas, por sua vez, fazendo uma reconfiguração do materialismo histórico,

enfatiza a liberdade de refutabilidade pelo agir comunicativo e, através do exercício da

dialética, a razão vai reconstruindo o diálogo suprimido, a partir dos vestígios do diálogo

abafado pela história. Ele se utiliza, pois, do conceito de racionalidade discursiva para dar

legitimidade ao direito e às decisões jurisdicionais. E é certamente no princípio da democracia

que a legitimidade do direito encontra o seu sustentáculo, através da interligação do princípio

do discurso e do conceito de forma jurídica.

A principiologia jurídica do processo na teoria neoinstitucionalista, de Rosemiro

Pereira Leal, traduz a noção de processo na atual concepção como discurso argumentativo em

níveis instituinte, constituinte e constituído do direito, a partir do momento em que ocorre

uma dessubjetivação e dessubstanciação do direito que passa a ser visto como meio

linguístico-autocrítico coparticipativo de produção, aplicação e extinção da normatividade

(LEAL R., 2009. p. 159-199).

Essa principiologia do processo na teoria neoinstitucionalista27 exige, pois, o

pressuposto jurídico discursivo autocrítico, com a fiscalidade incessante pelos sujeitos do

direito indispensável na construção de um provimento legítimo.

25 Para Popper não é admissível uma decisão sem a mediação de um questionamento teorizado, aberta a todos

para apontamentos de erros. 26 O contraditório para Elio Fazzalari é a garantia da realização da legitimidade no processo por meio da

igualdade de oportunidades. 27 A teoria neoinstitucionalista conforme citado em nota anterior foi elaborada por Rosemiro Pereira Leal e sua

gênese é encontrada na obra intitulada Teoria geral do processo: primeiros estudos.

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27

A equidade, aqui entendida dentro do contexto do devido processo constitucional, que

se apresenta como metodologia de garantia dos direitos fundamentais ostentados pela parte

contra o Estado e se traduz como fundamento do Estado Democrático de Direito, deve, pois,

ser pautada através dos limites do processo constitucional, com permanente controle e

fiscalização da função jurisdicional (BARACHO, 2006).

Esse controle, por sua vez, será realizado pelo jurisdicionado, a partir do momento em

que busca do Estado uma resposta ao seu anseio e possui o direito não somente de acesso à

jurisdição formal, mas a uma ordem jurídica assegurada pela técnica processual apropriada,

no esteio do pensamento dos autores citados acima.

Para que se implemente a técnica processual apropriada, é necessário que se observe

os princípios instituintes da garantia constitucional, dentre os quais destacam-se o princípio

da reserva legal, assegurado pelo art. 5, II da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 (CRFB), o princípio do contraditório, previsto pelo art. 5, LV do diploma

constitucional, e o da fundamentação das decisões, insculpido pelo art. 93, IX da CRFB e o

da publicidade, como meios possibilitadores de controle externo e geral sobre o fundamento

factual, lógico e jurídico (DIAS, 2010, p. 112).

Nessa direção, Aroldo Plínio Gonçalves ressalta que dentro de uma perspectiva

democrática “o poder legitimamente constituído se exerce nos limites da lei, e a função

jurisdicional, que traz implícito o poder uno e indivisível do Estado, que fala pela nação, se

exerce em conformidade com as normas que disciplinaram a jurisdição” (GONÇALVES,

1992, p. 50).

Ora, em tal perspectiva, como salienta José Alfredo de Oliveira Baracho (1997, p. 44),

é necessário que os órgãos jurisdicionais se sujeitem às leis emanadas da vontade popular.

Todavia, quando referido autor evidencia a importância de vinculação dos órgãos

jurisdicionais às leis emanadas pela vontade popular, não pretende fazer uma pregação de

retorno à Escola da Exegese, mas, sim, enfatizar com Müller em sua obra Quem é o povo, que

as decisões judiciais devem ser tomadas sempre em nome do povo, que por sua vez, deve ser

visto como instância global da atribuição de legitimidade democrática (MÜLLER, 2003, p.

60).

Nesse aspecto, Marcelo Cattoni de Oliveira, ensina que a jurisdição deve ser entendida

como “a atividade, o poder público-estatal que se realiza através de discursos jurídico-

processualmente institucionalizados de aplicação jurídico-normativa” (OLIVEIRA, 2001, p.

160).

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28

Rosemiro Pereira Leal (2009, p. 67), também nesse esteio, afirma ser a jurisdição

atividade-dever estatal do órgão jurisdicional de cumprir e fazer cumprir o direito positivo,

mediante observação das garantias constitucionais do processo e do princípio da reserva legal,

cujo fundamento submete os provimentos (sentenças, decisões judiciais) a dado prévio da lei.

Ainda no esteio de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias as decisões, os pronunciamentos

emanados dos órgãos jurisdicionais ou os chamados provimentos, sob influência da doutrina

italiana, são atos estatais imperativos que refletem manifestação do poder político do Estado,

poder que este jamais poderá ser arbitrário, insista-se, mas poder constitucionalmente

organizado, delimitado, exercido e controlado conforme as diretrizes do princípio do Estado

Democrático de Direito.

Em virtude do acima exposto, de acordo com entendimento dos referidos

doutrinadores, é de se concluir, portanto, que o processo, dentro de uma

concepção democrática, não pode ser visto simplesmente como “instrumento de

aplicação da lei ao caso concreto” (LIEBMAN, 1984, v. I, p. 5)28, mas deve ser visto como

verdadeiro direito-garantia (LEAL R., 2009a, p. 38), que se desenvolve por meio de um

procedimento em contraditório (FAZZALARI, 2006, p. 118-119), ajustado à estrutura

normativa do devido processo legal, realizado sob rigorosa disciplina constitucional

principiológica do devido processo constitucional (DIAS, 2004, p. 86).

É que só assim, dentro do prisma enfocado, a função jurisdicional29 irá se concretizar

em uma estrutura constitucionalizada do processo, culminando em uma decisão, sentença ou

provimento, resultado lógico de uma atividade jurídica realizada com a obrigatória

28 Nesse sentido, Carnelutti, ao evidenciar que o Estado exerce a Jurisdição, aplicando o direito ao caso

concreto, através da apreciação de questões antagônicas apresentadas pelas partes envolvidas na lide, conflito de interesses.Afinado ao pensamento de Carnelutti encontra-se Liebman, segundo o qual: A jurisdição expressa-se, ao contrário, através de atos que têm um conteúdo concreto, referindo-se a determinado fato ou caso que então vem a ser julgado e sancionado mediante a aplicação das regras do direito vigente. Por isso, a jurisdição é, em certo sentido, uma atividade que se coloca como continuação e especificação da legislação, e a norma jurídica, que é o produto da legislação, torna-se critério de julgamento para a jurisdição.

29 A “divisão” do Poder Estatal, que é uno e indivisível, mas que, por questão de didática e organização, apresenta-se composto por três funções nitidamente distintas: a legislativa (precipuamente destinada à elaboração de leis, atuando diante de hipóteses em abstrato, criando normas aplicáveis a fatos futuros); a executiva ou administrativa (função ligada à gestão da coisa – res – pública, que originariamente sempre coube ao Estado e que é essencial à sua manutenção, através da aplicação das leis elaboradas pelo Legislativo e da prática de atos que obedeçam a critérios como discricionariedade, conveniência, urgência etc. da Administração Pública, passíveis de revogação, modificação, convalidação entre outros) e a jurisdicional (que compete ao Judiciário: função através da qual o Estado, valendo-se da figura do juiz, uma vez que chamou para si o poder-dever de prestar a tutela jurisdicional, fazendo-se substituir ao particular, põe um fim definitivo ao conflito de interesses; portanto, tal função diz respeito à subsunção de fatos já ocorridos à norma – aplicação da lei prevista em abstrato ao caso concreto – no intuito de restabelecer o status quo ante e, via de tornar efetiva a pacificação social) (DIAS, 2004).

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participação em contraditório daqueles interessados que suportarão seus efeitos

(FAZZALARI, 2006; BARACHO, 2006; GONÇALVES, 1992; OLIVEIRA, 2001), e, não,

“fundados na fórmula ilógica, inconstitucional e antidemocrática do ‘livre (ou prudente)

arbítrio’ do juiz” (DIAS, 2004, p. 84).

Em face das diversas concepções apontadas acima, percebe-se, pois, que todas elas

convergem para a necessidade de se livrar das amarras ultrapassadas de outros tempos para

que se alcance o verdadeiro sentido da equidade no contexto atual em que não se permite sua

utilização indiscriminada, a ponto de se confundir com arbitrariedade, possibilitada pela

equidade extralegal subjetiva.

Uma das formas de utilização de equidade, aqui entendida como equidade jurídica

objetiva, no ordenamento jurídico brasileiro, e que é objeto central do nosso trabalho, se

encontra no art. 20, § 4º do CPC, que remete o julgador à sua utilização.

Todavia, como veremos nos capítulos seguintes, quando da aplicação de

hermenêutica, o intérprete julgador, na apreciação do referido artigo, deverá se pautar pelos

princípios instituintes de uma decisão construída dentro de uma processualidade democrática,

com respeito, principalmente, aos princípios do contraditório e da fundamentação das

decisões.

A fim de ilustrar o entendimento ora explicitado, apresentamos caso paradigmático a

ser criticado por não apresentar argumentação jurídica consistente e consentânea com os

postulados normativos de uma processualidade democrática.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO COM FULCRO NO ART. 20, § 4º, do CPC. VALORES IRRISÓRIOS OU EXAGERADOS. REVISÃO. POSSIBILIDADE

1. Esta Corte firmou o entendimento de que é possível o conhecimento do recurso especial para alterar os valores fixados a título de honorários advocatícios, aumentando-os ou reduzindo-os, quando o montante estipulado na origem afastar-se do princípio da razoabilidade, ou seja, quando distanciar-se do juízo de eqüidade insculpido no comando legal.

2. A fixação de honorários em R$10.000,00(dez mil reais), que corresponde a aproximadamente 0,12% do valor dado à causa, revela-se irrisória, afastando-se do critério de equidade previsto no art. 20, § 4º, do CPC, devendo, pois, ser majorada para 1%(um por cento) do valor da causa.

3. Agravos regimentais a que se nega provimento. (BRASIL, 2010b).

Em acórdão julgado em 15 de junho de 2010, publicado em 29 de junho de 2010,

relativo a apreciação de Agravo Regimental em Recurso Especial, ementa acima, proveniente

do Estado de Minas Gerais, teve o Colendo STJ a possibilidade de corrigir equívoco no

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julgamento em que foram fixados honorários em montante irrisório, em flagrante ofensa à

dignidade do profissional da advocacia.

No caso examinado, a parte agravante pretendia nova majoração, em face de decisão

que deu provimento parcial ao seu recurso especial e majorou os valores dos honorários que

eram inferiores a 1% (um por cento) do valor dado à causa, para 1%(um por cento) do valor

da causa. O advogado, novamente, foi impelido a apresentar recurso contra decisão que

arbitrou os honorários em valores que não lhe deram a devida remuneração.

Sustentou o Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, relator, no voto que proferiu:

Conforme registrou a decisão agravada, a celeuma instaurada no recurso especial centra-se em saber se o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) arbitrado a título de honorários advocatícios, é ou não ínfimo neste feito, oriundo de pleito da instituição bancária para habilitar, no quadro geral de credores da massa falida acima declinada, o seu crédito de R$8.256.27,56(oito milhões, duzentos e cinqüenta e seis mil, duzentos e vinte e sete reais e cinqüenta e seis centavos).

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que a alteração da verba honorária estabelecida com base no art. 20, § 4º, do CPC, quando irrisória ou exorbitante, não implica no reexame do conjunto fático.[...]

[...] In casu, à conta do valor da causa, e da referência no acórdão recorrido acerca do empenho dos profissionais que atuaram na causa, tem-se que o arbitramento da verba honorária em R$10.000,00 (dez mil reais), correspondente a aproximadamente 0,12% do valor da causa, é ínfima e incompatível com o desempenho do procurador da recorrente. Por outro lado, entendo exagerado o percentual de 10% (dez por cento) pleiteado pela massa falida recorrente.

Destarte, inexiste razão para alterar a decisão agravada, mantendo-se os honorários advocatícios em 1% (um por cento) do valor da causa.

No julgado acima, a parte recorrente buscou mais uma vez fosse-lhe arbitrado um

valor condizente aos parâmetros objetivos da causa, o que, todavia, não lhe foi concedido,

entendendo o Colendo STJ, na espécie, que o aumento anterior, que elevou os honorários de

menos de 0,12% do valor dado à causa a 1% (um por cento) já seria suficiente para remunerar

o trabalho do advogado.

E, mais uma vez, o advogado, como não teve possibilidade de se manifestar quando da

construção da decisão sobre a incidência dos parâmetros objetivos do art. 20, § 3º do CPC, se

vê sem saída contra o arbítrio do julgador que, ao apreciar a importância de sua atuação no

iter procedimental, entendeu exagerado o valor de 10% sem, contudo, apresentar devida

fundamentação nesse sentido.

Ora, caberia ao decisor verificar as peculiaridades da espécie em julgamento, dando

publicidade às mesmas, em observância a transparência na motivação, com intuito de

conceder à parte interessada a possibilidade de se manifestar a respeito.

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Sendo assim, não se pode vislumbrar na espécie uma decisão legitimada por uma

construção participada, entre as partes destinatárias do provimento, já que, na espécie, o

advogado não teve direito ao contraditório quando da fixação dos honorários sucumbenciais

referentes à causa, objeto do seu labor, que não lhe trouxe devida remuneração dada à sua

indispensabilidade à administração da justiça, conforme será enfatizado no próximo capítulo.

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3 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

No presente capítulo, necessário se faz uma abordagem em torno da

indispensabilidade do advogado para uma construção participada e legítima do provimento,

dentro de uma processualidade democrática.

Em virtude dessa indispensabilidade do advogado, entendemos necessária uma análise

de sua função, com as características que lhe são peculiares, e de como se dá o exercício dessa

função, de extrema importância para a implementação de uma decisão jurídica legítima em

face de um Estado Democrático de Direito.

Ao final do mesmo faremos algumas colocações sobre a natureza contratual da

prestação advocatícia, já que o cidadão ao ingressar em juízo, em regra, deve estar

regularmente representado por aquele que detém capacidade postulatória, ou seja, o

advogado.

3.1 Administrar a justiça

O advogado é um instrumentalizador privilegiado do Estado Democrático de Direito, a

quem se confia a defesa da ordem jurídica, da soberania nacional, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, bem como a salvaguarda dos valores sociais maiores e ideais de Justiça.30

Os advogados são indispensáveis para a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, conforme art. 133 da CRFB, segundo o qual “O advogado é indispensável à

administração da justiça, sendo invioláveis por seus atos e manifestações no exercício da

profissão, nos limites da lei”. Esse profissional apresenta-se, pois, como condição sine qua

non para a efetivação dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, em juízo,

perante a jurisdição.

É, pois, um instrumentalizador privilegiado, uma vez que detém a técnica necessária

30 Novamente, destaca-se que toda vez que houver referência à terminologia “justiça” ao longo deste estudo, a

mesma há que ser compreendida como função jurisdicional exercida nos limites de uma processualidade democrática.

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para se garantir o respeito à isonomia, ao contraditório e à ampla defesa, aqui entendidos

como direitos-garantias fundamentais (art. 5, LIV e LV da CRFB) (LEAL R., 2009a, p. 38).

A palavra advogado tem suas raízes em Roma, no termo advocatus, significando

aquele “que assiste ao chamado perante a justiça, assistente, patrono”. “Advogado” é, em

outras palavras, aquele vocacionado, chamado para junto do problema do cliente, a fim de

apresentar solução para que sejam efetivados os direitos a eles assegurados pela Lei.

Como ressalta Paulo Luiz Netto Lôbo, a palavra advogado é muito assemelhada nos

vários idiomas europeus, com exceção dos países anglófonos, destacando-se na União

Europeia, as seguintes denominações: Rechtsanwalt na Alemanha; Avocat, Advocat na

Bélgica; Advokat, na Dinamarca; Abogado, na Espanha; Advocate, Solicitor, Barrister, na

Grã-Bretanha; Dikigoros, na Grécia; Advocaat, na Holanda; Avvocato, na Itália; Barrister,

solicitor, na Irlanda; Avocat-avoué, em Luxemburgo e Advogado, em Portugal (LÔBO, 2009,

p. 12-13).

Advogado é, portanto, um “servidor”, “protetor” da sociedade que vai dar expressão

técnica à pretensão de seu representado, permitindo que esta se revista de forma jurídica, hábil

a ser acatada ou refutada pelo Judiciário.

Também de acordo com os art. 133 da CRFB e art. 2º do EAOAB31, a atividade

advocatícia é indispensável à “administração da justiça”, sendo exercida pelo advogado em

seu ministério privado, ao mesmo tempo em que presta um serviço público, exercendo uma

função social.32

Apesar de parecerem, em princípio, paradoxais, os conceitos “opostos” de uma

atuação privada, de um lado, e, de outro, exercício de um serviço que é considerado público,

estes se harmonizam quando arranjados de forma adequada.

Os juízes, promotores de justiça e delegados, por sua vez, exercem ministério

exclusivamente de natureza pública. Já a advocacia não é serviço prestado pelo Estado, mas a

bem do Estado e da Sociedade, devendo ser remunerado pelo Estado na hipótese de litigantes

que não possuam condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu próprio 31 “Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei”. 32 Pela Primeira vez na história uma Constituição reconhece a indispensabilidade do advogado para

administração da justiça.

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sustento ou de sua família, com esteio na Lei nº 1.060/50.

Frise-se que a atividade advocatícia constitui-se como múnus público, ou seja, encargo

jurídico definido pelas necessidades do interesse da sociedade e do Estado. Tem, pois,

natureza jurídica de serviço público e função social, como estabelece o art. 133 da CRFB e o

EAOAB.

Sendo assim, o advogado, quando chamado a prestar assistência judiciária, deve

exercer sua função com o mesmo empenho e entusiasmo, esquecendo questões pessoais

relativas a crença, política, dentre outras.

O juiz, nos casos de jurisdicionados desprovidos de recursos financeiros, pode chamá-lo

ao exercício desse múnus público, sendo viável, inclusive punir os que não aceitarem aquele

encargo. Todavia, pelo art. 6º do EAOAB33, como não há hierarquia nem subordinação entre

advogados, magistrados e membros do Ministério Público, o magistrado, ao invés de fazê-lo

pessoalmente, deveria notificar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que ela sim o

fizesse, sendo impossível a prestação do serviço pela Defensoria Pública, e solicitando que a

Ordem dos Advogados indicasse profissionais de seus quadros para a atuação no processo

(MAMEDE, 2008).

Nessa hipótese, repita-se tal ministério é remunerado pelo Estado, conforme art. 22, §

1º do EAOAB34, em virtude de ser o advogado figura essencial à administração da justiça.

Conforme salienta Gladston Mamede:

É preciso estar bem atento para o fato de que os honorários relativos à prestação de assistência judiciária em nada se confundem com os honorários advocatícios sucumbenciais que, como se verá na seqüência, pertencem ao advogado por disposição do Estatuto, em seu artigo 23. (MAMEDE, 2008, p. 285).35

Os honorários devidos pela prestação da assistência graciosa têm por causa o trabalho

33 “Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério

Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.

Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho”.

34 “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”.

35 A seguir, transcrevemos o art. 23: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.

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desempenhado pelo advogado, o que não se condiciona, em nada, ao resultado da demanda;

os honorários sucumbenciais, por seu turno, condicionam-se ao resultado. Consequentemente,

pode a parte assistida perder a demanda e, ainda assim, far-se-á indispensável fixar honorários

pela prestação da assistência. A sentença, então, fixará tanto os honorários sucumbenciais (a

favor da parte vencedora), quanto os honorários do assistente judiciário (MAMEDE, 2008, p.

285).

Isso porque, sem a efetiva participação do advogado, haverá flagrante ofensa ao

devido processo legal, dentro de uma principiologia do devido processo constitucional, na

qual é inerente a obediência ao contraditório e à ampla defesa. E é justamente através da

indispensabilidade do advogado para a construção do provimento em contraditório, como

instrumentalizador privilegiado e detentor da técnica apropriada, que se traduz a importância

de que este seja bem remunerado pelo serviço prestado ao longo do processo.

No momento em que se fala em remuneração do advogado, deve-se lembrar que

existem três tipos de honorários, conforme será explicitado no terceiro capítulo, sendo os

honorários sucumbenciais àqueles que apreciaremos com maior enfoque, uma vez que serão

eles objeto de fixação pelo juiz, que poderá se utilizar inclusive do critério de equidade

objetiva quando do arbitramento, de acordo com o exposto no primeiro capítulo.

3.2 Exercício da advocacia

São advogados aqueles que possuem inscrição na OAB, sendo privativa destes a

utilização de tal denominação, bem como o exercício da advocacia.36

A conclusão do curso de Direito e a aprovação no exame de ordem só qualificam o

profissional com a designação de bacharel em Direito. Todavia, sem a efetiva inscrição na

OAB esse bacharel não receberá, ainda, a denominação de advogado.

É que após a conclusão do curso e a efetiva aprovação no exame de ordem, o bacharel

em Direito terá, ainda que se inscrever na instituição, com o preenchimento de outros

requisitos, tais como apresentação de título de eleitor e quitação do serviço militar, bem como

ser dotado de idoneidade moral.

36 “Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são

privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”.

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Sendo assim, só após o deferimento de sua inscrição na OAB, será convocado, por

meio de correspondência, a comparecer a sessão solene para entrega da sua carteira de

advogado, na qual cumprirá o último requisito indispensável e personalíssimo, qual seja

prestar o compromisso de bem desempenhar a sua função, que como dito anteriormente, mais

do que função, é um verdadeiro múnus público.

Oportuno lembrar que, deixam de ser advogados aqueles que, por qualquer motivo,

tiverem suas inscrições canceladas pela OAB. Todavia, os que estiverem licenciados, pelas

hipóteses do art. 12 do EAOAB37, tais como aqueles que sofrerem de doença mental

considerada curável, não perdem essa denominação, embora tenham o exercício profissional

suspenso.

Ao mesmo regime do EAOAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina

(CED) estão submetidos também os integrantes da Advocacia Geral da União, Procuradoria

da Fazenda Nacional, Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias dos Estados,

Distrito Federal e dos Municípios, além de entidades da Administração Pública indireta e

fundacional. Eles também exercem o múnus público da advocacia e são elegíveis, podendo,

inclusive, integrar qualquer órgão da OAB.38

A atuação advocatícia tem por características principais, além de ser um múnus

público, a parcialidade e a postulação em juízo, que ocorre, mediante a outorga de mandato

judicial. Como enfatiza Paulo Luiz Netto Lôbo é o advogado que detém “o monopólio da

assistência e da representação das partes em juízo” (LÔBO, 2009, p. 14).

A parcialidade é, por assim dizer, uma das características mais marcantes da atuação

advocatícia, uma vez que o advogado deve agir sempre em favor de uma das partes litigantes,

37 “Art. 12. Licencia-se o profissional que: I - assim o requerer, por motivo justificado; II - passar a exercer, em

caráter temporário, atividade incompatível com o exercício da advocacia; III - sofrer doença mental considerada curável”.

38 “Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Art. 9º Exercem a advocacia pública os integrantes da Advocacia Geral da União, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das autarquias e das fundações públicas, estando obrigados à inscrição na OAB, para o exercício de suas atividades.Parágrafo único. Os integrantes da advocacia pública são elegíveis e podem integrar qualquer órgão da OAB.

Art. 10 Os integrantes da advocacia pública, no exercício de atividade privativa prevista no Art. 1º do Estatuto, sujeitam-se ao regime do Estatuto, deste Regulamento Geral e do Código de Ética e Disciplina, inclusive quanto às infrações e sanções disciplinares”.

