A Epistemologia da Economia Teórica de Schumpeter

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    Revista de Economia Poltica, vol. 22, n 1 (85), janeiro-maro/2002

    A Epistemologia da Economia

    Terica em Schumpeter

    MARCOS FERNANDES GONALVES DA SILVA*

    The objective of this paper is to reconstruct the main elements of Schumpetersinstrumentalist epistemology, in the way as they are exposed in his first published bookDas Wesen und der Hauptinhalt der theoretischen Nationalkonomie (1908), whichis the main effort developed by the Austrian economist for the analysis of the foun-dations of the economic science. Firstly, I will reconstruct his instrumentalist episte-mology and I will show the importance of the same. This reconstruction is impor-tant because the hard core of Schumpeters instrumentalist epistemology is the rela-tively unknown. Finally, I will indicate the direct filiation of the Schumpeters instru-

    mentalist epistemology to the main ideas about the nature of mechanics and of thephysics in general in the end of the XIX century. These ideas are mainly associatedwith Ernst Mach, Henri Poincar and Pierre Duhem who faced the same challengeof Schumpeter in economics, which is, free the science (mechanics) from metaphys-ics (cosmology), creating a new theory vision.

    1. INTRODUO

    Neste artigo mostrar-se- os principais elementos constituintes da epistemologiainstrumentalista de Schumpeter, da forma como esto expostos no seu primeirotrabalho de flego e primeiro livro publicado intitulado Das Wesen und derHauptinhalt der theoretischen Nationalkonomie WHT(1908) (A Essncia e osPrincpios da Economia Terica)1 que, sem sombra de dvida, o principal esforo

    * Fundao Getlio Vargas de So Paulo (EAESP/FGV-SP). Gostaria de agradecer aos cometrios deEduardo Giannetti da Fonseca (FEA/USP) e de Jos Chiappin (FFLCH-Filosofia/USP).

    1 O ttulo do livro pode ser traduzido das seguites formas: (i) The Nature and Essence of TheoreticalEconomics. Segundo Swedberg (1991b:24), essa foi a traduo feita pelo prprio Schumpeter; em por-tugus, portanto, o ttulo seria A Natureza e a Essncia da Economia Terica; (ii) LEssenza e i PrincipidellEconomia Teorica. Esse o ttulo da traduo italiana de 1982; em portugus o ttulo dessa edio

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    desenvolvido pelo economista austraco para a anlise dos fundamentos da cinciaeconmica. Esse trabalho de Schumpeter pertence etapa de vida que caracteriza ojovem Schumpeter (ver Silva, 1994)2.

    Inicialmente, ser feita uma reconstruo racional de sua epistemologia instru-mentalista e mostrarei, dentro da economia terica, a importncia da mesma. Essareconstruo importante, pois o ncleo do instrumentalismo schumpeteriano paraa economia terica est no relativamente desconhecido WHT(ver Silva, 1994 eShionoya, 1997).

    Por fim, ser indicada a filiao direta da epistemolologia instrumentalistaschumpeteriana da economia terica com as idias difundidas dentro da mecnicae da fsica em geral na virada do sculo XIX para o sculo XX. Essas idias estoassociadas principalmente a Ernst Mach e, em menor grau, a Henri Poincar e PierreDuhem.

    2. O JOVEM SCHUMPETER, O METHODENSTREITE AESSNCIA EOS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DA ECONOMIA TERICA

    WHTteve um impacto considervel quando foi lanado. O prprio Walras tevecontacto com a obra e considerou-a muito importante. Schumpeter visitou-o em 1910e Walras, j relativamente senil, pediu que ele agradecesse ao seu pai por ter-lhe man-

    seria A Essncia e os Princpios da Economia Terica; (iii) The Nature and Substance of TheoreticalEconomics a verso dada por Shionoya (1990:189); em portugus o ttulo seria, portanto, A Nature-za e a Substncia da Economia Terica; (iv) Nature and Principal Content of Theoretical Economics outra traduo feita por Harris (1951:2); em portugus, A Natureza e o Contedo Principal da Econo-mia Terica. O importante a ser notado que, de qualquer forma, a palavra Wesen no possui cartermetafsico, a no ser quando aparece em textos filosficos; em se tratando de obras cientficas, pode-mos traduzi-la como natureza ou princpio. comum, vale notar, o uso dessa palavra em tratadosde economia e negcios. Segundo o Cambridge Dictionary of German, as palavras Wesen e Hauptinhaltso consideradas sinnimos, principalmente em tratados de economia, e significam nada mais que prin-cpios e elementos ou contedo principal. O prprio Schumpeter possui um livro inacabadointitulado Das Wesen des Geldes (A Essncia do Dinheiro),que pretendia ser um tratado da moeda,

    similar ao que Keynes elaborou; em tal livro buscar-se-ia um tratamento analtico, e no metafsico, doproblema. Shionoya (1990:189) destaca ainda que Schumpeter quer ver fora do domnio da cincia asespeculaes metafsicas e esse aspecto ser abordado por ns. Nesse sentido, podemos aceitar todasas tradues dadas ao ttulo do livro, desde que se tenha em mente as observaes acima.2 Para maiores informaes sobre a vida de Schumpeter sugerimos as seguintes fontes bibliogrficas: Allen(1991a), Allen (1991b), Frisch (1951), Harberler (1951), Samuelson (1951), Smithies (1951), Swedberg(1991a) e Swedberg (1991b). Vale notar que Allen (1991a) e Allen (1991b) a mais abrangente biogra-fia j publicada e recentssima na verdade, o livro s foi comercializado no incio de 1992, junta-mente com o trabalho de Swedberg (1991b). Tanto o referido trabalho de Swedberg como o de Allenforam elaborados usando como fontes entrevistas com economistas e intelectuais que conviveram comSchumpeter e os arquivos do mesmo em Harvard, s h pouco tempo atrs reorganizados. O livro de

    Swedberg mais um ensaio sobre a relao de Schumpeter com a sociologia (o autor socilogo), noqual explorado o conceito weberiano de Economia Social (Socialkonomik).J o livro de Allen dois extensos volumes totalizando 704 pginas uma biografia strito sensu, embora contenha algu-mas especulaes sobre a natureza do trabalho terico de Schumpeter.

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    dado um livro to bom quanto importante. Schumpeter tentou resolver o mal-en-tendido explicando que ele era o autor, mas no conseguiu. O fato que era quaseimpossvel admitir-se que algum to jovem (Schumpeter possua apenas 26 anos)pudesse escrever um tratado daquele porte (ver, a esse respeito, Swedberg, 1991a:79,n 26)3.

    O livro em si um trabalho de sistematizao da cincia econmica, ou eco-nomia terica (cujo ncleo , para Schumpeter, a economia walrasiana) e ele pre-tende lidar com questes epistemolgicas ao mesmo tempo em que feita ao leitoruma exposio do contedo principal da disciplina. O trabalho, nos dizeres doimportante bigrafo Allen (1991a:82), longo e repetitivo4, embora isso no retireo mrito da obra, que pioneira e, em determinados momentos, surpreendente. Ofato que o livro em questo representa o incio da produo intelectual do jo-vem Schumpeter5.

    interessante fazer algumas observaes a respeito do livro mais desconheci-do de Schumpeter, que, alm de desconhecido, parece ter sido esquecido porSchumpeter. Ele prprio, quando foi para os EUA, levou todos os seus livros, in-clusive muitos artigos, menos o WHT6. No entanto, h um curioso episdio a res-

    3 Ver tambm, sobre essa anedota e sobre o impacto de WHT: Allen (1991a:84) e Swedberg (1991b:17,22)4 Na verdade o livro, a despeito de sua genialidade, foi escrito num tom um tanto quanto esnobe e deleitura por vezes muito cansativa. No entanto, observa Morgenstern, [o livro] muito prolixo, extre-

    mamente longo mas, no obstante, brilhante, vvido e absolutamente mpar dentro da literatura em linguaalem naquela poca. Ver Allen (1991a:85).5 Os outros livros publicados que pertencem a essa etapa da vida intelectual de Schumpeter so: (i) Epochender Dogmen-und Methodengeschichtete EDM (1914) (Doutrina Econmica e Mtodo) e (ii) Theoriede wirtschaftlichen Entwicklung TWE (1911) (Teoria do Desenvolvimento Econmico). Esse ltimofoi publicado, na realidade, em 1911 e no 1912, como est indicado na primeira pgina; Augello(1991:448) coloca 1912 como a data de publicao, mas Swedberg (1991a:79,n25) revela que o livro jfora divulgado em 1911. Para todos os efeitos, utilizaremos a ltima data. Na verdade, esses dois livros,juntamente com WHTformam o conjunto bsico de interesses investigativos de Schumpeter. At o finalde sua vida ele estudou histria da cincia econmica, preocupou-se com os problemas relacionados aodesenvolvimento econmico (ciclos, crises etc.) e sempre buscou defender o estudo da economia como

    uma disciplina parte, com domnio definido e com mtodo prprio. Soma-se a essa gama de preocupaesque o perseguem do incio ao fim de sua vida intelectual a defesa do uso de diversas cincias auxiliares economia, tais como a estatstica, a sociologia e a histria.6 O livro o nico que no foi traduzido para o ingls. As tradues foram feitas apenas para o japons,1936, com uma reimpresso em 1984, e para o italiano (1982). Mesmo em alemo o livro difcil deser encontrado, tendo sido inclusive um fracasso de vendas, com uma tiragem inicial que no ultrapas-sou os 1.000 exemplares. Cabe notar que a atitude de Schumpeter com relao ao livro envolve, pelomenos, uma certa ambigidade. Em entrevista ao jornal do campus de Harvard (The Harvard Crimson,11 de abril de 1944), ele refere-se desta forma ao livro: [...] no tenho nenhuma cpia e tento me redimirdeste esforo de minha juventude desde que ele foi publicado (Ver Swedberg, 1991b:31). No entanto,podemos atribuir esse descaso com a sua primeira obra s falhas que ela possui, tanto em termos de estilo,

    como do ponto de vista da estrutura. Schumpeter pensou at mesmo numa segunda edio revisada. Elecomeou a fazer tal reviso em 1931, quando percebeu que o livro havia virado uma pea de coleciona-dores (at hoje WHT carssimo e os japoneses detm o maior estoque de exemplares do mesmo) (VerAllen, 1991a:279-80). No entanto, ele nunca terminou tal trabalho.

