A educação na Constituição

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A educação na Constituição 1.Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos. Declaração Universal dos Direitos do Homem Artigo 26º Introdução O Brasil parece ter despertado para a relevância da temática da educação. Ao lado da atuação governamental orientada pelos objetivos de expansão de todos os níveis de ensino e implementação de políticas de avaliação e controle de qualidade, também a sociedade civil demonstra interesse e participa do processo de reconhecimento da necessidade de melhoria dos índices de escolaridade, como requisito para real possibilidade de desenvolvimento do País. A educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge ao controle do Direito. Na

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A educação na Constituição

1.Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

            2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

            3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

Declaração Universal dos Direitos do Homem

Artigo 26º

Introdução

            O Brasil parece ter despertado para a relevância da temática da educação. Ao lado da atuação governamental orientada pelos objetivos de expansão de todos os níveis de ensino e implementação de políticas de avaliação e controle de qualidade, também a sociedade civil demonstra interesse e participa do processo de reconhecimento da necessidade de melhoria dos índices de escolaridade, como requisito para real possibilidade de desenvolvimento do País.

            A educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge ao controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal que a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere.

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direito norte-americano

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"Zero tolerance". Efetividade da aplicação de políticas de tolerância zero nas escolas norte-americanas

            O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição de direitos subjetivos ao cidadão.

            Se o melhor entendimento das normas que regulam a educação se mostra relevante no momento em que sua importância no contexto da sociedade brasileira é realçada, a avaliação acerca da existência de direitos subjetivos relacionados ao tema coloca-se como importante elemento de afirmação dos direitos do cidadão frente ao Estado, garantindo em última análise, meio de conferir efetividade aos preceitos constitucionais.

            Por fim, analisamos dois casos atuais relacionados ao direito à educação, que têm repercussão constitucional: o acesso ao ensino superior de estudantes que não concluíram o ensino médio e a adoção do sistema de cotas de acesso ao ensino superior para minoria afro-descendente.

1. A temática da educação nas Constituições brasileiras

            Com maior ou menor abrangência e marcadas pela ideologia de sua época, todas as Constituições brasileiras dispensaram tratamento ao tema da educação.

            A Constituição Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e políticos a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos e previu a criação de colégios e universidades.

            A Constituição Republicana de 1891, adotando o modelo federal, preocupou-se em discriminar a competência legislativa da União e dos Estados em matéria educacional. Coube à União legislar sobre o ensino superior enquanto aos Estados competia legislar sobre ensino secundário e primário, embora tanto a União quanto os Estados pudessem criar e manter instituições de ensino superior e secundário. Rompendo com a adoção de uma religião oficial, determinou a laiscização do ensino nos estabelecimentos públicos.

            A Constituição de 1934 inaugura uma nova fase da história constitucional brasileira, na medida em que se dedica a enunciar normas que exorbitam a temática tipicamente constitucional. Revela-se a constitucionalização de direitos econômicos, sociais e culturais.

            Fica estabelecida a competência legislativa da União para traçar diretrizes da educação nacional. Um título é dedicado à família, à educação e à cultura. A educação é definida como direito de todos, correspondendo a dever da família e dos poderes públicos, voltada para consecução de valores de ordem moral e econômica.

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            A Constituição de 1934 apresenta dispositivos que organizam a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação dos sistemas educativos nos estados, prevendo os órgãos de sua composição como corolário do próprio princípio federativo e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Também há garantia de imunidade de impostos para estabelecimentos particulares, de liberdade de cátedra e de auxílio a alunos necessitados e determinação de provimento de cargos do magistério oficial mediante concurso.

            O retrocesso na Constituição de 1937 é patente. O texto constitucional vincula a educação a valores cívicos e econômicos. Não se registra preocupação com o ensino público, sendo o primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado a estabelecer a livre iniciativa. A centralização é reforçada não só pela previsão de competência material e legislativa privativa da União em relação às diretrizes e bases da educação nacional, sem referência aos sistemas de ensino dos estados, como pela própria rigidez do regime ditatorial.

            A Constituição de 1946 retoma os princípios das Constituições de 1891 e 1934. A competência legislativa da União circunscreve-se às diretrizes e bases da educação nacional. A competência dos Estados é garantida pela competência residual, como também pela previsão dos respectivos sistemas de ensino.

            A educação volta a ser definida como direito de todos, prevalece a idéia de educação pública, a despeito de franqueada à livre iniciativa. São definidos princípios norteadores do ensino, entre eles ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos estabelecimentos superiores oficiais como nos livres, merecendo destaque a inovação da previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino é restabelecida.

            A Constituição de 1967 mantém a estrutura organizacional da educação nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados. Todavia, percebemos retrocessos no enfoque de matérias relevantes: fortalecimento do ensino particular, inclusive mediante previsão de meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo; necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do ensino médio e superior aos que comprovarem insuficiência de recursos; limitação da liberdade acadêmica pela fobia subversiva; diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

            A Constituição de 1969 não alterou o modelo educacional da Constituição de 1967. Não obstante, limitou a vinculação de receitas para manutenção e desenvolvimento do ensino apenas para os municípios.

            Como se vê o tratamento constitucional dispensado à educação reflete ideologias e valores. Conforme registra Herkenhoff (1987, p.8), "educação não é um tema isolado, mas decorre de decisões políticas fundamentais. Isto é, a educação é uma questão visceralmente política".

            Nesse contexto, mais do que em virtude de constituir um direito ou por ter valor em si mesma, a natureza pública da educação se afirma em função dos interesses do

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estado e do modelo econômico, como também por constituir eficiente mecanismo de ação política (Ranieri, 2000, p. 37).

            A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos, como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional.

            A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação.

            Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).

2. O direito à educação como um direito fundamental

            Captar toda a dimensão do direito à educação depende de situá-lo previamente no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, os chamados direitos de 2ª dimensão, no âmbito dos direitos fundamentais.

            A expressão direitos fundamentais guarda sinonímia com a expressão direitos humanos. São direitos que encontram seu fundamento de validade na preservação da condição humana. São direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis para a própria manutenção da condição humana.

            A despeito da "fundamentalidade", Bobbio (1992, p.5) destaca que os direitos fundamentais ou direitos humanos são direitos históricos, ou seja, são fruto de circunstâncias e conjunturas vividas pela humanidade e especificamente por cada um dos diversos Estados, sociedades e culturas. Portanto, embora se alicercem numa perspectiva jusnaturalista, os direitos fundamentais não prescindem do reconhecimento estatal, da inserção no direito positivo.

            O sentido do direito à educação na ordem constitucional de 1988 está intimamente ligado ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, bem como com os seus objetivos, especificamente: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalidade, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum.

            Numa palavra, o tratamento constitucional do direito à educação está intimamente ligado à busca do ideal de igualdade que caracteriza os direitos de 2ª dimensão. Os direitos sociais abarcam um sentido de igualdade material que se realiza por meio da atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles ter acesso por meios

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próprios. Em última análise, representam o oferecimento de condições básicas para que o indivíduo possa efetivamente se utilizar das liberdades que o sistema lhe outorga.

            Nesse contexto, oportuno traçar em linhas gerais a distinção entre a perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.

            A idéia atrelada à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, segundo Sarlet (1998, p. 152), consiste na "possibilidade que tem o titular (...) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito de ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão". Essa perspectiva tem como referência a função precípua dos direitos fundamentais, que consiste na proteção do indivíduo.

            A perspectiva objetiva implica o reconhecimento dos direitos fundamentais como "decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos" (Sarlet, 1998, p.140). Transcende-se a dimensão de proteção do indivíduo, implicando nova função para os direitos fundamentais que abrange a tutela da própria comunidade.

            A dimensão axiológica dos direitos fundamentais implica a adoção do ponto de vista da sociedade na valoração da eficácia dos direitos fundamentais. O reconhecimento social coloca-se como elemento condicionante do exercício de direitos fundamentais. Daí decorre inegável limitação dos direitos fundamentais em sua perspectiva individual quando contrapostos ao interesse da comunidade, preservando-se, em todo caso, o seu núcleo essencial.

            Além disso, da perspectiva objetiva decorre o caráter vinculativo dos direitos fundamentais em relação ao Estado, impondo-lhe o dever de promover sua concretização.

            A perspectiva objetiva representa a autonomia dos direitos fundamentais, apontando Sarlet (1998, p.145/147) como principais corolários a sua eficácia irradiante, ou seja, a capacidade de servir de diretrizes para o entendimento do direito infraconstitucional, constituindo modalidade de interpretação conforme a Constituição; a eficácia horizontal, que implica na oponibilidade de direitos fundamentais não só frente ao Estado, mas também nas relações privadas; a conexão com a temática das garantias institucionais, traduzidas como o reconhecimento da relevância de determinadas instituições públicas e privadas, através de proteção contra intervenção deletéria do legislador ordinário, que não obstante, se mostram incapazes de gerar direitos individuais; criação de um dever geral de proteção do Estado voltado para o efetivo resguardo dos direitos fundamentais em caráter preventivo, tanto contra o próprio Estado, como contra particulares ou mesmo outros Estados e, finalmente, a função dos direitos fundamentais de atuar como parâmetro para criação e constituição de organizações estatais.

            No contexto da sociedade da informação e da globalização, o traço de direito fundamental do direito à educação se acentua. Sob a perspectiva individual, potencializa-se a exigibilidade direta pelo cidadão e no plano objetivo solidifica-se o dever do Estado em promover sua efetividade. Se no plano subjetivo se resguarda o

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desenvolvimento da personalidade humana e mesmo a qualificação profissional, no plano objetivo o direito à educação se afirma indispensável ao próprio desenvolvimento do País.

3. Natureza principiológica das normas constitucionais sobre educação

            Canotilho (1999, p. 1177), a partir da lição de Dworkin afirma que:

            "(...) princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica."

            Regras, ao contrário, "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)". A conjugação de princípios e regras é percebida por Canotilho (1999, p.1124) que entende a Constituição como sistema aberto de regras/princípios/procedimento1.

            Sem dúvida alguma, das normas que tratam da educação na Constituição Federal de 1988, algumas apresentam um comando operativo bastante evidente. Exemplo eloqüente é a previsão do ensino fundamental obrigatório e gratuito, inserta no inciso I do artigo 208, cujo parágrafo primeiro garante não só a imediata aplicabilidade e eficácia da norma, como também a indiscutível possibilidade de tutela jurisdicional.

            Mas, em grande parte, as normas que tratam da educação apresentam-se sob a forma de princípios. E isso se justifica, pois se por um lado a Constituição ao enunciar direitos sociais impõe obrigações de fazer para o Estado, por outro essa imposição de obrigações de fazer não é detalhada ao ponto de instituir normas do tipo regra, prescrevendo objetivamente condutas e suas conseqüências.

            Embora com uma perspectiva genérica, essa peculiaridade é destacada por Campello (2000, p.9) ao afirmar que "na norma educacional não têm sido encontradas, amiúde, sanções que caracterizem punições ou que estabeleçam um grau elevado de coercitividade para aquele ‘dever-ser’ que impõe um fazer ou deixar de fazer alguma coisa".

            A principal conseqüência do modelo da norma de natureza principiológica é a irradiação de efeitos por todo o sistema normativo, "compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (...)", conforme salienta Bandeira de Mello (apud Campello, 2000, p. 8).

            Revela-se a importância da técnica legislativa na construção da norma constitucional. O modelo principiológico, se por um lado não esgota ou não encerra em termos definitivos o tratamento jurídico de determinada questão, por outro confere abertura para solução de conflitos através da ponderação de valores. Este é o caminho

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que se apresenta para composição de conflitos em uma sociedade complexa, onde se salienta o papel e a responsabilidade do Judiciário.

            Nesse contexto, destaca Canotilho (1999, p. 444/445) as possibilidades de conformação jurídica dos direitos sociais, ou seja, as possibilidades de caracterização dos direitos sociais no âmbito da Constituição. Podem os direitos sociais se apresentar como normas programáticas, normas de organização, garantias institucionais e como direitos subjetivos públicos.

            A linha de diferenciação está justamente na potencial criação de pretensões oponíveis contra o Estado, deduzíveis diretamente pelo cidadão.

            Grosso modo, os direitos sociais como normas programáticas revelam vinculação voltada à idéia de pressão de natureza política sobre os órgãos competentes. Como normas de organização, determinam a instituição de competências determinadas aos órgãos públicos, mas com capacidade de vinculação também limitada ao plano político. A idéia de garantias institucionais está dirigida ao respeito e à proteção de determinada instituição social, que por sua natureza está atrelada à concretização de direitos de cunho social, econômico e cultural. Finalmente, os direitos sociais como direitos subjetivos públicos estatuem direitos fruíveis diretamente pelo cidadão e oponíveis contra o Estado, que tem o dever de implementá-los.

A Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional e a Reforma do Ensino Médio

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MÉDIA E TECNOLÓGICA

 

1 – Introdução

O MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, por intermédio da Secretaria de Educação Média e Tecnológica , organizou, na atual administração, o Projeto de Reforma do Ensino Médio, como parte de uma política mais geral de desenvolvimento social, que prioriza as ações na área da Educação.

O Brasil, como os demais países da América Latina, está empenhado em promover reformas na área educacional que permitam superar o quadro de extrema desvantagem, em relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os países desenvolvidos.

Particularmente, no que se refere ao Ensino Médio, dois fatores de natureza muito diversa, mas que mantêm entre si relações observáveis, passam a determinar a urgência em se repensar as diretrizes gerais e os parâmetros curriculares que orientam este nível de ensino.

O fator econômico que se apresenta e se define pela ruptura tecnológica característica da chamada terceira revolução técnico-industrial, na qual os avanços

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da micro-eletrônica têm um papel preponderante, e, que, a partir década de 80, se acentua no país.

A denominada "revolução informática" promove mudanças radicais, na área do conhecimento, que passa a ocupar um lugar central nos processos de desenvolvimento, em geral. É possível afirmar que, nas próximas décadas, a educação vá se transformar mais rapidamente do que em muitas outras, em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas tecnologias.

As propostas de reforma curricular para o Ensino Médio se pautam nas constatações sobre as mudanças no conhecimento e seus desdobramentos, no que se refere à produção e as relações sociais de modo geral.

Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da industrialização na América Latina, a política educacional vigente priorizou, como finalidade para o ensino médio, a formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias ou de dirigir processos de produção.

Esta tendência levou o Brasil na década de 70, a propor a profissionalização compulsória, estratégia que também visava diminuir a pressão da demanda sobre o ensino superior.

Na década de 90, enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para a formação dos cidadãos . Não se trata de acumular conhecimentos.

A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.

Propõe-se no nível do Ensino Médio, a formação geral em oposição à formação específica, o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender , de criar, de formular ,ao invés do simples exercício de memorização .

São estes os princípios mais gerais que orientam a reformulação curricular do Ensino Médio e que se expressam na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação -LEI 9394/96.

Se é necessário pensar em reformas curriculares, levando em conta as mudanças estruturais que alteram a produção e a própria organização da sociedade, e que identificamos como fator econômico, não é menos importante conhecer e analisar as condições em que se desenvolve o sistema educacional do país.

No Brasil , o Ensino Médio foi o que mais se expandiu, considerando como ponto de partida a década de 80. De 1988 a 1997, o crescimento da demanda superou 90% das matrículas até então existentes. Em apenas um ano, de 1996 a 1997, a matrícula do ensino médio cresceu 11,6%.

É importante destacar, entretanto, que o índice de escolarização líquida neste nível de ensino, considerada a população de 15 a 17 anos, não ultrapassa 25%, o que coloca o Brasil em situação de desigualdade em relação a muitos países, inclusive da América Latina.

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Nos países do Cone Sul, por exemplo, o índice de escolarização alcança de 55% a 60%, e na maioria dos países do Caribe de língua inglesa, cerca de 70%.

O padrão de crescimento das matrículas do Ensino Médio no Brasil , entretanto, tem características que nos permitem destacar as suas relações com as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade. As matrículas se concentram nas redes públicas estaduais e no período noturno.

Os estudos desenvolvidos pelo INEP, quando da avaliação dos concluintes do Ensino Médio em nove estados, revelam que 54% dos alunos são originários de famílias com renda mensal até 6 salários mínimos e nos estados da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte mais de 50% destes, têm renda familiar de até 3 salários mínimos.

É possível concluir que parte dos grupos sociais até então excluídos, tenha tido oportunidade de continuar os estudos em função do término do ensino fundamental ou, que esse mesmo grupo esteja retornando à escola, dada a compreensão sobre a importância da escolaridade, em função das novas exigências do mundo do trabalho.

Pensar um novo currículo para o Ensino Médio coloca em presença estes dois fatores : as mudanças estruturais que decorrem da chamada " Revolução do Conhecimento ", alterando o modo de organização do trabalho e as relações sociais e a expansão crescente da rede pública que deverá atender a padrões de qualidade que se coadunem com as exigências desta sociedade.

2- O processo de trabalho

O projeto de reforma curricular do Ensino Médio teve como estrutura, desde sua origem, um modelo cuja principal preocupação era de proporcionar um diálogo constante entre os dirigentes da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, a equipe técnica coordenadora do projeto da reforma e os diversos setores da sociedade civil, ligados direta ou indiretamente à educação.

Definiu-se que, para a formulação de uma nova concepção do Ensino Médio, seria fundamental a participação de professores e técnicos de diferentes níveis de ensino.

A primeira reunião entre os dirigentes, a equipe técnica da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e os professores convidados de várias universidades do país apontou para a necessidade de elaborar uma proposta que, incorporando os pressupostos acima citados e respeitando o princípio de flexibilidade, orientador da Lei de Diretrizes e Bases- lei 9394/96- se mostrasse exeqüível pelos estados da federação, considerando as desigualdades regionais.

Foi elaborada a primeira versão da proposta de reforma, pelo então diretor do Departamento de Desenvolvimento da Educação Média e Tecnológica , professor Ruy Leite Berger Filho e pela coordenadora do projeto, professora Eny Marisa Maia.

Propôs-se, numa primeira abordagem, a reorganização curricular em áreas de conhecimento, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização.

Foram convidados a participar do processo de elaboração da proposta de reforma curricular professores universitários, com reconhecida experiência nas áreas de ensino e pesquisa que atuaram como consultores especialistas.

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As reuniões subsequentes foram organizadas com a participação da equipe técnica de coordenação do projeto e representantes de todos as Secretarias Estaduais de Educação , para as discussões dos textos que fundamentavam as áreas de ensino.

Esta metodologia de trabalho visava ampliar os debates, tanto no nível acadêmico, quanto no âmbito de cada estado, envolvendo os professores e técnicos que atuavam no Ensino Médio. Os debates realizados nos estados, coordenados pelos professores representantes deveriam permitir uma análise crítica do material, contendo novas questões e /ou sugestões de aperfeiçoamento dos documentos.

Concluída esta primeira etapa, os documentos foram submetidos à apreciação dos Secretários de Estado em reuniões do CONSED e outras, organizadas pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica com esse objetivo específico.

O debate se ampliou por meio da participação dos consultores especialistas em diversas reuniões nos estados e pela divulgação dos textos de fundamentação das áreas entre os professores de outras universidades.

Concomitantemente à reformulação dos textos teóricos que fundamentavam cada área de conhecimento, foram realizadas duas reuniões nos estados de São Paulo e do Rio de janeiro com professores que lecionavam nas redes públicas, escolhidos aleatoriamente, com a finalidade de verificar a compreensão e a receptividade, em relação aos documentos produzidos.

Obtivemos índices de aceitação muito satisfatórios nesses dois encontros, o que se considerou como um indicador da adequação da proposta ao cotidiano das escolas públicas.

O projeto foi também discutido em debates abertos à população, como o organizado pelo jornal " Folha de São Paulo " no início de 1997. Neste debate do qual participaram os sindicatos de professores, a associação de estudantes secundaristas, representantes da escolas particulares e outros segmentos da sociedade civil, o professor Ruy Leite Berger Filho apresentou a proposta de reforma curricular que obteve dos participantes uma aprovação consensual.

Os trabalhos de elaboração da reforma curricular foram concluídos em junho de 1997, a partir de uma série de discussões internas que envolveram os dirigentes, a equipe técnica de coordenação do projeto e os professores consultores.

O documento produzido foi apresentado aos Secretários de Estado de Educação e encaminhado ao Conselho Nacional de Educação em 7/07/97, solicitando-se o respectivo parecer. Nesta etapa a Secretaria de Educação Média e Tecnológica trabalhou integradamente com a relatora do Conselho, professora Guiomar Namo de Mello, em reuniões especialmente agendadas para este fim e por meio de assessorias específicas dos professores consultores especialistas. O parecer do Conselho Nacional de Educação foi aprovado em 1/06/98 – Parecer nº 15/98da Câmara de Educação Básica-CEB do Conselho Nacional de Educação - CNE , seguindo-se a elaboração da resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Resolução CEB/CNE nº 03/98.

Os textos de fundamentação das áreas de conhecimento, elaborados pelos professores especialistas, foram submetidos à apreciação de consultores visando o aperfeiçoamento dos mesmos.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- Lei 9394/96 foi a principal referência legal para a formulação das mudanças propostas, na medida em que estabelece os princípios e finalidades da Educação Nacional.

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3 – A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- Lei 9394/96 e a Reforma Curricular do Ensino Médio

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vem conferir uma nova identidade ao Ensino Médio.

O Ensino Médio é educação básica

A constituição de 1988 já prenunciava esta concepção quando , no inciso II do Art. 208, garantia como dever do estado " a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio ". Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 14/96, modifica a redação deste inciso sem que se altere neste aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional a "progressiva universalização do ensino médio gratuito ". A Constituição portanto confere a este nível de ensino o estatuto de direito de todo o cidadão.

A alteração provocada pela emenda constitucional merece entretanto um destaque. O ensino Médio deixa de ser obrigatório para as pessoas mas a sua oferta é dever do estado numa perspectiva de acesso para todos aqueles que o desejarem.

A Lei de Diretrizes e Bases reitera a obrigatoriedade progressiva do Ensino Médio, sendo portanto esta, na vigência da Lei, uma diretriz legal, ainda que não mais constitucional.

A Lei 9394/96 deu condição de norma legal a esta condição quando por meio do Art. 21 estabelece;

"Art. 21. A educação escolar compõe-se de :

I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II – educação superior"

Isto significa que o ensino médio passa a integrar a etapa do processo educacional que a nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação, e para o desenvolvimento pessoal, referido à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela, ou seja, que " tem por finalidades desenvolver o educando , assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores" (Art.22, Lei 9394/96).

O Ensino Médio como etapa final da educação básica

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional explicita que o ensino médio é a "etapa final da educação básica " (Lei 9394/96 -Art.36) o que concorre para a construção de sua identidade. O ensino Médio passa a ter a característica da terminalidade o que significa assegurar a todos os cidadãos a oportunidade de consolidar e aprofundar " os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental ", aprimorar o educando como pessoa humana possibilitar o prosseguimento de estudos, garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania, dotar o educando dos instrumentos que permitam "continuar aprendendo" tendo em vista a desenvolver a compreensão dos" fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos" (Art.35,incisos I a IV, da Lei nº 9394/96).

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O ensino médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter geral, afinada com a contemporaneidade, com a construção de competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como "sujeito em situação" – cidadão.

Nesta concepção, a Lei 9394/96 muda no cerne a identidade estabelecida para o ensino médio contida na referência anterior, a Lei nº5692/71, cujo 2º grau se caracterizava por uma dupla função: preparar para o prosseguimento de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão técnica. Na perspectiva da nova Lei, o ensino médio como parte da educação escolar " deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social" ( Art.1º § 2º da Lei9394/96 ). Esta vinculação é orgânica e deve contaminar toda a prática educativa escolar.

