A Educação Prática do Pensamento (Rudolf Steiner).

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  • 7/24/2019 A Educao Prtica do Pensamento (Rudolf Steiner).

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    Rudolf Steiner

    A educao prtica doPENSAMENTO

    Aprender a pensar a partir da realidade

    Conferncia proferida em Karlsruhe (Alemanha), em 18 de janeiro de 1909

    Traduo de

    Octavio Jnglez de Souza

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    Sumrio

    Prefcio do tradutor 9

    A educao prtica do pensamento 13

    Nota bibliogrfica 38

    Prefcio do Tradutor

    Ao terminar esta traduo da conferncia sobre a educao prtica do pensamento, proferida em1909 pelo Dr. Rudolf Steiner, pareceram-me necessrias algumas palavras explicativas sobre amatria tratada; pois, como no posso deixar de fazer, suponho que o pblico brasileiro e portugusmuito pouco ou quase nada conhea da Antroposofia, qual se referem algumas passagens destaconferncia e que constitui o corpo de ensinamentos devidos ao Dr. Steiner.

    A Antroposofia, segundo o Dr. Steiner a definiu j quase no fim de sua carreira e de sua vida, acincia que conduz o esprito humano ao esprito csmico, fazendo com que o espiritual ou supra-

    sensvel existente no homem possa penetrar e compreender o esprito ou o suprafsico que est nabase do Universo.Os primeiros passos desta Cincia do Esprito deviam consistir na reconstruo de rgos supra-

    sensveis, no despertar de faculdades latentes na alma e no esprito do homem por uma disciplinaespecial do pensamento, do sentimento e da vontade, e no conhecimento supra-sensvel do mundo, dahumanidade e do homem.

    A esse primeiro perodo pertencem as obras do Dr. Steiner que estudam a formao e oaperfeioamento de rgos e faculdades de viso suprafsica, apropriados observao dosfenmenos inacessveis aos sentidos fsicos. Essas obras narram ou explicam certos acontecimentosque s podem ser compreendidos com o entendimento desses fenmenos supra-sensveis. Dentre elas,as principais so: O conhecimento dos mundos superiores, Teosofia, A cincia oculta, O limiar domundo espiritual e A direo espiritual do homem e da humanidade.

    Algumas noes, das mais simples, so indispensveis para se compreender a fundo este pequenotratado da prtica do pensamento - escrito com grande clareza mas, por outro lado, com muitapreciso. O Dr. Rudolf Steiner havia publicado boa parte de seu ensinamento quando proferiu estaconferncia. Da a necessidade de, agora, fazer preceder sua traduo de alguns brevesesclarecimentos. Essas noes indispensveis, porm simples e compreensveis, so as seguintes:

    O organismo humano no existe apenas para o mundo fsico, para o mundo que podemos ver comos olhos ou perceber de qualquer modo com os sentidos fsicos. A parte da organizao humanaacessvel ao conhecimento sensorial, anloga, por assim dizer, ao mundo mineral, o quedenominamos corpo fsico. Alm destes fenmenos acessveis aos sentidos prprios do corpo fsico,outros nos so familiares, como os de crescimento, assimilao e excreo, reproduo, etc., que ossentidos no apreendem imediatamente e que no so menos reais que os outros.

    O reino vegetal tambm apresenta, alm dos fenmenos fsicos que manifesta em comum com oreino mineral, outros como os de crescimento, assimilao, reproduo, etc., que se passam num

    mundo superior ao dos sentidos. A este mundo suprafsico, sede de tais fenmenos, prprios tanto doreino vegetal como dos reinos humano e animal, denomina-se mundo das foras formativas oumundo etrco. E claro que esta denominao nada tem em comum com o chamado ter, peculiar acertas hipteses da Fsica moderna.

    O organismo adequado para viver nesse mundo etrico, imediatamente acima do mundo fsico damatria, denomina-se corpo etrico. Possui corpo etrico tanto a planta como o animal e o homem,pois a todos estes seres comum o conjunto de propriedades supra-sensveis representadas porcrescimento, assimilao, reproduo, etc., conjunto geralmente denominado vida, ausente nomineral.

    Entre esses seres que manifestam a vida assim compreendida, alguns- os vegetais - no possuem afaculdade de sentir, da qual so dotados os homens e os animais. As emoes, os afetos, asensibilidade, as paixes, os instintos, constituem um mundo diverso do etrico, superior a este - to

    real quanto o fsico, mas acessvel apenas aos nossos rgos supra-sensveis. A esse mundo supra-sensvel se d, na Cincia Espiritual, o nome de mundo astral. Tal denominao s pode ser

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    perfeitamente compreendida em graus mais avanados dos estudos antroposficos, quando se vem aconhecer as relaes ocultas entre a Terra e os astros. Para agir e perceber nesse mundo anmico, ohomem - e, em comum com ele, o animal - possui um corpo ou veculo que a sede de seus instintos,sentimentos e paixes, denominado corpo astral.

    Outros fenmenos observveis em nosso ambiente, como a conscincia, a linguagem, a faculdadede contrapor-se ao mundo exterior com um mundo interior prprio - caracterizando a individualidade

    num de seus aspectos essenciais - formam um outro mundo situado acima do fsico, do etrico e doastral e ao qual pertence, dentre todos os seres fsicos, apenas o homem. E com seu eu, com o maisntimo e o mais particular do seu ser, que o homem toma parte nesse mundo. Ele compreende talparticipao e reconhece o veculo que isto lhe faculta quando diz de si mesmo eu no isolamento dameditao ou ao aprofundar-se em si nos primeiros passos do autoconhecimento. Esse veculo ocorpo do eu ou corpo mental, sede de sua autoconscincia, que s o homem, dentre os seresterrestres, possui no mundo fsico. Aprofundar o conhecimento desse veculo e do mundo que lhecorresponde um dos muitos objetivos da Antroposofia. O presente estudo um dos captulos emque se aprende a conhecer a atividade do pensamento, que a mais prpria do homem e lhe permiteiniciar o estudo e a viso dos mundos supra-sensveis.