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    peito desse livro, muito interessante, e que comprova a importncia do mesmo. Deacordo com Allen: A perpetuidade e importncia do pensamento incorporado emDas Wesen und der Hauptinhaltso ilustradas por um evento ocorrido 37 anos apssua publicao. John R. Hicks, ento um jovem economista, acompanhava as for-as do General DeGaulle na libertao de Paris em 1945. Seu trabalho era encontareconomistas franceses, prestar-lhes ajuda e averiguar o que eles fizeram durante aocupao alem. Depois de muita procura, Hicks encontrou um grupo de econo-mistas franceses, sob a liderana de Maurice Allais (ganhador do Prmio Nobel em1988), que estava realizando um seminrio sobre a proposio schumpeteriana [co-locada em WHT] segundo a qual no existe taxa de juros em uma economia est-tica em equilbrio (ver Allen, 1991a:82-5)7.

    Por fim, a despeito da opinio de vrios economistas de importncia indiscut-vel sobre o contedo e relevncia de WHTe da opinio (dbia) do prprio Schum-peter, o fato que qualquer obra cientfica tem vida independente e pblica no mundodo conhecimento comunicvel e deve ser, portanto, objeto de interpretao. O im-portante destacar que essa tese de doutorado abria a estrada intelectual que oeconomista austraco percorreria durante sua vida: grande parte dos problemas queele aborda em WHTesto presentes ao longo de praticamente toda a sua obra in-telectual, permeando o caminho que liga o jovem e o Schumpeter maduro. Den-tre eles esto: (i) a diferena entre esttica e dinmica e entre estado estacionrio edesenvolvimento; (ii) o carter cientfico da cincia econmica; (iii) a epistemologiainstrumentalista da economia terica, o pragmatismo metodolgico e os limitescognitivos da cincia econmica; (iv) a separao (demarcao) entre a economia eos outros campos de conhecimento; (v) a relao da economia com as cincias so-ciais (sociologia, histria) e com a estatstica; (vi) o papel da matemtica na econo-

    A despeito de suas qualidades, o livro complicado e, de fato, do ponto de vista da teoria econmica,no representava nada de novo; era apenas uma sistematizao da teoria walrasiana. Schumpeter pro-vavelmente queria ser mais conhecido por sua obra de desenvolvimento econmico (teoria da dinmi-ca), esta sim original, e no por um trabalho que se assemelha a um manual. Vale notar, no obstante,que WHT a grande referncia de Schumpeter em TWE. No primeiro captulo da aludida obra, em quese discute os fundamentos da economia do fluxo circular (esttica), Schumpeter sempre remete o lei-

    tor para seu primeiro trabalho. O mesmo acontece ao longo do livro e, principalmente, no captulo V,sobre a teoria dos juros. No total so doze citaes em TWE de WHTsobre um nmero global de 192(mais ou menos 6% das citaes totais, que envolvem desde comentrios at referncias a vrios livros).Mas foi no Japo onde WHTteve um impacto importante. O livro considerado um marco na introdu-o da economia moderna (walrasiana) no Japo (ver Allen, 1991a:272-3). Note-se que muitos comen-taristas consideram o livro importante. Por exemplo, Samuelson afirma que: [...] a obra mais tericade Schumpeter foi seu primeiro livro em alemo de 1808 Das Wesen und [der] Hauptinhal der teo-retischen Nationalkonomie (Ver Shionoya, 1997 e Shionoya, 1990:188). Na verdade, WHTera umadas poucas obras de referncia e sistematizao da teoria do equilbrio geral at o lanamento de Valueand Capitalde J.Hicks (1939) e, precisamos lembrar, somente aps guerra torna-se mais difundido osistema walrasiano. Em lngua alem talvez tenha sido WHTuma das nicas introdues ao tema. Ver,

    ainda, acerca do impacto de WHT poca de sua publicao, Swedberg (1991b:24-31) e Swedberg(1992:65-8).7 Nessa referncia encontramos que Oskar Morgenstern e Wassily Leontieff reconhecem tambm que olivro exerceu uma grande influncia intelectual sobre ambos.

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    mia. No entanto, no se compreende a estrutura do livro nem as preocupaes bsicasde Schumpeter sem uma breve referncia situao na qual se encontrava a teoriaeconmica germnica alem e austraca no despertar do sculo XX.

    WHTfoi escrito para os economistas germnicos e pretendia ser um livro dedivulgao e de esclarecimentos sobre o que Schumpeter entendia ser a fronteirada economia terica: o sistema de equilbrio geral esttico elaborado por Walrasassociado com os desenvolvimentos da teoria econmica feitos pela escola austra-ca (Bhn-Baverk etc). Mas, por que Schumpeter acreditava serem esses esclareci-mentos necessrios?

    A cincia econmica estava em crise no mundo germnico na poca em queele estudou na Universidade e quando escreveu WHT. A crise surgiu devido a umaguerra de mtodos que passou a ser conhecida na literatura como Methodenstreit8.Essa querela metodolgica o pano de fundo de WHT, nem tanto pelo que ela sig-nificava poca, j que Schumpeter sempre acreditou serem esses debates estreis,mas mais pelas questes que suscitou9.

    8 Sobre esta querela metodolgica ver, para maiores detalhes: Palgrave Dictionary of Economics (pro-curar o mote Methodenstreit) e Schumpeter (1954b:152-201).Vale notar que esta ltima referncia re-tirada de EDM uma boa introduo ao assunto e, por conter a interpretao de Schumpeter, a maisinteressante para os nossos propsitos aqui.9 De fato, Schumpeter acreditava que a economia clssica, em grande parte, sofria uma interfernciaexagerada de problemas prticos e normativos; isto , a teoria era usada para a defesa de pontos de vis-ta ideolgicos e polticos (como o livre comrcio, por exemplo). De acordo com Schumpeter, os histri-cos incorreram no mesmo erro que os clssicos (to criticados por eles): submeteram a teoria s elabo-raes apriorsticas que pretendiam defender o protecionismo frente ao ideal do livre comrcio. ParaSchumpeter esse tipo de procedimento anti-cientfico. Mais do que isto, puseram-se a validar o uso deum mtodo o mtodo histrico devido adequao do mesmo aos seus a priori polticos. Essacrtica no se aplica s aos histricos, mas tambm a todos os economistas que justificam ou pelo me-nos tentam justificar o uso de uma abordagem devido a crenas polticas ou at mesmo metafsicas.Schumpeter enftico tambm no que diz respeito questo da deduo e da induo. Toda teoria en-volve os dois processos. No momento da elaborao das hipteses a experincia indutiva pode contarmuito, mas a construo de teorias implica o uso da deduo; no caso da histria, Schumpeter acreditaque seu mtodo seja basicamente indutivo. O problema saber escolher a abordagem adequada para seresolver um problema especfico: existem determinadas situaes em que devemos adotar uma aborda-gem histrica e outras em que somos obrigados a usar a teoria, e muitas vezes saber adotar uma abor-

    dagem ou outra depende da nossa intuio, no havendo uma regra clara que determine nossa escolha(ver Schumpeter, 1982b:9-10). Contudo, para que se entenda com preciso qual a posio de Schumpeterno Methodenstreit, preciso, antes de mais nada, explicar o que defino como sendo o pragmatismo meto-dolgico schumpeteriano, que no meu entender surge como soluo ao debate entre mtodos.Schumpeter afirma que qualquer avaliao sobre a validade de um mtodo, seja ele histrico, tericoou estatstico, deve estar ligada ao tipo de problema que se est estudando. Cada problema exige ummtodo especfico, caso contrrio cair-se- em debates sem valor: Cada mtodo possui seu domnioconcreto de aplicao, e debater em termos da sua validade geral no leva a nenhum resultado: ns co-locaremos sempre em evidncia que uma discusso acerca de questes de mtodo somente tem sentidoem relao com a pesquisa cientfica prtica. (Schumpeter, 1982b:21-2)Nesse sentido, no se pode discutir o que peculiar disciplina da economia terica nas nuvens e

    tambm no possvel saber quando devemos usar ou combinar disciplinas diferentes, como a teoria, aestatsitca e a histria, sem encararmos os problemas prticos de frente. Somente entendendo como acincia trabalha cotidianamente com seus problemas que poderemos, de acordo com Schumpeter,apreender suas limitaes e sua natureza.

