A ENCÍCLICA ECOLÓGICA DO PAPA...
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Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255
A ENCÍCLICA ECOLÓGICA DO PAPA FRANCISCO
GIOVANI MARINOT VEDOATO
RESUMO
O presente artigo visa, de forma panorâmica, apresentar a Carta Encíclica do Papa Francisco Laudato
Si. Uma reflexão sobre o cuidado da casa comum, ou seja, o planeta terra.
Palavras-chave: Ecologia. Encíclica. Francisco. Papa.
ABSTRACT
This article aims to present a panoramic way the Pope's Encyclical Letter Francisco Laudato Si. A
reflection on the care of common home, that is, the planet earth.
Keywords: Ecology. Encyclical. Francisco. Pope.
Publicada em Roma, no dia 24 de Maio de 2015, solenidade de Pentecostes, o terceiro ano de
pontificado do Papa Francisco, a Carta Encíclica Laudato Si (LS), ou a Encíclica ecológica como
muitos vêm chamando, pode ser entendida como uma continuidade da Exortação Apostólica
Envangelii Gaudium, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Essa ideia aparece claramente no
corpo do documento quando diz:
�Pe. Dr. Giovani Marinot Vedoato é professor de Filosofia e Ética na Faculdade Castelo Branco, em Colatina – ES.
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“Na minha exortação Evangelii Gaudium, escrevi aos membros da Igreja, a fim de
mobilizá-los para um processo de reforma missionária ainda pendente. Nesta
Encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da casa
comum”�.
Essa dinâmica já foi muito utilizada na vida da Igreja por ocasião do Concílio Vaticano II através da
Constituição Dogmática Lumen Gentium e da Constituição Pastoral Gaudium et Spes. A primeira
constituição sobre a Igreja e a segunda, sobre a Igreja no mundo de hoje, portanto, uma reflexão da
práxis da Igreja sobre sua realidade ad intra e ad extra.
Na Laudato Si, o convite do Papa centra-se no horizonte de termos um convívio mais harmonioso com
o nosso planeta Terra. Dela vem nosso sustento. É nossa irmã e mãe�. Portanto, deve ser vista como
sacramento de comunhão�.
Infelizmente nosso estilo de vida e nossas formas de produção e consumo não indicam para essa
convivência harmoniosa. Cada vez mais estamos destruindo nossa casa comum, submetendo-a a uma
cruel destruição.
“Crescemos pensando que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a
saqueá-la”�.
Para uma devida compreensão da Encíclica, o artigo foi dividido em três grandes trechos. O primeiro
versa sobre a responsabilidade da humanidade perante a casa comum como carícia de Deus; o segundo
indica a necessidade de se passar de um paradigma antropológico para um paradigma ecológico; o
terceiro segue o caminho de sugestionar novos estilos de vida.
PRIMEIRO EIXO: A humanidade responsável diante da carícia de Deus
“Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois
séculos. Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus para que o
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nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de
paz, beleza e plenitude”�.
As rápidas e profundas mudanças que se impuseram sobre o nosso planeta, nos últimos dois séculos,
não podem ser compreendidas sobre um todo harmônico. De um lado está o progresso criativo, motivo
de alegria o qual potencializa os dons que Deus nos deu.
“Somos herdeiros de dois séculos de ondas de enormes mudanças: a máquina a
vapor, a ferrovia, o telégrafo, a eletricidade, o automóvel, as indústrias
químicas, a medicina moderna, a informática e, mais recentemente, a revolução
digital, a robótica, as biotecnologias e as nanotecnologias”�.
Do ponto de vista da técnica são avanços fabulosos. Por outro lado, não se pode negar a criatividade
maléfica que coloca o planeta às portas da destrutividade. Exemplo disso é só acompanhar os jornais e
observar o quadro alarmante que envolvem as questões climáticas�, a questão da água�, a perda da
biodiversidade��, a deterioração da qualidade de vida�� e a desigualdade planetária��.
Perante esse alarmante quadro é que surge a convocação do Papa para uma humanidade responsável.
“O urgente desafio de proteger a nossa casa comum incluiu a preocupação de
unir toda família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e
integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O criador não nos
abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem se arrepende de nos ter
criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção de
nossa casa comum”��.
A pergunta que se coloca nesse momento é como desenvolver uma humanidade responsável frente ao
�LS 53.
�LS 102.
�LS 20-26.
�LS 27-31.
��LS 32-42.
��LS 43- 47.
��LS 48-51.
��LS 13.
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planeta como casa comum? Segundo o Papa, a resposta encontra-se em evocar uma nova postura
perante a terra.
“Não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada (...) Cada
comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para
sua sobrevivência, mas tem também o dever de protegê-la e garantir a
continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras”��.