    A pequena obra que se vai ler dar uma idia do valor mental e prtico da Antroposofia. Seriamanifesto engano a suposio de que a Cincia Espiritual Antroposfica seja apenas doutrinria, ou

    que constitua um corpo de abstraes e teorias. Ao contrrio, a fecunda concepo de Rudolf Steinerdemonstra sua realidade objetiva e concreta nos pormenores mais comezinhos da vida cotidiana. E foicom profunda razo e com a mais absoluta verdade que o Dr. Steiner escreveu certa vez as seguintespalavras:

    Nem todos podem tornar-se clarividentes de um momento para outro, mas o saber dosclarividentes verdadeiro alimento sadio e robusto para todas as almas. Todos podemaplic-lo na vida. Quem o fizer ver o quanto a vida se enriquece com ele, e o quanto setorna pobre sem ele. Os conhecimentos dos mundos supra-sensveis, quando aplicadoscorretamente vida humana, mostram-se no abstratos ou inteis, mas eminentementeprticos no mais alto sentido da palavra.

    Que este pequeno trabalho sobre a cultura prtica do pensamento possa dar, a quem o leia,medite, releia e assimile, a fora mental capaz de abrir-lhe as portas da Antroposofia e coloc-lo emcontato com a obra maravilhosa de Rudolf Steiner, o que deseja

    o Tradutor.

    A educao prtica do pensamento

    Poder parecer singular que justamente a Antroposofia venha falar publicamente da educaoprtica do pensamento. Para quem no a conhece, a Antroposofia no absolutamente prtica e nada

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    tem em comum com a vida real. Esta opinio, porm, s a pode manter quem observa as coisassuperficialmente e sem conhecimento de causa.

    A verdade, no entanto, que o presente estudo pode e deve servir de fio condutor para aexistncia cotidiana, para a vida terra-a-terra, sendo que tais conhecimentos assim adquiridospodem transformar-se a qualquer momento em sentimentos e impresses impresses e sentimentosque nos tornem, na vida, mais slidos e fortes.

    Quem se considera prtico imagina estar agindo conforme os princpios mais prticos.Observando de perto, verificaremos que o pensamento considerado prtico nem sequer pensamento um simples jogo automtico de julgamentos rotineiros e hbitos mentais. Considerando com amais absoluta objetividade o que se chama habitualmente de esprito prtico, veremos que opensamento desses prticos no vai alm das lies que eles aprenderam, consistindo em pensarcomo pensava o professor ou como pensava quem inventou este ou aquele objeto enfim, em tirar asconcluses que lhes ensinaram a tirar. Quem pensa de modo diverso passa por no-prtico, porqueseu pensamento no coincide com as opinies estabelecidas.

    Tendo sido um dia, entretanto, descoberta alguma coisa de realmente prtico, acaba-se por verque no foi propriamente um prtico quem a descobriu. Tomem-se como exemplo nossos atuaisselos do correio. Seria muito natural supor que tivessem sido, evidentemente, inventados por algumespecialista da administrao postal. Mas no foi assim. No princpio do sculo passado, enviar uma

    carta era coisa complicadssima. Era necessrio ir a uma sala especial, onde se escrituravam vrioslivros, e a submeter-se a toda sorte de formalidades. Faz apenas uns sessenta anos que as cartascomearam a ser seladas como o so hoje. E os selos foram inventados no por algum consideradoprtico no servio postal, mas por um ingls de nome Hill, que nada tinha a ver com o correio. E aoserem assim inventados, o Ministro dos Correios disse no parlamento ingls: Primeiramente, no sepode admitir que com esta simplificao o trfego aumente tanto como, por falta de prtica,imagina esse sr. Hill; em segundo lugar, supondo-se que isso acontecesse, o edifcio dos Correios emLondres seria insuficiente para esse trfego.

    A esse homem to prtico no passou pela cabea que no era o trfego das cartas que deviaacomodar-se ao tamanho do edifcio dos Correios, mas este que devia corresponder ao trfego.Ento aconteceu que, numa luta rapidssima, a vitria coube ao homem sem prtica, que assimderrotou o grandeprtico e hoje em dia todos acham naturalssimo as cartas serem franqueadaspor meio de selos.

    Anlogo o caso das estradas de ferro. Quando, em 1837, se pensou em construir a primeira viafrrea entre Furth e Nuremberg, o Colgio Bvaro de Medicina, consultado, declarou no seraconselhvel a construo de estradas de ferro; se, apesar de tudo, acabassem por constru-las,deveriam ao menos edificar uma alta muralha de cada lado da linha, a fim de evitar aos transeuntes osofrimento de abalos nervosos e cerebrais.

    Quando estavam para construir a linha Postdam-Berlim, o sr. Stengler, administrador geral dosCorreios, disse: Fao viajar diariamente para Postdam duas diligncias postais, que no vo cheias.Quem quiser jogar dinheiro pela janela, que o faa ento.

    As concretas realidades da vida ultrapassam e sobrepujam os que se crem homens prticos.E preciso distinguir o verdadeiro pensamento daquilo que se chama esprito prtico; este no

    passa de um julgamento resultante de hbitos mentais.Contarei agora uma pequena experincia que se passou comigo, e que servir de introduo ao

    presente estudo:Em meu tempo de estudante, veio ver-me certa vez um jovem colega, cheio daquela alegria quese observa entre pessoas inspiradas por idias engenhosas, e disse-me: Vou procurar o professor X que ento ensinava Mecnica numa escola superior , pois fiz uma grande descoberta. Descobrique, com uma pequena energia de vapor, transformada de modo conveniente, posso obter umaenorme energia por meio de uma s mquina. Mas no podia dizer-me, pois tinha muita pressa de irfalar ao professor. No o tendo encontrado, voltou e explicou-me a questo com todos os pormenores.Desde logo eu suspeitara tratar-se de algo anlogo ao moto perptuo. Mas afinal, por que isso nopoderia ser, um belo dia, possvel de algum modo? Depois que ele me explicou tudo, achei que deviadizer-lhe: Sim, certamente tua descoberta revela um esprito perspicaz, mas do ponto de vistaprtico como se algum subisse num vago de trem e o empurrasse do lado de dentro com imensovigor, acreditando p-lo em movimento. E neste princpio mental que se baseia tua inveno. Entoele concordou comigo e no voltou mais ao professor.

