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A Doutrina da Igreja
Edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela (Mt 16.18)
Lembra-te, Senhor, de tua igreja, para salvá-la de todo mal e para
aperfeiçoá-la em teu amor. Conduze aquela que tu santificaste e
reúne-a dos quatro ventos no teu reino que lhe preparaste. Pois teu
são o poder e a glória para sempre. (Didaquê)
Apostila elaborada pelo Pr. Tiago Abdalla T. Neto
1
CAPÍTULO 1: A Natureza da Igreja e Suas Funções
A. O QUE É A IGREJA?
Sentido Original: Palavra grega ekklesia indicava a “assembléia dos moradores de uma
cidade”, visando resolver questões pertinentes à vida comum.
Usos da palavra no Novo Testamento: Há tanto o sentido grego comum do termo (cf.
At 19.32, 39, 41), como, também, a idéia de reunião de uma comunidade, no caso, Israel
junto ao Monte Sinai (At 7.38). Nas demais passagens, assume um sentido peculiar
neotestamentário, relacionado à Igreja de Cristo:
A. Igreja Universal – Descreve a igreja como o organismo espiritual composto
de todos os crentes, verdadeiramente regenerados por meio da fé em Cristo.
As ilustrações que expressam essa unidade e compromisso com Cristo são o
Corpo (Ef 1.22-23; 4.15-16; Cl 1.18, 24) e a Noiva (Ef 5.22-32). Assim, os
crentes são inseridos no Corpo de Cristo por meio do Espírito Santo (1 Co
12.13), ao crerem na mensagem do evangelho (Ef 1.13-14). A Igreja
universal, composta pelos verdadeiros santos, é lavada de seus pecados e
santificada por Cristo (Ef 5.25-27). Ele é o Senhor da Igreja (Ef 1.22-23) e
apenas Ele conhece quem de fato lhe pertence (2 Tm 2.19).
B. Igreja Local – Este é o uso mais numeroso da palavra e retrata a comunidade
de cristãos de uma determinada região, cidade ou área geográfica maior. A
ênfase está no povo que compõe as igrejas locais (At 8.1; 9.31; 11.22; Rm
16.1, 5, 16; 1 Co 16.19; 1 Ts 1.1; Fm 2)
C. Reunião de Culto Cristão – O agrupamento de pessoas que confessam a
Cristo como seu Salvador, com o propósito de adorar a Deus e desenvolver a
comunhão mútua (1Co 11.18; 14.19).
B. A IGREJA UNIVERSAL E SUA NATUREZA DESCENTRALIZADORA
A Igreja universal, o povo de Deus no Novo Testamento, se distingue de Israel, o povo
de Deus no Antigo Testamento. A Igreja não pode ser chamada de o novo Israel de
Deus, pois os autores bíblicos mantêm uma distinção nítida do plano divino para esses
dois grupos. Algumas razões para a não fusão dos termos Israel e Igreja são:
2
1. Há uma clara distinção entre aqueles que faziam parte do povo de Israel e os
que faziam parte da Igreja – os israelitas não são a Igreja (At 3.12; 4.8, 10;
5.21, 31, 35).
2. A edificação da igreja é retratada como um evento futuro por Jesus em
Mateus 16.18: “edificarei a minha igreja”; não como algo que já acontecia
desde o Antigo Testamento e que Ele daria continuidade.
3. A Igreja só recebe Cristo como Seu Cabeça, a partir do evento da
ressurreição (Ef 1.20-23).
4. A igreja não poderia ser equipada para seu serviço e edificar-se, senão após a
exaltação de Cristo (Ef 4.7-16).
5. A igreja como a reunião de judeus e gentios num só povo de Deus, de
vínculo estritamente espiritual, se tornou conhecida e real apenas a partir da
era apostólica, e era desconhecida pelos homens de outras gerações (Ef 3.2-
7).
6. A palavra igreja é rara nos evangelhos, aparecendo apenas em Mateus 16.18
e 18.17, mas no livro de Atos que narra aquilo que Cristo continuou a fazer,
após Sua ressurreição e exaltação, por meio de Seu Corpo, a igreja, se torna
abundante (cf. At 1.1 – expressão: “começou a fazer e a ensinar” ). Pedro,
também, se refere ao Pentecostes como o início (At 11.15), uma indicação
do começo da igreja, ao receber o Espírito Santo, enquanto povo
escatológico divino.
Essas distinções entre Israel e Igreja trazem implicações quanto à natureza desta que
difere da relação de Deus com Seu povo no Antigo Testamento.
Adoração Centralizadora no AT: Tanto o serviço como a adoração da nação de Israel
Deus eram centralizadas no tabernáculo ou no templo que se localizava, posteriormente,
em Jerusalém (1 Rs 8.1-66), tanto que as nações que quisessem cultuar o verdadeiro
Deus precisavam vir até Jerusalém (1 Cr 16.23-29; Sl 96). Havia uma hierarquia de
levitas, sacerdotes e sumo-sacerdotes que mediavam o relacionamento entre Deus e o
povo (e.g. Lv 8-9). Além disso, dia específicos eram determinados para a adoração no
templo (e.g. Êx 31.13-17). “Para o israelita, pelo menos em princípio, o exterior era a
3
concretização do interior. As realidades físicas eram os meios de expressar vividamente
sua fé e adoração ao Senhor”.1
Deste modo o culto e serviço a Deus era centrado racialmente nos israelitas,
geograficamente no templo em Jerusalém, temporalmente no sábado, hierarquicamente
nos sacerdotes e levitas.
Adoração Descentralizadora no NT: Quando nos deparamos com a forma do
relacionamento entre Deus e a Igreja no Novo Testamento, descobrimos uma reversão
do modo como ocorria a adoração anteriormente.
1. O Povo – A igreja não se centraliza a partir de um povo étnico, mas
espiritual. Agora, não há mais diferença entre judeu e gentio, escravo
ou livre, todos são um em Cristo (Gl 3.28; Ef 2.11-22).
2. O Lugar – No lugar dos povos virem a um local específico para
adorar, a igreja é chamada a ir e fazer discípulos de todas as nações
(Mt 28.19-20). A adoração se expande e ocorre simultaneamente em
Jerusalém, Samaria e os confins da Terra (At 1.8; 1 Co 1.2). A igreja
é o próprio templo de Deus (1 Co 3.16-17; 1 Pe 2.5)
3. O Dia – A igreja não mais se limita a um dia específico para adorar a
Deus em comunidade (Rm 14.5-6). Todo o dia é oportuno para se
reunir como Igreja de Cristo e cultivar a edificação mútua (At 2.42-
27; Hb 10.24-25).
4. O Clero – Não há mais um grupo de sacerdotes que mediam a
relação entre Deus e Seu povo. Pela fé em Cristo todos os cristãos
possuem acesso direto a Deus (Hb 10.19-22) e são sacerdotes (1 Pe
2.9-10). A liderança deve existir não como um grupo superior ou
mediador, mas com o alvo de preparar os santos em sua vida cristã e
na edificação mútua (Ef 4.11-16; Hb 13.17).
1 HORREL, J. Scott. A essência da igreja: repensando a eclesiologia à luz do Novo Testamento. In:
HORREL, J. Scott (ed.). Ultrapassando barreiras: novas opções para a igreja brasileira na virada do
século XXI. São Paulo: Vida Nova, 1994. p. 14.
4
C. A IGREJA LOCAL: SUA NATUREZA E FUNÇÕES
Como destacado acima, várias ocorrências no Novo Testamento descrevem a igreja
como uma comunidade local de indivíduos que professam a mesma fé em Jesus.
Poderíamos definir a igreja local como um grupo de pessoas que confessam sua fé em
Cristo como Senhor e Salvador, foram batizadas como sinal claro desta confissão e se
organizam para cultuar juntamente a Deus e desenvolverem as funções que Ele requer
de Sua Igreja neste mundo.
1. Um grupo de pessoas que confessam sua fé em Cristo como Senhor e
Salvador, foram batizadas como sinal claro desta confissão... – A igreja
por si só é a comunidade de Cristo e é impossível fazer parte deste grupo
sem reconhecer Sua pessoa e obra salvadora (Ef 2.1-22; 3.5-6). A
profissão de fé juntamente com o batismo são sinais visíveis mensuráveis
para que uma pessoa seja parte de uma igreja local (Mt 28.19; At 2.40-
41). Como ninguém é capaz de conhecer a sinceridade interior de uma fé
real e salvadora (Jr 17.9-10; 2 Tm 2.19), há a possibilidade de existirem
pessoas no seio da igreja local que nunca experimentaram uma conversão
real (At 20.29-31; Gl 5.7-12; 2 Tm 2.17-21; 1 Jo 2.18-19).
