A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

38
1 A EMBAIXADA A ROMA DE D. MIGUEL DE PORTUGAL - Revisitação de algumas fontes Prof. Dr. Pedro Vilas Boas Tavares Ano lectivo de 2010/2011 Aluno: Código: 100726029 Nome: António Manuel dos Santos Barros

description

A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

Transcript of A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

Page 1: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

1

A EMBAIXADA A

ROMA DE

D. MIGUEL DE PORTUGAL -

Revisitação de algumas fontes

Prof. Dr. Pedro Vilas Boas Tavares Ano lectivo de 2010/2011 Aluno:

• Código: 100726029

• Nome: António Manuel dos Santos Barros

Page 2: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

2

1. Introdução

Embora o assunto deste nosso trabalho tenha sido já objecto de numerosos estudos –

alguns dos quais pela pena de conceituadíssimos investigadores, como Roma du Bocage1 ou

Eduardo Brasão,2 ou então nas crónicas do Corpo Diplomático Português,3 mas também de

autores, não nacionais, como Teodoro Ameyden e Giacinto Gigli (dados a conhecer,

sobretudo, por Alessandro Ademollo),4 ou como Ludwig von Pastor5 –, não ignoramos o risco

de nos colocarmos na situação, já descrita pelo P.e José de Castro, logo no início do seu

Portugal em Roma, de nos apresentarmos como aquele “pobre contador de sabidas histórias,

como a história do lôbo e do cordeiro”.6 De facto, o conhecimento dos factos existe, mas

disperso por variadas fontes, nem sempre coincidentes na relação dos factos acontecidos

naqueles tão difíceis anos. O conhecimento de uma Relação do Sucesso que o Embaixador de

Portugal teve em Roma com o Embaixador de Castella (conforme a copia que veyo de Frãça),7

que, nas nossas investigações, descobrimos existir na Biblioteca da Universidade de Coimbra,

e não ser citada nas várias obras que consultámos, deu-nos a motivação para, neste nosso

estudo, procedermos à inventariação e cotejamento das principais fontes que conseguimos

encontrar. Com efeito, curiosamente, ou não, se consultarmos o Google, ou o Google

Académico (Scholar Google) não encontramos nenhuma referência ou citação daquela

Relação. É certo que aquela Relação não traz nada de significativamente novo em relação

1 BOCAGE, Roma du – Subsídios para o estudo das relações exteriores de Portugal em seguida à Restauração,

Lisboa, 1915. 2 BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1976. Idem, A Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, 2 vol., Lisboa, Editorial Resistência, SARL, 1979. 3 Corpo diplomático portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas

potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias / publicado de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa por Jayme Constantino de Freitas Moniz, Tomo XII, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1902. 4 ADEMOLLO, Alessandro – La questione della indipendenza portoghese a Roma dal 1640 al 1670, Firenze,

Tipografia della Gazzetta d’Italia, 1878. Giacinto Gigli e i suoi Diari del Secolo XVII, Firenze, Tipografia della Gazzetta d’Italia, 1877. 5 PASTOR, Von Pastor – Storia dei Papi dalla Fine del Medio Evo, versão italiana de Mons. Angelo Mercati e Mons.

Pio Cenci, vol. XIII, Roma, 1931. 6 CASTRO, P.e José de – Portugal em Roma, Lisboa, União Gráfica S.A.R.L, Lisboa, 1929, vol. I, p. 8. 7 Relação do sucesso que o embaixador de Portugal teve em Roma com o embaixador de Castella. Conforme a

copia que veyo de Frãça, Lisboa, na officina de Lourenço de Anveres, 1642. (UC, Biblioteca Geral, Cota: V.T.-16-7-12.Endereço URL (última consulta em 2011-06-28): http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por/t?SEARCH=Rela%C3%A7%C3%A3o+do+sucesso+que+o+embaixador&sortdropdown=-&searchscope=17

Page 3: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

3

àquilo que era já conhecido, embora existam algumas discrepâncias de que, mais á frente,

daremos informação pormenorizada. Contudo, não deixa de ser algo surpreendente a

inexistência de citações ou referências, num tempo em que se considera tudo existir na

Internet! Por outro lado, esta oportunidade deu-nos o ensejo de conhecer, mais de perto, a

personalidade de Teodoro Ameyden, para alguns o pai do jornalismo italiano, devido aos seus

Avvisi que enviava regularmente, nos fins-de-semana, para, entre outros destinatários, a corte

espanhola.

2. Teodoro Ameyden

Embora Teodoro Ameyden seja conhecido em Portugal, sobretudo através da obra de

Alessandro Ademollo, La questione della indipendenza portoghese a Roma dal 1640 al 1670, já

acima citada, deve-se, contudo, a A. Bastiaanse S.C.J. o estudo mais completo e sistemático

para o conhecimento daquela personagem, agente de Filipe IV na cidade papal, que cujos

escritos teriam tido, provavelmente, alguma influência nas decisões respeitantes ao nosso

Portugal Restaurado.8

Nasce Teodoro Ameyden em 1586, na cidade de 's Hertogenbosch no Brabante, região

dos Países Baixos espanhóis. Não nos deteremos aqui numa descrição exaustiva da sua vida,

aliás possível de ser consultada no endereço (URL)9 que referimos em rodapé. Apenas importa

referir que Ameyden, desde jovem, esteve ligado à causa austro-espanhola, tendo sido activo

agente jurídico do rei católico e dos príncipes alemães, bem como partidário da política

espano-imperial, e como escritor ao serviço dos Absburgo.

Apesar de ter tido alguma actividade propriamente literária, e ter deixado alguns

escritos com algum interesse literário, como os Elogia, foi sobretudo como o escritor dos

Avvisi que Ameyden ficou recordado. É na Biblioteca Casanatense de Roma que se encontram

depositados três grossos volumes manuscritos com o título Diario della Città e Corte di Roma,

notato da Deone hora temi Dio, título que, logo após uma primeira leitura, se concluirá ser

enganador, pois não se trata de apenas um Diário, mas de uma série de Avvisi di Roma,

8 Referimo-nos à obra, não de fácil acesso, TEODORO AMEYDEN (1586-1656) UN NEERLANDESE ALLA CORTE DI ROMA, Staatsdrukkerij . ‘S-Gravenhage, 1967. 9 Treccani.it, L’ Enciclopedia Italiana, Dizionario Biografico degli Italiani, AMEYDEN, Teodoro, di A.Bastiaanse.

URL: http://www.treccani.it/enciclopedia/ricerca/teodoro-ameyden/Dizionario_Biografico/ (última consulta em 2011-06-29).

Page 4: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

4

escondidos sob aquele título, de um autor também ele escondido sob um anagrama (Deone

hora temi Dio) que, depois de descodificado, revelará ser o nome de Theodoro Ameiiden.10 As

razões para esta precaução são facilmente explicáveis, bastando para isso consultar a obra de

A. Bastiaanse que aqui temos vindo a seguir. De facto, segundo este autor, vivia-se então um

tempo em que, já por diversas vezes, papas e governadores de Roma tinham lançado

anátemas contra os Avvisatori. O próprio Ameyden, durante o período em que os seus Avvisi

são escritos (1640-1650), refere-se a esta situação, como por exemplo, em Setembro 1643:

“Mi fu detto che tutte le lettere che la sera avanti andorno alla posta di Venetia furno rivedute

a Palazzo. Io nol [= non lo] credo, ma se fu vero haverà voluto scoprire qualche libera penna

più che verdadera” (sic); ou então estoutro, dois anos mais tarde: “Hoggi alla tarde furono

condotti carcerati molti copisti, et assediate da sbirri le case de tutti gl’ altri, in maniera che

non possa uscire fuor una scrittura”. Bastiaanse acrescenta ainda que, em 1649, entre muitos

copistas ou secretários de Avvisatori presos, um deles foi até condenado à

morte.11Percebemos assim que a actividade de Avvisatore não era isenta de riscos.

Quem eram os destinatários destes Avvisi? Um dos mais importantes era o governador

de Milão, o marquês de Leganés. Mas o principal destino era a corte de Madrid – embora

enviados não directamente para o Rei Católico, mas ao seu Secretário de Estado – e os

embaixadores espanhóis, dispersos pelas várias cortes europeias, e governadores de

territórios sob domínio espanhol. De facto, já Pastor, o autor da História dos Papas, se referia

à cega paixão de Ameyden pela causa Espanhola: «moltissime ed interessanti notizie

specialmente per la cultura di quei tempi, bisogna però che lo storico se ne serva com molta

precauzione mostrandosi l’ autore anche in essi zelantissimo partigiano della Spagna cosicché

non há che biasimo per tutti coloro che non seguono ciecamente il suo partito».12 Por seu

lado, Ameyden era um homem muito bem informado. Recebia numerosas cartas de ministros

e diplomatas da política absbúrgica, e em particular, muito regularmente, de Espanha, novas

de que o Papa sempre estava esperando, e a quem, por vezes, as transmitia pessoalmente.13

O conteúdo temático dos Avvisi é vastíssimo e constitui uma fonte valiosíssima para o

desenvolvimento de estudos em vários domínios do conhecimento socioeconómico de

10

BASTIAANSE, A. – TEODORO AMEYDEN (1586-1656) UN NEERLANDESE ALLA CORTE DI ROMA, op. cit. p.141. 11

Ibidem, p. 142. 12

Pastor, op. cit., apud BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit., p. 64. 13

BASTIAANSE, A., op. cit,. p. 146.

Page 5: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

5

Seiscentos. Deles se socorreu Ademollo para o seu estudo sobre a Questione della

independenza Portoghese a Roma dal 1640 al 1679, ou sobre o teatro italiano no século XVII,

Intorno al teatro drammatico dal 1550 in poi, e ainda sobre o fiscalismo durante o pontificado

de Urbano VIII, Il Macinato a Roma nel secolo decimosettimo.14 Mas de muito mais material

merecedor de investigação séria e aturada são credores os Avvisi. Eis algumas temáticas

referidas por Bastiaanse:15

• Sobre a condição social na Cidade Eterna na primeira metade de Seiscentos:

o Administração municipal; o Justiça social; o Obras de caridade; o Carestia dos anos de 1648-1649; o O grande número de pobres, mendigos; o As famílias nobres:

� Seus costumes, matrimónios; � Aquisição de terrenos e

palácios; o Sobre a religiosidade:

� As numerosas procissões; � Actividade das confrarias; � Prédicas quaresmais; � Celebrações litúrgicas;

o Sobre a vida cultural em Roma.

• Sobre a política respeitante às grandes potências: o Sobre o governo da Igreja Universal;

� As sessões das diversas Congregações e tribunais romanos;

� Os consistórios; � As promoções de cardeais. � Sobre a própria pessoa do

Romano Pontífice e sobre os cardeais.

o Sobre a morte do cardeal Richelieu.