    E desse modo que algum pode, por assim dizer, incrustar-se no prprio pensamento. Raros soos casos em que essa incrustao se evidencia. Muitos homens se incrustam na vida com seu

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    pensamento, sem o revelar de maneira to palpvel como no exemplo que citamos. Quem podepenetrar mais intimamente na realidade das coisas sabe como so numerosas as operaes mentaisdessa natureza verdadeiras incrustaes inconscientes: os homens se lhe afiguram como seestivessem num vago e o empurrassem do lado de dentro, na iluso de serem eles os autores domovimento.

    Muito do que acontece na vida aconteceria de modo diverso se tanta gente no acreditasse que

    possvel mover um carro empurrando-o com bastante vigor do lado de dentro. A verdadeira prticado pensamento exige e pressupe que se encare a atividade mental com critrio e sentimentosadequados. Como adquirir, neste sentido, uma justa e apropriada atitude mental?

    Quem se convenceu de que o pensamento apenas se passa no interior do homem, na cabea ou naalma, no ter sobre o pensamento um modo adequado e objetivo de sentir. Essa convico errneacria obstculos para uma correta prtica mental, no deixando que o pensamento estipule claramenteas exigncias indispensveis sua prpria atividade. A sensibilidade correta com relao aopensamento consiste na seguinte reflexo: Se podemos formar pensamentos sobre as coisas e assimconhec-las, preciso que os pensamentos preexistam nas coisas. As coisas devem ter sidoconstrudas conforme pensamentos. E somente por isso que podemos extrair os pensamentos dascoisas.

    Devemos imaginar a realidade exterior do Universo como o mecanismo de um relgio. Tem-se

    feito largo uso desta comparao, mas com ela se esquece freqentemente a existncia de umrelojoeiro. Deve-se ver claramente que as rodas e as molas no se combinam por si mesmas paraconstituir o relgio e faz-lo trabalhar. Houve necessariamente, antes do relgio, um relojoeiro que ofez. No nos esqueamos deste relojoeiro. Seus pensamentos se materializaram no relgio por assimdizer, se derramaram nele.

    E deste modo que devemos pensar sobre todas as obras da natureza, sobre todos os processosnaturais. Quando se trata de atividade humana, essa verdade evidente por si. Nos fenmenosnaturais, porm, ela no se deixa facilmente perceber, embora a tambm operem certas atividadesde ordem supra-sensvel, provenientes de entidades espirituais.

    Quando algum pensa nas coisas do mundo, sua atividade mental se exerce simplesmente sobre opensamento que foi posto anteriormente nas coisas. A crena de que o mundo foi criado pela fora dopensamento, e pela fora do pensamento se mantm, a primeira condio para tornar fecunda aatividade pensante interior.

    sempre a descrena na atividade espiritual do mundo que acarreta ao prprio terreno cientficoas piores aberraes do pensamento. Por exemplo, quando algum diz: Nosso sistema planetrioformou-se graas a uma nebulosa primitiva que, animada por movimento de rotao, se condensounum astro central; deste se destacaram trs anis e esferas, a assim se constituiu mecanicamentetodo o sistema planetrio comete, dizendo isso, um grave erro de pensamento. Hoje em dia sefazem belas demonstraes desse sistema, e nas escolas se exibe a experincia que consiste emderramar num copo dgua uma gota de leo e introduzir uma agulha no meio da gota para produzirum movimento de rotao. Pequenas gotas se pem a gravitar em torno da gota central, e acredita-seter demonstrado aos alunos, com essa pretensa miniatura do sistema planetrio, como se podeimaginar mecanicamente sua origem.

    E uma aberrao do pensamento que leva a tirar tais concluses deste experimento. Ora, ooperador que assim transporta sua experincia de laboratrio ao sistema do mundo esquece-se de

    algo que seria muito bom esquecer em outras ocasies: esquece-se de si mesmo. Esquece-se de tersido ele quem ps a gota em rotao. Se no tivesse intervindo, as gotinhas nunca se teriamdestacado da gota central. Se isto for levado em conta, se o observador completar assim suaobservao e a generalizar para o sistema planetrio, ento seu pensamento se tornar completo.

    Tais erros de pensamento representam hoje em dia, sobretudo no que se denomina atualmentecincia, um papel de suma importncia. Estas coisas deveriam merecer muito maior considerao doque se imagina.

    Quem deseja falar sobre a verdadeira prtica do pensamento deve saber que pensamentos spodem ser extrados de um mundo que realmente os contenha. Assim como s se pode tirar gua deum copo se este a contiver, s se pode extrair pensamento de objetos se estes o contiverempreviamente. O mundo construdo segundo pensamentos, e s por isso possvel extra-los dele. Seno fosse assim, no existiria a possibilidade de pensar. Quem se convence do que acabamos de dizerultrapassa facilmente o domnio das idias abstratas. Quem confiar plenamente na verdade de queatrs das coisas residem pensamentos se converter, prontamente, a uma prtica mental edificadasobre a realidade objetiva das coisas.

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    Estabeleamos agora alguns aspectos da prtica do pensar, de especial importncia para os quese firmam em bases antroposficas. Quem se compenetra de que o mundo dos fenmenos decorre empensamentos compreende a importncia da disciplina correta do pensar.