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37

no caso do seu cliente. O juiz, ao contrário, deve ser imparcial, sob pena de ser julgado

impedido ou suspeito.

O art. 2º, § 2º do EAOAB39 estabelece que o advogado deve contribuir na postulação

de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgado, o que evidencia seu

dever de parcialidade. Para isso, o advogado vai apresentar argumentos jurídico-

procedimentais em favor de seu cliente, expressando seus valores e interesses, de forma

técnica, apta a ser apreciada e acatada pelo julgador, afinal essa é sua função precípua.

É esse o cerne principal da atuação do advogado, viabilizar a implementação do

contraditório e da ampla defesa, possibilitando o debate para que o julgador possa construir de

forma participada o provimento final legítimo.40

Por isso, no exercício de sua profissão deve o advogado agir sempre com respeito aos

limites legais e éticos, sendo a ilicitude intolerável na atividade advocatícia. Caso contrário, o

advogado estaria traindo a justiça, o dever de lealdade processual, o respeito à ética e a boa-fé,

inerentes à sua profissão.

Portanto, repita-se, deve o advogado atuar de forma lícita, moral e de boa-fé, sob pena

de sofrer sanções administrativas previstas pelo Código de Ética e Disciplina; sanções civis,

previstas nos art. 186 e 187 do Código Civil Brasileiro (CCB); e penais, no caso dos atos

praticados se encontrarem tipificados.

Todavia, da mesma maneira com que o advogado pode ser penalizado por exercício

ilegal ou indevido da profissão, seja na esfera administrativa, perante o Tribunal de Ética da

OAB, civil ou penal, o magistrado também poderá sofrer responsabilização, pessoalmente,

pelo uso indevido da função jurisdicional. Por exemplo, no caso em que o juiz, ao arbitrar os

honorários, utilizando-se do critério de equidade, preceituado pelo § 4º do art. 20 do CPC, não

deixa explícitos, na sua fundamentação, os parâmetros objetivos, apontados pelo próprio

dispositivo e pelo § 3º do mesmo artigo, trazendo evidenciado prejuízo para o causídico, que

trabalhou durante longo período, em causa de extrema relevância, tendo que se deslocar várias

vezes a comarca longínqua, com gastos diversos. Nessa situação, o advogado que teve seus

honorários sucumbenciais, arbitrados em valores irrisórios sem qualquer fundamentação,

39 “Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. [...]

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”.

40 Nesse sentido, enfatizamos que, como será visto nos capítulos seguintes, da mesma forma que o advogado contribui para a construção participada do provimento, também tem o direito assegurado constitucionalmente de participar da construção da decisão de seu interesse, no que tange à fixação de honorários advocatícios.

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poderia sim, demonstrando o teor do seu trabalho, corroborados pelas peças acostadas aos

autos, atas de audiências e acórdãos de julgamentos realizados, bem como através de

declarações do próprio cliente que demonstrem deslocamentos constantes ao interior, dentre

outras questões, pleitear ao magistrado ressarcimento pelos danos evidenciados.

Outra característica de relevância na profissão do advogado é a postulação em juízo,

que é atividade privativa de advogado, que detém a capacidade postulatória41, sob pena de a

parte ter seu direito prejudicado pela falta de habilidade e forma técnica.

O exercício ilegal da profissão, por pessoa não habilitada, conforme previsto pelo art.

4º do Regulamento Geral da Advocacia, será contravenção penal, de acordo com o disposto

no art. 47 da Lei de Contravenção Penal (LCP).

Contudo, é de se destacar que existem algumas exceções a essa postulação em juízo

privativa de advogado, tais como o Habeas Corpus, nos termos do art. 654 do Código de

Processo Penal (CPP), em face da medida emergencial que se pleiteia; a postulação nos

Juizados Especiais, de acordo com o art. 9º da Lei nº 9.099/95 para demandas de valor

inferior a 20 salários mínimos (lembre-se aqui, entretanto que, nas demandas de valor superior

a 20 salários mínimos e nas demandas criminais, tal representação é obrigatória); a postulação

na Justiça do Trabalho, de acordo com o art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT); a postulação na Justiça de Paz e as medidas protetivas à mulher, asseguradas pela Lei

Maria da Penha.

A despeito das exceções acima apontadas, segundo o art. 4º do EAOAB são nulos os

atos praticados por não inscritos, sem prejuízo das sanções administrativas, civis e penais.

Ainda de acordo com o referido artigo também seriam, em regra42, nulos os atos praticados

por advogados impedidos, suspensos, licenciados ou que exercem atividades incompatíveis.

Na hipótese do patrocinado não saber do impedimento, também ficam sanados os atos

praticados, desde que ratificados a tempo, nos termos do art. 13, I, do CPP.

Nas demais hipóteses de advogados suspensos, licenciados ou que exercem atividade

incompatível, também podem ser adotadas as mesmas considerações acima, no que tange à

nulidade relativa, em virtude do moderno entendimento adotado pelo sistema processual

41 Aqui, a título de esclarecimento, frise-se que a capacidade de ser parte, prevista pelo art. 7º do CPC não se

confunde com capacidade postulatória, objeto do nosso estudo, de acordo com art. 1, I do EAOAB. 42 Todavia, de acordo com jurisprudência do STJ, no caso de advogado impedido, não se declara nulidade sem

a efetiva demonstração do prejuízo (pas de nullité sans grief). Aqui se fala em nulidade relativa (atos anuláveis e não nulos), devendo ser alegada oportunamente pela parte que também deverá comprovar o prejuízo sofrido.

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contemporâneo, que se baseia no princípio da instrumentalidade das formas, que verifica os

atos e a forma de acordo com sua função e finalidade e não como fins em si mesmos.

Ainda, de acordo com o § 2º do art. 343, admite-se que o estagiário inscrito na OAB

pratique os atos previstos no art. 1, na forma do Regulamento Geral, em conjunto com o

advogado e sob responsabilidade deste, sob pena de nulidade dos mesmos, nos termos do art.

4º do EAOAB44. Todavia, existem atos que o estagiário pode praticar isoladamente, de acordo

com o art. 29, § 1º, do Regulamento Geral, tais como, retirar e devolver autos em cartório,

assinando a respectiva carga; obter junto aos escrivães e chefes de secretarias certidões de

peças ou autos de processo em curso ou findos e assinar petições de juntada de documentos a

processos judiciais ou administrativos.

Se, contudo, por acaso, o ato foi praticado pelo advogado, auxiliado pelo estagiário,

mas o advogado se esqueceu de assinar a peça, ao contrário do estudante que a assinou, deve-

se permitir a regularização do ato, intimando-se o advogado para comparecer em cartório e

assinar, de modo a regularizar seu lapso, como apregoa o princípio da instrumentalidade das

formas.

No exercício da advocacia, existem também advogados que exercem consultoria,

podendo provê-la, inclusive, profissionais do Direito estrangeiro, desde que em respeito ao

provimento 91/00, do Conselho Federal da OAB, que vincula o exercício da advocacia nessas

hipóteses a autorização da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).45

É relevante destacar o papel da consultoria, pois, cada vez mais cresce no país a

advocacia preventiva e que, conforme o art. 1, II do EAOAB46, também são atividades

privativas de advocacia a assessoria e a direção jurídicas.

43 “Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são

privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). [...]

§ 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste”.

44 “Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia”.

45 Essa autorização se dá a título precário e será concedida tão somente para a “prática de atividade de consultoria no Direito estrangeiro correspondente ao país ou Estado de origem do profissional interessado”.

46 “Art. 1º São atividades privativas de advocacia: [...]

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”.

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3.3 Natureza contratual da prestação do serviço do advogado

Como bem ressalta Gladston Mamede em seu livro A Advocacia e a Ordem dos

Advogados do Brasil:

Ainda que a advocacia seja uma função social e um serviço público, constitui, por igual, um ministério privado (art. 2, § 1, do EAOAB), vale dizer, uma profissão. A prestação de seus serviços, portanto, implica um negócio havido entre o advogado e o cliente; por esse negócio, o advogado compromete-se a prestar os serviços necessários à defesa dos direitos e interesses de seu constituinte e este, por seu turno, compromete-se a remunerá-lo; excetuando-se a hipótese de o causídico oferecê-los de forma graciosa (o que não é raro na advocacia), faz o advogado jus a remuneração por seu trabalho. (MAMEDE, 2008, p. 267).

A advocacia pode ser exercida de forma autônoma ou subordinada, mas,

independentemente da forma escolhida, o advogado deve estar sempre munido de instrumento

de representação, que deve fazer juntar aos autos com intuito de assegurar a validade da sua

atuação.

É que o advogado detém a capacidade postulatória, entendida aqui como capacidade

de “postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”, conforme disposto no

art. 1º, I do EAOAB. O cidadão comum não detém, em regra, essa capacidade postulatória,

necessitando, pois, da contratação de um advogado, delegando a este último poderes para

representar o primeiro em juízo.

Como bem disse venerando acórdão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas

Gerais (TRT/MG), “Por não poder ser onipresente, o homem se faz representar para

multiplicar a presença e atender a carências que a pessoa individualmente não pode realizar”

e, ainda, “Como a mão individual não pode fazer tudo, nem ao homem é facultado estar

presente em todas as atividades, que ele mesmo cria, surge a necessidade de representação,

pela qual uma pessoa age em função de outra [...]” (MINAS GERAIS, 2010).

Pode-se dizer que a necessidade de representação começou em função de interesses

imediatos através do Direito Privado para atender às necessidades das pessoas, em virtude do

vínculo obrigacional, para o fim de determinado contrato.

O instrumento contratual nasceu, já no fim da República Romana, como forma de

regulamentar o entendimento entre as pessoas e evitar conflitos sociais. O termo mandatum,

na sua fase romana, era gratuito e só mais tarde, com a evolução das relações sociais, passou-

se a admitir a concessão de honorários, principalmente quando se delegava a alguém a defesa

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de interesses em juízo e também em casos de intermediação para realização de contratos de

compra e venda (MAYNES, 1891, t. 2, p. 255 apud MINAS GERAIS, 2010).

Com o desenvolvimento das relações interpessoais, o mandato passou a ser oneroso,

assumindo conteúdo econômico.

Temos variadas noções de contrato dentro do ordenamento jurídico, cabendo-nos

destacar algumas, como, por exemplo, a de Clóvis Bevilaqua, que o identifica como ato

jurídico bilateral, definindo-o, de acordo com o art. 1.079 do CCB, “como o acordo de

vontade para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. O ilustre autor

aduz ainda que “entre os atos jurídicos estão os contratos, por meio dos quais os homens

combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou provendo algum vínculo jurídico”.

Já para Pothier contrato é “uma convenção através da qual uma ou mais pessoas se

obrigam em face de uma ou mais pessoas a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa”

(POTHIER, 1947 apud GOMES, 2002, p. 3-4., tradução nossa).47

O professor Darcy Bessone, por sua vez, filiou-se ao Direito Italiano, cujo Código

Civil em seu art. 1.321, define contrato como “o acordo de duas ou mais pessoas para entre si

constituir, regular e extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial” (BESSONE,

1997, p. 165 apud GOMES, 2002, p. 22).

O mandato de representação outorgado pelos clientes aos advogados tem, pois,

natureza contratual, nos termos do art. 1.288 do Código Civil Brasileiro de 1916 e no art. 653

do novo diploma. Segundo referido artigo, o mandatário recebe poderes de outrem, designado

mandante, para em seu nome praticar atos ou administrar interesses.

Temos como instrumento do mandato a procuração, que é o meio formal de outorga de

poderes. Como ressalta Sílvio de Salvo Venosa:

A etimologia da palavra dá idéia do conteúdo do negócio: mandare, no sentido de mandar ou ordenar, ou manun dare, dar as mãos, como até hoje se sacramentam certos negócios e acordos sem cunho jurídico. O mandato confere um poder que se reveste hoje de dever para o mandatário. (VENOSA, 2003, v. 3, p. 265).

É de salientar, porém, que procuração e mandato não se confundem, sendo a primeira

manifestação unilateral de vontade, enquanto o segundo requer manifestação bilateral de

47 “Une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent envers une ou plousieurs autres `a

donner, à faire ou à ne pás faire quelque chose”. Nessa concepção se inspirou o Código Francês, ao enunciar, no art. 1101, que “le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pás faire quelque chose”.

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vontade. E, em nosso ordenamento jurídico, vê-se que a representação é inerente ao mandato,

ou seja, se não há representação, não há mandato.

De acordo com o art. 5º do EAOAB, “O advogado postula, em juízo ou fora dele,

fazendo prova do mandato”.

Importante ressaltar que qualquer que seja a hipótese de advocacia exercida, quer a

título de consultoria ou de assessoria, quer como empregado ou empregador é através do

mandato judicial que irá se efetivar a capacidade postulatória indispensável à atuação em

juízo.48

Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo:

O mandato judicial é o contrato mediante o qual se outorga a representação voluntária do cliente ao advogado, para que este possa atuar em nome daquele, em juízo ou fora dele. O instrumento do mandato, onde são explicitados os poderes da representação, é a procuração, que o advogado deve sempre provar. (LÔBO, 2009, p. 38).

Todavia, o parágrafo primeiro do art. 5º do EAOAB49 estabelece que, em situações

urgentes, o advogado pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la em quinze dias,

prorrogável por igual período, desde que justificada (uma única vez). Nesse caso, basta a

declaração de urgência feita pelo advogado, que é dotada de presunção legal de veracidade.

A falta do referido mandato gera consequências não só em face do suposto mandante,

mas também em relação a terceiros, atingindo não só o plano da eficácia, mas também o de

existência, hipótese em que o advogado poderá responder no campo administrativo pela

infração disciplinar cometida, bem como na esfera civil, por eventuais prejuízos causados.50

48 De acordo com o art. 15, §3º do EAOAB, no caso de sociedade de advogados, “as procurações devem ser

outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte”. Todavia, não se pode outorgar mandato à sociedade.

49 “Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.

§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período”.

50 No caso de defensor público, a representação da parte independe de mandato judicial, exceto para as hipóteses em que a lei exige poderes especiais, de acordo com o art. 44, XI, da Lei Complementar nº 80, de 12/01/1994. Já em relação aos procuradores de autarquias, o STJ, entende que também estariam dispensados de provar o mandato judicial pela procuração, uma vez que estão exercendo atribuição inerente ao cargo que exercem, bastando declinarem o cargo, com o número de matrícula e indicarem o número de inscrição na OAB. Ex: procuradores do Banco Central do Brasil. Na hipótese de advogados convocados para prestarem assistência judiciária, fora do âmbito da defensoria, entende-se que a aceitação do patrocínio leva ao mandato com o cliente.Os estagiários, por sua vez, podem receber poderes através de substabelecimento, no entanto, não podem substabelecer porque não têm poderes para fazê-lo, ninguém substabelece poderes que não possui.

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A designação contida na procuração expressa pela terminologia “poderes para o foro

em geral” significa que o advogado estará apto a exercer um conjunto de poderes, sem a

necessidade de especificá-los, necessários ao desenvolvimento normal do processo.

Os poderes especiais, ao seu turno, não se encontram explicitados no EAOAB, mas em

legislações processuais. São eles: de receber citação inicial, confessar, reconhecer a

procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação,

receber, dar quitação e firmar compromisso.

Caso julgue conveniente ou mesmo por questão ética, o advogado pode renunciar ao

mandato judicial que lhe foi outorgado pela parte. Por exemplo, o advogado deve renunciar

sempre que sentir ausência de confiança pelo cliente. De acordo com o art. 13 do Código de

Ética e Disciplina “a renúncia implica omissão do motivo e a continuidade da

responsabilidade profissional do advogado, durante o prazo estabelecido na lei”, que

conforme o EAOAB e o art. 45 do CPC, é de dez dias. Esse prazo tido como necessário para

que o cliente possa contratar outro advogado, ficando o advogado responsável por qualquer

prejuízo causado na defesa do primeiro nesse período, por dolo ou culpa. Tal prazo pode ser

dispensado, caso haja constituição de novo advogado antes do seu término (EAOAB) ou não

houver necessidade de sua permanência para evitar prejuízo ao mandante (CPC).

Frise-se que a renúncia não é só uma faculdade do advogado, mas uma imposição

ética, em certos casos, como aqueles previstos pelo Código de Ética e Disciplina, tal qual

ocorre, por exemplo, se o cliente tiver omitido a existência de outro advogado já constituído.51

Em virtude das considerações acima, evidencia-se que a prestação do serviço do

advogado tem natureza contratual de mandato, do qual decorre a representação do cliente, que

confere poderes ao advogado para representá-lo em juízo ou fora dele (LÔBO, 2009, p. 38).52

Como características desse contrato, podem-se citar primordialmente a mútua

confiança, a exigência de aceitação, seu caráter consensual, a possibilidade de ser gratuito ou

oneroso, bem como o fato de sua outorga estar vinculada apenas para a prática de atos

jurídicos, dentre outras, tais como o de ser, em virtude da mútua confiança, intuitu personae.

51 Frise-se que a renúncia só se consuma com a efetiva notificação ao cliente, judicial ou extrajudicial (carta

com aviso de recebimento) e também que não se admite renúncia genérica, caso o advogado esteja acompanhado várias causas para a mesma parte.

52 Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo, citando jurisprudência, havendo indicação de assistência judiciária (agora dependente da impossibilidade efetiva da Defensoria Pública no local dos serviços), o mandato é admitido sem procuração porque se assemelharia ao mandato ad litem (1TACSP, AC 206.525, Jurisprudência Brasileira, 123: 191).

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O advogado, indispensável ao debate como partícipe inconteste da construção de uma

decisão legitimada pelo contraditório, deve, portanto, estar munido de poderes, sob pena de,

conforme explicitado acima, trazer prejuízo ao cliente, por uma posterior nulidade.

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4 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Neste capítulo serão abordados de maneira genérica os honorários advocatícios com

enfoque inicial na sua origem teórica e espécies.

Como será visto a seguir, os honorários advocatícios, uma vez que tornada a advocacia

profissão, passaram a corresponder naturalmente à contraprestação que deveria ser exigida

quando da atuação do causídico.

Normalmente, quando se fala em honorários advocatícios tem-se em mente aqueles

honorários pagos pelo cliente ao advogado em razão do serviço prestado, decorrentes de

contratação para serviços judiciais ou extrajudiciais. Todavia, como será visto adiante existe

outra espécie de honorários advocatícios, decorrentes de decisão judicial, com o fito de

remuneração aos advogados pela atuação no iter procedimental, a serem pagos pela parte

perdedora.

Os honorários sucumbenciais, que compõem esse segundo gênero, são os que mais

interessam ao presente estudo, uma vez que se está a verificar justamente a utilização de

apreciação equitativa quando do seu arbitramento pelo julgador.

Para que se possa dar sequência às colocações e conclusões sobre o tema objeto de

análise, fundamental - conforme será feito ao final deste - que sejam explicitados os requisitos

previstos no art. 20 do CPC, utilizados quando da fixação dos honorários sucumbenciais.

Nesse sentido, evidenciam-se os objetivos atinentes ao capítulo, que não pretende

esgotar o tema referente a honorários advocatícios, em sua generalidade, mas dar enfoque a

questões indispensáveis ao deslinde deste trabalho, principalmente no que tange ao artigo 20 e

§ 3º e 4º do CPC, que transcrevemos nesta oportunidade:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20 % (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação dos serviços;

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

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§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante a apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

4.1 Origem teórica

Para uma melhor análise do instituto dos honorários, primeiro se deve verificar

algumas questões indispensáveis em relação à sua origem teórica, com a verificação sobre se

ele pertenceria ao direito material ou ao direito processual.

Para Giuseppe Chiovenda, existiria um gênero intermediário entre essas categorias, o

direito processual material, sendo que o referido instituto seria disciplinado pelo direito

processual, mas com repercussão direta na vida das pessoas em sociedade (LOPES, 2008, p.

9).

Segundo ele, também não poderia referido instituto ser enquadrado de modo preciso

nem na esfera do direito público, nem naquela do direito privado, irradiando nuances em

ambos, restando ao intérprete identificar no caso concreto quais os contornos mais nítidos.

Pelo art. 22 do EAOAB53 a Ordem dos Advogados do Brasil assegura aos seus

inscritos o direito aos honorários convencionados, fixados por arbitramento e aos

sucumbenciais, a não ser na hipótese, prevista pelo mesmo artigo em seu parágrafo quinto, de

defesa de outro advogado em processo sobre ato ou omissão praticado no exercício da

advocacia.54

Os honorários advocatícios, conforme já destacado acima, são os vencimentos devidos

ao advogado pelo cliente em troca dos serviços prestados, em regra, por força contratual, ou,

na ausência de contrato, a ser fixado judicialmente, ou, ainda, devidos por quem deu causa ao

processo ao advogado de seu oponente, designados honorários de sucumbência.55

53 Art. 22 do EAOAB. “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos

honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. 54 “§ 5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato outorgado por advogado para defesa

em processo oriundo de ato ou omissão praticada no exercício da profissão”. 55 “Aqui mister salientar que os honorários sucumbenciais também são fixados por decisão judicial, apesar do

referido dispositivo assim não dispor expressamente”.

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Frise-se que em qualquer das espécies de honorários o titular do direito será sempre o

advogado e, não, a parte adversa. O procurador, então, de acordo com o art. 23 do EAOAB56,

tem direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório,

quando necessário, seja expedido em seu favor.

E, como disposto pelo referido artigo, é de se enfatizar que o recebimento de

honorários sucumbenciais constitui-se importante prerrogativa assegurada pela profissão

advocatícia, sendo possível, todavia, que haja estipulação em contrário entre advogado

empregador e advogado empregado expressa através do contrato de prestação de serviços.

Segundo José Cretella Júnior, definir a natureza jurídica de um instituto é “enquadrá-

lo em moldes jurídicos preexistentes” (CRETELLA JÚNIOR, 1995, p. 74-75 apud LOPES,

2008, p. 06). Nesse sentido, no capítulo presente, procurou-se estabelecer como dito

anteriormente, a origem teórica dos honorários advocatícios em sua generalidade.

Primeiramente, há que se fazer referência ao gênero custo processual, do qual são

espécies as despesas processuais e os honorários advocatícios. As despesas processuais se

referem a todos os itens do custo do processo devidos ao órgão estatal, tais como custas,

emolumentos, custos com diligências, intimações, citações; além da remuneração aos

auxiliares da justiça. De outro lado, honorários advocatícios são, por assim dizer,

remuneração devida a profissionais liberais, como os advogados, por exemplo, em troca dos

serviços prestados ao seu cliente.

Já em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, conforme acima

explicitado, não são os mesmos decorrentes de contrato, mas, sim, de lei, que assegura serem

eles devidos por quem deu causa ao processo, ao advogado de seu oponente.

Os honorários de sucumbência são, conforme visto acima, fixados por decisão judicial

e serão, portanto, o objeto precípuo de nossa abordagem, que apontará a seguir as

características de cada espécie de honorários advocatícios.

56 Art. 23 do EAOAB. “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem

ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.

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4.2 Espécies

4.2.1 Honorários convencionais ou convencionados

Os honorários convencionais ou convencionados, como primeira espécie objeto de

nossa análise, têm natureza jurídica contratual, sendo que a obrigação pré-contratual é

inerente ao contrato e aplica-se não só ao advogado, como também ao cliente.

O advogado não pode, por exemplo, deixar de informar o cliente dos riscos de uma

aventura jurídica, o que pode inclusive gerar futura responsabilização civil e, de outro lado, o

cliente não pode omitir dados importantes e relevantes da causa, levando o advogado a erro

quando da cobrança de honorários por acreditar se tratar de caso mais simples.

Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo (2009, p. 143), a contratação de honorários por

escrito constitui-se como “dever ético do advogado, para reduzir o potencial de risco e

desgaste com o cliente que repercute mal na profissão[...]”.