Em suma, a Lei estabelece uma perspectiva para este nível de ensino que integra, numa mesma e única modalidade, finalidades até então dissociadas, para oferecer, de forma articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educandos:

a formação da pessoa de forma a desenvolver os seus valores e as competências necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade em que se situa;

o aprimoramento do educando como pessoa humana , incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

a preparação e orientação básica para a sua integração ao mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo;

o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos.

4 –O Papel da Educação na Sociedade Tecnológica

A centralidade do conhecimento nos processos de produção e organização da vida social rompe com o paradigma, segundo o qual, a educação seria um instrumento de "conformação" do futuro profissional ao mundo do trabalho. Disciplina, obediência, respeito restrito às regras estabelecidas, condições até então necessárias para a inclusão social, via profissionalização, perdem a relevância face às novas exigências colocadas pelo desenvolvimento tecnológico e social.

A nova sociedade que surge, decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e na área da informação apresenta características possíveis de assegurar à educação uma autonomia ainda não alcançada . Isto ocorre na medida em que, o desenvolvimento das competências cognitivas e culturais exigidas para o pleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que se espera na esfera da produção.

O novo paradigma emana da compreensão que , cada vez mais , aproximam-se as competências desejáveis ao pleno desenvolvimento humano das necessárias à inserção no processo produtivo. Segundo Tedesco, aceitar tal perspectiva otimista, seria admitir que vivemos " uma circunstância histórica inédita, na qual as capacidades para o desenvolvimento produtivo seriam idênticas para o papel do cidadão e para o desenvolvimento social". Isto é, admitindo tal correspondência, entre as competências exigidas para o exercício da cidadania e para as atividades produtivas recoloca-se o papel da Educação como elemento de desenvolvimento social.

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Em contrapartida, é importante compreender que a aproximação entre as competências desejáveis em cada uma das dimensões sociais não garante uma homogeneização das oportunidades sociais. Há que considerar a redução dos espaços para os que vão trabalhar em atividades simbólicas, em que o conhecimento é o instrumento principal, os que vão continuar atuando em atividades tradicionais e o mais grave, os que se vêem excluídos.

A expansão da economia pautada no conhecimento caracteriza-se também por fatos sociais que comprometem os processos de solidariedade e coesão social, quais sejam a exclusão e a segmentação com todas as conseqüências ,hoje, presentes: o desemprego, a pobreza, a violência, a intolerância.

Esta tensão, presente na sociedade tecnológica, pode se traduzir no âmbito social pela definição de quantos e quais segmentos terão acesso a uma educação que contribua efetivamente para a sua incorporação.

Um outro dado a considerar diz respeito ao que alguns estudos denominam como banalização das competências. A " banalização das competências significa simplesmente que o que eu faço, outros, muitos outros, podem fazer ou aprender a fazer. Uma infinidade de competências reservadas até agora às elites foi banalizada de uns vinte anos para cá: a utilização do computador, o conhecimento de línguas estrangeiras(....) Em conseqüência a banalização das competências e das qualificações superiores é o meio indispensável e o mais eficaz para combater a dualização da sociedade.... ( GORZ).

De que competências se está falando? Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade ,da curiosidade ,da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade para trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento. Estas são competências que devem estar presentes na esfera social, cultural, nas atividades políticas e sociais como um todo, condições para o exercício da cidadania neste contexto.

O desafio a enfrentar é grande, principalmente para um país em processo de desenvolvimento que, na década de 90, sequer oferece uma cobertura no ensino médio, considerado como parte da educação básica, a mais que 25% de seus jovens entre 15 e 17 anos.

Não se pode mais postergar a intervenção no ensino médio, de modo a garantir a superação de uma escola que pretende formar por meio da imposição de modelos, de exercícios de memorização, da fragmentação do conhecimento, da ignorância dos instrumentos mais avançados de acesso ao conhecimento e da comunicação e desta forma, ao invés de se colocar como elemento central de desenvolvimento dos cidadãos, contribua para a sua exclusão. Ao manter uma postura tradicional e distanciada das mudanças sociais, a escola como Instituição Pública acabará também por se marginalizar.

Uma nova concepção curricular para o Ensino Médio, como apontamos anteriormente, deve expressar a contemporaneidade e, considerando a rapidez com que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da produção, ter a ousadia de mostrar-se prospectiva.

Certamente, o ponto de partida para a implementação da reforma curricular em curso é o reconhecimento das condições atuais de organização dos sistemas estaduais, no que se refere à oferta do ensino médio.

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Constata-se a necessidade de investir nas áreas de macroplanejamento, visando ampliar de modo racional a oferta de vagas e na, de formação dos docentes, uma vez que as medidas sugeridas exigem mudanças na seleção, tratamento dos conteúdos e incorporação de instrumentos tecnológicos modernos como a informática. Estas são algumas prioridades, indicadas em todos os estudos desenvolvidos recentemente pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica e pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos-INEP, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica-SAEB e que subsidiaram a elaboração da proposta de reforma curricular.

Mesmo considerando os obstáculos a superar, uma proposta curricular que se pretenda contemporânea deverá incorporar como um dos seus eixos as tendências apontadas para o século XXI.

A crescente presença da ciência e da tecnologia nas atividades produtivas e nas relações sociais, por exemplo, que como conseqüência estabelece um ciclo permanente de mudanças, provocando rupturas rápidas, precisa ser considerada.

Comparadas com as mudanças significativas observadas nos séculos passados: como a máquina a vapor ou o motor a explosão cuja difusão se dava de modo lento e por um largo período de tempo, os avanços do conhecimento que se observam neste século criam possibilidade de intervenção em áreas inexploradas.

Estão presentes os avanços na biogenética, e outros mais, que fazem emergir questões de ordem ética merecedoras de debates em nível global. Em contrapartida, as inovações tecnológicas como a informatização, hoje, extensiva no país e a robótica, a busca de maior precisão produtiva e de qualidade homogênea, têm concorrido para acentuar o desemprego. É possível afirmar que o crescimento econômico não gera mais empregos ou que concorre para a diminuição do número de horas de trabalho e, principalmente, para a diminuição de oportunidades para o trabalho não qualificado.

Se o deslocamento das oportunidades de trabalho do setor industrial para o terciário é uma realidade, isto não significa que seja menor neste a exigência em relação à qualificação do trabalhador.

Nas sociedades tradicionais, a estabilidade da organização política, produtiva, e social garantia um ambiente educacional relativamente estável. Agora, a velocidade do progresso científico e tecnológico e da transformação dos processos de produção torna o conhecimento rapidamente superado, exigindo-se uma atualização contínua e colocando novas exigências para a formação do cidadão.

A transformação do ciclo produtivo, a partir da década de 40, provocou a migração campo-cidade. Houve uma diminuição gradativa mas significativa de empregos na agricultura. Atualmente, observa-se uma situação semelhante na indústria e isso ocorre não apenas em função das novas tecnologias como também em função do processo de abertura dos mercados que passa a exigir maior precisão produtiva e padrões de qualidade da produção dos países mais desenvolvidos.

A globalização , ao promover o rompimento das fronteiras geográficas muda a geografia política, provocando de forma acelerada a transferência de conhecimentos, tecnologias e informações, recoloca as questões da sociabilidade humana em espaços cada vez mais amplos.

A revolução tecnológica, por sua vez, cria novas formas de socialização, processos de produção e, até mesmo, novas definições de identidade individual e coletiva.

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Diante deste mundo globalizado, que apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação surge como uma utopia necessária " indispensável à humanidade na sua construção da paz, da liberdade e da justiça social ".

Deve ser encarada "entre outros caminhos e para além deles, como uma via que conduza a um desenvolvimento mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões e as guerras"...( Relatório da UNESCO sobre Educação para o século XXI ).

Considerando tal contexto, buscou-se construir novas alternativas de organização curricular para o Ensino Médio comprometidas, de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização e, do outro, com o sujeito ativo, a pessoa humana que se apropriará desses conhecimentos para aprimorar-se, como tal, no mundo do trabalho e na prática social. Há, portanto, necessidade de romper com modelos tradicionais para que se alcancem os objetivos propostos para o Ensino Médio. A perspectiva é de uma aprendizagem permanente, de uma formação continuada, considerando como elemento central desta formação a construção da cidadania em função dos processos sociais que se modificam.

Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do ensino médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

Não há o que justifique reter, memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo.

É importante destacar , tendo em vista tais reflexões, as considerações oriundas da Reunião da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, incorporadas nas determinações da Lei 9394/96.

a. a educação deve cumprir um triplo papel : econômico, científico e cultural

b. a educação deve ser estruturada em quatro alicerces : aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser.

5 – A nova proposta de reforma curricular : a expansão com qualidade

O currículo enquanto instrumentação da cidadania democrática é aquele que contempla conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitam o ser humano para a realização de atividades que pertencem aos três domínios da ação humana: vida em sociedade, atividade produtiva e experiência subjetiva, visando a integração de homens e mulheres no tríplice universo do trabalho, da simbolização subjetiva, e das relações políticas. (Severino, 1994: 100).

Nesta perspectiva , incorporam-se como diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular as quatro premissas apontadas pela UNESCO como eixos estruturantes da educação na sociedade contemporânea :

Aprender a conhecer

Considera-se a importância de uma educação geral, suficientemente ampla, com possibilidade de aprofundamento em determinada área de conhecimento. Prioriza-se o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, considerado tanto como meio como fim. Meio, enquanto forma de compreender a complexidade do mundo,

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condição necessária para viver dignamente, para desenvolver possibilidades pessoais e profissionais, para se comunicar . Fim, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir.

O aumento dos saberes que permite compreender o mundo, favorece o desenvolvimento da curiosidade intelectual, estimula o senso crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição da autonomia na capacidade de discernir.

Aprender a conhecer garante o aprender a aprender e constitui o passaporte para a educação permanente, na medida em que fornece as bases para continuar aprendendo ao longo da vida.

Aprender a fazer

O desenvolvimento de habilidades e o estímulo ao surgimento de novas aptidões tornam-se processos essenciais na medida em que criam as condições necessárias para o enfrentamento das novas situações que se colocam. Privilegiar a aplicação da teoria na prática e enriquecer a vivência da ciência na tecnologia e destas no social, passa a ter uma significação especial no desenvolvimento da sociedade contemporânea.

Aprender a viver

Trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e a percepção das interdependências de modo a permitir a realização de projetos comuns ou a gestão inteligente dos conflitos inevitáveis.

Aprender a ser

A educação deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa. Aprender a ser supõe a preparação do indivíduo para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo, frente as diferentes circunstâncias da vida. Supõe ainda desenvolver a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação para desenvolver os seus talentos e permanecer tanto quanto possível, dono do seu próprio destino.

Aprender a viver e aprender a ser decorrem, assim, das duas aprendizagens anteriores - aprender a conhecer e aprender a fazer - e devem constituir ações permanentes que visem a formação do educando como pessoa e como cidadão.

Considera-se nesta perspectiva o currículo como " uma manifestação deliberada da cultura via escola, cuja essência consiste no entrelaçamento do desvelar da história do eu individual com o desvelar da história do eu coletivo. É um ir e vir :

do singular para o geral; do fenômeno para a essência, da realidade para a possibilidade, que se estabelece em torno de três

eixos: o histórico-social; epistemológico e o cotidiano. (José Luiz Rodrigues)

Estes eixos orientam a elaboração de critérios para a seleção de conteúdos e das competências e habilidades que se pretende desenvolver no nível do ensino médio, tendo em vista as aprendizagens fundamentais acima enunciadas.

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O eixo histórico-cultural coloca a discussão sobre o valor dos conhecimentos tendo em vista o contexto da sociedade em constante mudança. O eixo epistemológico " resgata e coloca no hoje a historicidade dos componentes curriculares ", apontando para a função social dos conteúdos. O cotidiano é o momento em que o currículo prescrito é submetido a uma verdadeira prova de validade e de relevância social.

Os intercâmbios que ocorrem na escola são mediados por determinações culturais "representações e comportamentos produzidos e socialmente construídos em espaços e em tempo concretos, que se apoiam em elaboração e aquisições anteriores " ( Sacristán e Perez- Gomes )

A proposta de reforma curricular do ensino médio propõe a divisão do conhecimento escolar em áreas, uma vez que entende os conhecimentos cada vez mais imbricados aos conhecedores seja no campo técnico-científico, seja no âmbito do cotidiano da vida social

A organização em 3 áreas : Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Matemática e Ciências Humanas tem como base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo e portanto, mais facilmente se comunicam, criando condições para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade.

A estruturação por área de conhecimento justifica-se por assegurar uma educação de base científica e tecnológica, onde conceito, aplicação e solução de problemas concretos são combinados com uma revisão dos componentes socio-culturais, orientados por uma visão epistemológica que concilie humanismo e tecnologia ou humanismo numa sociedade tecnológica. O desenvolvimento pessoal permeia a concepção dos componentes científicos, tecnológicos, socio-culturais e de linguagens . O conceito de ciências está presente nos demais componentes, bem como a concepção de que a produção do conhecimento é situada, sócio, cultural, econômica e politicamente num determinado espaço e tempo. A historicidade da produção de conhecimento precisa diacronizá-lo. Enfim, preconiza-se que a concepção curricular seja transdiciplinar, matricial, de forma que linguagens, ciências, tecnologias, e os demais conhecimentos que permitem uma leitura crítica do mundo estejam presentes em todos os momentos da prática escolar.

A discussão sobre cada uma das áreas de conhecimento será apresentada em documento específico, contendo, inclusive, as competências que os alunos deverão alcançar ao concluir o ensino médio. De modo geral estão assim definidas:

Linguagens e Códigos e suas tecnologias

A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido.

Podemos assim falar em linguagens, que se confrontam, nas práticas sociais e na história, fazendo com que a circulação de sentidos produza formas sensoriais e cognitivas diferenciadas.

Nas interações, relações comunicativas de conhecimento e reconhecimento, códigos, símbolos que estão em uso e permitem a adequação de sentidos partilhados, são gerados e transformados e representações convencionadas e padronizadas. Os códigos se mostram no conjunto de escolhas e combinações discursivas, gramaticais, lexicais fonológicas, gráficas etc

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No mundo contemporâneo, marcado por meio do apelo informativo imediato, a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas que se mostram articulados por múltiplos códigos e sobre os processos e procedimentos comunicativos é mais do que uma necessidade, é uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania desejada.

Ciências Humanas e suas Tecnologias

Entendemos por Área de Ensino em Ciências Humanas e suas Tecnologias a configuração a partir de um conjunto de conhecimentos específicos , cuja afinidade é definida pelo objeto comum de estudos – o comportamento humano – e por pontos de intersecção das metodologias específicas de produção desses conhecimentos, e cujas especificidades ocorrem pelos focos diferenciados a partir dos quais olham o seu objeto em relação ao espaço ( Geografia) ; ao tempo (História) ; à sociabilidade (Sociologia) ; aos processos de reflexão sobre comportamentos e pensamentos (Filosofia), de onde decorrem peculiaridades metodológicas importantes de serem preservadas.

Matemática e Ciências da Natureza e suas tecnologias

A aprendizagem na área Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias indica a compreensão e a utilização dos conhecimentos científicos para explicar o funcionamento do mundo, planejar, executar e avaliar as ações de intervenção na realidade.

Para concretização das competências e habilidades que se pretende objetivar, ao longo do Ensino Médio, a área deve envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos e contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea.

Pretendemos contribuir para que, gradativamente, se vá superando o tratamento estanque, compartimentalizado, que caracteriza o conhecimento escolar.

O conhecimento ensinado na escola não é o dito científico. Há uma transposição didática na transmissão do conhecimento O conhecimento escolar pela sua natureza e função, distingue-se dos demais ao entrelaçar no seu âmbito, diferentes perspectivas de visão de mundo de alunos e educadores em busca de soluções viáveis de vida (Murrie).

A tendência atual, em todos os níveis de ensino é analisar a realidade segmentada, sem desenvolver a compreensão dos múltiplos conhecimentos que se interpenetram e conformam determinados fenômenos. Para esta visão, segmentada, contribui o enfoque disciplinar que, na nova proposta de reforma curricular, pretendemos superada pela perspectiva interdisciplinar e pela contextualização dos conhecimentos.

A interdisciplinaridade " pressupõe a existência de ao menos duas disciplinas como referência e a presença de uma ação recíproca" ( Germain- 1991). Nesta perspectiva pressupõe a interação entre os conhecimentos.

Há uma importante diferenciação a fazer entre o que se entende por disciplina escolar e disciplina científica. Estamos tratando da interdisplinaridade escolar e não de disciplinas científicas. O que une as disciplinas escolares e as científicas é o fato de que se pautam pela mesma lógica científica.

A interdisciplinaridade na perspectiva escolar não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para

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resolver um problema concreto ou compreender um determinado fenômeno de diferentes pontos de vista.

Em suma, a interdisciplinaridade escolar tem uma perspectiva instrumental, trata-se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais contemporâneos ( Lenoir ).

Na proposta de reforma curricular do Ensino Médio, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir da abordagem relacional, isto é, propõe-se que, por meio da prática escolar sejam estabelecidas ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos.

A integração entre conhecimentos pode criar as condições necessárias para uma aprendizagem motivadora, na medida que ofereça maior liberdade aos professores e alunos para a seleção de conteúdos mais diretamente relacionados aos assuntos ou problemas que dizem respeito à vida da comunidade. Conforme Cortella, não há conhecimento que possa ser aprendido e recriado se não partirmos das preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento entre os conteúdos programáticos e a experiência dos alunos certamente responde pelo desinteresse e até mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas.

Conhecimentos selecionados "a priori" e legitimados muito mais comumente pela prática docente como disciplinas escolares, do que como científicas, tendem a se perpetuar nos rituais escolares, sem passar pela crítica e reflexão dos docentes, tornando-se desta forma um acervo de conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não se consegue aplicar por desconhecer suas relações com o real.

A aprendizagem significativa pressupõe a existência de um referencial que permita aos alunos identificar e se identificar com as questões propostas.

Esta postura, não implica em permanecer apenas no nível de conhecimento que é dado pelo contexto mais imediato mas" em fazer avançar a capacidade de compreender e intervir na realidade para além do estágio presente, gerando autonomia e humanização ". ( Cortella).

Ao propor uma nova forma de organizar o currículo, trabalhado na perspectiva interdisciplinar e contextualizado partimos do pressuposto que toda a aprendizagem significativa implica uma relação sujeito/objeto e para que esta se concretize é necessário que sejam dadas as condições que os dois pólos do processo interajam.

6- A Organização Curricular na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

6.1 - A Base Nacional Comum

É no contexto de Educação Básica que a lei 9394/96 determina a construção do currículo, no ensino fundamental e médio, com uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela ( art.26, da Lei 9394/96).

A base nacional comum contém em si a dimensão de preparação para o prosseguimento de estudos e, como tal, deve caminhar no sentido de que a construção de competências e habilidades básicas seja o objetivo do processo de aprendizagem e não o acúmulo de esquemas resolutivos preestabelecidos.

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É importante operar com algoritmos na matemática ou na física, mas o estudante precisa entender que, frente àquele algoritmo, está de posse de uma sentença de linguagem, da linguagem matemática, com seleção de léxico e com regras de articulação/relações que geram uma significação e que, portanto, é a leitura e escrita da realidade de uma situação desta.

A base nacional comum traz em si a dimensão de preparação para o trabalho. Esta dimensão tem que apontar para que este mesmo algoritmo seja um instrumento na solução de um problema concreto, que pode dar conta da etapa de planejamento, gestão ou produção de um bem. Aponta também que a linguagem verbal se presta à compreensão ou expressão de um comando ou instrução clara, precisa, objetiva; que a Biologia lhe dá os fundamentos para a análise do impacto ambiental, de uma solução tecnológica, ou para a prevenção de uma doença profissional.

Enfim, aponta que não há solução tecnológica sem uma base científica e que, por outro lado, soluções tecnológicas podem propiciar a produção de um novo conhecimento científico.

Esta educação geral que permite buscar informação, gerar informação, usá-las para solucionar problemas concretos na produção de bens ou na gestão e prestação de serviços, é preparação básica para o trabalho. Na verdade, qualquer competência requerida no exercício profissional, seja ela psicomotora, sócio-afetiva ou cognitiva é um afinamento das competências básicas. Esta educação geral permite a construção de competências que se manifestarão em habilidades básicas, técnicas ou de gestão.

Ressalve-se que uma base curricular nacional organizada por áreas de conhecimento não implica na desconsideração ou esvaziamento dos conteúdos, mas na seleção e na integração dos que são válidos para o desenvolvimento pessoal e para o incremento da participação social.

Esta concepção curricular não elimina o ensino de conteúdos específicos, mas considera que os mesmos devem fazer parte de um processo global com várias dimensões articuladas.

A base nacional comum destina-se `a formação geral do educando e deve assegurar que as finalidade propostas em lei, bem como o perfil de saída do educando sejam alcançados de forma a caracterizar que a educação básica seja uma efetiva conquista de cada brasileiro.

Garantir o desenvolvimento de competências e habilidades básicas comuns a todos os brasileiros é uma garantia de democratização. A definição destas competências e habilidades servirá de parâmetro para a avaliação da educação básica em nível nacional.

O Art. 26 da LDB, determina a obrigatoriedade, nessa base nacional comum, de " estudos da Língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil" , " o ensino da arte...de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos " e, "a educação física, integrada a proposta pedagógica da escola".

Quando a LDB destaca as diretrizes curriculares específicas do ensino médio, ela se preocupa em apontar para um planejamento e desenvolvimento do currículo de forma orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e revigorando a integração e articulação dos conhecimentos num processo permanente de interdisciplinaridade e transdiciplinaridade. Essa proposta de organicidade está contida no Art.36 .

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Art.36...

I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

A organicidade dos conhecimentos fica mais evidente ainda, quando o Art.36, da LDB, estabelece, em seu parágrafo 1º, as competências que o aluno , ao final do ensino médio deve demonstrar :

Art.36...

§ 1º. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I- domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II- conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III- domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania" .

A Lei 9394/96 ao estabelecer como fundamentais o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia não está propondo a inclusão destas ou de quaisquer outras disciplinas mas, indicando, a importância do desenvolvimento de "referências que permitam a articulação entre os conhecimentos, a cultura, as linguagens e a experiência dos alunos". ( Favaretto).

Segundo Favaretto" a Filosofia é antes de mais nada uma disciplina cultural, pois a formação que propicia diz respeito à significação dos processos culturais e históricos" (Ver no documento de Ciências Humanas e suas tecnologias ).

No que se refere à Sociologia trata-se de orientar o currículo no sentido de" contribuir para que o aluno desenvolva sua autonomia intelectual, de forma a ser capaz de confrontar diferentes interpretações e construir sua própria versão do mundo". (Martins ; ver documento Ciências Humanas e suas tecnologias )

O perfil de saída do aluno do ensino médio está diretamente relacionado às finalidades desse ensino, conforme determina o Art.35 da Lei :

Art.35 O ensino médio, etapa final da educação básica...terá como finalidade :

I. a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudo;

II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

II. a compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

É importante compreender que a base nacional comum não pode constituir uma camisa de força que tolha a capacidade dos sistemas, dos estabelecimentos de

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ensino e do educando de usufruírem da flexibilidade que a lei não só permite como estimula.

Essa flexibilidade deve ser assegurada, tanto na organização dos conteúdos mencionados em lei, quanto na metodologia a ser desenvolvida no processo ensino-aprendizagem e na avaliação.

As considerações gerais sobre legislação indicam a necessidade de construir novas alternativas de organização curricular comprometidas, de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização e, do outro, com o sujeito ativo que se apropriará desses conhecimentos para aprimorar-se, como tal, no mundo do trabalho e na prática social. O fato destes Parâmetros Curriculares terem sido organizados em cada uma das áreas por disciplinas potenciais não significa que estas são obrigatórias ou mesmo recomendadas. O que é obrigatório pela LDB ou pela Resolução nº 03/98, são os conhecimentos que estas disciplinas recortam e as competências e habilidades a eles referidos e mencionados nos citados documentos.