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    Schumpeter divide o debate em trs etapas:(i) uma controvrsia acerca do li-vre comrcio que envolveu um confronto de filosofias polticas distintas, (ii) umadiscusso acerca do papel da induo e da deduo na cincia, e (iii) a altercaoentre Schmoller, de um lado, defendendo a escola histrica, e do outro, Menger,defendendo a teoria marginalista10. importante salientar, a respeito da posio deSchumpteter, o seguinte: uma determinada abordagem (disciplina) ou uma combi-nao de abordagens escolhida tendo-se em vista o problema a ser analisado(Schumpeter, 1982b:22)11. O julgamento de uma disciplina (histria, economia te-rica, estatstica), usada para abordar um domnio de fatos, deve ser feito vis--vis oproblema em questo (Ver Schumpeter, 1982b:10)12. nesse sentido que afirma-mos existir um pragmatismo metodolgico schumpeteriano; vale notar que, no quediz respeito ao problema da escolha da disciplina, Schumpeter pode ser definido comopragmtico. Isto no quer dizer que sua epistemologia da economia terica sejapragmtica. Seu pragmatismo aparece apenas quando da escolha entre disciplinase conjuntos de disciplinas, isto , quando optamos por uma ou outra abordagemou por combinaes entre abordagens para estudar um fenmeno. Nesse sentido,cada disciplina ter uma epistemologia prpria, que tambm deve ser compreendi-da dentro dos limites gnosiolgicos de cada uma das mesmas. Logo, por exemplo,a economia terica uma disciplina que tem uma epistemologia que lhe particular13.Efetivamente, o que se pode concluir o seguinte: se uma disciplina (ou um con-

    10 Schumpeter, alis, freqentemente refere-se a esse debate como intil e perigoso, pois esse tipo de dis-

    cusso pode, alm de criar uma srie de mal-entendidos, bloquear o progresso da cincia. O grande pro-blema desse debate era, na realidade, a esterilidade de uma controvrsia sobre o mtodo que no levavaem considerao a utilidade prtica que cada um de cada mtodo pode ter para a soluo de pro-blemas especficos. O aspecto mais importante da controvrsia est, no entender de Schumpeter, ligadoao problema do uso da deduo e da induo na cincia e ao emprego dos mtodos, isto , teoria ehistria. Schmoller e os histricos no acreditavam ser possvel construir uma teoria abstrata e geralaplicada a todos os pases em todos os momentos. Por outro lado, Menger advogava que se poderiaconstruir uma teoria abstrata com validade independente do tempo e do lugar. Portanto, Schmollerpropunha somente a possibilidade de se explicar alguns fatos singulares e, a partir de determinadas re-gularidades observadas, construir-se-iam algumas leis gerais, embora sempre lembrando que elas pode-riam se alterar. No entanto, Menger defende o ponto de vista segundo o qual no podemos elaborarteorias apenas observando casos singulares; precisamos construir teorias abstratas que sejam usadas paradeduzir algumas leis bsicas, calcadas em regularidades empiricamente observadas, como ocorria namecnica e nas cincias naturais em geral. Portanto, Schmoller um indutivista e Menger, um dedutivista.O debate em si possua outras motivaes que no as estritamentes cientficas, isto pelo menos da partede Schmoller. A Alemanha estava passando por um processo de rpida industrializao e os histricosqueriam oferecer subsdios tericos ao protecionismo alemo. Da advm a rejeio da teoria clssica, aqual era associada ao liberalismo ingls. Desejavam eles a construo de uma teoria econmica ale-m para fazer frente ao que eles acreditavam ser a teoria econmica inglesa. Schumpeter observaque os histricos confundem a teoria clssica, ou sistema clssico, com a nova teoria (Menger).11 Ver tambm Machlup (1951:95,96).12 O que Schumpeter ora chama de mtodo, ora de disciplina, ns denominamos conjunto de regras e

    tcnicas (ou disciplina ou abordagem).13 A soluo que Schumpeter encontra para o Methodenstreitno , na nossa opinio, uma anarquiametodolgica ou qualquer tipo de pluralismo ou tolerncia metodolgicos; na verdade sua soluo pragmtica. Por esta razo, antes de se criticar uma abordagem de anlise ou a forma de resoluo de

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    junto delas) consegue descrever um determinado conjunto de fenmenos, est-segerando resultados concretos. Por exemplo, se o economista quer estudar a forma-o do mercado mundial, ele poder escolher a histria como o conjunto de tcni-cas adequado para descrever esse fenmeno, dado que ele est associado com mu-danas histrico-institucionais; ou tambm poder combinar economia terica,histria e estatstica. Por outro lado, para estudar a formao de preos, sem ne-nhuma referncia histrica etc., o economista deve escolher a economia terica.

    Ao observador mais desatento ou desconhecedor de WHTpode parecer que(i) Schumpeter seja um anarquista do mtodo, onde tudo vale ou que (ii) Schumpetermudou o seu ponto de vista metodolgico ao longo da vida. A rigor, nem a primei-ra afirmao, nem a ltima, esto corretas. Em primeiro lugar, cabe salientar queSchumpeter realmente fica pessimista com relao possibilidade de se tratar oproblema dos ciclos econmicos dentro do mbito estrito da economia terica que para ele sempre foi sinnimo de cincia econmica de fato. Mas a proposta dese abordar esse fenmeno com outro mtodo perfeitamente coerente com o quedenominamos por pragmatismo metodolgico schumpeteriano: se com a discipli-na A no obtemos resultado isto , no descrevemos o fenmeno trocamo-lapor B, e assim por diante, at que seja atingido o objetivo almejado. Da mesma forma,podemos escolher entre combinaes de disciplinas. Em segundo lugar, Schumpeternunca mudou seus pontos de vista metodolgico e epistemolgico: a escolha entredisciplinas e conjunto de disciplinas diferentes fazia parte de seu pragmatismo me-todolgico (ver Silva, 1994). Em seu artigo clssico sobre a metodologia econmi-ca de Schumpeter, Machlup (1951)14 prope a existncia de uma tolerncia meto-dolgica schumpeteriana que, na prtica, seria uma espcie de pluralismo metodo-lgico. Ns no concordamos com essa posio. Para expor minha discordnciapreciso definir com maior preciso como, nesse contexto, articulam-se os concei-tos de metodologia, mtodo e epistemologia15. Cada disciplina (T), seja ela hist-ria, economia terica ou estatstica possui, para Schumpeter, um conjunto de tcni-cas e de regras de procedimento que lhe particular (RTc). Cada mtodo ou disci-plina representa, portanto, um conjunto RTc usado para se abordar um conjunto

    problemas de uma ou outra disciplina, deve-se levar em considerao o carter peculiar de cada uma.No h sentido, portanto, em discutir-se a tcnica particular empregada por uma disciplina do conheci-mento se no se conhece a forma que esta tem de lidar com os problemas concretos. Por outro lado,quando uma disciplina no gera resultados no sentido de descrever um determinado fenmeno ou con-junto de fenmenos, deve-se buscar uma nova disciplina, uma nova abordagem ou uma nova combina-o de disciplinas.14 Este artigo e o artigo de Shionoya (1990) so os nicos trabalhos publicados sobre o assunto. Issorevela que, de fato, a contribuio de Schumpeter epistemologia no recebeu a ateno que merece.Ver Shionoya (1990:187). Note-se que tal negligncia dentro da histria do pensamento econmico foigrave. Como mostra Shionoya (1990:188), isso pode ter ocorrido devido ao fato de WHTnunca ter

    sido traduzido para outras lnguas a no ser, como j falamos, o japons (1936, reimpresso em 1984)e o italiano (1982).15 O prprio Schumpeter no se preocupa muito em definir os conceitos que usa; deriva desse fato mui-tas das confuses com as quais os leitores se defrontam ao longo de sua obra.

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    16 Usaremos a abreviao PM para as proposies metodolgicas. Todas as outras abreviaes seguiroo mesmo padro.17 Machlup parece confundir a tolerncia de Schumpeter quando da escolha entre disciplinas e conjun-tos de disciplinas e a escolha de diversos mtodos dentro da economia terica, como se a economiaterica ora fosse terica, ora histrica, ora estatstica. O meu argumento algo distinto. O pragmatismometodolgico schumpeteriano, tal qual o defini, arbitra com tolerncia a escolha entre a histria, a es-tatstica e a economia e entre conjuntos combinados das mesmas; Machlup, ao contrrio, parece querermostrar que Schumpeter permite que a histria se misture com a economia terica, como se ambos nopossussem uma identidade definida. Cabe observar, contudo, o papel importante dado teoria porSchumpeter. Salvo algumas raras excees, a teoria sempre deve estar presente dentro dos conjuntos dedisciplinas que sero objeto de escolha pragmtica. O economista no se define, para Schumpeter, comoum estatsitco ou como um historiador. Ele , antes de mais nada, um terico que, por vezes, precisarecorrer a outros mtodos para abordar alguns problemas. Um dos esforos bsicos de Schumpeter emWHTest justamente em demonstrar a relevncia da economia terica ou simplesmente da teoria paraa formao da economia cientfica e do economista.