Os honorários convencionados ou contratuais devem ser fixados com moderação,

conforme previsto pelo art. 36 do Código de Ética e Disciplina, atendidos os seguintes

parâmetros:

I- relevância, vulto, complexidade e dificuldade das questões; II - o trabalho e o tempo necessários; III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros; IV - o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante do serviço profissional; V - o caráter da intervenção: eventual, habitual ou permanente; VI - o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado; VII - a competência e o renome do profissional; VIII - a praxe do foro sobre trabalhos análogos.

O referido contrato de honorários deve prever eventual correção monetária ou

possibilidade de majoração por aumento dos atos judiciais, especificações e forma de

pagamento, inclusive no caso de acordo, além de eventual autorização para que haja

compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam ser entregues

ao constituinte ou cliente, de acordo com o art. 35 do Código de Ética e Disciplina.

Como contrato que é, a possibilidade de revisão de honorários pactuados se impõe e,

para tanto, ambas as partes devem estar de acordo com as alterações a serem feitas no contrato

original e, de acordo com o art. 22, § 3º, do Estatuto dos Advogados da OAB, a forma de

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pagamento dos honorários convencionados, se silente o contrato, se dará em três parcelas,

sendo a primeira no início do serviço; a segunda até a decisão e a terceira ao final da

demanda.

Também prevê o Código de Ética e Disciplina em seu artigo 14 que a revogação do

mandato não afasta o direito aos honorários advocatícios e, no caso de substabelecimento, os

advogados devem ajustar antecipadamente seus honorários, como prevê o art. 24, § 2º, do

mesmo CED.

Da mesma maneira, ainda que o cliente faça acordo diretamente com a outra parte, o

advogado não ficará prejudicado no recebimento dos honorários avençados.

Há ainda a hipótese de se inserir no contrato de honorários convencionais uma

cláusula de sucesso, denominada cláusula quota litis, que prevê honorários a serem pagos pelo

cliente em razão do êxito da demanda.

Frise-se, todavia, que de acordo com o art. 38 do Código de Ética e Disciplina, os

honorários devem constituir-se, em regra, em pecúnia57, e, quando acrescidos dos honorários

da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou

do cliente.

Os honorários convencionados são, portanto, os que o advogado estabelece em acordo

com o seu cliente a título de remuneração pelos serviços advocatícios prestados, e, como diz

José Oswaldo de Oliveira Leite, citado por Gladston Mamede, “é fonte de enriquecimento

honesto desde que haja lealdade no cobrar, se possível com prévio contrato de honorários; que

se cobre sem locupletamento; e que se cobre sem mercantilização”58.

Lembrando que não pode o advogado promover a disseminação do aviltamento da

profissão, cobrando muito aquém dos parâmetros das tabelas regionais de honorários. É

sabido que pode o advogado, exercendo o múnus público inerente à sua profissão, atuar

inclusive gratuitamente, de modo a utilizar sua qualificação técnica e capacidade postulatória

em prol daqueles desprovidos de recursos financeiros. Todavia, só deve fazer isso em

situações excepcionais em que se verifique motivo justo para abrir mão de sua remuneração.

57 Excepcionalmente, tolera-se a participação do advogado em bens particulares. 58 Subsídios para uma orientação profissional. Palestra proferida na solenidade de entrega de carteiras da

OAB/MG, em homenagem ao Min. Cunha Peixoto no dia 5 de abril de 1973. Não publicado, citado por Mamede (2008, p. 133).

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Advogados que estiverem se utilizando de anúncios59 diversos com oferta de

honorários deliberadamente abaixo da tabela, ou, no mesmo esteio consultas grátis, estarão

sem sombra de dúvida contribuindo sobremaneira para o vilipêndio da profissão advocatícia,

podendo inclusive, ser punidos por atribuírem caráter mercantil à atividade.

Por derradeiro, frise-se que o contrato de honorários firmado pelo cliente e o advogado

é título executivo extrajudicial, previsto no art. 24 do EAOAB, e como tal não precisa estar

assinado por duas testemunhas. Sendo que no caso de descumprimento contratual, o advogado

tem o prazo de cinco anos para ingressar com a respectiva ação de cobrança, contados na

forma do art. 25 do EAOAB.60

4.2.2 Honorários fixados por decisão judicial

Os honorários fixados judicialmente, por arbitramento, por sua vez, podem ou não

abranger os honorários de sucumbência.

É que, na hipótese de não existir contrato de honorários, o advogado deverá pedir ao

juiz que os arbitre o que será feito através de decisão judicial, na qual caberá ao juiz fixar seus

valores. Todavia, o arbitramento que enfatiza a utilização de discricionariedade pelo

magistrado não pode ser instrumento de arbitrariedade da parte do juiz, que deverá observar

parâmetros fixados pela lei (LÔBO, 2009, p. 144).

Dentre os parâmetros estabelecidos pela lei está o limite mínimo da tabela organizada

pelos Conselhos Seccionais da OAB61, bem como outros a serem levados em conta pelo

julgador, tais como o trabalho realizado, o número de peças produzidas e de tempo gasto, a

média da remuneração recebida em casos assemelhados, as despesas e deslocamentos feitos

59 Frise-se que pode o advogado se anunciar desde que em respeito aos art. 28 a 34 do CED que prevê os limites

da publicidade, permitindo apenas os anúncios moderados e discretos, com finalidade exclusivamente informativa, estando vedado o uso de meios promocionais característicos de atividade mercantil. Como bem disse Paulo Luiz Netto Lôbo: “O serviço profissional não é uma mercadoria que se ofereça à aquisição dos consumidores” (LÔBO, 2009, p. 193).

60 De acordo com o artigo 25 do EAOAB, o advogado tem o prazo de cinco anos para ingressar com a respectiva ação de cobrança, contados do vencimento do contrato, se houver; do trânsito em julgado da decisão que os fixar; da ultimação do serviço extrajudicial; da desistência ou transação; ou da renúncia ou revogação do mandato.

61 Importante destacar que ao contrário do que pensam muitos estudantes de Direito e até mesmo advogados, não existe uma tabela nacional de honorários, mas sim variadas tabelas cuja organização é de responsabilidade exclusiva dos Conselhos Seccionais. Nesse sentido, a OAB de Minas Gerais, por exemplo, tem a sua tabela de honorários que deve servir de parâmetro aos honorários mineiros.

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pelo advogado, o valor econômico da causa, dentre outros.

Essa hipótese de fixação judicial, no entanto, não se confunde com a sucumbência,

equivalendo a honorários a serem pagos a título de honorários “contratuais”, e, não, como

verba sucumbencial.

É que, segundo estabelece o art. 22, § 2º, do EAOAB, é direito do advogado, na falta

de estipulação ou acordo sobre honorários, o arbitramento dos mesmos pelo juiz, em

remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser

inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo conselho seccional da OAB; uma vez

que o mandato presume-se oneroso, de acordo com o art. 658, parágrafo único do Código

Civil Brasileiro.

Ainda na hipótese de o advogado ser convocado pelo Estado a exercer seu múnus

público, de acordo com o art. 5º, § 1º e 2º, da Lei nº 1.060/50, para assistir o cidadão

necessitado, também deverá ter seus honorários fixados por arbitramento, a serem pagos pelo

Estado.

Aqui se deve frisar que assistência judiciária é dever do Estado, conforme preceitua o

art. 5º, LXXIV da CRFB, que deve organizar a Defensoria Pública, nos termos do art. 134,

também da Carta Constitucional.

Todavia, pelo disposto no art. 22, § 1º, do EAOAB62, o advogado que é nomeado para

patrocinar causa de juridicamente necessitado, tem o direito aos honorários por seu trabalho,

que deverão ser fixados pelo juiz, orientando-se este último pela tabela organizada pelo

Conselho Seccional da OAB, devendo ser pagos tais valores pelo Estado. Sendo que tais

honorários não estão vinculados à vitória e não se alteram, pois, em face da atribuição de

honorários sucumbenciais.

Lembre-se que assistência Judiciária é diferente de Justiça Gratuita como ressalta o

professor Gladston Mamede:

Há assistência judiciária sempre que a pessoa que necessite de um advogado para a defesa de seus direitos e interesses recorra ao Estado para lhe providenciar profissional capacitado para tanto. A assistência judiciária, portanto, inclui a nomeação de um defensor, que poderá ser um servidor (o defensor público) ou um

62 Art. 22. “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários

convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”.

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particular que seja nomeado para atuar naquele caso em especial, assistindo o necessitado. A assistência jurídica inclui a justiça gratuita, mas não se resume a ela. A justiça gratuita, nesse contexto, é apenas concessão, pelo judiciário, de gratuidade de custas e demais despesas processuais, a incluir honorários advocatícios de sucumbência e os honorários periciais. Concede-se a justiça gratuita a todos aqueles que se declarem pobres no sentido legal, isto é, cuja situação econômica não lhes permita pagar custas e despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Não é benefício exclusivo dos que gozam de assistência judiciária; muitos encontram advogados que lhes defendam a causa gratuitamente ou, ainda, contratando honorários quota litis; há profissionais que cobram valores extremamente baixos e, até, que facilitam o pagamento, permitindo que aquele que tenha parcas condições financeiras goze de assistência advocatícia. Esses, preenchendo os requisitos legais, merecerão assistência judiciária. (MAMEDE, 2008, p. 289).

É de se ressaltar que qualquer que seja a espécie de honorários, sejam convencionados

ou arbitrados, são créditos que advêm do trabalho do advogado e, por isso, têm caráter

alimentar, gozando de privilégio em eventual habilitação entre os credores na falência, etc.

Todavia, lembre-se, acaso o advogado necessite de arbitramento ou cobrança judicial, não se

pode utilizar de emissão de faturas que derivem de duplicatas, que, por sua vez, têm caráter

eminentemente mercantil, sendo, portanto, incompatíveis à profissão advocatícia. Da mesma

maneira, não comporta emissão de qualquer ouro título de crédito e, muito menos, protesto.63

De outro lado, temos os honorários fixados por decisão judicial em decorrência da

sucumbência, que são os designados honorários de sucumbência ou sucumbenciais, que mais

nos interessam no presente trabalho, uma vez que o objeto principal do estudo realizado é

justamente a equidade judicial quando do arbitramento dos honorários sucumbenciais

(conforme será explicitado no próximo capítulo), ou seja, aqueles devidos por quem deu

natureza ao processo, ao advogado de seu oponente, conforme dito anteriormente.

63 Lembre-se que, ainda que haja revogação do mandato judicial por vontade unilateral do cliente, deverá o

mesmo arcar com o pagamento dos honorários contratados, o que também procede em relação aos honorários de sucumbência, de acordo com o serviço efetivamente prestado pelo advogado, conforme assegura o art. 14 do CED. Caso contrário seria possível implementar o calote ao advogado, uma vez que, ao final da demanda, vendo-se praticamente vitorioso, o mau cliente poderia revogar o mandato e ficar sem pagar parte dos honorários advocatícios.

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4.2.3 Honorários sucumbenciais

4.2.3.1 Origem teórica

Os honorários advocatícios são originários de obrigação legal (art. 20 do CPC),

decorrendo automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido

omitir-se frente a sua incidência (LOPES, 2008, p. 19).

Em termos históricos, ao longo dos anos, várias foram as tentativas de se atribuir aos

honorários sucumbenciais uma origem teórica64, as quais serão a seguir objeto de nossa

apreciação.

Primeiramente, aos honorários de sucumbência foi atribuída a origem teórica de

sanção, uma vez que seriam os mesmos resultados de imposição de sanção, o que não

significa dizer que esta última teria natureza condenatória. Na hipótese, a sanção é de natureza

compensatória, mediante a qual se busca indenizar um dano, como ocorre na espécie.

É que, no Direito Romano, no período das legis actiones e nos primeiros tempos

do formular, o custo do processo não era significativo em virtude de diversos fatores

(CHIOVENDA, 1935, p. 13-14 apud LOPES, 2008, p. 26). O sucumbente então era

penalizado e, como se tratava de verdadeira pena, e não de indenização, o dinheiro não era

entregue ao vencedor da demanda, mas sim aos sacerdotes ou ao Erário.

Ainda no período formular, houve uma evolução com a transformação da natureza de

sanção, que passou de pena a uma embrionária indenização, revertida ao bolso do vencedor

para compensar a parte vencedora do custo suportado para participar do processo (LOPES,

2008, p. 27).

No Direito medieval, amparado pela Teoria da Pena, de Heennemann e Emmerich, a

condenação, por sua vez, somente seria imposta ao vencido, caso restasse evidenciada a

sua má-fé (HEENNEMANN, 1789; EMMERICH, 1790 apud LOPES, 2008, p. 28).

A seguir, a má-fé passou a não mais ser objeto de análise, e o perdedor não precisaria

64 Neste tópico, utiliza-se expressão “origem teórica” adotada por Rosemiro Pereira Leal, ao invés da expressão

natureza jurídica, por entender ser a terminologia mais apropriada dentro do contexto de uma processualidade democrática.

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ter agido de má-fé para ser condenado. Nessa fase, acolheu-se a Teoria do Ressarcimento, de

Adolph Weber, para indenizar os prejuízos experimentados pelo vencedor no curso do

processo, fundamentando-se na equidade e na culpa aquiliana, segundo a qual agiria com

culpa, ainda que em grau mínimo, pelo simples fato de ter se oposto em juízo, sustentando

pretensão que foi rejeitada (WEBER, 1788 apud SILVA, 2004, p. 201-204).

A Teoria da sucumbência, a seu turno, foi o ponto culminante na evolução histórica do

Direito Romano, segundo Giuseppe Chiovenda, por ser mais adequada à distribuição do custo

do processo e, por conseguinte, evitar demandas temerárias.

Segundo referida teoria o direito existe antes mesmo do pronunciamento do seu

julgador, que apenas reconhece a sua existência ao titular, o qual, por sua vez, é ressarcido

pelos ônus que teve que suportar com a demanda, e assim tem assegurada a prestação da

tutela jurisdicional integral, resguardada a efetividade do ordenamento jurídico.

Nessa teoria também há a supressão da figura da “culpa”, pois há o ressarcimento,

independente de ter a parte sucumbente agido com culpa. Em fase anterior, como visto acima,

Carnelutti insere-a no princípio dell’agire a proprio rischio e a equipara à responsabilidade

civil pelo exercício de atividades perigosas. Segundo ele, “anche l’azione in giudizio è

periculosa per sua natura [...]” (CARNELUTTI, 1958, p. 122 apud LOPES, 2008, p. 34).

Ovídio Araújo Baptista da Silva (2004, p. 201-204), a seu turno, não concorda com o

italiano Carnelutti e nem com a teoria que acolhe a responsabilização sem culpa, apregoando

que a defesa da responsabilidade objetiva não se fundamenta em razões ontológicas, mas em

uma ficção imposta pela exigência econômica racionalista de que os direitos tenham sempre o

mesmo valor, e está pautada em paradigmas superados, como os princípios da univocidade de

sentido da lei e do caráter declaratório da jurisdição.

Por derradeiro, cumpre tecer algumas considerações sobre a Teoria da Causalidade,

segundo a qual a definição da responsabilidade civil tem como suporte o tripé dano, nexo de

causalidade e culpa, e, em se tratando de responsabilidade objetiva, dispensa-se a culpa.

O sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, no CPC de 1939,

em seus art. 63, 64 e 205, acolhia a Teoria da Pena, sendo subjetiva a responsabilidade por

honorários. Mais adiante, ainda na vigência do CPC de 1939, a Lei nº 4.632/65, modificou a

redação do art. 64 e deixou de exigir o dolo ou a culpa como requisito à condenação de

honorários.

No CPC atual, o art. 20 impõe condenação do “vencido a pagar ao vencedor as

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despesas que antecipou e os honorários advocatícios”, sem fazer qualquer menção à conduta

das partes. Pode-se dizer, portanto, que o nosso ordenamento jurídico atual acolheu o sistema

da responsabilidade objetiva e, no que tange à Teoria da Causalidade, a menção ao referido

artigo em relação ao pagamento de honorários pelo vencido não é óbice à sua adoção,

enfocando a insuficiência da sucumbência como critério geral e dada a circunstância de ela

não ser nada mais do que um indício do nexo de causalidade, deve se considerar vigente no

Direito brasileiro a Teoria da Causalidade como fazem a doutrina e a jurisprudência (LOPES,

2008, p. 47-49).

Em virtude do exposto neste item, é de se aferir, portanto, que vigora na concepção

atual a Teoria da Causalidade, posicionamento que, conforme Yussef Said Cahali (1997, p.

59), esse posicionamento “além de apresentar-se com melhor justificação e mais preciso na

prática, é aquele que se caracteriza por uma generalidade menos vulnerável à crítica sob

pretexto de insuficiência”.

Ainda, Yussef Said Cahali (1997, p. 59), ao salientar a adoção da Teoria da

Causalidade como melhor opção enfatiza que a mesma “traz em seu contexto a regra da

sucumbência, como especificação objetiva, completando-se, por outro lado, com as demais

regras que não lhe são conflitantes para a solução dos casos”.

4.2.3.2 A observância aos requisitos do art. 20 do CPC

O art. 20 do CPC estabelece uma proporção variável de 10% a 20% sobre o valor da

condenação, determinando ao juiz, portanto, no caso de honorários por sucumbência, que

observe os seguintes critérios:

a) o grau do zelo profissional;

b) o lugar da prestação de serviços;

c) a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo

exigido para o seu serviço.

O grau de zelo do profissional se relaciona ao trabalho físico e intelectual do advogado

em diligenciar pela causa, adotando todos os meios possíveis e lícitos em prol de uma decisão

favorável ao seu cliente. Como ressalta Yussef Said Cahali (1997, p. 459), “o zelo

profissional, previsto na letra a do art. 20, § 3, é subjetivo, está na pessoa do advogado”,

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advertindo, porém, que “o trabalho realizado (letra c) está fora dele, é produto de sua ação”.

Todavia, frise-se que a obrigação assumida pelo advogado em favor do cliente não se

configura como obrigação de resultado, mas, sim de meio, motivo pelo qual só poderá ser

eventualmente responsabilizado pelo exercício da advocacia na hipótese de agir dolosamente

ou, então, culposamente, nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia.

Ainda no que tange ao grau do zelo profissional, a doutrina aponta necessidade de se

apurar outras peculiaridades, principalmente no que diz respeito à qualificação e renome do

profissional. Isso porque, por óbvio, aquele que tem maior aceitação no meio, em vista de

suas atribuições pessoais, acaba por ter “maior” responsabilidade, já que metaforicamente

falando, se porventura cometer algum erro, a repercussão desse erro será muito maior e lhe

trará maiores prejuízos.

De acordo com Guido Arzua, a competência profissional, entendida como “soma de

conhecimentos técnico-jurídicos e a experiência forense, que redundam na capacitação de

realização profissional”, não autoriza, por si só, “a exigência de honorários excepcionais, pois

que está implícita nas condições comuns do advogado”. Por outro lado, enfatiza o mesmo

autor, “o renome, sim, é que valorizará o trabalho, tornando mais respeitável pelo peso da

fama de jurista, que o patrocina” (ARZUA, 1957, p. 61).

Outro requisito a se observar no arbitramento dos honorários, de acordo com a alínea b

do referido dispositivo, é o lugar de prestação do serviço advocatício, considerando-se o local

para onde o advogado teve que se deslocar, critério esse indispensável para justificar o

aumento ou diminuição do valor a ser arbitrado a título de honorários sucumbenciais. E, nesse

sentido, devem-se verificar as condições físicas, tais como distância, tempo gasto com esse

deslocamento, dificuldade de acesso, condições adversas às quais teve que se submeter, tendo

em vista essa eventual dificuldade de acesso, gastos envolvidos ao longo desse percurso e por

derradeiro e a quantidade de deslocamentos que o advogado teve que fazer.

Como salienta Yussef Said Cahali (1997, p. 461): “Como fator objetivo, que torna a

ação do advogado mais ou menos penosa, a ser levado em conta pelo juiz no arbitramento dos

honorários, menciona o Código (art. 20, §3, b) o lugar da prestação do serviço”.

É que, exemplificativamente falando, um advogado domiciliado em Belo Horizonte

que teve que se deslocar para a longínqua cidade de Porteirinha, quase divisa com o estado da

Bahia, por consequência teve que se submeter a viagens cansativas, além de ter tido muito

mais gastos, aqui entendidos, nos sentidos financeiro e de tempo, dentre outros, do que, por

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57

exemplo, se o mesmo advogado domiciliado em Belo Horizonte tivesse que se deslocar para

prestar serviços advocatícios na cidade de Sabará, localizada na região metropolitana da

capital mineira.

Guido Arzua (1957, p. 61) admite que “a locomoção necessária às comarcas e distritos

estranhos à sede profissional do advogado, impõe despesas e exige tempo, justificando assim

remuneração mais elevada que a do costume e praxe no lugar da prestação do serviço”.

Nesse sentido Yussef Said Cahali (1997, p. 461) destaca que “a parte é livre para

servir-se de advogado de sua confiança, não residente na sua comarca, particularmente

quando se cuida de litígio envolvendo matéria jurídica especializada”.

Já a alínea c do artigo 20 do CPC estabelece três requisitos objetivos, quais sejam, a

natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o

seu serviço.

A natureza e importância da causa é um fator de extrema importância na fixação dos

honorários de sucumbência, devendo ser verificado com muito zelo pelo decisor, uma vez que

“uma causa em que se discutem graves questões de direito exige mais do advogado do que

outra em que o pedido se funda em jurisprudência pacífica, sem qualquer controvérsia

plausível” (TORNAGHI, 1974, p. 168 apud CAHALI, 1997, p. 465).

O trabalho realizado pelo advogado deve sempre ter sua remuneração devida, ou seja,

de acordo com o número de atos que o mesmo teve que praticar, em virtude das

especificidades do caso concreto. Há de se verificar, por exemplo, a existência ou não de

incidentes processuais, a quantidade de recursos interpostos, dentre outros.

Já em relação ao critério tempo, observa-se a longevidade do processo, o que por

óbvio resulta em averiguar uma maior atuação por parte do advogado e, portanto, se ele

trabalhou durante longo período, tem direito a uma remuneração maior.

É notório que, ainda hoje, sofremos com a morosidade e pouca efetividade, que

inclusive geraram uma série de mudanças na legislação processual. Todavia, o grande

problema na realidade, como alertado por vários doutrinadores, está no funcionamento do

sistema jurisdicional brasileiro, que se mostra deficiente em uma série de aspectos, dentre eles

o número pequeno de operadores do Direito, muitos sem a devida qualificação; a escassez de

recursos materiais e a falta de um controle estatístico de qualidade e planejamento para

superar as deficiências verificadas.

Sendo assim, no que tange ao critério tempo, percebe-se, pois, que no esteio do

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processo atual, torna-se indispensável sua valoração para atribuição dos honorários.

Todavia, o tempo aqui deve ser compreendido não apenas em relação à duração do

processo, conforme enfocamos acima, mas também como o tempo gasto pelo advogado com

estudo e preparo de suas peças.

É de se ressaltar, sobretudo, que os honorários servem à remuneração de um trabalho

e, portanto, apenas quando ele estiver terminado é possível verificar o seu valor. E para essa

base de cálculo o julgador deve sempre se ater a esses requisitos, levando em conta o

benefício econômico proporcionado pela atuação do advogado, seja qual for a natureza da

sentença, de acordo com a Súmula nº 141 do STJ.

No entanto, o § 4º do mesmo artigo 20 do CPC atribui ao magistrado o “poder” de se

utilizar da equidade para fixar o valor dos honorários nas causas de pequeno valor, nas de

valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública,

e nas execuções, embargadas ou não.