Pelo acima exposto se pode concluir da importância dos Avvisi de Ameyden, partidário

extremíssimo de Espanha e atento seguidor de todos os acontecimentos directa ou

indirectamente a ela ligados, como é o caso da Embaixada de D. Miguel de Portugal a Roma, a

primeira à Santa Sé, após a Restauração de 1640, enviada por o aclamado rei D. João IV.

3. A revolução de 1640 e a embaixada de D. Miguel de Portugal à Cidade Eterna

A notícia da revolução ocorrida em Portugal no 1º de Dezembro de 1640 não demorou

a chegar a Roma, onde então estava como Vigário de Jesus Cristo o Papa Urbano VIII, nascido

Maffeo Barberini e eleito sucessor do Papa Gregório XV, em 6 de Agosto de 1623.

Os primeiros documentos oficiais que teriam chegado a Roma, dando conta da

restauração da independência portuguesa, foram encontrados, por Deoclécio Redig de

14

Ibidem, p. 150. 15

Ibidem, pp. 150-152.

Page 6: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

6

Campos (1905-1989),16 no Arquivo Secreto do Vaticano e na Biblioteca Apostólica. Trata-se de

quatro documentos que aquele investigador enviou ao Embaixador José Bonifácio de Andrada

e Silva, com carta datada de Roma, Corpus Domini, 1939.17Constituem estes documentos

“relatórios oficiais, em que os funcionários das missões que representavam a Santa Sé em

Madrid e em Lisboa – isto é, nos dois campos adversários – davam conta, pela primeira vez, ao

Vaticano, da restauração da independência, em dezembro de 1640, da proclamação d’ El-rei

Dom João IV, e das repercussões que tais factos tiveram nos países e côrtes de sua

residência”.18Na tabela abaixo apresentamos a descrição dos documentos:

TABELA I.

Doc. Fonte Descrição

Nº 119 Arquivo Secreto, secção Nunciatura

di Spagna, a fls. 107r-112r Cópia oficial, em claro, de um ofício decifrado a 26 de Janeiro de 1641. Origem: Madrid, a 12 de Dezembro do ano anterior (1640); emissário: monsenhor Cesare Facchinetti, núncio apostólico naquela corte. Destinatário: cardeal Francesco Barberini, sobrinho do Papa Urbano VIII, vice-chanceler da Santa Igreja Romana e superintendente do Estado eclesiástico, cargo este que, hoje, corresponderia ao de secretário de Estado de Sua Santidade. Assunto: o núncio relata a seu chefe os acontecimentos que, doze dias antes, em poucas horas e quase que sem derramamento de sangue, haviam transformado o reino-vassalo de Portugal em nação livre.20

Nº 221

Biblioteca Vaticana, códice Barb.

lat. 8564, à fl. 9r Consta de um original de uma carta. Origem: Lisboa, 5 de Janeiro de 1641. Emissário: Vincenzo Mobili, funcionário da colectoria de Lisboa. Destinatário: cardeal Francesco Barberini. Assunto: O referido funcionário pede licença, nesta carta, ao vice-chanceler da Igreja, para levar directamente ao seu conhecimento as últimas notícias sobre os acontecimentos

16 Cidadão brasileiro ficaria famoso por ter sido o responsável pelo restauro da Pietà de Michelangelo, depois de um húngaro ter, em 1972, martelado o nariz da Pietà. Vivendo em Itália 71 dos seus 84 anos de vida, foi o único dos quatro irmãos a não voltar ao Brasil; foi também adido cultural no Vaticano, por mais de 30 anos. Informações retiradas do seguinte URL: http://www.italiaoggi.com.br/not04_0609/ital_not20090621c.htm (última consulta em 2011-06-29). 17

A Páscoa de 1939 ocorreu em 9 de Abril. Logo, o Corpo de Cristo ocorreria em 8 de Junho. Assim, a carta foi enviada de Roma em 8 de Junho de 1939. (nota da nossa responsabilidade). 18 “Quatro documentos originais e inéditos, tirados do Arquivo Secreto Vaticano e da Biblioteca Apostólica, para servirem à história da Restauração da Independência Portuguesa, em 1640”, in O Instituto: Jornal Scientifico e Litterario, p. 8. Texto retirado do seguinte URL: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-37a41_v096_item1/P11.html (última consulta em 2011-06-29). 19 Para consultar este documento aceder ao seguinte URL: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-37a41_v096_item1/P22.html (última consulta em 2011-06-29). 20

“Quatro documentos originais e inéditos…”, op. cit. pp. 8-9. 21

Para consultar este documento aceder ao seguinte URL: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-37a41_v096_item1/P29.html (última consulta em 2011-06-29).

Page 7: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

7

portugueses, de tamanho interesse para a Santa Sé. Foi ele auxiliado neste trabalho por seu colega Famiano Andreucci, abreviador da mesma colectoria, e que parece ter sido seu superior imediato, pois tem precedência a assinatura deste ao fim do relatório escrito em comum.22

Nº 323

Biblioteca Vaticana, códice Barb.

lat. 8564, à fls. 13r-16r É segunda via original – duplicata com aggiunta (fl. 13r) – do ofício anunciado no documento nº 2. Origem: Lisboa, 5 de Janeiro de 1641. Emissários: Famiano Andreucci e Vincenzo Mobili, funcionários da colectoria de Lisboa. Destinatário: cardeal Francesco Barberini. Assunto: Os referidos funcionários fazem ao Cardeal Barberini a crónica pormenorizada das diversas fases da revolução, acompanhando o seu desenvolvimento desde a noite de 30 de Novembro de 1640 – quando os conjurados se reuniram para assaltar o paço – até 28 de Dezembro. Têm grande interesse documentário e psocológico as descrições das pessoas e caracteres do duque de Bragança e de Miguel de Vasconcelos, que se lêem nas últimas páginas deste manuscrito, mas também por nos darem uma ideia muito exacta da extraordinária fineza e complexidade da diplomacia pontifícia.24

Nº 425

Biblioteca Vaticana, códice Barb.

lat. 8564, à fls. 17r-17v É o original de outro ofício dirigido por Andreucci e Mobili ao cardeal Barberini. Origem: Lisboa, 8 de Janeiro de 1641. Emissários: Famiano Andreucci e Vincenzo Mobili, funcionários da colectoria de Lisboa. Destinatário: cardeal Francesco Barberini. Assunto: Dá-se conta da nomeação da embaixada destinada – conforme o costume – a ir prestar obediência ao papa em nome d’ El-rei Dom João IV, provocando destarte o reconhecimento público do novo reino por parte do pontífice romano. Fornecem minuciosos pormenores acerca do chefe da missão. Dom Miguel de Portugal, bispo de Lamego, prelado de virtudes exemplares, sobre a sua família, e sobre as pessoas que o deviam acompanhar a Itália, fazendo parte da embaixada.26

Pouco depois destes testemunhos oficiais, é o já nosso conhecido Teodoro Ameyden que, no

início de Fevereiro de 1641, se encarrega de informar. Veja-se a citação fornecida por

Ademollo:

22 “Quatro documentos originais e inéditos…”, op. cit. pp. 11-13. 23 Para consultar este documento aceder ao seguinte URL: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-37a41_v096_item1/P31.html (última consulta em 2011-06-29). 24

“Quatro documentos originais e inéditos…”, op. cit. pp. 13-14. 25

Para consultar este documento aceder ao seguinte URL: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-37a41_v096_item1/P43.html (última consulta em 2011-06-29). 26

“Quatro documentos originais e inéditos…”, op. cit. pp. 14-15.

Page 8: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

8

«La medesima allegreza e festa che mostrò Roma alla nuova della rivolutione di Catalogna ha mostrato

in questa di Portogallo con tutto che sai certissimo che quanto danno riceve la Monarchia di Spagna

tutto risulta in pregiudizio di questa Corte e, che più importa, della Religione; e pur toccano con mano

che non corre un denaro in questa Piazza era che per le guerre ingiustamente mosse contro la Monarchia

non vengano negocii da Spagna la quale sola suole supplire per tutto il rimanente d’ Europa e d’

avvantaggio, e se la Monarchia ricevesse detrimento alcuno (che Dio non voglia) s’ accorgerà questa

Terra del suo errore piu d’ ogni altra».27

A informação de Ameyden à coroa espanhola data de 2 de Fevereiro de 1641, que

nesse ano ocorrera a um sábado. Assim, podemos considerar que – sendo o agente de Filipe

IV um observador atento dos acontecimentos ocorridos em Roma, especialmente daqueles

que considerava pertinentes às causas que defendia, e, de acordo com a sua conhecida

disciplina de registo diário das informações e sua síntese no fim da semana –, as primeiras

notícias sobre a revolução portuguesa teriam chegado ao conhecimento da população de

Roma pelos fins de Janeiro, início de Fevereiro de 1641. Ficamos também a saber a existência

de alguma hostilidade popular aos espanhóis. No entanto, como é natural, as opiniões

variavam. A propósito veja-se a informação, dada em nota, do artigo de Gaetano Sabatini

intitulado La comunità portoghese a Roma nell’età dell’unione delle corone (1580-1640):

«Interessante ed assai emblematico lo scambio di opinioni che intercorre, a commento della notizia della sollevazione del Portogallo, tra l'ambasciatore spagnolo, il portoghese marchese di Castel Rodrigo, e il suo agente, il fiammingo Amayden, che scrive: “Sono stato a consolare il Sig. Marchese di Castel Rodrigo, che bene ne ha di bisogno, stando afflitto sopra modo e con ragione. Consideriamo in

quest'occasione che tutti questi tumulti nascono perché tra tante nazioni soggiogate al Re, li Castigliani soli comandano ora, che è infinitamente disdicevole all'altri” (Diario della Città cit., vol. I, c. 43r). Nei giorni successivi l'Amayden registra la partenza da Roma del marchese di Castel Rodrigo, che, rimosso a titolo prudenziale dall'incarico di ambasciatore, fu prima a Napoli e poi a Madrid (ivi, 45r; nota significativamente l'Amayden che l'ambasciatore partì “senza vedere il card. [Francesco] Barberino”). Com'è noto, il marchese di Castel Rodrigo permarrà fedele a Filippo IV, che lo ricompenserà dei beni sequestrati da Giovanni IV in Portogallo con il ducato di Nocera nel Regno di Napoli: cfr. J. Falcò Trivulzio, Documentos de mi archivo. La elección de Fernando IV Rey de Romanos. Correspondencia del III Marqués

de Castel Rodrigo, Don Francisco de Moura, durante el tiempo de su embajada en Alemania (1648-1656), Madrid, 1929, p. 386; J. Mateu Ibars, Feuods italianos en la intitulación de los Marqueses de Castel

Rodrigo, in Homenaje a Jamie Vicens Vives, vol. II, Barcelona, 1967, pp. 389-393.»28

27 T. Amayden (o Ameyden), Diario della Città e Corte di Roma Notato da Deonehora Temi Dio [Theodoro Amayden] dell'anno

1640 [e fino al 1649], vol. I, c. 43r, apud Eduardo Brasão, op. cit. p. 66. (negritos e sublinhados nossos) 28 SABATINI, Gaetano – La comunità portoghese a Roma nell’età dell’unione delle corone (1580-1640), p. 16.