6.2- A parte diversificada do currículo

A parte diversificada do currículo , destina-se, a atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (Art.26;Lei9394/96). Complementa a base nacional comum e será definida em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar.

Do ponto de vista dos sistemas de ensino está representada pela formulação de uma matriz curricular básica, que desenvolva a base nacional comum, considerando as demandas regionais do ponto de vista sócio-cultural, econômico e político. Deve refletir uma concepção curricular que oriente o ensino médio no seu sistema, significando-o, sem impedir , entretanto, a flexibilidade da manifestação dos projetos curriculares das escolas .

A parte diversificada do currículo deve expressar, ademais das incorporações dos sistemas de ensino, as prioridades estabelecidas no projeto da unidade escolar e a inserção do educando na construção do seu currículo. Considerará as possibilidades de preparação básica para o trabalho e o aprofundamento em uma disciplina ou uma área, sob forma de disciplinas, projetos ou módulos em consonância com os interesse de alunos e da comunidade a que pertencem. O desenvolvimento da parte diversificada pode ocorrer no próprio estabelecimento de ensino ou em outro estabelecimento conveniado. É importante esclarecer que o desenvolvimento da parte diversificada não implica em profissionalização mas na diversificação de experiências escolares com o objetivo de enriquecimento curricular ou mesmo, aprofundamento de estudos quando o contexto assim exigir. O seu objetivo principal é desenvolver e consolidar conhecimentos das áreas de forma contextualizada e referidos a atividades das práticas sociais e produtivas.

6.3- A parte diversificada e a educação profissional

A preparação geral para o trabalho decorre das diretrizes estabelecidas, no Art.27, para os currículos de educação básica:

" Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão , ainda, as seguintes diretrizes:

I. ...

Page 23: A educação na Constituição

II. ...

III. orientação para o trabalho "

Na seção IV, do capítulo II da Lei nº9394/96, o Art.35 estabelece, dentre as finalidades do ensino médio.

" Art.35...

I. ...

II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores,"

Essa preparação geral para o trabalho faz parte da formação geral do educando e pode ser desenvolvida no próprio estabelecimento de ensino ou em cooperação com instituições especializadas, conforme disposto no §4º, do Art.36, da Lei nº9394/96.

Numa interpretação do dispositivo legal, o Decreto nº2208, de 17 de abril de 1997, que trata da educação profissional, estabelece:

" Art.5º. A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio.

Parágrafo único. As disciplinas de caráter profissionalizante, cursadas na parte diversificada do currículo de ensino médio, até o limite de 25% do total da carga horária mínima deste nível de ensino, poderão ser aproveitadas no currículo de habilitação profissional, que eventualmente venha a ser cursada independentemente de exames específicos"

Dois aspectos podem ser ressaltados no texto citado:

a. a parte diversificada a cargo do estabelecimento de ensino pode constituir até 25% do mínimo estabelecido na Lei nº 9394/96 para duração do ensino médio, logo 600 horas do currículo;

b. as 600 horas podem conter disciplinas de caráter profissionalizante as quais podem ser aproveitadas quando o educando optar por um curso técnico.

Esta questão é reiterada, no artigo 13, da Resolução do Conselho Nacional de Educação Básica quando se indica que :

" estudos concluídos no ensino médio, tanto da base nacional comum quanto da parte diversificada, poderão ser aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional, em cursos realizadas concomitante ou seqüencialmente, até o limite de 25% do tempo mínimo legalmente estabelecido como carga horária para o ensino médio "(CNE Nº3, 26/06/98 ).

Estas são as questões consideradas centrais para a compreensão da nova proposta curricular do ensino médio.

As informações apresentadas neste texto tem como objetivo discutir, em linhas gerais, a proposta de reforma curricular do ensino médio em seus principais elementos.

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A intenção é situar os leitores : professores, técnicos de educação e demais interessados na questão educacional sobre os aspectos considerados centrais nesta proposta .

Desta forma procuramos discutir:

1. As relações entre a "Revolução do Conhecimento ", a Educação Básica e a proposta de Reforma Curricular do Ensino Médio;

2. A metodologia de trabalho utilizada para a elaboração da proposta;

3. Os fundamentos legais que orientam a proposta de Reforma Curricular do Ensino Médio- Lei 9394/96;

4. O papel da Educação e da formação em nível de Ensino Médio na Sociedade Tecnológica;

5. Os fundamentos teóricos da proposta curricular do Ensino Médio;

6. A organização curricular na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Seguem-se os textos legais:

Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB. Parecer nº 15/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho

Nacional de Educação. Resolução nº 03/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho

Nacional de Educação - Diretrizes Curriculares do Conselho Nacional de Educação.

Serão apresentados em seguida os textos que se referem a cada área de conhecimento, tal como se coloca na proposta :

Linguagens e Códigos e suas tecnologias Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias Ciências Humanas e suas tecnologias

Nestes textos o leitor encontra a fundamentação teórica de cada área e as competências e habilidades que os alunos deverão alcançar ao final da escolarização básica.

3.Fundeb: um novo fundo de financiamento

Fundeb: um novo fundo de financiamento

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

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Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb

 Apresentação

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), lança um novo olhar sobre a escola pública. Diferente do Fundef, que financia apenas o ensino fundamental, o Fundeb investirá na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e na educação de jovens e adultos. O novo fundo atenderá, em suas necessidades específicas, diversas realidades dos alunos por série, idade e locais onde estudam.

O atual Fundef trabalha com quatro faixas de valores por aluno/ano. O Fundeb terá 11 faixas: educação infantil, 1ª a 4ª série urbana, 1ª a 4ª série rural, 5ª a 8ª série urbana, 5ª a 8ª série rural, ensino médio urbano, ensino médio rural, ensino médio profissionalizante, educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena e de quilombolas.

Com a criação do Fundeb o montante de recursos aplicados pela União, estados e municípios na educação básica pública será aumentado. Pelo menos 60% dos recursos do Fundeb, inclusive da complementação da União, são destinados ao pagamento dos salários dos profissionais do magistério, em exercício. Além de garantir mais recursos para a remuneração dos professores, o Fundeb abrirá mais vagas nas escolas, especialmente na pré-escola, no ensino médio e na educação jovens e adultos; possibilitará a melhoria da infra-estrutura das escolas; e a formação continuada dos professores de toda a educação básica, não apenas do ensino fundamental, como ocorria com o Fundef.

Com duração de 14 anos (2006-2019), o Fundeb será implantado de forma gradativa. Até chegar ao quarto ano de vigência, o objetivo é atender 47,2 milhões de alunos com investimentos públicos anuais de R$ 50,4 bilhões, dos quais R$ 4,3 bilhões provenientes da União. A União complementará os recursos quando o valor anual por aluno, nos estados e no Distrito Federal, não alcançar o mínimo definido nacionalmente. No atual Fundef, o Ministério da Educação investe, em média, R$ 570 milhões por ano para a complementação do fundo. Com o Fundeb, esse valor chegará a R$ 4,3 bilhões anuais em 2009 [valores de 2005].

Composição do Fundeb

A cesta de impostos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios que vão financiar o Fundeb é composta por 20% de vários tributos: Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

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Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (proporcional às exportações (IPIexp), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis (ITCMD), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Renda e Proventos incidentes sobre rendimentos pagos pelos municípios, Imposto sobre Renda e Proventos incidentes sobre rendimentos pagos pelos estados, cota-parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.

Anteprojeto

A primeira versão do texto do anteprojeto de lei que regulamenta o Fundeb, divulgada em junho, foi alterada conforme as sugestões e críticas recebidas pelo Ministério da Educação por parte das entidades representativas dos Estados e dos Municípios. A segunda versão do anteprojeto é o resultado desse debate.

As principais modificações do novo texto do Projeto de Lei são:

Educação de jovens e adultos integrada à educação profissional; Garantia, para o ensino fundamental, de valores mínimos não inferiores aos

praticados pelo Fundef; Autorização para movimentação dos recursos do Fundeb por meio de contas em

bancos oficiais estaduais. [no Fundef, a movimentação é feita apenas pelo Banco do Brasil (BB); o repasse continuará sendo feito pelo BB];

Previsão de 4 anos para exclusão gradativa de inativos e pensionistas da folha de pagamento do Fundeb;

Aperfeiçoamento de regras de controle e fiscalização dos recursos do fundo, como a integração do Conselho do Fundeb ao Conselho Municipal de Educação nos municípios com até 50 mil habitantes;

Exclusão do salário-educação como fonte de recursos da União que complementam o fundo, garantindo maior investimento federal na educação básica, para que fiquem resguardadas outras ações de educação

4.coordenação e orientação pedagógica

Fundeb: um novo fundo de financiamento

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

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Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb

 Apresentação

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), lança um novo olhar sobre a escola pública. Diferente do Fundef, que financia apenas o ensino fundamental, o Fundeb investirá na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e na educação de jovens e adultos. O novo fundo atenderá, em suas necessidades específicas, diversas realidades dos alunos por série, idade e locais onde estudam.

O atual Fundef trabalha com quatro faixas de valores por aluno/ano. O Fundeb terá 11 faixas: educação infantil, 1ª a 4ª série urbana, 1ª a 4ª série rural, 5ª a 8ª série urbana, 5ª a 8ª série rural, ensino médio urbano, ensino médio rural, ensino médio profissionalizante, educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena e de quilombolas.

Com a criação do Fundeb o montante de recursos aplicados pela União, estados e municípios na educação básica pública será aumentado. Pelo menos 60% dos recursos do Fundeb, inclusive da complementação da União, são destinados ao pagamento dos salários dos profissionais do magistério, em exercício. Além de garantir mais recursos para a remuneração dos professores, o Fundeb abrirá mais vagas nas escolas, especialmente na pré-escola, no ensino médio e na educação jovens e adultos; possibilitará a melhoria da infra-estrutura das escolas; e a formação continuada dos professores de toda a educação básica, não apenas do ensino fundamental, como ocorria com o Fundef.

Com duração de 14 anos (2006-2019), o Fundeb será implantado de forma gradativa. Até chegar ao quarto ano de vigência, o objetivo é atender 47,2 milhões de alunos com investimentos públicos anuais de R$ 50,4 bilhões, dos quais R$ 4,3 bilhões provenientes da União. A União complementará os recursos quando o valor anual por aluno, nos estados e no Distrito Federal, não alcançar o mínimo definido nacionalmente. No atual Fundef, o Ministério da Educação investe, em média, R$ 570 milhões por ano para a complementação do fundo. Com o Fundeb, esse valor chegará a R$ 4,3 bilhões anuais em 2009 [valores de 2005].

Composição do Fundeb

A cesta de impostos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios que vão financiar o Fundeb é composta por 20% de vários tributos: Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (proporcional às exportações (IPIexp), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis (ITCMD), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Renda e Proventos incidentes sobre rendimentos pagos pelos municípios, Imposto sobre Renda e Proventos incidentes sobre rendimentos pagos pelos estados, cota-parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.

Anteprojeto

A primeira versão do texto do anteprojeto de lei que regulamenta o Fundeb, divulgada em junho, foi alterada conforme as sugestões e críticas recebidas pelo Ministério da Educação por parte das entidades representativas dos Estados e dos Municípios. A segunda versão do anteprojeto é o resultado desse debate.

As principais modificações do novo texto do Projeto de Lei são:

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Educação de jovens e adultos integrada à educação profissional; Garantia, para o ensino fundamental, de valores mínimos não inferiores aos

praticados pelo Fundef; Autorização para movimentação dos recursos do Fundeb por meio de contas em

bancos oficiais estaduais. [no Fundef, a movimentação é feita apenas pelo Banco do Brasil (BB); o repasse continuará sendo feito pelo BB];

Previsão de 4 anos para exclusão gradativa de inativos e pensionistas da folha de pagamento do Fundeb;

Aperfeiçoamento de regras de controle e fiscalização dos recursos do fundo, como a integração do Conselho do Fundeb ao Conselho Municipal de Educação nos municípios com até 50 mil habitantes;

Exclusão do salário-educação como fonte de recursos da União que complementam o fundo, garantindo maior investimento federal na educação básica, para que fiquem resguardadas outras ações de educação

5-DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR

    Neroaldo Pontes de Azevedo*

 

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

 (Constituição Federal, art. 205).

 

1-     SITUANDO A QUESTÃO

     

            Todos os brasileiros têm direito, por força constitucional e por exigência de cidadania, a uma educação de qualidade. O oferecimento de uma educação de qualidade é tarefa tão complexa, que exige, de um lado, a ação do poder público, e necessita, de outro, do envolvimento de todos os agentes sociais.

            Podemos apontar como dimensões relevantes para o desenvolvimento da necessária qualidade uma adequada organização e gestão escolar, que propicie um processo significativo de ensino e aprendizagem, o que pressupõe a existência de práticas efetivas de valorização e profissionalização para o magistério.

            Abordaremos, aqui, a organização e a gestão escolar compreendendo que essas dimensões estão profundamente articuladas, já que a escola não é uma soma de partes, mas um todo interligado que busca articular as orientações dos poderes públicos e o

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pensar pedagógico à sua prática do dia-a-dia, mediada pelo conhecimento da realidade e pela participação de todos os atores envolvidos no processo educativo.

 

2-     ORGANIZAÇÃO E GESTÃO A SERVIÇO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA

 

            A organização e a gestão escolar deverão pautar-se, em primeira instância, pela garantia do cumprimento da função social da escola – a de socialização dos saberes acumulados historicamente pela humanidade e de formação de valores e atitudes voltados para o exercício pleno da cidadania. Assim, ao articular a organização e a gestão às finalidades educacionais, a escola estará garantindo, na prática, a consecução do seu projeto político-pedagógico.

            No projeto político-pedagógico, a escola define coletivamente a sua política de currículo, de gestão e de relação com a comunidade, apresentando seus objetivos e metas. É o momento adequado para a escola assumir sua especificidade e seu eixo de atuação, assim como o seu caminho metodológico.

            Ao pensar a organização e a gestão escolar é preciso considerar: 1) as diretrizes, normas e orientações emanadas da legislação nacional e local; 2) a organização e o uso pedagógico do espaço escolar; 3) as características de uma gestão democrática; 4) o sistema ao qual pertence a escola; 5) a participação da família e da comunidade na escola, e 6) o registro da memória e documentação escolar.

            O conceito vigente de flexibilização das estruturas pode ajudar a construir um novo princípio organizador para a escola, menos rígido e autoritário e mais centrado na resolução de problemas autênticos e comuns, por meio da coletividade. A noção de flexibilidade poderá garantir um sistema que permita múltiplas entradas e saídas do alunado; incorpore as diferentes vozes e olhares dos atores que compõem a comunidade escolar; respeite os diferentes ritmos e tempos; dialogue com as diferentes iniciativas, as diferentes funções e com as diferentes concepções pedagógicas.

            Isso requer, da parte da instituição escolar, uma atitude permanente de reflexão e debate sobre a funcionalidade de sua organização e da gestão: delas dependem os ensinamentos e as aprendizagens no campo da democracia, do respeito, do diálogo, da cidadania.

 

2.1- Diretrizes e normas

 

·     As escolas têm obrigação de seguir as diretrizes e normas dirigidas a todo o país, como forma, inclusive, de respeitar o direito do aluno, como, por exemplo, oferecer oitocentas horas de aula distribuídas em duzentos dias letivos;

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·    As normas comuns ao sistema de ensino devem ser levadas em consideração pelos estabelecimentos escolares;

·     Pertencendo a uma rede ou a um sistema (municipal ou estadual), a escola deve participar do Plano Municipal e/ou Estadual de Educação, seja na fase de preparação, seja no acompanhamento e na avaliação. Deles dependem as diretrizes, objetivos e metas para a educação, no próximo decênio;

·     A construção do projeto político-pedagógico é momento adequado para uma síntese entre normas legais e realidade de cada escola;

·     regimento escolar deve ser construído pela escola, e não ser um elenco de normas impostas por quem quer que seja. Deve constituir-se em um conjunto de normas que regem ou regulamentam o funcionamento da escola, respeitando a legislação nacional e as normas e diretrizes do sistema, procurando, porém, contemplar as especificidades do projeto político-pedagógico;

 

 

2.2- Organização e uso pedagógico do espaço escolar

 

·     O espaço escolar já não pode mais ser construído sem critérios ou com critérios pobres e antipedagógicos. Em geral, as escolas contam com infra-estruturas bastante diferenciadas. Existem espaços que são chamados de escola, apenas por possuírem aluno e professor. Muitas vezes, encontram-se em precário estado de conservação, colocando em risco a segurança e a integridade física das crianças e dos professores;

·     É preciso oferecer uma organização racional do espaço escolar que permita condições mínimas de desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem;

·     É preciso oferecer o mínimo, como carteiras, quadro de giz, instalações sanitárias, elétricas e hidráulicas, ventilação e iluminação adequadas, espaço para reuniões de professores, espaço para atividades didáticas, área de recreação, espaço para esportes, biblioteca ou canto de leitura, instalação e mobiliário para a secretaria da escola;

·     Outros espaços educativos devem ir sendo conquistados, como laboratórios de informática, laboratórios de ciências, sala para atendimento individual, quadra ou ginásio desportivo;

·     É importante que o espaço escolar seja adequado aos alunos portadores de necessidades especiais, incluindo rampas, corrimões e banheiros específicos;

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·     É preciso que esteja adequado também aos níveis e modalidade que a escola oferece. Por exemplo, a educação infantil requer um tipo de organização e uso do espaço diferente daquele requerido para o ensino fundamental;

·     Pequenas alterações na forma de organização do uso do espaço escolar podem provocar bons impactos. Por exemplo, que a sala seja ocupada por crianças da mesma série ou ciclo nos diversos turnos, a fim de que o espaço possa ser compartilhado entre os alunos de diferentes turnos, sem prejuízo para a manutenção dos recantos específicos da sala de aula;

·     É preciso encontrar um equilíbrio entre o possível, o viável e o ideal. Às vezes, a escola não tem um espaço exclusivo para a biblioteca. Nesse caso, é preciso inventar formas criativas de utilização do acervo disponível na escola, seja por meio de cantinhos de leitura, sala de leitura, etc;

·     A escola tem que exercer um controle patrimonial dos seus equipamentos, do material permanente, bem como de todos os bens disponíveis, tendo em vista o seu caráter público.

·     É preciso atribuir a cada canto e recanto da escola um caráter educativo, contribuindo para tornar o espaço físico cada vez mais humano e humanizador, mais atrativo, mais lúdico, mais vivo e mais pedagógico.

 

 

2.3- Características de uma gestão democrática

 

·     A gestão democrática é parte integrante do projeto político-pedagógico da escola, como expressão da sua autonomia  e de sua identidade própria, particular;

·    Democrática, entendida como democratização do acesso, do saber e das relações;

·        Abrangente, envolvendo os diversos âmbitos previstos na LDB: pedagógica, administrativa e financeira;

·     Participativa, envolvendo os diversos segmentos que compõem a escola: dos diretores aos vigilantes, incluindo professores, técnicos, funcionários, pais, alunos;

·     Educativa, implica a consciência de que a aprendizagem para o exercício participativo e propositivo da cidadania passa, necessariamente, pela vivência democrática. Só se aprende democracia, sendo democrático;

·     Supõe a implantação e implementação de estruturas de reflexão e tomada de decisão coletivamente, como: forma comunitária de escolha dos diretores,

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assembléias gerais da comunidade escolar, conselhos deliberativos escolares, associações de pais e mestres, grêmios escolares;

·     Supõe a instituição de mecanismos de circulação de informações entre os diversos segmentos e de estímulo e incentivo à participação, como reuniões periódicas, murais, boletins informativos, divulgação de atas e relatórios;

·     Administrar o pessoal lotado na escola é tarefa primordial, precisando criar-se um clima de convivência democrática.

·     Exige liderança da equipe gestora para estimular a participação, refletir e sistematizar o processo, dirimir conflitos, solucionar criativamente os problemas, contribuir para a geração de consensos internos por meio do diálogo sobre os diferentes olhares;

·     Exige o redesenho do poder na escola. As decisões passam a ser tomadas coletivamente e já não mais por uma pessoa ou pequeno grupo de pessoas;

·     Exige a consciência de que o que se pretende é a gestação de uma nova cultura fundamentada na participação e na democracia. Esse é um processo lento, o que exige, portanto, avaliação permanente do processo;

·     Exige processos sistemáticos de formação de todos os segmentos para a participação. Formação dos diretores, dos conselhos ou membros das associações para o conhecimento da legislação nacional e local. Muitas vezes impera o conhecimento como fator de poder, o que pode gerar inibição da voz dos pais, funcionários ou alunos;

·     É preciso cuidar para evitar a burocratização e a rotinização da gestão, priorizando prazos, procedimentos, atas e ofícios, em detrimento do pensar e do agir coletivo;

·     É preciso cuidar para que o critério central das decisões coletivas seja o da qualidade da escola pública e não o interesse elitista ou excludente ou descomprometido com a educação que ainda impera em determinadas escolas.

 

 

2.4  -  Escola: autonomia e articulação

 

·     A escola deve conquistar sua autonomia, mas ela não é uma entidade isolada;

·     A escola articula-se ao sistema de ensino. Por meio do processo de autorização de funcionamento pelos órgãos competentes, a escola garante a sua inserção legal no sistema;

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·     Dado o caráter público da instituição escolar, decorre a sua obrigação de interagir com as demais escolas da rede, com o órgão gestor central (em geral, as secretarias de educação), com os conselhos municipais ou estaduais (de educação, do FUNDEF, da merenda escolar, do programa bolsa-escola);

·     Decorre, ainda, a sua obrigação de prestar contas à sociedade do trabalho educativo realizado. 

·     A autonomia da escola se dá de forma co-responsável dentro de um marco comum legal e de orientações político-pedagógicas  extensivas ao sistema de ensino;

·     A escola precisa participar ativamente dos órgãos e instâncias normativas e deliberativas da rede, como os Conselhos, o Fórum, bem como aliar-se ao Plano Municipal ou Estadual;

·     Os órgãos gestores, por sua vez, têm a obrigação de agir com democracia, respeitando a autonomia das escolas;

·     As chamadas “ordens de serviço” devem ser constituídas por documentos democraticamente discutidos, o que pode vir a assegurar um trabalho coletivo, garantindo qualidade à rede ou sistema como um todo e a cada uma das unidades escolares.

 

 

2.5 - Participação da família e da comunidade na escola

 

·     Construir uma participação ativa da família e da comunidade na escola, superando as práticas ainda existentes de convidar as famílias apenas para as atividades festivas ou para informar o baixo desempenho ou mau comportamento do seu filho na escola.

·     Ao relacionar-se com os pais e/ou responsáveis, a escola deve superar as idealizações ou os preconceitos ainda existentes, reconhecendo a diversidade de formas de organização familiar e, sobretudo, tratando pedagogicamente essa realidade.

·     O objetivo é favorecer uma participação que gere compromisso da família com a aprendizagem e o sucesso escolar do seu filho e compromisso da escola com a inserção curricular do ambiente cultural da família e da comunidade. Essa parceria assegurará, em última instância, o pleno cumprimento da função social da escola.

·     Isso exige incluir a voz dos pais ou responsáveis e da comunidade na construção, implementação e avaliação do projeto político-pedagógico da escola.

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A família e a comunidade precisam encontrar aí um espaço para apresentar suas necessidades e desejos em relação a escola, bem como para ouvir da escola suas necessidades e desejos em relação ao acompanhamento e envolvimento da família na vida escolar das crianças e dos adolescentes. É preciso ir definindo, no processo, responsabilidades de ambas as partes, a fim de se evitar a transferência de papéis.

·     A construção do projeto político-pedagógico e do regimento escolar é, também, um momento privilegiado para definir os canais institucionais de participação da família na vida escolar. Formas democráticas de escolha do dirigente escolar, conselho deliberativo escolar, reuniões de pais são formas significativas de participação.