Contudo, apesar de não haver parâmetros máximos ou mínimos nessas hipóteses, o

juiz deve motivar sua decisão, pelos parâmetros condicionantes acima citados respeitada a

singularidade de cada caso concreto, o que na prática nem sempre acontece, já que muitas

vezes nos deparamos com fixação de valores irrisórios sem motivação pertinente, o que não

podemos aceitar. Nessas situações, o recurso é o meio viável de demonstrar a insatisfação

com os valores arbitrados e não deve o advogado abrir mão desse seu direito.

Apesar de, em princípio, a equidade prevista no art. 20 do CPC ser uma possibilidade

de aplicação de critério subjetivo atrelado a critérios objetivos, que devem constituir a

fundamentação do capítulo da sentença no que tange aos honorários, na maioria das vezes,

pelo que se percebe no dia a dia da prática forense, não é o que se verifica.

É que ao arbitrar o valor da condenação com base no critério da equidade, o

magistrado não se reporta aos critérios objetivos que devem nortear essa fixação, tais como

aqueles previstos nas alíneas a, b e c do art. 20 do CPC, levando ao arbitramento de valores

que não remuneram da maneira devida o trabalho exercido pelo advogado, que, frise-se mais

uma vez, exerce função social, múnus público, devendo ser dignamente remunerado,

principalmente em decorrência da importância de sua atuação.

Conforme prevê o diploma constitucional em seu art. 93, IX, todas as decisões devem

ser devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade, e, no que tange à fixação de

honorários, não há como ser diferente. Ora, da mesma maneira que o custo do processo não

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pode ultrapassar os limites do razoável, é evidente que o arbitramento de honorários também

não pode, devendo observar limites objetivos.

Todavia, no contexto atual, não é isso o que se observa, com a fixação de

valores aviltantes que não correspondem à dignidade da profissão advocatícia, por

decisões desarrazoadas em evidenciada ofensa a publicidade e ao dever de motivação,

consagrados pela moderna doutrina processual como pressupostos do direito de defesa e da

imparcialidade e independência do juiz, como ressalta Rogério Cruz e Tucci (2010) em

Garantias constitucionais da publicidade e dos atos processuais e da motivação das decisões

no Projeto do CPC.

Por óbvio, não se quer apregoar aqui o arbitramento em valores exorbitantes, o que

também não seria pertinente, mas, sim, a fixação em valores referendados por parâmetros

objetivos, devidamente fundamentados, em consonância com as peculiaridades do caso

concreto.

Na teoria da processualidade democrática, que se adota na espécie, o valor de

honorários advocatícios deve ser fixado de modo a não ofender a garantia constitucional do

contraditório, contribuindo para que o processo não seja utilizado de modo abusivo, sem a

efetiva participação dos interessados na construção da decisão.

É que as verdadeiras razões do decidir não podem ficar ocultas65, seja de maneira

voluntária ou involuntária, cabendo ao julgador explicitá-las, vez que decisão sem

fundamentação é mais do que injusta, é nula; e decisão nula não traz a resposta devida,

ofendendo flagrantemente os princípios da razoabilidade e da publicidade.

É sabido que nosso ordenamento jurídico tem bases teóricas com raiz em um

pensamento jurídico processual de cunho ideológico que influencia a doutrina e a

jurisprudência, e da qual muitas vezes não se consegue desvencilhar.

Alguns juristas já se manifestaram sobre a crise no ordenamento jurídico brasileiro,

sob enfoques variados, dentre os quais André Cordeiro Leal (2008), autor da obra

Instrumentalidade do Processo em Crise que impõe a revisão das teorias do processo na 65 Nesse sentido ressalta José Carlos Barbosa Moreira, citado por Rogério Cruz e Tucci: “que ao lado da

publicidade é absolutamente imprescindível que ‘o pronunciamento da Justiça, destinado a assegurar a inteireza da ordem jurídica, realmente se funde na lei; e é preciso que esse fundamento se manifeste, para que se possa saber se o império da lei foi na verdade assegurado. A não ser assim, a garantia torna-se ilusória: caso se reconheça ao julgador a faculdade de silenciar os motivos pelos quais concede ou rejeita a proteção na forma pleiteada, nenhuma certeza pode haver de que o mecanismo assecuratório está funcionando corretamente, está deveras preenchendo a finalidade para a qual foi citado’.” (MOREIRA, 1978, p. 118 apud TUCCI, 2010).

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história, como brevemente faremos a seguir.

Noticia Rosemiro Pereira Leal que a primeira teoria equiparou o processo a um

contrato, dotando-o de uma concepção privatista a partir dos estudos do civilista francês

Pothier (apud LEAL R., 2009a, p. 77)66 logo no início do século XIX. Numa tentativa de

superação das insuficientes concepções dessa teoria, Savigny (apud LEAL R., 2009a, p. 78)67

propôs a equiparação do processo à figura do quase-contrato, em que o processo seria um

contrato atípico por independer do consentimento do réu em relação à decisão que será

proferida quando este for demandado. Posteriormente, em 1868, afirmou-se que o processo

seria uma relação jurídica (BÜLLOW, 2005 apud LEAL R., 2009a, p. 78)68. Em contraponto a

essa ideia estão Goldschmidt, ao sustentar que o processo seria, na verdade, uma situação

jurídica tese esta apresentada por volta de 1910 e Guasp (apud LEAL R., 2009a, p. 81)69 com

sua teoria institucionalista lançada por volta de 1940; também cabe registro a teoria

estruturalista, trazida por Elio Fazzalari (2006, p. 119)70; além daquelas apoiadas no modelo

constitucional do processo, defendidas por Andolina e Vignera (ANDOLINA; VIGNERA,

1997 apud LEAL A., 2002, p. 87).71

No contexto atual de uma processualidade democrática, vê-se que essas concepções já

se encontram definitivamente superadas. É que o processo deve ser entendido como uma

instituição jurídica, ou seja, um conjunto principiológico que baliza a criação de normas e a

implementação de direitos fundamentais. Trata-se da concepção processual vista sob a ótica

da teoria neoinstitucionalista, cujo precursor é Rosemiro Pereira Leal (2009, p. 159-199).

66 Para Pothier o processo é um contrato entre as partes interessadas na solução do seu conflito para aceitar a

atuação do Estado-Juiz como decisor da questão. Aqui surge a ideia de processo judicial como processo jurisdicional de configurações privatísticas, de arbitragem e mediação.

67 O alemão Savigny, por sua vez, insiste em enquadrar o processo na esfera privatista ao afirmar ser o mesmo um quase-contrato judicial, já que não poderia ser considerado um contrato típico, na perspectiva histórica. Nessa “teoria”, o prévio consentimento das partes era dispensado, o Estado já se autorizava a ingressar na autonomia daquelas. Pode-se dizer ainda que o processo para Savigny tem sentido de atos imperativos da jurisdição, passando o juiz a ocupar o centro da condição procedimental.

68 von Bülow, tido como grande inovador, que estabelece o marco da autonomia do processo ante o conteúdo material, conceitua processo como relação jurídica entre Juiz, autor e réu. Só a partir de Bülow pode-se falar em uma ciência processual, até então inexistente.

69 O jurista Guasp, por sua vez, afirma que o processo é uma instituição condutora de resolução de conflitos no âmbito judicial a partir dos valores consuetudinários e éticos e do Direito praticado pelos tribunais. Para ele, o processo é mais do que um instrumento, é um instrumento institucional que se conduziria por conteúdos de bases sociológicas, personificados pelo julgador.

70 Para Fazzalari: “O ‘processo’ é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades”.

71 Andolina e Vignera vão além da proposta de Fazzalari e se ocupam do estudo do processo como modelo constitucionalizado a vincular a estruturação dos procedimentos preparatórios dos provimentos jurisdicionais.

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61

É de se alertar que a maioria dessas “teorias”, se verificadas de acordo com o contexto

atual, sequer poderiam ser assim denominadas em virtude de estarem impregnadas de

ideologia, uma vez que possuem uma carga de crença em conteúdos apofânticos, de certeza

absoluta (LEAL R., 2009b)72.

Também interessante e necessário para o estudo presente que se faça uma abordagem

mais aprofundada sobre a teoria do processo como relação jurídica, adotada pelo CPC de

1973, vigente no ordenamento jurídico atual, que atribui ao processo o status de relação

jurídica de Direito Público, em que as partes encontram-se sob o jugo do juiz solipsista.

Todavia, é de se fazer uma releitura dessa proposta teórica em face de uma processualidade

democrática, assegurada pela CRFB.

Oskar von Bülow citado por Rosemiro Pereira Leal (2009a, p. 78), autor da teoria do

processo como relação jurídica, transfere a atuação do processo para a seara do Direito Civil,

mais tradicional, para que este solucione as diversas contrariedades apontadas em teorias

anteriores acerca do processo. É provavelmente dessa vinculação - Direito Civil e Direito

Processual - que se tenha originado o nome relação jurídica, que há muito já existia para os

civilistas.

De acordo com as proposições dessa teoria, o processo é tido como mero instrumento

da jurisdição, que por sua vez é concebida como simples atividade dos julgadores. E é nesse

contexto histórico que se destaca o tormentoso paradoxo de Oskar von Bülow. Este último

partiu da teoria do processo como relação jurídica a fim de justificar o aumento do poder do

Estado, dos juízes e dos tribunais, deslocando-o das mãos do legislador (LEAL A., 2008, p.

45).73

Pode dizer-se que Oskar von Bülow fez, então, um resgate histórico da importância da

magistratura a partir de forte crítica ao legalismo e ao historicismo. Em relação ao legalismo,

seus adeptos acreditavam que ao juiz cabia tão somente aplicar a lei ao caso concreto que lhe

era apresentado. O historicismo indicaria, por sua vez, tão-somente o costume como fonte do

Direito.

72 Como apresenta Rosemiro Pereira Leal em suas aulas de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, enquanto a ideologia preconiza um discurso do saber radical, a teoria pretende produzir saberes ad hoc, para isso apresenta uma forma discursiva passível de rivalização por outras teorias. Enquanto na ideologia tem-se uma relação excludente, do tudo ou nada, inerência de um saber absoluto em face de outros saberes, na teoria tem-se mero postulado que só tem vigência em face de sua qualidade de melhor perquirir o saber humano e não de esgotá-lo para sempre.

73 Conforme salienta o jurista André Cordeiro Leal: O objetivo precípuo do jurista alemão era o de fundamentar teoricamente a necessidade do aumento do poder do Estado, dos juízes e dos tribunais.

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Nessa ótica, o processo se estabelece como instrumento da jurisdição ou forma de

controle dessa mesma jurisdição, que seria basicamente, como definiu Karl Larenz ao resumir

o pensamento de Oskar von Bülow, “atividade do juiz na criação do direito em nome do

Estado com a contribuição do sentimento e da experiência do julgador” (LEAL A., 2008, p.

60).

Contudo, Oskar von Bülow não se desincumbiu de explicar de que modo essa

atividade jurisdicional seria controlada, uma vez que aberta a toda sorte de subjetivismos por

parte do juiz, sendo que essa questão intransponível deu origem ao designado paradoxo de

Oskar von Bülow, pois não haveria como esse processo ser ao mesmo tempo instrumento do

poder (de criação e do dizer do direito pelo juiz) e promover sua limitação eficaz (LEAL A.,

2008, p. 65).

Desse modo, o referido autor, criara nada mais do que uma ciência que se dirigia tão-

somente à instrumentalização da atividade dos juízes, esquecendo-se do mais importante:

assegurar a legitimidade da decisão.

Pode-se dizer ainda que o paradoxo de Oskar von Bülow teve grande repercussão

teórica no desenvolvimento da ciência processual. Contudo, é de se verificar com restrições a

ideia de que Oskar von Bülow foi o criador de uma ciência processual, como salienta, por

exemplo, André Cordeiro Leal, para quem o

corte bülowiano teria permitido, a partir de então, distinguir Direito Processual do chamado Direito Material. Concluem os estudiosos partidários de Bülow, dos quais trataremos no correr do texto, que o jurista alemão, ao fazê-lo, teria criado as condições epistemológicas para surgimento e desenvolvimento de uma nova ciência: a do Direito Processual. No entanto, a opção pela relação jurídica como marco de compreensão daquilo que se denomina ‘processo’ tem desdobramentos teóricos embaraçosos, alguns deles já diversas vezes apontados por aqueles se contrapuseram à proposta bülowiana. (LEAL A., 2008, p. 28).

Basicamente, foram dois argumentos que fizeram contraponto à ideia de que fora

Oskar von Bülow criador de uma ciência processual. O primeiro faz referência à proposta de

que o processo não se confunde com o direito debatido pelas partes, partindo de um enfoque

privatista do direito, com adaptações ao direito público, mas mantendo o vínculo de

subordinação entre pessoas, de cunho obrigacional. O segundo, por sua vez, aborda a questão

de que a teoria do processo como relação jurídica proposta por Oskar von Bülow traz um

conceito de jurisdição como atividade exclusiva do juiz (a qual justifica a necessária

vinculação das partes ao magistrado), o que conduz a um paradoxo incontornável, quando,

como fizeram, por exemplo, Chiovenda, Couture e Fazzalari, apresentam-se apropriações de

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derivações teóricas não problematizadas da “ciência do processo” bülowiano para controlar a

atividade judicial (LEAL A., 2008, p. 29).

Apontam-se algumas teorias surgidas dessa correlação entre processo e jurisdição. De

um lado, teorias dualistas, defendidas por Chiovenda e Liebman, e, de outro, teorias unicistas,

corroboradas por von Bülow, Kelsen, Allorio, Satta, Calamandrei e Carnelutti.

As teorias dualistas tinham como fundamento a vontade concreta da lei que regularia a

atuação da jurisdição, ou seja, a norma concreta viria em primeiro lugar, precedendo à

atividade jurisdicional. Nesse sentido, Giuseppe Chiovenda aponta que o

dever fundamental, que forma como que a ossatura de toda relação processual é, como se viu, o dever do juiz ou de outro órgão jurisdicional de pronunciar-se sobre pedidos das partes. A isto corresponde o dever de empreender tudo quanto necessário no caso concreto para pronunciar-se (ouvir as partes, presidir as provas), ou seja para receber ou rejeitar quanto ao mérito, os pedidos, tendo por fim a atuação da lei. (CHIOVENDA, 1942, p. 98).

Já as teorias unicistas, ao contrário, adotavam o entendimento de que a concretude da

norma surgiria da atividade jurisdicional, ou seja, os órgãos judicantes regulariam

efetivamente os conflitos de interesses, a partir da coercibilidade efetivada pela ordem

judicial.

Enquanto a teoria dualista fazia referência a um direito pronto que fundamenta a

decisão, não passando a interpretação de um ato de descoberta desse direito por meio do

instrumental fornecido pelas normas processuais que, ao contrário das materiais, não criam

direitos, a teoria unicista limita-se a um direito incompleto e dependente da atuação do

julgador para se tornar completa (LEAL A., 2008, p. 70).

De qualquer maneira, nenhuma dessas teorias consegue se valer de uma maior

verificação sobre a real atuação do juiz, bem como sobre um conceito de jurisdição, ao

contrário do que apregoam. Nesse sentido, é de se ressaltar entendimento de André Cordeiro

Leal, segundo o qual

dificuldades incontornáveis surgem quando as teorias do processo tentam clarificar aspectos de uma ‘atividade jurisdicional’ que se desenvolve pelas pessoas dos magistrados, porque isso desemboca em concepções intrinsecamente monológicas e solipsistas de jurisdição que não se alinham ao paradigma democrático procedimentalista. (LEAL A., 2008, p. 27).

Inegável, então, diante do contexto histórico analisado, o fortalecimento da ideia de

processo como mero instrumento da jurisdição, como se verifica no CPC de 1973, uma vez

que ao se reforçar a figura do magistrado, diminui-se, por outro lado, a importância do

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processo, que se constitui como apenas um meio de se efetivar a vontade do Juiz, ao fazer

atuar a jurisdição a seu modo.

Nesse sentido, é de se frisar apontamento do Professor Rosemiro Pereira Leal,

segundo o qual o “processo civil era (ainda é para os bülowianos) originariamente o modo, o

meio, o método, o instrumento da jurisdição e da ação dos civis (os patrimonializados, os

possuidores, os filantropos milenares que governam, administram, protegem e sentenciam os

cidadãos os adotados) e o potus (LEAL R., 2005a).

Ademais, também permanece a confusão implantada pelos instrumentalistas

liebmanianos74 entre jurisdição, processo e procedimento, com eleição da jurisdição como

centro da teoria processual (DINAMARCO, 1999, p. 185). Esse sincretismo maligno dos

significados dos conteúdos do decidir converte o Estado, ainda em nossos dias, no ente mítico

(temido) que se presta a garantir a violência estrutural da validade do Direito (LEAL R., 2002,

p. 24).

Ainda de acordo com Rosemiro Pereira Leal,

se levantarmos o ciclo histórico do decidir, três conceitos auxiliares à sua tematização ainda nos causam sobressaltos pela carga mítica que encerram no linguajar do cotidiano acadêmico: poder, tradição e autoridade- eixo ideológico da judicância protegida pelo fetiche catártico do Estado hegeliano. Não que se deva escorraçar esta terminologia do vocabulário jurídico, mas o que se observa é o caráter de inexpicabilidade que tais termos hermetizaram no transitar dos séculos até que se tornassem, na modernidade, vulneráveis à crítica científica. (LEAL R., 2002, p. 24-25).

Percebe-se que, na exposição de motivos do CPC de 1973, há uma vinculação às

ideias prevalecentes à época, que não conseguem operar o ordenamento jurídico brasileiro

dentro de uma perspectiva democrática. Nesse sentido destaca-se pensamento do autor

supracitado, para quem o

judiciário, nas esperadas democracias plenárias, não é o espaço encantado (reificado) de julgamento de casos para revelação da justiça, mas órgão de exercício judicacional segundo o modelo constitucional do processo em sua projeção de intra e infraexpansividade principiológica e regradora. O devido processo constitucional é que é jurisdicional, porque cria e rege a dicção procedimental do direito, cabendo ao juízo ditar o direito pela escritura da lei no provimento judicial. Mesmo o controle judicial de constitucionalidade é pela jurisdição constitucional da lei democrática e não da autoridade (poder) judicacional (decisória) dos juízes. (LEAL R., 2003, p. 32-33).

74 Neste peculiar, cumpre explicar que a Teoria Instrumentalista decorreu da Teoria do Processo como relação

jurídica e foi implantada no país pelos discípulos de Liebman, entre eles Alfredo Buzaid, encarregado da elaboração do CPC de 73.

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O CPC de 1973 continua, pois, privilegiando uma dogmática analítica, que repudia ou

proíbe o non liquet, ou seja, a jurisdição há de ser sempre compulsória, uma vez que o órgão

jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto de ausência de norma.

A partir do momento em que o CPC de 1973 acolhe o sincretismo evidenciado pelas

múltiplas teorias ou ideologias sobre o processo no ordenamento jurídico brasileiro,

estabelece-se um enorme obscurantismo evidenciado no sistema jurídico pelo fortalecimento

da atuação do juiz, em detrimento de uma razão discursiva.

Ora, na própria exposição de motivos do CPC de 1973, há indícios da teoria que

inspirou a sua realização e a forte tendência de concentração de poderes nas mãos do

magistrado. Senão, veja-se o que consta da exposição de motivos:

O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar a justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observara BETTI, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos. O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda a sociedade.75

Evidencia-se, pois, a vinculação do CPC de 1973 às ideias de poder outorgado ao

magistrado, para que, em nome do Estado, faça atuar a jurisdição em face daqueles que

buscam por ela.

Nesse sentido, pode-se verificar que a exposição de motivos do CPC de 1973 não é

compatível com a Constituição atual, uma vez que se apropria de conteúdos remotos,

apoiados em historicismos sociológicos do Direito, que, por sua vez, constituem enorme

barreira para o discurso e o conhecimento, indispensáveis à estrutura do Estado Democrático

de Direito.

É de se observar, ainda, que o CPC de 1973 se funda em bases ideológicas, de um

monismo lógico, que parte de estruturas arcaicas, como se verifica na exposição de motivos,

baseada em uma ética de convicção de Weber, que “aponta para a obediência a valores

radicais e que se dedica aos fins sem indagar os efeitos nefastos do meio. Aponta para uma fé

na sinceridade, na fidelidade, na solidariedade” (WEBER, 2004 apud LEAL R., 2009b).

Também não se pode perder de vista que, apesar do que quis fazer crer a exposição de

75 Exposição de motivos do CPC de 1973.

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motivos do CPC de 1973, o referido Código não teve modificações significantes na substância

das instituições, mantendo-se uma disposição ordenada das matérias e privilegiando a correlação

entre a função do processo civil e a estrutura orgânica do Poder Judiciário.

Na verdade, como apregoado na exposição de motivos, o Código não poderia ser

meramente revisado, mas sim deveria ser refeito em suas linhas fundamentais, dando-lhe

novo plano de acordo com as conquistas modernas e as experiências do desenvolvimento do

estudo sobre processo. Como lembra Alfredo de Araújo Lopes da Costa, o país tem

experiência de várias reformas, sejam totais ou parciais, todavia “umas foram para melhor;

mas em outra saiu a emenda pior que o soneto” (COSTA, 1959, v. 1, p. 29). Revelou-se, pois,

uma preocupação de se realizar um trabalho uniforme, no plano dos princípios, bem como de

suas aplicações práticas, todavia não foi o que se verificou no Código de 1973, que se

constitui, ao contrário, como “mosaico de deformidades normativas”.

Apesar das críticas acentuadas ao nosso ordenamento jurídico atual, de raízes fortes na

legalidade e na racionalidade formal, não se pode esquecer, contudo, que a função legislativa

é fundamental para o processo de legitimação do Direito e do Estado. Isso é decorrência do

fato de que os comandos legais são genéricos, impessoais, hierarquizados, obrigatórios e

alcançam os mais variados lances da vida humana, cuidando de tudo quanto se torna útil para

a pacificação social (PORTANOVA, 2003, p. 27).

Ao juiz, ao seu turno, cumpre aplicar o processo investigativo hermenêutico em

relação às fontes de direito existentes no ordenamento jurídico, sejam elas formais ou

materiais, sem criar novas regras, uma vez que tem o “poder” de aplicar o direito, mas não

pode substituir o legislativo. O juiz, em razão da tripartição clássica de poderes

(Montesquieu), tem atribuições específicas, que lhe são inerentes, devendo obedecer aos

limites impostos à sua atuação.

Moacyr Amaral Santos, enfatiza a impossibilidade do juiz criar o direito mesmo em

lacuna ou quando do uso da equidade:

O juiz não cria a norma a ser aplicada, mas a extrai do ordenamento jurídico, onde ela se encontra em estado latente, informando-se para isso nas disposições concernentes aos casos análogos, aos costumes e aos princípios gerais do direito. (SANTOS, 2010, v. 1, p. 69).

Ao julgador, portanto, é vedado entrar em searas políticas, econômicas, culturais,

sociais e principalmente ideológicas, assim como deve evitar argumentos pouco claros,

ilógicos e acientíficos.

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A função do juiz face à possibilidade de utilização da equidade é fazer uma adaptação

da norma geral e abstrata, determinando seu sentido e alcance, como intérprete, através do

exame minucioso dos fatos e argumentos jurídico-procedimentais trazidos por ambas as

partes, em debate participado, com observância aos princípios do contraditório e da

fundamentação das decisões. Afinal, a decisão, no Estado Democrático de Direito só se

legitima através da implementação dos seus princípios instituintes, tais como o contraditório,

a ampla defesa e a fundamentação das decisões, dentre outros.

A seguir, apresenta-se outro caso paradigmático a ser usado como modelo de

argumentação constitucionalmente adequada, quando do arbitramento dos honorários

advocatícios.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO DA VERBA.