2. ... e se organizam... – Como bem destacou Scott Horrel: “o fato é que nas
próprias igrejas neotestamentárias havia organização suficiente para
determinar vários níveis de liderança, para enviar cartas de
recomendação de membros em trânsito e para disciplinar e expulsar
participantes desviados”.2 Aqueles que negam a organização dentro da
vida igreja, demonstram falta de atenção para com os fatos que o Novo
Testamento apresenta. Alguns exemplos são suficientes para
percebermos que havia uma certa estrutura na igreja com a finalidade de
atingir alvos importantes:
i. Atos 4.34-35: Este texto mostra que havia uma organização
quanto ao uso e gerenciamento do dinheiro na igreja em
Jerusalém. Devido à pobreza que era comum entre os membros
daquela igreja local, os que possuíam alguma propriedade,
2 Idem. p. 18.
5
vendiam-na e entregavam o valor aos apóstolos, os quais eram
responsáveis pela distribuição justa do dinheiro aos necessitados.
ii. Atos 6.1-7: Aqui, algumas judias que nasceram em países fora da
Palestina, não estavam recebendo o cuidado devido pela igreja
quanto ao seu sustento. A queixa é levada aos apóstolos e estes
propõem à igreja a eleição de sete homens íntegros para cuidarem
da tarefa. São escolhidos os nomes e apresentados aos apóstolos
que consagram estes homens ao ministério específico de cuidado
com as viúvas. A igreja volta à sua vida normal e experimenta
expansão.
iii. 1 Tm 3.1-7: Paulo orienta Timóteo quanto à escolha de líderes
para supervisionarem a igreja local em Éfeso. Algumas
características são requeridas específicas para essa liderança, cuja
função é diferenciada do grupo que vem a seguir nos versos 8-13
(cf. Fp 1.1).
3. ... para cultuar juntamente a Deus... – “Significativamente, João Calvino
listou os dois elementos que definem o cristianismo, os quais, em suas
palavras, constituem ‘o todo da substância do cristianismo’. Esses dois
elementos são primeiro ‘um conhecimento da maneira certa de se adorar
a Deus; e o segundo é a fonte de onde se emana a salvação’. Para
Calvino, a adoração deve ser o interesse central dos cristãos”.3 A
adoração coletiva recebe grande destaque no Novo Testamento. O autor
de Hebreus alerta sobre a importância do congregar (Hb 10.24-25), Paulo
passa um bom tempo tratando sobre o culto público em sua 1ª. Carta aos
Coríntios (1 Co 11.2-34; 14.1-40), e, diversas vezes, vemos a igreja
reunida em adoração no livro de Atos (At 2.42-47; 4.23-31; 5.12; 11.25-
26; 12.12; 19.9-10; 20.7, 11). Como bem assinalou o professor Franklin
Ferreira:
Deve ser destacado que, nas Escrituras, o culto público é mais importante do que o
culto privado. No culto público, pela obra e graça do Espírito Santo, uma igreja
local é unida a toda a igreja visível em adoração. Mas não só isto: igreja visível
3 FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. A comunhão cristã. In: ______________________. Teologia
Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova,
2007. p. 970-971.
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espalhada por toda a Terra, é unida à igreja invisível, triunfante, em adoração: o
culto público se torna uma antecipação escatológica do culto que a igreja prestará
ao Deus Trino por toda a eternidade. Quando igrejas têm cultos significativos, onde
a presença de Deus é, de fato, experimentada, todas as outras tarefas que a igreja
deve desempenhar fluirão naturalmente, proporcionando crescimento qualitativo e
quantitativo à comunidade.4
4. ... e desenvolverem as funções que Ele requer de Sua Igreja neste mundo.
– Deus revelou em sua Palavra algumas finalidades pelas quais a igreja
local existe. A igreja local não é criação humana, mas divina, e é por
meio dela que a igreja universal realiza sua tarefa neste mundo. As
funções ou objetivos principais da igreja local são: adoração coletiva e
pessoal, comunhão, aprendizado da Palavra de Deus, evangelismo e
serviço.
Funções da Igreja Local:
Adoração: Como já dito acima, a adoração coletiva é fundamental na vida igreja.
Ela deve ser composta por louvor a Deus (Ef 5.18-20; Cl 3.16-17; cf. Ap 7.9-
10); orações (At 2.42; 4.23; 5.42; 1 Tm 2.8); leitura e exposição das Escrituras
(At 2.42; 20.7, 11, 20; Cl 4.16; 1 Tm 4.13); celebração das ordenanças (1 Co
11.17-34; cf. At 2.40-41); e ofertas (1 Co 16.1-4; cf. 2 Co 8 - 9).
A vida pessoal de cada cristão deve ser oferecida como culto a Deus, um
sacrifício vivo santo e agradável a Ele (Rm 12.1). Nossa devoção individual
precisa incluir leitura e meditação da Palavra de Deus (Sl 1.1-3; 19.7-14; 119.1-
2, 24); vida de oração e louvor (Sl 139.1-24; Ef 1.16-19; 1 Ts 5.17-18);
obediência humilde a Deus no dia-a-dia (1 Sm 15.22; Sl 51.16-17).
Aprendizagem: É interessante notar a centralidade do ensino dentro do culto
público na igreja primitiva (At 2.42; At 11.25-26; 19.9-10; 20.7, 20). O povo de
Deus cresce na verdade e é santificado por meio da Palavra (Jo 17.17; Ef 5.26),
tornando-se aquilo que Deus espera dele (2 Tm 3.16-17). Por isso, Paulo exorta
Timóteo a pregar com perseverança e persistência a Palavra de Deus à igreja (1
Tm 4.13; 2 Tm 4.1-2).
A igreja sadia precisa seguir a verdade, a fim de que não seja levada por ventos
de doutrina (Ef 4.14-15) e, assim, mantém-se na sua privilegiada
responsabilidade de ser “coluna e fundamento da verdade”, guardando
4 Idem. p. 971.
7
incorruptível o evangelho (1 Tm 3.15-16). É por meio do aprendizado das
Escrituras que somos orientados e motivados a cumprir as outras quatro funções.
Comunhão: A palavra koinonia (comunhão) descrevia o relacionamento
conjugal no antigo mundo grego.5 A glória de Deus e nossa comunhão como
irmãos da mesma família da fé estão intimamente ligados (Rm 15.7). Como
acertadamente destacou C. S. Lewis:
Nenhum cristão e, mesmo, nenhum historiador podem aceitar o epigrama que
define religião como ‘aquilo que o homem faz com sua solidão’. Creio ter sido um
dos irmãos Wesley que disse não haver no Novo Testamento o menor indício de
religião solitária. Somos proibidos de negligenciarmos nossas reuniões. O
cristianismo já é institucional desde o mais antigo dos seus documentos. A igreja é
a noiva de Cristo. Somos membros uns dos outros.6
No Novo Testamento, a palavra comunhão se refere ao nosso relacionamento
com Deus (1 Jo 1.3-7), mas, principalmente, ao relacionamento dos cristãos uns
com os outros. Isso implica que nosso relacionamento com o Senhor é medido
pelos relacionamentos uns com os outros (1 Jo 3.23; 4.7, 20).7
A comunhão significa basicamente participar juntos em algo, a participação
comum na vida de Deus (1 Jo 1.3, 7). Era uma característica da vida da igreja
desde o princípio (At 2.42; 4.32; 2 Ts 1.3). Alguém que permanecesse no pecado
poderia ser excluída da comunhão (1 Co 5.1-13; 2 Ts 3.14) e a mesma não se
estendia aos que negavam doutrinas cruciais do evangelho (Gl 1.8-9; 2 Jo 7-11).
A comunhão se expressa por meio do agápe, o amor sacrificial pelos irmãos (1
Co 13.1-13; 1 Jo 3.16), tal amor seria o sinal nítido da nova comunidade de
discípulos, como Jesus mesmo falou (Jo 13.34ss) e um instrumento poderoso de
testemunho do evangelho (Jo 17.23).8
Evangelização – O ministério de Jesus foi marcado pela proclamação das boas
novas da chegada do reino de Deus entre os homens (Mc 1.15). A igreja, do
mesmo modo, recebeu do Mestre a ordem de ser testemunha de sua salvação (Jo
20.21-23; At 1.8). Em Atos 2, ao receber o Espírito Santo, a comunidade de
discípulos proclama o evangelho às pessoas que estavam em Jerusalém naquele
momento (cf. At 2.1-12). É interessante perceber que há uma estreita ligação
5 HORREL, J. Scott. Op cit. p. 21.
6 LEWIS, C. S. Peso de glória. São Paulo: Vida Nova, 1993. p. 37.
7 HORREL, J. Scott. Op cit. p. 22.
8 FERREIRA, Franklin. Communio sanctorum: as tarefas e responsabilidades da Igreja. Disponível em
www.monergismo.com. Acessado em Outubro de 2008.
8
entre crentes cheios do Espírito Santo e a pregação da graça salvadora por parte
destes (At 2.4; 4.8, 31; 7.55-56; 11.24).