·     Outra forma de envolvimento com a escola poderá se dar por meio do incentivo ao uso educativo, cultural das dependências escolares, sobretudo no final de semana quando a escola está ociosa. A biblioteca escolar, a quadra de esportes, o vídeo cassete, o laboratório de informática, o auditório são alguns dos espaços que podem ser plenamente utilizados pela comunidade. Além de possibilitar o uso educacional do estabelecimento escolar, essa prática poderá fortalecer os vínculos comunitários, bem como a atitude de cuidado e zelo comunitário pelas instalações escolares.

·    É importante garantir formas de informar a família sobre a freqüência e o desempenho dos alunos, conforme disposto na LDB. Muitas vezes, a família só tem informação sobre a vida escolar no final do ano letivo, quando já não é mais possível reverter o processo. A família tem direito a informação sobre a vida escola do seu filho.

·     Uma demanda da comunidade poderá ser a própria escolarização dos pais. O índice de analfabetismo e de baixa escolarização dos jovens e adultos ainda é bastante significativo no país. A ampliação do nível de escolarização dos adultos além de ser uma responsabilidade social e legal da escola pública, como resgate de uma dívida social histórica, é, também, uma maneira de ampliar os vínculos da família com a escola e de ampliar as possibilidades de uma contribuição mais significativa da família no processo de escolarização de seus filhos.

·     Ao transpor as fronteiras dos muros da escola, poderá se identificar outros atores educacionais que atuam na comunidade, como ONGs, Igrejas, artistas locais (poetas, cantadores, pintores...), universidades, associações de bairro, empresas... e com eles estabelecer parcerias que visem ao desenvolvimento escolar e cultural da comunidade. Uma ação privilegiada poderá ser a de tecer com eles um programa de atividades complementares à escola a ser realizada no turno oposto ao da aula.

 

 

2.6 - Registro da memória e da documentação da escola

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·     A memória é parte integrante do projeto político-pedagógico da escola. Conhecer sua história, quando e como surgiu, se já possuiu outro nome, se possui nome de pessoa, quem é a pessoa, as razoes do seu surgimento – fruto de planejamento, de reivindicação e luta da comunidade-, a documentação de constituição e de autorização de funcionamento, são elementos importantes para a formulação de sua identidade.

·     É importante desburocratizar o sentido do registro da memória e da documentação escolar, conferindo-lhe caráter pedagógico e pondo-se a serviço do da população à informação sobre a vida escolar do alunado.

·     Caráter pedagógico se manifesta nas múltiplas possibilidades de uso da documentação escolar, desde o trabalho pedagógico sobre a identidade do aluno, a partir da sua ficha individual, até a reflexão permanente do processo educativo desenvolvido na escola, como, por exemplo, o nível de aprendizagem e de sucesso do alunado, a partir do registro individual da avaliação da aprendizagem no diário de classe ou ainda dos quadros estatísticos organizados no final do ano letivo sobre a movimentação e o rendimento escolar.

·     Isso exige incluir, no desenho da documentação escolar, aspectos relevantes para a consecução do projeto político-pedagógico da escola. Por exemplo, o diário de classe deve incorporar a concepção de educação e o desenho curricular em curso na escola e na rede de ensino.

·     Exige, também, desenvolver permanentemente na escola uma prática de sistematização da vida escolar, não apenas por meio dos documentos instititucionais, como as atas das assembléias e dos conselhos, ainda que essas tenham o seu lugar e a sua importância, mas, sobretudo, o registro dos avanços, das dificuldades e desafios da escola na execução do seu projeto político-pedagógico.

·     Isso supõe o desenvolvimento de uma prática reflexiva coletiva. Apenas pela reflexão coletiva da prática pedagógica, a escola poderá articular e avançar no seu projeto, buscando a construção da  qualidade necessária ao processo educativo.

·     Ao sistematizar, a escola explicitará a sua prática. O ato de sistematização incorpora a dimensão de teorização. Nesse sentido, para sistematizar a sua prática, a escola requererá níveis crescentes de estudos e de investigação, a fim de melhor garantir a explicitação da articulação teoria e prática.

·     A memória e a documentação escolar têm uma dimensão pública, de informação e serviço à comunidade. É freqüente ainda que a comunidade desconheça o projeto pedagógico e o regimento escolar, ou ainda que não tenha acesso a documentação escolar do seu filho, desconheça seus progressos ou dificuldades na escola. É preciso garantir a publicização da documentação no campo dos direitos do alunado.

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·     É preciso lembrar a importância que tem a secretaria da escola, no atendimento ao alunado, aos pais, e, de modo específico, no registro da memória e o cuidado com a documentação escolar.

 

 

4 – QUESTÕES PARA REFLETIR

 

·     Como você vê a sua escola no conjunto desses indicadores de uma organização e de uma gestão escolar a serviço de uma educação de qualidade?

·     Que experiências você poderia identificar na sua escola que  marcam uma organização e uma gestão a serviço de uma educação de qualidade?

·    Que outras dimensões da organização e gestão escolar você apontaria como significativas para uma educação de qualidade?

·     Quais são os seus compromissos pessoais com a sua escola?

 

 

5 - LEITURAS INDICADAS

 

·        Constituição da República Federativa do Brasil (Capítulo da Educação)

·        Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

·        Legislação estadual e/ou municipal

·        Projeto político-pedagógico da sua escola

·        Regimento da sua escola

  

 

* Secretário de Educação e Cultura do Município de João Pessoa - Paraíba

 

 

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6-

Relação Professor / Aluno / Conhecimento

Ao longo dos diversos verbetes focalizados neste volume, os sentidos atribuídos a Currículo convergem para um conjunto de experiências pertinentes ao conhecimento escolar e partilhadas por alunos e professores. São esses atores que, efetivamente, constituem a situação escolar e são por ela constituídos. A sala de ala está sendo focalizada, portanto, como uma configuração social complexa e um lugar privilegiado para a construção e sistematização de conhecimentos.

Entretanto, as proposições iniciais de estudos sobre interação e sala de aula sempre se pautaram por concepções empiristas centradas na transmissão e reprodução desse conhecimento escolarizado. Tais estudos, pelo menos até a década de 70 do século passado, privilegiavam a análise do papel unilateral do professor, traduzido em condutas ou padrões de liderança responsáveis pelos diversos climas socioemocionais dos grupos ou classes. Em outros termos, as interações sociais (entendidas como atuações docentes) eram apenas vistas como variáveis antecedentes responsáveis por determinados produtos no contexto ou no desempenho dos alunos. .

As abordagens mais recentes, nesse campo, deslocaram a ênfase para os mecanismos de produção que também são desencadeados na escola e para o papel mediador de seus atores principais, sobretudo através da linguagem, na produção do conhecimento (PATTO, 1981; DELAMONT, 1989). Os estudos das áreas da psicologia sociocultural, da sociologia da educação ou da sociolingüística superam a relação bipolar (sujeito / objeto de conhecimento) e propõem uma relação tripolar (sujeito / outro / objeto de conhecimento). As abordagens interacionais passam a enfatizar os processos de interlocução em sala de aula e as múltiplas redes de comunicação que se estabelecem nesse contexto, já que variam os fluxos interativos, de acordo com o perfil dos atores envolvidos. Há uma convicção comum a essas abordagens: um processo interpessoal se transforma em processo intrapessoal, graças a mediações pedagógicas e aos conflitos sociocognitivos daí derivados.

É nesse sentido que se pode afirmar que a interação produz novos patamares de desenvolvimento cognitivo, novos saberes, novas atitudes, novas identidades. É também nesse sentido que não se pode mais afirmar que as mediações importantes são exclusivas do professor, pois também os alunos ou pares desempenham papel mediador essencial. Nossa síntese atual, a esse respeito, permite uma direção bastante importante para o tema em foco: o conhecimento só se produz na intersubjetividade e esta não apresenta um padrão previsível ou sempre harmonioso. As relações interpessoais são dinâmicas e produtivas, mas também tensas e conflituosas, podendo gerar rupturas ou obstáculos ao processo de conhecer ou de aprender (GÓES e SMOLK. 1997; FONTANA, 1996).A partir da premissa anterior, admite-se que grande parte da produção dos contextos interativos não ocorre no nível manifesto, planejado ou intencional do currículo formal e sim na dimensão já definida como currículo oculto (ver verbete Currículo). Já se sabe que essa categoria, abrangente e difusa, supõe vivências, exposições a modelos,

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reforçamentos ou recompensas, repressões, silenciamentos e discriminações. São processos responsáveis por aprendizagens mais intrínsecas, situacionais, revestidas de maior significado para os sujeitos e que podem alterar sua estrutura mais profunda, em termos de motivações, auto-conceito, identidade, valores. O campo pedagógico implica, por isso mesmo, um conjunto de dimensões simbólicas, estruturantes das relações ou interações.

No conjunto dessas dimensões, destaca-se a organização do espaço e do tempo - elementos simbólicos que expressam concepções sobre as práticas escolares (EDWARDS, 1997). Mesmo que a cota de poder e de controle do professor nessa organização seja objetivamente maior e assimétrica, essas são categorias também definidas externamente, por disposições curriculares, pelas instalações e até pela arquitetura escolar.

A disposição física e a configuração espacial de uma sala de aula dizem muito do currículo oculto e das relações latentes: como são percebidas as relações professor-aluno e o lugar desses atores nessa relação? Quem ordena o espaço? Tal ordenamento é flexível ou sempre previsível e predeterminado? Quais são as formas de transgressão usadas pelos alunos, em busca de um lugar de produção e de uma identidade diferenciada do perfil idealizado pelo professor?

Da mesma forma, a organização da categoria tempo exerce papel simbólico similar na relação pedagógica, estruturando diversas significações: como são recortados os tempos escolares? Qual é o tempo destinado a cada atividade? Quem detém o poder de seu uso e assume seu efetivo controle? Quais as sanções pelo não uso pelo uso indevido dessa dimensão?

Tempo e espaço apresentam, assim, um duplo sentido, funcionando como instrumentos coercitivos ou permissivos na relação pedagógica. Mas é a interação professor/aluno que definirá, de fato, a relação com o conhecimento. É importante, pontuar, entretanto, que o espaço e o tempo que ficam liberados da interação professor-alunos constituem o lugar da relação entre os alunos, no qual também ocorrem processos de produção e apropriação de conhecimentos.

É nesse contexto que se pode falar de um ofício de professor e de um ofício de aluno. Professor é aquele que ensina, e não há dúvidas aparentes sobre tal ofício. O fator complicador reside nas diversas concepções sobre o que seja ensinar e, de forma complementar, o que seja aprender. Assim, professores podem ensinar apenas utilizando suas bases de poder verticais, coercitivas e autoritárias; podem se atribuir papéis apenas facilitadores, permissivos ou não-diretivos; ou podem se colocar como mediadores responsáveis por intervenções nos processos interpessoais e nas aprendizagens dos alunos. Em todas as facetas de seu ofício, professores encarnam dimensões curriculares explícitas ou implícitas (ocultas), mostrando sempre aos alunos suas expectativas e convicções: ("eis o que sou"; "eis o que pretendo fazer"; "é assim que quero que vocês me percebam"; pretendo que vocês façam ou se comportem de tal forma..."; "não é esta a conduta que eu e a escola esperávamos"; "se não fizerem deste modo, eu...").

Alunos têm, portanto, um ofício complementar - dialeticamente produzido pelas contradições geradas na própria relação - que se traduz em afazeres ou atividades pertinentes ao trabalho e à disciplina escolares. Trata-se de um conjunto de

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comportamentos verbais e não verbais (igualmente manifestos ou ocultos) relacionados a movimentos espaciais e manifestações lúdicas, perguntas, registros, participação, conformidade e submissão à ordem estabelecida ou subversão da mesma. Em outras palavras, o ofício do aluno é relacional e depende de como ele percebe e atribui significado às bases de poder exercidas pelo professor. Caso o aluno se posicione de forma apenas reativa, confirmam-se os lugares sociais e hierárquicos previamente delineados para a relação pedagógica; ela se marcará por exterioridade e ausência de significado do conhecimento e pela alienação do sujeito em relação a esse conhecimento. Caso a organização dos alunos propicie um padrão mais proativo, ou seja, capaz de iniciar e estruturar novas situações, ressignificando e buscando maior congruência em suas relações com o professor e com o conhecimento - as bases de atuação do professor também se modificam. Afinal, ambos os atores são, ao mesmo tempo, reativos e proativos, não apenas emitindo respostas face à estimulação do outro, como também produzindo padrões diferenciados de interação e interlocução. Os professores costumam condensar essa idéia quando dizem que a relação com os alunos é uma química. De fato, às vezes, a combinatória dos elementos é suave e equilibrada; em outras, chegar a ser explosiva.

As interações pedagógicas são, assim, dimensões constitutivas do processo ensino-aprendizagem, capazes de promover ou alterar toda a lógica do currículo, da organização do trabalho escolar e da disciplina em sala de aula. Evidências disso se expressam de inúmeras formas: no sentido positivo da produção, quando os alunos aderem aos projetos ou propostos do professor, por mais desafiantes e exigentes que sejam ou quando se organizam para encontrar soluções pertinentes ao cotidiano da classe; por outro lado, no sentido negativo, fartos exemplos se repetem quando os alunos boicotam as mínimas pretensões didáticas do professor, optando pela apatia, pelo tédio ou ainda quando subvertem a organização do trabalho escolar, por meio de irreverência e indisciplina. No limite, isso se expressará em vandalismo e violência contra colegas, contra o próprio professor, contra o patrimônio físico da escola e, ainda contra a comunidade escolar - atos que hoje perpassam todas as camadas sociais e todas as estruturas escolares, minando a relação pedagógica e qualquer possibilidade de aprendizagem efetiva e evidenciando o caráter inócuo de qualquer medida repressora exterior à própria relação.

Nesse plano relacional, não se pode desconsiderar o peso de um grande catalisador: a afetividade. É a construção de vínculos de empatia e de identificação que define o que já foi designado como poder de referência ou de sedução do professor - no sentido efetivamente etimológico do verbo seduzir: o de trazer para o seu lado. É essa disponibilização afetiva que também mobiliza os dois pólos dessa relação para novos estados motivacionais e para a atribuição de novos sentidos às aprendizagens. Enfim, essa reserva de energia, bem direcionada e articulada a competências, pode criar parcerias e até cumplicidade; suas lacunas ou disfunções podem representar desgastes e desistências, transformando potenciais parceiros ou interlocutores em opositores de times diferentes - um se ilude no ofício de ensinar e o outro insiste em recusar seu ofício de aprender (CODO, 1999; MARCHAND, 1998).

São essas possibilidades e essas contradições que estão implicadas nas idéias recorrentes de negociação ou renegociação no contexto pedagógico. O que se pretende, por meio desses conceitos, é evidenciar que a relação pedagógica não é uma pauta previamente definida, um script pronto para ser executado por seus atores ou

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protagonistas principais. É evidente que existe, subjacente a essa relação, a idéia de um contrato didático, que pode ser mais ou menos explicitado, mas que tem em sua base a idéia de acordo ou regulação de processos sociais e interacionais (a origem latina do vocábulo contractu evidencia, de fato, que se trata de contrair obrigações ou estabelecer um trato comum). Muitos são os exemplos da existência desse contrato tácito, no contexto escolar. Já na educação infantil, professores e alunos estruturam ensaios preliminares dessas bases contratuais de sua relação, quando chegam a propor os famosos combinados - conjuntos de regras de conduta, referente ao trabalho escolar, à organização é a disciplina. Gradualmente, o perfil desses contratos pode avançar em complexidade, nível de exigência, possibilidades de participação e autonomia dos alunos quanto à sua apropriação. O que persiste, entretanto, é que tanto combinados como contratos são produções coletivamente assumidas, pautadas pelos princípios de adesão e da reciprocidade, ao contrário do desempenho unilateral e da postura centrada no interesse individual ou egocêntrico. (JONNAERT e BORGHT, 2002).

A reflexão crítica e compartilhada sobre a direção e a renegociação desses contratos pedagógicos consiste, portanto, num dos maiores desafios para o professor dentre os que se colocam em sua prática cotidiana

7- Projeto Político Pedagógico - A Identidade da Escola

Projeto Político Pedagógico - A Identidade da Escola

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

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No sentido etimológico, o termo projeto vem do latim projectu = lançado. É particípio passado do verbo projicere, que significa lançar para frente.  É um plano, intento, desígnio. Empreendimento. Plano geral de edificação.Analisando com mais minúcia a  etimologia do termo Projeto Político Pedagógico, será mais fácil  familiarizar-se com o que ele  diz em suas entrelinhas:PROJETO = vem do latim PROJICERE que significa lançar para frente;POLÍTICA = refere-se à ciência ou arte de governar; orientação administrativa de um governo; princípios diretores da ação; conjunto dos princípios e dos objetivos que servem de guia a tomadas de decisão e que fornecem a base da planificação de atividades em determinado domínio; modo de se haver em qualquer assunto particular para se obter o que se deseja; estratégia; táctica;(Do grego politiké, «a arte de governar a cidade»).PEDAGÓGICO = relativo ou conforme à pedagogia; que é teoria da arte, filosofia ou ciência da educação, com vista à definição dos seus fins e dos meios capazes de os realizar;

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“Projeto Político Pedagógico: ação intencional. Compromisso sócio-político no sentido de compromisso com a formação do cidadão, para um tipo de sociedade e Pedagógico: no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas para

que essas cumpram seus propósitos e sua intencionalidade”

Finalidade

Toda escola deve ter definida, para si mesma e para sua comunidade escolar, uma identidade e um conjunto orientador de princípios e de normas que iluminem a ação pedagógica cotidiana.    O Projeto político pedagógico vê a escola como um todo em sua perspectiva estratégica, não apenas em sua dimensão pedagógica. É uma ferramenta gerencial que auxilia a escola a definir suas prioridades estratégicas, a converter as prioridades em metas educacionais e outras concretas, a decidir o que fazer para alcançar as metas de aprendizagem, a medir se os resultados foram atingidos e a avaliar o próprio desempenho.    O PPP é diferente de planejamento pedagógico. É um conjunto de princípios que norteiam a elaboração e a execução dos planejamentos, por isso, envolvem diretrizes  mais permanentes, que abarcam conceitos subjacentes à educação:    - Conceitos Antropológicos: (relativos à existência humana)    - Conceitos Epistemológicos: aquisição do conhecimento    - Conceitos sobre Valores: pessoais, morais, étnico...    - Político: direcionamento hierárquico, regras...

Importância de um Projeto para a escola

    A relevância de um projeto escolar consiste no planejamento que, evita improvisação, serviço malfeito, perda de tempo e de dinheiro.    Com planejamento, fica bem claro o que se pretende e o que deve ser feito para se chegar aonde se quer. Um bom Projeto Político Pedagógico dá segurança à escola. Escolhem-se as melhores estratégias o que facilita seu trabalho, pois o mesmo está fundamentado no Projeto que norteia toda Unidade Escolar. Isso se faz imprescindível para  se ter um rumo, visando obtenção de resultados de forma mais eficiente, intensa, rápida e segura.A escola deve buscar um ideal comum: fazer com que todos os alunos aprendam.  Uma boa sugestão é nomear comissões de pais e encarregá-las de organizar campeonatos esportivos nos finais de semana na quadra da escola, cuidar dos banheiros ou da biblioteca.

8- A Organização Curricular da EscolaConforme Parecer 323/99 do CEE /

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RS,“currículo não é somente uma relaçãode ‘disciplinas’, nem mesmo uma seleçãode ‘conteúdos’ a serem apreendidos”. “O currículo não se esgota num conjunto deexperiências de vida a que os alunos têmacesso, durante a sua permanência noambiente escolarComo surgiu o currículoescolar Currículo e a organização curricular – que define o

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que ensinar, como ensinar, em que tempos eespaços, a partir de quais concepções – nasceramcom o objetivo de exercer um controle social e,porque não dizer, cultural, visando à reprodução dasociedade e da cultura dominante

Em síntese, currículo é muito maisprocesso do que estado ou pontode chegada de um planejamento

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Dimensões do Currículo:FORMAL:registros expressos nos planos epropostas pedagógicas;EM AÇÃO:aquilo que efetivamentweacontece nas salas de aula e na escola;OCULTO:o não dito, aquele que tanto alunosquanto professores trazem,carregando desentidos próprios suas práticas.Antigamente a composição dos currículos

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baseava-se na definição de conteúdosestanques e no estudo de conceitosabstratos, desvinculados de seu uso social. Hoje busca-se contextualizar por meio dostemas transversais, definidos a partir dequestões emergentes.Os currículos são voltados para a formaçãode sujeitos capazes de :aprender a aprender,aprender a fazer,aprender a ser e a conviver.

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São esses os pilares da educação e asfinalidades da escola proposta pelaUNESCO.As inovações curriculares apresentadaspelos PCN propõem a ressignificação dosconteúdos a partir de sua organização nosaspectos: Conceituais (aprender a aprender) Procedimentais (aprender a fazer) Atitudinais (aprender a ser e a conviver)

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Essenciais no desenvolvimento e nasocialização das aprendizagens escolares

Conteúdos conceituais Referem-se aos fatos,conceitos eprincípios,de um determinado ramo daCiência, que os alunos devem aprender.Essa aprendizagem se concretizará no atode pensar sobre o novo conhecimento

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Conteúdos Procedimentais Possibilitam a utilização dos conceitos,poisreferem-se ao 'saber fazer' .São ashabilidades, destrezas técnicas eestratégias, que implicam na realização deações e sua aplicação em contextosdiferenciados.São formadores decompetências e de autonomia.

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Conteúdos Atitudinais Desenvolvem novos comportamentos evalores relacionados com as práticas sociaissolidárias,humanas e ecológicas, na interrelaçãocom o outro e com o planeta.Referem-se às normas, atitudes,valores easpectos afetivos do desenvolvimento quepermeiam a vida em sociedade.

Organização Curricular deve

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contemplar:reuniões pedagógicas;calendário escolar;rotinas;normas de convivência ;distribuição dos tempos;atividades comemorativas;horários de biblioteca;conselhos de classe;gerenciamento financeiro;planejamento...

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PORTANTO O CURRÍCULO:Refere-se a proposta feita pela instituição, quanto aocaminho,ao trajeto que o aluno percorre no períodode sua formação escolar.Ao invés de ser pensado como uma pista de corrida,onde o percurso já está prévia e definitivamenteestabelecido,cabendo pouquíssimas opções, entendêlocomo um caminho, uma jornada,que temreferências, mapas,mas, sempre admitemudanças,atalhos,alterações, significativas derotas;daí advém o sabor da aventura doconhecimento.

EVASÃO ESCOLAR: CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS.

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Este artigo aborda as causas e conseqüências da evasão escolar,especialmente na Educação de Jovens e Adultos, a partir de pesquisaqualitativa e etnográfica realizada na Rede Pública de Ensino do Estado doParaná, no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos- NovaLondrina- Ensino Fundamental e Médio, no município de Nova Londrina. Oobjetivo é analisar elementos que causam a evasão escolar refletindo sobre otrabalho educativo, e a importância da prática pedagógica dos professoresacerca dos conceitos envolvendo: mediação, historicidade, prática social etransmissão do conhecimento socialmente construído. O texto seguedefendendo a necessidade da escola combater a exclusão social por meio doefetivo trabalho educativo voltado a instrumentalizar o aluno com odesenvolvimento eficaz da aprendizagem dos conhecimentoscientíficos/conteúdos, trabalhados nas diferentes áreas do conhecimento. Esseargumento caracteriza-se, por um lado, como uma maneira da escola enfrentaros problemas nesse campo, e por outro, uma possibilidade para que o alunosaia do complicado processo da evasão escolar.Palavras-chave: Evasão escolar. Trabalho educativo. AprendizagemSignificativa.