    Na introduo ao WHTele faz essa distino entre as disciplinas que o economista pode usar, seguindoo critrio pragmtico, reconstrudo racionalmente por ns: por exemplo, o mtodo histrico pode ser,em alguns momentos, mais eficiente na busca de solues de problemas do que a economia terica, emboraesta seja o ncleo da formao do economista terico.No entanto, uma vez feita essa distino, a preocupao do economista austraco passa a ser outra: de-finir a essncia e os princpios da economia terica. Ele ir definir os limites gnosiolgicos da disciplinaou abordagem em questo e, portanto, estar buscando construir uma epistemologia da economia terica.Schumpeter mantm sua posio segundo a qual no se pode entender a natureza do trabalho cientfico,agora em economia terica, abstraindo-se a forma concreta de elaborao das mesmas. O que foi afir-mado para a anlise do pragmatismo metodolgico, portanto, continua valendo para a anlise da naturezado conhecimento fornecido pela economia terica. No se deve negligenciar o estudo da teoria para se

    definir sua estrutura epistemolgica. Por essa razo, no tem sentido um manual de economia terica quepossua como captulo inicial tpicos de discusso epistemolgicos (ver Schumpeter, 1982b:10, 421-97).Dado um problema (representado por um conjunto de fenmenos que se quer analisar), deve-se buscara soluo do mesmo, combinando-se disciplinas e escolhendo-se entre essas combinaes ou, simples-

    de fenmenos (D) ou domnio de fenmenos. A metodologia um conjunto deregras (R) de escolha de disciplinas ou de conjunto de disciplinas (CTi). Logo, esta-beleam-se as seguintes Proposies Metodolgicas (PM)16: PM1: Quando eu es-colho uma disciplina especfica T1 para lidar com um conjunto de fenmenos D1,automaticamente estou optando por um conjunto de regras e tcnicas RTc1 e ireiseguir um conjunto de procedimentos. A escolha entre disciplinas Ti a escolha entreregras e tcnicas RTci. Essa escolha tambm pode se dar entre diversas combina-es de disciplinas ou mtodos CTi usados para abordar um domnio especfico defenmenos; PM2: Existe um conjunto de regras que orientam a escolha de Ti e deCTi. Esse conjunto de regras R; PM3: O conjunto R possui um nico elemento,que representa uma nica regra de escolha: a regra de escolha entre disciplinas e,portanto, entre conjuntos de regras e tcnicas, a capacidade de cada um descre-ver um conjunto de fenmenos. O mesmo vale para a escolha entre conjuntos/com-binaes de disciplinas; PM4: R determina que o critrio de escolha entre discipli-nas seja prtico; o mesmo vale para a escolha entre os conjuntos-combinaes dedisciplinas. De acordo com R, a escolha, seja ela entre disciplinas ou entre combi-naes das mesmas, deve seguir o critrio prtico da resoluo de problemas17.

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    Mostraremos, a seguir, que Schumpeter defende uma epistemologia instrumenta-lista para a economia terica18.

    3. A ESSNCIA E OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DA ECONOMIA

    TERICA: O INSTRUMENTALISMO SCHUMPETERIANO

    Antes de apresentar a definio de teoria, explorar-se- o conceito de econo-mia terica que Schumpeter apresenta em WHT. Tal procedimento pode parecercontrariar o bom senso, mas na realidade apenas estou respeitando a prpria es-trutura do livro e o ponto de vista do autor, que sustenta a necessidade de se co-nhecer a teoria em questo antes de se fazer qualquer afirmao sobre sua nature-za epistemolgica. Deve-se salientar que Schumpeter trabalha com a teoria estti-ca, representada pelo sistema walrasiano, como ncleo oupunctun saliens da eco-

    nomia terica; em certo sentido, teoria, economia terica e sistema de equilbrio geralse confundem.

    Schumpeter afirma que o fundamento exato da economia o conceito de tro-ca: Pois ento, como fundamento da nossa disciplina est a noo de que todasessas quantidades [as quantidades de determinados bens], que chamaremos breve-mente quantidades econmicas, travam entre si relaes tais que a mudana deuma delas trs como consequncia a mudana das outras. (Schumpeter, 1982:37).

    Logo, elabore-se a seguite Proposio Terica 1 (PT1): A economia terica lidacom um sistema de quantidades. Essas quantidades so denominadas quantida-

    des econmicas e representam determinados quanta de bens e servios. Essas quan-tidades esto em relao de mtua dependncia. A seguir, pode-se derivar a que tipode resultado tal sistema de quantidades conduz: Se agora descobrimos que as quan-

    mente, entre disciplinas singulares. A concluso a seguinte: Schumpeter, mais que propor uma certatolerncia ou pluralismo metodolgico, define uma regra bsica de escolha entre disciplinas e mto-dos que o classificam, nesse contexto, como um pragmtico. prefervel usar o conceito pragmatismometodolgico pois, embora envolva a idia de tolerncia, como quer Machlup, ele se diferencia da idiadefendida pelo economista.

    18 Precisamos alertar que Schumpeter, ao longo de WHT, usa os seguintes conceitos como sinnimos: (i)economia terica, (ii) teoria esttica, (iii) teoria econmica, (iv) cincia econmica, (v) economia, (vi)economia pura, (vii) economia exata. Veremos que a cincia definida, para ele, a partir do conceito deteoria: a prpria estrutura da teoria (walrasiana) que fornece um conceito de cincia econmica. Cinciaeconmica, teoria econmica e teoria lato sensu so, portanto, tratados como sinnimos. Como em WHTa teoria econmica limita-se teoria esttica walrasiana, a teoria esttica passa a ser a mesma coisa queteoria econmica. Schumpeter acredita que a economia terica , do ponto de vista epistemolgico, igual mecnica isso tambm veremos mais abaixo. Dessa forma, pode-se usar como substituto para eco-nomia terica os conceitos de economia exata (exata porque leva a resultados no-triviais) e economiapura (pura porque definida independentemente das outras cincias), sempre lembrando que era prpriodo perodo dar-se essas denominaes (pura, exata) s cincias naturais. Para todos os efeitos, todos os

    conceitos de (i) a (vii) so sinnimos em WHT. J em TWE a economia terica, a teoria pura, ampli-ada, em seus limites descritivos, para a teoria do desenvolvimento econmico. Esse esclarecimento importante pois Schumpeter, infelizmente, somente adverte o leitor com relao ao uso no muito orde-nado que faz desses conceitos nas ltimas pginas de WHT. Ver, por exemplo, Schumpeter (1982:461).

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    19 Existe um elemento importante de toda essa formulao que Schumpeter apresenta e que no nota-do pelos poucos comentadores dos aspectos epistemolgicos de WHT, como Machlup (1951) e Shionoya(1990). Schumpeter observa que (i) a construo de um sistema de quantidades e (ii) a obteno de umasoluo unvoca importante para o fundamento da economia terica ou economia pura. Segundo ele:A determinao unvoca de um sistema de quantidades um fato cientfico da mxima importnciaenquanto significa que, quando estamos de posse de certos dados, recolhemos tambm todos os elementosnecessrios para entender as dimenses de tais quantidades e seus movimentos (Schumpeter, 1982b:41).Note-se nessa passagem a unio do conceito de equilbrio e de soluo unvoca com o conceito de des-crio (quando Schumpeter fala em entender ele est referindo-se descrio e observe-se que ele colocaa palavra entender entre aspas). Schumpeter chega a dizer que a determinao unvoca de um sistema

    de quantidades, isto , a existncia do equilbrio, a pedra angular de uma construo cientfica(Schumpeter, 1982b:42). Schumpeter define o equilbrio da seguinte forma: Equilbrio uma expres-so no muito feliz para designar-se uma condio na qual, contanto que no intervenha de fora algumelemento de disturbncia, no existe qualquer tendncia de mudana (Schumpeter, Idem). A definiode um estado de equilbrio o primeiro passo para a descrio dos movimentos das quantidades econ-micas, pois ele define uma situao inicial de interrelao entre as quantidades (preos e quantidades debens). Tal definio no uma hiptese ou mesmo um simples axioma; na verdade, o equilbrio con-dio necessria para que se obtenha uma descrio de preos e quantidades no trivial. Quando o sis-tema est em equilbrio existe uma e somente uma soluo para o sistema de quantidades. Uma vezdeterminado esse estado pode-se fazer um experimento mental supondo-se que se altere, num momentodo tempo posterior, uma dada quantidade por exemplo, o preo de um bem dada a condio coeteris

    paribus. Com um novo estado de equilbrio, pode-se explicar as variaes ocorridas descrevendo-as. Aexplicao somente a descrio e nada mais dos movimentos observados das quantidades espe-cificadas no modelo. Quero salientar que sem essa ligao entre o conceito de equilbrio e o conceito deexplicao, fica muito difcil perceber-se a relao entre explicao e descrio, que so, de fato, sinnimos.

    tidades esto numa relao tal que ao valor de uma ou de algumas corresponde ume um s valor das outras, chamaremos o sistema de univocamente determinado[...].Chamaremos essa situao estado de equilbrio e as quantidades particulares desseestado de normais ou naturais. (Shumpeter, Idem). Ao conceito de economia comosistema de quantidades soma-se agora a noo de estado de equilbrio ou sim-plesmente equilbrio. Pode-se enunciar outra proposio. PT2: O sistema de quan-tidades produz uma soluo nica; quando o sistema determina essa soluo, pode-se dizer que o equilbrio foi atingido. PT1 e PT2 definem (i) o domnio da discipli-na a relao entre quantidades econmicas e (ii) o tipo de soluo que o sis-tema determina o equilbrio entre as quantidades econmicas. necessrio, en-to, mostrar como esses fatores se relacionam para que obtenhamos uma explica-o econmica dos fenmenos: Dado qualquer estado do sistema econmico, onosso objetivo agora o de derivar aquelas trocas de quantidade que se verificari-am no instante posterior se no acontecesse nenhum imprevisto. Ns denomina-mos esse procedimento de explicao e ser realizado mediante a descrio dasrelaes de dependncia, de tal forma que possamos definir o nosso objetivo comoa descrio do nosso sistema e das suas tendncias de movimento. Caso isso sejapossvel de forma unvoca sem se referir, ao longo desse procedimento, a princpiosmateriais de outras diciplinas, deriva-se uma cincia da economia definida em tor-no de si mesma. Denominamos as proposies que do lugar a tais descries deleis econmicas e estas so de uma importncia notvel. O nosso complexo for-ma a cincia da economia terica ou pura.(Schumpeter, 1982b:38)19.