A igreja testemunha do evangelho por meio de palavras (At 2.14-39; 3.13-26; Ef
6.19-20) e ações (Mt 5.13-16; Fp 2.14-16; Tt 3.1-8). Se por um lado, ela deve
promover oportunidades evangelísticas em grupo, por outro, cada cristão deve
exercer o seu papel sacerdotal de comunicar a salvação de Deus àqueles que o
cercam (1 Pe 2.9-10). “No segundo século, Celso, um crítico franco do
cristianismo, queixou-se dos cristãos que no trabalho, na lavagem de roupas, na
sala de aula, nas esquinas, estavam sempre 'tagarelando' sobre Jesus”.9
Serviço: O cuidado mútuo dentro da igreja é importante. Suprir as necessidades
daqueles que fazem parte do Corpo de Cristo é reiterado diversas vezes no Novo
Testamento (Rm 12.13; Gl 6.10; Tg 2.14-17; 1 Jo 3.16-17). Havia um esforço
por parte da igreja em ajudar os necessitados, fossem participantes da
comunidade local (At 4.32, 34-35) ou irmãos de outros lugares (At 11.27-30).
Ofertas para suprir as necessidades dos santos eram prática comum no século I
(1 Co 16.1-4; 2 Co 8.1-22). Órfãos e viúvas havia muitos e precisavam do apoio
da igreja (1 Tm 5.3-10; Tg 1.27). Ainda que não haja ordens e exemplos claros a
respeito de participação social na vida de pessoas carentes, fora da igreja, há
princípios que se aplicam e incentivam tal engajamento (Lc 6.27-28, 30; Tt 3.1-
8).
9 Idem. Ibid.
9
CAPÍTULO 2: As Ordenanças da Igreja
As ordenanças são ritos simbólicos visíveis que representam realidades invisíveis
experimentadas pelos membros da igreja. São ordenanças, pois, foram instituídas pelo
Senhor Jesus Cristo à comunidade de discípulos (Mt 26.26-28; 28.19; Mc 14.22-24).
Elas recebem importância por dramatizar verdades centrais do evangelho, a graciosa
iniciativa salvadora de Deus em nosso favor. Cabe salientar que as ordenanças: “São
símbolos, mas sua observância envolve fé, exame de consciência, discernimento,
confissão, gratidão, comunhão e culto”.10
Devem ser praticadas continuamente até a
vinda de Cristo (Mt 28.19-20; 1 Co 11.26).11
A. O BATISMO
Biblicamente, o batismo representa o perdão recebido dos nossos pecados por meio de
Cristo (At 2.38; 22.16; Hb 10.22), o lavar regenerador do Espírito Santo (Tt 3.5), a
comunhão com Cristo em sua morte e ressurreição (Rm 6.1-11; Cl 2.12), o início do
relacionamento com o Deus Trino (Mt 28.19) e salvação do juízo de Deus (1 Pe 3.21).
As evidências das Escrituras apontam para o batismo apenas de crentes. As menções a
batismos de famílias jamais podem ser tomadas como fundamento para o batismo
infantil, pois, sempre tal ordenança está intimamente ligada à fé:
Quando ouviram isso, ficaram aflitos em seu coração, e perguntaram a
Pedro e aos outros apóstolos: “Irmãos, que faremos?”.
Pedro respondeu: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em
de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do
Espírito Santo” (At 2.37-38).
No entanto, quando Filipe lhes pregou as boas novas do Reino de Deus e
do nome de Jesus Cristo, creram nele, e foram batizados, tanto homens
como mulheres (At 8.12).
“Pode alguém negar a água, impedindo que estes sejam batizados? Eles
receberam o Espírito Santo como nós!” (At 10.47).
Crispo, chefe da sinagoga, creu no Senhor, ele e toda a sua casa; e dos
coríntios que o ouviam, muitos criam e eram batizados. (At 18.8)
Isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com
ele foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou
dentre os mortos (Cl 2.12).
Os textos acima levam às seguintes conclusões:
10
CBESP. Rumo e prumo. 3 ed. São Paulo: CBESP/OPBSP, 2004/2005. p. 15. 11
Confissão de Fé Batista de 1689. Disponível em www.crbb.org.br/confissão.pdf. Acessado em
02.10.2008.
10
A ordem das Escrituras é sempre a de que a pessoa deve crer e depois ser batizada
... O batismo é o rito inicial da comunidade de fiéis (a igreja). Portanto, deveria ser
feito apenas por pessoas capazes de exercer fé conscientemente.12
No livro de Atos, o batismo segue-se [sic] à conversão ou praticamente coincide
com ela, sendo uma resposta de fé e compromisso. Em Romanos 6.3-5, Paulo
salienta que há ligação significativa entre o modo de administrar o batismo e aquilo
que o ato simboliza, havendo uma ligação estreita entre o batismo e nossa união
com Cristo (Rm 6.1-11). Para o apóstolo, o batismo “simboliza a união do crente
com Cristo, na qual ele morre para a sua velha vida e é ressuscitado para caminhar
em novidade de vida. É um símbolo da morte e da ressurreição espirituais”.13
O
batismo, então, é uma poderosa “palavra em forma de água”, testificando a
participação do crente na morte e ressurreição de Cristo. O significado primário de
baptizō nos leva a sustentar a posição do batismo dos crentes.14
Um dos princípios mais distintivos de nossa fé é a doutrina do batismo dos crentes.
Como um batista, eu nunca duvidei da base bíblica para o meu batismo. Eu estou
convencida pelas Escrituras que apenas aqueles que são salvos pela graça de Deus,
são candidatos indicados pelas Escrituras para o batismo. Em Romanos 6.4, Paulo
diz: “Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de
que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai,
também nós vivamos uma vida nova”. Vida nova pode significar apenas uma coisa,
uma vida mudada. Batismo, no Novo Testamento, é o sinal externo de um interno
trabalho de graça já realizado no coração do crente.15
Os batistas defendem como forma de batismo a imersão. Ainda, que o primeiro grupo
de batistas gerais não batizassem por imersão, este foi o segundo passo, depois da
defesa do credobatismo. O imersionismo é tão antigo quanto às antigas confissões
batistas:
O elemento externo a ser empregado nesta ordenança será a água, na qual a
pessoa será batizada em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo ... Para a
devida administração desta ordenança é necessária a imersão, ou seja, a
submersão da pessoa na água (Confissão de Fé Batista Londrina - 1689).
Cremos que o Batismo cristão é a imersão de um crente em água, em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo; para anunciar, em um solene e belo símbolo, nossa
fé no Salvador crucificado, sepultado e ressurreto, com seu efeito em nossa morte
para o pecado e ressurreição para uma nova vida (Confissão de Fé Batista de New
Hampshire – 1833).
O batismo consiste na imersão do crente em água, após sua publica profissão de fé
em Jesus Cristo como Salvador único, suficiente e pessoal. Simboliza a morte e
sepultamento do velho homem e a ressurreição para uma nova vida em
identificação com a morte, sepultamento e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo é
também prenúncio da ressurreição dos remidos (Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira).
12
RYRIE, Charles C. Teologia Básica: ao alcance de todos. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. p. 491. 13
LADD, George. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003. p. 731 14
FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Op cit. p. 983. 15
ASCOL, Donna. Why I am a Baptist. In: FOUNDERS JOURNAL, Issue 41, Summer 2000. p. 16.
(Tradução do autor).
11
Abaixo, segue o argumento do Dr. Charles Ryrie, em seu livro Teologia Básica, para o
batismo por imersão:
(1) Inquestionavelmente, a imersão é o sentido normal e primário da palavra grega
baptizō. A língua grega possui palavras para “aspergir” e “derramar”, mas jamais
são usadas em relação ao batismo. (2) A imersão retrata melhor o significado de
batismo, que é a morte para a vida antiga e a ressurreição para a nova (Rm 6.1-4).
(3) A imersão podia ser feita nos dois casos. Em Jerusalém existiam tanques o
suficiente para permitir a imersão de 3 mil convertidos no dia de Pentecostes. A
estrada para Gaza era desértica, mas havia fontes de água. Muitas vezes, as casas
possuíam uma espécie de banheira no seu exterior, o que possibilitaria, por
exemplo, a imersão de toda a família do carcereiro. (4) O batismo de prosélitos
judeus era uma auto-imersão em um tanque de água. Esse procedimento poderia
ser, naturalmente, adotado pela Igreja cristã. (5) A efusão e não a aspersão foi a
primeira forma de batismo que diferia da imersão. Era permitida em caso de
doença. Isso era denominado “batismo clínico”.16
Cipriano (c. de 248-258 d.C.) foi
o primeiro a aprovar a aspersão. Até mesmo os que não defendem a imersão
reconhecem que essa era uma prática universal da Igreja apostólica (veja as
Institutas, de Calvino, v. IV, cap. XV).17
B. A CEIA DO SENHOR
A ceia do Senhor era constantemente celebrada pela igreja primitiva. No livro de Atos,
somos informados de que os irmãos perseveravam no “partir do pão” (At 2.42), uma
referência ao memorial da Ceia, que era realizado juntamente com uma refeição
fraterna, conhecida, posteriormente, como “Festa do Amor” (1 Co 11.17-26; Jd 12).18
Este memorial tem alguns propósitos específicos: (1) Proclamar e relembrar Jesus
Cristo, sua vida e seu sacrifício em nosso favor na cruz (1 Co 11.24-26); (2) Renovar a
esperança de que Ele há de voltar para consumar nossa salvação (Mt 26.26-28; Mc
14.22-25; 1 Co 11.26); (3) Experimentar comunhão espiritual com Cristo e a Igreja, Seu
Corpo (1 Co 10.16-17, 21; 11.20-22, 29, 33).