    Suponhamos agora que se queira fortificar fecundamente o pensamento, de modo a t-lo sempreorientado em todas as circunstncias da vida: ser ento necessrio atender s regras que seguem,interpretando-as de modo a consider-las verdadeiros princpios prticos. Quando se orienta

    obstinadamente por eles o prprio modo de pensar, esses princpios tornam realmente prticos ospensamentos, embora primeira vista no parea assim. Alis, outras experincias, de naturezasuperior, viro enriquecer o pensamento se tais princpios forem praticados.

    Suponhamos que se faa a experincia seguinte:Certo dia se observa um fenmeno do Universo perfeitamente acessvel, isto , que possa ser

    observado completamente por exemplo, a aparncia do cu. Observa-se a configurao das nuvens,a maneira como o sol desapareceu no poente, etc. Faz-se ento a imagem mental to perfeita quantopossvel do que se observou. Tenta-se conservar esta imagem o mais possvel com todos os seuspormenores, fazendo um esforo para mant-la fielmente, com toda a sua nitidez, at o dia seguinte.No dia seguinte torna-se a observar, mais ou menos mesma hora, ou mesmo em hora diferente, otempo e a aparncia do cu, repetindo-se o esforo para formar uma imagem completa dasobservaes feitas.

    Formando desse modo claras imagens mentais de aspectos sucessivos, perceberemos nitidamenteque o pensamento se enriquece e se torna interiormente intenso, pois o que produz a ineficcia dopensamento , em geral, a inclinao muito forte para se deixarem de lado os pormenores nosfenmenos sucessivos, guardando-se mentalmente apenas representaes vagas e confusas. O que essencial e precioso para algum tornar fecundo o pensamento formar imagens exatas dosfenmenos sucessivos, dizendo ento consigo: ontem as coisas eram assim, hoje so de outro modo. Asduas imagens, correspondentes a fenmenos distintos do mundo real, devem ressurgir perante oesprito com a maior nitidez, semelhana de quadros.

    Em tudo isso, primeiramente, nada mais h do que uma especial expresso da confiana nopensamento csmico. O homem no deve tirar imediatamente esta ou aquela concluso, nem quererdeduzir, das observaes de hoje, o tempo e a aparncia do cu de amanh. Isto corromperia seupensamento. Deve-se ter a confiana em que, na realidade exterior, as coisas se encadeiam e osfenmenos de amanh esto relacionados com os fenmenos de hoje.

    Sobre isto no se deve especular, mas elaborar o mais exatamente possvel imagensrepresentativas dos fenmenos que se sucedem no tempo, refletir sobre eles e depois fazer com queessas imagens persistam lado a lado, at que uma se transforme na outra. Este um princpio bemdefinido, uma lei fundamental do pensamento, devendo segui-la todos os que querem desenvolver ummodo realmente objetivo de pensar. E til aplic-lo especialmente s coisas que ainda nocompreendemos, em cuja coeso interna ainda no conseguimos penetrar. Por isso, justamente comrelao aos acontecimentos ainda incompreensveis (como, por exemplo, os fenmenosmeteorolgicos) necessrio ter a confiana de que tais acontecimentos, interligados interiormentepor correspondncia, criam correspondncias interiores em ns. E isto deve dar-se somente emimagens, com absteno do pensamento. A pessoa deve dizer consigo: Ainda no sei qual o nexontimo das coisas, mas eu as deixarei desenvolver-se em mim e, se me abstiver de especular, elas hode agir em mim de algum modo. Compreende-se que, ao se evocarem intimamente as mais precisas

    imagens de acontecimentos sucessivos, com absteno de pensamento prprio, alguma coisa se passanos organismos invisveis do ser humano.A vida das representaes tem por sede o corpo astral. Enquanto o homem se entrega a

    especulaes, esse corpo astral o escravo do eu; nessa atividade, contudo, no pode desenvolver-se, pois tambm se acha numa certa relao de dependncia para com o Cosmo inteiro.

    Ora, na mesma proporo e medida em que nos abstemos de especulaes arbitrrias,concentrando-nos unicamente nas imagens de fenmenos sucessivos, os pensamentos csmicos agemem ns e se inscrevem em nosso corpo astral, sem que tenhamos conscincia disso.

    A medida que, pela observao objetiva, nos conformamos com a marcha dos fenmenoscsmicos, acolhendo, sem perturb-las, as imagens percebidas e deixando-as agir em ns,gradualmente nos tornamos mais inteligentes nos componentes de nosso ser que se acham fora denossa conscincia.

    Se pudermos conseguir que, no caso de fenmenos intimamente interligados, uma imagem venha atransformar-se na outra, no fim de algum tempo veremos ento que nosso pensamento adquire umaespcie de elasticidade.

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    Assim devemos proceder relativamente s coisas que ainda no compreendemos. Porm comrelao quelas que compreendemos como, por exemplo os acontecimentos cotidianos de nossoambiente , devemos comportar-nos de modo diverso.

    Tomemos como exemplo um fato trivial: algum, talvez nosso vizinho, agiu deste ou daquelemodo. Reflitamos sobre o fato, ponderando as razes ou os motivos que o teriam feito agir, e su-ponhamos que assim haja feito para preparar qualquer outra ao para o dia seguinte. Nada mais

    digamos no momento. Representemos mentalmente e de modo claro o que ele fez, tentemos imaginarpreviamente o que far depois e aguardemos o que ir realmente acontecer. Pode ser que ele faa defato o que havamos pressuposto; pode ser que as coisas se passem de modo diverso. Quando nosacharmos na presena real dos acontecimentos, tentaremos corrigir e melhorar por meio deles nossospensamentos anteriores.