Na verdade, a Encíclica propõe a passagem de uma visão antropocêntrica da Bíblia para uma visão
mais interessada por todas as criaturas como centro��. Logo, repaginar nossa visão de criação
submetida ao domínio humano, para uma leitura onde a criação é vista como carícia de Deus;
comunhão do divino com toda realidade criada.
“Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho
sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”��.
SEGUNDO EIXO: Do antropocentrismo moderno ao paradigma ecológico
Como avançar na direção de um paradigma que privilegie o planeta como casa comum? A resposta do
Papa é enfática:
“Nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que
hoje, com outra roupagem, continua a minar toda referência a algo de
comum”��.
De fato, esse paradigma, que se sustentou ao longo da modernidade, precisa ser superado por um
paradigma que veja o ser humano como um nó de relações e não como centro, ou seja, a comunidade de
todas as criaturas está acima como valor vital, e não, simplesmente, o humano. Daí, a insistência do
escrito.
��LS 68.
��LS 76-83.
��LS 84.
��LS 116.
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“Quando o ser humano se coloca no centro, acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses
contingentes, e tudo o mais se torna relativo”��.
Na esfera religiosa o problema se coloca na mesma perspectiva.
“Se o ser humano se declara autônomo da realidade e se constitui
dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência,
porque em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da
criação, o homem substitui-se a Deus”��.
O despertar para uma ecologia integral é um caminho irrenunciável a ser percorrido hoje. Uma tarefa
para o presente�� e para o futuro��.
“Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a
harmonia serena com a criação, refletir sobre nosso estilo de vida e os nossos
ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós, e naquilo que nos rodeia com
sua presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada”��.
Em termos de sentimento e práxis planetária, significa assumir o planeta como casa comum.
“É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma
responsabilidade para como os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons
e honestos”��.
Comportamento capaz de gerar uma nova cotidianidade.
“Ecologia integral é feita também de simples gestos cotidianos, pelos quais
quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo”��.
��LS 122.
��LS 117.
��LS 143-158.
��LS 159-162.
��LS 225.
��LS 128.
��LS 230..
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TERCEIRO EIXO: Um novo estilo de vida
Para inaugurar esse terceiro eixo faz-se importante voltar a um belíssimo texto da Carta da Terra citado
pelo Papa.
“Como nunca na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo
início (...) que o nosso seja o tempo que se recorde pelo despertar de uma nova
reverência perante a vida, pela firme resolução de alcançar sustentabilidade,
pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração
da vida”��.
Para que esse novo início ocorra, a Encíclica propõe alguns caminhos: o diálogo sobre o meio ambiente
na política internacional��; o diálogo para as novas políticas nacionais e locais��; o diálogo e a
transparências nos processos decisórios��; política e economia em diálogo para a plenitude da vida�� e
as religiões no diálogo com as ciências��.
Ainda sobre um novo estilo de vida, chamam atenção no texto alguns pontos:
a) A necessidade de uma mudança da consciência.
“Falta a consciência de uma origem comum, de uma recíproca pertença e de
um futuro compartilhado por todos. Essa consciência basilar permitiria o
desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida”��.
b) O papel da educação.
“É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações
diárias, e é maravilhoso que a educação seja capaz motivá-las até dar forma a
um estilo de vida”��.
��LS 207.
��LS 164-175.
��LS 176-182.
��LS 182-188.
��LS 189-198.
��LS 199-201.
��LS 202.
��LS 211.
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c) A conversão ecológica.
“Os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores
se tornam tão amplos. A crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão
interior”��.
d) A fraternidade universal.
“O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica capacidade
de viver juntos e em comunhão”��.
e) Uma nova espiritualidade.
“Quando alguém reconhece a vocação de Deus para intervir juntamente com
outros nessas dinâmicas sociais, deve lembrar-se que isso faz parte de sua
espiritualidade, é exercício de caridade e, deste modo, amadurece e se
santifica”��.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trata-se de um escrito útil e necessário para o tempo presente. Além de apresentar o tema da criação
divina em chave ecológica e, por conseguinte, o papel do ser humano frente a uma ecologia integral, a
Encíclica do Papa Francisco indica também possíveis comportamentos para que o planeta, como casa
comum, possa ter sua sacramentariedade respeitada e preservada.
Um pequeno trecho da belíssima oração cristã sobre a criação posta no final da Encíclica serve como
conclusão desse artigo.
“Nós vos louvamos, Pai
Com todas as criaturas,
��LS 217.
��LS 228.
��LS 230.
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Que saíram da vossa mão poderosa.
São vossas e estão repletas de vossa presença
E da vossa ternura.
Louvado Sejais!”��
Referência Bibliográfica
PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si, São Paulo: Paulinas, 2015.
��LS pg 195.