O arbitramento de honorários de advogado correspondentes a cinco milésimos do valor da causa traduz irrisão ofensiva ao art. 20, § 4º, do CPC. No caso, houve desprezo ao valor da controvérsia e ao trabalho desenvolvido pelo advogado da recorrente. Disso resultaram honorários aviltantes. O acórdão recorrido, evidentemente, faltou com a eqüidade. O Min. Carlos Alberto Menezes Direito ressalvou seu ponto de vista em sentido contrário à possibilidade de revisão da verba honorária em recurso especial. A Turma deu provimento ao recurso para fixar os honorários em um milhão de reais. Precedente citado: REsp 47.843-RJ, DJ 31/3/1997. (BRASIL, 2005).

Em acórdão julgado em 24 de fevereiro de 1997, publicado em 31 de março de 1997,

ao julgar o Recurso Especial, ementa acima, proveniente do Estado do Rio de Janeiro, teve o

Colendo STJ, a possibilidade de corrigir equívoco no julgamento daquele tribunal.

No caso examinado, em virtude da fixação desproporcional, em quantia irrisória,

desconsiderando o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho

realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, fatores que não foram

apreciados quando do julgamento, motivo pelo qual se viu a parte recorrente impelida a

apresentar recurso contra decisão que arbitrou os honorários.

Sustentou o Ministro Eduardo Ribeiro, relator, no voto que proferiu:

Para estabelecer o montante dos honorários, o juiz fará apreciação eqüitativa das circunstâncias do caso concreto, levando em conta o contido nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do §3 do mesmo artigo. Apreciação eqüitativa, como salientado no julgamento do Supremo Tribunal, antes mencionado, não significa arbítrio. Reclama-se objetividade na consideração dos fatores presentes na hipótese concreta.

No caso impressiona uma circunstância. Deu-se à causa, ajuizada em fevereiro de 1992, o valor de quarenta e sete milhões nove mil seiscentos e nove cruzeiros. Em maio, arbitraram-se os honorários na importância de cento e cinqüenta mil cruzeiros. No período, a inflação atingiu oitenta por cento. Fazendo-se a atualização do valor da execução, esse corresponderia a aproximadamente oitenta e seis milhões de

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cruzeiros. Assim sendo, os honorários foram arbitrados em importância inferior a dois milésimos por cento do valor da causa.

Não há dúvida de que a hipótese estava a recomendar moderação. O indeferimento da inicial poderia dar-se mesmo sem a intervenção de quem se pretendia executar, mas cuja citação ainda não se determinara, uma vez que resultou do simples exame dos títulos. E o trabalho do advogado, excluída a parte em que discutidos os honorários, restringiu-se à exposição, pleiteando indeferimento e a contra-razões de apelação.

Houve, entretanto, manifesto exagero. Ainda que não tivesse havido necessidade de trabalho mais extenso, o advogado da recorrente houve-se com indiscutível zelo, como se verifica das peças apresentadas. E não se pode desconsiderar por completo a importância econômica da causa, como parece ter ocorrido. Considero que violado o disposto nas letras ‘a’ e ‘c’ do §3, combinado com o §4 do artigo 20 do Código de Processo Civil.

Conheço do recurso e dou-lhe provimento para, observada a moderação que se recomenda, fixar os honorários em dois por cento do valor da causa, devidamente atualizado.

No julgado acima apontado, pode-se afirmar que houve aplicação dos princípios da

equidade e proporcionalidade e principalmente da fundamentação das decisões, explicitando o

julgador os parâmetros objetivos adotados ao se estabelecer o valor arbitrado a título de

honorários advocatícios.

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5 A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRI OS

ADVOCATÍCIOS

Como explicitado no final do capítulo anterior, uma decisão democrática só será

alcançada por meio de construção participada pelas partes, o que só será possível através do

efetivo exercício do contraditório. Com o entendimento contrário, estar-se-á a apregoar uma

falsa ideologia ao ativismo do qual decorrem decisionismos judiciais, através da utilização

indevida de tais institutos para assegurar exacerbação de poderes aos magistrados, com

utilizações de expressões que traduzem noções subjetivas, vagas e imprecisas, tais como

“prudente arbítrio do juiz”, “lógica do razoável” e “livre arbítrio do juiz”.

Nesse sentido, o julgador ao interpretar o § 4º do art. 20 do CPC, que remete à

utilização de equidade para a fixação dos honorários sucumbenciais deve estar atento,

conforme explicita o próprio parágrafo citado, aos parâmetros objetivos estabelecidos pelo §

3º do mesmo artigo.

A observância a esses caracteres condicionantes conjugada com a possibilidade de as

partes se manifestarem sobre a apreciação ou não dos mesmos é o que trará ao advogado a

efetiva garantia de uma decisão legítima, corroborada pelos princípios da reserva legal, do

contraditório e da fundamentação das decisões.

5.1 A falsa ideologia do ativismo e decisionismo judiciais

Antes de se passar às considerações seguintes, há que se destacar como noção de

ativismos judiciais as interpretações construtivistas e controle de normas e princípios por

parte do Órgão Jurisdicional (juízes e tribunais), favorecidas pela CRFB, para assegurar a

legitimação de aspirações sociais.

A expansão da função jurisdicional76 é vista como um reforço para o Estado

Democrático de Direito, à medida que o juiz não permaneça inerte diante de situações 76 Aqui adotamos a doutrina que acata a existência de um único Poder do Estado exercido em nome do

povo através de três funções jurídicas fundamentais: executiva, legislativa e jurisdicional (GONÇALVES, 1992, p. 50).

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específicas, como ocorre, por exemplo, nas urgências de tutela em que pode e deve atuar para

que sejam efetivados direitos fundamentais.

Não se pode negar que o Direito dependa da mediação hermenêutica e que sem

hermenêutica, não há Direito, apenas textos normativos, como salienta Fernando Armando

Ribeiro, que por sua vez, destaca a importância do discurso, através do qual se exprime o

válido e o não-válido, o razoável e o não-razoável, dentro de uma perspectiva democrática

(RIBEIRO, 2010).

Através de uma releitura crítica de textos normativos os intérpretes, podem investigar

e refletir a aplicação do Direito, dentro obviamente da perspectiva do Estado Democrático de

Direito, não se podendo permitir aos juízes e tribunais que se utilizem, todavia, de perspectiva

meramente “criativa” na interpretação constitucional e legal, ultrapassando o direito escrito

unicamente a partir de ponderação de valores, crenças e toda sorte de subjetivismos.

A ampliação dos poderes do juiz não deve ser vista e não pode ser acometida pelo

complexo de Magnaud (DIAS, 2004, p. 135)77, do juiz “decididor sensitivo e talentoso” que

apoia suas decisões em sentimentalismos, juízos próprios e opiniões pessoais, por isso deve

ser verificada com muita parcimônia pelos membros do Órgão Jurisdicional.

Conforme ressalta Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, em seu livro Responsabilidade

do Estado pela Função Jurisdicional:

Por essas razões, deve ser energicamente descartada qualquer doutrina que sugira aos órgãos estatais (juízes e tribunais) exercício da função jurisdicional sob critérios outros dissociados da constitucionalidade da jurisdição, porém, ao revés, marcados de forma inconstitucional e antidemocrática pela arbitrariedade, pela discricionariedade, pelo subjetivismo, pelo messianismo, pelas individualidades carismáticas ou pela patologia que denominamos complexo de Magnaud. (DIAS, 2004, p. 134).

O ativismo e o decisionismo judiciais não podem, pois, ser acobertados pela ideologia

autocrática presente em ultrapassados paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social, que

não servem de parâmetro ao atual Estado Democrático de Direito, no qual o magistrado deve

nortear-se pelo princípio da reserva legal, previsto pelo art. 5, II da CRFB, sob pena de ver

questionada sua legitimidade decisória.

Todavia, o CPC de 1973 continua a privilegiar uma dogmática analítica, que repudia

ou proíbe o non liquet, ao apregoar que a jurisdição é de ser sempre compulsória, uma vez que 77 “Ao ditar suas sentenças, comportava-se Magnaud como se fosse a própria encarnação do direito, um misto

de legislador, de vidente, de apóstolo e de evangelizador, dir-se-ia espécie mitológica do Juiz- Zeus”.

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o órgão jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto de ausência de norma. Nesse

sentido, referido diploma legal se retira da perspectiva democrática do Direito, uma vez que

acolhe a zetética que recomenda decisões pela via de ponderação de valores, mantendo um

discurso autocrático (LEAL R., 2009b).

Sendo assim, a partir do momento em que o CPC de 1973 acolhe o sincretismo

evidenciado pelas múltiplas teorias ou ideologias sobre o processo no ordenamento jurídico

brasileiro, estabelece um enorme obscurantismo evidenciado no sistema jurídico pelo

fortalecimento da atuação do juiz, em detrimento de uma razão discursiva na construção da

decisão.

Nesse aspecto, verifica-se a inobservância ao requisito indispensável de

imparcialidade, e, ao mesmo tempo flagrante ofensa à garantia fundamental constitucional da

isonomia, implementada pelo contraditório e pela ampla defesa.

A imparcialidade não pode ser concebida como mero princípio de direito processual,

mas, sim, como dever constitucional do Estado-Juiz, como direito-garantia das partes; as leis

processuais que cuidam da suspeição e impedimento dos juízes, como vícios insuperáveis e

causadores da nulidade dos atos jurisdicionais (LEAL R., 2009a, p. 123).

Ainda nesse sentido salienta Rosemiro Pereira Leal:

A imparcialidade exigida pela lei não é uma qualidade inata ou imanente ao juiz, como pessoa física, ante os interesses alheios, mas um dever que o ordenamento jurídico estatal lhe impõe como pressuposto legal de validade dos atos jurisdicionais, obrigando-o a desligar-se das causas quando não reúne, em face de circunstâncias objetivamente aferíveis, isenção para assegurar às partes o direito fundamental da isonomia que é princípio institutivo do processo. (LEAL R., 2009a, p. 123).

Sendo assim, o simples fato de o juiz deixar de ser neutro para ser atuante não lhe dá o

direito de deixar de agir com imparcialidade, prejudicando uma das partes, em prol da outra.

Neste peculiar, mais um motivo para se ver com cautela o crescente ativismo do qual

decorrem decisionismo judiciais, que, se utilizados de maneira equivocada, certamente irão

trazer prejuízos para um dos litigantes.

Da mesma forma não podem os julgadores simplesmente utilizarem-se de ativismo e

decisionismo judiciais no esteio do movimento do “direito livre” também designado “direito

alternativo”, que apregoa motivações ideológicas nas decisões. É que, enquanto o ativismo

judicial apresentam-se como movimentos que tornam a atuação do juiz essencial à

implementação de direitos fundamentais, tais como o contraditório e a ampla defesa, o que

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merece aplauso, a ideologia apregoada como variante da escola do direito livre fundamenta-se

em um juiz criador (legislador), que poderá adotar três planos de motivações: probatório,

pessoal e ideológico (PORTANOVA, 2003, p. 27). Essa segunda proposta deve ser duramente

criticada.

O anteprojeto do Código de Processo Civil, que tem por principais mudanças aquelas

ditas relacionadas à celeridade, coloca o juiz no centro de poder, com destaque para a

jurisprudência, como declarou o Ministro do STJ Luiz Fux, segundo o qual:

Há alguns instrumentos para dar celeridade. Mas o que destaco é a força da jurisprudência sendo um instrumento de agilização da prestação da Justiça, uma vez que a jurisprudência dominante dos tribunais superiores vai ser adotada desde a primeira instância até a segunda instância.

No entanto, deve-se observar com cautela essa amplitude de poderes que vêm sendo

concedidos aos magistrados, uma vez que também são humanos e, portanto, falíveis.

Há que se noticiar que, segundo manifesto feito pela OAB de São Paulo, em relação

ao novo projeto do CPC, sustenta-se que tal projeto de diploma apresenta esses contornos

autoritários, uma vez que

permite quase tudo aos juízes, desde a adaptação das regras do jogo processual, passando pela concessão de medidas antecipatórias sem limitações, medidas cautelares sem regramentos prévios, até chegar às multas de variados coloridos e às sentenças que serão executadas imediatamente, sem necessidade de confirmação por um tribunal.78

Nesse sentido Lênio Luiz Streck (2010, p. 20), em sua obra O que é isto: decido

conforme a minha consciência? manifesta sua perplexidade em relação a uma “tendência”

atual em se preconizar o protagonismo judicial, com predomínio da linguagem no

individualismo do sujeito, como meio de se efetivar direitos.

No Brasil, o ativismo vem se destacando cada vez mais, na atualidade, principalmente

correlacionado a outros princípios informadores tais como o da instrumentalidade das formas,

o da flexibilização da técnica processual e os da proporcionalidade e razoabilidade, já que

possibilitam de certa forma a utilização de discricionariedade pelo julgador.

Todavia, em perspectiva equivocada e arbitrária, eivadas de pregações ideológicas

características de um direito dito alternativo, conforme acima enfatizado, vêm crescendo cada

78 Manifesto levado a público pela OAB/SP no XXXIII Colégio de Presidentes de Subseções da Ordem dos

Advogados do Brasil.

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vez mais decisões fundamentadas na livre consciência do juiz, como por exemplo, infere-se

do voto proferido pelo Colendo STJ, de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, no

julgamento do AgRg nos Embargos de Divergência em RESP nº 279.889-AL, citado na

página 25.

Todavia, a discricionariedade observada quando da aplicação dos referidos princípios

da instrumentalidade das formas, da flexibilização da técnica processual, da

proporcionalidade e da razoabilidade, dentro de uma perspectiva democrática não pode ser

impregnada da utilização de noções imprecisas como “lógica do razoável” e fundamentada

em “argumentos de autoridade”, sem realização de uma construção processual participada.

Decisões do feitio da citada acima são no mínimo preocupantes, principalmente

quando advindas de um Tribunal Superior, o que abre sem dúvida precedente para ulteriores

arbitrariedades, já que eivadas de nulidade, em flagrante ofensa ao princípio jurídico da

igualdade no processo e no acerto da decisão.

5.2 O princípio jurídico da igualdade no processo e no acerto da decisão

A igualdade, antes de tudo, “não é uma postura ética arbitrária, pelo contrário, sua

essência é a não-arbitrariedade, e não se trata de uma posição ética, mas de uma exigência

lógica de racionalidade no sentido normal de ‘por razão’” (KOLM, 2000, p. 43).

Na obra Justice and Equity, o autor faz uma análise das propriedades das formas

básica e necessárias da justiça e apresenta uma noção de equidade bastante interessante,

“como a liberdade instrumental igual e independente de diferentes justiciáveis (dos

indivíduos, por exemplo) em um espaço de escolha definido, ou como uma situação

equivalente” (KOLM, 2000, p. 191).

No contexto atual, devemos ter em mente que quando falamos de igualdade no

processo, automaticamente nos reportamos ao devido processo legal, que assegura a todos os

cidadãos mais do que o acesso à justiça, de acordo com o art. 5, XXXV, da CRFB, o direito

de estar em juízo com direito ao processo, e, mais ainda do que o simples direito ao processo,

o direito a um devido processo legal, aqui não entendido somente em sentido formal, mas

também material.

É que o Estado, quando avoca para si a função jurisdicional, por ser esta uma forma

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compositiva e pacífica de colocar fim definitivo aos conflitos de interesses, procura assegurar,

ao máximo, o respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, através de um

processo também um direito (para alguns garantia).

O artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948 estabelece:

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Historicamente, foi esse dispositivo que deu início à luta contra regras autoritárias e

arbitrárias, nas quais se desprezava a colaboração da parte, através do contraditório, para a

solução correta do litígio. Hoje, portanto, dentro de uma concepção democrática, o Estado, ao

exercer seu poder-dever, não pode atuar inquisitoriamente, ou seja, sem a participação das

partes, na descoberta da verdade, dispensando a colaboração preciosa dos que mais têm

interesse em ver a contenda solucionada e que são atingidos pelo provimento final.

Nesse sentido esclarece Humberto Theodoro Júnior:

Jurisdição e processo são dois institutos indissociáveis. O direito à jurisdição é, também, o direito ao processo, como meio indispensável à realização da Justiça.

A Constituição, por isso, assegura aos cidadãos o direito ao processo como uma das garantias individuais (art. 5º, inc. XXXV).

A justa composição da lide só pode ser alcançada quando prestada a tutela jurisdicional dentro das normas processuais traçadas pelo Direito Processual Civil, das quais não é dado ao Estado declinar perante nenhuma causa (Constituição Federal, art. 5º, incs. LIV e LV).

É no conjunto dessas normas do direito processual que se consagram os princípios informativos que inspiram o processo moderno e que propiciam às partes a plena defesa de seus interesses e ao juiz os instrumentos necessários para a busca da verdade real, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes.

A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CRFB, art. 5º, inc. XXXVII) e do juiz competente (CRFB, art. 5º, inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CRFB, art. 5º, inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CRFB, art. 5º, inc. LV) e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais (CRFB art. 93, inc. IX).

Faz-se modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal à de processo justo.

A par da regularidade formal, o processo deve adequar-se a realizar o melhor resultado concreto, em face dos desígnios do direito material. Entrevê-se, nessa perspectiva, também um aspecto substancial na garantia do devido processo legal.

A exemplo da Constituição italiana, também a Carta brasileira foi emendada para explicitar que a garantia do devido processo legal (processo justo) deve assegurar ‘a razoável duração do processo’ e os meios que proporcionem ‘a celeridade de sua tramitação’ (CRFB, art. 5º, novo inciso LXXVIII, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004). (THEODORO JÚNIOR, 2000, v. 1, p. 35).

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No esteio do pensamento do Humberto Theodoro Júnior, percebe-se, portanto, a

importância da implementação dos princípios instituintes do processo, dentre os quais

destacamos o princípio jurídico da isonomia, corroborado pelo contraditório e ampla defesa.

Dessa mesma forma, deve-se tratar de maneira igual os pares (par conditio) que estão

sob condição paritária. No caso do Direito Processual, a necessidade de aplicação desse

princípio pode ser percebida, por exemplo, no artigo 125, I do CPC, segundo o qual: “O juiz

dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às

partes igualdade de tratamento;” (grifo nosso).

Acerca do princípio da isonomia, Rosemiro Pereira Leal ensina:

O princípio da isonomia é direito-garantia hoje constitucionalizado em vários países de feições democráticas. É referente lógico-jurídico indispensável do procedimento em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no Processo equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre partes, da estrutura procedimental. A asserção de que há de se dar tratamento igual a iguais e desigual a desiguais é tautológica, porque, na estruturação do procedimento, o dizer e contradizer, em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela distinção jurisdicional do economicamente igual ou desigual. O direito ao Processo não tem conteúdos de criação de direitos diferenciados pela disparidade econômica das partes, mas é direito assegurador de igualdade de realização construtiva do procedimento. Por isso, é oportuno distinguir isonomia e simétrica paridade, porque esta significa a condição já constitucionalmente assegurada dos direitos fundamentais dos legitimados ao processo quanto à vida digna, liberdade e igualdade (direito líquidos e certos) no plano constituinte do Estado Democrático de Direito. (LEAL R., 2009a, p. 98).

Sendo assim, por analogia, se o juiz como diretor do processo deve tratar as partes

com isonomia, da mesma maneira deverá tratar o advogado e os demais auxiliares do juízo,

quando de sua atuação no âmbito processual.

Conforme salientamos no segundo capítulo, o advogado, a partir da sua efetiva

contratação, irá atuar no processo, ou fora dele, praticando todos os atos indispensáveis ao

justo deslinde processual. Ele será o responsável por emprestar qualificação técnica aos atos

que serão realizados, utilizando-se para tanto da sua capacidade postulatória.

Também no curso deste trabalho já foi enfocada, no segundo capítulo a importância da

presença do advogado, que é indispensável à administração da justiça, para a validade dos

atos processuais.

Todavia, os magistrados não estão tratando de forma igualitária os advogados e os

outros profissionais liberais auxiliares do juízo, mormente no que tange ao arbitramento de

honorários que é o objeto de nosso estudo.

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É que, na prática, verifica-se que quando da fixação dos honorários de perito, aqui

entendidos os que atuam como peritos do juízo, na maioria dos casos os valores estabelecidos

a fim de remunerar o trabalho exercido ao longo dos autos são bem maiores do que aqueles

arbitrados para os advogados.

Importante salientar que não se está a desmerecer o trabalho dos peritos judiciais,

muito pelo contrário. O que se quer evidenciar é que da mesma forma que esses profissionais

merecem, por certo, a remuneração que lhes é atribuída, os advogados também não podem ter

sua atividade desprestigiada, da forma que está a ocorrer.

É que, constantemente, o advogado, após longos anos de zelo e empenho pela causa de

seu cliente, consegue que o direito daquele patrocinado seja finalmente reconhecido, em um

provimento, mas tem nesse mesmo provimento arbitramento irrisório no que tange aos

honorários que lhe são devidos a título de sucumbência, o que acaba gerando mais trabalho

para aquele advogado, que terá que recorrer, agora em causa própria para ter reconhecido o

seu direito a uma justa remuneração.

De outro lado, igualmente importante que seja oportunizado ao advogado bem como à

parte sucumbente, quando da construção da decisão que arbitra honorários sucumbenciais, o

direito-garantia ao contraditório, assegurado constitucionalmente pelo art. 5, LV, da CRFB.

A argumentação discursiva pelas partes, em grau de isonomia e paridade de armas é

indispensável dentro de uma processualidade democrática, a fim de que se assegure a

participação, como fonte de legitimação da função jurisdicional.

A motivação pelo magistrado deverá indicar, para garantir a legitimidade e

transparência das escolhas adotadas face aos argumentos desenvolvidos pelas partes, em

contraditório, as questões de fato e de direito peculiares ao caso concreto examinado.

De acordo com o artigo 20, § 4º do CPC, o julgador ao se utilizar de equidade para as

hipóteses previstas deverá observar os parâmetros objetivos estabelecidos pelo § 3º do mesmo

artigo, conforme explicitado no item 4.2.3.2 do capítulo anterior.

Os advogados, portanto, assim como os demais interessados no provimento final

devem ter assegurado o direito de se manifestar ao longo do processo, em relação à existência

dos referidos requisitos, a fim de enfatizar a incidência ou não desses parâmetros objetivos na

causa objeto de exame.

O julgador, por sua vez, deve abrir vista às partes para que se manifestem

expressamente sobre referido dispositivo, explicitando a existência ou não de questões fáticas

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que corroborem suas alegações no sentido, por exemplo, de ter se deslocado por diversas

vezes à comarca longínqua e de difícil acesso para realização do seu trabalho, ou de ter

confeccionado inúmeras peças processuais, dentre outras condicionantes.

É que, ao se negar às partes a participação na abordagem de questões fáticas e de

direito para a formação da convicção do magistrado, não se poderá dizer que a decisão final

foi construída de forma legítima, o que gerará evidente prejuízo às primeiras.

De acordo com inúmeras decisões que não permitem aos advogados a majoração de

honorários fixados em valores irrisórios, dissociados dos parâmetros objetivos a serem

demonstrados por circunstâncias fáticas, o reexame desses parâmetros objetivos se traduziria

em revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ.

Nesse sentido, para ilustrar o que foi dito no parágrafo anterior, apresentamos julgado

abaixo, cuja ementa transcrevemos:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO.