(negritos e sublinhados nossos). O texto deste artigo pode ser recolhido no seguinte URL: http://www.seacex.es/Spanish/Publicaciones/CONGRESO_ROMA_Y_ESPAÑA_VOL%20II/La%20comunità.pdf

Page 9: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

9

Facto a relevar, ainda de acordo com Gaetano Sabatini, é a notícia de que a

restauração inflamou o ânimo da população lusitana em Roma. A Teodoro Ameyden o ficamos

a dever:

7 de Fevereiro de 1641: “Li Portoghesi di Roma è incredibile quanta dimostrazione fanno de' rumori di

Portogallo; non è meraviglia, sendo gente tanto nemica nostra, e se fosse lecito tornarebbe a

giudeizzar[si] tutta pubblicamente, non omettendone alcuno”. 23 de Fevereiro: “I Portoghesi habitanti in Roma hanno posto fuori un manifesto venuto dal Portogallo continente il successo della ribellione [....] che senza incertezze mostra la fellonia e tradizione del Duca di Braganza”. 2 de Março: “Spargono i Portoghesi fiamma non meno di mal essempio che sedizione nel racconto della sollevazione di Portogallo, insistendo com essempi superstiziosi [....] e pazzie che offendono l'orecchio di

ogni huomo da bene” 27 de Abril: “Il corriero di Genova porta male nuove da Catalogna, che mi crucciano l'anima. I Portoghesi habitanti in Roma, i Catalani [....] parlano come già fosse caduta la Monarchia di Spagna, an noverando

solamente gli anni quanto hà durato, non quanto durerà diante”. 1 de Junho:“[I] Portoghesi

29, che stanno qui alla Corte, hanno cavato fuori un elogio del ribelle Braganza

infamissimo, come se [egli] dica lor di non smentire ad un traditore e perfido, e picchi il Re di Spagna di tiranno, dicendo del ribelle 'tiranni expulsori acerrimo'! Ho avvisato all'Ambasciatore Catt.co acciò se ne

doglia col Papa.” 15 de Junho: “Il giovedì, giorno solenne di S. Elisabetta, non fu tenuta la solita cappella nella Chiesa dei Portoghesi né fatta festa alcuna in pregiudicio, anzi obbrobrio grandissimo, del Re; vivono in quella Chiesa

alcuni pochi Cappellani Portoghesi, che proposero al [Maestro di Sacro] Palazzo di non voler porre, come il solito, l'armi del Re sopra la porta della Chiesa et in essa Chiesa il ritratto, ma quello del ribelle di Braganza; non è paruto à Palazzo di ammettere la ribelle proposta, ma neanche di conservare le raggioni del Re, col dismettere la festa solita sotto pretesto che sa che non [si] ha di [che] fare la spesa”.

30

Mas também a notícia do 1º de Dezembro de 1640 foi recebida na Santa Sé, não sem

algum regozijo. De facto, é também devido a Ameyden, através de Ademollo, que o sabemos;

trata-se do relato da deslocação, habitual, do agente de Filipe IV à antecâmara do Cardeal

Francesco Barberini, e da sua conversa com o secretário do Papa, Monsenhor Maraldi, a

propósito delle cose di Portogallo. E Ameyden escreve:

«Mi domadò che nuova si haveva: replicai che speravo buone; com questa occasione cominciò con longo discorso a ripetere il principio dell’ acquisto di Portogallo nel quale quel popolo volera un Rè residente appresso di se, cosa che non cagionò poca difficoltà, la quale fu mitigata dal havere un Nuntio particolare sotto nome di Collettore; questi essere stato discaricato e quindi quel Regno havere preso l’ occasione del tumulto; non essersi da sperare meglio di Fiandra, ove il Nuntio non fu accettato; et allegando io che per colpa sua e contro il concertato tra lui e me prima di partirsi di Roma, mi replicò che si doveva chieder ul altro, e conchiuse: - Propter peccata veniunt adversa.»

31

Após o 1º de Dezembro de 1641, na opinião de Eduardo Brasão, “era na Diplomacia,

sobretudo, com que podíamos contar – o mais útil e necessário instrumento para 29 ADEMOLLO, Alessandro (op. cit. p. 19), escreve: «Questi furfante Portughesi». 30 AMEYDEN, Teodoro, op. cit., vol. I, cc. 45v-46r, c. 49v, cc. 52v-53r, c. 71r, c. 79r e c. 81v, respectivamente, apud SABATINI, Gaetano, op. cit., pp. 16-17. Cf. também Ademollo, op. cit. pp. 19-20. 31

ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. p. 18. Cf. também BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. pp. 66-67. Aqui se refere que já Urbano VIII, depois do procedimento violento contra Castracani, vaticinara desgraças para Espanha: «Che alla Spagna sarebbe toccata la punizione del Cielo» (op. cit. p. 67).

Page 10: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

10

consolidarmos primeira entusiástica arrancada”.32 E ainda, segundo este diplomata, havia

necessidade de “atingir dois objectivos e que se afiguravam de capital importância: o contacto

directo com os países que combatiam os Áustrias, sobretudo a França de Richelieu; e, por

outro lado, conseguir-se o reconhecimento por parte da Santa Sé da nossa independência”.33

Assim também entendia D. João IV. Logo “no próprio dia em que o oitavo Duque de

Bragança era aclamado em Lisboa como Rei de Portugal, iniciando uma nova dinastia,

mandávamos a França a notícia do esperançoso feito da Restauração”.34 Seguem-se a

embaixada de D. Antão de Almada a Inglaterra, partindo em 2 de Fevereiro de 1641; depois,

em 9 de Fevereiro de 1641, partia, para a Holanda, a Embaixada de Tristão de Mendonça

Furtado; a seguir, a 18 de Março de 1641, partia para a Dinamarca e Suécia, a embaixada de

Francisco de Sousa Coutinho. Tendo lançado ferro em frente ao castelo de Kronborg, em 10 de

Abril, Sousa Coutinho sabia de antemão que da parte da Dinamarca não poderia esperar senão

cortesias, devido aos problemas diplomáticos com que então se debatia a Dinamarca. Parte

então para a Suécia, onde a embaixada portuguesa seria acolhida com todas as honras, tendo

Sousa Coutinho sido recebido, oficialmente, a 10 de Junho, pela jovem rainha Cristina, então

de apenas cinco anos de idade.35 Faltava ainda a embaixada à Santa Sé, que como Roma du

Bocage escreveu, “de todas as embaixadas que D. João IV encarregou de anunciar a sua

ascensão ao trono e de procurar alianças para a monarquia, nenhuma oferecia condições de

tão duvidoso êxito como a de a Roma”.36

Já sabemos, pelo documento nº 4 referenciado na Tabela I acima produzida –

pertencente à Biblioteca Vaticana, códice Barb. lat. 8564, à fls. 17r-17v, enviado de Lisboa em

8 de Janeiro de 1641, pelos funcionários da colectoria de Lisboa, Famiano Andreucci e

Vincenzo Mobili, ao cardeal Francesco Barberini – que, naquele documento, se informava a

cúria da nomeação da embaixada portuguesa, chefiada por D. Miguel de Portugal, destinada a

ir prestar obediência ao papa em nome d’ el-Rei Dom João IV. Ademollo releva o embaraço de

32 BRASÃO, Eduardo – A Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, vol. I (1640-1700), Lisboa, Editorial Resistência, SARL, 1979, p. 31. 33 BRASÃO, Eduardo – A Diplomacia Portuguesa, op. cit. p. 33. 34

Ibidem, p. 34. 35

Ibidem, p. 53. 36

BOCAGE, Roma du – Subsídios para o estudo das relações exteriores de Portugal em seguida à Restauração, Lisboa, 1915, p. 137, apud BRASÃO, Eduardo – A Diplomacia Portuguesa, op. cit. p. 65.

Page 11: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

11

Urbano VIII perante esta notícia, e a decisão de se constituir uma congregação para discutir o

problema. Foi ela chefiada pelo Cardeal Sacchetti, e a sua notícia foi-nos dada por Ameyden:

«22 de Junho de 1641. – In casa del Sacchetti si fece la Congregatione sopra la ricevuta dell’ Ambasciatore di Braganza detto di Portugallo con l’ intervento di Panfilio et li fratelli Barberini; la risolutione fu che non fusse ricevuto nè riconosciuto per Ambasciatore di Re, ma gli fossero fatte dimostrationi maggiori che a semplice Vescovo e fosse intesa le sua dimandita, sendo ragionevole di udire anche i Turchi.»37

Ademollo acrescenta que as resoluções daquela reunião foram comunicadas ao Papa

Urbano VIII, tendo este dito, segundo Ameyden, que então o Bispo viesse ad Limina.38

As informações sobre a viagem do bispo de Lamego são por demais conhecidas.

Diremos apenas, para nos situarmos, que D. Miguel de Portugal partira de Lisboa, em Abril de

1641, levando consigo como secretário o Doutor Rodrigues de Lemos, cavaleiro de Cristo e

desembargador do Porto, e como conselheiro da missão, o Cónego doutoral da Sé de Lisboa,

Pantaleão Rodrigues Pacheco. Fez escala em La Rochelle, tendo-se demorado três dias na

capital francesa, visitando o Rei a Rainha. Estabeleceu então contacto com o Cardeal Richelieu,

através do seu secretário Chavigny. Em Novembro chegam, finalmente, o bispo de Lamego e

sua comitiva à Cidade Eterna.39 Mas, o destino desta embaixada estava já tomado, pelo menos

desde a reunião de 22 de Junho de 1641.

A 23 de Novembro de 1641, Ameyden, sempre atento e minucioso, escreve:

«Arrivò Lamego nello Porto di Civitavecchia sabatto di sera (17 novembre) con maretto sì grande che non

poteva il suo Vascello entrare se non andavano ad incontrario alcune Galere di quel Porto; fu spedito la Domenica

un Corriero all’ ambasciatore francese il quale gli rimandò in contro la sua Carozza, 25 cavalli di sella e sino a 30

bestie da Basto. Si aspettava communemente Concistoro straordinario mercordì mattina sopra questo si grave

negotio, et alcuni Cardinali non escirono di Roma per questo effeto, tanto più che la Domenica fu detto agli

Cursori che tornassero il Martedì; fu creduto per intimare il Concistoro, ma fu l’ aspettativa vana.»40

O Bispo de Lamego ficou hospedado algum tempo na casa do Marquês de Fontenay-

Mareuil, embaixador de el-Rei Cristianíssimo, tendo, pouco tempo depois, ido habitar em casa

37 ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. p. 23. Cf. também BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. p. 69. 38 (Sc. Apostolorum) The visit «ad limina» means, technically, the obligation incumbent on certain members of the

hierarchy of visiting, at stated times, the "thresholds of the Apostles", Sts. Peter and Paul, and of presenting

themselves before the pope to give an account of the state of their dioceses. New Advent, Catholic Encyclopedia, URL: http://www.newadvent.org/cathen/15478a.htm (última consulta em 2011-06-30). 39

BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. pp. 70-72. 40

ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. p. 25. Cf. também BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. p. 72.