Nesse artigo, a pretensão é apresentar para a discussão as causas econseqüências da evasão escolar, mas especificamente na Educação deJovens e adultos, a partir de pesquisa qualitativa e etnográfica, realizada pormeio da aplicação de questionários, com quatro a sete questões abertas,elaboradas para cada um dos três segmentos da comunidade escolar à saber:aluno, professor e equipe diretiva, efetuada na Rede Pública de Ensino doEstado do Paraná, no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens eAdultos- Nova Londrina- Ensino Fundamental e Médio, no município de NovaLondrina, Estado do Paraná.Tal investigação envolveu a diretora, duas professoras pedagogas, trêscoordenadoras, quatro auxiliares administrativos, uma professora readaptadana função de bibliotecária, trinta e cinco professores e cento e quinze alunos,sendo 52 do Ensino Fundamental e 63 do Ensino Médio.Esta pesquisa procura analisar a relação aluno – professor – escolafamíliana Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná. Buscam verificar: avisão do aluno/ família sobre a escola pública em que estuda; a visão dosProfessores da escola pública do Paraná sobre a sua escola de atuação;analisar a formação do Professor, inicial e continuada; analisar as condiçõesfísicas e materiais das escolas e analisar as condições humanas das escolas.O problema da evasão escolar preocupa a escola e seusrepresentantes, ao perceber alunos com pouca vontade de estudar, ou comimportantes atrasos na sua aprendizagem. Os esforços que a escola, na3pessoa da direção, equipe pedagógica e professores fazem para conseguir afreqüência e aprovação dos alunos não asseguram a permanência deles naescola. Pelo contrário, muitos desistem.Nesse sentido, é preciso considerar que a evasão escolar é umasituação problemática, que se produz por uma série de determinantes.Convém esclarecer que o termo evasão escolar será entendido comoresultado do fracasso escolar do estudante e da própria instituição escolar,como se verá mais adiante ao estudar as causas e conseqüências da evasão

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escolar, assim também, como seus efeitos na produtividade da escola.Torna-se relevante explicar que produtividade será tomada sob doisaspectos: um diz respeito à conclusão dos estudos pelo aluno e outro seamplia para abranger o próprio resultado da apropriação do saber em seusentido mais amplo, capaz de levar o aluno a se constituir como cidadão esujeito histórico (VASCONCELLOS, 1995).Entender e interferir positivamente no processo da evasão escolar é umdesafio que exige uma postura de desconstrução das verdades construídaspelos leitores, assumindo assim uma atitude reflexiva diante dosconhecimentos prévios acerca da evasão escolar. Assim vale destacar queessa situação é semelhante ao ato de conhecer citado por Freire (1982, p. 86),como um desafio, onde se lê que:O próprio fato de tê-lo reconhecido como tal me obrigou aassumir em face dele uma atitude crítica e não ingênua.Essa atitude crítica, em si própria, implica na penetração na“intimidade” mesma do tema, no sentido de desvelá-lo mais emais. Assim, [...] ao ser a resposta que procuro dar ao desafio,se torna outro desafio a seus possíveis leitores. É que minhaatitude crítica em face do tema me engaja num ato deconhecimento.Nesse intuito, ao compreender a abrangência do tema evasão escolarcitado por Brasil (2006), envolvendo questões cognitivas e pscicoemocionaisdos alunos, fatores socioculturais, institucionais e aqueles ligados à economiae a política, faz-se necessário esclarecer que o estudo feito neste artigo referesea questões institucionais envolvendo o trabalho educativo desenvolvido nasescolas públicas do estado do Paraná.4A partir daí, considera-se necessário a aproximação daquelesestudiosos e pesquisadores que se ocuparam em desvendar o problema daevasão escolar, suas causas e conseqüências, mas especificamente naEducação de Jovens e Adultos.Essas preocupações nortearam as discussões, culminando na produçãodeste artigo, cujo objetivo é analisar os determinantes que causam a evasãoescolar refletindo sobre o trabalho educativo, tomando-se como referência, asidéias autores, que vêm se dedicando a fundamentar uma tendência depensamento pedagógico diferenciado, posto que explicam a importância dotrabalho dos professores acerca dos conceitos envolvendo: mediação,historicidade, prática social e transmissão do conhecimento socialmenteconstruído (VASCONCELLOS, 1995).Procura-se descobrir se o que vivenciado no pequeno município deNova Londrina, no Estado do Paraná é o mesmo que em outras localidades. Avontade de explicar um pouco mais essa complexidade força a retomada doestudo da questão. Então com maior proximidade tentou-se oferecer umavisão mais abrangente do trabalho educativo desenvolvido nas escolaspúblicas do Paraná. Contudo, este não é um texto fechado; são reflexões quepode no futuro receber outras contribuições, inclusive, superá-las, entendendoo processo dialético, como um fato que marca a sociedade contemporânea.Nesse sentido, Vasconcellos (1995), caracteriza o homem como um ser ativo ede relações com os outros e com o mundo, sendo o conteúdo objeto dereflexão e re-elaboração.

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v A INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA

O trabalho com a interdisciplinaridade na escola começa já nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A imensa maioria das propostas curriculares que orienta o trabalho pedagógico dos professores de educação básica tem nas disciplinas acadêmicas tradicionais sua principal fonte de conteúdos e de organização dos conhecimentos.

As crianças, já nas primeiras séries do fundamental, têm aulas de Matemática, Ciências, História, Artes e assim por diante. Mesmo que todas essas aulas sejam dadas pela mesma professora, cada uma tem seus momentos e formas de funcionamento próprios, além de conteúdos muito bem caracterizados.

Essas experiências escolares ensinam aos alunos, desde pequenos, que o conhecimento encontra-se organizado em compartimentos que, geralmente, não se relacionam. Na aula de Matemática fazemos contas, na aula de Língua Portuguesa lemos e escrevemos, na aula de História aprendemos a data dos principais fatos históricos e assim por diante.

Sendo assim, os(as) professores(as) devem se preocupar, já nas séries iniciais do Ensino Fundamental, em incentivar os alunos a construírem relações entre os diferentes conteúdos presentes nas diversas disciplinas do currículo. Conversar com os alunos de forma que percebam que a ciência também tem uma história, assim como o país, o estado, ou a comunidade. Mostrar que os problemas ambientais são, ao mesmo tempo, problemas de saúde, de Química e de Física, além de envolverem a ecologia e a Biologia como um todo.

Atualmente, a estratégia de ensino mais utilizada para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico interdisciplinar são os projetos didáticos. Por meio dos projetos os professores podem introduzir o estudo de temas que não pertencem a uma disciplina específica, mas que envolvem duas ou mais delas. Os projetos didáticos são feitos com o propósito de construir boas situações de aprendizagem, nas quais se evite compartimentalizar o conhecimento, e dar aos alunos um sentido ao esforço de aprender.

Os projetos didáticos podem envolver várias disciplinas, porém, isso não deve ser obrigatório. Projetos didáticos são importantes porque abrem novas possibilidades de aprendizagem aos estudantes: viver situações em que é necessário tomar uma decisão sobre que caminho seguir; aprender a fazer um cronograma, considerando uma meta e as condições iniciais para realizar o projeto; decidir que estudos realizar para resolver um problema; compreender um processo de transformação ou uma questão política; predispor-se a analisar uma situação social complexa e situar quais disciplinas fornecem conhecimentos para esclarecê-la.

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É preciso ressaltar que a avaliação de um projeto didático deve levar em conta, principalmente, as aprendizagens realizadas pelos alunos durante sua realização. Um projeto é bom pelas aprendizagens que proporciona a seus alunos, não pela qualidade pontual de seu produto final. Fazer uma apresentação considerada linda pelos pais pode ser até importante para as relações da escola com eles, mas não garante a realização das aprendizagens que justificaram o projeto, quando de seu planejamento.

Em um projeto didático interdisciplinar, cada professor que participa precisa ter definidos seus objetivos educativos, próprios da disciplina ou área com a qual trabalha. No caso das séries iniciais do Ensino Fundamental, uma professora, desenvolvendo um projeto didático com seus alunos, define objetivos em Língua Portuguesa, em História e em Geografia. Por exemplo:

realizar um projeto no qual os alunos aprimoram seus conhecimentos sobre características do texto informativo e desenvolvem sua competência em produzi-lo;

pesquisar sobre a história da Grécia Antiga;

propiciar a utilização de Atlas, estudando em particular o Mar Mediterrâneo, sua localização entre a África e a Europa, Gibraltar e o Oriente Médio; os países que banha, a presença da Grécia e do Mar Egeu.

Esses objetivos podem também fazer parte de um projeto envolvendo quintas ou sextas séries do Ensino Fundamental e tendo a participação dos professores de Língua Portuguesa, História e Geografia.

Os projetos didáticos propiciam, enfim, o estudo de problemas reais e, por isso, complexos, o que implica a necessidade de uma abordagem interdisciplinar. Uma forma de abordar esses problemas reais é por meio dos temas transversais. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os temas transversais são definidos como questões de relevância social e que não devem ser abordadas ou resolvidas a partir de uma única disciplina. Ou seja, para compreender e procurar soluções para os problemas abordados nos temas transversais é preciso que se faça uma abordagem interdisciplinar, caso contrário, corre-se o risco da simplificação excessiva.

"O compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da participação política. Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo."

"A metadisciplinaridade, como dissemos, não implica nenhuma relação entre disciplinas. Ela se refere ao ponto de vista ou à perspectiva sobre qualquer situação ou objeto, mas não é condicionada por apriorismos disciplinares. Na escola, deveríamos entendê-la como a ação de se aproximar dos objetos de estudo a partir de uma ótica global que tenta reconhecer sua essência e na qual as disciplinas não são o ponto de partida, mas sim o meio de que dispomos para conhecer uma realidade que é global ou holística. De alguma maneira, situam-se nessa visão os denominado eixos ou temas transversais".

Alunos de 3ª ou 4ª série podem ser desafiados a pesquisar quanta água a escola está gastando e pensar se essa quantidade está de acordo com as orientações dadas pelas companhias de tratamento e distribuição de água. Nesse trabalho, além de estudar a questão da obtenção, produção e distribuição de água potável para a cidade, os alunos aprendem também a fazer e utilizar as médias aritméticas em Matemática. A presença desse conteúdo está relacionada ao fato de que é muito comum, nessas discussões, o uso do "consumo médio" e do "consumo médio per capita". Também incluem-se neste caso os temas transversais saúde e meio ambiente.

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Em Ciências Naturais, professoras e professores devem sempre estar atentos para evitar a compartimentalização do conhecimento. Por exemplo, quando o tema é corpo humano, é comum estudarmos com as crianças os sistemas orgânicos de forma isolada, levando a um ensino que separa respiração de digestão e de circulação, e que impede os alunos de relacionarem o que estão aprendendo com uma boa postura em relação à sua própria saúde

Desenvolvimento Psicossocial Da Criança

1. INTRODUÇÃO

Que fatores influenciam no desenvolvimento cognitivo e sócio-cultural da criança de 0 a 6 anos? Quais as dificuldades enfrentadas pela criança na construção da sua identidade? Como a família e o meio contribuem para a construção de valores?

Muito se tem falado em Educação Especial, porém destinada especialmente aos portadores de deficiências mental, visual, auditiva, físico-motoras e múltiplas, tendo como horizonte a inclusão desses deficientes. Porém, entendendo que todo e qualquer aluno pode apresentar, ao longo de sua aprendizagem, alguma necessidade educacional especial, temporária ou permanente, amplia-se a visão da Educação Especial. Então, ela passa a abranger também as dificuldades de aprendizagem que não estão vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou excluídos dos apoios escolares.

Considerando que a identidade se forma nos primeiros anos de vida, buscaremos aqui entender os processos de desenvolvimento cognitivo e de inserção social por meio da vida escolar, identificando as principais atividades realizadas pelos docentes de Educação Infantil em busca da efetivação desse processo de forma tranqüila e harmoniosa. Para isso, valer-nos-emos de pensadores que explicam a construção da subjetividade humana, como é o caso de Piaget, Vygotski e Erikson.

Os fatores que influenciam no desenvolvimento da criança devem ser os mais variados, uma vez que a pessoa se constrói a partir das suas, mas também das vivências dos outros. Então, temos como fatores próprios da criança a inteligência, a motivação, a curiosidade, acompanhados de fatores sociais, históricos, culturais, afetivos, emocionais que compõem o meio no qual ela está inserida.

As dificuldades enfrentadas pela criança no seu processo de auto-construção são desconhecimento relativo do mundo real que a cerca, acrescido da falta de apoio dos pais que não compreendem bem cada etapa da vida e, por muitas vezes, acabam por prejudicar o processo. Professores, também, ignorantes sob o ponto de vista do desenvolvimento psicossocial da criança, podem estimular atitudes discriminatórias, excluir ou negligenciar apoio às crianças.

Família, professores, parentes e amigos, enfim, todas as pessoas que habitam o universo da criança devem procurar conhecer as formas de ajudar na condução do processo de inserção social e desenvolvimento individual destes pequenos que são mais emoção do que razão e precisam se firmar nas atitudes e exemplos que os adultos dão.

1.1. A afetividade como fator contribuinte na inserção social

Conceituar afeto, amor sempre foi algo muito fácil e, ao mesmo tempo, muito difícil, pois para os amantes o amor é mais bem definido sentindo e não falando, descrevendo. Poetas e apaixonados o conceituam das mais variadas formas desde o início dos tempos. Porém, vejamos o que dizem aqueles que tentam, racionalmente, explicar a afetividade.

Galvão (1999) diz que são quatro os temas fundamentais nos quais Wallon se baseou para elaborar seu projeto teórico no qual pretendeu fazer a psicogênese da pessoa completa: afetividade, movimento, inteligência e a questão da pessoa, do eu.

Pensando, pois, em afetividade, podemos defini-la de acordo com Ferreira (2000) como sendo o "Conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza."

Assim, podemos dizer que as emoções são uma forma de comunicação que, sobretudo no recém-nascido constitui a maneira de se relacionar com o novo meio ao qual está exposto, usando-as para expressar

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seus sentimentos de solidão, fome, alegria, tristeza, incômodo entre outros. Para Galvão (1999) a emoção é contagiosa. Quem nunca se sentiu tocado ao ver alguém chorando ou se alegrou ao ver alguém extremamente feliz? Isso dá ao bebê o poder de mobilizar as outras pessoas a perceberem o que ele está sentindo ou deseja.

Essa comunicação emocional, aos poucos, vai sendo substituída por outra forma mais racional de comunicação. A criança, crescendo, aprende novas maneiras de se relacionar com os outros e novas formas de saciar suas vontades. O sistema nervoso fica cada vez mais capaz de controlar as emoções deixando o raciocínio tomar posse das atitudes. Então, novas "técnicas" de relacionamento interpessoal vão se desenvolvendo e se tornando mais eficazes, como é ocaso da fala.

Apesar de exibir uma linguagem verbal bem desenvolvida, a criança menor de 6 anos ainda utiliza intensamente a linguagem emocional. O choro, as expressões corporais e faciais permitem ao professor perceber seu aluno. Isso é coisa a ser pensada na prática pedagógica. (GALVÃO, 1999).

Segundo Galvão (1999) "... se a criança está ao sabor de suas emoções, ela não tem condições neurológicas de controlá-las...". Então, mais uma vez, destacamos o valoroso papel do professor na compreensão do grau de maturidade neurológico da criança para que não considere certas atitudes tomadas por ela como indisciplina, manha, atrevimento ou hipocrisia. Devemos ter consciência da importância da afetividade para o desenvolvimento emocional da criança, mas também temos de considerar os fatores biológicos necessários a esse desenvolvimento.

É necessário um meio sócio-emocional, afetivo, motor e cognitivo para o desenvolvimento da criança menor de três anos, pois é nesta fase que ocorre a aquisição da linguagem. Neste momento as emoções têm um importante papel no desenvolvimento do indivíduo, mas são nos primeiros meses de vida que elas terão o papel de garantir a sobrevivência do bebê e progresso da noção do EU.

O amor e o ódio compõem a vida afetiva do ser humano e estão sempre juntos, interferindo em nossos pensamentos e ações. A compreensão das emoções e os sentimentos são essenciais no entendimento da afetividade. Emoções causam efeitos intensos e imediatos no organismo enquanto que os sentimentos são mais amenos e duradouros. Quantas vezes nos preparamos para tomar determinada atitude diante de um problema e a emoção nos fez reagir de forma totalmente inesperada? As emoções são raiva, medo, nojo, tristeza, alegria, vergonha, desprezo, empolgação etc. Sentimentos podem ser: amizade, ternura, entre outros.

Na nossa cultura o homem é "proibido" de demonstrar suas emoções através do choro enquanto a mulher é incentivada a isso. O importante, então, é entendermos que a afetividade interfere no crescimento pessoal do ser, mas não está indiferente a fatores biológicos, cognitivos e, sobretudo, sociais, que depende da cultura na qual o indivíduo está ou será inserido.

Na escola, a afetividade vem sendo debatida e defendida há alguns anos por psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, profissionais da educação e saúde em geral. Porém, percebemos ainda uma grande defasagem em prestar um serviço profissional que alie suas técnicas próprias a uma interação eficaz de desenvolvimento de um relacionamento baseado no emocional. Professores e educadores que incluíram essa teoria no seu cotidiano apontam para os evidentes resultados positivos que conseguiram alcançar. Mas, antes de pensarmos na escola como ambiente para desenvolvimento da personalidade da criança, devemos alertar para o fato de que esta criança, ao entrar na escola, já tem uma vida cheia de experiências, estímulos e respostas que aprendeu a dar diante de determinadas situações de sua vida diária. Assim sendo, trataremos um pouco do papel da mãe, nos primeiros anos de vida da criança, na construção de uma personalidade saudável de seus filhos, promovendo uma verdadeira preparação para a vida em comunidade, já que os conceitos e valores passados vão de acordo com as normas da sua sociedade.

A problemática emocional está ligada aos conflitos interiores e dispersão do indivíduo, o que dificulta sua interação com o meio, prejudica sua capacidade de atenção, concentração e de relacionamento interpessoal. A figura materna tem papel decisivo na "prevenção" desses problemas. O afeto que ela dedica à criança, especialmente nos cinco primeiros anos de vida, é responsável por grande parcela da sua personalidade na vida adulta, pois a ligação mãe-filho nessa faixa etária é muito intensa e a criança se fixa na mãe, tendo-a como exemplo e modelo para suas atitudes futuras.

Novaes (1984) nos mostra que a carência afetiva determina uma série de fatores que prejudicam o desenvolvimento global da criança, tanto no âmbito físico como psíquico. Essa carência pode ser identificada pela incapacidade do indivíduo em manter trocas afetivas normais com outros seres humanos. Segundo ela, esses sintomas diagnosticados na escola é conseqüência de um descontrole na

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relação mãe-filho, pois tanto a carência como o excessivo cuidado pode acarretar problemas emocionais graves na criança pequena.

O desvinculamento do seio da mãe poderá desencadear sintomas de angústia e mal-estar que variam conforme a sua idade, grau de dependência dos pais e, principalmente, quanto à natureza dos cuidados maternos. Essa angústia revela uma relação emocional e afetiva normal entre a mãe e a criança, pois retrata uma quebra no processo de afetividade que vem sendo construído por ambas (NOVAES, 1984).

Na escola, a criança terá dificuldades de adaptação ao meio de acordo com o grau de relacionamento com a mãe. Ao nascer, a criança se fixa naquela pessoa que ela considera de sua posse, no caso a mãe. Na escola ela terá de se relacionar com um número bem maior de pessoas ao qual está acostumada e isso é um fator importante na avaliação do desenvolvimento emocional da criança, funciona como um teste. Através dele podemos definir novos rumos na educação da criança e dos seus pais. A socialização com outras crianças de sua idade e professores é uma nova etapa no processo de formação da personalidade da criança e deve ocorrer de forma saudável. A escola deve oferecer um ambiente que evite a criança desenvolver angústias e mal-estar, característicos do afastamento da figura materna.

Há, dessa forma, uma grande importância do primeiro professor da criança, pois ele será, para ela, a substituição da mãe. Cabe então a esse profissional o devido cuidado de manter um bom relacionamento que dê continuidade à relação saudável mãe-filho ou alterar seu comportamento para elevar a afetividade de uma criança que demonstra problemas emocionais decorrentes da relação que tem com sua mãe. Sendo assim, o professor não pode estar alheio à vida do aluno. É necessário que ele conheça os pais, seus problemas físicos, psíquicos e um pouco da vida que levava antes de ingressar na escola. Só assim poderá entender as dificuldades na adaptação da criança ao novo meio e no processo de desenvolvimento psicossocial.

A escola e professores, especialmente os de Educação Infantil e Creche, devem prever e estar preparados para atender prontamente essas crianças com problemas emocionais decorrentes de sua relação familiar, propiciando-lhes um clima de estabilidade emocional e contribuindo para que o ingresso e permanência da criança na escola ocorram de maneira normal e tranqüila, onde haja uma socialização efetiva dessa criança com os professores e funcionários da instituição bem como com as demais crianças.

1.2 A recreação na escola como fator de desenvolvimento psicossocial

O professor também pode desenvolver uma didática voltada para efetuação do processo de ensino e aprendizagem. Inúmeras são as ferramentas e as idéias que podem ser postas em campo na hora de realizar tão importante tarefa.

A recreação contribui muito para elevação da auto-estima do aluno bem como do professor, pois consiste em dar-se por inteiro a atividades impostas ou não, um meio para o desenvolvimento bio-psico-espiritual e social do homem.

Assim, o aluno no âmbito da sala de aula pode estar se recreando enquanto realiza alguma tarefa pedagógica. O professor pode estar se recreando enquanto planeja, executa ou avalia suas atividades. Recrear significa, portanto, buscar um sentido de prazer, no cultivo de atitudes de legítimo interesse com relação aos objetos, pessoas e atividades gratificantes.

A recreação permite ao homem ser feliz uma vez que, mesmo no mais pesado trabalho, encontra significado e prazer em realizá-lo. Parece que o mundo busca uma nova estrutura de funcionamento onde o ócio seja um fator fundamental para a construção de uma nova moral.

O ócio é o momento de desocupação, para descanso do corpo e da mente. Por isso, ele é necessário a todo ser vivo. Nesses momentos é que há a revitalização, a reposição de energias, o exercício do corpo e do espírito que deixam a alma mais evoluída. O esporte, a arte, a filosofia, a literatura, entre outras, existem graças ao ócio. No mundo moderno há que se buscar tempo para vislumbrar o que há de belo no mundo e no homem, há que se achar tempo para valorizar as boas criações do ser humano, e isso se tornará possível quando também descobrirmos o valor do ócio.

O homem trabalha para ser livre. Parece uma antítese, pois ao trabalhar se escraviza e aspira, cada vez mais, libertar-se do trabalho e das obrigações para dedicar-se a si mesmo.

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Os professores, realizando atividades recreativas com as crianças, permitem-lhes vivenciar o cultivo de uma reflexão sobre si mesmos e do que lhes dá prazer para conquista de sua liberdade. Atividades recreativas em sala de aula fazem o processo de aquisição e construção do conhecimento, bem como de interação interpessoal e vivência de atitudes serem, sobretudo, prazerosos para o aprendente e, portanto, indispensáveis nas escolas do século XXI.

1.3 Os valores culturais na formação da criança

Por estar tratando de eventos ligados predominantemente às questões culturais, é necessário um apanhado básico nas concepções de cultura popular, suas definições e abordagens.