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    Schumpeter define a funo da teoria ou economia terica como segue: Indi-camos como objetivo da nossa cincia a descrio das relaes de dependncia en-tre os elementos do nosso sistema, com o fito de poder sucessivamente simplificaras diversas condies, e dissemos que, falando de explicao cientfica dos fenme-nos dos quais a economia se ocupa, no entendemos nada alm de tal descrio.Por isso, os termos explicao e descrio so para ns, em geral, sinnimos; emoutras palavras, ns desejamos e podemos contribuir comprenso dos fatos eco-nmicos no fazendo outra coisa se no os descrever (Schumpeter, 1982b:44). Noobstante o qualificativo em geral, Schumpeter fundamenta de fato a noo deexlicao na idia de descrio. Do acima dito enunciarei uma Proposio Epis-temolgica (PE) e uma Definio (D) que so da mxima importncia para a cons-truo do instrumentalismo epistemolgico schumpeteriano. PE1: Explicao descrio. Isso significa que explicar uma variao de preo resume-se simplesmentena descrio dessa variao. Logo, pode-se enunciar a seguinte definio D1: Leiseconmicas so as proposies que formalizam essas descries; so a forma literalou matemtica por meio da qual a explicao transmitida em enunciados. Por exem-plo, quando eu falo que um aumento de preo de um bem especfico est ligado aum aumento da demanda por esse bem coeteris paribus, estou enunciando uma leique transmite, por meio de palavras, uma descrio. Entretanto, eu falo que umfenmeno especfico (no exemplo acima, aumento do preo de um bem) est liga-do a um outro fenmeno (aumento da demanda). Que tipo de ligao essa?

    Shumpeter afirma que: [...] a explicao oferecida pela nossa teoria , portanto,uma descrio de relaes funcionais entre os elementos do nosso sistema median-te frmulas que sejam as mais breves [...] possveis. Chamamos tais formulaes deleis (Schumpeter, 1982b:44). Portanto, pode-se elaborar duas proposies a res-peito do que est posto acima. PE2: A explicao a descrio estabelecida por meiode relaes entre fenmenos; PE3, essa descrio formulada como lei e esta devefornec-la da forma mais breve possvel, isto , da forma mais econmica possvel.Passarei a denominar PE3 de Princpio da Economia de Pensamento-PEP20. Consi-

    Sobre essa identidade entre explicao e descrio Schumpeter mais enftico quando define o objetivo

    da economia terica. A partir da poderemos comear a reconstruir a epistemologia schumpeteriana.20 O que se pretende quando da definio de uma lei a descrio dos fenmenos e no a busca de suascausas. Nesse ponto Schumpeter enftico: [...] no devero ser investigadas importantes relaes causais,mas sero descritas somente circunstncias claramente visveis (Schumpeter, 1982b:49; as importantesrelaes causais ficariam para a explicao filosfica, metafsica ou essencialista). E no h sentido emcrer que o objetivo central da cincia seja a busca de causas (embora seja plausvel supor que existamimportantes relaes causais; o problema que essas relaes esto fora do domnio da economia tericaenquanto cincia). Schumpeter afirma: [...] caso porm, se observarem as coisas com mais proximida-de, convenceremo-nos facilmente de que o ncleo de cada teoria, o que ela verdadeiramente diz, sem-pre e somente uma afirmao sobre relaes funcionais existentes entre algumas grandezas (Schumpeter,1982b:44).

    Essa preocupao com a diferena entre explicao causal e explicao funcional (ou simplesmente,descrio) pode parecer desnecessria. No entanto, pode-se afirmar que a distino entre causa e fun-o e a opo de Schumpeter pela ltima um dos pilares da sua epistemologia instrumentalista. Coma definio de explicao como descrio em contraposio definio de explicao como explica-

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    dere, desta forma, as seguintes proposies. PE4: Existe um critrio de demarcaoentre cincia e metafsica; ambas so distintas; PE5:O critrio de demarcao entreeconomia terica e metafsica o seguinte: a cincia trata de estabelecer relaesfuncionais entre fenmenos observados pela experincia da vida prtica, no bus-cando causas para os fenmenos. J a metafsica procura as causas que residem atrsdos fenmenos. Denominarei PE5 de Critrio de Demarcao-CD.

    Para se ter uma viso completa do que Schumpeter denomina por economiaterica, preciso definir mais alguns conceitos. Em WHTencontra-se a seguinte de-finio gnosiolgica de economia terica (ou pura): D3: A mais correta definiognosiolgica da economia pura seria, portanto, a seguinte: ela deve reduzir as quan-tidades de bens que esto sob a posse de cada um dos sujeitos econmicos em qual-quer instante, quelas quantidades que os mesmos sujeitos possuam num instan-te anterior e isso deve ser feito da forma mais rpida, que a das hipteses for-mais(Schumpeter, 1982b:124). Dessa afirmao so inferidas mais duas proposi-es epistemolgicas: PE6: Do ponto de vista gnosiolgico, isto , em termos de valorde conhecimento, a teoria deve descrever o movimento ocorrido nas quantidadeseconmicas da forma mais breve possvel. O princpio PEP deve ser respeitado:explicao descrio e esta deve ser econmica em termos de pensamento. Logo,pode-se afirmar mais uma proposio. PE7: A hiptese formal o meio utilizadopara se atingir uma descrio que implique uma economia de pensamento21.

    Com base nessas afirmaes pode-se elaborar mais duas proposies episte-molgicas. PE8: As hipteses sustentam a teoria, o esquema descritivo. PE9: Ashipteses so, em certo sentido, pura criao do nosso arbtrio. Porm, se de umlado as hipteses so criao do arbtrio, por outro, elas tm uma contrapartida comos fatos, com os fenmenos: a elaborao de hipteses permeada pela experin-cia do agente cognoscente: [...] na construo do nosso sistema procedemos arbi-

    o causal evita-se a obscuridade da metafsica, ao modo de Mach, Poincar e Duhem. O economistaaustraco quer demarcar a fronteira entre a economia e a metafsica; a economia somente trata de estabele-cer relaes funcionais entre entidades visveis, isto , empiricamente perceptveis. O domnio da econo-mia terica representado por esses fenmenos. Defina-se, portanto, teoria, do ponto de vista funcio-nal, usando as palavras do prprio Schumpeter. D2: [...] a teoria oferece-nos exclusivamente descri-

    es, isto , descries de certas relaes funcionais (Schumpeter, 1982b:52). Com a delimitao dodomnio da economia terica aos fenmenos e com a aceitao da explicao funcional, Schumpetercoloca a metafsica para fora da economia terica. A esse respeito, afirma Schumpeter que, primeiro,[...] no se deve esquecer que aqui nos baseamos, como para as nossas consideraes precedentes, so-bre o trabalho cientfico prtico, sobre a experincia resultante dele, sobre seus objetivos cientficos con-cretos, e no sobre princpios primeiros genricos ou sobre especulaes metafsicas (Schumpeter,1982b:422). Segundo: Em geral a teleologia e a cincia so antpodas e o sero sempre [...] (Schumpeter,1982b:134).21 necessrio, neste sentido, explorar-se o conceito de hiptese, sem o qual no se completa a anlisede toda a estrutura epistemolgica da economia terica. Schumpeter afirma que, (i) [...] a economiapura esttica no outra coisa seno um quadro abstrato relativo a determinados fatos econmicos,

    um esquema que deve servir sua descrio; tal esquema repousa sobre determinadas hipteses e porisso uma criao do nosso arbtrio, da mesma forma que o em cada uma das outras cincias exatas e(ii) [...] as hipteses que ns fazemos so em si mesmas um tanto arbitrrias, quanto o so as defini-es. Schumpeter (1982b:50).

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    trariamente, mas tambm racionalmente esboando as hipteses sempre em consi-derao aos fatos. Para usar a expresso de um pensador profundo: um alfaiateproduz um palet e este um produto do seu arbtrio na medida em que lhe seriapermitido talh-lo de uma forma diferente; no obstante esse fato, esperamos queele caia bem e que no nos surpeeendamos com isso, quando acontecer, dado quefoi feito sob medida22. Essa figura retirada de Poincar muito feliz, pois mostraexatamente a natureza de uma hiptese incluindo-se a os axiomas. Sempre te-remos hipteses mais ou menos abstratas, mas importante observar que sempreelas apresentaro esse duplo carter, isto , sempre sero um criao arbitrria esempre tero como referncia os fenmenos. Note-se que essa viso de Schumpeteracerca das hipteses e de sua natureza o aproxima de Poincar e de seu conven-cionalismo, pelo menos nesse aspecto. Saliente-se, no entanto, que o ideal para ateoria conseguir adaptar-se a um nmero crescente de fenmenos. Mais uma vez,Schumpeter lana mo da metfora de Poincar: Da mesma forma que o alfaiatepossui, por esta razo [garantir encomendas de imprevisto que no so feitas sobmedida], um estoque de palets prontos, esperamos que a nossa mercadoria adap-te-se sempre a um nmero crescente de clientes. Em geral as nossas expectativas sosatisfeitas; o alfaiate diz que seus palets adaptam-se, ns falamos que os nossosenunciados so geralmente vlidos (Schumpeter, 1982b:424).