Page 12: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

12

própria, instalando-se no palácio De Cupis, na Piazza Navona.41 Tudo Ameyden registava no

seu Diario della Città. O tempo foi passando e o nosso embaixador se sujeitando a algumas

imposições, como a de não poder frequentar lugares públicos, claro que por questões de

segurança… A velha diplomacia da Santa Sé não deixava os seus créditos por mãos alheias.

Embora tivessem sido apresentadas “algumas bem elaboradas memórias por Pantaleão

Rodrigues Pacheco”, a questão ia-se eternizando. Entretanto, a Espanha substitui o seu

embaixador D. João Chiumazero pelo Marquês de los Velez, «un vero Ambasciatore de

combat», como nos diz Ademollo. Logo após a sua chegada, em 23 de Abril de 1642,

começaram a circular notícias segundo as quais “o Bispo de Lamego corria sérios riscos, como

diz Gigli no seu Diario Romano”.42 E os avisos deveriam ter sido tomados como verdadeiras

ameaças, pois chegados a 20 de Agosto de 1642, ocorreria o célebre episódio de confrontação

entre a comitiva do nosso Embaixador D. Miguel de Portugal e a do Embaixador Marquês de

los Velez.

Existem alguns relatos acerca deste sucesso. Daremos conta de quatro destas relações:

a do Embaixador de Portugal ao rei de Portugal (cf. ANEXO I), a do Cardeal Barberini ao Núncio

em Madrid, a de Teodoro Ameyden e, por último, a RELAÇAM DO SVCESSO QVE O

EMBAIXADOR DE PORTVGAL TEVE EM Roma com o Embaixador de Castella (conforme a copia

que veyo de Frãça),43 documento já por nós acima referido e existente na Biblioteca da

Universidade de Coimbra, e do qual apresentamos, em anexo (cf. ANEXO III), as imagens feitas

pelos serviços da referida biblioteca, e a transcrição do mesmo documento feita por nós (cf.

ANEXO IV). Existe ainda uma outra relação do sucesso, que se pode encontrar na obra de D.

Francisco Manuel de Mello – TACITO PORTUGUEZ, VIDA, E MORTE, DITTOS E FEYTOS DE EL-REI DOM

JOÃO44 – e mais tarde dada a conhecer pelo Padre José de Castro no seu Portugal em Roma. Em

anexo apresentamos o texto daquela relação (cf. ANEXO II – O CONFLITO ROMANO). Os textos

completos encontram-se nos anexos e aí poderão ser consultados. Aqui apenas faremos o

cotejo das partes que consideramos mais relevantes. Começaremos então pelas cartas dos dois

representantes institucionais, D. Miguel de Portugal e Cardeal Barberini.

41 BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. p. 73. 42 Ibidem, pp. 74-75. 43 Endereço URL (última consulta em 2011-06-28): http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por/t?SEARCH=Rela%C3%A7%C3%A3o+do+sucesso+que+o+embaixador&sortdropdown=-&searchscope=17 44

Obra elaborada cerca de 1650 e publicada no Rio de Janeiro pela Academia Brasileira de Letras em 1940, devido à iniciativa de Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmon, e segundo apógrafo inédito da Biblioteca Nacional.

Page 13: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

13

Carta do Bispo de Lamego, Embaixador em Roma, a el-Rei (1642)—Agosto 24 45

Carta enviada pelo Cardeal Barberini ao Núncio em Madrid (Relatione del sucesso tra l’ Ambasciatore di Spag.

a e Lamego) 46

I. (…) acompanhado só de dous lacayos, e dos meos acrescentados em duas carroças desviadas da de minha pessoa, na forma que se me havia ordenado, fui visitar o Embaxador de El-Rey Cbristianissimo na tarde de quarta-feira, vinte do corrente e porque de minha caza té á do Embaxador me seguio hũa espia do Marques dos Velles, e pellos ameaços que andava fazendo, mandei descobrir se havia algũa inquietação em sua caza, avizarão-me que com grande deligencia se preparavão carroças e armas para elle sair. (…)e vio mandar logo o Cardeal fazer prevençoens pellos Ministros da Justiça a fim de evitar a insolencia do Marques. (…) Comecei-me a recolher junto ás Ave Marias acompanhado de todos os criados do Embaxador, de alguns portugueses e catelães que se ajuntarão.

I. Hoggi li 20 Agosto à 22 hore m’è arrivato avviso, che il Vescovo di Lamgo era uscito com una carroza serrata com due suoi staffieri, et appresso alla lontana due altre seconde carrozze com due staffieri; onde io stante, che il Sig.

r Marchese de los Velez ancora uscia

con molta gente, e no s’era potuto trovare aggiustamento, mandai subito ordini à Mons.r Governatore circa le preventione, che si potevano nella brevità del tempo usare, solite à prendersi, et parevano opportune per ovviare quanto si poteva à disordini, che fossero potuto nascere. È andato il Vescovo à visitare il Sig.

r Ambasc.r di

Francia (..)

II. (..) Logo na primeira rua me saio ao encontro o Marques com quarenta lacayos do seu acompanhamenlo ordinario, quasi todos soldados do presidio de Gayeta com sete ou outo carroças cheas de capitães e officiaes de guerra que mandara vir de Napoles, e de outros castelhanos de sua facção, deixando tomadas as outras ruas com diferente gente armada, para que em nenhum acontecimento me pudesse recolher, sem ser assaltado. O Mestre de Camera do Embaxador se passou diante da minha carroça com a mayor parte dos companheiros, para sustentar o primeiro acometimento sem perigar minha authoridade, e vida. Como fomos descubertos dos castelhanos bradarão que parassem ao Embaxador de Hespanha, respondeu-se-lhes da nossa parte que parassem elles, com que começarão a sair os seus das carroças com as espadas nuas, e despois de uma brevissima suspenção dispararão hum tiro de fogo, a que se seguirão muitos outros assi da nossa parte como da sua.

II. (…) Mentre dunque il Vescovo cosi accompagnato se ne tornava, et per nõ passare avanti la casa del S.

r

Card.l Alburnoz faceva il suo camino per la strada che passa avanti la casa di Mons.r Dunozet à S. Maria in via (…) alcuni Palafrenieri del Sign.r Ambasc.r di Spagna gridando secondono dicono i francesi, ferma, ferma (…) alla qual voce fecero testa i francezi, e portughesi, et essendo con gran seguito à piedi, e con circa otto carrozze, il Sign.r Ambasc.r di Spagna che veniva per la medesma strada, s’attacò la zuffa con gli Archibugi frà spagnuoli da una parte, e francesi, e portughesi dali altra, nella quale sono state sparate molte archibugiate (…)

45 Corpo Diplomático Portuguez contendo os Actos e Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias, publicado de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa por Jayme Constantino de Freitas Moniz, Tomo XII, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, MDCCCCII, pp. 296-298. 46

BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, op. cit. pp. 75-79.

Page 14: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

14

Analisemos então as duas primeiras partes, ou sequências, das duas cartas. Na Parte I

vemos claramente que todos os factos são coincidentes, apenas se podendo apontar uma

divergência quanto à hora do acontecimento. O Bispo de Lamego situa a sua saída de casa na

tarde de quarta-feira e acrescenta que se começou a recolher junto às Ave Marias, ou seja,

perto das 18h. O Cardeal Barberini precisa a hora a que foi avisado, às 22 horas. Também mais

perto destas horas aponta o relato no Tacito Português (cf. ANEXO II): aí pelas 23 horas).47 A

Parte II, referente ao número de carroças envolvidas e início do tiroteio também se apresenta

coincidente em ambos os relatos.

Analisemos então as sequências seguintes:

Carta do Bispo de Lamego, Embaixador em Roma, a el-Rei (1642)—Agosto 24

Carta enviada pelo Cardeal Barberini ao Núncio em Madrid (Relatione del sucesso tra l’ Ambasciatore di Spag.

a e Lamego)

III. O que rezultou foi ficarem mortos dos que me acompanhavão hum cavaleiro de Malta frances pagem do Embaxador, e hum lacayo seu italiano, e outro meu tãobem italiano, e hum pagem do Agente por nome Julião Ferreira natural de Torres Vedras ficou ferido naquelle conflito, e não aparecendo em toda aquella noite, foi achado ao dia seguinte em hũa igreja morto, e entende-se que o matarão a sangue frio em caza do Cardeal Albornos, são feridos dois ou tres francezes, dos quais hum ajuda de Camera do Embaxador está em perigo de morte. Da parte dos castelhanos ficarão logo no campo alguns, em que entrou hum capitão chamado Vargas de quem fazião a maior confiança e de presente se sabe serem mortos oito, e estarem feridos muitos maes, e por muitas circunstancias se entende ser hum delles o Marques. Porem não consiste nisto a sustancia da reputação senão em que o Marques fugio vergonhosamenle pello espaldar da carroça deixando-a no campo com os cavallos mortos, e se meteo em hũa tenda donde depoes o levarão para caza do Cardeal Albornos, e ainda que os castelhanos matarão tãobem hum cavallo da carroça do Agente comtudo a pode Irazer a caza. Eu me recolhi a caza do Embaxador por estar muito vesinha (…), porem depois de algũas replicas que fiz se me permetio recolher-me na mesma noite

para minha caza em companhia do proprio Conde.

III. (…) e restati morti da parte de francezi e portughesi un staffiero, et un lacché del Sig.

r Ambasc.

re di francia, et

un staffiero del Vescovo, et nella recognitione delle persone si è anche trovato morto il cavallerizzo dell’Inq.

re di Portugallo, dall’altra parte un tal

Capitano Vargas, et uno ò due altri, e molti feriti, et ancora sono stati ammazzati i cavalli della carrozza del Sig.r Card.le Alburnoz, e di poi se ne è tornato à casa sua. Il Vescovo di Lamego smontò in una casa vicina al Convento di S. Maria in via, di dove accompagnato da alcuni dell’ Ambasc.

re di Francia, e ritornato à piedi à

casa del medemmo.

47

No dia 20 de agosto o Embaixador D. Miguel de Portugal foi cear com o Embaixador de França que mora no

palácio do Duque de Cere, atrás da fonte de Trevi. Partiu portanto o Embaixador de Portugal aí pelas 23 horas e

tomando a carruagem sem outra guarda (…). (negritos nossos).