    Deste modo procuramos, no presente, acontecimentos que acompanhamos mentalmente emdireo ao futuro, aguardando ento o que ir ocorrer. Podemos proceder assim tanto com relaoaos atos humanos quanto a outras coisas. Sempre que compreendermos um fato, faamos uma imagemdo que ser, em nossa opinio, sua conseqncia. Aconteceu o que espervamos? Ento muito bem eracorreto nosso pensamento. Se o acontecimento diverso do que espervamos, reflitamos sobre ondenos enganamos, esforcemo-nos por corrigir os pensamentos anteriores e, tranqilamente, pelo estudoe pela observao, pesquisemos a origem e a natureza do erro.

    Quando acertarmos, evitemos com a maior cautela ufanar-nos de nossas profecias, noexclamando: Ah, eu j sabia o que ia acontecer.Eis a um novo princpio decorrente da confiana que se deve ter no necessrio encadeamento dos

    fenmenos: nos prprios fatos existe algo que impele as coisas adiante. As foras que assimtrabalham interiormente, de um dia para outro, so foras de pensamento. Por esses e outrosexerccios apropriados, elas se tornam presentes em nossa conscincia. Quando se realiza o quehavamos pressuposto, por nos acharmos em harmonia com elas e ficarmos em ntima conexo com areal atividade interior dessas foras de pensamento.

    Deste modo nos habituamos a pensar no arbitrariamente, mas em conformidade com anecessidade interna do mundo exterior.

    Podemos tambm exercer a atividade prtica do pensamento em outra direo. Todoacontecimento de hoje se relaciona com o de ontem. Suponhamos, por exemplo, que uma criana sehaja comportado mal. Quais sero as causas? Acompanhemos os acontecimentos de trs para diante,isto , de hoje para ontem. Imaginemos, por hiptese, as causas que ainda no conhecemos, dizendo:Se isto est acontecendo hoje, porque foi preparado algum acontecimento anterior.

    Procurando indagar o que realmente se passou, apuramos finalmente se tudo foi bem ou malpensado. Se a verdadeira causa foi prevista, est tudo bem; se nossa hiptese, porm, no serealizou, ento nos cabe esforar-nos por esclarecer o erro, comparando o desenvolvimento de nossaassociao de idias com a maneira como os fatos realmente se passaram.

    Para realizarmos estes princpios, o essencial termos realmente tempo para considerar as coisassob este aspecto: portando-nos como se estivssemos dentro das coisas com nosso pensamento emergulhssernos na atividade interna dos fenmenos, no pensamento ntimo dos fenmenos. Assimfazendo, observamos gradualmente que nos incorporamos s coisas, deixando de ter a impresso deque as coisas esto l fora e ns, alheios a elas, refletimos a seu respeito. Ao contrrio, sentiremosque nosso pensamento adquire dentro das coisas uma certa mobilidade. Quando se alcana essa

    faculdade em grau superior, muita coisa se esclarece. Um homem que adquiriu essa faculdade nomais alto grau, um pensador que assim vivia com seu pensamento no interior dos fenmenos, foiGoethe. O psiclogo Heinroth escreveu em 1826, em sua obra Antropologia, que o pensamento deGoethe era um pensamento objetivo. O prprio Goethe apreciou vivamente esta definio,significando que um pensamento assim elaborado no se separa das coisas permanece no interiordos objetos, move-se dentro da necessidade da natureza exterior.

    O pensamento de Goethe era simultaneamente percepo, e sua percepo era ao mesmo tempopensamento.

    Goethe foi muito longe com essa evoluo de seu pensamento. Aconteceu-lhe mais de uma vez,tendo projetado qualquer passeio, chegar janela e dizer aos presentes: Em trs horas chover. Eassim acontecia. Ele podia, do pequeno fragmento do cu que via da janela, predizer o que se iapassar da a horas no estado climtico. Seu pensamento, fiel natureza ntima das coisas, permitia-lhe perceber no fenmeno observado a preparao do fenmeno no futuro.

    Realmente, com esta prtica de pensamento pode-se alcanar muito mais do que se imagina.Quando se seguem os princpios aqui enunciados, v-se que o pensamento se torna de fato prtico, a

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    perspectiva se alarga e o mundo se apresenta mais inteligvel. Gradualmente, a atitude do homemfrente s coisas e os homens de seu ambiente se modifica de maneira radical. Realizase nele umaverdadeira transformao interior, que o torna outro homem. E ser sempre de imensa importnciaque o pensamento consiga entrar assim em comunho com o mundo exterior, pois em suma, no maisalto sentido, tais exerccios constituem princpios ernnentemente prticos para a vida dopensamento.

    Existe um outro exerccio especialmente adequado s pessoas que habitualmente no encontram,no momento oportuno, a idia apropriada.

    As pessoas que se acham nesse caso devem, antes de tudo, esforar-se por no deixar opensamento ser dominado a todo instante pelas impresses que lhes traz a marcha dosacontecimentos do mundo exterior. O que acontece na maioria dos casos que essas pessoas, aoconseguir meia hora de descanso, deixam correr de um lado para outro os pensamentos, que tecemmil impresses arbitrrias em mil direes imprevistas. Ou ento se ocupam de algum aborrecimentoda existncia. Este aborrecimento se insinua na conscincia e a tiraniza sem cessar. Quem segue talcaminho nunca achar, no momento necessrio, o alvitre oportuno. Para adquirir esta faculdade, terde agir do seguinte modo: quando tiver ao seu dispor meia hora de repouso, dever escolher porvontade prpria o assunto de seu pensamento, que ento introduzir deliberadamente na conscincia.Por sua livre iniciativa refletir, por exemplo, sobre qualquer experincia pessoal de seu passado,

    podendo escolher, digamos, um passeio que fez dois anos antes. Aquele estado dalma de dois anosatrs reviver deliberada e espontaneamente em seu pensamento de hoje. Durante algum tempo,ainda que somente por cinco nunutos, refletir exclusivamente sobre isso. Tudo o mais devedesaparecer durante esses cinco minutos, e ele deve poder afirmar a si prprio: Quem escolhe meupensamento sou eu.