Alguns requisitos são necessários para a participação na Ceia, estabelecidos pela
Escritura:
Fé na salvação oferecida por Cristo, em Sua morte e ressurreição (1 Co 10.16-
17);
Plena comunhão com Cristo e Seu Corpo (1 Co 10.21; 11.20-22, 33);
16
O Didaquê, documento oficial cristão escrito por volta dos séculos I – II, afirma o seguinte: “(1)Quanto
ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo. (2) Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar
com água fria, faça com água quente. (3) Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a
cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. 17
RYRIE, Charles C. Op cit. p. 492. 18
MACARTHUR, John, Jr. Observando as ordenanças. In: __________________. Ministério pastoral:
alcançando a excelência no ministério cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. p. 362-363.
12
Auto-avaliação e confissão de pecados (1 Co 11.27-32).
A Ceia do Senhor é um momento de renovação de nossa Aliança com o Cristo
ressurreto, que se encontra presente no meio de Seu povo e abençoa aqueles que se
apropriam de Sua salvação, com arrependimento sincero e fé genuína.
De fato e em verdade, os que recebem exteriormente os elementos desta ordenança,
desde que comungando dignamente, - pela fé, não de maneira carnal ou corporal,
mas espiritual – recebem a Cristo crucificado e dEle se alimentam, bem como
todos os benefícios de sua morte.
Para os que crêem, o corpo e o sangue de Cristo estão presentes na ordenança, não
de maneira corporal ou carnal, mas de modo espiritual, tanto quanto estão presentes
os elementos visíveis.19
O testemunho de R.C. Sproul destaca a importância da Ceia:
O significado completo da Ceia do Senhor mereceria um livro exclusivo. Aqui
estou eu, compelido a abordar rapidamente um assunto muito sério e bastante
profundo. Quanto mais velho fico, e quanto mais progrido na fé, mais importante
esta ordenança se torna para mim. Se há algum lugar em que experimento a
comunhão doce de minha alma com Cristo, este lugar é a mesa.
Sob um aspecto, a experiência da Ceia do Senhor vem se tornando uma fonte de
embaraço para mim. Freqüentemente, sou obrigado a cobrir os meus olhos com as
mãos enquanto comungo, a fim de esconder as lágrimas que não consigo conter.
De fato, a doçura de tal comunhão às vezes ultrapassa meus limites, à medida que a
exuberância da presença de Cristo inunda a minha alma.20
19
Confissão de Fé Batista de 1689. Disponível em www.crbb.org.br/confissão.pdf. Acessado em
02.10.2008. 20
SPROUL. R. C. A alma em busca de Deus. São Paulo: Eclesia, 1998. p. 45-46.
13
CAPÍTULO 3: O Governo da Igreja
No cenário da igreja atual encontramos muitos tipos de governo de igreja. Voltarmos
para as Escrituras, a fim de entender seu ensino a este respeito é essencial para que
sigamos, o mais próximo possível, o modelo ensinado pelo Novo Testamento.
Primeiramente, veremos os governos eclesiásticos comuns em nossos dias, e então,
trabalharemos sobre o modelo neotestamentário.
A. TIPOS DE GOVERNOS ATUAIS
Governo Episcopal:21
Esta forma de governo é, basicamente, hierárquica, organizada
em classes ou ordens, nas quais cada uma se subordina ao seu superior. As decisões
geralmente são tomadas pelo clero (liderança denominacional) e acatadas pela igreja.
No sistema episcopal, geralmente, há arcebispos que supervisionam vários bispos, estes
bispos cuidam de várias igrejas, e há reitores ou sacerdotes, cada um responsável por
sua grei. O fundamento para esse modelo se dá no fato de que os bispos são sucessores
dos apóstolos e gozam da mesma autoridade universal que estes possuíam no século I
(Ef 2.20; 1 Jo 1.1-4). O problema dessa argumentação é que, em nenhum momento, o
Novo Testamento afirma que os bispos são sucessores dos apóstolos. O que vemos é
ambos coexistindo e os bispos se sujeitando à autoridade apostólica (Fp 1.1; 3 Jo 9-12).
Geralmente, aponta-se para o lugar de destaque recebido por Pedro e Tiago na igreja
primitiva (At 2.14; 5.29; 12.17, 21.18), todavia, não se pode ignorar que o próprio Pedro
estava sujeito à repreensão de outros (Gl 2.11). A igreja possui autonomia no Novo
Testamento, desde que não contrarie o ensino apostólico (At 2.42; Gl 1.8-9; 2 Ts 3.14-
15). Ela recebe autoridade do próprio Cristo para disciplinar membros sem depender de
uma autoridade externa (Mt 18.15-17). Além disso, a igreja participa de decisões
importantes de cargos e questões doutrinárias (At 6.3-6; 15.22).
Governos Federativo ou Presbiteriano:22
Neste sistema, cada igreja local elege
presbíteros para o conselho da igreja e o pastor compõe o quadro destes presbíteros. Os
membros do conselho participam de um presbitério que reúne os presbíteros (ou alguns
deles) dos conselhos locais de uma região. O presbitério tem autoridade sobre as igrejas
da região e alguns membros dos vários presbitérios do país, compõem o Supremo
Concílio (ou Assembléia Geral) que dirige todas as igrejas.
21
Ver mais em GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 774-776. 22
Idem. Ibid.
14
A argumentação em favor desta forma de governo é que se pode mostrar mais
eficazmente a unidade do Corpo de Cristo e evitar que uma congregação caia em erro
doutrinário. Menciona-se, também, o concílio de Jerusalém como uma reunião de
presbíteros definindo questões doutrinárias a serem acatadas por todas as igrejas (At
15.1-4, 23-29).
O problema de tal sistema, uma vez mais, é que não existe respaldo bíblico para um
poder externo que governe a igreja. Se Atos 15 dá base para um sistema de governo
presbiteriano externo às igrejas locais, então, ela deveria fundamentar um governo
congregacional, também, externo. Pois, Atos 15.22 diz: “Então pareceu bem aos
apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja, tendo elegido homens entre eles, enviá-
los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia”. Quanto às outras argumentações,
cabem as observações do teólogo pentecostal Wayne Grudem:
Esse sistema, na prática, resulta em muito litígio formal, em que disputas
doutrinárias se travam ano após ano até chegarem ao nível da Assembléia Geral
(Supremo Concílio). Pergunta-se se essa deve ser a característica da igreja de
Cristo – talvez sim, mas parece a este autor que esse sistema estimula tais litígios
muito mais do que é necessário ou edificante para o corpo de Cristo.
Embora em alguns casos seja verdade que uma denominação doutrinariamente sã
com um sistema presbiteriano pode evitar que uma igreja local se desvie da
doutrina, na realidade o contrário é o que acontece com relativa freqüência: a
liderança nacional de uma denominação presbiteriana adota uma falsa doutrina e
exerce grande pressão sobre as igrejas locais para se conformarem a ela. 23
O teólogo batista J.L. Reynolds afirma com propriedade:
O único tipo de unidade eclesiástica contemplada nas Escrituras pode ser tão
bem assegurada entre as igrejas independentes como em quaisquer outras. O
princípio da união cristã é a lei do amor. Este elemento divino penetra nos
corações dos verdadeiros seguidores do Redentor e une as várias
comunidades dentro das quais se dividem, em uma afetuosa irmandade.
Nenhum outro decreto é necessário para perpetuar esta união, exceto o
solene comando do seu divino Mestre; e todas as tentativas para efetuar tal
resultado por decisões autoritativas de concílios ou medidas coercivas serão
abortadas, ou na melhor das hipóteses, apenas produzirão uma forçada e
enganosa uniformidade, não de fé e amor, mas de hipocrisia e servidão.24
B. A PROPOSTA BÍBLICA
Governo Congregacional: O Novo Testamento parece favorecer um governo
eclesiástico congregacional que leve em conta a importância do papel de seus líderes.
Encontramos a participação da congregação local em diversas decisões do Novo
Testamento. Na questão disciplinar, o Senhor Jesus delegou à igreja esta
23
Idem, p. 777-778. 24
REINOLDS, J.L. Church polity or the kingdom of Christ in its internal and external development.