Page 15: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

15

A Parte III das cartas revela algumas incongruências. Relativamente ao número de

mortos, do lado dos portugueses e franceses os números coincidem (4 mortos: lacaio,

estribeiro, pagem e um cavaleiro), mas do lado dos espanhóis, enquanto o Bispo de Lamego

fala em “de presente” serem mortos oito (entre estes um capitão Vargas), o Cardeal Barberini

apenas fala do mesmo capitão Vargas e um ou dois “altri”. Em relação ao número de feridos,

as duas cartas não referem um número exacto de feridos, mas muitos feridos; o Bispo de

Lamego, contudo, revela a possibilidade do Marquês de los Velez estar entre estes feridos e

ainda deste ter fugido vergonhosamente pello espaldar da carroça deixando-a no campo com

os cavallos mortos. Outra discrepância é a que diz respeito ao destino do Bispo de Lamego

após esta refrega. Este relata que se recolheu à casa do embaixador francês, por estar muito

vesinha, tendo ainda, na mesma noite, se recolhido à sua casa, enquanto o Cardeal Barberini

refere que o Bispo acabou numa casa vicinha al Convento di Santa Matia in via, tendo depois

regressado a pé, à sua própria casa.

Assim, conscientes das diferenças encontradas entre os relatos destes homens,

enquanto representantes diplomáticos de Estado, ao mais alto nível, passaremos,

seguidamente, à análise de mais três relatos; o primeiro, do agente de Filipe IV, Teodoro

Ameyden; o segundo, do Diário de Governador Spada; e o terceiro, de autor anónimo,

supostamente “conforme copia que veyo de Frãça” e, “com todas as licenças necessarias e

Privilegio Real, impresso na “Officina de Lourenço de Anveres, Anno 1642” (cf. ANEXOS III e

IV).

Relato de Teodoro Ameyden, segundo Ademollo 48

«Mercoldì passato – l’Ameyden sbaglia, deve dire Giovedì poichè era il giorno della festa di San Bernardo – successe un fato molto memorando che racconteró com tutte le sue circonstanze. Andai alla tarde conforme il mio solito dal signor Marchese di Los Veles che nei due giorni precedenti non trovai a quell’ora in casa et all’hora lo trovai che pure usciva di casa. Incontrandolo in sala gli dissi che era un gran aviato e volendo calare le scale gli fu detto che non era pronta la carrozza, e mentre si pone all’ordine mi prese per la mano e ci ponemmo alla finestra rispondente in piazza. Parlammo de Portughesi ma cose generali. Apprestata che fu la carrozza egli vi montò seco il Marchese Tassi com duoi suoi figli giovanetti, per non dire ragazzi, de quali uno solo porta la spada, D. Baldassarre Blanes Cavaliere attempato e D. Gio. De Rogos. Nella seconda carrozza andarono il signor D. Francesco Agoneara Maestro di Camera et altri Cavalieri di Spada e di Cappa et appresso il signori Paggi, che non portavano nè cortello, non che arma. Premetto questo fatto così minuto affinchè si conosca che il signor Marchese non haveva punto di volontà d’affrontare Lamego, se non pervenendo con cosa che sai tal deliberatione. Partito il Marchese mi posi in carrozza e mi feci condurre a casa per aspettare le Lettere di Milano e passando la Piazza Colonna verso Capranica in quella strada stretta accanto al Pollieri (?) incontrai Lamego da me non anche veduto, se non all’hora. La carrozza era aperta et hebbi occasione diosservarlo bene; tiene fisionomia di pazzo et et andava ridendo. Haveva attorno la sua carrozza quattro staffieri; seguivalo altre due carrozze piene di persone parimente attorniate da staffieri. Passato che fu feci voltari la mia carrozza per un

48

ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. pp. 41-42. (negritos e sublinhados nossos)

Page 16: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

16

vicolo che va a Montecitorio dal sig. Card. Albornoz al quale diedi ragguaglio dell’uscita di Lamego, et havendone tra di noi doluto assai di questo strapazzo, e che, non sott’altro titolo che per un poco d’aria che prende Lamego, se ne fa questi affronti et biasmi posti in manifesti pericoli e risichi, mi disse il sig. Cardinale: senza fallo il Marchese sarà dai suoi avvisato di quest’uscita di Lamego; potrebbe S. E. incontrario; prego V. S. trovi il Marchese e con la sua destrezza diverta il pericolo che può nascere. – Non mai il Marchese partiva da casa in mia presentia che io non chiedessi dove andava; questa volta me ne scordai, di modo che non seppi ove trovarlo. Hobbi avviso che era stato visto verso il Card. Pallotta, dove m’inviai indarno. Il Card. Albornoz mi avvisò che quella mattina il Marchese haveva voluto visitare il Card. Rocci e che questo s’era scusato che stava in letto insensito. (sic) Onde era facil cosa che vi fosse ito alla tarde. Andai da Rocci ma pure indarno e tornando a casa trovai molta gente sopra la porta, aperta per la visita, presente per offrirsi al bisogno dicendo che il Marchese era stato affrontato da Portughesi e Francesi et il fatto successe circa mezz’ora doppo, et il Barigello com più di 150 sbirri un’hora prima del successo era andato in modo che pare che la Corte assiste il misfatto tramato da Portughesi e Francesi.» (…) « (…) verificato che Lamego non si trovò nel conflitto, ma che nella di lui Carrozza che non venne alla vista del Marchese, stava il Maestro di Camera del francese com ordine che se veniva fatto oltraggio alla Carrozza, tutti sparassero. Così che il francese non si puo scusare com dire che mandava la sua gente per assistire a Lamego suo amico, caso che venghi per strada affrontato, poichè non vi era, benchè i francesi pretendino mostrare il contrario.» (…) « (…) egli(l’Ambasciatore di Francia) dice di non avere dato gente a Lamego perchè affronti il Marchese, ma solo alla di lui defesa et al contrario Lamego dice che non voleva uscire di casa del francese, se prima non fusse tornato alla sua il Marchese, ma che l’Ambasciatore di Francia lo forzò ad uscire e gli diede in mano la pistola per forza. Così ben convengono fra di loro.» « (…) L’assassinamento non poteva essere maggiore et il signor Marchese è vivo per miracolo poichè furono sparate 60 Archibugiate di conto». « (…) Li morti di questa parte D. Diego di Vargas Capitano et famosissimo soldato che nella zuffa contro Bordeos vinse una galera solo, Assentio Hortiz aiutante di Camera del signor Marchese. Feriti, Don Francesco Malzariero nem mento e nella mano ma senza pericolo, che di più fu condotto nella carcere, ma lo feci subito liberare, Don Francesco Ludon de Grunara Maggiordomo del signor Marchese al quale ……………………. (in biancho anche nel Codice) spada per aria et il Cocchiere del signor Marchese che há molte feriti ma nessuma mortale. Dall’altra parte restò morto un paggio dell’Ambasciatore di Francia del habito di S. Giacomo, un Camerata del medesimo, un portoghese servitore et un’ altro staffiere francese; li feriti non si sono saputi, ma bensi che tutti li feriti di questa parte sono di palle e li feriti francesi sone di spada.»

Transcrevemos todo o texto, fornecido por Ademollo, de Ameyden, pois só assim nos

poderemos aperceber da subtileza e manipulação dos factos que este discurso encerra. Daqui,

a necessidade de sempre consultar vários textos do mesmo autor e da mesma época, bem

como outros textos, de outros autores, relativos aos mesmos factos.

Repare-se, primeiramente, na diferença de tom existente entre este e os outros

excertos de Ameyden por nós citados ao longo deste nosso trabalho. Para um homem

habitualmente tão minucioso, é de estranhar que comece o texto referindo-se a uma quarta-

feira passada (Mercoldì passato), não indicando a respectiva data. De facto, hoje é possível,

através da consulta dos calendários perpétuos (por exemplo via Internet)49 verificar que o dia

49

Cf., por exemplo, o seguinte URL: http://ghiorzi.org/caleperp.htm

Page 17: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

17

20 de Agosto de 1642 ocorreu a uma 4ª feira. Assim, não compreendemos o comentário de

Ademollo à primeira frase de Ameyden: “l’Ameyden sbaglia, deve dire Giovedì poichè era

giorno della festa di San Bernardo”. Se o dia de S. Bernardo festeja-se sempre a 20 de Agosto,

e se em 1642 ocorreu a uma 4ª feira, como poderia Ameyden referir-se a 5ª feira (Giovedì)?

Atente-se também no cuidado com que apresenta os passageiros das carroças; entre

eles, dois rapazes, só um com espada, um cavaleiro e outras ilustres personagens. Depois, o

pormenor da carrozza aperta, quando todos os outros relatos referem carrozza serrata (cf.,

por exemplo, a carta do Cardeal Barberini ao Núncio em Espanha); logo de seguida, a

caracterização da fisionomia do Bispo de Lamego, como se de um doido se tratasse (tiene la

fisionomia di pazzo et andava ridendo); e, depois de um discurso pensado apenas para criar

um cenário adequado, termina, esta parte do discurso, classificando os acontecimentos como

um crime ou delito tramado pelos portugueses e franceses (il misfatto tramato da Portughesi

e Francesi).

Na parte seguinte tenta mostrar que o Embaixador francês e o Bispo de Lamego

culparam-se mutuamente. Relativamente ao número de mortos, considera terem havido, do

lado dos portugueses e frances, quatro, número coindicente com os outros relatos; do lado

dos espanhóis, Ameyden refere apenas dois, sendo, um deles, o Capitão Vargas, nome

também constante dos outros relatos; no entanto este número fica muito longe do relatado

pelo Bispo de Lamego, mas equivalente ao atribuído pelo Cardeal Barberini. Por outro lado, no

que respeita ao número de feridos não é conhecido o seu número.

Ademollo, consciente dos embustes (bugie) do relato de Ameyden, apresenta, em

nota, pormenores seguros, relativamente aos factos ocorridos, que se podem encontrar no

Diário do Governador Spada. Apresentaremos, a seguir, apenas os excertos que consideramos

mais relevantes.

Diário do Governador Spada, segundo Ademollo 50

«Erano molti mesi che il Marchese del Los Veles Ambasciatore di Spagna mostrava sentimento che Monsignor Vescovo di Lamego mandato a Roma dal preteso Re di Portogallo, per rendere obedienza à Nostro Signore si lasciasse vedere per la Città, et apertamente si dichiarava di volerlo in suo potere, ò vivo, o morto; (…) Non per questo mostrò di spaventarsi il Vescovo di Lamego poichè non lasciava d’andare fuori qualche volta benche incognito et il Governatore continuamente teneva spie, per sapere quando usciva, e dove andava, et havendo avuto motizia che voleva uscire il di 20 agosto ne diede subito parte al Signor Cardinale Barberino con prometterli d’avvisar appresso l’uscita, e verso dove. (…)» « (…) Usci dunque il Vescovo di Lamego alle 22 horè, com una Carrozza serrata, com due staffieri attorno e poco appresso veniva seguitato da un’altra Carrozza aperta di suoi Gentilhuomini, con altri due staffieri et andò,

50

ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. pp. 42-43. (negritos e sublinhados nossos)

Page 18: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

18

à dirittura dal Signor Ambasciatore di Francia, che abitava alla fontana di Trevi (…).» « (…) Fatto raduno di gente sua e del signor Ambasciatore di Francia usci poco prima delle 24 hore fuori di Casa del detto signor Ambasciatore marciando avanti la sua carrozza da circa 30 Persone armate di Carabini, guidate da Monsù Lausars, Maestro di Camera dell’Ambasciatore di Francia, venendo seguitato da 3 Carrozze d’altre Persone piuttosto togate che armigere armate nondimeno anch’esse chi di Terzaroli e chi di Archibugi lunghi.» « (…) Se fosse prima i Palafrenieri di Spagna o di Lamego a dire: indietro la o chi va la non si può affermare di certo essendovi testimoni hincinde, ma più a favor de Spagnuoli che furono però i primi a metter mano alle spade e sucessivamente i portughesi e francesi agli Archibugi.» «(…) Si fece un gran menar di mani da ambe le parti di modo che restarono ivi morti tre dalla parte de Portoghesi e Francesi e cioè il Cavallerizzo dell’Inquisitore d’archibugiata nella testa, un Palafrenieri di Francia et un altro di Mons. Di Lamego di stoccata, e dalla parte de Spagnuoli vi restarono solo i Cavalli della prima carrozza dell’Imbasciatore di Spagna; morirono poi un Paggio di Francia d’archibugiata et un Cameriere di stoccata et un Gentiluomo et un Cameriere di Spagna ambedue di stoccata, sicehè i morti de Portughesi e Francesi furono cinque e de Spagnuoli due e i feriti dalla parte de Spagnuoli nove e dalla parte de Francesi e Portoghesi sei o sette».