O STJ, em princípio, não pode alterar a verba de honorários sem reexaminar os fatos (Súm. n. 7-STJ), pois essa foi fixada em consideração ao que desenvolvido no processo. É certo, porém, que, em situações excepcionalíssimas, o STJ vem afastando a incidência da referida súmula para exercer juízo de valor sobre o quantum fixado, para decidir se irrisório ou exorbitante. Para tanto, entende indispensável que o Tribunal a quo tenha abstraído a situação fática. Em alguns especiais, têm-se tentado demonstrar que irrisórios os honorários em uma comparação entre o valor da causa e a verba de sucumbência, o que até é admissível se, como já dito, se abstrair os aspectos fáticos relevantes. O que não é permitido ao STJ, naquela sede, é refazer o juízo de eqüidade estampado no art. 20, § 4º, do CPC, ao considerar as alíneas a, b e c do § 3º desse dispositivo, sem que sequer o acórdão recorrido tenha delineado a especificidade de cada caso, pois tal proceder é-lhe obstado (Súm. n. 7-STJ). Note-se estar consagrado o entendimento de que a fixação de honorários com base no referido artigo não é limitada aos percentuais lá previstos, podendo esses serem fixados em valor inferior a 10%. Dessa forma, na fixação da verba honorária, ao amparo do juízo de eqüidade (art. 20, § 4º, do CPC), pode o juiz adotar, como base de cálculo, o valor da causa, o da condenação, ou outro que arbitrar de modo fixo, ao levar em consideração o caso concreto à luz do § 3º e alíneas. Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo não deixou delineados os aspectos fáticos que o levaram a adotar a base de cálculo dos honorários, assim, não pode o STJ imiscuir-se e emitir juízo de valor propenso a concluir se o advogado foi ou não mal remunerado. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento aos recursos. (BRASIL, 2006).

No referido acórdão julgado em 17 de outubro de 2006, publicado em 04 de dezembro

de 2006, o Colendo STJ ao julgar o Recurso Especial proveniente do Estado de Santa

Catarina, teve a possibilidade de corrigir equívoco no julgamento daquele tribunal, que não

deixou delineados os aspectos fáticos que o levaram a adotar a base de cálculo dos honorários,

todavia, abrigou-se na Súmula nº 7 do STJ para se negar a reapreciar matéria fático-

probatória, entendendo por negar provimento ao recurso.

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No caso examinado, a parte recorrente se viu obrigada a interpor recurso contra

decisão que arbitrou os honorários em valores dissociados do caráter de proporcionalidade,

todavia, sem lograr êxito em sua pretensão.

Sustentou a Ministra, relatora para o acórdão, no voto que proferiu:

Ficou, pois, estabelecido que, na fixação da verba honorária com amparo no art. 20, §4 do CPC, ou seja, através de juízo de eqüidade, o magistrado pode eleger como base de cálculo tanto o valor da causa, como valor da condenação ou, ainda, arbitrar valor fixo, levando em consideração o caso concreto à luz do art. 20, §3, alíneas, ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do CPC.

Desta forma, sem que o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, deixe delineados os aspectos fáticos que o levaram a adotar determinada base de cálculo, percentual ou valor fixo, não pode o STJ emitir juízo de valor a respeito, a fim de concluir se o advogado foi mal ou bem remunerado e ofendidos os dispositivos legais pertinentes. É o que ocorre exatamente na hipótese dos autos.

Com estas considerações, pedindo vênia ao Relator, mantenho a verba honorária como consta do acórdão, negando provimento integralmente ao recurso especial da empresa.

Frise-se que não compartilhamos do entendimento acima da Relatora para o acórdão,

ao contrário, perfilhamo-nos ao entendimento do Relator do acórdão Ministro João Otávio de

Noronha, vencido em seu posicionamento no que tange à possibilidade de revisão de

honorários, no seguinte sentido:

Com efeito, nas demandas em que o provimento jurisdicional tem natureza condenatória- tais quais aquelas em que se objetiva garantir o direito à compensação de tributos, como é o caso em apreço-, o parâmetro que há de servir de base para o cálculo da verba honorária, ainda que arbitrada com fundamento no art. 20. §4, do CPC, é o valor da condenação e não o valor da causa. Nesse sentido os seguintes julgados:

‘PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. VALOR DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTE DA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO (ERESP 390.234-MA).

1. É cediço no Superior Tribunal de Justiça que: ‘A ação para a garantia do direito à compensação de tributos, embora tenha carga declaratória, possui natureza eminentemente condenatória, razão pela qual ainda que a vencida a Fazenda Pública, devem ser os honorários fixados com base no valor da condenação, e não da causa’ (ERESP 390.234-MA), como critério de eqüidade.

2. Agravo Regimental desprovido’ (Primeira Turma, AgRg no AgRg no AgRg no AgRg no AgRg no REsp n. 651.589/MG, relator Ministro Luiz Fux, DJ de 27.3.2006)

Diante dessas considerações conheço parcialmente do recurso e nessa parte, dou-lhe parcial provimento para que os honorários advocatícios sejam fixados com base no valor da condenação, e não no da causa.

Apesar de estar consagrado o entendimento de que a fixação de honorários com base

no art. 20, § 4º, do CPC não encontra como limites os percentuais de 10% (dez por cento) e

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20% (vinte por cento) de que fala o § 3º do mesmo art. 20, podendo ser o percentual inferior a

10% (dez por cento), ainda assim, caso o julgador entenda estarem os valores dissociados do

critério da equidade e do princípio da razoabilidade, não há porque se negar a revisão dos

mesmos, ainda que o tribunal a quo não tenha delineado os contornos fáticos, porque se trata

de ofensa direta ao referido dispositivo legal.

Ora, se à parte não foi dada a oportunidade de se manifestar sobre os referidos

parâmetros quando da formação da decisão, não lhe pode novamente ser vedada a sua

apreciação, até mesmo porque as decisões mais recentes do Colendo STJ apontam neste

sentido.

Mais uma vez, com intuito de comprovar estar o Superior Tribunal de Justiça

decidindo pela revisão dos parâmetros, caso entenda estarem os valores dissociados do

critério da equidade e do princípio da razoabilidade, apresenta-se a seguir julgado no Recurso

Especial nº 926.357, da Quarta Turma, conforme ementa abaixo:

PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. ART. 20, § 3º e 4º, DO CPC.

1. O STJ tem conhecido de recurso especial quando se trata de rever a fixação de verba honorária em valores considerados irrisórios ou excessivos, situação em que a decisão recorrida se afasta do juízo de eqüidade preconizado na lei processual.

2. A fixação da verba honorária há de ser feita com base em critérios que guardem a mínima correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional.

3. Recurso especial provido. (BRASIL, 2010a ).

Em acórdão julgado em 18 de fevereiro de 2010 e publicado em 08 de março de 2010,

ao julgar o Recurso Especial proveniente do Estado de Roraima teve o Colendo STJ, mais

uma vez a possibilidade de rever verba honorária no julgamento daquele tribunal, onde foram

fixados honorários em montante irrisório, se afastando do critério de eqüidade do art. 20, § 4º

do CPC e do princípio da razoabilidade.

No caso examinado, o autor, advogado, se viu obrigado, após defender o seu cliente, a

apresentar recurso contra decisão que arbitrou os honorários em valores ínfimos, em

percentual inferior a 0,08% da causa, em flagrante desrespeito à dignidade da profissão

advocatícia.

Sustentou o Ministro João Otávio de Noronha, relator, no voto que proferiu:

Sucede que, no caso, o valor da execução consignado nos autos é de R$1.781.173,21 (um milhão, setecentos e oitenta e um mil, cento e setenta e três reais e vinte e um centavos)- fl. 102-, o que, sem dúvida, faz presumir maior atenção e zelo dos

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causídicos responsáveis no desempenho de suas atividades ao longo da demanda. Entendo, por isso, que o Tribunal a quo, ao assim decidir, acabou por violar o art. 20, §§3 e 4, do CPC, que estabelece os parâmetros a serem observados pelo magistrado na fixação da verba honorária.

Com efeito, dispõe o §3 do art. 20 que os honorários devidos pela parte vencida devem ser fixados entre o mínimp de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, atendidos (a) o grau de zelo do profissional, (b) o lugar de prestação dos serviços e (c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Na espécie, entretanto, o julgador fixou a verba no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), o que resulta em uma remuneração irrisória ao advogado.

Ainda que a verba honorária possa ser fixada em percentual inferior ao mínimo indicado no §3 do art. 20 do CPC, com base no §4 do mesmo dispositivo, não há por que admitir que tal estipulação se dê com base em valores que não guardem correspondência com um valor razoável e que não seja irrisório.

Ao final, assim entendeu o Relator:

Neste contexto, concluo que o valor de R$1.500,00(mil e quinhentos reais) não é razoável no caso em comento, devendo, por isso, ser majorado.

Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso especial e fixo as verbas honorárias em 15.000,00(quinze mil reais).

Este julgado traz posicionamento atual do Colendo STJ no sentido de que, ainda que o

valor possa ser fixado abaixo do mínimo de 10%, com o que não estamos de acordo, não pode

de maneira alguma ser arbitrado em valor desproporcional aos critérios objetivos das alíneas

do § 3º do art. 20 do CPC, sob pena de violação ao princípio da justa remuneração do trabalho

profissional, o que por muitas vezes, parece ser esquecido ou mesmo ignorado pelos

julgadores.

Também é de se registrar importante avanço trazido pelo anteprojeto do novo CPC, já

que o referido texto estabelece que os honorários advocatícios deverão ser fixados entre 10% a

20% do valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica, atendidas

as condicionantes objetivas, além de reconhecer a natureza alimentar dos honorários.

É que, como dito anteriormente, hoje se tem a possibilidade de fixação de honorários

consoante a aplicação equitativa do juiz, de acordo com o § 4º do art. 20 do CPC, o que

justifica disparidades na fixação de honorários sucumbenciais em situações como, por

exemplo, naqueles casos em que vencida a Fazenda Pública, em flagrante ofensa ao princípio

da isonomia.

Todavia, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias Gerais dos Estados postulam

alterações no texto do anteprojeto, na parte em que prevê que a Fazenda Pública, quando

vencida, seja condenada a pagar honorários advocatícios fixados entre 10% a 20% do valor

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econômico do litígio, pretendendo manutenção de um benefício indevido a que hoje faz jus a

Fazenda Pública, dentre outros, tais quais, os prazos diferenciados.

De acordo com o que estão a defender, existiriam duas regras, em flagrante ofensa ao

princípio da isonomia, uma vez que, de um lado, quando a Fazenda Pública fosse vencedora,

sustentam que o valor econômico envolvido no litígio seja a base da fixação dos honorários,

enquanto, de outro, para os casos em que a Fazenda Pública fosse vencida, pleiteiam a

manutenção da fixação dos honorários por equidade.

Ora, a Fazenda Pública não pode pleitear tamanho absurdo, visando tão somente

“benefícios”, pois, como se está a entender, tal postulação só estaria a pretender manutenção

do critério de equidade quando fosse para lhe trazer a possibilidade de arcar com valores

reduzidos a título de honorários sucumbenciais.

Nesse sentido, também apresentamos acórdão da 1ª Turma do Colendo STJ no

Recurso Especial nº 939.684, julgado em 03 de novembro de 2009, publicado em 26 de

novembro de 2009, proveniente do Estado do Rio Grande do Sul, que entendeu por reduzir o

montante fixado a título de verba honorária a ser pago a favor da Fazenda Pública, por

alegada ofensa ao princípio da razoabilidade por alegada “inequívoca exorbitância”.

Sustentou o Ministro Luiz Fux, relator, no voto que proferiu:

Com efeito, na esteira da jurisprudência dominante desta Corte, não é viável, em princípio, o reexame dos critérios fáticos, sopesados de forma eqüitativa e levados em consideração para fixar os honorários advocatícios, nos termos das disposições dos parágrafos 3 e 4 do artigo 20 do CPC, em sede de recurso especial.

Isto porque a discussão acerca do quantum da verba honorária encontra-se no contexto fático-probatório dos autos, o que obsta o revolvimento do valor arbitrado nas instâncias ordinárias por este Superior Tribunal de Justiça.

Por outro lado, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que é possível o conhecimento do recurso especial para alterar os valores fixados a título de honorários advocatícios, aumentando-os ou reduzindo-os, quando o montante estipulado na origem afastar-se do princípio da razoabilidade, ou seja, quando distanciar-se do juízo de eqüidade insculpido no comando legal.

Na hipótese dos autos, o v. acórdão recorrido, ao inverter os ônus sucumbenciais, fixou a verba honorária a favor da Fazenda Pública, vencedora no recurso de Apelação, num valor evidentemente irrisório, qual seja, a quantia módica de mil reais, conforme acertadamente ressaltado pela ilustre Procuradora da Fazenda Nacional nas razões do especial, in verbis:

‘Consoante se depreende da leitura ainda que perfunctória dos dispositivos acima mencionados, caberia ao nobre magistrado usando do conceito de eqüitatividade, dispor sobre a verba honorária devida à União. Existe certa dose de subjetividade na decisão a ser proferida pelo magistrado, contudo essa subjetividade jamais poderia sublimar um princípio maior, qual seja o da razoabilidade e o da eqüitatividade.

No caso dos autos, deve-se levar em consideração que, caso o recorrido tivesse obtido êxito em suas investidas contra a União, o valor que seria suportado por este

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ente público, seria um valor expressivo, não é a toa que o valor atribuído à causa foi de R$94.284.351,00(noventa e quatro milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, trezentos e cinqüenta e um reais), sendo este um fator de extrema relevância na fixação do valor dos honorários.’

Em tais circunstâncias, esta Corte, excepcionalmente, admite que se examine a questão afeta à verba honorária, para se adequar, em sede de recurso especial, o montante fixado na instância ordinária ao critério de eqüidade estipulado na lei, quando o valor indicado for exagerado ou irrisório. (BRASIL, 2009).

E, após citar vários precedentes nesse sentido, o Ministro assim conclui:

In casu, foi atribuído à causa o valor de R$11.866.691,40(onze milões, oitoscentos e sessenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), tendo o Tribunal a quo arbitrado os honorários advocatícios em 2% sobre o valor da causa, que alcançaria, em valores relativos à data do ajuizamento da demanda (05/12/2000), montante estimado em R$237.333,00(duzentos e trinta e sete mil trezentos e trinta e três reais).

Outrossim, o Tribunal de origem assentou a simplicidade do labor desenvolvido pela Fazenda Pública, in verbis:

‘[...]

Ao contrário, atende à esperada eqüidade, levando em consideração a singeleza do trabalho até então desenvolvido, mesmo porque o art. 6 da Lei n. 6830/80 determina que, no caso de execução fiscal, a petição inicial indicará apenas, o juiz a quem é dirigida, o pedido e o requerimento para a citação.

Em ações como a ora em apreço, e, igualmente, em execuções comuns, tenho por critério arbitrar a verba honorária em patamares razoáveis em vista do montante envolvido no executivo, seja com o intuito de estimular o pagamento do executado, seja pelo fato de que, em tais ações, o labor desenvolvido, de regra singelo, como denota a peça inicial, não vem há a ser agraciado com verba não condizente.’

Destarte, ressoa inequívoca a exorbitância da verba honorária arbitrada no caso sub judice, merecendo reparo o acórdão recorrido.

Levando-se em consideração o valor econômico atribuído à causa, bem como os parâmetros balizadores do art. 20, §3, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do CPC, aos quais se reporta o §4 do mesmo artigo, procedo à fixação da verba honorária em 0,2% sobre o valor da causa, resultando no montante de R$23.733,00(vinte e três mil setecentos e trinta e três reais.

Ex positis, DOU PROVIMENTO ao RECURSO ESPECIAL para fixar a verba honorária em 0,2% sobre o valor da causa, resultando no montante de R$23.733,00 (vinte e três mil setecentos e trinta e três reais).

No julgado apreciado, entendeu o Colendo STJ reduzir o montante relacionado à verba

honorária a ser paga pela recorrente à Fazenda Pública, face à aplicação desarrazoada do juízo

de equidade.

Na hipótese presente, caso mantido o entendimento de que quando a Fazenda Pública

for vencedora, o valor econômico envolvido no litígio seja a base da fixação dos honorários

sucumbenciais, de acordo com os patamares hoje estabelecidos, de 10% a 20%, na hipótese

acima, por exemplo, a fixação não poderia se dar em 0,2%, devendo ser estabelecida no

mínimo em 10% do valor econômico do litígio.

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Face ao acima exposto, pode-se verificar uma das razões do posicionamento da

Fazenda Pública em relação aos novos parâmetros para a fixação de honorários

sucumbenciais trazidos pelo anteprojeto do CPC.

5.3 A legitimidade decisória e o devido processo legal

Atualmente, em matéria de direito processual, a palavra da moda, pode-se dizer, é a

efetividade. É ela que os juristas dizem buscar alcançar a todo o momento. Todavia, a

efetividade à qual nos referimos, dentro de uma processualidade democrática, é aquela

concebida como ganho de legitimidade pelo devido processo.

A jurisdição dita constitucional79 só se efetiva, portanto, pelo processo constitucional,

devendo ser exercida com base nas ideias renovadoras sobre jurisdição e processo, que vêm se

destacando na doutrina moderna, tendo em vista a importância da preservação dos direitos e

garantias constitucionais, como forma de afirmar a legitimidade dos pronunciamentos

jurisdicionais realizados no processo, em detrimento daquela antiga concepção de processo

como mero instrumento de realização de atos processuais (COUTURE, 1985 apud

BARACHO, 2006, p. 11).80

Na concretização da função jurisdicional, os pronunciamentos jurisdicionais, ou ditos

provimentos (FAZZALARI, 2006, p. 441)81 sob influência da doutrina italiana, surgem como

atos estatais imperativos, que refletem a manifestação do poder político do Estado que, por sua

vez, nunca pode ser arbitrário, mas sim constitucionalmente organizado, delimitado, exercido e

controlado conforme as diretrizes do Estado Democrático de Direito (DIAS, 2004, p. 85).

É inevitável que ao procederem a uma investigação hermenêutica, observada, dentro

de uma perspectiva democrática, os julgadores não devem se esquecer da importância do uso

de métodos de interpretação limitados por regras que o intérprete deve seguir.

79 A jurisdição constitucional, mais especificamente, é atividade jurisdicional do Estado com vistas a tutelar o

princípio da supremacia da Constituição e proteger os direitos fundamentais da pessoa humana ali consagrados.

80 Eduardo Juan Couture, ao tratar da tutela constitucional do processo, afirmar ser o mesmo instrumento de proteção do direito. A tutela do processo efetiva-se pelo reconhecimento do princípio da supremacia da Constituição sobre as normas processuais. Ela efetua-se pelo império das previsões constitucionais, que têm como suporte as garantias.

81 Na lição de Élio Fazzalari: “Já se disse os ‘provimentos’são - quanto ao seu conteúdo - emanações de vontade dos órgãos públicos [...]”.

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Esses métodos de interpretação, por sua vez, poderiam balizar-se pela busca da

vontade do legislador ou da lei ou ainda pela livre convicção do juiz. Todavia, como salienta

Álvaro Ricardo de Souza Cruz:

O exame dogmático dos textos legislativos sustenta-se na incorporação das noções clássicas da divisão qualitativa dos Poderes pela qual ao Legislativo caberia uma ação de caráter volitivo, legando-se ao magistrado apenas a descoberta da vontade da lei ou do legislador. (CRUZ, 2007, p. 3).

De qualquer forma, como ressalta Dalmo Dallari,

o emprego dos vários modelos de interpretação confere ao intérprete o sentimento de isenção frente às injustiças que de decorrem da lei, o que parece ser um tanto cômodo. Além disso, acredita-se que a utilização das técnicas interpretativas pode conferir a tão aclamada segurança jurídica, pois limitaria o intérprete, afastando-se, assim, as convicções teóricas próprias de cada indivíduo. (DALLARI, 1980, p. 95).

Nesse sentido para que haja legitimidade decisória face ao Estado Democrático de

Direito é fundamental que sejam repelidas todas as manifestações eivadas de carga autoritária

e ideológica.

O italiano Elio Fazzalari foi um dos grandes responsáveis por retirar a decisão do

caráter individualista com foco tão somente na esfera monológica do decisor, transferindo-a

para um julgamento vinculado ao espaço técnico-procedimental-discursivo do processo

cognitivo de direitos, como conclusão co-extensiva da argumentação das partes, conforme

salienta Rosemiro Pereira Leal (2002, p. 26).

É que ao considerar como processo todo procedimento em contraditório, enfatiza a

indispensabilidade de construção pelas partes através do exercício da contradita, com a

retirada automática da decisão de uma perspectiva individualista, vislumbrada no Estado

clássico Liberal e no Estado Social de Direito.

Na concepção atual do Estado Democrático de Direito, exige-se um “pensar

problematizador” (RIBEIRO, 2010, p. 14-20) que abomina a ideia de um sistema fechado,

rigoroso e prévio em prol de uma reconstrução dialógica. E essa reconstrução dialógica de

apreciação é imprescindível para a obtenção de uma legitimidade decisória.

Pela teoria hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, enfatizada em sua obra Verdade e

Método:

A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicação. A complementação produtiva do Direito, que ocorre com isso, está obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se por sua vez sujeito à lei,

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exatamente como qualquer outro membro da comunidade jurídica. Na idéia de uma ordem judicial supõe-se o fato de que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa de conjunto. (GADAMER, 1998, p. 489).

No estudo presente, o debate participado é fundamental para a validação da construção

hermenêutica, pois, só assim será possível apreciar de maneira legítima a situação posta em

juízo.

Antigamente, como já salientado em pontos anteriores, tínhamos uma ideologização

da teoria da decisão, corroborada pelo juiz que praticava o exercício de uma vontade histórica

justificada por uma hermenêutica de tradição, baseada em conceitos ultrapassados.

Infelizmente, hoje, ainda se verifica uma gama enorme de decisões em nosso

ordenamento jurídico disseminadas por “pré-conceitos”, os mais variados possíveis, em

sentenças de conteúdo discriminatório em relação às mulheres, aos homossexuais, aos afro-

descendentes etc, em evidenciada ofensa ao Estado Democrático de Direito.

De outro lado, também vislumbramos outras decisões desprovidas de fundamentação,

ocas, por assim dizer, nas quais se começa com o relatório e logo a seguir se passa ao

dispositivo, simplesmente. Ou, ainda, decisões em que não se apreciam as alegações postas

pelas partes, com toda sorte de omissões.

Como bem ressalta Fernando Armando Ribeiro, no esteio do pensamento de Hans-

Georg Gadamer,

o juiz só decide, porque encontrou o fundamento. Como qualquer intérprete, há um

sentido que é antecipado ao juiz- advindo das pré-compreensões- e neste momento já

se tem a decisão. Portanto, o julgador não decide para depois buscar a fundamentação,

mas só decide, porque já encontrou o fundamento, que neste momento é ainda uma antecipação prévia de sentidos tomada de pré-compreensões ainda não problematizadas. Obviamente deve o magistrado testar e aprimorar o fundamento, e

revê-lo a partir de uma racionalidade discursiva. (RIBEIRO, 2010, p. 18).

Isso porque, em um Estado Democrático de Direito, como dito anteriormente, o

magistrado deve observar a processualidade democrática alcançada somente através de uma

perspectiva discursiva e no esteio de uma perspectiva discursiva, fundamental se torna a

hermenêutica da parte do intérprete, motivo pelo qual, como destaca Inocêncio Mártires Coelho:

Se não existe interpretação sem intérprete; se toda interpretação, embora seja um ato de conhecimento, traduz-se, afinal, em uma manifestação de vontade do aplicador do Direito; se a distância entre a generalidade da norma e a particularidade do caso exige, necessariamente, o trabalho mediador do intérprete, como condição indispensável ao funcionamento do sistema jurídico; se no desempenho dessa tarefa resta sempre uma insuprimível margem de livre apreciação pelos operadores da

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interpretação; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, então o ideal de racionalidade, de objetividade e, mesmo de segurança jurídica, aponta para o imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento subjetivo da interpretação e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo que se faz presente, inevitavelmente, em todo o trabalho hermenêutico. (COELHO, 1997, p. 13).