    A mesma observao vale para as leis ou os teoremas derivados das hiptesese axiomas. Isto , espera-se construir uma teoria suficientemente generalizante detal forma que ela se adapte a um nmero crescente de fenmenos. Antes de definir

    22 Schumpeter (1982b:424). O pensador profundo ao qual Schumpeter se refere sem citar Poincar.Ele voltar a usar essa metfora no seu grande livro de histria da anlise econmica. No entanto, destavez, ele citar a fonte. (Ver Schumpeter 1954:15, n 2). Discordo de Swedberg, que em sua recente bio-grafia de Schumpeter parece ter feito uma pequena confuso. Discorrendo sobre o tema acima, ele afir-ma: O economista, afirma Schumpeter, faz uma simplificao ao fazer assunes, abstraindo e isolan-do determinadas carctersticas num fenmeno. Ao olho sem treino, isto pode significar que o resultadode toda esta atividade tem pouco a ver com a realidade. Mas no este o caso; com algumas poucaspinceladas o economista de fato criou seu prprio quadro da realidade. Este quadro no idntico realidade, mas ele captura a sua essncia e isto que importa. Para usar uma das metforas preferidas

    de Schumpeter, um teorema econmico adapata-se realidade da mesma forma que um palet bem fei-to [ajustado] adapta-se ao corpo de um consumidor. (Swedberg, 1991b:26-27). Minhas divergnciasso: (i) no sobre teoremas que Schumpeter fala, mas sim sobre hipteses, embora a afirmao dePoincar possa ser estendida aos teoremas e teoria como um todo (a teoria pode ser interpretada comouma grande hiptese que, espera-se, seja adaptada aos fatos; (ii) a afirmao final de Poincar e node Schumpeter e essa observao importante para que se compreenda o sentido da mesma; (iii) o sen-tido da mesma est ligado ao convencionalismo e ao instrumentalismo e, neste caso, Poincar nunca diriaque uma hiptese, ou um teorema, ou uma teoria capturam a essncia da realidade; o problema dele exatamente mostrar o contrrio, isto , que a teoria em geral um aparato descritivo e convencional;(iv) Schumpeter usa a metfora do alfaiate para enfrentar a mesma questo de Poincar, qual seja: ashipteses e as teorias em geral que so derivadas das primeiras tm uma caracterstica de arbitra-

    riedade e, ao mesmo tempo, so elaboradas vis--vis os fatos (os fenmenos) observados empiricamentee a eles devem se adaptar. Elas no tm nada a ver com a essncia da realidade. Schumpeter, como Poincar,Mach e Duhem, quer livrar a cincia da metafsica e ele no busca capturar nenhuma essncia (como aessncia do valor, por exemplo).

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    23 Schumpeter (1982b:426).24 Schumpeter (Idem).25 Ampliando a metfora do alfaiate que Schumpeter empresta Poincar, os economistas tericos so

    como costureiros que fazem palets masculinos em larga escala pret--porter esperando, claro,que esses palets se ajustem na medida para a maior parte do universo de possveis compradores, le-vando em considerao, claro, as propores padronizadas ergonmicas de cada grupo de clientes.Mesmo um costureiro avant-garde procurar fazer um palet que se adapte ao corpo dos clientes (em-

    o que so teoremas, preciso fazer as seguintes afirmaes, que pontuam as propo-sies de Schumpeter. PE10: As hipteses so elaboradas tendo-se em conta os fe-nmenos. Complementando PE9 com PE10, afirma-se D4: Hipteses so enuncia-dos utilizados na construo da teoria e, ao mesmo tempo que possuem uma rela-o com os fenmenos, so uma criao arbitrria do agente cientista. Posto isto,pode-se elaborar a seguinte proposio PE11: As hipteses no so julgadas peloseu suposto valor cognitivo, mas sim pela capacidade de gerar uma descrio efici-ente, que simplifica o trabalho mental. Elas no so nem falsas, nem verdadeiras;elas se adaptam melhor ou pior aos fatos. O mesmo vale para as teorias, que po-dem ser encaradas como um conjunto ordenado de hipteses e de leis derivadas de-dutivamente (teoremas). Portanto, segundo a minha reconstruo dos argumentosschumpeterianos, a teoria formada por um conjunto de hipteses e de teoremasderivados das mesmas. Mas, o que so teoremas? Segundo Schumpeter, os teoremasso derivaes lgicas feitas a partir de um conjunto de hipteses: [...] existe umsistema de conceitos definidos de qualquer modo que permite, mediante as regrasda lgica, completar uma derivao de determinados juzos de partida, contra osquais, do ponto de vista dessas regras e quando elas no so contraditas, no se podefazer nenhuma objeo (Schumpeter, 1982b:426)23.

    Pode-se definir teorema como segue, isto , D5: Teoremas so proposies de-rivadas de determinadas hipteses iniciais mediante a aplicao de regras da lgi-ca. Ento, permitido afirmar que a validade da teoria, do ponto de vista lgi-co, independe dos fenmenos. Ela , neste sentido, uma construo abstrata: Paradizer a verdade, existe um aspecto com relao ao qual pode-se dizer que a teoria vlida de forma absoluta, infalvel, e at independente da observao dos fatos. Essaposio somente pode se sustentar do ponto de vista da sua coerncia lgica24.Neste ponto deve-se explorar com maior profundidade a natureza do critrio de de-marcao entre cincia e no-cincia e em especial entre a economia terica e a me-tafsica. Na minha opinio, Schumpeter um verificacionista, pois as teorias, em-bora sejam estruturas arbitrrias e tenham uma validade estritamente lgica numdeterminado sentido, devem descrever fatos econmicos, devem adaptar-se aos fe-nmenos econmicos observveis. Essa adaptao, como em Mach, Poincar eDuhem, no implica na refutao ou rejeio de teorias, mas simplesmente na adap-tao melhor ou pior das mesmas aos fatos. Os cientistas, no caso os economistas,criam suas teorias e procuram adapt-las aos fatos e este processo de adaptao podeenvolver reelaboraes sucessivas das mesmas at que se atinja um grau desejvelde descrio eficiente dos fatos25.

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    Posto isso, colocam-se trs enunciados importantes, com base em afirmaesanteriores e no que logo acima est dito: (i) Critrio de Escolha de Hipteses (CEH);(ii) Critrio de escolha de Teorias (CET); (iii) Critrio de Demarcao Verificacionista(CDV).

    CEH: Dado um conjunto de hipteses, deve-se escolher a que mais atenda aocritrio de economia de pensamento e que crie, portanto, juntamente com outrashipteses, uma teoria que descreva da forma mais geral, simples e breve possvelos fenmenos do domnio econmico. As hipteses no so escolhidas de acordocom seu suposto valor de conhecimento, isto porque elas no so nem falsas, nemverdadeiras.

    Defina-se, do ponto de vista estrutural, uma teoria como um conjunto de hi-pteses e teoremas derivados das mesmas: T={Hi, Ti}, onde Hi representa as hip-teses e Ti os teoremas. Assim sendo, as teorias devem propiciar, com o uso de hip-teses adequadas e da deduo, uma descrio rpida, simples e geral dos fenme-nos econmicos. Pode-se enunciar o seguinte Critrio de Escolha de Teorias (CET):Dado um conjunto de teorias, deve-se escolher a que mais atenda ao critrio deeconomia de pensamento e que descreva, portanto, da forma mais geral, simples erpida possvel os fenmenos do domnio econmico. Como no caso das hipte-ses, as teorias no so escolhidas de acordo com seu suposto valor cognitivo; elasno so verdadeiras, nem falsas.

    Por fim, tanto as teorias como as hipteses devem ser passveis de adaptaoaos fatos, j que o nico objetivo da cincia buscar a descrio e no a explicaodos fenmenos, tarefa relegada metafsica. Enuncie-se, portanto, o seguinte crit-rio de demarcao verificacionista CDV: a economia terica descreve fatos econ-micos e, neste sentido, ela constitui-se de conhecimento sobre o mundo das coisasobservveis e deve apenas gerar descries que se adaptem s mesmas. As teorias,como no so nem falsas, nem verdadeiras, apenas podem funcionar como instru-mentos eficientes para o arquivamento e classificao de fatos. As teorias so ape-nas aparatos descritivos, pois no buscam a explicao dos fenmenos. No entan-to, a histria (histria econmica e institucional) tambm descritiva. Qual seriaento, a diferena entre a histria e a economia terica?

    bora muitas vezes no se adapte aos gostos dos mesmos!). A cincia , em grande parte, construda pe-los cientistas que realizam um trabalho contnuo de adaptao das teorias aos fatos, mas tambm exis-tem cientistas que criam grandes inovaes e estes seriam equivalentes aos costureiros avant-garde.Todavia, essas inovaes tericas devem ser passveis de adaptao aos fatos e devem ser reformadassempre que tal adaptao no ocorra de forma eficiente. Como o costureiro, o cientista no se livra sim-plesmente dos modelos que no se adaptaram bem, mas procuram, calcados na induo e na experin-cia, desenvolver as estruturas j existentes de forma a criar uma adaptao mais eficiente das mesmas.Note-se que no existe aqui um critrio de demarcao calcado na lgica, como o de Popper, por exem-plo. O critrio de demarcao apenas refere-se possibilidade de o conhecimento cientfico ter (i) uma

    relao com o emprico ou com os fatos empiricamente observveis e (ii) uma relao de adaptabilidadedesejada com os mesmos fatos. Essa adaptabilidade est ligada idia de que no existe experimentocrucial e de que, na verdade, h apenas a busca de uma melhor descrio, isto , classificao e arquiva-mento dos fenmenos.