    Como acabo de dizer, a escolha do pensamento no precisa ser assim to dificil. O essencial no agir por meio de exerccios complicados sobre a marcha das idias, mas libertar-se mentalmente doautomatismo que caracteriza a vida cotidiana de modo que, durante a meditao, o pensamento sedistinga do tecido de impresses com que nos envolve o curso habitual da existncia. Quando nosfaltar a inspirao, quando outro alvitre no nos acudir, poderemos recorrer a um livro qualqueraberto ao acaso, leremos as primeiras linhas com que nos depararmos e refletiremos sobre elas.Pode-se tambm escolher como objeto de meditao algo visto em certo momento como, porexemplo, quando se ia entrando no escritrio pela manh, sendo to pouco importante que no seteria reparado nele seno pelo propsito deliberado de record-lo. O assunto deve distinguir-se dasocorrncias de todos os dias, deve ser alguma coisa sobre a qual no se teria refletido no cursohabitual das impresses.

    Praticando-se sistematicamente tais exerccios, repetindo-os freqentemente, chegar omomento em que se revela no homem a faculdade de achar o alvitre necessrio e oportuno nasocasies decisivas. O pensamento assim cultivado torna-se elstico e flexvel, o que de enormeimportncia na vida prtica.

    H um outro exerccio especialmente apropriado para agir sobre a memria. Inicialmente faz-seum esforo no sentido de obter a recordao de um acontecimento da vspera, pelo mesmo mtodocorrente, um tanto grosseiro, com que se evocam as recordaes comuns. Habitualmente, essasrecordaes so vagas e indistintas. Ao encontrar algum, contentamo-nos em memorizar seu nome;contudo no devemos contentar-nos com isto se quisermos aperfeioar nossa memria.

    Compreendendo bem este ponto, esforcemo-nos em precisar claramente o que desejamosrecordar, dizendo, por exemplo: Quero recordar-me com preciso do homem que vi ontem, daesquina em que o avistei, de tudo o que estava em torno dele; quero fazer um quadro de tudo o quevi: seu casaco, seu colete, sua atitude, etc. Ento se ver, na maioria dos casos, que essa evocaocompleta impossvel. A grande maioria dos homens ter de reconhecer o quanto lhes defeituosa eimprecisa a representao mental, isto , a reconstituio concreta, por meio de imagens, do quetenham visto e experimentado na vspera.

    Tomemos como ponto de partida esses casos, to numerosos, em que nem mesmo osacontecimentos da vspera se consegue recordar com toda a nitidez. A observao humana , defato, quase sempre informe e vaga. Um professor de universidade fez, certa ocasio, umaexperincia com seu auditrio, a qual veio demonstrar que, dentre trinta pessoas presentes, 28fizeram observaes errneas. Somente duas acertaram. Ora, uma boa memria filha de umaobservao fiel. O progresso da memria depende da preciso e da nitidez do modo de observar.Pela fidelidade da observao consegue-se obter uma boa memria. A transformao que se opera naalma faz com que da boa observao venha a nascer tinia memria fiel.

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    O que devemos fazer, pois, quando reconhecemos nossa incapacidade para recordar-noscompletamente do que percebemos na vspera?

    Primeiramente, devemos esforar-nos em obter essa recordao o mais perfeitamente possvel.Quando no for vivel essa perfeio, imaginemos deliberadamente algo falso, mas que constitua umtodo completo e acabado. Suponhamos termos esquecido absolutamente se a pessoa encontrada porns vestia uma roupa preta ou parda. Imaginemos ento que a roupa fosse parda, sendo pardas as

    calas, os botes do colete desta ou daquela cor, a gravata amarela... e, depois, evoquemos oambiente em torno: a parede era amarela, esquerda passava nesse momento um homem muito alto, direita um de estatura baixa e assim por diante.

    Os pormenores de que realmente nos lembramos devem ser incorporados ao quadro evocado, maso que no conseguimos recordar ser completado arbitrariamente, com o nico fim de compor emesprito uma imagem integral. A imagem assim obtida evidentemente falsa, mas em virtude doesforo feito para complet-la seremos levados, no futuro, a observar com maior exatido. Taisexerccios devem prosseguir com perseverana. Cinqenta vezes seguidas talvez no dem resultadosatisfatrio, mas na vez seguinte conseguiremos recordar nitidamente o aspecto e o modo de vestir dohomem que encontramos na vspera. Tornaremos a ver em pensamento todos os pormenores, atmesmo os botes do colete. Nada nos escapar, e todas as particularidades se inscrevero em ns.

    Assim, com tais exerccios tornamos mais penetrantes nossas faculdades de observao e, em

    seguida, por ser a boa memria filha da fiel observao, obteremos o melhoramento e a maiorfidelidade da memria.Deve-se ter o cuidado de reter no somente o nome e os traos principais do que se quer

    recordar, mas tanto quanto possvel uma representao grfica ou reconstituio pictrica com amxima preciso at nos mnimos detalhes. Quando falha a memria, completa-se o quadro com oprprio arbtrio, de modo a se constituir um todo completo. Cedo veremos que desse modo, emborapor caminhos de travs, nossa memria se tornar cada vez mais fiel.

    Tais so as precisas indicaes com que qualquer pessoa pode tornar cada vez mais prtico seupensamento. Entre essas h uma de particular importncia: o homem, quando pondera o que vaifazer, tem o vivo desejo de chegar logo a um resultado. Ele delibera como deve proceder nisto ounaquilo, chegando a uma concluso. um instinto muito compreensvel, mas com isso ele noconseguir um modo prtico de pensar. Toda precipitao nesse sentido nos far dar um passo atrs,e no adiante. Neste domnio, a pacincia absolutamente necessria.