Como salienta Lênio Luiz Streck em Verdade e Consenso, é preciso uma maior

compreensão do Direito, em um caráter hermenêutico,

em face da profunda crise de paradigmas que atravessa o direito, a partir de uma dogmática jurídica refém de um positivismo exegético-normativista, produto de uma mixagem de vários modelos justifilosóficos, como as teorias voluntaristas, intencionalistas, axiológicas e semânticas, para citar apenas algumas, as quais guardam um traço comum: o arraigamento ao esquema sujeito-objeto. (STRECK, 2009, p. 01).

É que, como dito anteriormente devido à impossibilidade de o Legislativo prever todas

as hipóteses de aplicação da lei, acabam surgindo lacunas, que serão supridas pelo intérprete,

e, com elas, surge a necessidade de se impor limitações ao poder discricionário dos juízes.

Diante de um pós-positivismo, que se esforça por superar as ideias ultrapassadas do

positivismo, ligadas ao sujeito solipsista, que ditavam soluções, quando da ausência de

normas, por simples ato de vontade, a jurisdição constitucional deve ser tônica constante no

Estado Democrático de Direito.

O novo constitucionalismo na concepção democrática atual é totalmente incompatível

com o positivismo jurídico, por não se adaptar a qualquer de suas características básicas, tais

como o caráter puramente ideológico, o apego às tradições e costumes, ou mesmo a sua

ligação indissociável ao subjetivismo.

Lênio Luiz Streck aponta para a necessidade de se discutir a discricionariedade, como

condição de possibilidade de permanência ou superação do esquema sujeito-objeto

enfatizando a necessária ruptura com os antigos paradigmas do Estado Liberal e do Estado

Social, a partir da implementação do Estado Democrático de Direito, como se pode verificar

no trecho abaixo:

Se o modelo de direito sustentado por regras está superado, o discurso exegético-positivista, ainda dominante no plano da dogmática jurídica praticada cotidianamente, representa um retrocesso, porque, de um lado, continua a sustentar discursos objetivistas, identificando texto e sentido do texto (norma), e de, outro busca, nas (diversas) teorias subjetivistas, a partir de uma axiologia que submete o texto à subjetividade assujeitadora do intérprete, transformando o processo interpretativo em uma subsunção dualística do fato à norma, como se fato e direito fossem coisas cindíveis e os textos (jurídicos) fossem meros enunciados lingüísticos. (STRECK, 2009, p. 09).

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Todavia o ordenamento jurídico atual representa resistências a essa ruptura e

consequente transformação da realidade, através do novo modelo de justiça constitucional,

que atua como garantidora dos direitos fundamentais-sociais e da própria democracia

(STRECK, 2009, p. 11).

E aqui se enfatiza a importância de uma política de concretização de direitos

fundamentais, que deve ser efetivada pelo Poder Público e até mesmo por meio da função

jurisdicional, contanto que as decisões não sejam eivadas de discricionaridades que se

traduzem, muitas vezes, em arbitrariedades do positivismo jurídico.

É que, conforme viso acima, no Estado contemporâneo o juiz deve ser atuante de

modo a efetivar a tutela jurisdicional, deixando de lado uma posição de estrita neutralidade.

Nesse sentido, apresenta-se atual a lição de Eduardo Cambi:

As questões políticas não ficam à margem da análise judicial, porque seria utópico exigir neutralidade dos juízes, na guarda e na implementação dos valores e princípios tão abstratos e carentes de significação como são a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (arts. 1, III, 3, I e III da CRFB). (CAMBI, 2005, p. 155).

Isso porque a ausência de implementação dos direitos fundamentais pelas políticas

públicas, bem como o enfraquecimento das funções exercidas pelo “Poder Executivo” e pelo

“Poder Legislativo”, em virtude da desilusão e da desconfiança do povo, acabou por gerar

uma expectativa extremada na visão do “Poder Judiciário” como “Salvador da Pátria”, através

de uma judicialização da política, de aplicação discutível no Brasil.82

Segundo Dierle José Coelho Nunes, em Processo Jurisdicional Democrático:

O Poder Judiciário passaria a exercer um poder de veto aos interesses dominantes do Executivo e do Legislativo, mediante a manifestação dos interesses dos grupos minoritários (TATE, 1995, p.30) e o controle constitucional (judicial review) dos provimentos (leis e atos administrativos) dos outros ‘poderes’ - funções estatais (TATE, VALLINDER, 1995, p.15)

A judicialização corporifica um ‘coroamento’ de um movimento de reforço do papel do Judiciário que perpassou toda a fase autonomista de estudo do Direito Processual, devido à incapacidade das instituições estatais majoritárias de dar provimento às demandas destas perante o ‘Estado-juiz’. (NUNES, 2008, p. 179).

82 Frisem-se aqui, novamente, críticas tecidas quanto ao equivocado uso das expressões Poder Judiciário, Poder

Legislativo e Poder Executivo. Nesse sentido alerta Rosemiro Pereira Leal: “com advento do Estado moderno, torna-se arcaica a divisão da atividade estatal pela afirmação de poderes, porque em face do discurso jurídico-democrático avançado nas sociedades modernas, a única fonte de poder é o povo” (LEAL R., 2009a, p. 243). O Poder é um só (uno e indivisível), concentrado nas mãos do povo, que legitima o Estado a realizar as competências e as funções a que está submetido no diploma constitucional, quais sejam: legislativa, governamental, administrativa ou executiva e jurisdicional (GONÇALVES, 1992, p. 50).

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Nesse sentido, adota-se um critério de maximização das riquezas nas mãos dos juízes,

que passam a homologar a realidade, concretizando políticas públicas, o que, todavia, não

deveria ser papel do Judiciário.

Essa judicialização da política vem aliada ainda à concepção bülowiana de processo

como relação jurídica entre autor, réu e juiz (BÜLLOW, 2005 apud LEAL R., 2009a, p. 78),

estando aqueles subordinados ao último, adotada pelo Código de Processo Civil, fortalecida

pela concepção de processo como mero instrumento da jurisdição, vista aqui como atividade

solitária de um juiz “privilegiado”, que, no vácuo normativo, vira “legislador”.

É essa a visão de Aroca, citado por Dierle José Coelho Nunes, em sua obra Processo

Jurisdicional Democrático:

1) o processo é um mal, devido ao fato de comportar uma perda de tempo e dinheiro, além de instigar as partes a litigar com repercussão na sociedade; e 2) o processo prejudica a economia nacional, dado que impede a rentabilidade dos bens paralisados, enquanto se discute em juízo sobre a quem pertencem. Por estes postulados, deriva a necessidade de resolver de modo rápido o conflito entre as partes e, por isso, o melhor sistema é aquele no qual o juiz não se limite a julgar, mas se transforme em um verdadeiro gestor do processo, dotado de grandes poderes discricionários, idôneos a garantir não somente o direito das partes, mas sobretudo os valores e os interesses da sociedade. (AROCA, 2002, p. 72 apud NUNES, 2008, p. 178).

Atualmente, na esteira do pensamento da teoria neoinstitucionalista, cujo

precursor é Rosemiro Pereira Leal, vê-se que essa concepção de processo como mero

instrumento da jurisdição já se encontra definitivamente superada. É que, segundo esse

processualista, o processo deve ser entendido como uma instituição jurídica, ou seja, um

conjunto principiológico que baliza a criação de normas e a implementação de direitos

fundamentais.

Todavia, conforme visto no capítulo anterior, o CPC de 1973 continua privilegiando

uma dogmática analítica, que repudia ou proíbe o non liquet, ou seja, a jurisdição há de ser

sempre compulsória, uma vez que o órgão jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto

de ausência de norma.

No entanto, frise-se que essa manifestação do poder do Estado, exercido em nome do

povo, que se projeta no pronunciamento jurisdicional, deve ser realizada sob rigorosa

disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional), só podendo agir se

e quando chamado a fazê-lo, dentro de uma estrutura metodológica construída

normativamente (devido processo legal), de modo a assegurar a efetiva participação dos

destinatários na formação do ato imperativo estatal (DIAS, 2004, p. 86; COUTURE, 1985, p.

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40-44; FIX-ZAMUDIO, 1988, p. 227; BARACHO, 2006, p. 107; GONÇALVES, 1992, p.

50).

O Juiz, então, investido pelo Estado do poder de julgar, deverá sempre agir de acordo

com os limites trazidos pela lei, que traça os procedimentos a serem realizados, mesmo

quando a mesma abrir margem à discricionariedade evitando-se, assim, a interpretação

hermenêutica fundada no prudente arbítrio do julgador, o que se revela incompatível com os

princípios consagrados pelo Estado Democrático de Direito.

O processo, pois, deve estar ajustado à referida estrutura normativa (devido processo

legal), como procedimento que se realiza em contraditório entre as partes, por exigência do

devido processo constitucional. É o contraditório que assegura a simétrica participação

igualitária das partes destinatárias do pronunciamento jurisdicional decisório final, na fase

procedimental da sua preparação, influenciando as mesmas na construção da decisão (DIAS,

2004, p. 86; COUTURE, 1985, p. 40-44; FAZZALARI, 2006, p. 118-119; BARACHO, 2006,

p. 107; GONÇALVES, 1992, p. 115).

O professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira esclarece que essa concepção de

processo garantidor da geração de decisão participada resulta da associação entre a

perspectiva reconstrutiva da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, elaborada por

Jürgen Habermas e a tese de Élio Fazzalari, exposta e desenvolvida no Brasil por Aroldo

Plínio Gonçalves, concebendo o processo como procedimento em contraditório (OLIVEIRA,

2001, p. 193; GONÇALVES, 1992, p. 111-112).

Aroldo Plínio Gonçalves, em sua obra Técnica Processual e Teoria do Processo assim

salientou:

Como foi exposto, FAZZALARI caracterizou os provimentos como atos imperativos do Estado, emanados dos órgãos que exercem o poder, nas funções legislativa, administrativa ou jurisdicional. O procedimento, como atividade preparatória do provimento, possui sua estrutura constituída da seqüência de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de uma norma da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto. (GONÇALVES, 1992, p. 111-112).

Sendo assim, verifica-se que a função jurisdicional somente se concretiza dentro da

moderna e inafastável estrutura constitucionalizada do processo, e a declaração do Estado,

decorrente do poder de cumprir o dever de prestá-la, quando e se provocado por qualquer um

do povo ou por qualquer órgão estatal, inserida na decisão, sentença ou provimento ali

prolatado, jamais será um ato isolado ou onipotente do órgão jurisdicional, criando direitos a

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seu bel prazer, fundado em fórmulas inconstitucionais e antidemocráticas do livre arbítrio ou

prudente critério do juiz.83 Ao contrário, será resultado lógico de uma atividade realizada com

a obrigatória participação em contraditório dos interessados que suportarão seus efeitos.

O exercício da jurisdição só se viabiliza, pois, dentro de um sistema de proteção dos

direitos fundamentais, que, por meio das garantias processuais constitucionais, assegura aos

jurisdicionados uma justiça efetiva, de acordo com os parâmetros estabelecidos e consagrados

no Estado Democrático de Direito.84

Nessa perspectiva, destaca-se doutrina moderna que vem salientando a importância do

processo como garantia constitucional85 e a necessidade de se adotar um modelo

constitucional do processo em detrimento da percepção do processo como mera sequência de

atos jurídicos coordenados.

Senão veja-se lição renovada de Marcelo Cunha de Araújo:

Em primeiro lugar, inserto no conceito de direito democrático (em sua aplicação ou justificação), o processo assegura um espaço de participação política a seus sujeitos. Não se presta, tão somente, ao exercício jurisdicional do Estado. Os cidadãos (no processo judicial) ou seus representantes (no processo legislativo) utilizam-no para fim diverso à jurisdição: nesse aspecto, o processo é meio de implemento da democracia, permitindo uma comunidade de intérpretes do direito. (Aqui o citado jurista explicita que o processo e a jurisdição são independentes (ARAÚJO, 2003, p. 121).

Hoje o modelo constitucional do processo em vigor no Estado Democrático de Direito

Brasileiro tem como norte princípios e regras constitucionais, dentre os quais se destacam: o

juízo natural, art. 5º, LIII; a ampla defesa e o contraditório, art. 5º, LV; o devido processo

legal do art. 5º, LIV; a fundamentação dos pronunciamentos, art. 93, IX e X; o princípio da

legalidade, art. 5º, II; o livre acesso à justiça, art. 5º, XXXV; o direito ao processo com

83 Nesse sentido Rosemiro Pereira Leal, quando ressalta que: “É muito comum, nos livros de Direito

Processual, falar-se em livre arbítrio e discricionariedade no exercício da jurisdição quando, atualmente, com as conquistas históricas de direitos fundamentais incorporadas ao PROCESSO, como instrumentalizador e legitimador da Jurisdição, a atividade jurisdicional não é mais um comportamento pessoal e idiossincrásico do juiz, mas uma estrutura procedimentalizadora de atos jurídicos seqüenciais a que se obriga o órgão jurisdicional pelo controle que lhe impõe a norma processual, legitimando-o ao PROCESSO. Portanto, não há para o órgão jurisdicional qualquer folga de conduta subjetiva ou flexibilização de vontade, pelo arbítrio ou discricionariedade, no exercício da função jurisdicional, porque, a existirem tais hipóteses, quebra-se-ia a garantia da simétrica paridade dos sujeitos do processo” (LEAL R., 2009a, p. 40).

84 Aqui se invoca o direito comparado, no dizer de Luigi Paolo Comoglio: “La Constituzione italiana, pur non rifacendosi in modo diretto a quelmodello di processo ed alle sue origini culturali, sembra in grado, almeno a prima vista, si sodisfare i requsiti minimi di um ‘processo equo e giusto” (COMOGLIO, 1998, p. 110).

85 Cf. Ítalo Andolina: “Um fenômeno peculiar do nosso tempo é a progressiva dilatação da área da tutela jurisdicional, como conseqüência direta da solidificação e da difusão do regime democrático portanto do sistema de garantias” (ANDOLlNA, 1997, p. 63).

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duração razoável sem dilações indevidas, art. 5º, LXXVIII; o direito ao tribunal pré-

constituído, art. 5º, XXXVII e LIII; e os art. 133 e 134, que garantem o direito a advogado e

defensor público, respectivamente, todos do diploma constitucional (DIAS, 2007, p. 229).

Mister destacar, ainda, que o processo constitucional, entendido como garantia

constitucional, consolida-se nas Constituições do século XX através da consagração de

princípios de direito processual, que, por sua vez, concretizam-se através das garantias

processuais e efetivam-se pelo reconhecimento do princípio da Supremacia da Constituição

sobre as normas processuais, já que é no corpo da Constituição que estão assegurados os

direitos fundamentais das partes86, outorgando-lhes oportunidade razoável para se defender e

fazer valer suas provas.

Essas noções também foram traçadas pela Teoria Geral do Processo Constitucional,

partindo das concepções adotadas pelo mexicano Héctor Fix-Zamudio e também seguidas por

Eduardo Juan Couture, bem como no Brasil, pelo saudoso Professor José Alfredo de Oliveira

Baracho (1999, p. 89).

Nesse contexto, pode-se dizer que os princípios do devido processo legal87, da defesa

em juízo e do devido acesso à justiça foram elevados à categoria de dispositivos

internacionais com a Declaração dos Direitos do Homem (BARACHO, 1999, p. 106).

Ora, se o princípio do “acesso à justiça” representa a ideia de que o Judiciário

encontra-se aberto à apreciação de quaisquer situações de “ameaças ou lesões a direito”, o

princípio do devido processo legal, por sua vez, indica as condições mínimas para que se

desenvolva o processo, isto é, o método de atuação do Estado-Juiz para lidar com a afirmação

de uma situação de ameaça ou lesão a direito, em adequação aos valores impostos pela

própria Constituição da República (BUENO, 2008, p. 104).

A função jurisdicional do Estado Democrático de Direito não é atividade beneficente,

de caridade, mas poder-dever do Estado, sendo, pois, direito fundamental de qualquer um do

povo e também dos próprios órgãos estatais, de forma eficiente e adequada, pela garantia do

devido processo constitucional (DIAS, 2004, p. 93).

86 Citando trecho da obra de Álvaro Ricardo de Souza Cruz: “É consensual numa democracia que a tutela dos

direitos fundamentais seja a base para a sua sustentação” (CRUZ, 2001, p. 206). 87 Mister salientar que atualmente alguns pensadores do Direito vêm sugerindo utilizar no lugar da terminologia

devido processo legal, o uso da expressão devido processo constitucional, já que no modelo de Estado Democrático de Direito brasileiro deve-se partir sempre da Constituição, e, não, da lei (BUENO, 2008, p. 106).

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É através do processo constitucional que o povo assegura o seu direito à jurisdição,

com respeito aos institutos consagrados no diploma constitucional, não se podendo, em nome

de uma suposta celeridade, acatar uma pilha de reformas que tragam prejuízo às garantias

constitucionais.

Ao contrário, o legislador deve sempre ter em mente a necessidade de uma análise

profunda dos instrumentos do processo constitucional, porque só através do seu

aprimoramento e eficiência é que podem se tornar eficazes os direitos fundamentais88, que

reclamam por interpretações modernas e soluções urgentes.

Nesse sentido, só através de uma atividade interpretativa do julgador atrelada ao

processo constitucional, em que indispensável a motivação do provimento jurisdicional que é

a base para todas as decisões judiciais, que alcançar-se-á uma atividade jurisdicional efetiva.

É que “a obrigação constitucional da motivação é condição mínima de efetividade do

princípio da legalidade da atividade jurisdicional”, sabendo-se que “a obrigação constitucional

da motivação é subsidiária do dever jurisdicional da sujeição à lei” (CINTRA; GRINOVER;

DINAMARCO, 1974, p. 230).

Sem motivação, a decisão torna-se nula dentro do atual Estado Democrático de

Direito, como preceitua o art. 93, IX, do diploma constitucional, o que deve ser evitado pelos

julgadores, sob pena, inclusive, de terem que arcar com os ônus de eventuais prejuízos

causados aos jurisdicionados, ao tomarem “as nuvens do erro pelo céu da verdade” (HEGEL,

1985, p. 41).

As partes têm o direito de conhecer os motivos da decisão para poderem recorrer da

mesma e, antes de tudo, “para permitir o controle da atividade jurisdicional”, pois é através

desses motivos que se irá demonstrar a “correção e a justiça da decisão sobre direitos da

cidadania” (BARACHO, 1999, p. 97).

Na hipótese apresentada pelo estudo presente, o advogado, tem o direito de saber qual

o parâmetro utilizado para a fixação dos honorários sucumbenciais, ainda que tenha sido

88 Aqui se destacam considerações - de Virgílio Afonso da Silva sobre o assunto: “Como se sabe, ainda que

com relativizações, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem na relação entre o Estado e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico. Por diversos motivos, no entanto, é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a forma de aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particulares-particulares, especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos fundamentais, enquanto que, no segundo caso, ambas são” (SILVA, 2004, p. 18).

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utilizado o critério da equidade, que não isenta o julgador de apresentar a fundamentação

detalhada dos motivos que o levaram àquele arbitramento.

É que, em muitas vezes, as decisões judiciais no tocante ao arbitramento de honorários

advocatícios não levam em consideração a livre flutuação de temas e de contribuições, de

informações e de argumentos na formação falível da vontade, que é a base encontrada no

estado procedimental para permitir a construção da legitimidade (NUNES, 2006, p. 139).

Ademais, não se pode privilegiar o ideal monológico que assegura ao juiz um

“privilégio cognitivo” (HABERMAS, 1997, t. I, p. 276) no procedimento de decisão judicial.

Dierle José Coelho Nunes, citando Jürgen Habermas, fornece esclarecimento nesse sentido:

Assim, a partir de Habermas percebe-se que a estruturação e a análise do processo democrático passa pela adoção de uma visão policêntrica que não se pode, nem deve, privilegiar nenhum dos sujeitos processuais. Nem as partes (processo como coisa das partes) como no processo liberal, nem o juiz como no processo social. (NUNES, 2006, p. 142).

Nesse diapasão, Dierle José Coelho Nunes alerta ainda que:

Deve haver uma articulação dialógica da técnica processual seguindo os comandos institutivos da principiologia processual constitucional que não reduza o papel institucional nem dos juízes e nem das partes (e seus advogados). (NUNES, 2006, p. 142).

Caso contrário, como está a ocorrer na prática em certas decisões, serão as mesmas

desprovidas de motivação e passíveis de revisão, dado a evidenciada nulidade do julgado.

Lembrando, ainda, que, acaso fique demonstrado caráter arbitrário do julgador que cause

lesão ao direito do advogado, poderá o Estado, ou mesmo o próprio julgador, ser

responsabilizado pelo equívoco cometido na decisão proferida, no esteio da tese de Ronaldo

Brêtas de Carvalho Dias (2004) e conforme será exposto no item seguinte.

Por derradeiro, é de se ressaltar, também, conforme enfatiza Yussef Said Cahali (1997,

p. 19), que o provimento em relação aos honorários advocatícios “não representa decisão de

valor inferior àquele que aprecia a pretensão principal deduzida; reclama-se no apreciá-lo,

pelo menos semelhante rigor ao da indagação para um juízo de mérito”.

No esteio do que se está a apregoar, é de se enfatizar entendimento de Pajardi, citado

por Yussef Said Cahali, no seguinte sentido:

Proprio qui si annida Il pericolo, nella omissione o nella superficialitá della difessa e nella omissione o nella superficialità della decisione relativa alle spese ad ai danni. Ma si impone uma giusta e rigorosa reazione. Nom solo perchè sul piano dei valori, si tratta comunque e sempre di attuare La giustizia del porcesso e quindi di misurare

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giuridicamente ed economicamente Il valore del turbamento dell’ordinamento giuridico, ma anche perché La pronuncia comporta anch’essa, in fondo, uma deliberazione di reponsabilità nell’an e nel quantum, Del tutto análoga, e direi concettualmente idêntica a quella agitata nel mérito della controvérsia. (PAJARDI, 1959, p. 255 apud CAHALI, 1997, p. 19).

5.4 A responsabilização do Estado pelas decisões judiciais arbitrárias

No item presente, impõem-se necessárias algumas considerações sobre a importância

da função jurisdicional, motivo pelo qual, caso o jurisdicionado venha a sofrer prejuízo em

virtude da má aplicação da lei pelo Estado, através da desídia dos julgadores, na aplicação da

lei ao caso concreto, ao deixar de lado pilares indispensáveis para uma processualidade

democrática, poderá o mesmo recorrer novamente ao Estado, agora para se ver ressarcido

pelos danos sofridos.

Uma breve análise histórica relata registros da “evolução” do Estado, começando por

sua criação (Estado primitivo), passando pela ideologia do Estado Liberal, no qual se

procurava dar à burguesia uma “liberdade” praticamente total, calcada nos princípios da

igualdade, da liberdade e da propriedade, passando a seguir para o Estado Social, chamado de

welfare state, ou estado do bem-estar social, que sepultou o Estado Liberal e fez nascer a

preocupação com os direitos sociais. Após esse percurso, chega-se finalmente ao atual e tão

proclamado Estado Democrático de Direito, construído a partir de pilares como soberania

popular, cidadania e democracia, e tendo como uma de suas preocupações a efetividade dos

direitos e das garantias fundamentais do indivíduo.

Em uma nação compreendida como “civilizada”, deve-se valer do processo para

dirimir eventuais conflitos que emergirem no seio social e restaurar a paz e a harmonia que se

viram perturbadas a partir do conflito, com o objetivo de restaurar o status quo ante. Pensou-

se, assim, na figura de alguém que se colocasse entre as partes conflitantes, mas que,

posicionando-se, ao mesmo tempo, acima delas, não estivesse envolvido no conflito nem

estivesse interessado numa solução específica para o mesmo, mostrando-se totalmente

imparcial. Esse alguém se tornou o próprio Estado, o qual avocou para si a responsabilidade

de pacificar os conflitos, passando a ter, ao mesmo tempo, a obrigação de resolvê-los

(poder-dever), uma vez que retirou do particular a faculdade de fazer justiça com as próprias

mãos.