O que é Cultura? Entre as várias definições, de acordo com a área das ciências que usamos nessa definição, Cultura seria todo o resultado da criação humana. Diz respeito ao abstrato, à produção intelectual do homem comunitário, bem como do individual, suas crenças ou descrenças, mas é também tão vinculada ao real, ao ordinário, como os costumes, as tradições, as formas de culto religioso etc. Pode-se dizer que ela é resultado das relações estabelecidas por esses homens, e assim, basta viver para se "produzir" cultura, mesmo que não se queira. Mas ao mesmo tempo a cultura pode e é criada intencionalmente, estimulada, incentivada. E é nesse momento que ele – o homem – é afetado por ela tornando-se assim criatura e criador. Portanto a cultura é um fator inerentemente humano. Referindo-se especificamente a nossa sociedade,

"o Brasil é, sabidamente, um país multirracial e pluriétnico, o que por conseqüência, implica a existência de diversidade ou pluralidade cultural, muito embora exista enorme dificuldade de reconhecimento dessa diversificação por parte de muitos brasileiros". (LOPES, 2001, p.21-25)

Partindo desse pressuposto, a grande preocupação da escola, é superar e respeitar as diferenças, inserindo em seu cotidiano, o diálogo e a aprendizagem da convivência mútua.

No processo de aprendizagem e desenvolvimento psicossocial a aquisição da cultura aborda a criança como um sujeito social e histórico, inserido em uma sociedade que irá marcá-lo profundamente. Porém ele, como agente ativo dessa sociedade, e não um objeto inerte, também irá assinalar sua passagem por ela.

Sabedores de que a criança não nasce pronta, iremos abordar as fases e processos de aquisição das noções básicas de valor e cultura, salientando que estamos em um meio específico, o interior do Ceará. É necessário esse parêntese, para identificar o meio cultural em que estamos trabalhando, sem aprofundarmos demais em elucubrações sociológicas, esse é um meio machista e patriarcal, e algumas manifestações comportamentais só poderão ser compreendidas observando essas restrições.

Trabalhando a Escola e a Família e o meio social, tentaremos abranger as mais importantes áreas de referência da criança, a primeira como ambiente de formação e compartilhamento, o segundo como elemento primordial na formação do indivíduo, pois é o seu núcleo mais particular e onde ela apreende as mais básicas regras e valores como a respeitabilidade, e o terceiro por termos que levar em conta sua origem, compreensão de mundo, motivações etc.

Tudo isso, visa o resgate do lado humano da criança, suas vivências e que tipo de sujeito social ela será um dia. Para isso, a cultura é elemento essencial e indispensável, pois nesse mundo globalizado em que as massas tomam como seus valores impostos pela sociedade de consumo, a defesa do que é mais nosso, dos pilares da construção das famílias e sociabilidade escolar são, sem dúvida, subsídios indispensáveis na construção do país que todos sonhamos.

1.4 O jogo: instrumento de preparação para a vida em sociedade

A educação começa no meio familiar, mas se concretiza na escola, onde a mesma deve facilitar a aprendizagem, utilizando-se de atividades lúdicas que criem um ambiente favorável para o processo de aquisição da linguagem. Para tanto, o saber escolar deve ser valorizado socialmente e ser um processo dinâmico e criativo. As atividades lúdicas têm o poder de facilitar o progresso da personalidade integral e o progresso das funções Psicológicas intelectuais e morais.

Para Vigotsky (1988), a aprendizagem e o desenvolvimento estão estreitamente relacionados entre si, sendo que as crianças se inter-relacionam com o meio objetal e social, internalizando o conhecimento advindo de um processo de construção.

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Temos dois tipos fundamentais de jogo: o jogo sem regra e o jogo de regra. O jogo sem regra pode ser físico (exercício físico) e simbólico (jogo de fantasia ou faz de conta). O jogo sem regras é anti-social, produzindo simplesmente comunhão ou participação. Para tornar-se social, o jogo tem que se submeter às regras, o que põe em risco a ludicidade. Deste modo, torna-se extremamente frágil a separação entre jogo e técnica. Para que a atividade continue como jogo é preciso conservar seu caráter de diversão (criatividade, invenção), mas ser social deve obedecer, necessariamente a determinadas regras. Na medida em que aparecem as regras, o jogo de exercício ganha identidade (futebol, voleibol, etc.) e o jogo simbólico torna-se lógico (jogos mentais, geralmente expressos por palavras). Entre o jogo físico e o mental existem três tipos de intermediários: a ação pode ser motora, verbal e mental, sem perder suas características básicas.

A competição foi um mecanismo inventado pelo homem para fazer um jogo permanecer como jogo (diversão, criatividade, possibilidades de estratégias). Se a competição se faz sem regras, o confronto deixa de ser jogo e passa a ser uma tentativa de destruição do adversário, o que elimina a competição. O papel do competidor é evitar que a ação do adversário transforme-se em técnica para um comportamento inesperado. Na medida em que o adversário descobre a técnica do competidor toma providências para superá-la. Desse modo, a atividade permanece criativa dentro das regras, pois sem regras não haveria competição. O grande triunfo do competidor é surpreender, com estratégia, o adversário que implica em elaborar, por antecipação mental, todas as estratégias possíveis dentro do sistema de regras. Ora elaborar mentalmente essas estratégias é precisamente desenvolver a inteligência. O jogo, portanto, é um grande instrumento de desenvolvimento da inteligência, donde se conclui que o trabalho (técnica) é precisamente, o contrário.

O exercício com jogos de regras, tão freqüentes nas escolas, constitui-se um mecanismo de ensaio da vida adulta, onde a criança se depara com situações que, muitas vezes contesta, não concorda, mas aceita por ser uma regra. As regras da sociedade funcionam como regras de um jogo que precisam ser obedecidas para que a convivência entre os indivíduos que dela fazem parte seja o mais harmoniosa possível.

Piaget (1998) acredita que o jogo é essencial na vida da criança. De início tem-se o jogo de exercício que é aquele em que a criança repete uma determinada situação por puro prazer, por ter apreciado seus efeitos.

Em torno de 2 a 6 anos nota-se a ocorrência dos jogos simbólicos, que satisfazem a necessidade da criança de não somente relembrar o mentalmente o acontecido, mas de executar a representação. Em período posterior surgem os jogos de regras, que são transmitidos socialmente de criança para criança e por conseqüência vão aumentando de importância de acordo com o progresso de seu desenvolvimento social. Para Piaget, o jogo constitui-se em expressão e condição para o desenvolvimento infantil, já que as crianças quando jogam assimilam e podem transformar a realidade.

Já Vygotski (1988), diferentemente de Piaget, considera que o desenvolvimento ocorre ao longo da vida e que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo dela. Ele não estabelece fases para explicar o desenvolvimento como Piaget e para ele o sujeito não é ativo nem passivo: é interativo. Segundo ele, a criança usa as interações sociais como formas privilegiadas de acesso a informações: aprendem a regra do jogo, por exemplo, através dos outros e não como o resultado de um engajamento individual na solução de problemas. Desta maneira, aprende a regular seu comportamento pelas reações, quer elas pareçam agradáveis ou não. Enquanto Vygotski fala do faz-de-conta, Piaget fala do jogo simbólico, e pode-se dizer que são correspondentes.

Em Vygotski (1998) vemos que o brinquedo cria uma Zona de Desenvolvimento Proximal na criança. Sabendo que a aquisição do conhecimento se dá através das zonas de desenvolvimento: a real e a proximal. A zona de desenvolvimento real é a do conhecimento já adquirido, é o que a pessoa traz consigo, já a proximal, só é atingida, de início com o auxílio de outras pessoas mais capazes, que já tenham adquirido esse conhecimento. As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.

Piaget (1998) diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa.Na visão sócio-histórica de Vygotsky, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos, essa é uma atividade social num contexto cultural .

Vygotski (apud LINS, 1999) classifica o brincar em fases da seguinte forma: durante a primeira fase a criança começa a se distanciar de seu primeiro meio social, representado pela mãe, começa a falar, a andar e a movimentar-se em volta das coisas. Nesta fase, o ambiente a alcança por meio do adulto e pode-se dizer que a fase estende-se até em torno dos sete anos. A segunda fase é caracterizada pela

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imitação, a criança copia os modelos dos adultos. A Terceira fase é marcada pelas convenções que surgem de regras e convenções a elas associadas. E ainda,

"É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento da criança. È no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos fornecidos por objetos externos". (VygostskI apud LINS, 1999, p. 109)

As brincadeiras que são oferecidas à criança devem estar de acordo com a zona de desenvolvimento em que ela se encontra. No processo de educação infantil o papel do professor é de suma importância, pois é ele quem cria os espaços, disponibiliza materiais, participa das brincadeiras, ou seja, faz a mediação da construção do conhecimento.É urgente e necessário que o professor procure ampliar cada vez mais as vivências da criança com o ambiente físico, com brinquedos, brincadeiras e com outras crianças.

O jogo, compreendido sob a ótica do brinquedo e da criatividade, deverá encontrar maior espaço para ser entendido como educação, na medida em que os professores compreenderem melhor toda sua capacidade potencial de contribuir para com o desenvolvimento da criança. Negrine (1994), em estudos realizados sobre aprendizagem e desenvolvimento infantil, afirma que

"quando a criança chega à escola, traz consigo toda uma pré-história, construída a partir de suas vivências, grande parte delas através de atividade lúdica (...), é fundamental que os professores tenham conhecimento do saber que a criança construiu na interação com o ambiente familiar e sociocultural, para formular sua proposta pedagógica." (NEGRINI, 1994, p. 20).

As brincadeiras para a criança constituem atividade primária que trazem grandes benefícios do ponto de vista físico, intelectual e social. Como benefício físico, o lúdico satisfaz as necessidades de crescimento e de competitividade da criança. Os jogos lúdicos devem ser a base fundamental dos exercícios físicos impostos às crianças pelo menos durante o período escolar. Como beneficio intelectual, o brinquedo contribui para a desinibição, produzindo uma excitação mental e altamente fortificante.

Através do brinquedo eles deixam que inúmeros complexos e problemas sejam sanados, devido à naturalidade com que se processa. Isso se nota quando a criança vence uma brincadeira, pois vem reforçar o prazer de brincar animando, estimulando e dando confiança em si. A importância atribuída ao fato de vencer é motivo de orgulho e prazer.

Ilich (1976) afirma que os jogos podem ser a única maneira de penetrar os sistemas formais. Suas palavras confirmam o que muitas professoras de primeira série comprovam diariamente, ou seja, a criança só se mostra por inteira através das brincadeiras.

Como beneficio social, a criança, através do lúdico representa situações que simbolizam uma realidade que ainda não pode alcançar e através dos jogos simbólicos se implica o real e o eu. Por exemplo, brincar de boneca representa uma situação que ainda vai viver desenvolvendo um instinto natural.

As brincadeiras favorecem ainda a formação da personalidade, agindo diretamente na cooperação do grupo e na participação coletiva, não impedindo, de forma alguma, que uma ou mais crianças se sobressaiam e tenham êxito. O importante é que todas colaborem diretamente para a vitória do grupo.

Como beneficio didático, as brincadeiras transformam conteúdos maçantes em atividades interessantes, revelando certas facilidades através da aplicação do lúdico. Outra questão importante é a disciplinar, pois, quando há interesse pelo que está sendo ensinado, a criança canaliza suas energias para aquilo que está sendo apresentado e faz com que automaticamente a disciplina aconteça.

A ludicidade é o único método capaz de promover a alegria, a atração e o engajamento da criança com o conteúdo proposto, atingindo integralmente os objetivos do conhecimento, da afetividade e do desenvolvimento sensório-motor. Os benefícios didáticos do lúdico são procedimentos didáticos altamente importantes, mais que um passatempo, é o meio indispensável para promover a aprendizagem, disciplinar o trabalho do aluno e incorporá-los a comportamentos básicos necessários à formação de sua personalidade e sociabilidade.

Para Piaget (1971), quando a criança brinca, assimila o mundo a sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação com o objeto não depende da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui. É o que Piaget chama de jogo simbólico, que significa a representação de um objeto por outro, com outras significações. Como exemplo: "vamos dizer que essa é um cavalinho (apontando

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para um pedaço de madeira)". O jogo simbólico pode ser individual, e de acordo com a situação transforma-se em coletivo com a participação de outras crianças. A maioria dos jogos simbólicos são movimentos de atos complexos, que são subordinados a objetos de jogos de exercícios sensório-motor isolados levando-o a representação e a simulação. O auge do jogo simbólico situa-se entre 2 e 4 anos, declinando a partir daí.

Observamos que meninos que brincam com pedaços de madeira dizendo que são cavalos, aviões, canhões, imitam barulhos. Ou ainda, uma menina que brinca com uma amiga invisível lhe dá instruções para que não molhe e nem suje os sapatos no lamaçal. A maioria dos jogos simbólicos tem qualidade social, envolve transações interpessoais, eventos e aventuras com características e situações no tempo e no espaço. O jogo imaginário acontece sempre em grupos de crianças que utilizam objetos inanimados, pessoas e animais que não estão presentes no momento.

Para Vygotsky (1988), o que define o brincar é a situação imaginária criada pela criança. Observamos que o brincar preenche necessidades que mudam de acordo com a idade. Por exemplo: um brinquedo que interessa a um bebê não interessa uma criança mais velha, devido ao nível de maturação atingida por ela. Essa maturação adquirida pela criança é de suma importância para entendermos que o brinquedo para a criança é um meio de satisfazer certos desejos que muitas vezes não podem ser satisfeitos imediatamente. Por exemplo: uma criança que ocupar o papel da mãe, desejo que não pode ser realizado imediatamente. Como ela não tem capacidade para esperar, cria um mundo ilusório, onde desejos irrealizáveis podem ser realizados. Para Vygotsky (1998) esse mundo, é a brincadeira, que para ele é uma atividade consciente surgida da ação, que não acontece com crianças muito pequenas.

Vygotsky (1998) enfatiza a ação no brincar que é impossível para crianças muitas pequenas, onde não desenvolvem situações imaginárias, porque ao brincar ela percebe o objeto não como ele é, mas da maneira em que ela deseja que fosse. Já na aprendizagem formal isso não acontece, porque os objetos perdem a sua força imaginadora. O mais importante não é a semelhança do objeto com a coisa imaginada, mas o gesto. Dessa forma, o brinquedo tem grande importância no desenvolvimento, pois cria novas relações entre situações no pensamento e situações reais.

O jogo e a brincadeira são atividades humanas por excelência. Por isso, somos classificados como animais lúdicos, ou animais que jogam, que brincam, que competem.

Sendo o jogo parte integrante da vida do ser humano, ele tem a função vital para o indivíduo, não só de distinção de descarga, de energia, mas principalmente como forma de assimilação da realidade, além de ser culturalmente útil para a sociedade como expressão de ideais comunitários

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/8650/1/O-Desenvolvimento-Psicossocial-Da-Crianca/pagina1.html#ixzz1BhmGoBpv

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

 

As Práticas Educativas na Educação de Jovens e Adultos

 

 

Page 63: A educação na Constituição

Halline Fialho da Rocha Helena de Azevedo Karl

Marise Schmidt Veiga Michele Guimarães

Petrópolis, 2002.

 

    

 

 

 

 

 

 

 

      Relatório de Pesquisa apresentado como requisito de conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Católica de Petrópolis - UCP, sob orientação da professora Maria Adélia Teixeira Baffi.

      Que a educação seja o processo através do qual o indivíduo toma a história em suas próprias mãos, a fim de mudar o rumo da mesma. Como? Acreditando no educando, na sua capacidade de aprender, descobrir, criar soluções, desafiar, enfrentar, propor, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha. Mas isso não será possível se continuarmos bitolando os alfabetizandos com desenhos pré-formulados para colorir, com textos criados por outros para copiarem, com caminhos pontilhados para seguir, com histórias que alienam, com métodos que não levam em conta a lógica de quem aprende.

(FUCK, 1994, p. 14 - 15)

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RESUMO

      Há décadas, buscam-se métodos e práticas educativas adequadas à realidade cultu-ral e ao nível de subjetividade dos jovens e adultos.       Esta pesquisa busca investigar as práticas pedagógicas utilizadas nas primeiras sé-ries níveis um e dois de duas escolas públicas do Município de Petrópolis, a fim de verificar sua adequação ao contexto dos alunos.       Os estudos perpassam a história e o parâmetro legal da Educação de Jovens e Adul-tos e se fundamentam com Freire em Educação e Mudança (1979) e A experiência do MOVA (1996), Fuck em Alfabetização de Adultos (1994) e Ferreiro em Reflexões sobre alfabetiza-ção (2001), que possibilitam um conhecimento teórico da prática pedagógica de jovens e adultos.       Com os resultados desse estudo, chegamos a algumas conclusões bastante significa-tivas, como, por exemplo, o ponto cêntrico do processo de aquisição da leitura e escrita dos educandos das classes de jovens e adultos: ser a utilização da cartilha.       Portanto, esse estudo contribuirá para um repensar do educador que atua nas classes da Educação de Jovens e Adultos, fazendo-o refletir sobre sua prática pedagógica, para que ajude na formação de cidadãos cônscios de seu papel na sociedade.  

  SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. REFERENCIAL TEÓRICO       2.1 Histórico da escrita       2.2 Histórico da Educação de Jovens e Adultos       2.3 Paulo Freire: Pensamento, Política e Educação       2.4 Métodos e Práticas

3. METODOLOGIA       3.1 Coleta dos dados

4. RESULTADOS       4.1 Análise dos dados             4.1.1 Entrevista coletiva             4.1.2 Questionário       4.2 Interpretação dos dados

5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Page 65: A educação na Constituição

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR  

LISTA DE APÊNDICES

I. Questionário para os educadores dos educandos sujeitos da pesquisa  

 

1 INTRODUÇÃO       O presente estudo tem como enfoque principal a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ou seja, o conjunto de processos de aprendizagens, formais ou não formais, graças aos quais as pessoas, cujo entorno social considera adultos, desenvolvem suas capacidades, enriquecem seus conhecimentos e melhoram suas competências técnicas ou profissionais ou as reorientam a fim de atender suas próprias necessidades e as da sociedade. A educação de adultos compre-ende a educação formal e permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconhecem os enfoques teóricos baseados na prática. (Art. 3º da Declaração de Ham-burgo sobre Educação de Adultos).       O interesse pelo tema em questão surgiu a partir do contato com a disciplina Educação de Adultos, do Curso de Pedagogia, que trata especificamente dessa temática. Por isso, ao longo dessa pesquisa, pretende-se conhecer e analisar os métodos e práticas educativas apli-cadas na EJA.       A base teórica perpassa os estudos de Freire (1979), Fuck (1994) e Ferreiro (2001), as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e um histórico da EJA.       Neste projeto usam-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, a documental e a de campo.       Será feito um estudo teórico aprofundado da EJA, seguido de uma investigação empí-rica, com objetivo de confrontar a teoria e a prática.       Diante dessa temática, propõe-se o seguinte problema: quais são os materiais didáticos utilizados na Educação de Jovens e Adultos da 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental, nas escolas públicas (estadual e municipal) da cidade de Petrópolis?       Segundo a problemática abordada, busca-se elucidar as seguintes questões:

º caracterizar a educação básica da EJA, buscando compreender suas especificidades;

º compreender a EJA sob o ponto de vista legal;

º traçar o percurso histórico da EJA;

Page 66: A educação na Constituição

º destacar as concepções teóricas de Freire (1979), Fuck (1994) e Ferreiro (2001) como principal enfoque na EJA;

º realizar um levantamento do material didático utilizado na EJA nas escolas públicas (estadual e municipal) da cidade de Petrópolis;

º analisar o material didático levantado nas turmas da 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental nas escolas públicas (estadual e municipal) da cidade de Petrópolis.

      Este estudo busca compreender teórica e empiricamente as metodologias e recursos didáticos utilizados na EJA, visando a atender o princípio da adequação destes à realidade cultural e subjetiva dos jovens e adultos. Atendendo esse princípio, as propostas metodológi-cas da EJA devem ser diferenciadas das turmas de 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental, considerando que os jovens e adultos têm uma realidade cultural e um nível de subjetividade bastante diferentes em relação às crianças, sendo necessária, então, a adequação das metodologias empregadas nessa modalidade de ensino.       Este estudo tem por finalidade contribuir para um repensar do educador atuante nas classes de EJA, fazendo o mesmo refletir sobre sua prática pedagógica, especialmente como formador de cidadãos cônscios de seu papel na sociedade. Também pretende, na medida em que analisa profundamente o material utilizado, servir de subsídio a um repensar dessa esco-lha, relacionando-a aos objetivos da EJA previstos na legislação e no pensamento pedagógico vigente.  

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO       O referencial teórico deste projeto de pesquisa está constituído dos seguintes itens:

      2.1 Histórico da escrita       Antes de falar especificamente sobre a Educação de Jovens e Adultos, é necessário fazer uma viagem no tempo, partindo do ponto onde tudo começou, ou seja, o surgimento da escrita.       Segundo Pereira e Torres (1998), há milhões de anos, os homens que habitavam a Terra viviam de forma muito diferente da nossa maneira de viver. Sempre em pequenos bandos, caçavam e pescavam para sobreviver, moravam em cavernas e usavam pedaços de ma-deira e pedra para se protegerem dos ataques de animais grandes.       Os bandos não eram organizados e a comunicação entre eles era bastante primitiva: uivavam e gesticulavam, tendo as mãos como principal instrumento de sobrevivência.       Com o aumento da população e a escassez de alimentos, o homem foi modificando o seu modo de viver, buscando em novas formas, mais seguras e eficientes, o suprimento para as suas necessidades. Para que tudo isso acontecesse, a principal modificação foi aperfeiçoar a comunicação entre eles, pois seria complicado organizar estratégias de caça, pesca e outros apenas por ruídos e gestos (mímicas). Foi a partir daí,

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que se originou a linguagem falada.       O homem primitivo, percebendo que a necessidade de sobrevivência se tornava cada vez maior e por causas externas advindas do meio ambiente (frio intenso), passou muito tempo dentro das cavernas e ali começou a fazer seus primeiros desenhos nas paredes, represen-tando a sua vida diária.       Esses desenhos são os primeiros passos para o surgimento da escrita. Conforme a necessidade de sobrevivência do homem foi evoluindo, a forma da escrita também foi evoluindo, atendendo assim as suas necessidades.       Essa análise é necessária, pois nos leva a compreender que com o surgimento da escrita, o homem vem utilizando-a das mais diversas maneiras e por diferentes povos e que o mundo em que vivemos está rodeado de escrita.

      2.2 História da Educação de Jovens e Adultos       Muitas vezes definimos erroneamente Educação de Jovens e Adultos. Por isso, antes de iniciar nosso estudo, é necessário conhecer um pouco da história dessa modalidade de ensino.       Segundo Freire (apud Gadotti, 1979, p. 72) em Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta, os termos Educação de Adultos e Educação não-formal referem-se à mesma área disciplinar, teórica e prática da educação, porém com finalidades distintas.       Esses termos têm sido popularizados principalmente por organizações internacionais - UNESCO - referindo-se a uma área especializada da Educação. No entanto, existe uma diversidade de paradigmas dentro da Educação de Adultos.       A Educação de Adultos tem estado, a partir da 2ª Guerra Mundial, a cargo do Estado, muito diferente da Educação não-formal, que está vinculada a organizações não-governamentais.       Até a 2º Guerra Mundial, a Educação Popular era concebida como extensão da Educação formal para todos, sobretudo para os menos privilegiados que habitavam as áreas das zonas urbanas e rurais.       Após a I Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada na Dinamarca, em 1949, a Educação de Adultos tomou outro rumo, sendo concebida como uma espécie de Educação Moral. Dessa forma, a escola, não conseguindo superar todos os traumas causados pela guerra, buscou fazer um "paralelo" fora dela, tendo como finalidade principal contribuir para o resgate do respeito aos direitos humanos e para a construção da paz duradoura.       A partir da II Conferência Internacional de Educação de Adultos em Montreal, no ano de 1963, a Educação de Adultos passou a ser vista sob dois enfoques distintos: como uma continuação da educação formal, permanente e como uma educação de base ou comunitária.       Depois da III Conferência Internacional de Educação de Adultos em Tóquio, no ano de 1972, a Educação de Adultos volta a ser entendida como suplência da Educação Fundamental, reintroduzindo jovens e adultos, principalmente analfabetos, no sistema formal de educação. A IV Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em Paris, em 1985, caracterizou-se pela pluralidade de conceitos, surgindo o conceito de Educação de Adultos.       Em 1990, com a realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizado em Jomtien, na Tailândia, entendeu-se a alfabetização de Jovens e Adultos como a 1ª etapa da Educação Básica, consagrando a idéia de que a alfabetização não pode ser separada da pós-alfabetização.