    Suponhamos que os Senhores tenham de realizar aquela ao. Podero realiz-la deste ou daquelemodo. Haver vrias possibilidades. necessrio ter pacincia, imaginando nitidamente o queaconteceria se procedessem de certa maneira e tambm o que aconteceria se outra fosse a maneirade proceder. Ora, sempre razes de preferncia para esta ou aquela resoluo, mas agora os Amigosdevem abster-se de qualquer concluso definitiva. Devem esforar-se em imaginar duaspossibilidades e dizer consigo: Agora ponho ponto final deixo de pensar sobre isso! Haver quemfique nervoso com a situao, e fcil ser superar a impacincia. , porm, de extrema importnciadominar o nervosismo e dizer a si mesmo: As coisas podem ser assim ou podem ser diferentes, masdurante algum tempo no pensarei nisso. Se as circunstncias permitirem, transfere-se a ao para odia seguinte, mantendo-se ante o esprito a vista das duas alternativas. No dia seguinte se achar queno intervalo as coisas se modificaram, sendo possvel decidir com maior conhecimento de causa e commelhor motivo que na vspera.

    As coisas possuem em si uma necessidade interior. Quando no procedemos arbitrria eimpacientemente, e sim deixamos trabalhar em ns essa necessidade das coisas, ela de fato agirsobre ns e enriquecer nosso pensamento, de modo a permitir-nos no dia seguinte uma deciso maisacertada. Tudo isso extraordinariamente til!

    Suponhamos, por exemplo, que nos peam conselhos e que, por isso, tenhamos de decidir-nossobre qualquer assunto. Que se tenha pacincia, que no haja precipitao em aconselhar, que seimaginem com calma diversas possibilidades, que no se chegue por vontade prpria a qualquerconcluso. Deixemos tranqilamente agir em ns, como foras, essas possibilidades. A sabedoriapopular diz que a noite boa conselheira, que se deve dormir sobre um caso difcil antes de resolv-lo. O sono, porm, s por si no basta. preciso edificar mentalmente duas, ou melhor, vriaseventualidades, que continuam a desenvolver-se quando nosso eu consciente se liberta pelo sono. Maistarde voliaremos a refletir com vantagem sobre o caso. Perceberemos que deste modo forasinteriores de pensamento se revelam, e que o poder do pensamento se torna mais objetivo e eficaz.

    Tudo o que o homem procura no mundo ele acabar por encontrar no prprio mundo, seja ele oferreiro em seu torno ou o lavrador em seu arado, seja pertencente s chamadas classes privilegiadas:

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    com tais exerccios, seu pensamento adquirir um valor prtico em relao s coisas mais triviais davida cotidiana. Com esta disciplina ele compreender e ver tudo sob novo aspecto. Conquantorelativamente ao princpio esses exerccios paream valer apenas para a vida interior, no entanto elesso de grande valor e extraordinrio significado para o mundo externo, sendo suas conseqnciasimportantssimas.

    Desejo mostrar-lhes com um exemplo como indispensvel exercer sobre as coisas um

    pensamento realmente prtico: - Um homem sobe numa rvore para um servio qualquer. De repentecai, abate-se sobre o solo e morre. O primeiro pensamento a se apresentar que ele morreu daqueda. Diremos que a causa a queda, sendo a morte o efeito. Essa a aparente conexo entre causae efeito; mas esta concluso pode constituir justamente o contrrio da verdade. E possvel que ohomem tenha sofrido, l em cima na rvore, a ruptura mortal de um aneurisma, e por isso tenhacado. As coisas se passaram como se ele tivesse tombado em vida, e como se sua queda tivessedeterminado a morte. E assim que se pode trocar a causa pelo efeito e o efeito pela causa.

    Neste exemplo, o engano manifesto. Nem sempre, porm, os erros desta natureza se revelamcom tanta evidncia. Hoje em dia tais erros de pensamento esto-se tornando muito freqentes, atmesmo - foroso reconhecer - nas questes cientficas, nas quais podemos assistir diariamente aconcluses que constituem a inverso recproca entre causa e efeito. Se os homens no se apercebemdesses erros, porque no conservam em sua plenitude a faculdade de pensar.

    Vou dar-lhes um outro exemplo, que mostrar como se podem originar tais erros de pensamento ecomo evit-los pela disciplina que expus aqui. Suponhamos que um sbio afirme ser o homemdescendente do macaco, isto , que as foras observveis no macaco, aperfeioando-se, do origemao homem. Ora, para representar com clareza a importncia que neste caso assume o pensamento,imaginemos que, por qualquer circunstncia, o autor de tal concluso venha a encontrar-secompletamente s sobre a Terra, tendo apenas por exclusivos companheiros aqueles macacos dosquais afirma descenderem os homens; ele far estudos cuidadosos at obter, com todos ospormenores possveis, uma representao ou um conceito do organismo do macaco. Se ele agora seesforar para fazer derivar do conceito de macaco o conceito de homem, admitindo-se que nuncatenha visto um homem, no o conseguir: ver que seu conceito macaco nunca se transformar noconceito homem.

    Se tivesse hbitos corretos de pensamento, ele diria consigo: Vejo que meu pensamento noconsegue transformar-se de modo que meu conceito macaco se torne o conceito homem. que omacaco, tal como o esto vendo meus olhos, no pode transformar-se em homem. por isso que essatransformao tampouco possvel em meu pensamento. Algo deve ser acrescentado, algo que noposso ver...

    Esse homem, por conseqncia, deveria ver, por detrs do macaco que os sentidos percebem,algo supra-sensvel, algo inacessvel aos sentidos fsicos. E somente esse algo invisvel que se lhepoderia afigurar como sendo capaz de transformar-se em qualquer coisa de humano.

    No queremos insistir sobre a impossibilidade desse fenmeno em si, mas somente mostrar o errode pensamento que se dissimula sob essa teoria. Se os homens pensassem corretamente, seriamlevados a concluir que, para se poder refletir sobre essa teoria, necessrio pressupor algo supra-sensvel.