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    26 Quando Schumpeter fala em descrio terica ele usa o termo Beschreibung[descrio]; para a des-crio histrica o termo Deskription [descrio]. (Ver Swedberg 1991b:254n26). Este ponto impor-tante pois Schumpeter quer livrar-se de um problema gerado pelo Methodenstreit. A histria tem seupapel no conhecimento, no entanto ela possui fundamentos epistemolgicos distintos dos da economiaterica. Schumpeter resolveu, como vimos, o problema da escolha da disciplina, adotando o que resol-vemos denominar de pragmatismo metodolgico. Deve-se escolher a abordagem ou o conjunto deabordagens que seja mais eficiente em termos de resoluo de problemas. Todavia, poca em que es-creveu WHTalguns acadmicos ainda no compreendiam essa distino que o preocupava tanto. Ahistria ou a histria econmica, como queiram possui sua prpria estratgia de lidar com fatos e

    tem limitaes cognitivas que lhe so inerentes; o mesmo vale para a economia terica. Era trivial, masSchumpeter deveria insistir nesse ponto, pois a academia germnica no estava de fato familiarizada comas caractersticas mais bsicas da economia pura representada pelo sistema walrasiano. A este respeitoSchumpeter declara: A questo colocada toda vez no sentido de perguntar-se se a teoria dedutivaou indutiva: a resposta favorvel primeira alternativa [...]. Essa afirmao permite enunciar o se-guinte PE12: A teoria, ou a economia terica, dedutiva.De tal afirmao, no entanto, no se infere que a induo, no sentido de induo emprica, no sejaimportante para a construo e para a reelaborao de teorias, buscando uma melhor adaptabilidadeaos fatos. No entanto, a teoria em si uma estrutura calcada na deduo. Por outro lado, a histria lidacom fatos singulares e no objetiva a formulao de leis com validade geral. J a teoria busca elabo-rar teoremas que traduzam, em termos racionais, a regularidade de alguns fenmenos: a teoria umaabstrao generalizante e pretende ser uma sntese; suas hipteses so elaboradas de tal forma a alcan-ar essa generalizao descritiva da forma mais econmica possvel.27 Schumpeter (1982b:47).28 Ver Machlup (1951:100) e Shionoya (1990:202). Isso no quer dizer que Schumpeter tenha sido o

    H uma diferena entre a descrio fornecida pela histria e a descrio teri-ca26: A diferena reside nisto. A descrio histrica limita-se a uma catalogaodos fatos. A teoria efetua neles uma transformao, mas em nenhum caso perse-guindo um objetivo particularmente longnquo ou misterioso, mas exclusivamentepara uma melhor sntese dos mesmos. Ela constitui um esquema que tem o objeti-vo de explicar brevemente a incalculvel quantidade dos fatos e de atingir da ma-neira mais rpida e mais completa possvel aquele objetivo o qual denomino pordiscernimento27.

    Note-se que aqui Schumpeter persegue a unidade, a completude e a simplici-dade, como Poincar e Duhem. O que no fica claro se possvel combinar-se aunidade com a simplicidade, problema, alis, como vimos anteriormente, enfren-tado por Poincar. De afirmaes anteriores e do que acima est posto podemosfazer as seguintes proposies. PE13: A descrio histrica limita-se descrio oucatalogao dos fenmenos; PE14: A descrio terica cataloga os fenmenos, masbusca conferir um discernimento deles, estabelecendo relaes funcionais entre eles;essas relaes geram, da forma mais econmica possvel, enunciados descritivos,simples e gerais. Uma vez resumidos, na forma de definies e proposies, algunsaspectos fundamentais da epistemologia do jovem Schumpeter em WHT, discuti-remos um exemplo, retirado do mesmo livro, para ilustar a viso de instrumentalismoque ele aplica economia terica.

    Schumpeter considerado o primeiro cientista social a usar o conceito indi-vidualismo metodolgico28. Grande parte de sua preocupao estava direcionada

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    para a diferenciao entre individualismo poltico (associado ao liberalismo) e in-dividualismo metodolgico, que para ele apenas era sinnimo de atomismo e nopossuia qualquer valor tico, poltico ou cognitivo. A escola histrica alem identi-ficava o individualismo metodolgico com o liberalismo anglo-saxo e, portanto,com o individualismo poltico. Esse tipo de confuso, acreditava Schumpeter, sur-gia porque no se considerava o fato de que o individualismo metodolgico umahiptese sem valor cognitivo29. Podemos conceituar o individualismo metodolgicocomo uma hiptese que explica os movimentos no processo econmico a partir domovimento dos tomos ou unidades que compem esse processo. Esses tomosou unidades so denominados indivduos; [o individualismo metodolgico] [...]somente trata de partir do comportamento dos homens para descrever determina-dos processos econmicos30.

    A primeira preocupao de Schumpeter ao definir o individualismo metodol-gico mostrar como ele se encaixa dentro de sua abordagem descritiva da econo-mia. Isto , o que interessa quando se usa a hiptese do individualismo metodolgico a descrio do funcionamento de uma economia de troca: Ns, em geral, nodesejamos observar o homem que age, mas somente as quantidades de certos bensque esto em sua posse: desejamos descrever as suas mudanas, ou melhor, umdeterminado tipo de mudanas, como se elas se verificassem autonomamente, semdar ateno aos homens que, com efeito, causam-nas31. Observe-se que h umadiferena entre a hiptese do individualismo metodolgico, que central e imut-vel dentro de toda a economia terica, e as hipteses comportamentais. Machlup,quando comenta o individualismo metodolgico em Schumpeter, aparentemente noleva em considerao este fato32. O individualismo uma estratgia de modelagem,de engenharia de teoria; contudo, cada edifcio terico pode ter um estrutura dis-tinta e isso est ligado ao tipo de comportamento que o construtor da teoria postu-la para os indivduos. O individualismo metodolgico no tem relao com o homo

    primeiro a discutir o tema. Na verdade, a informao que se tem diz que ele foi o primeiro a cunhar oconceito. Existem outros dois artigos nos quais o tema discutido que s recentemente foram publica-dos, pois estavam nos arquivos de Schumpeter em Harvard. Ver Schumpeter (1991c) e Schumpeter

    (1991b). Na primeira referncia encontramos: Em alguns problemas de sociologia ou da vida polticaetc., no temos nenhuma ecolha a no ser partir da totalidade social. Em outros casos, como o fenme-no do mercado [...] no existe outra escolha fora comear pelo individual. Schumpeter (1991c:272).29 O mesmo problema aparecia quando da escolha entre o individualismo metodolgico e o coletivismometodolgico (explicao da totalidade dos fenmenos a partir de grupos sociais tais como classes etc.).A escolha entre as duas abordagens deve levar em considerao a capacidade de cada uma descrevermelhor os fenmenos; a opo por uma ou por outra no pode estar ligada a qualquer tipo de avaliaomoral, poltica ou filosfica. Para esclarecermos definitivamente a questo em jogo, precisamos definiro individualismo metodolgico.30 Schumpeter (1982b:84).31

    Schumpeter (1982b:80). Schumpeter tambm ir definir o individualismo metodolgico como umaestratgia de modelagem que no leva em considerao o porqu das aes dos indivduos e ir diferen-ciar o individualismo metodolgico do individualismo sociolgico. Ver Schumpeter (1954:888-9).32 Shionoya (1990:202-3).