Boston: Gould, Kendall and Lincoln, 1849.
15
responsabilidade (Mt 18.15-17), bem como o apóstolo Paulo levou a igreja de Corinto a
cumprir seu papel em excluir um membro em pecado (1 Co 5.4-5) e reconheceu que a
disciplina imposta foi aplicada pela maioria (2 Co 2.6).
Na eleição de pessoas para determinadas tarefas e cargos, a igreja, freqüentemente,
encontra-se envolvida. A comunidade em Jerusalém foi responsável por escolher líderes
adequados para o trabalho de ação social (At 6.3-6) e a de Filipos selecionou Epafrodito
como seu representante para servir o apóstolo Paulo quando estava preso em Roma (Fp
2.25). No momento de ofertar à igreja carente de Jerusalém, as igrejas locais é que se
responsabilizaram por isso e pela seleção de líderes adequados para levar o dinheiro (At
11.29-30; 1 Co 16.3).
Até mesmo as ordenanças não são confiadas ao clero para distribuir aos leigos, mas
entregues à igreja que as administra (Mt 28.19; 1 Co 11.22). Não são os pastores e
presbíteros a coluna e fundamento da verdade, mas sim, a igreja de Deus (1 Tm 3.16-
17).
O sacerdócio universal dos crentes (1 Pe 2.5, 9), todavia, não isenta a igreja de honrar
líderes e confiar certas responsabilidades a eles. Vemos Paulo falando sobre os bispos
que tinham a responsabilidade de supervisionar a igreja (1 Tm 3.4-5), ensinar a sã
doutrina e corrigir os que se opõem a ela (Tt 1.9). O livro de Hebreus lembra que os
crentes devem se submeter à autoridade de seus líderes (Hb 13.17). O povo de Deus
deve ter em alta conta aqueles que se dispõe a pastorear o rebanho (1 Ts 5.12-13).
Ainda que a igreja possua importante participação nas decisões locais, ela confia certas
responsabilidades à sabedoria de seus líderes (At 5.34-35; 15.23-29). Assim, há espaço
para um corpo de presbíteros dentro da igreja, desde que se limite à igreja local, no
cuidado e supervisão desta (At 14.23; Tt 1.5; Tg 5.14; 1 Pe 5.1-5). Por outro lado, este
grupo nunca terá autoridade absoluta dentro da igreja, pois, contará com a participação
da congregação em decisões e direções importantes (Mt 18.15-20; At 15.22; 1 Pe 5.1ss).
Cristo, o Cabeça da Igreja (Ef 1.22-23), guia e orienta Seu povo a tomar decisões
corretas, debaixo da direção do Espírito Santo e fundamentado na Palavra de Deus.
A divina constituição das igrejas é igualmente ilustrativa da sabedoria e
condescendência do Redentor. Ao confiar o governo de seu povo a eles mesmos,
Ele [Cristo] prova sua confiança na fidelidade e amor deles. E esta confiança
geralmente não tem sido traída. As enormes maldades que, debaixo da guisa de
cristianismo, amaldiçoaram a igreja e o mundo foram frutos legítimos do poder
sacerdotal, prelados e domínio hierárquico. O grande corpo da igreja, quando
entregue a si mesmo, sempre manteve o amor e lealdade ao seu rei invisível.25
25
Idem. Ibid.
16
CAPÍTULO 4: A Liderança Qualificada da Igreja
Como já destacado anteriormente, é indiscutível a importância da organização na vida
de uma igreja local, visando a realização da vontade de Deus em sua vida. A fim de que
isso ocorra, há a necessidade de líderes que guiem a igreja para esse alvo. Este era o
objetivo apresentado por Paulo quando orientou Timóteo na designação de cargos de
liderança na igreja: “Escrevo-lhe estas coisas, embora espero ir vê-lo em breve; mas, se
eu demorar, saiba como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo,
coluna e fundamento da verdade” (1 Tm 3.14-15). Há duas principais funções
destacadas no Novo Testamento na liderança de uma igreja local: presbíteros e
diáconos.
Os batistas defendem que haviam apenas dois ofícios na igreja, presbítero e
diácono. Esta era a ordem apostólica e permaneceu em vigor. O Novo Testamento
apresenta três nomes para o ofício de presbítero: presbítero, bispo e pastor. Os
escritores usaram os termos de forma sinônima e assim fizeram os batistas. Eles,
freqüentemente, chamaram seus pastores de “presbíteros” e, em alguns momentos,
de “bispo”.26
A. PRESBÍTEROS
Função: Há duas palavras diferentes na Bíblia para designar esta função. Como dito
acima, tanto o vocábulo presbiteros (“presbítero”) quanto episkopos (“bispo” ou
“supervisor”) indicam o mesmo ofício (cf. At 20.17, 28; Tt 1.5-7). Pelo próprio
significado da palavra episkopos (1 Tm 3.1), podemos inferir que o presbítero deve
liderar a igreja, guiá-la e supervisioná-la. Por isso, Paulo apresenta como requisito ao
presbitério a habilidade no governo ou liderança espiritual da própria casa, pois o
presbítero desempenhará esta função na igreja (1 Tm 5.3-4; 5.17). Ao liderar o rebanho
de Cristo, o presbítero pastoreia a igreja, não como dominador, mas, oferecendo
exemplo de vida cristã (1 Pe 5.3). A menção a pastores-mestres em Efésios 4.11 diz
respeito, especialmente, a este grupo de pessoas.
Os pastores ou presbíteros da igreja exercem liderança por meio da administração geral
dela (At 11.30; Rm 12.8; 1 Tm 5.3-10), mas, principalmente, em seu papel de ensino e
discipulado (1 Tm 3.2; Tt 1.9; 1 Pe 5.3). Em Atos 15, os presbíteros da igreja de
Jerusalém são responsáveis por definir questões de fé (At 15.6, 23-29) e em Éfeso, por
defender a mensagem do evangelho genuíno anunciada pelo apóstolo Paulo (At 20.28-
26
WILLS, Gregory. The Church: baptists and their churches in the eighteenth an nineteenth centuries. In:
A collection of historic Baptists documents.
17
32). As epístolas de Paulo a Timóteo e Tito apontam para seus encargos pastorais nas
igrejas de Éfeso e Creta. A ênfase de Paulo nestas cartas está na responsabilidade de
ambos pregarem a Palavra de Deus, ensinando publicamente e discipulando
pessoalmente (1 Tm 4.12-16; 5.1-2; 2 Tm 1.13-14; 2.1-2, 14-16, 24-26; 3.14-17; 4.1-5;
Tt 2.1-10; 3.2, 8-11).
A menção dos líderes na igreja da carta aos Hebreus, indica uma função presbiteral,
tanto em serem exemplo do rebanho, quanto em cuidarem da igreja na prática de uma
vida piedosa (Hb 13.7, 17). Tiago menciona a responsabilidade pastoral dos presbíteros
em visitar enfermos na igreja (Tg 5.14-15).
Quantidade: Os batistas dos séculos XVIII e XIX criam na pluralidade de presbíteros
na liderança da igreja. Dentro desta pluralidade havia algumas distinções entre as igrejas
locais:
Algumas igrejas tinham um presbitério plural. Isto era, em alguns momentos, o
reconhecimento formal de ministros ordenados, presbíteros, na sua membresia.
Estes presbíteros auxiliavam o pastor, conforme necessário, na pregação e
administração do batismo e Ceia do Senhor. Eram líderes da congregação por sua
sabedoria, piedade, conhecimento e experiência. Tais igrejas reconheciam os dons
e chamado de todos os presbíteros entre eles.
Outras igrejas criam que Cristo lhes requeria ter uma pluralidade de presbíteros.
Defendiam que todos eram iguais no cargo, mas diferentes nas tarefas; eles eram
iguais em sua posição, mas diferiam no serviço. Os presbíteros de ensino possuíam
responsabilidades pastorais, e apenas eles administravam o batismo e a Ceia do
Senhor. Os presbíteros governantes ou leigos participavam primeiramente, no
governo da igreja. Eles lideravam a congregação em suas eleições oficiais,
admissão de membros e disciplina. Mas, desde que toda a autoridade eclesiástica
residia na congregação conjuntamente, os presbíteros não possuíam autoridade
formal para agir em qualquer questão como um corpo de presbíteros. Seu papel era
mais instruir, admoestar e instruir.27
É difícil definir um modelo ideal quanto ao número de presbíteros na igreja local. As
observações do teólogo Charles Ryrie devem ser refletidas:
O fato de que a igreja primitiva se reunia em casas (Rm 16.15; 1 Co 6.19; Cl 4.15)
faz com que seja mais difícil resolver, de forma conclusiva, esse debate. Está claro
que a igreja de cada cidade (isto é, a soma total das igrejas nos lares de cada
cidade) tinham presbíteros (Fp 1.1; Tt 1.5). Contudo, não temos certeza de que isso
também significa que cada igreja-lar possuía mais de um presbítero. Em outras
palavras, cada igreja-lar deveria ter apenas um presbítero. E ele, junto com os
presbíteros de outras igrejas-lares, constituía o corpo de presbíteros naquela
cidade.28
27
Idem. Ibid. 28
RYRIE, Charles. Op cit. p. 481.