Page 68: A educação na Constituição

      Segundo Freire (apud Gadotti, 1979, p. 72), nos anos 40, a Educação de Adultos era entendida como uma extensão da escola formal, principalmente para a zona rural. Já na década de 50, a Educação de Adultos era entendida como uma educação de base, com desenvolvimento comunitário. Com isso, surgem, no final dos anos 50, duas tendências significati-vas na Educação de Adultos: a Educação de Adultos entendida como uma educação libertadora (conscientizadora) pontificada por Paulo Freire e a Educação de Adultos entendida como educação funcional (profissional).       Na década de 70, essas duas correntes continuaram a ser entendidas como Educação não-formal e como suplência da mesma. Com isso, desenvolve-se no Brasil a tão conhecida corrente: o sistema MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), propondo princípios opostos aos de Paulo Freire.       A Lei de Reforma nº 5.692/71 atribui um capítulo para o ensino supletivo e recomenda aos Estados atender jovens e adultos.

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      A Lei de Reforma nº 5.692, que dedicou, pela

Capítulo IV Do ensino supletivo

Art.24 - O ensino supletivo terá por finalidade: a) Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não tenham seguido ou concluído na idade própria; b) Proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte.

Parágrafo único - O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação.

Art.25- O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos.

§1º- Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam. §2º- Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos.

Art.26- Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo-comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão, quando realizados para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo estabelecido pelo mesmo Conselho.

§1º- Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se: Ao nível de conclusão do ensino de 1º grau, para os maiores de 18 anos; Ao nível de conclusão do ensino de 2º grau, para os maiores de 21 anos; §2º- Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos de Educação. §3º- Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo respectivo Conselho de Educação.

Art.27- Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do ensino de 1º grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos, em complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou de 2º grau, cursos intensivos de qualificação profissional.

Parágrafo único - Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a prosseguimento de estudos quando incluírem disciplinas, áreas de estudos e atividades que os tornem equivalentes ao ensino regular, conforme estabeleçam as normas dos vários sistemas.

Art.28- Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos à conclusão de cursos de aprendizagem e qualificação serão expedidos pelas instituições que os mantenham.

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primeira vez na história da educação, um capítulo ao ensino supletivo, foi aprovada em 11 de agosto de 1971 e veio substituir a Lei nº 4.024/61, reformulando o ensino de 1º e 2º graus. Enquanto a última LDB foi resultado de um amplo processo de debate entre tendências do pensamento educacional brasileiro, levando treze anos para ser editada, a Lei de Reforma nº 5.692/71 foi elaborada em um prazo de 60 dias, por nove membros indicados pelo então Ministro da Educação Coronel Jarbas Passari-nho.       O passo seguinte foi dado pelo MEC quando instituiu um grupo de trabalho para defi-nir a política do Ensino Supletivo e propor as bases doutrinárias de Valnir Chagas. O ensino supletivo foi apresentado como um manancial inesgotável de soluções para ajustar, a cada instante, a realidade escolar às mudanças que se operavam em ritmo crescente no país e no mundo.       Segundo Soares (2002), o Parecer nº 699/72, do conselheiro Valnir Chagas, estabele-ceu a doutrina para o ensino supletivo. Os exames supletivos passaram a ser organizados de forma centralizada pelos governos estaduais. Os cursos, por outro lado, passaram a ser orga-nizados e regulamentados pelos respectivos Conselhos de Educação. O Parecer nº 699/72 foi elaborado para dar fundamentação ao que seria a doutrina de ensino superior. Nesse sentido, ele viria a "detalhar" os principais aspectos da Lei nº 5.692, no que tange ao ensino supletivo, facilitando sua compreensão e orientando sua execução.       A estrutura de Ensino Supletivo, após a LDB de 1971, seguiu a orientação expressa na legislação de procurar suprir a escolarização regular daqueles que não tiveram oportunidade anteriormente na idade própria. As formas iniciais de atendimento a essa prerrogativa foram os exames e os cursos. O que até então era a "madureza" passou ao controle do Estado, foi redefinido e se transformou em Exames Supletivos. A novidade trazida pelo Parecer nº 699/72 estava em implantar cursos que dessem outro tratamento ao atendimento da população que se encontrava fora da escola, a partir da utilização de novas metodologias.       A Lei nº 5692/71 concedeu flexibilidade e autonomia aos Conselhos Estaduais de Educação para normatizarem o tipo de oferta de cursos supletivos nos respectivos Estados. Isso gerou grande heterogeneidade nas modalidades implantadas nas unidades da federação. Para implementar a legislação, a Secretaria Estadual da Educação criou, em 1975, o departamento de Ensino Supletivo (DESU) em reconhecimento à importância crescente que essa modalidade de ensino vinha assumindo.       Segundo Soares (apud Haddad, 1991, p. 189), durante o período entre 1964 e 1985, foi revelado que o Estado procurava introduzir a utilização de tecnologias como meio de solu-ção para os problemas da Educação.

 

 

      Segundo Paiva (apud Gadotti, 1995, p. 31), até a 2ª Guerra Mundial, a Educação de Adultos no Brasil era integrada à Educação Popular, ou seja, uma educação para o povo, difu-são do ensino elementar.       Somente depois da 2ª Guerra Mundial é que a Educação de Adultos foi concebida

      Esta idéia de tecnologia a serviço do econômico e do pedagógico perdurou por todo o período estudado. O Estado se propunha a oferecer uma educação de massas, a custos baixos, com perspectiva de democratizar oportunidades educacionais, "elevando" o nível cultural da população, nível este que vinha perdendo quali-dade pelo crescimento do nº de pessoas, segundo sua visão. (HADDAD, 1989)

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como independente do ensino elementar.       De acordo com Paiva (apud Gadotti, 1995, p. 31), a Educação de Adultos, em âmbito histórico, pode ser dividida em três períodos:       1º - de 1946 a 1958, quando foram realizadas campanhas nacionais de iniciativa ofi-cial para erradicar-se o analfabetismo;       2º - de 1958 a 1964. Em 1958 foi realizado o 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, tendo a participação marcante de Paulo Freire. Esse congresso abriu as portas para o problema da alfabetização que desencadeou o Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire e extinto pelo Golpe de Estado de 1964.       3º - O MOBRAL, que foi concebido como um sistema que visava ao controle da al-fabetização da população, principalmente a rural. Com a redemocratização (1985), a "Nova República" extinguiu o MOBRAL e criou a Fundação Educar. Assim sendo, a Educação de Adultos foi enterrada pela "Nova República".       Em 1989, em comemoração ao Ano Internacional da Alfabetização, foi criada, no Brasil, a Comissão Nacional de Alfabetização, coordenada inicialmente por Paulo Freire e depois por José Eustáquio Romão.       Com o fechamento da Fundação Educar, em 1990, o Governo Federal ausenta-se desse cenário educacional, havendo um esvaziamento constatado pela inexistência de um ór-gão ou setor do Ministério da Educação voltado para esse tipo de modalidade de ensino.       A falta de recursos financeiros, aliada à escassa produção de estudos e pesquisas sobre essa modalidade, tem contribuído para que essa educação se torne uma mera reprodução do ensino para jovens e adultos.       Isso explica o histórico distanciamento entre sociedade civil e Estado no que diz respeito aos problemas educacionais brasileiros.       Hoje, o Governo encontra-se desarmado teórica e praticamente para enfrentar o problema de oferecer educação de qualidade para todos os brasileiros. Apesar da vigência da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, do Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, documentos da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, e da nova LDB nº 9.394/96, o Governo Brasileiro não vem honrando seus compromissos em relação a tão importante e delicado problema.

      Sabemos que a educação é um direito de todos e um dever do Estado. Se sabemos que a grande maioria da população, principalmente os menos favorecidos, não tem acesso à educação, até onde podemos levar essa afirmação a sério?       Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, constam no Título V, Capítulo II, Seção V, dois Artigos relacionados, especificamente, à Educação de Jovens e Adultos:

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No Plano Nacional de Educação, temos como um dos objetivos e prioridades:

Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Art. 38 - Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I. no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II. no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

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      Apesar de todas essas propostas e segundo Freire (apud Gadotti, 1979, p. 72), a UNESCO nos mostra, através de dados, que o número de analfabetos no mundo tem aumentado e o Brasil engrossa cada vez mais essas estatísticas.       Esse fracasso, de acordo com Freire (apud Gadotti, 1979, p. 72), pode ser explicado por vários problemas, tais como: a concepção pedagógica e os problemas metodológicos, entre outros.       A Educação de Jovens e Adultos deve ser sempre uma educação multicultural, uma educação que desenvolva o conhecimento e a integração na diversidade cultural, como afirma Gadotti (1979), uma educação para a compreensão mútua, contra a exclusão por motivos de raça, sexo, cultura ou outras formas de discriminação e, para isso, o educador deve conhecer bem o próprio meio do educando, pois somente conhecendo a realidade desses jovens e adultos é que haverá uma educação de qualidade.       Considerando a própria realidade dos educandos, o educador conseguirá promover a motivação necessária à aprendizagem, despertando neles interesses e entusiasmos, abrindo-lhes um maior campo para o atingimento do conhecimento. O jovem e o adulto querem ver a aplicação imediata do que estão aprendendo e, ao mesmo tempo, precisam ser estimulados para resgatarem a sua auto-estima, pois sua "ignorância" lhes trará ansiedade, angústia e "complexo de inferioridade". Esses jovens e adultos são tão capazes como uma criança, exi-gindo somente mais técnica e metodologia eficientes para esse tipo de modalidade.

      2.3 Paulo Freire: pensamento, política e educação       Segundo estudos realizados por Gerhardt (2002) e elucidados em seu trabalho intitulado Uma voz européia: arqueologia de um pensamento, Paulo Freire nasceu no Recife, na mais pobre área dessa grande nação latino-americana. Embora criado em uma família de clas-se média, interessou-se pela educação dos oprimidos de sua região. Formou-se em Direito e desenvolveu um "sistema" de ensino para todos os níveis da educação. Foi encarcerado duas vezes em seu país e tornou-se famoso no exterior. Hoje, Paulo Freire é considerado o mais conhecido educador de nosso tempo.       Paulo Freire dá início a trabalhos com iniciativas populares, quando decide organizar, juntamente com paróquias católicas, projetos que abrangem desde o jardim de infância até à educação de adultos, objetivando o desenvolvimento do currículo e a formação de professo-res. O resultado desse trabalho foi partilhado com outros grupos: técnicas como estudo em grupo, ação em grupo, mesas redondas, debates e distribuição de fichas temáticas eram prati-cados nesse tipo de trabalho.       Foi a partir do desenvolvimento desse projeto que se começou a falar de um sistema de técnicas educacionais, o "Sistema Paulo Freire", que podia ser aplicado em todos os graus da educação formal e da não-formal. Mais tarde, nas décadas de 70 e 80, no seu trabalho em alfabetização, um elemento do sistema foi interpretado sob a denominação

      Garantia de ensino fundamental a todos os que não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. A erradicação do analfabetismo faz parte dessa prioridade, considerando-se a alfabetização de jovens e adultos como ponto de partida e intrínseca desse nível de ensino. A alfabetização dessa população é entendida no sentido amplo de domínio dos instrumentos básico da cultura letrada, das operações matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da diversidade do espaço físico e político mundial da constituição brasileira. Envolve, ainda, a formação do cidadão responsável e consciente de seus direitos. (Plano Nacional de Educação - introdução: objetivos e prioridades dois)

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"Método Paulo Freire" e "conscientização" como um passe-partout para a revolução. Por essa razão, Paulo Freire parou de usar essas expressões, enfatizando o caráter político da educação e sua neces-sária "reinvenção" em circunstâncias históricas diferentes.       Em 1960, Paulo Freire, trabalhando como coordenador dos projetos de educação de adultos, apóia a criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), mas, infelizmente, militan-tes católicos, protestantes e comunistas interpretam suas tarefas educativas de modo diferente e criam uma cartilha de alfabetização de adultos, escolhendo uma diretriz política de aborda-gem. Paulo Freire foi contra essa prática, pois a mesma consistia no ensino de mensagens prontas aos analfabetos, a fim de manipulá-los.       Ele estava convencido da capacidade inata das pessoas, pois já fizera experiências nos domínios visual e auditivo enquanto elas aprendiam a ler e a escrever. Contudo, ainda assim faltava o estímulo com que Freire poderia evocar o interesse pelas palavras e sílabas em pes-soas analfabetas. Faltava a "consciência" dos termos individuais.       A experiência mostrou para ele que não era suficiente começar com uma discussão intensa da realidade. Analfabetos são fortemente influenciados por suas falhas na escola e em outros ambientes de aprendizagem. A fim de reduzir esses obstáculos e provocar um impulso motivador, Freire experimentou verificar a distinção entre as habilidades de seres humanos e de animais em seus ambientes particulares.       Freire começou a experimentar essa nova concepção na alfabetização, no círculo cultural que ele mesmo coordenava como monitor e cujos membros conhecia pessoalmente. Freire relata que na 21ª hora de alfabetização, um participante era capaz de ler artigos simples de jornal e escrever sentenças curtas. Os slides, particularmente, criavam grande interesse e contribuíam para a motivação dos participantes. Depois de 30 horas (sendo uma hora por dia, durante cinco dias da semana) a experiência foi concluída. Três participantes tinham aprendido a ler e escrever. Podiam ler textos curtos e jornais e escrever cartas. Dois participantes evadiram-se. Assim nasceu o "Método Paulo Freire de Alfabetização".       Na sua aplicação na cidade de Diadema (SP), nos anos de 1983-86 e, parcialmente, na tão discutida estrutura do MOVA-SP na cidade de São Paulo (1989-92), durante a "administração Freire" na Secretaria Municipal de Educação, os vários passos do método permaneceram os mesmos, embora houvesse mudanças na ordem e no conteúdo, de acordo com a situa-ção sócio-econômica dos vários locais de alfabetização.       Com a criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), Paulo Freire passou a ser um dos seus líderes mais atuantes. Como ocorria na prática dos "Projetos" do MCP, o Projeto de Educação de Adultos desdobrava-se em outros programas ou projetos de menor amplitude.       O "método" teve um irresistível sucesso em todo o Brasil. Era possível agora tornar os iletrados - eram cerca de 40 milhões nessa época - alfabetizados (como alfabetizados eles podiam votar) e conscientes dos problemas nacionais. Reformistas e revolucionários de esquerda investiram em Freire, e em sua equipe, que logo se encarregou de implementar o Plano Nacional de Alfabetização (1963). Dinheiro surgia de todas as fontes e, dentre elas, destacavam-se o escritório regional da Aliança para o Progresso de Recife, os governos reformistas do Nordeste e o Governo Federal populista de João Goulart.       Conquanto, já coordenador nacional da torrente alfabetizadora, com a rápida expansão do Movimento Popular de Educação em seu país, Freire estava atento às armadilhas que a implementação nacional de sua e de outras concepções poderia causar. A dificuldade expressou-se na campanha-piloto em Brasília, que claramente apontava

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para o dilema do mais famoso educador brasileiro, cuja "ação cultural para a liberdade" encontrava obstáculos para ser implementada no contexto do sistema educacional em vigor no país.       A derrubada do Governo Federal pelas forças militares brasileiras, em março de 1964, interrompeu a grande experiência. A segunda chance de Freire (apud Gadotti, 1979, p. 71), em um alto posto administrativo só ocorreria 25 anos depois e colocaria o mesmo dilema para si e seus colaboradores.       Encarcerado duas vezes por causa de seu "método subversivo", Paulo Freire teve a embaixada da Bolívia como a única a aceitá-lo como refugiado político. O governo boliviano contratou seus serviços de consultor educacional para o Ministério da Educação. Porém, vinte dias após sua chegada a La Paz, ele testemunhou um novo golpe de Estado contra a administração reformista de Paz Estensoro. Freire decidiu, então, buscar refúgio no Chile, onde, através da vitória de uma aliança populista, o democrata-cristão Eduardo Frei assumira o poder.       Freire permaneceu no Chile por quatro anos e meio, trabalhando no instituto governa-mental chamado ICIRA (Instituto de Pesquisa e Treinamento em Reforma Agrária) e, também governamental, "Escritório Especial para a Educação de Adultos", sob a coordenação de Waldemar Cortéz.       Nesse período, Freire analisou a questão da "extensão rural". Ele opôs o conceito de extensão da cultura ao de comunicação sobre cultura. Para ele, o primeiro é "invasor", enquanto o segundo promove a conscientização. Destacava que a interação entre os camponeses e os agrônomos deveria promover a comunicação dialógica. Não se pode aprender, se o novo conhecimento é contraditório com o contexto do aprendiz. O educador-agrônomo que não conhece o mundo do camponês não pode pretender sua mudança de atitude. A intenção incipiente era enfatizar os princípios e fundamentos de uma educação que promove a prática da liberdade. Essa prática não pode ser reduzida a um simples suporte técnico, mas inclui o esforço humano para decifrar-se e decifrar os outros.       Em 1967, Freire foi, pela primeira vez, aos Estados Unidos como conferencista de se-minários promovidos nas universidades de vários Estados.       Paulo Freire estava ansioso para "experimentar" a cultura norte-americana, para des-cobrir o Terceiro Mundo (guetos, favelas) no Primeiro Mundo. Entretanto, ele lamentaria a perda de contacto com qualquer tipo de experiência pedagógica nos países em desenvolvimento. Considerava insatisfatório deixar a América do Sul e só estudar em bibliotecas. Desse modo, sugeriu que ficaria em Harvard apenas por seis meses.       Somente após 1970, a teoria e a prática pedagógicas de Paulo Freire tornaram-se reco-nhecidas no Mundo.       No Brasil, antes de 1964, Freire estava ciente das dificuldades e dos custos políticos envolvidos em seu programa pedagógico. Entretanto, seus postulados epistemológicos conduziram-no a interpretar tais resistências como algo acidental e destinado a ser removido por meio de oposição tática a uma dada ditadura e seus respectivos interesses. Com a adoção explícita de uma perspectiva política nova, seus postulados teóricos relativos à ideologia e ao conhecimento mudaram. Do "tático", Freire deslocou-se para o "estratégico". O "processo de conscientização" tornou-se sinônimo de luta de classes. Integração cultural mudou para revolução política.       Paralelamente a essa mudança do pensamento de Freire, em direção ao radicalismo re-volucionário, um outro deslocamento também teve lugar em relação ao significado e implicações de um verdadeiro conceito de conscientização. A prática educativa tornou-se uma práxis mais revolucionária e uma maior ênfase foi colocada no tema do compromisso para com o oprimido.

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      Entre 1975 e 1980, Freire trabalhou também em São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola e Nicarágua, sempre como um militante, e não apenas como um técnico, que combi-nava seu compromisso com a causa da libertação com o amor para com os oprimidos. O Estado africano de São Tomé e Príncipe, recém libertado da colonização portuguesa, confiou a Freire um programa de alfabetização. Os resultados desse programa superaram as expectativas. Quatro anos depois, Freire recebeu uma correspondência do Ministro da Educação informando que tanto os 55% dos estudantes matriculados nas escolas não eram mais analfabetos, quanto os 72% que já tinham concluído o curso.       Em agosto de 1979, Freire visitou o Brasil durante um mês e seu retorno definitivo ao Brasil ocorreu em março de 1980.       Freire chegou ao Brasil quando o Movimento de Educação Popular, que ele ajudou a implantar nos anos 60, estava tendo seu segundo momento de influência. Era uma época de crise econômica, com o conseqüente desejo dos comandos militares, diante da impopularidade do regime e das forças armadas, de abandonar o governo. Paulo teve de "reaprender" seu país. Descobriu logo que os mesmos atores sociais dos idos da década de 60 ainda tinham influências políticas.       A classe trabalhadora brasileira, que durante a ditadura militar (1964-1984) tinha su-portado o maior ônus do "Milagre Brasileiro" e que ainda sofria a "Crise da Dívida Brasileira", parecia estar mais organizada e trabalhava nos seus próprios projetos políticos. Dentre eles, destacava-se a fundação de um novo partido político, o "Partido dos Trabalhadores" (PT), do qual Paulo Freire tornou-se membro-fundador em 1980.       A classe média - esmagada por consideráveis perdas na renda - mais uma vez radicali-zava, juntando forças com a classe trabalhadora, tornando-se a mais ativa na proposição da redemocratização do país (1978-1984).       Paulo Freire idealizou e testou tanto um sistema educacional quanto uma filosofia de educação, primariamente nos vários anos de seu ativo envolvimento na América Latina. Seu trabalho foi, posteriormente, desenvolvido nos Estados Unidos, na Suíça, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, na Nicarágua e em vários outros países do Terceiro e do Primeiro Mundo. A concepção educacional freireana centra-se no potencial humano para a criatividade e a liberdade no interior de estruturas político-econômico-culturais opressoras. Ela aponta para a descoberta e a implementação de alternativas libertadoras na interação e transformação sociais, via processo de "conscientização". "Conscientização" foi definida como o processo no qual as pessoas atingem uma profunda compreensão, tanto da realidade sócio-cultural que conforma suas vidas, quanto de sua capacidade para transformá-la. Ela envolve entendimento praxiológico, isto é, a compreensão da relação dialética entre ação e reflexão. Freire propõe uma abordagem praxiológica para a educação, no sentido de uma ação criticamente reflexiva e de uma reflexão crítica que seja baseada na prática.       O sistema educacional e a filosofia da educação de Freire têm suas referências em uma miríade de correntes filosóficas, tais como Fenomenologia, Existencialismo, Personalismo Cristão, Marxismo Humanista e Hegelianismo, cujo detalhado enfoque ultrapassaria os limites desse perfil. Ele participou da importação de doutrinas e idéias européias para o Brasil, assimilando-os às necessidades de uma situação sócio-econômica específica e, dessa forma, expandindo-as e refocalizando-as em um modo de pensar provocativo, mesmo para os pensadores e intelectuais europeus e norte-americanos.       Para decepção de muitos intelectuais acadêmicos tradicionais do Primeiro Mundo, sua filosofia e "sistema" tornaram-se tão correntes e universais que os "temas geradores" permaneceram no centro dos debates educacionais da pedagogia crítica nas

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últimas três décadas.       Freire experimentou várias expressões da opressão. Ele as usou para formular sua crí-tica e análise institucional, dos modos pelos quais as ideologias dominantes e opressivas estão encravadas nas regras, nos procedimentos e nas tradições das instituições e sistemas. Fazendo isso, ele permanecerá o utópico que é, mantendo sua fé na capacidade do povo em dizer sua palavra e, dessa forma, recriar o mundo social, estabelecendo uma sociedade mais justa.