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    33 Schumpeter (1982b:81). Podemos simplesmente dizer que Schumpeter adota uma viso de mundoeconmico atomista e no-holista. Ver Shionoya (1990:202).34 Aqui falamos em economia terica esttica pois estamos deixando de lado a dinmica. A preocupa-o de Schumpeter definir o individualismo metodolgico dentro do sistema walrasiano, pois em WHTele no trata da dinmica. No entanto, pode-se propor uma hiptese de comportamento distinta para oagente econmico, ou pelo menos para alguns deles, quando se constri uma teoria pura da dinmica.Neste sentido, o individualismo metodolgico continua existindo, mas a hiptese comportamental daesttica distinta da hiptese comportamental da dinmica. Veremos, no prximo captulo deste traba-lho, esse importante aspecto da epistemologia schumpeteriana da economia terica, no qual discutire-

    mos o empresrio inovador construo terica criada por Schumpeter e o seu papel instrumentaldentro da teoria do desenvolvimento econmico.35 O homem ou indivduo que surge nesse contexto abstrato e absolutamente irreal. Na verdade,este indivduo pode ser encarado como um locus onde existe uma dada alocao inicial de bens, umafuno de valor e um princpio de clculo racional a maximizao. O agente nesse sistema noage, no tem vontade, no tem energia; seu comportamento estritamente reprodutivo, autmato,adaptativo, wishless.Do ponto de vista epistemolgico esse indivduo nada mais, nada menos que uma funo, utilidadeassociada a um princpio de maximizao. Essa modelagem, se no adequada para explicar endo-genamente a mudana dentro do sistema econmico, por outro lado mostra-se til para descrever umaeconomia do tipo walrasiana, pois organiza e descrio terica de uma economia de troca esttica e

    atomizada da forma mais adequada possvel. bvio que os homens de carne e osso no so autmatose tm vontade. Porm, teoria interessa to-somente uma descrio dos fenmenos e no a sua explica-o causal. dentro desse parmetro que se relacionam o produtor walrasiano e a hiptese do indivi-dualismo metodolgico. Poder-se-ia utilizar outro tipo de assuno comportamental dentro da hiptesedo individualismo metodolgico.O prprio Schumpeter ir propor, ainda em WHT, a criao de um homem energtico para a teoriado desenvolvimento econmico ou dinmica. Continua valendo a hiptese (ou axioma, no caso) doindividualismo metodolgico, com a resalva de que o tipo de comportamento do homem energtico distinto do comportamento do produtor walrasiano. A escolha de uma ou de outra hiptese compor-tamental depender do tipo de teoria que eu quero desenvolver se esttica ou dinmica. Mas importante sublinhar que o homem ou indivduo, dentro da economia terica esttica, reduz-se ao pro-

    dutor walrasiano, que possui um comportamento repetitivo e estritamente adaptativo e a hiptese doindividualismo metodolgico faz com que o produtor walrasiano seja um conceito abstrato e instrumental,sem valor cognitivo do ponto de vista da economia terica.36 Schumpeter (1982b:84).

    oeconomicus do hedonismo, com o homme moyen ou com o ordinary business manmarshalliano. uma hiptese usada para auxiliar a construo da teoria que v aeconomia como processo que resultado da ao de partes isoladas33. Dentro daeconomia terica esttica34, o individualismo na teoria aparece com o produtorwalrasiano35.

    Schumpeter, como vimos anteriormente, ir distinguir o individualismo meto-dolgico do individualismo poltico36. Ele salienta que o ltimo possui um con-tedo normativo e at metafsico, enquanto que o primeiro apenas uma hipte-se abstrata. Dada a definio de individualismo metodolgico e seu valor estrita-mente prtico-instumental, no cabe mais confundir uma hiptese terica com umconceito no-econmico como o individualismo poltico; o primeiro descritivo,o segundo prescritivo.

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    Portanto, tambm a escolha entre individualismo metodolgico e coletivismometodolgico no deve ser determinada por critrios normativos ou pelo valorcognitivo, mas sim por um critrio puramente prtico-instrumental37. Neste pon-to Schumpeter explcito: Para ns no to importante a questo de como taiscoisas so na realidade quanto o fato de como devemos esquematiz-las ou esti-lizar para conseguir, se possvel, os nossos objetivos; a ns interessa, em outras pa-lavras, a concesso que seja mais prtica do ponto de vista dos resultados da eco-nomia pura.38

    Pode-se dizer, portanto, que uma hiptese ser escolhida no se levando em contao seu valor cognitivo, mas somente o valor prtico-instrumental associado cons-truo da teoria. O individualismo metodolgico escolhido pois encaixa-se per-feitamente numa abordagem da economia como um sistema de trocas entre diver-sos indivduos que a compem e porque abre um atalho na descrio dos fenme-nos. A hiptese comportamental comportamento maximizador do produtorwalrasiano tambm escolhida porque gera os resultados descritivos esperadosdentro de uma economia em estado estacionrio ou semi-estacionrio analisada poruma teoria esttica. Ainda a respeito desse tema, deve-se notar tambm que o agentewalrasiano, definido dentro do individualismo metodolgico schumpeteriano, possuiuma racionalidade estritamente instrumental, isto , o que importa no so os con-dicionantes reais do comportamento, mas sim a adequao entre meios e fins, me-dida esta adequao por um princpio de maximizao39.

    37 A hiptese do individualismo metodolgico escolhida por Schumpeter para a economia terica, poisenquadra-se com mais eficincia dentro do objetivo da teoria, que representar uma economia de trocaatomizada que gera, como resultado final, um vetor de preos relativos de equilbrio.38 Schumpeter (1982b:86).39 Cabe fazer uma observao importante aqui. Schumpeter nunca foi muito simptico ao utilitarismo,pois acreditava que ele prescritivo (normativo) e no descritivo (positivo). No entanto, muitos con-fundiam a funo de valor associada ao indivduo no mundo walrasiano com uma hiptese utilitaristade carter filosfico e normativo. Por essa razo, ele sempre advogou a independncia entre a teoriamarginalista do valor e o utilitarismo. No entanto, a separao entre o utilitarismo e a hiptese do indi-vidualismo metodolgico s seria totalmente completada, em termos formais e matemticos, com o

    advento da teoria da preferncia revelada de Samuelson. Nessa teoria no mais preciso fazer-se qual-quer referncia funo de utilidade para descrever-se o comportamento dos agentes econmicos: a teoriado comportamento dos agentes individuais reduz-se sua estrutura puramente lgica e instrumental.Deve-se observar que, curiosamente, o prprio Samuelson aluno de Schumpeter identifica a ori-gem do arcabouo epistemolgico de sua teoria da escolha no instrumentalismo de Mach. Isto corrobo-ra significativamente a idia segundo a qual a interpretao que Schumpeter confere ao princpo do valore ao individualismo metodolgico est calcada fundamentalmente numa viso machiana que permeiatoda a sua epistemologia. Schumpeter busca uma teoria que seja puro aparato descritivo, um instrumentoneutro e frio, sem valor cognitivo, de classificao e arquivamento de fatos com aplicao universal.Samuelson faz, a esse respeito, uma importante afirmao: Impopulares nestes dias so os pontos devista de Ernst Mach e dos positivistas lgicos mais rudimentares, que julgam boas as teorias por serem

    to-somente descries econmicas dos fatos complexos e por reproduzirem de forma satisfatria os fatosj observados ou aqueles que ainda esto para ser observados. No por razes filosficas, mas por puroresultado da experincia na prtica da cincia econmica [economics] [...] encontrei-me entre a minoriaque adota a viso machiana. O Entendimento [Understanding] para a termodinmica clssica (o ar-

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    qutipo de um teoria cientfica bem-sucedida) entendido por mim como sendo a capacidade de des-crever [describe] como os fluidos e slidos iro de fato comportar-se diante de vrias condies espe-cificveis [...]. Sempre, quando eu tomo contato com novos paradigmas, no-matemticos e matemti-cos, eu tento apreender quais descries eles geram para os dados observveis. O paradigma que inte-ressa aquele cheio de descries [...]. Meu trabalho sobre preferncias reveladas, exposto em Foundationsof Economic Analysis, e em muitos volumes do Collected Scientific Papers, consistentemente adota esse

    procedimento metodolgico geral. Samuelson (1992:242). Ver tambm Schumpeter (1954:912, n 11,1056-7), acerca da teoria de Samuelson e da interpretao schumpeteriana do utilitarismo. Sobre essaconcepo de racionalidade estritamente instrumental e a sua ligao com a teoria das preferncias re-veladas, ver Heap (1992:5). Discutimos essa citao de Samuelson no ltimo captulo deste trabalho.

    4. CONCLUSO

    Schumpeter define uma epistemologia instrumentalista para a economia teri-ca. neste sentido que podemos dizer que ele, enquanto economista, um instru-mentalista. As teorias so meros instrumentos que no so falsos, nem verdadei-ros; so apenas e to-somente teis ou inteis, eficientes ou no eficientes. Do pon-to de vista da escolha entre mtodos ou disciplinas de anlise, Schumpeter umpragmtico. Quando aparecem problemas que no podem ser tratados exclusiva-mente pela economia terica, ele no coloca nenhuma objeo para o uso de ou-tras disciplinas, tais como a histria, a estatstica e a sociologia. Escolher-se- aquelaque resolve o problema em questo. Schumpeter afirma que as hipteses no pos-suem valor cognitivo; a nica funo das mesmas ajudar na construo de umateoria que se adapte da forma mais econmica possvel aos fenmenos. A teoria noexplica os fenmenos, mas somente descreve-os, estabelecendo no relaes cau-sais, mas sim relaes funcionais.

    As teorias so estruturas dedutivas. A induo desempenha um papel impor-tante, no entanto, na adaptao das teorias aos fatos, na medida em que se usa aexperincia para o aprimoramento das hipteses mais ordinrias e das teorias. Amudana de hipteses e teorias no est em funo da busca de um maior realis-mo, mas sim de uma melhor descrio fenomnica, aliada economia de pensamento.As teorias so constantemente adaptadas aos fatos e o critrio de demarcao paraSchumpeter, ao modo de Mach, verificacionista.

    Schumpeter tem o seu instrumentalismo derivado principalmente das asseresde Mach, embora receba influncias menores de Poincar e Duhem. Podemos afir-mar que o instrumentalismo de Schumpeter semelhante ao instrumentalismo pr-positivismo lgico de Mach. A economia terica seria pura pois constituir-se-ia numadisciplina com domnio e mtodo prprios. A economia terica seria exata pois noproduz resultados triviais ou dbios.

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