18
Ainda assim, deve ser notado que “há um padrão coerente de vários presbíteros como o
principal grupo de liderança das igrejas neotestamentárias”.29
Vários textos apontam
para isso: (1) Atos 14.23 diz que Paulo promovia “em cada igreja a eleição de
presbíteros”; (2) na igreja de Éfeso havia uma pluralidade de presbíteros: “De Mileto
mandou a Éfeso chamar os presbíteros da igreja” (At 20.17); (3) Tito fora deixado na
ilha de Creta, a fim de que, “em cada cidade, constituísses presbíteros conforme te
prescrevi” (Tt 1.5); (4) Timóteo havia recebido a “imposição de mãos do presbitério” (1
Tm 4.14); (5) Tiago pressupõe um presbitério dentro da igreja local: “Está alguém
doente? Chame os presbíteros da igreja...” (Tg 5.14); (6) em Jerusalém havia
presbíteros (At 11.30; 15.2); e Pedro, em sua carta geral às igrejas da Ásia Menor,
exorta “aos presbíteros que há entre vós” (1 Pe 5.1).30
Qualidades: A Bíblia oferece um padrão bem elevado na escolha daqueles que
exercerão a liderança do povo de Deus. A razão disso, é que o pastorado é descrito nas
Escrituras como uma nobre ou excelente tarefa. Assim, quem deseja ocupar tão digno
ofício deve demonstrar um caráter aprovado diante de Deus e seu povo.31
As qualidades
especificadas em 1 Timóteo 3.1-7 são:
Irrepreensível: Vive em coerência com a conduta cristã, integridade de caráter
(cf. 1 Tm 5.7).
Marido de uma só mulher: Pessoa de moralidade inquestionável, fiel e leal à sua
única e exclusiva esposa. A expressão grega indica alguém casado com uma
única mulher. Isso desqualifica qualquer crente recasado para este papel de
liderança (cf. 1 Co 7.10-15; Mt 5.31-32; Mc 10.1-12; Lc 16.18).
Temperante e sóbrio: Um homem que possui mente sadia, capaz de discernir
entre o certo e errado e tomar decisões corretas, não movido por impulsos e
paixões.
Modesto: É necessário que o bispo seja alguém que se porte de maneira
respeitável, apropriada à doutrina da Palavra de Deus.
Hospitaleiro e apto para ensinar: Deve se dispor a receber pessoas sempre que
necessário e ser capaz de ensinar a Palavra de Deus. Aqui não significa boa
retórica, mas um aprofundamento constante no estudo da Palavra e na aplicação
dela em sua vida.
Não dado ao vinho, nem violento, mas pacífico: O pastor não deve embriagar-
se nem ser viciado em bebidas alcoólicas, pois isto tiraria sua sobriedade e
afrontaria os princípios da Palavra de Deus. Não pode ser alguém brigão, que
29
GRUDEM, Wayne. Op cit. p. 764. 30
Ver Idem. p. 764-765. 31
Ver NETO, Tiago Abdalla T. Filosofia e práxis do ministério pastoral: a partir das Cartas Pastorais.
Disponível em www.monergismo.com. Acessado em Julho de 2007.
19
usa de agressão física ou verbal para atingir o que deseja. Deve confrontar com
mansidão os que insistem em permanecer no erro (2 Tm 2.24-26)
Não avarento: Deve contentar-se com o que possui, não dominado pelo desejo
de sempre querer ter mais ou ganhar mais (cf. Hb 13.5; 1 Tm 6.3-10).
Governar bem a própria casa: Deve liderar seus filhos, de modo a mantê-los em
submissão e respeito para com sua pessoa.
Não ser novo na fé: Uma função nobre dada a alguém que ainda não teve tempo
para desenvolver-se na fé e demonstrar o crescimento nas virtudes destacadas
anteriormente, pode colaborar, fortemente, para o orgulho desta pessoa.
Ter bom testemunho das pessoas de fora: O pastor necessita ser alguém
comprometido com a verdade e com um viver coerente a ela, pois, caso
contrário, isso afetará a saúde espiritual da igreja tanto quanto trará vergonha ao
nome de Cristo perante os incrédulos.
B. DIÁCONOS
Função: Definir exatamente o trabalho do diácono dentro da igreja local é uma tarefa
difícil, desde que o qualificativo dos que exerciam esta função (diákonos), bem como a
ação (diakoneo) ou a função em si (diakonia) são termos bem amplos em todo o Novo
Testamento. Essas três palavras podem se referir a um tipo de ministério dentro da
igreja, seja apostólico (At 1.17, 25) ou da pregação da Palavra (At 6.4), ou à tarefa dos
governadores públicos (Rm 13.4), ao cuidado com as necessidades físicas (At 11.29), ao
serviço no preparo de uma refeição (Lc 10.40), até mesmo ao serviço dos anjos em
nosso favor (Hb 1.14). O próprio Jesus se apresenta como alguém que veio para “servir”
(diakoneo) e a igreja exerce o diaconato, ao servir uns aos outro (Ef 4.12; 1 Pe 4.10), e
são, assim, diáconos de Cristo (2 Co 3.3; 1 Tm 4.6). Em todas estas referências
anteriores, nenhuma diz respeito ao cargo dos diáconos na igreja e representam os
sentidos mais comuns da palavra no Novo Testamento.32
Há muito poucas referências
ao ofício em si (Fp 1.1; 1 Tm 3.8-13; talvez Rm 16.1). K. Hess afirma o seguinte:
O trabalho de um diácono finalmente desenvolveu-se em cargo especial, cujos
inícios podem ser achados já no NT (Fp 1.1; 1 Tm 3.8-13). No decurso da história
da igreja, o cargo desenvolveu uma forma padronizada, embora o NT não deixe
clara a sua forma exata. Nem sequer era claramente universal na igreja.
Originalmente, todas as diversas funções exercidas na igreja podiam ser chamadas
“serviços” ou ministérios (1 Co 12.5). Logo, vários detentores de cargos
(apóstolos, profeta, etc., cf. Ef 4.11-12) eram servos, diakonoi, da igreja (cf. 1 Co
3.5; Cl 1.25). No sentido mais especializado, porém, o conceito foi estreitado para
o cuidado material da igreja, que era intimamente ligado com o cargo do bispo (e.g.
1 Tm 3.1-7; 8-13; 1 Clem. 42.1-2; Inácio, Mag. 2.1; 6.1; Trall 2.1). Quer dizer,
portanto, que para o “servo” sempre havia uma tarefa para o espírito e o corpo
32
DEVER, Mark. Definição de diácono. Disponível em www.monergismo.com. Acessado em
06.11.2008.
20
expressada por seu papel no culto público, no cuidado pelos pobres e na
administração. O serviço a Deus e o serviço aos pobres eram, afinal das contas,
uma unidade, conforme dava a entender o ágape, a refeição em comum.33
Pelas qualidades descritas no texto de 1 Timóteo 3.8-11, é possível inferir algumas
funções dos diáconos na igreja local. Provavelmente, tinham alguma responsabilidade
no cuidado das finanças da igreja, já que não poderiam ser “cobiçosos de sórdida
ganância” (v. 8); deviam ajudar na administração da igreja, pois, precisavam governar
bem a própria casa (v. 12); e no verso 11 é dito que suas esposas ou diaconisas não
deveriam ser caluniadoras, mas confiáveis, indicando, possivelmente, o envolvimento
dos diáconos com visitação e aconselhamento dentro da igreja local.34
Por fim, as palavras do pastor Mark Dever auxiliam nesta definição:
Deveríamos ser cuidadosos ao manter uma distinção entre o ministério dos
diáconos e o ministério dos presbíteros. Num sentido, tanto presbíteros quanto
diáconos estão envolvidos na “diaconia”. Mas esse serviço toma forma duas formas
muito diferentes. É nos primeiros setes versículos de Atos 6 que encontramos a
passagem crucial onde a diaconia é dividida entre a diaconia tradicional (servir à
mesa, serviço físico), e o tipo de “diaconia” da Palavra à qual os apóstolos (e, mais
tarde, os presbíteros) foram chamados. Os diáconos descritos em Atos 6 são muito
parecidos com os cooperadores da igreja, pelo menos no sentido administrativo.