Nestes excertos do Governador Spada ficamos a saber da má-fé utilizada pelo

Embaixador Espanhol, aliás facto provado no Processo posteriormente levado a efeito e

também registado no Diário do Governador Spada.51Verifica-se também a coincidência da

hora do acontecido, assim como o número de mortos com os relatados pelo Cardeal Barberini.

Registamos apenas a diferença, para mais, de um morto, para o lado dos portugueses e

franceses. O número referido pelo Bispo de Lamego (oito) apenas é confirmado (pela ordem

de grandeza) pelo relato de Giacinto Gigli.52

Resta-nos apenas apresentar a RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL

TEVE EM ROMA 1642 conforme copia que veyo de Frãça. As imagens dos originais existentes na

Biblioteca da Universidade de Coimbra e a transcrição completa encontram-se no final deste

trabalho (ANEXOS III e IV). Trata-se de um escrito anónimo, possivelmente escrito nos finais de

1641, pois a notícia de taxação, em quatro reis, está datada de 5 de Dezembro de 1641. É

impresso, a confiarmos na informação final, na Oficina de Lourenço de Anvers, no ano de

1642.

Lendo esta Relação sentimos de imediato um discurso diferente de todos os outros até

aqui analisados. Notamos, por um lado, uma preocupação no estilo, capaz de transmitir um

carácter mais literário, e por outro lado, a exaltação da posição portuguesa e a condenação da

castelhana. Denuncia-se a má-fé do Marquês de los Velez e descreve-se o sucesso acontecido

51

Cf. ADEMOLLO, Alessandro, op. cit. pp. 49-51. 52

Ibidem, pp. 43-47.

Page 19: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

19

em Agosto, mas, aqui, não a 20, mas aos 23 dias. Erro de impressão? É talvez o mais provável.

Eis alguns dos excertos mais relevantes, de acordo com a metodologia que até aqui seguimos:

RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642 conforme copia que veyo de Frãça

53

«E de feito, aos 23 de Agosto, indo o Embaixador de Portugal visitar ao Marquês de Fontenè, despois de averem estado juntos algum tempo, duas pessoas dignas de fé, lh[e] forão dizer que hum homem do Marquês de los Veles, Embaixador de Castella, avia seguido a carroça do dito Embaixador de Portugal, até o ver entrar em sua casa, e que logo se tornou a avisar ao de Castella.» « (…) Soube tambem que com pretexto de ir visitar o cardeal Roma, o dito Marquês de los Veles havia tomado o caminho que o Embaixador de Portugal devia necessariamente tomar tornando para sua casa». « (…)o Embaixador de Portugal, que somente havia trazido duas carroças onde não podiam caber mais mais que dez ou doze pessoas, e levava sós 4 lacayos, porquanto Sua Sanctidade lhe não havia permitido poder levar mais (…)». « (…)o Embaixador de Portugal em sua carroça, com o Inquisidor Pantalião Rodrigues Pacheco e dous ou tres gentil-homens bem armados, sahio de casa do Embaixador de França pellas quatro horas da tarde.» « (…)e estava quasi no outro cabo da rua que vai para S. Maria Invia, quando os que acompanhavão o Embaixador de Portugal começarão a apparecer, e os quaes chegando-se hum, da parte dos castelhanos, lhes disse que se desviassem que aquelle era o Senhor Embaixador de Castella, mas elles, que o sabião bem, passarão avante.» « (…)E logo havendo mandado a seu cocheiro que passasse avante, num dos seus atirou com hũa pistola aos franceses, os quaes derão tambem logo sua carga, e, ainda que erão muito menos em numero que os castelhanos, que erão mais de 100 deliberados e vindos já de proposito para este effeito, comtudo, quando virão aparecer os alentados do Embaixador de Castella cubertos com suas rodellas, as pistolas, e espadas na mão, os franceses lhe sairão ao encontro com tanta resolução que, apezar de toda a resistencia dos Castelhanos, chegarão à carroça do Embaixador de Castella e o obrigarão a desempará-la, por se retirar, como fez, a pé, com o cardeal Albornoz e parte dos seus que logo forão seguidos dos demais,deixando sete ou oito dos seus mortos no campo, e entre elles hum capitão que era expressamente vindo para cortar a cabeça do Embaixador de Portugal, e forão outros muitos feridos; da parte dos franceses ficarão mortos hum gentil-homem portugues e dous lacayos, e ferido um page do Embaixador de França, o qual morreo ao outro dia, e tres mais, que estão fora de perigo;»

Pelos excertos acima podemos concluir que esta Relação aproxima-se muito do relato

feito pelo Bispo de Lamego na sua carta a el-Rei, de 24 de Agosto. Seja nas horas da saída de

casa como do regresso, seja relativamente ao número de mortos e feridos.

4. Conclusão

Para além destes relatos que aqui apresentámos existem vários outros citados por

Ademollo. Dificilmente poderíamos encontrar notícias completamente equivalentes, pois a

percepção dos acontecimentos é pessoal e diverge necessariamente da de outrém. Por outro

lado, a ligação, ou mesmo a simpatia, por uma determinada facção condiciona a descrição

fidedigna dos factos. No entanto, ficamos sem compreender a incongruência existente na hora 53

Endereço URL (última consulta em 2011-06-28): http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por/t?SEARCH=Rela%C3%A7%C3%A3o+do+sucesso+que+o+embaixador&sortdropdown=-&searchscope=17

Page 20: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

20

de saída e regresso do nosso Embaixador a sua casa. Tanto a carta de D. Miguel de Portugal

como a Relação apontam para a tarde e fim de tarde, respectivamente, enquanto os outros

relatos situam-nas cerca das 22, 23 horas. Porquê esta tão grande diferença? Fica a

interrogação.

Fica-nos também a interrogação relativa à inexistência de referências ou citações desta

Relação de 1642. Porque não traz nada de novo? Talvez, mas não deixa de constituir mais um

documento, e muito raro, das enormes dificuldades que o Portugal Restaurado teve de

enfrentar para ser novamente respeitado e reconhecido na cena internacional.

Fica-nos ainda a enorme satisfação em termos podido conhecer obras e homens que,

até agora, desconheciamos. É o caso de Eduardo Brasão, diplomata que terminaria a sua

ilustre carreira como embaixador no Vaticano junto da Sé Apostólica, mas que o seu amor à

cultura e à História Portuguesa o levaram a estudá-las profundamente para depois nos legar

um conjunto de obras de referência que ficarão para a posteridade. É também o caso de

Alessandro Ademollo, que estudando os Diários de Teodoro Ameyden nos legou um estudo

sobre a questão da nossa independência. E ainda este último personagem que nos levou ao

conhecimento de outra obra e outro grande investigador, A. Bastiaanse e o seu Teodoro

Ameydem (1586-1656), Un Neerlandese alla Corte di Roma. Em suma, um vasto conjunto de

informação que nos proporcionou um pouco mais de cultura, mas, acima de tudo, o orgulho

de pertencer à mesma raça de portugueses de tão alta estirpe.

Page 21: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

21

ANEXOS

Page 22: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

22

(ANEXO I) - Carta do Bispo de Lamego, Embaixador em Roma, a el-Rei (1642)—Agosto 2454

Senhor—Em carta de vinte seis de Julho dei conta a Vossa Magestade como Monsenhor Bique

me dicera, que contentando-me de andar por esta Corte com pouco acompanhamenlo de

lacayos, Sua Santidade me segurava prometendo dar-me disso hum escrito: e ainda que

reparou despois em mo dar, por não ser estilo usado da See Appostolica comtudo se ratificou

verbalmenle, na segurança de Sua Santidade, o que tãobem confirmou ao Agente o Cardeal

Barberino, em prezença do mesmo Monsenhor Bique. Nesta conformidade acompanhado só

de dous lacayos, e dos meos acrescentados em duas carroças desviadas da de minha pessoa,

na forma que se me havia ordenado, fui visitar o Embaxador de El-Rey Cbristianissimo na tarde

de quarta-feira, vinte do corrente, e porque de minha caza té á do Embaxador me seguio hũa

espia do Marques dos Velles, e pellos ameaços que andava fazendo, mandei descobrir se havia

algũa inquietação em sua caza, avizarão-me que com grande deligencia se preparavão carroças

e armas para elle sair. Acrescentou-se, que sendo chamado no mesmo tempo o Agente da

parte do Cardeal Barberino, veio no discurso da audiencia a entender, com occazião de se

referir ao Cardeal, que eu eslava então em caza do Embaxador de El-Rey Cbristianissimo; que o

Marques dos Velles estava resoluto a me assaltar a primeira ves que saisse fora, e vio mandar

logo o Cardeal fazer prevençoens pellos Ministros da Justiça a fim de evitar a insolencia do

Marques; e vindo-me o Agente com muita pressa dar noticia desta novidade a caza do

Embaxador avisou ao Secretario para que com seos criados viese para nos, e eu mandei buscar

as armas e resto da familia. Comecei-me a recolher junto ás Ave Marias acompanhado de

todos os criados do Embaxador, de alguns portugueses e catelães que se ajuntarão. Logo na

primeira rua me saio ao encontro o Marques com quarenta lacayos do seu acompanhamenlo

ordinario, quasi todos soldados do presidio de Gayeta com sete ou outo carroças cheas de

capitães e officiaes de guerra que mandara vir de Napoles, e de outros castelhanos de sua

facção, deixando tomadas as outras ruas com diferente gente armada, para que em nenhum

acontecimento me pudesse recolher, sem ser assaltado. O Mestre de Camera do Embaxador se

passou diante da minha carroça com a mayor parte dos companheiros, para sustentar o

54

Corpo Diplomático Portuguez contendo os Actos e Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal com as diversas

potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias, publicado de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa por Jayme Constantino de Freitas Moniz, Tomo XII, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, MDCCCCII, pp. 296-298.