      2.4 Métodos e Práticas       Há décadas que se buscam métodos e práticas adequadas ao aprendizado de jovens e adultos, como por exemplo, com Paulo Freire:

 

 

 

      Com isso, notamos que desde os anos 70, ou até mesmo antes, o uso da cartilha e metodologias inadequadas na educação de jovens e adultos preocupavam os educadores da época e, infelizmente, essa problemática permeia os tempos atuais:

 

      Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual procura-mos um método que fosse capaz de fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse, como claramente observou um jovem sociólogo brasileiro (Celso Beisiegel), o conteúdo da aprendizagem com o processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma. (FREIRE, 1979, p. 72)

      Que a educação seja o processo através do qual o indivíduo toma a história em suas próprias mãos, a fim de mudar o rumo da mesma. Como? Acreditando no educando, na sua capacidade de aprender, descobrir, criar soluções, desafiar, enfrentar, propor, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha.       Mas isso não será possível se continuarmos bitolando os alfabetizandos com desenhos pré-formulados para colorir, com textos criados por outros para copia-rem, com caminhos pontilhados para seguir, com histórias que alienam, com métodos que não levam em conta a lógica de quem aprende. (FUCK, p. 14 e 15, 1994)

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      Hoje, como ontem, as posições de Paulo Freire com respeito à busca de novas práticas educativas ganham força e nos levam a refletir:

 

 

 

 

 

      Essa reflexão leva-nos a buscar novas metodologias, adequadas à realidade do educando, não seguindo a padronização da cartilha que reduz o aprendizado a símbolos pré-determinados e que não condizem com o contexto:

      O papel do educador é mediar a aprendizagem, priorizando, nesse processo, a bagagem de conhecimentos trazida por seus alunos, ajudando-os a transpor esse conhecimento para o "conhecimento letrado".

 

      Alfabetização é a aquisição da língua escrita, por um processo de construção do conhecimento, que se dá num contexto discursivo de interlocução e intera-ção, através do desvelamento crítico da realidade, como uma das condições necessárias ao exercício da plena cidadania: exercer seus direitos e deveres frente à sociedade global. (FREIRE, p. 59, 1996)

      A aquisição do sistema escrito é um processo histórico, tanto a nível onto-genético, como a nível filogenético. O sistema escrito é produzido historicamente pela humanidade e utilizado de acordo com interesses políticos de classe. O sistema escrito não é um valor neutro. (FREIRE, p. 59, 1996)

      A alfabetização não pode ser reduzida a um aprendizado técnico-linguístico, como um fato acabado e neutro, ou simplesmente como uma construção pessoal intelectual. A alfabetização passa por questões de ordem lógico-intelectual, afetiva, sócio-cultural, política e técnica. (FREIRE, p. 60, 1996)

      As cartilhas não consideram a peculiar lógica do desenvolvimento cognitivo do aluno, apoiando-se tão-somente na lógica do sistema de escrita de ensinar. (FUCK, p. 14, 1994)

      A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. (FERREIRO, 2001, p. 43)

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3 METODOLOGIA       O presente estudo tem como referenciais metodológicos, a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e, por fim, a pesquisa empírica.       A pesquisa bibliográfica consiste no estudo das teorias de Freire em Educação e Mudança (1979) e A experiência do MOVA (1996), Fuck em Alfabetização de Adultos (1994), Ferreiro em Reflexões sobre alfabetização (2001), entre outros, possibilitando, assim, um conhecimento teórico que servirá como alicerce para a fundamentação de conceitos que envolvam a prática educativa de jovens e adultos.       O desenvolvimento da pesquisa consiste na leitura de autores que desenvolveram pesquisas que perpassam a temática em estudo, a fim de embasar teoricamente toda a pesquisa.       Já a pesquisa documental analisa a implementação, a regularização e as reformas legais que ocorreram ao longo da história da EJA. Essa modalidade de pesquisa permite analisar documentos que se constituem de dados ricos e estáveis, podendo ser obtidos sem um contato direto com o sujeito da pesquisa.       Na pesquisa empírica foi realizada uma entrevista coletiva, feita em sala de aula, du-rante o processo ensino-aprendizagem, com educandos partícipes da pesquisa e um questioná-rio composto de questões abertas e fechadas para os docentes dos alunos, sujeitos da pesquisa.       A observação do campo foi realizada concomitantemente com a entrevista para garantir uma maior confiabilidade, visto a mesma ser coletiva.       O levantamento dos materiais didáticos utilizados na 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental foi realizado para que se torne possível a análise desse material a fim de verificar se há adequação ou não entre a realidade e as necessidades educativas dos jovens e adultos.       A fim de maximizar a confiabilidade dos resultados obtidos nessa pesquisa, tem-se, como procedimento, a realização de um instrumento de registro das observações, onde serão feitas as anotações de fatos relevantes ao estudo.       A amostra foi composta por 20 alunos de uma Escola Estadual que freqüentam as classes de 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental. Já na Escola Municipal, a amostra é composta por 40 alunos que freqüentam as classes de 1ª série nível 1 e nível 2 do 1º segmento do Ensino Fundamental.       O campo de pesquisa consistiu em 2 escolas, sendo 1 estadual (escola de grande porte, localizada no centro da cidade, de fácil acesso, recebendo alunos oriundos de diversos distritos pertencentes a uma classe social menos favorecida) e 1 municipal (escola de pequeno porte, localizada no centro da cidade, de difícil acesso, recebendo alunos oriundos de diversos distritos também pertencentes a uma classe social menos favorecida), onde os sujeitos da pesquisa eram oriundos do ensino formal ou nunca tiveram acesso à Educação Básica.       Após a coleta dos dados, realizamos a organização e análise do material coletado, seguindo-se a interpretação dos resultados.

      3.1 Coleta dos dados       A pesquisa foi realizada em 3 turmas distintas, sendo 2 em Escola Estadual e a outra

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em Escola Municipal. Com os educandos, sujeitos da pesquisa, foi realizada uma entrevista coletiva e com os educadores dos sujeitos da pesquisa, um questionário composto por questões abertas e fechadas.

      CAMPO I - em uma Escola Estadual, uma turma de 1ª série nível 1, composta por 10 alunos (todos estavam presentes) em uma faixa etária entre 30 e 70 anos, cujas atividades profissionais são: aposentado, gari, doméstica, do lar e vendedora.

      CAMPO II - em uma Escola Estadual, uma turma de 1ª série nível 2, composta por 10 alunos (todos estavam presentes) em uma faixa etária entre 18 e 60 anos, cujas atividades profissionais são: faxineira, doméstica, serviços gerais, manicure, jardineiro e dama de com-panhia.

      CAMPO III - em uma Escola Municipal, uma turma multisseriada (1ª série nível 1 e 1ª série nível 2), composta por 40 alunos (25 alunos estavam presentes) em uma faixa etária entre 14 e 70 anos, cujas atividades profissionais são: doméstica, confeccionista, vendedora, motorista, estampador e do lar.  

 

4 RESULTADOS

      4.1 Análise dos Dados

            4.1.1 Entrevista Coletiva

ENTREVISTA COLETIVA

QUESTÕES/ALUNOS CAMPO I CAMPO II CAMPO III

Estudos antes da EJA

Dos 10 alunos presentes, 1

aluno já havia estudado

Dos 10 alunos presentes, 1

aluno já havia estudado.

Dos 25 alunos presentes, 7 já

haviam estudado.

Por que está estudando

Antes se sentia humilhada;Necessidade

para o trabalho;Quer tirar

habilitação;

Necessidade para o trabalho

Necessidade para o

trabalho;Porque tem vontade de aprender;Ajuda a

ensinar os filhos

O que gosta de fazer em sala de aula

Aprender AprenderLeitura e operações

matemática

Page 81: A educação na Constituição

Como aprendeAtravés da professora

Através da professora

Através da professora

Utilização da cartilha Sim Sim Sim

Satisfação com o uso da cartilha

Todos os 10 alunos

consideram a cartilha ótima

Todos os 10 alunos

consideram a cartilha ótima

Dos 25 alunos presentes, 5 alunos estão insatisfeitos

com o uso da cartilha

Utilização de outros materiais

Jogos, jornal, folha

mimeografada e caderno.

Folha mimeografada

e caderno.

Jornal, revista, outros livros, jogos (recorte

e colagem)

Aprendizagem sem a utilização de cartilha?

Não Sim Sim

Tipo de cartilha

TradicionalEu gosto de

Lere Escrever

Célia Passos e Zeneide Silva

TradicionalEu gosto de

Lere Escrever

Célia Passos e Zeneide Silva

ConstrutivistaTodas as letras

- Alfabetização

-Marisley Augusto

      Ao realizar a primeira visita ao CAMPO I, a professora foi bastante receptiva, não colocando empecilho na aplicação da pesquisa. A professora demonstrou-se clara, segura e bas-tante objetiva em suas respostas.       Já em primeira instância, notou-se um contexto diferenciado. Encontramos três grupos de trabalho na sala de aula: um grupo estava realizando atividades, um outro estava tendo atendimento individualizado com a professora e o outro estava trabalhando com jogos educativos.       A sala de aula apresentava-se um ambiente estimulador de leitura e escrita, com muitos cartazes e jogos educativos. Isso se deve ao fato de, na mesma sala, funcionar uma turma de educação especial com a mesma professora, que utiliza assim os mesmos recursos.       Essa turma também faz a utilização da cartilha, mas cada aluno encontra-se em um estágio diferente e segue o seu próprio ritmo de aprendizagem. Os alunos mencionaram a importância da cartilha, por não deixar a aprendizagem tornar-se fragmentada. Essa turma já teve uma experiência no ano anterior com uma professora que não utilizava a cartilha e que trabalhava livremente a questão da leitura/escrita, fazendo uso apenas do quadro-negro e giz. A experiência, infelizmente, não trouxe resultados positivos para os alunos, que, ao longo de todo o ano, não conseguiram avançar em seu nível de aquisição da língua escrita.       Ao realizar a 1ª visita ao CAMPO II, a professora impediu a entrada das pesquisadoras na sala de aula, solicitando que as mesmas retornassem em data específica marcada por ela.       No dia marcado, retornamos e percebemos que durante toda a pesquisa a professora apresentou-se preocupada e ansiosa, falando muito e tentando responder as perguntas

Page 82: A educação na Constituição

antes mesmo de serem feitas.       Notou-se que a postura da professora, os materiais didáticos (folha, cartilha e caderno), a própria sala de aula e a atividade que estava sendo realizada no momento da pesquisa já refletiam o que se pôde constatar ao término da mesma: um ambiente alfabetizador tradicional. Os educandos demonstraram estar satisfeitos com os resultados alcançados até o momento, isto também se deveu ao fato de não terem vivenciado uma outra realidade.       O trabalho realizado pela professora ao utilizar a cartilha é coletivo.       A professora relatou a utilização de materiais didáticos como: cartazes, cartões e textos informativos, etc. mas, no momento da pesquisa, não foi observado essa diversidade de material. Foi possível observar uma atividade de matemática, em uma folha mimeografada, com as quatro operações em grau elevado de dificuldade, resultando em uma resolução bastante complexa para o nível da turma.       Foi relatada, tanto pelos alunos, quanto pela professora, a preocupação com relação à continuidade dos estudos, já que como determina a Lei 9394/96:

 

 

      Ao realizar a visita ao CAMPO III, a professora foi muito receptiva, deixando-nos realizar a pesquisa sem receio. Já os alunos demonstraram-se cautelosos, o que não nos impe-diu de realizar a pesquisa.       A turma, multisseriada (1ªNI e 1ªNII), era composta por mais de 40 alunos, onde, ora a professora realiza atividades com toda a turma, como trabalhos em grupo, cartazes, recorte e colagem entre outras, ora realizava atividades direcionadas para determinados grupos da tur-ma.       A professora relatou que utilizava a cartilha como material de apoio, por cobrança dos próprios alunos que mostram a necessitam de se ter um livro para ajudar na leitura e também como satisfação para os familiares.       Percebemos que alguns alunos não se encontram satisfeitos com o uso da cartilha, pois, segundo os próprios alunos, o conteúdo é repetitivo e massante.       Um fato que nos despertou a atenção foi que na escola o jantar é oferecido em "self-service", dando assim autonomia para os alunos escolherem o quanto e o que comer.       Por ser uma escola municipal, a professora relatou que os educadores do EJA partici-pam de um curso mensal, oferecido pela Secretaria Municipal de Educação: "PCNs em ação", em que é discutida essa modalidade de ensino e apresentado um

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino." Título IV - Art. 11 - inciso V

Page 83: A educação na Constituição

material enviado pelo MEC, específico para a EJA, estando o acesso restrito à Secretaria de Educação do Município de Petrópolis.

            4.1.2 Questionário

QUESTIONÁRIO

QUESTÕES CAMPO I CAMPO II CAMPO III

Sexo   Feminino Feminino

Idade   57 31

Formação profissional

 

Curso Normal - Pedagogia

(Orientação Educacional)

Formação de Professores -

Fonoaudiologia

Tempo de atuação no magistério

  39 10

Tempo de atuação na EJA

  12 6

Você fez alguma especialização para trabalhar

com a EJA?

 Cursos de

pequena duraçãoNão

O que você entende por

EJA? 

Entendo que seja a oportunidade

para o educando conquistar sua

autonomia, diminuindo,

assim, as desigualdades

sociais e aumentando as

chances de participação

política - social através de uma

consciência crítica.

Processo educativo para

jovens e adultos

Você trabalha com a EJA

fundamentada em algum

posicionamento teórico

específico? Qual? Porquê?

  Preocupo-me, antes de

desenvolver o conhecimento

cognitivo, conhecer o aluno como indivíduo, inserindo-o num

Adaptando as idéias de Paulo Freire, porque é o que mais se aproxima da

realidade do EJA

Page 84: A educação na Constituição

contexto social de onde deverá

sair o conteúdo a ser trabalhado.

(O EJA está passando para o

município)

O que você acha dos recursos que utiliza na EJA?

Por quê?

 

Gostaria de ter conteúdos

específicos para o EJA, como livros, slides,

contendo cenas do cotidiano,

explorar o estudo das palavras e famílias silábicas.

Poucos e fracos, porque não há

material específico para

EJA

Qual a sua visão da EJA?

 

Como professora, acho um trabalhado maravilhoso, gratificante. Gostaria que

houvesse maior empenho por parte da S.E.E

pela EJA

Apaixonada

Além dos livros didáticos, quais outros recursos que você utiliza

na EJA?

 

Quadro de giz, cartazes, cartões,

comentários sobre Programas

de TV, noticiários.

Jornais, revistas, jogos e tudo o

que pode melhorar o

aprendizado

Qual é a realidade sócio-econômica de seus alunos?

 

Assalariados - garis, faxineiros,

domésticas, porteiros,

jardineiros, lavadeiras; Biscateiros,

babás e manicure

Baixa

O material didático que

você utiliza está coerente com a

  Não. Tanto na escola quanto na

papelaria não encontrei livros

Não. Porque o material é quase sempre infantil

Page 85: A educação na Constituição

realidade de seus alunos? Por

quê?

específicos para adultos

Quais as dificuldades

encontradas na prática

profissional da EJA?

 

A maior dificuldade é a realidade dos

alunos. Muitos levantam-se as 5 h para preparar o

almoço e as marmitas, ficam

com sono durante as aulas - cansaço.Faltam

muito e saem cedo. Motivos:-

horário de ônibus com

muito espaço após as 20 h;-

alguns, além de trabalhar durante

o dia, são acompanhantes a

noite.

Falta de material, idade avançada, dificuldade em reter conteúdos,

etc.

      A professora, atuante no CAMPO I, demonstrou boa vontade em responder o questio-nário, mas não fez a devolução do questionário respondido.       A professora, atuante no CAMPO II, demonstrou-nos, em suas respostas, uma visão bastante crítica e consciente, apesar de sua pouca formação específica na EJA, o que infeliz-mente não foi o que pudemos constatar ao realizarmos a observação no campo.       Já a professora do CAMPO III, mesmo não tendo formação superior na área de educa-ção nem especialização na EJA, mostrou-se precisa e clara em suas respostas, sendo as mes-mas coerentes com a sua prática.

      4.2 Interpretação dos dados       Após fazer a analise e refletixão sobre os dados obtidos na pesquisa, pudemos con-cluir que as práticas educativas desenvolvidas na EJA no município de Petrópolis não são adequadas ao contexto e às necessidades educativas dos jovens e adultos pois, entre os mate-riais didáticos utilizados nessa modalidade, a cartilha é o ponto cêntrico para o processo da aquisição da leitura e escrita.       Apesar de o uso da cartilha ser eficaz, segundo FUCK (1994) os alfabetizandos são impedidos de se tornarem os construtores de seu próprio conhecimento, de aprender, desco-brir, criar soluções, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha, pois recebem tudo "pronto", o que bitola e não leva em consideração a lógica de quem aprende.       A necessidade de se adequar as práticas educativas à realidade desses alunos se deve

Page 86: A educação na Constituição

ao fato de os mesmos já possuírem um conhecimento cultural e um nível de subjetividade diferenciado das crianças do Ensino Regular.

 

      Dessa forma, a alfabetização de jovens e adultos pode ser mais bem compreendida dentro da "experiência do MOVA" de FREIRE (1996) que, ao explicar o processo de alfabe-tização, enfatiza que o processo de aquisição da língua escrita se dá em um contexto discursi-vo de interlocução e interação, através da elucidação crítica da realidade, levando o educando a tornar-se um cidadão cônscio de seu papel na sociedade global.       Para essa adequação se tornar viável, não basta somente revermos o material didáti-co, porém é preciso não só o educador repensar o seu papel enquanto mediador de uma apren-dizagem que priorize a bagagem de conhecimento trazidos por seus alunos, mas também a flexibilidade das instituições em permitir a realização de um trabalho diferenciado e investir em material didático e na qualificação dos profissionais dessa área.  

 

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

      Em nosso pensar, a EJA no município de Petrópolis está entrando em um estágio de transição, saindo de uma etapa em que a modalidade conta apenas com a utilização da cartilha (que não é escolhida pelos professores do EJA, mas sim o que excede no ensino regular) e do esforço individual dos profissionais da área, partindo para uma etapa de estudo e reflexão para futuras mudanças, baseando-se no material fornecido pelo MEC e que está sendo analisado no curso "PCNs em Ação" oferecido pela Secretaria Municipal de Petrópolis.       Com base em nosso estudo, pudemos concluir que toda a teoria sobre a EJA, que perpassa décadas e décadas, ainda continua em plano utópico, apesar dos educadores dessa modalidade terem este conhecimento e discurso embasados teoricamente.       O que impede esses educadores de colocar a teoria em prática? O que esses profis-sionais apontam como impedimento para uma prática educativa coerente com a realidade cul-tural de seus educandos é a falta de suporte de cunho financeiro e institucional, tais como: a falta de material específico, o apoio devido do Município e a cobrança indevida da direção da instituição.       A acomodação dos educandos é um outro fator que colabora para o estado de mes-mice dos educadores, pois esses se acostumaram com a cartilha como sendo o único meio de aquisição da leitura e escrita.

      Por essa razão não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma. (FREIRE, 1979, p. 72)

Page 87: A educação na Constituição

      Pensamos como seria a reação e a desenvoltura desses educandos freqüentadores da EJA ao se tornarem partícipes de projetos que atualmente estão sendo propostos como a alfa-betização digital. Será que não ocorreria uma resistência ao novo, ao diferente em uma clien-tela com pouca oportunidade de estudo? Ou será que, sendo trabalhado de forma eficaz, con-seguiria despertar o interesse em se utilizar as novas tecnologias, que a cada dia que passa compõem mais e mais o nosso cotidiano?       A partir dessas conclusões, temos em vista também algumas considerações no sentido de recomendar que sejam feitos cursos regulares de capacitação para os profissionais atuantes nas classes da EJA, para que os mesmos possam refletir sobre sua prática e criar estratégias para modificar essa prática descontextualizada; o investimento por parte do Município, subsi-diando materiais didáticos para que se possam criar ambientes estimuladores do processo da aquisição da leitura e da escrita; a parceria dos familiares e da própria instituição de ensino, em dar credibilidade à atuação dos educadores, no sentido de não cobrar que a cartilha seja utilizada e preenchida em um tempo mínimo fixado e, por fim, poder contar com a disposição, boa vontade e entusiasmo dos professores em assumir esse compromisso de mudança, para que esse espírito de transformação contagie e motive os educandos das classes da EJA, para que os mesmos também lutem para ser partícipes de uma prática educativa coerente com a realidade cultural por eles vivenciada.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10 maio 2002.

______. Plano Nacional de Educação. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10 maio 2002.

______.Lei de Diretrizes e Base da Educação nº 5692 de 11.08.71, capítulo IV. Ensino Supletivo. Legislação do Ensino Supletivo, MEC, DFU, Departamento de Docu-mentação e Divulgação, Brasília, 1974.

______.PARECER nº 699/71. Regulamenta o capítulo IV da Lei 5.692/71. 06 de julho de 1972. Constituição Federal de Educação. Rio de Janeiro.

CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: Leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. Petrópolis: Vozes, 1998.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. tradução de Moacir Gadotti e Lillian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

______. A experiência do MOVA. SP/ Brasil. Ministério da Educação e Desporto. Instituto Paulo Freire; Organização de Moacir Gadotti. São Paulo, 1996.

FUCK, Irene Terezinha. Alfabetização de Adultos. Relato de uma experiência

Page 88: A educação na Constituição

construtivista. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzales et al., 24. ed. Atualizada. São Paulo: Cortez, 2001.

GERHARDT, Heinz-Peter. Uma voz européia: Arqueologia de um pensamento. Disponível em: <http://www.ppbr.com/ipf/bio/europeia.html>. Acesso em: 11 maio 2002.

HADDAD, Sergio. Estado e Educação de Adultos (1964 - 1985). São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1991. 360 p.

PEREIRA, C. M.; MARQUES, V. P.; TORRES, E. F. Dos tempos da caverna ao computador. In: Revista Universidade e Sociedade, Ano 13, n. 17, jun. 1998 p. 28-30.

SOARES, Leôncio José Gomes. A Política Educacional. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br/a_política_educacional.asp?f_id_artigo=325>. Acesso em: 09 maio 2002.

VÓVIO, Cláudia Lemos. Viver, aprender: educação de Jovens e Adultos (Livro 1) São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1998.  

 

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ALVES, Alda Judith. O planejamento de pesquisas qualitativas em Educação. Faculdade de educação/UERJ.

DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000.

______. Pesquisa e construção do conhecimento. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

______. Pesquisas e construção: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

FAZENDA, Ivani (org.) Dicionário em construção. São Paulo: Cortez, 2001.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

GOLDEMBERG, Miriam. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997.

HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. 7. ed. Coimbra: Aménio Amando, 1978.

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LUDKE, Menga; ANDRÈ, Marli. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1991.

MOROZ, M; GIANFALDONI, M. H. T. A. O processo de pesquisa: iniciação. Brasília: 2002.

MOURA, M. L. S. et al. Manual de elaboração de projetos de pesquisa. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

OLIVEIRA, Sílvio Luiz. Tratado de metodologia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

PÁDUA, Elizabete M. M. de. Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática. 5. ed. Campinas: Papirus, 2000.

SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1995.  

 

APÊNDICE I

      Prezado (a) Professor (a),       No trabalho que ora desenvolvemos para a elaboração do nosso projeto de pesquisa, precisamos obter algumas informações acerca de sua visão sobre o material didático que são utilizados na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para tal, solicito a sua colaboração respondendo às questões abaixo.

Sexo: ______________

Idade: ______________

Formação profissional: ________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Tempo de atuação no magistério: ____ anos

Tempo de atuação na EJA: ____ anos

Você fez alguma especialização para trabalhar com a EJA? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

O que você entende por EJA?

Page 90: A educação na Constituição

___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Você trabalha com a EJA fundamentada em algum posicionamento teórico específico? Qual? Porquê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

O que você acha dos recursos que utiliza na EJA? Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Qual a sua visão da EJA? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Além dos livros didáticos, quais outros recursos que você utiliza na EJA? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Qual é a realidade sócio-econômica de seus alunos? ______________________________________________________________________

Page 91: A educação na Constituição

_____ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

O material didático que você utiliza é coerente com a realidade dos alunos? Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

Quais as dificuldades encontradas na prática profissional da EJA? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________  

 

Para referência desta página: ROCHA, Halline Fialho da; KARL, Helena de Azevedo; VEIGA, Marise Schmidt; GUIMARÃES, Michele. As Práticas Educativas na Educação de Jovens e Adultos. Pedagogia em Foco. Petrópolis, 2002. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/jovens01.html>. Acesso em: dia mes ano.