    Quando se reflete sobre tal assunto, v-se que uma longa srie de pensadores tm cometido,nesta direo, um grave erro de pensamento. Erros desta natureza podem ser evitados pela disciplina

    aqui exposta. Grande parte de nossa literatura contempornea, sobretudo no domnio cientfico, comseus tortuosos e falsos pensamentos, dolorosa de ler para quem conseguiu pensar corretamente; e osofrimento pode chegar dor fsica. Com isto no desconheo a soma enorme de observaes quedevemos Cincia Natural e a seus mtodos objetivos.

    E assim chegamos agora a um ponto em que se manifesta uma verdadeira miopia do pensamento.De fato, as coisas se passam como se o homem ignorasse que seu pensamento carece de objetividade,no sendo, em grande parte, mais do que uma srie de hbitos mentais. Quem penetra com opensamento na vida circunstante julga tudo de modo bem diverso do que os observadoressuperficiais, entre os quais devemos citar os pensadores materialistas. No fcil convencer por meiode razes, conquanto muito boas e slidas, quem conhece pouco a vida real. Da resulta muitas vezesintil fadiga, porque as razes invocadas passam despercebidas, e as afirmaes que delas sededuzem no podem ser compreendidas. Quem se habituou a ver em tudo apenas a matria agarra-se

    para sempre a este vcio de pensamento.O que conduz freqentemente algum a afirmar, hoje em dia, alguma coisa no so

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    verdadeiramente motivos ou razes, mas hbitos de pensamento que se dissimulam por trs dessesmotivos, dominando a alma a tal ponto que sua influncia se estende a toda a vida dos sentimentos edas sensaes. E quando, deste modo, assim algum invoca motivos, porque procura mascarar seussentimentos instintivos com seus pensamentos habituais.

    Assim, muitas vezes o pensamento no apenas o filho do desejo. Ele nasce do consrcio entre ossentimentos e os hbitos de pensamento. Quem conhece bem a vida humana sabe quo pouco se pode

    convencer algum por meio de razes lgicas. A fora que decide e convence jaz mais profundamentena alma do que a simples lgica das razes.

    E por isso, por estes e outros bons motivos, que trabalhamos em nosso movimentoantroposfico, em seus diversos grupos e sees. Quem trabalha conosco notar que ao fim de algumtempo adquire uma nova maneira de pensar, de sentir e de querer. A atividade antroposfica noconsiste apenas em achar razes lgicas, mas em assimilar um modo de sentir e de pensar queabranja um mundo mais vasto do que os simples pensamentos lgicos.

    Como parecia digna de zombaria, h alguns anos, a Cincia Espiritual Antroposfica a quem ouviafalar dela pela primeira vez! Quanta coisa, entretanto, que a princpio se afigurava absurda se tornoudepois compreensvel, clara, transparente! Trabalhando no movimento antroposfico, notransformamos apenas nossos pensamentos; aprendemos tambm a dar nossa alma perspectivascada vez mais vastas. A colorao de nossos pensamentos provm de origens mais profundas do que

    se supe. So certas impresses, certos sentimentos, que impelem os homens para certas opinies. Osmotivos so, no mais das vezes, apenas luxo aparente, ou simplesmente a mscara para disfararsentimentos, impresses, hbitos mentais.

    Para aprender a apreciar os motivos lgicos, temos de adquirir antes de tudo a faculdade deamar a lgica objetivamente. S quando houvermos aprendido a amar a objetividade, a realidade dascoisas, as coisas tal qual so, que poderemos decidir-nos por meio de razes lgicas. Assimaprenderemos gradativamente a pensar de modo objetivo, sem preferncia por este ou aquelepensamento. Nossa viso das coisas se alargar, nosso pensamento se tornar prtico no no sentidorotineiro, mas de modo tal que os objetivos e fenmenos do mundo exterior que nos ensinaro apensar.

    A verdadeira vida prtica nasce da objetividade do pensamento. a esta objetividade que nosconduz a disciplina aqui exposta, ensinando-nos a fazer com que as coisas do mundo exteriorestimulem e penetrem nosso pensamento. Esses exerccios devem sempre realizar-se tendo em vistacoisas e seres sadios e no pervertidos, ainda no transformados pela cultura humana: os fenmenosnaturais. A observao da natureza pelo mtodo aqui indicado nos far pensadores prticos. Uma vezdisciplinado o elemento fundamental de nossa alma o pensamento , poderemos desempenhar demodo prtico as ocupaes cotidianas e corriqueiras. O pensamento se orienta espontaneamente, damaneira mais prtica possvel, quando a alma se dedica disciplina aqui descrita.

    Conseqncia fecunda do movimento cientfico-espiritual antroposfico ser tambm instruir oshomens praticamente, fortalecendo-os para a vida de todos os dias. A faculdade de doutrinar sobre avida no to essencial como a de ver e observar as coisas corretamente, tal como so. O modo comoa Antroposofia penetra em nossa alma, como estimula a atividade psquica e alarga os horizontes, muito mais importante do que a possibilidade de us-la em abstraes e teorias que ultrapassemarbitrariamente o mundo externo dos sentidos e invadam extemporaneamente o mundo interno doesprito.

    Assim compreendida, a Antroposofia oferece vida humana conhecimentos realmente prticos.Nota bibliogrfica

    Dados completos das obras de Steiner referidas nas pg.12:

    O conhecimento dos mundos superiores, trad. Erika Reimann. 4 ed. So Paulo: Antroposfica,1996.

    Teosofia, trad. Daniel Brilhante de Brito. 5. ed. So Paulo: Antroposfica, 1996.

    A cincia oculta, trad. Rudolf Lanz e Jacira Cardoso. 4. ed. retrad. So Paulo:Antroposfica, 1998.

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    O limiar do mundo espiritual, trad. Rudolf Lanz. So Paulo: Antroposfica, 1994.

    A direo espiritual do homem e da humanidade, trad. Lavnia Viotti. 2. ed. So Paulo:Antroposfica, 1991.