Page 23: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

23

primeiro acometimento sem perigar minha authoridade, e vida. Como fomos descubertos dos

castelhanos bradarão que parassem ao Embaxador de Hespanha, respondeu-se-lhes da nossa

parte que parassem elles, com que começarão a sair os seus das carroças com as espadas nuas,

e despois de uma brevissima suspenção dispararão hum tiro de fogo, a que se seguirão muitos

outros assi da nossa parte como da sua. O que rezultou foi ficarem mortos dos que me

acompanhavão hum cavaleiro de Malta frances pagem do Embaxador, e hum lacayo seu

italiano, e outro meu tãobem italiano, e hum pagem do Agente por nome Julião Ferreira

natural de Torres Vedras ficou ferido naquelle conflito, e não aparecendo em toda aquella

noite, foi achado ao dia seguinte om hũa igreja morto, e entende-se que o matarão a sangue

frio em caza do Cardeal Albornos, são feridos dois ou tres francezes, dos quais hum ajuda de

Camera do Embaxador está em perigo de morte. Da parte dos castelhanos ficarão logo no

campo alguns, em que entrou hum capitão chamado Vargas de quem fazião a maior confiança

e de presente se sabe serem mortos oito, e estarem feridos muitos maes, e por muitas

circunstancias se entende ser hum delles o Marques. Porem não consiste nisto a sustancia da

reputação senão em que o Marques fugio vergonhosamenle pello espaldar da carroça

deixando-a no campo com os cavallos mortos, e se meteo em hũa tenda donde depoes o

levarão para caza do Cardeal Albornos, e ainda que os caslelhanos matarão tãobem hum

cavallo da carroça do Agente comtudo a pode Irazer a caza.

Eu me recolhi a caza do Embaxador por estar muito vesinha, na qual nesta minha, e na do

Marques mandou logo Sua Santidade por guarda de soldados, e ordenar-me pelo Conde de

Castel Vilhano me deixasse estar, por ser o termo que tãobem se praticava com os Cardeas

(sic) Cueva, Albornos, e Montalto, que se achavão em caza do Marques, porem depois de

algũas replicas que fiz se me permetio recolher-me na mesma noite para minha caza em

companhia do proprio Conde. O successo escandalisou as pessoas dezapaixonadas de maneira

que forão muitos gentishomens romanos oferecer-se ao Cardeal Antonio para reprimirem a

insolencia de Hespanha, por julgarem que tanto offendia a Republica Romana como a Sua

Santidade. Té o presente não tem havido outra demostração (sic) maes, que continuar-se com

a guarda, que se tem posto para a defenssão desta caza, a qual consta de duas companhias de

infantaria, e hũa de cavallos. Os castelhanos confusos, e envergonhados deste cazo, procurão

persuadir que eu fui o agressor com rizo e zombaria de quem lho ouve, e espero que na

mesma forma seja recebida esta sua invenção de Sua Santidade, e dos Cardeaes seus

Page 24: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

24

sobrinhos, como boas testemunhas dos antecedentes, e da soberba com que lhes respondia o

Marques quando Ihe falavão na segurança de minha pessoa e familia.

Por esta relaçãoo do que tem succedido, será prezente a Vossa Magestade o aperto e

sobresalto com que posso estar receando que os castelhanos intentem outros insultos

mayores pello grande poder que tem Italia, e particularmente nesla Corte na qual quasi todas

as pessoas grandes sao interesadas com elles: e ainda que nesla occazião me achei bem

acompanhado da fidilidade dos nossos, que todos acudirão a sua obrigação com grande

pontualidade, e mayor da que se esperava de alguns cazados aqui em Roma carregados das

obrigaçoens de mulheres e filhos, e bem assistido dos francezes, que so ouverão com tanto

valor como se pelejarão em prezença do seu Rey particularmente o Mestre de Camera do

Embaxador comtudo he certo que soo a Providencia divina nos livrou com honra de tão

manifesto perigo.

Se com este accidente Sua Santidade nam tomar ultima resoluçam no recebimento da

embaxada de Sua (sic) Magestade, que he o meo que se julga por mais conveniente para nossa

seguranza e quietaçam e quizer continuar nos respeitos de que tegora se deixou levar e dos

ameaços que Ihe fazem os ministros castelhanos me parece que nam posso deixar de me sair

desta Corte com os ministros de Vossa Magestade em me dando o tempo lugar por se não

poder esperar no estado das couzas que tem sobrevindo a licença que por muitas vezes tinha

pedido a Vossa Magestade. Nesta conformidade aviso ao Conde da Vidigueira me haja delRei

de França comodidade de embarcação para me poder passar a França no mes de Outubro e do

que de novo succeder irei dando conta a Vossa Magestade.

Page 25: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

25

ANEXO II) - O CONFLITO ROMANO55

“No dia 20 de agosto o Embaixador D. Miguel de Portugal foi cear com o Embaixador de França que mora no palácio do Duque de Cere, atrás da fonte de Trevi. Partiu portanto o Embaixador de Portugal aí pelas 23 horas e tomando a carruagem sem outra guarda, segundo o costume, entrou na rua que fica de trás de Santa Maria in Via, e o de Espanha pelo Corso entrou no beco à esquina do palácio Veralli na Praça Colona que é o primeiro beco à mão direita da Praça Sciarra. Ao mesmo tempo um italiano percebendo do que se tratava, correu ao palácio de França e avisou que os espanhois queriam assaltar o Embaixador de Portugal, e os franceses tomaram logo das armas que tinham à mão para correr em seu auxílio. Simultâneamente, após aviso, correu o Barigello de Roma com todos os esbirros para impedir que mùtuamente se afrontassem. Mas, tendo chegado o Embaixador de Espanha ao referido beco e já voltando para Santa Maria in Via, o de Portugal estava em frente de Santa Maria e os franceses corriam atrás para lhe dar auxílio. Os esbirros, no entanto, correram para impedir que se afrontassem, e dispararam algumas arcabuzadas. Os franceses, julgando que as arcabuzadas tinham sido disparadas pelos espanhóis, começaram logo a descarregar para a carruagem de Espanha uma tempestade de arcabuzadas. Mas os cavalos da carruagem postos em pé receberam no peito uma infinidade de balas, e os espanhóis também êles a descarregar, fizeram um atrocíssimo feito de armas. Um pagem do Embaixador de França, Cavaleiro de Malta, rapaz valentíssimo, aproximou-se da carruagem de Espanha e disparou um arcabuzada ao Embaixador que por estar armado não foi morto; mas morreu um que estava a seu lado e o Embaixador foi ferido na mão e o referido pagem foi naquele momento assassinado pelos espanhóis. Uma outra arcabuzada, dirigida ao Embaixador de Espanha, matou um gentil-homem, pois a recebeu em pleno peito. O Embaixador de Espanha escapou da carruagem e fugiu para a Praça Colona e meteu-se em casa do Cardeal Albornoz, cujo sobrinho se diz ter morrido naquele barulho. Também morreu um filho do Marquês Tasso. O Embaixador de Portugal refugiou-se numa estalagem e lá passou a noite. Da parte dos portugueses morreram três pessoas, isto é, o referido pagem francês, um catalão e um criado português do dito Embaixador; da parte de Espanha então morreram sete, mas infinitos foram os feridos dos quais nos dias seguintes morreram mais sete; a carruagem de Espanha ficou em frangalhos e morreram os magníficos cavalos que valiam milhares de escudos. Ficaram na rua os sinais dêste fato, porque se viram as paredes e a rua cheias de sangue e sinais infinitos nas paredes, pedras e particularmente uma coluna de uma cantonata que ficou toda esbocelada pela tempestade das arcabuzadas. Na manhã seguinte vieram a cavalaria e os soldados do Papa a buscar o Embaixador de Portugal, e daquela estalagem o levaram à sua habitação na Praça d’ Agone.” (P. José de Castro, op. cit., I, 195).

55

MELLO, D. Francisco Manuel de – TACITO PORTUGUEZ, VIDA, E MORTE, DITTOS E FEYTOS DE EL-REI DOM JOÃO

IV, Rio de Janeiro, Academis Brasileira de Letras, 1940, pp. 207-209.

Page 26: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

26

(ANEXO II) - AINDA EM ROMA56

O Embaixador de Espanha deixou primeiro Roma – em 27 de agosto – com os cardeais Albornoz, de la Cueva e Montalto. Em seguida embarcou o bispo de Lamego em Livorno “e com poucos dias de viagem chegou a Lisboa, onde as suas ações foram aprovadas com o aplauso que mereciam, ainda que não tivesse logrado o intento da sua missão, porque o dito Embaixador a dispôs com prudência e valentia.” (P. José de Castro, op. cit., I, 197).

Quatro anos depois, outro agente português, o prior de Cedofeita Nicolau Monteiro, foi também em Roma assaltado à luz do dia, por castelhanos, quando saía da igreja de Nossa Senhora del Popolo. Escapou às balas dos sicários, pediu justiça a Inocêncio X (infenso aos Barberini), obteve de Sua Santidade que o conde de Sirvela, embaixador de Espanha, fôsse retirado da côrte pontifícia e ficou – resoluto e confiante. (Camilo, Luta de Gigantes, 5ª ed., p. 44).

56

MELLO, D. Francisco Manuel de – TACITO PORTUGUEZ, VIDA, E MORTE, DITTOS E FEYTOS DE EL-REI DOM JOÃO

IV, Rio de Janeiro, Academis Brasileira de Letras, 1940, pp. 209-210.

Page 27: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

27

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 28: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

28

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 29: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

29

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 30: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

30

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 31: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

31

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 32: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

32

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 33: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

33

ANEXO III - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

Page 34: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

34

ANEXO IV - RELAÇÃO DO SUCESSO QUE O EMBAIXADOR DE PORTUGAL TEVE EM ROMA 1642

(TRANSCRIÇÃO)

RELAÇÃO

DO SUCESSO

QUE O EMBAIXADOR

DE PORTUGAL TEVE EM

Roma com o Embaixador

De Castella

Conforme a copia que veyo de França

Nam he por certo cousa nova, que Roma se possa jactar de ser theatro de tudo quanto passa em a

melhor parte do mundo, porque como a antiga Roma fazia as novas, esta as diz e as autoriza, de

sorte que os grandes capitães podem dizer della, o que o grande Alexandre dizia de Athenas em

o meyo de suas batalhas: quanto trabalhamos, dizia elle, ó Athenienses, só é fim de que vós

falleis de nós? Esta consideração junta à do Ceo, donde esta cidade tem as chaves, foi sempre

tam reputada em o crédito de nossos avós que hũa de suas mais comuns máximas era que não

tinha falta de nada quem tinha de sua parte a Roma e o mar e a saber o Papa e as forças

maritimas.