Eles tinham que cuidar das necessidades físicas da igreja. Estabelecer um grupo
com este ministério particular é importante porque uma falha em fazê-lo pode
resultar nesses dois tipos de diaconia – da Palavra (presbíteros) e da mesa
(diáconos) – serem confundidos um com o outro, e assim esquecidos. As igrejas
não deveriam negligenciar nem a pregação da Palavra, nem o cuidado prático pelos
membros que ajudam a encorajar a unidade e cuidam dos nossos deveres de amar
uns aos outros. Esses dois aspectos da vida e ministério da igreja são importantes.
Qualidades: Assim como as qualidades requeridas dos presbíteros, o padrão para
escolha de diáconos é bem alta e encontra-se em 1 Timóteo 3.8-13:35
Qualidades Pessoais (v. 8): Devem ser respeitáveis, dignos, sérios, de uma só
palavra (que não diz uma coisa para uma pessoa e algo diferentes para outra),
não escravo de bebida alcoólica nem dominado por ela, nem obcecado pelo
ganho financeiro, mas contente com o que tem.
Qualidades Doutrinárias e espirituais (v. 9-10): Devem manter uma consciência
tranqüila diante da verdade cristã (“mistério da fé”), vivendo aquilo que
professam. Demonstrar uma vida íntegra, irrepreensível.
Qualidades familiares (v. 12): Da mesma forma que os presbíteros, os diáconos
precisam ser leais às suas esposas, casados apenas uma só vez,36
e manterem
seus filhos obedientes à sua liderança.
33
HESS, K. Servir, diácono, adoração. In: COENEN, Lothar, BROWN, Colin. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2. p. 2345. 34
GRUDEM, Wayne. Op cit. p. 770.; RYRIE, Charle C. Op cit. p. 486. 35
Esta parte é extraída de RYRIE, Charles. Op cit. p. 486.
21
CAPÍTULO 5: A Disciplina na Igreja Local37
Valdeci da Silva Santos
A. A NECESSIDADE DA DISCIPLINA
Aquele que ordena a disciplina na igreja é o mesmo que estabelece o padrão a ser
seguido no exercício da mesma. Esse padrão consiste primeiramente em amor paternal
(Hb 12.4-13). É certo que o mundo vê a disciplina como expressão de ira e hostilidade,
mas as Escrituras mostram que a disciplina de Deus é um exercício do seu amor por
seus filhos. Amor e disciplina possuem conexão vital (Ap 3.19). Além do mais,
disciplina envolve relacionamento familiar (Hb. 12.7-9), e quando os cristãos recebem
disciplina divina, o Pai celestial está apenas tratando-os como seus filhos. Deus não
disciplina bastardos, ou seja, filhos ilegítimos (v. 8). O padrão de disciplina divina
revela também maravilhosos benefícios. A disciplina que vem do Senhor "é para o
nosso bem” (v. 10). Ainda que seja inicialmente doloroso receber disciplina, a mesma
produz paz e retidão (v. 11). O v. 13 ensina que o propósito de Deus em disciplinar não
é o de incapacitar permanentemente o pecador, mas antes de restaurá-lo à saúde
espiritual.
O termo hebraico rasUm (musar)é usado no Antigo Testamento como sinônimo de
"instruir" (Pv 1.3, 8), "corrigir" (Pv 22.15 e 23.13) ou "castigar" (Is 53.5). No Novo
Testamento, o grego paidei/a (paidéia) possui sentido semelhante e é freqüentemente
usado na analogia entre a disciplina dos filhos por seus pais e a correção que vem do
Senhor (ver Hb 12.1-10 e Ap 3.19). Nesse sentido, disciplina e sabedoria estão
intimamente ligadas nas Escrituras (Sl 50.17; Pv 1.1-2 e 15.32). A correção é fonte de
esperança para os que a aplicam e vida para aqueles que a recebem corretamente (Pv
19.18 e 4.13). A correta disciplina deve ser sempre aplicada com amor e não com ira
(Pv 13.24).
Segundo as Escrituras, a disciplina na igreja está fundamentada não apenas no exercício
do bom senso, mas principalmente nos imperativos do Senhor. O mandato bíblico
referente à disciplina é encontrado especialmente no ensino de Jesus (Mt 18.15-17) e
nos escritos de Paulo (1 Co 5.1-13; 2 Co 2.5-11; 2 Ts 3.14-15; 1 Tm 5.19-20). Também,
36
KUIPER, Douglas J. As qualificações dos diáconos: sua situação familiar. Disponível em
www.monergismo.com. Acessado em 06.11.2008. 37
Extraído e adaptado de SANTOS, Valdeci da Silva. Disciplina na Igreja. Artigo extraído de
www.monergismo.com. Acessado em 06.11.2008.
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há clara referência bíblica de que a igreja que negligencia o exercício desse mandato
compromete não apenas sua eficiência espiritual, mas sua própria existência. A igreja
sem disciplina é uma igreja sem pureza (Ef 5.25-27). A comunidade de Tiatira foi
repreendida devido à sua flexibilidade moral (Ap 2.20-24).
B. OS PASSOS DA DISCIPLINA
Biblicamente, a disciplina na igreja tem um triplo objetivo: 1) restabelecer o pecador
(Mt 18.15; 1 Co 5.5 e Gl 6.1); 2) manter a pureza da igreja (1 Co 5.6-8) e 3) dissuadir
outros (1 Tm 5.20). É este triplo propósito que aponta para os passos a serem seguidos
em uma aplicação correta da disciplina eclesiástica. Esses passos são especialmente
mencionados em Mateus 18.15-17.
I. Abordagem individual
O versículo 15: “Se teu irmão pecar vai argui-lo entre ti e ele só...” ensina que a
confrontação é uma tarefa cristã. O melhor a se fazer por um irmão em pecado é
confrontá-lo em amor (Pv 27.5-6). Mas é sempre arriscado confrontar alguém, pois
nunca se pode prever a reação do mesmo. Jesus, todavia, dirige nossa atenção para a
alegre possibilidade de que tal irmão nos ouça. Além do mais, o termo grego e)/legcon
("arguir, instruir, confrontar," v. 15) também pode ser traduzido como "trazer à luz,
expor".38
É significativo o fato de que esse é o mesmo termo usado em João 16.8 para
descrever o ministério do Espírito em relação àqueles que estão no mundo, em
convencê-los (expor-lhes) "do pecado, da justiça, e do juízo." Assim, antes de
confrontar um irmão, podemos sempre clamar por socorro Àquele cujo ministério de
confrontação é sempre eficaz.
II. Admoestação privada
No caso de o ofensor não atender à confrontação individual, Jesus ordena que haja
admoestação privada (v. 16). Nesse caso, um número maior de pessoas é envolvido. A
princípio, pode parecer que o objetivo desse passo é intimidar o ofensor. Uma atenção
maior, porém, leva-nos a entender que o propósito do mesmo pode ser o de
conscientizar o ofensor quanto aos prejuízos de sua atitude para com a comunidade do
Corpo de Cristo. Em outras palavras, nosso pecado traz conseqüências pessoais e
coletivas. Além do mais, Jesus afirma que as outras pessoas envolvidas nesse processo
38
F. F. BRUCE (ed). Vine’s Expository Dictionary of Old and New Testament Words New Jersey:
Fleming H. Revell, 1981. p. 283-4.
23
serão testemunhas. Isto é uma referência à prática vetero-testamentária de não se
condenar alguém com base apenas em uma opinião pessoal (ver Nm 35.30, Dt 17.6 e
19.15). Com isto, a objetividade do caso é preservada, o que diminui as chances de
injustiça, e o ofensor é beneficiado.
III. Pronunciamento público (v. 17)
Tal proceder nunca é violação de segredos, pois o ofensor deliberadamente recusou os
caminhos prévios do arrependimento. Diante de tal pronunciamento cada membro do
corpo de Cristo deve orar pelo pecador, evitar comentários desnecessários (2 Ts 3.14-
15) e vigiar a si próprio (1 Co 10.12). Tal oficialização pública da disciplina traz
implicações temporárias em relação aos sacramentos (1 Co 11.27).39
IV. Exclusão pública
O último recurso da disciplina é o da excomunhão (do latim ex, "fora," e communicare,
"comunicar"), na qual o ofensor é privado de todos os benefícios da comunhão. Nesse
caso, o ofensor é tido como gentio (a quem não era permitido entrar nos átrios sagrados
do templo do Senhor) e publicano (que eram considerados traidores e apóstatas: Lc
19.2-10). Com estes não há mais comunhão cristã, pois deliberadamente recusam os
princípios da vida cristã (1 Co 5.11). Se o seu pecado é heresia, ou seja, o desvio
doutrinário das verdades fundamentais ensinadas nas Escrituras, eles não devem nem
mesmo ser recebidos em casa (2 Jo 10-11).