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Por ser o Estado uma ficção jurídica, nós o encontramos personificado na figura do

juiz (Estado-Juiz). Assim, em sendo provocado, o Estado soluciona o conflito de interesses,

em caráter definitivo, aplicando as normas jurídicas previstas em abstrato (na lei) ao caso

concreto e fazendo com que os jurisdicionados cumpram tal decisão (submetendo-se a ela).

Com a solução definitiva do conflito de interesses, restaurada está a paz e a ordem sociais. Eis

aí a sua função estatal pacificadora.

O processualista e Desembargador Federal Arruda Alvim, em conferência proferida

em Belo Horizonte, afirmou ser o processo repositório de angústias e tragédias, mas, também,

de esperanças, que só podem ser supridas pela correta aplicação da justiça, sendo o mesmo, na

lição de Giuseppe Chiovenda, a mais importante concepção do homem civilizado para a

solução de conflitos.

O Estado substitui-se aos litigantes, encarregando-se de resolver os conflitos que os

envolvem, evitando-se, assim, o caos decorrente da falta de razoabilidade e de

proporcionalidade comuns no uso da força privada, anteriormente levada a efeito para a

solução das diferenças, devendo o processo ser analisado com grande respeito, tanto pelo

jurisdicionado, que tem seus direitos violados ou, ao menos, ameaçados de lesão, como pelos

operadores do Direito.

Relembra-se, neste ponto, a “divisão” do Poder Estatal, que é uno e indivisível, mas

que, por questão de didática e organização, apresenta-se composto por três funções

nitidamente distintas: a legislativa (precipuamente destinada à elaboração de leis, atuando

diante de hipóteses em abstrato, criando normas aplicáveis a fatos futuros); a executiva ou

administrativa (função ligada à gestão da coisa - res - pública, que originariamente sempre

coube ao Estado e que é essencial à sua manutenção, através da aplicação das leis elaboradas

pelo Legislativo e da prática de atos que obedeçam a critérios como discricionariedade,

conveniência, urgência etc. da Administração Pública, passíveis de revogação, modificação,

convalidação entre outros) e a jurisdicional (que compete ao Poder Judiciário: função através

da qual o Estado, valendo-se da figura do juiz, uma vez que chamou para si o poder-dever de

prestar a tutela jurisdicional, fazendo-se substituir ao particular, põe um fim definitivo ao

conflito de interesses; portanto, tal função diz respeito à subsunção de fatos já ocorridos à

norma - aplicação da lei prevista em abstrato ao caso concreto -, no intuito de restabelecer o

status quo ante e, via de consequência, tornar efetiva a pacificação social).

O Professor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias elucida:

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Essas funções, segundo enfoque de Jorge Miranda, devem ser compreendidas como atividades do Estado que traduzem manifestações específicas do exercício do poder político, ou seja, um complexo ordenado de atos que o Estado desenvolve, por meio de seus órgãos e agentes, visando à realização das tarefas e incumbências que lhe cabem, impostas pela Constituição e pelas leis editadas, componentes do ordenamento jurídico.

Em princípio, como vislumbra Carré de Malberg, o poder do Estado é uno e as funções decorrentes do exercício desse poder são as formas pelas quais a atividade dominadora do estado se manifesta sobre as pessoas. Bem por isso, anota Canotilho que, na literatura juspublicística atual, a expressão função do Estado aflora nos textos jurídicos com o sentido de ‘atividade’ ou de ‘exercício de poder’.

Vale mencionar que essas três funções fundamentais atribuídas ao Estado, como observou Kelsen, em concepção teórica atual ─ legislação, administração (incluindo a governação) e jurisdição ─ são todas funções jurídicas do Estado, seja porque assim consideradas no sentido estrito de funções de criação e aplicação do direito, seja porque reputadas funções jurídicas em sentido mais amplo, nas quais se inclui a função precípua do Estado de permanente observância do direito.

De fato, se todas as funções do Estado são regidas por normas de direito, notadamente pelas normas constitucionais, a conclusão a que se chega, trilhando-se o raciocínio lógico de Jorge Miranda, é a de que, então, ‘todas as funções do Estado e todos os actos em que se desdobram não podem deixar de ser funções jurídicas’, afinal de contas, impossível conceber-se qualquer atividade do Estado à margem do direito.

Essas formulações teóricas acerca das funções jurídicas do Estado vêm sendo desenvolvidas e sustentadas pela esmagadora maioria dos mais renomados publicistas, em substituição à teoria da separação ou tripartição dos poderes estatais ─ Poder Executivo, Poder Legislativo e Pode Judiciário. Essa teoria é atribuída com alguma deturpação de seu enfoque original a Montesquieu, o qual, por sua vez, inspirou-se nas idéias de Locke. Porém, de certa forma, aquela teoria deturpada restou revisada pelas manifestações doutrinárias dos últimos cem anos, por sugerir a idéia de fragmentação ou divisão do poder e de fracionamento da soberania do estado. Tal aspecto suscitou a moderna posição doutrinária tendente à substituição da expressão separação dos poderes do Estado pela locução separação das funções do Estado. (DIAS, 2004, p. 66).

Entendemos necessário destacar algumas noções sobre a função jurisdicional:

[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. [...] essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1974, p. 145).

Verifica-se, assim, que um conceito só será adequado se tomar por base a concepção de Chiovenda. É com base nessa premissa que conceituamos a função jurisdicional como a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja afirmando-a, seja realizando-a praticamente, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática. CÂMARA, 2009, v. 1, p. 72).

Pode-se dizer que a função jurisdicional ou jurisdição, na noção de Ronaldo Brêtas de

Carvalho Dias, à qual aqui se reporta:

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é atividade-dever do Estado, prestada pelos seus órgãos competentes, indicados na Constituição, somente possível de ser exercida sob petição da parte interessada (direito de ação) e mediante a garantia do devido processo constitucional, ou seja, por meio de processo instaurado e desenvolvido em forma obediente aos princípios e regras constitucionais. (DIAS, 2004, p. 84).

A função jurisdicional é a atividade exercida pelo Estado, através da qual presta a

tutela jurisdicional, dirimindo o conflito de interesses ao “dizer com quem está o direito”,

“com quem está a razão” e, para isso, aplicando a lei prevista em abstrato ao caso concreto.

Para alguns autores, a jurisdição é ao mesmo tempo poder, função e atividade. Outros

ressaltam, ainda, seu caráter substitutivo, tendo em vista o fato de o Estado fazer-se substituir

ao particular.

Francisco Wildo Lacerda Dantas explica:

Do conceito anteriormente formulado se extrai o tríplice aspecto com que se apresenta a jurisdição: poder, ação e processo.

Na obra conjunta de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, se reconhece que a jurisdição é, ao mesmo tempo, um poder, uma função e uma atividade. Também VICENTE GRECO FILHO põe em ressalto esse tríplice aspecto da jurisdição, ao assinalar:

‘A jurisdição é, em primeiro lugar, um poder, porque atua cogentemente como

manifestação da potestade do Estado e o faz definitivamente em face das partes em

conflito; é também uma função, porque cumpre a finalidade de fazer valer a ordem

jurídica posta em dúvida em virtude de uma pretensão resistida; e, ainda, é uma atividade, consistente numa série de atos e manifestações externas de declaração do

direito de concretização de obrigações consagradas num título’. (DANTAS, 2007, p. 265).

Todavia, em nossa concepção, a despeito de divergência doutrinária, acatamos a tese

de que a natureza jurídica da jurisdição é de função, conforme destacado acima.

O Estado, então, uma vez provocado, sai da sua inércia e avoca para si a

responsabilidade pela função jurisdicional. E essa função jurisdicional não pode ser exercida

de qualquer forma; deve se ater sempre aos princípios informativos do processo, sob pena de

não ser prestada de maneira devida.

Têm-se como princípios fundamentais para o desenvolvimento regular do processo,

além do princípio do devido processo legal, os dele decorrentes, do contraditório e ampla

defesa, bem como o da reserva legal, da fundamentação das decisões, da duração razoável do

processo, ou do procedimento, como entendem alguns, dentre outros.

Mais uma vez, cumpre-nos destacar a importância do princípio da motivação das

decisões, previsto no art. 93, IX, do diploma constitucional, complementado pelos art. 128 e

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460 do CPC, para a evolução do estudo presente.

É que ao se examinar a construção do provimento pelo magistrado, como salientado

reiteradas vezes ao longo deste trabalho, deve-se verificar com parcimônia a possibilidade de

utilização de arbítrio pelo decisor para que a mesma não se traduza em aberrações jurídicas,

por assim dizer.

Assim, caberá ao juiz interpretar o ordenamento jurídico em conjunto com as questões

de fato atinentes à causa, possibilitando às partes titulares de interesses contrapostos um

debate participado a ser apreciado quando da construção do provimento. A legislação é,

portanto, o ponto de partida que deverá orientar o juiz no processo de interpretação, que não

se reduz à mera declaração de lei.

No estudo presente, é de se verificar que a flexibilidade gerada pela possibilidade

de uma apreciação equitativa quando do arbitramento dos honorários judiciais não pode

ser confundida com modicidade, uma vez que como apontado no terceiro capítulo, não

dispensa a consideração dos critérios das alíneas “a”, “b” e “c” do § 3º do art. 20 do CPC,

quais sejam o grau do zelo profissional; o lugar da prestação de serviços; a natureza e a

importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu

serviço.

Sendo assim, o juiz ao fixar os honorários de sucumbência, mesmo que nas causas de

pequeno valor ou em que for vencida a Fazenda Pública, estará adstrito aos critérios

apontados acima, e não devem nunca ser fixados, tais honorários, em valores menores do que

aqueles referidos nos patamares legais.

Nesse sentido, apresenta-se julgado recente, datado de 21.01.11, em que o Tribunal de

Justiça Militar, na apreciação da apelação cível n. 836, proveniente do processo n. 0003365-

23.2009.913.0003, de relatoria do Juiz Fernando Armando Ribeiro:

Todavia, penso que o desiderato normativo da Constituição da República de elevar a advocacia a elemento indispensável à realização da Justiça deve sempre ser levado em consideração quando da fixação dos honorários a serem pagos aos postulantes desta nobre profissão, sobretudo quando se considera a existência de patamares mínimos fixados pela entidade de classe representativa da categoria: a respeitável Ordem dos Advogados do Brasil. Estou certo de que tal valor deve ser sempre fixado em vista do grau de labor exigido pela causa. Mas penso também que toda causa possui dificuldades intrínsecas e que o valor de honorários não deve nunca ficar aquém dos patamares legitimamente estipulados. (MINAS GERAIS, 2011).

Todavia, não é isso que se está a observar na praxe do cotidiano forense por muitos

magistrados, que, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da fundamentação das

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decisões, não trazem no bojo de seus provimentos qualquer motivação em relação aos

critérios e patamares que devem ser utilizados para essa fixação.

O absurdo chega a tanto, que, em certa feita um advogado domiciliado no Rio Grande

do Sul chegou a doar o valor estabelecido por certo magistrado a título de sucumbência para

que se comprasse papel higiênico para o fórum local. Tal ato de protesto por certo quis trazer

à comunidade o seu sentimento de indignação pelo modo aviltante com que fora tratado, em

total desprestígio para a classe dos advogados (ADVOGADO ..., 2006).

Nesse aspecto, aponta-se que se está a enfocar que haja responsabilização pelos

julgadores quando demonstrado dolo ou culpa na sua atuação defeituosa, na espécie, em

relação à fixação indevida de honorários sucumbenciais, em ofensa aos princípios instituintes

da decisão, conforme demonstrado acima, fixação indevida esta que certamente gerará um

prejuízo ao advogado, o qual terá ofendida uma de suas prerrogativas fundamentais.

Importante salientar que, no contexto atual democrático, não se pode mais acatar a

superada teoria da irresponsabilidade do Estado pela função jurisdicional, que possui

fundamentos inconsistentes, destacando-se como principais a soberania do Poder Judiciário; a

autoridade da coisa julgada; a falibilidade humana; a independência dos juízes e a ausência de

texto legal expresso em contrário.

Existe no ordenamento jurídico fundamento para essa responsabilização, com ênfase

para os art. 37, § 6º da CRFB e o art. 43 do Código Civil Brasileiro, de acordo com os quais

as pessoas jurídicas de direito público interno são responsáveis pelos atos praticados por seus

agentes, assegurado o direito de regresso, desde que haja dolo ou culpa do órgão julgador

causador do dano.

Sendo assim, uma vez demonstrado o erro na atuação do magistrado, a existência de

prejuízos e a demonstração de que os prejuízos foram decorrência da atuação daquele, com

demonstração de nexo de causalidade entre eles, pode sim haver a referida responsabilização.

Ora, conforme salientado no segundo capítulo, se o advogado pode ser

responsabilizado quando da prestação de serviços advocatícios, com sanções administrativas,

a serem aplicadas pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sanções civis, previstas no art.

186 e 187 do Novo Código Civil Brasileiro e até mesmo sanções penais, quando os atos

praticados estiverem tipificados, por óbvio não há que se excluir possibilidade de

responsabilização para os magistrados quando preenchidos os requisitos destacados no

parágrafo anterior.

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No estudo presente, os magistrados, quando deixam de apreciar equitativamente os

critérios estabelecidos em lei, distanciando-se daqueles parâmetros objetivos quando do

arbitramento dos honorários sucumbenciais, sem possibilitar às partes uma construção

participada do provimento, estão assumindo o risco de uma futura responsabilização,

principalmente em casos nos quais reste verificada a aplicação de valores absurdos a título de

sucumbência.

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6 CONCLUSÃO

Na pesquisa realizada fez-se uma análise sistemática do art. 20 do CPC, com

abordagem precípua em relação aos § 3º e 4º, a fim de verificar se os provimentos

jurisdicionais que fixam com base na equidade os honorários advocatícios, nos termos do

referido artigo, estão inseridos na teoria da processualidade democrática.

Na análise do referido problema foram consideradas as seguintes hipóteses,

observadas diante da atual sistemática processual, cujas bases - Escola Instrumentalista

elaborada por Oskar von Bülow - conferem ao juiz o “poder” de usar a equidade no

arbitramento dos honorários advocatícios, conforme estabelecido no art. 20, § 4º do Código de

Processo Civil:

a) A falta de observância pelos magistrados, dos limites para a fixação dos honorários

sucumbenciais, quando se utilizam do juízo de equidade, abre margem a interpretações

diversas, geradas por uma série de subjetivismos, tais como, a odiosa “lógica do

razoável”.

b) A exacerbação dos poderes conferidos aos magistrados para efetivarem as decisões que

proferirem, mesmo à margem de uma processualidade democrática, é assegurada pela

atual sistemática processual corroborada pelo CPC de 1973.

c) Os provimentos jurisdicionais construídos sem o respeito aos princípios instituintes do

Estado Democrático de Direito, tais como o da reserva legal, do contraditório, da

fundamentação, da razoabilidade e da publicidade não foram repelidos do ordenamento

jurídico brasileiro, apesar de serem constantemente criticados.

d) A legislação processual específica ainda não estabeleceu novas regras, com parâmetros

mais acentuados, a fim de se evitar decisões ilegítimas dissociadas do sistema processual

democrático, sob pena de o Estado ser responsabilizado pelo exercício da função

jurisdicional com direito de regresso face aos referidos magistrados, que podem ser

responsabilizados, pessoalmente, pelos prejuízos causados aos advogados.

Verifica-se, pois, através do estudo realizado que, atualmente, ainda se encontra no

ordenamento jurídico brasileiro um grande número de decisões que fixam honorários

advocatícios em valores ínfimos, com base no uso de juízo de equidade entendido

equivocadamente como arbitrariedade, desvalorizando o trabalho do advogado, em flagrante

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ofensa à dignidade de sua profissão.

A partir dessas decisões arbitrárias, em face de descumprimento de legislação

processual e da Constituição da República, verifica-se a imprescindibilidade de uma maior

limitação em face da discricionariedade judicial, que deve ser realizada através de um

discurso de adequação em face de um juízo de ponderação, de modo a assegurar ao advogado

a implementação de sua prerrogativa de recebimento de honorários sucumbenciais, em face de

sua atuação no processo.

A análise por mais de um raciocínio epistemológico e a constatação científica das

formas técnicas de construção participada das decisões judiciais no que tange às fixações dos

honorários advocatícios são de fundamental importância para que se assegure o direito

fundamental, também aos advogados, a uma decisão legítima, livre de arbítrios desmotivados.

Nesse sentido, a importância de os julgadores observarem com parcimônia os

parâmetros da legislação pertinente, na hipótese as alíneas do § 3º e o § 4º do art. 20 do CPC,

para fixar honorários advocatícios, fundamentando as decisões com expressa manifestação

dos referidos itens do § 3º, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do

serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo

exigido para o seu serviço, mesmo ao julgar com base na equidade do § 4º do referido

dispositivo presente no Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 20 [...]

§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz

A compatibilização da correção da decisão jurisdicional com o Estado Democrático de

Direito passa hoje, sobretudo, pelos fundamentos da decisão. É que, diante dos novos vetores

da racionalidade jurídica, não mais se revela aceitável a presunção da razoabilidade dos

provimentos jurisdicionais. Estes devem trazer à luz do dia e explicitamente os argumentos

que os motivaram sob pena de infração ao preceito fundamental insculpido no art. 93,

parágrafo 6º da Constituição da República. E não se deve jamais esquecer que tais

fundamentos não podem mais ser de outra ordem que não jurídico-normativa (aí

evidentemente incluídos os princípios). A proclamada autopoiese do Direito moderno exige

que não possa mais o magistrado lançar mão de argumentos particularistas, sejam de que

ordem for como escólio de sua decisão.

Como se procurou demonstrar, não se está com isso a retomar teses positivistas que

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pressupunham a interpretação silogística. Não! Ao contrário, o que se exige do juiz

contemporâneo é um acurado estudo e atenção para poder buscar e concretizar a justiça ou

integridade do sistema. Uma vez que não mais se concebe a autonomia semântica de nenhum

texto, sabe-se que a saída não há de ser nunca pelo silogismo (aos moldes da Escola da

Exegese). Todavia, em tempos de democracia radical, tampouco se pode aceitar os ditames

estatais por seu simples caráter autoritativo, devendo, pois, ser revista a discricionariedade.

Onde, porém, encontra lugar a equidade? A nosso ver ela deve ser encarada justamente

como um chamado de atenção do julgador para a singularidade insubstituível do caso

concreto. É uma convocação a que se torne redobrada atenção para com todas as

particularidades e sutilezas que contornam dado fato juridicamente problematizado, para que

se possa buscar para ele a melhor resposta, aquela que melhor traduza os anseios de justiça, os

quais, em nossos dias podem ser compreendidos como anseios de mais adequada aplicação

dos princípios que conformam o sistema. No caso dos honorários advocatícios, tal situação

parece estar particularmente evidenciada, exigindo o sistema rígida observância das

circunstâncias factuais à luz dos requisitos normativamente estipulados.

Mais ainda, conforme destacado ao longo de todo este trabalho, não basta que o juiz se

manifeste somente com observância aos requisitos objetivos citados acima. É igualmente

preciso que ele possibilite, ao longo da construção do provimento, que sejam implementados

efetivamente os princípios institutivos do processo, tais como o contraditório, ampla defesa e

isonomia, quando da aplicação desses critérios, que apresentam em certa medida necessária

adequação de caráter subjetivo.

Sendo assim, há que se promover uma releitura do art. 20, § 3º e § 4º do Código de

Processo Civil, em face do devido processo constitucional, bem como em consonância com o

art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB); uma vez que não

pode o juiz, deixar de observar a lei para julgar com base em subjetivismos sem qualquer

fundamentação, valendo-se da possibilidade do uso da equidade como justificativa para

arbitrariedade no uso desse poder discricionário.

Nesse sentido, se os magistrados continuarem a se negar a adotar os parâmetros

apontados pelo § 3º ao aplicar o § 4º do art. 20 do CPC, os advogados continuarão compelidos

a entrar com recursos para si próprios, pela ofensa aos seus direitos correlatos, depois de

defenderem os interesses da parte.

Utilizando-se de parâmetros equivocados, sem observância aos critérios estabelecidos

pelo art. 20 e § 3º do Código de Processo Civil, quando da fixação dos honorários

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advocatícios, os magistrados do país, por várias vezes, não estão fixando os mesmos de

acordo com os valores mínimos estabelecidos pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil,

em flagrante ofensa à dignidade do profissional advogado, o que, de outro lado, não se

verifica em relação aos outros profissionais liberais auxiliares do juízo, como os peritos, por

exemplo.

Conforme julgados apresentados ao longo deste estudo, verifica-se que o próprio

Superior Tribunal de Justiça já está a rever várias dessas decisões, basicamente em virtude das

questões apontadas ao longo do trabalho, o que corrobora as assertivas apresentadas.

Todavia, a despeito dessas revisões, ainda existe uma série de julgados daquele

Tribunal Superior que alega impossibilidade de revisão da fixação dos honorários

sucumbenciais, em virtude de incidência da Súmula nº 7, que proíbe a apreciação de matéria

fático-probatória em sede de recurso especial.

De qualquer forma, o mesmo apresenta evolução nesse sentido, ao afirmar que quando

verificada fixação com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC de honorários advocatícios em valores

irrisórios ou exagerados, é possível que haja revisão desses valores, pelo princípio da

proporcionalidade, o que se traduz em matéria de direito, sem prévia necessidade de se

abordar matéria fática.

O que se espera é que os magistrados ao interpretarem a referida legislação, façam-no

da maneira devida, sem confundir a equidade considerada nos ultrapassados Estados Social e

Liberal, ou mesmo utilizando-se do instituto da equidade para justificar arbitrariedade quando

do uso de juízo de ponderação na fixação dos honorários advocatícios, o que, além de

desprestigiar a valorosa classe dos advogados, indispensáveis à administração da justiça, pode

ensejar necessidade de ulterior responsabilização dos magistrados pela utilização indevida da

atividade jurisdicional, enfatizada pela exacerbação de poderes, gerando, pois, prejuízos ao

causídico.

Caso contrário, estar-se-á a apoiar decisões desprovidas de fundamentação, sem

observância a uma construção participada do provimento, através do debate em torno dos

parâmetros legais pré-estabelecidos e ao princípio da proporcionalidade, o que não se pode

admitir em um Estado Democrático de Direito.

Ora, a publicidade e o dever de motivação são indispensáveis para o controle da

atividade dos órgãos jurisdicionais face à falibilidade humana dos juízes, bem como a

indispensável transparência das decisões. Todavia, a motivação entendida como garantia, no

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esteio da moderna doutrina processual, deve se fundar na lei, sob pena de se tornar nula.

É que, dentro da perspectiva de uma processualidade democrática, não se admite outra

interpretação pelos magistrados, que não aquela em que o mesmo indique as razões de seu

convencimento face ao contraditório observado ao longo do iter procedimental, o que nos

impulsionaria a defender em última instância, a exclusão da hipótese de apreciação equitativa

do § 4º do art. 20 do CPC, uma vez que não se está a aplicá-la devidamente em face do

ordenamento jurídico atual.

Merece destaque ainda, que, no esteio das considerações aqui apresentadas, o Projeto

do novo CPC demonstra flagrante preocupação em relação ao dever de motivação das

decisões, ao enfatizar a importância de o juiz estar atento e diligente ao fundamentar seus

respectivos atos decisórios.

Frise-se, por fim, que não foi objeto deste trabalho dura crítica a atuação dos

magistrados em caráter geral. Muito pelo contrário, o que se pretendeu foi dar maior enfoque

a aplicação equivocada que muitos julgadores estão a fazer do instituto da equidade para fixar

valores de honorários advocatícios dissociados de quaisquer parâmetros legais objetivos e

desprovidos de qualquer fundamentação.

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