Bem sabeis como el-Rey de Portugal fez, ha pouco tempo, sair de seus portos hũa poderosa

armada para intentar hũa destas cousas, e se não descuidou em pôr por ordem a execução da

outra, mandando a Roma Dom Miguel de Portugal, Bispo de Lamego, seu Embaixador

extraordinário, para dar obediencia devida à Sancta Sé Apostolica. Cada hum sabe tambem o

cabedal que a Casa de Áustria tem metido em Roma para desviar esta embaixada, até chegar

ameaçar o Consistório, em caso que o dito Embaixador fosse admitido a audiencia de Sua

Santidade, impondo a condição de o despedirem afrontosamente, a todos tratavão com o Papa e

os cardeais novos.

Mas o amparo que el-Rey de Portugal achou em S. Magestade Christianissima, asi pello

Marquês de Fontenê, seu Embaixador em Roma, como pello esplendor de suas acções, foy tal

que deixou frustados todos os intentos e opposições dos inimigos. E havendo esta empresa tam

poderosa feito perder, aos Castelhanos, toda a esperança de poder ter o Consistório de sua parte,

tratarão de se vingar por qualquer via que fosse, resolvendo-se a levarem de Roma o dito

Embaixador, ou de o matarem, presupondo que em hũa causa desesperada, como a sua, e que

Page 35: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

35

elles tinhão já perdido por muitas sentenças, convinha somente ganhar tempo, o qual se passaria

de necessidade entre a ausencia ou a morte do dito Embaixador e a ida de outro. He verdade que

elles hão mostrado o desejar mais ardentemente a primeira, ou porque tinha menos de crueldade,

ou porque esperavão de ficar della com melhor partido e do conhecimento dos designios d’el-

Rey de Portugal, mas achando-a mais difficultosa que a ultima, elles se deliberarão nella.

Para a execução de tam pernicioso designio, depois de haver buscado inutilmente muitos

caminhos em secreto, o Marquês de los Velez, Embaixador de Castella, irritado dos remoques

que os de sua parte lhe lançavão, de se aver no negócio muy froxamente e com pouco respeito a

huma empresa de tanta importancia aos respeitos de seu Senhor, se resolveo de o fazer por força

descubertamente. E de feito, aos 23 de Agosto, indo o Embaixador de Portugal visitar ao

Marquês de Fontenè, despois de averem estado juntos algum tempo, duas pessoas dignas de fé,

lh[e] forão dizer que hum homem do Marquês de los Veles, Embaixador de Castella, avia

seguido a carroça do dito Embaixador de Portugal, até o ver entrar em sua casa, e que logo se

tornou a avisar ao de Castella. O Marquês de Fontenè não fazendo pouco conta deste aviso, e

havendo feito observar o que fazia o Embaixador de Castella, soube decerto que havia mandado

tomar armas a alguns amigos seus, aos de sua casa e aos soldados que tinha mandado vir de

Nápoles, havia hum mês, e vestido de suas librês, por meyo dos quaes elle se havia muitas vezes

jactado entre os de sua casa e confidentes, que havia fazer levar de Roma ao dito Embaixador de

Portugal, ou matar em qualquer lugar que o encontrasse. Soube tambem que com pretexto de ir

visitar o cardeal Roma, o dito Marquês de los Veles havia tomado o caminho que o Embaixador

de Portugal devia necessariamente tomar tornando para sua casa.

O Marquês de Fontenê julgando que alem do que lhe hia de sua honra em se opor à sacrilega

morte de hum Bispo, que se tratava fazer, e de seu interesse em impedir que não fosse agravada

hũa pessoa que se apartava delle, estava tambem obrigado em não desemparar em tam grande

perigo o Ministro de hum Principe alliado de França, e que era ido a Roma debaixo do favor e

protecção que sempre esperou de Sua Magestade Christianissima. Fez, para este effeito, tomar

armas a os que entam se acharaõ em sua casa, a alguns seus criados e outras pessoas que estavão

em sua antecamara, todos os quaes não excederão de trinta, com ordem de acompanharem a pé o

Embaixador de Portugal, que somente havia trazido duas carroças onde não podiam caber mais

mais que dez ou doze pessoas, e levava sós 4 lacayos, porquanto Sua Sanctidade lhe não havia

permitido poder levar mais, por evitar os tumultos que a cidade de Roma temia pellos encontros

destas duas partes de Portugal e de Castella, se se encontravão com grande companhia para se

poderem combater. Entrando, pois, o Embaixador de Portugal em sua carroça, com o Inquisidor

Page 36: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

36

Pantalião Rodrigues Pacheco e dous ou tres gentil-homens bem armados, sahio de casa do

Embaixador de França pellas quatro horas da tarde. O de Castella, que, avia muito tempo,

esperava em a Praça de Colonna as novas do que passava, tendo aviso, por hũa espia, que o dito

Embaixador de Portugal havia dado mostras de sair somente com seus lacayos, sem outra

alguma companhia, fez em continentem voltar a sua carroça pella Rua das Estuvas, próxima da

casa do Conde Espada; e estava quasi no outro cabo da rua que vai para S. Maria Invia, quando

os que acompanhavão o Embaixador de Portugal começarão a apparecer, e os quaes chegando-

se hum, da parte dos castelhanos, lhes disse que se desviassem que aquelle era o Senhor

Embaixador de Castella, mas elles, que o sabião bem, passarão avante. Então, o Embaixador de

Portugal, hia somente acompanhado de sua gente, vendo a boa continencia dos franceses que se

havião posto em ala na boca da rua, se deteve parado hum pouco, para visar o que se avia de

fazer. E logo havendo mandado a seu cocheiro que passasse avante, num dos seus atirou com

hũa pistola aos franceses, os quaes derão tambem logo sua carga, e, ainda que erão muito menos

em numero que os castelhanos, que erão mais de 100 deliberados e vindos já de proposito para

este effeito, comtudo, quando virão aparecer os alentados do Embaixador de Castella cubertos

com suas rodellas, as pistolas, e espadas na mão, os franceses lhe sairão ao encontro com tanta

resolução que, apezar de toda a resistencia dos Castelhanos, chegarão à carroça do Embaixador

de Castella e o obrigarão a desempará-la, por se retirar, como fez, a pé, com o cardeal Albornoz

e parte dos seus, que logo forão seguidos dos demais, deixando sete ou oito dos seus mortos no

campo, e entre elles hum capitão que era expressamente vindo para cortar a cabeça do

Embaixador de Portugal, e forão outros muitos feridos; da parte dos franceses ficarão mortos

hum gentil-homem portugues e dous lacayos, e ferido um page do Embaixador de França, o qual

morreo ao outro dia, e tres mais, que estão fora de perigo; e vendo os franceses e os portugueses

que não podião fazer passar a carroça do Embaixador de Portugal por esta rua, que estava

embaraçada com a do Embaixador de Castella, da qual havião sido mortos dous cavallos, a

fizerão tornar para o Embaixador de França, e depois forão buscar ao Embaixador de Portugal, o

qual havendo-se posto a pé para se melhor defender, o obrigarão os seus a se retirar daly a casa

de hum gentil-homem, donde o tornarão levar a casa do Marquês de Fontenè. E depois de haver

nella estado sinco ou seis horas, o levarão à sua, tendo com ajuda do Embaixador de França

conservado sua vida e salvo a reputação de seu senhor, ficando os castelhanos afrontados e

confusos de haverem querido fazer hũa acção tão malvada sem della tirar algum proveito. O

Papa lhe deu duas companhias para evitar semelhantes accidentes. O Embaixador de Castella

(muy pouco satisfeito de sy mesmo, por haver dado cousa a não o estar ninguem delle) se quis

Page 37: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

37

depois disto retirar a Napoles, mas Sua Santidade lho não quis permitr, antes mandou pôr

guardas ao redor de sua casa para lho impedir, até que desse refens e fianças para a segurança

dos Nuncios que estão em Castella e em a cidade de Napoles. Desde então não há quem não se

ponha contra Castella, vendo hum caso tam abominavel e emfim cometido de dia, em Roma,

contra hum Bispo e hum Embaixador, que he o mesmo que contra o direito divino e humano.

EM LISBOA

Com todas as licenças necessarias

E Privillegio Real

Na Officina de Lourenço de Anvers. Anno 1642.

Taixão esta Relação em quatro reis. Lisboa 5 de Dezembro de 1641.

Cesar Pinheiro

Page 38: A Embaixada a Roma de D. Miguel de Portugal-Revisitação de algumas fontes

38

BIBLIOGRAFIA

ADEMOLLO, Alessandro – La questione della indipendenza portoghese a Roma dal 1640 al 1670,

Firenze, Tipografia della Gazzetta d’Italia, 1878. Giacinto Gigli e i suoi Diari del Secolo XVII, Firenze,

Tipografia della Gazzetta d’Italia, 1877.

BASTIAANSE, A. – TEODORO AMEYDEN (1586-1656) UN NEERLANDESE ALLA CORTE DI ROMA,

Staatsdrukkerij . ‘S-Gravenhage, 1967.

BRASÃO, Eduardo – Portugal e a Santa Sé, Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1976. Idem, A

Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, 2 vol., Lisboa, Editorial Resistência, SARL, 1979.

CASTRO, P.e José de – Portugal em Roma, Lisboa, União Gráfica S.A.R.L, Lisboa, 1929, 2 vol.

Corpo diplomático portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as

diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias / publicado de ordem da Academia

Real das Sciencias de Lisboa por Jayme Constantino de Freitas Moniz, Tomo XII, Lisboa, Typographia da

Academia Real das Sciencias, 1902.

INTERNET

“Quatro documentos originais e inéditos, tirados do Arquivo Secreto Vaticano e da Biblioteca

Apostólica, para servirem à história da Restauração da Independência Portuguesa, em 1640”, in O

Instituto: Jornal Scientifico e Litterario, p. 8. Texto retirado do seguinte URL:

https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v096/UCBG-A-24-

37a41_v096_item1/P11.html (última consulta em 2011-06-29).

Relação do sucesso que o embaixador de Portugal teve em Roma com o embaixador de Castella. Conforme a copia que veyo de Frãça, Lisboa, na officina de Lourenço de Anveres, 1642. (UC, Biblioteca Geral, Cota: V.T.-16-7-12.Endereço URL (última consulta em 2011-06-28): http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por/t?SEARCH=Rela%C3%A7%C3%A3o+do+sucesso+que+o+embaixador&sortdropdown=-&searchscope=17

SABATINI, Gaetano – La comunità portoghese a Roma nell’età dell’unione delle corone (1580-1640), p. 16.

(negritos e sublinhados nossos). O texto deste artigo pode ser recolhido no seguinte URL:

http://www.seacex.es/Spanish/Publicaciones/CONGRESO_ROMA_Y_ESPAÑA_VOL%20II/La%20comunit

à.pdf

Treccani.it, L’ Enciclopedia Italiana, Dizionario Biografico degli Italiani, AMEYDEN, Teodoro, di A.Bastiaanse.

URL: http://www.treccani.it/enciclopedia/ricerca/teodoro-ameyden/Dizionario_Biografico/ (última

consulta em 2011-06-29)