É claro que cada um desses passos envolve dor, tempo, amor e transparência. Nenhum
deles é agradável e eles só prosseguem diante de dureza de coração do ofensor, ou seja,
a recusa ao arrependimento. Há, porém, o conforto de saber que a presença e o poder de
Jesus são reais mesmo no contexto desse processo (Mt 18.19-20). Assim, a disciplina
eclesiástica "não é algo que se possa tratar levianamente, mas é levado a efeito na
presença do Senhor".40
V. Disciplina de Líderes
Em 1 Timóteo 5.19-21, Paulo apresenta a diretriz para a disciplina de líderes de uma
igreja local:
39
R. N. CASWELL, Discipline. In: S. B. FERGUSON, D. F. WRIGHT, e J. I. PACKER. New
Dictionary of Theology. Downers Grove: InterVarsity, 1988. p. 200. 40
GRUDEM, Wayne. Op cit. p. 753.
24
Para não haver ataques individuais, um presbítero/pastor deve ser disciplinado
sobre o depoimento de duas ou três testemunhas (v. 19).
Os que vivem em pecado devem ser repreendidos publicamente (diante da igreja
ou do corpo de presbíteros), com um propósito didático, mostrando a seriedade e
gravidade do pecado aos demais (v. 20).
C. IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS
I. Disciplina e a Adoração Cristã
A verdadeira adoração "é a mais nobre atividade de que o homem, pela graça de Deus, é
capaz".41
A exclusiva adoração a Deus é um mandato divino (Mt 4.10 e Ap 19.10), é
uma marca da fé salvadora (Fp 3.3), e deve seguir os princípios revelados por Deus em
sua Palavra.42
Um princípio essencial da adoração cristã é o zelo pela santidade do
nome do Senhor (Ex 20.7 e Mt 6.9). A negligência do povo de Deus quanto aos
mandamentos do Senhor motiva os incrédulos a blasfemar o nome de Deus (Rm 2.24).
Assim, o zelo pela santidade do nome de Deus implica diretamente no exercício da
disciplina eclesiástica. Uma igreja adoradora e ao mesmo tempo tolerante para com o
pecado no seu seio é uma contradição de termos e recebe a repreensão do Senhor (Ap
2.18-29).
II. Disciplina e as Marcas da Igreja
A Reforma Protestante do século XVI considerou importantíssima para a teologia cristã
a seguinte questão: Como distinguir entre a igreja verdadeira e a falsa? Em outras
palavras, quais são as marcas da verdadeira igreja cristã? Para o reformador João
Calvino, tais marcas consistem da proclamação da Palavra, da administração dos
sacramentos e do exercício da disciplina eclesiástica. Segundo ele, "aqueles que pensam
que a igreja pode sobreviver por longo tempo sem disciplina estão enganados; a menos
que pensemos que podemos omitir um recurso que o Senhor considerou necessário para
nós”.43
Nesse sentido, “a disciplina eclesiástica é tão necessária quanto os ligamentos do
corpo humano, ou como a disciplina em família”.44
41
John R. W. STOTT. Christ the Controversialist: A Study in Some Essentials of Evangelical Religion.
Londres: Tyndale Press, 1970. p. 160. (Tradução livre do autor do artigo). 42
Confissão de Fé de Westminster, XXI.i. 43
John CALVIN. Institutes of the Christian Religion. Filadélfia: Westminster, 1960. 4.7.4. (Tradução
livre do autor do artigo). 44
R. N. CASWELL. Op cit. p. 200.
25
Sendo que Cristo deseja sua igreja "sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante,
porém santa e sem defeito" (Ef 5.27), a disciplina eclesiástica é altamente relevante,
pois é um meio instituído por Deus para manter pura a sua igreja. O servo de Deus
sempre deve almejar a pureza da noiva do Cordeiro (2 Co 11.1-3), mesmo diante da
possibilidade da sua contaminação pelo mundo.
III. Disciplina e Evangelismo
A disciplina evidencia o amor cristão pelo pecador, ainda que esse pecador seja um dos
membros da igreja. Esse amor pelo pecador cristão também reflete o amor da mesma
pelo pecador incrédulo. A disciplina eclesiástica ressalta a seriedade do pecado. Sem a
visão dessa seriedade, a igreja não é corretamente motivada a buscar a redenção do
pecador. Há uma relação entre disciplina eclesiástica e evangelismo.
Uma igreja sem disciplina torna-se um empecilho para o avanço do evangelho. Essa
relação vital entre evangelismo e disciplina é clara à luz de 1 Co 5.12-13. O
evangelismo é dirigido aos que estão fora dos portões da igreja e que estão escravizados
pelo pecado. A disciplina é dirigida àqueles que estão dentro dos portões da igreja e que
estão se sujeitando ao domínio do pecado. Assim, ambos (evangelismo e disciplina)
almejam a liberdade do pecador e a concretização do triunfo histórico da graça sobre o
pecado na vida do mesmo (Rm. 6.1-23). Como diz Barnes, “há pouca vantagem em uma
igreja que tenta vencer o mundo se ela já tem se rendido ao mundo”.45
CONCLUSÃO
Laney adverte para o fato de que “a disciplina é como um medicamento muito forte:
pode trazer a cura ou causar maior dano”.46
Nenhum profissional médico, porém, se
recusa a aplicar um medicamento que pode curar o seu paciente apenas porque o mesmo
é forte. Também, nenhum doente faz opção pela morte ou pela continuidade da doença
se a vida e a cura podem estar tão próximas.
Uma séria reflexão bíblica sobre a disciplina eclesiástica evidencia dois princípios
básicos. Primeiro, que a disciplina na igreja não é uma opção, mas sim uma ordenança
e, conseqüentemente, uma bênção divina (Hb 12.5-7). Segundo, que a disciplina requer
profundo amor por parte da igreja que a aplica e semelhante humildade e
quebrantamento por parte daquele que é disciplinado (2 Co 2.5-11).
45
Peter BARNES. Biblical Church Discipline. In: THE BANNER OF TRUTH, 414, Março 1998. p. 20. 46
Carl J. LANEY. The Biblical Practice of Church Discipline. In: BIBLIOTECA SACRA, Outubro-
Dezembro 1986. p. 363.
26
CAPÍTULO 6: Princípios Históricos Batistas
Alguns princípios importantes guiaram o movimento batista em sua história e se
consolidaram como indicadores da identidade de uma igreja batista local:47
1. As Escrituras Sagradas são a única autoridade sobre a fé e prática.
2. Todo crente é um sacerdote, isto é, ele não precisa de intermediários entre ele e
Deus a não ser Jesus Cristo. Como sacerdote deve servir a Deus através de seus
afazeres e vida.
3. Todo crente é habitado pelo Espírito Santo, tendo o direito e capacidade de ler as
Escrituras Sagradas, bem como interpretá-las, na proporção do conhecimento
que possui.
4. A Salvação é obtida somente pela graça, por isso ela é recebida apenas pela fé
no mérito do sacrifício de Cristo. Boas obras são conseqüência da salvação
gratuita.
5. O Batismo é administrado somente a crentes, isto é, àqueles que receberam a
Salvação pela fé, fruto de livre consciência e espontaneamente, o que inviabiliza
o batismo de infantes.
6. O Batismo e a Ceia do Senhor são ordenanças de Cristo para a Igreja, e não
sacramentos, porém, representam realidades espirituais profundas. O Batismo é
por imersão, simbolizando a morte para a vida separada de Deus pelo pecado, e
o nascer para uma nova vida. Ele simboliza a realidade da Salvação do
indivíduo, a qual se dá quando pela fé ele a recebe gratuitamente. A Ceia é um
memorial, quando toma o pão e o vinho, a Igreja lembra a morte de Cristo,
comunga espiritualmente com sua vida e morte e anuncia a volta dEle,
experimentando um momento de reavaliação de sua vida presente com Deus.
7. A Igreja é uma associação voluntária de crentes, agrupados localmente na sua
comunidade, conformados às Escrituras, portanto debaixo do único cabeça da
Igreja, Jesus Cristo. A Igreja local é plena em si mesma como Corpo de Cristo, e
por isso cada Igreja local é autônoma e suficiente como Igreja. O governo da
47
Extraído com algumas modificações de MILLAN, Elcio. Apostila de doutrinas básicas. Mogi Guaçú,
SP: Primeira Igreja Batista em Mogi Guaçú, [s.d.]. (Apostila não publicada, usada para a classe de novos
membros).
27
Igreja local é congregacional, isto é, a administração da Igreja é pela assembléia
composta de seus membros. Cada membro, obediente à vontade de Deus no seu
íntimo, manifesta livremente seu voto nas assembléias da Igreja.
8. A Igreja é essencialmente separada do Estado. A sociedade deve prover a
liberdade de consciência para que cada um exerça a religião livremente.
9. Pastores não são sacerdotes, mas apenas mestres da Palavra e líderes espirituais,
e exercem estes dons como servos da Igreja.
10. As Igrejas podem e devem cooperar entre si para a expansão do reino de Deus,
especialmente na pregação da fé, e também em outras causas dignas, mas
somente no nível de cooperação, mantendo sempre a autonomia de cada Igreja
local.