A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

43
0 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA: HISTÓRIA, ENSINO E LINGUAGENS MARIANE AMBONI MARCELINO A DITADURA MILITAR: E OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2009

Transcript of A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

Page 1: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

0

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA: HISTÓRIA,

ENSINO E LINGUAGENS

MARIANE AMBONI MARCELINO

A DITADURA MILITAR: E OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2009

Page 2: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

1

MARIANE AMBONI MARCELINO

A DITADURA MILITAR: E OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

Monografia apresentada à Diretoria de Pós-graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense- UNESC, para a obtenção do título de especialista em História: História Ensino e Linguagens.

Orientador: Profª. MSc. Marli de Oliveira Costa

CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2009

Page 3: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

2

As pessoas que no decorrer da minha

especialização colaboraram pela

continuidade da mesma. Especialmente a

Deus, pelas muitas vezes que me angustiei

e senti sua presença junto a mim. Aos meus

pais Vilson e Márcia, minha irmã Marina e ao

meu esposo Alexandre que esteve sempre

ao meu lado sendo compreensivo e

amoroso. Em especial a minha orientadora

Marli de Oliveira Costa.

Page 4: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

3

“... Vem, vamos embora que esperar não é

saber, quem sabe faz a hora, não espera

acontecer... Nas escolas, nas ruas campos

construções, somos todos soldados

armados ou não. Caminhando e cantando e

seguindo a canção, somos todos iguais

braços dados ou não...”

(Geraldo Vandré)

Page 5: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

4

RESUMO

Essa monografia de especialização faz uma análise dos livros didáticos de história enquanto dispositivos pedagógicos, que objetivavam repassar a ideologia do governo ditatorial brasileiro alcançando alunos e professores. Para tanto, foram realizadas revisões bibliográficas sobre a história da educação, história do livro e ditadura militar no Brasil. Num primeiro momento aborda-se a ditadura militar brasileira e suas implicações na educação e, num segundo momento se faz a análise dos livros didáticos de história disponibilizados aos alunos naquele período. Palavras-chave: Livro didático; Educação; Ensino de História.

Page 6: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

5

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01: Certidão de aprovação de livros didáticos sob o ponto de vista da moral e

civismo. ................................................................................................................ 21

Figura 02: Mensagem ao professor ...................................................................... 22

Figura 03: Escoteiros e o sentimento patriótico. .................................................. 25

Figura 04: Deveres da pessoa humana no período militar ................................... 27

Figura 05: As diversas formas de deveres ........................................................... 28

Figura 06: Noção de democracia ......................................................................... 31

Figura 07: Noção de democracia brasileira .......................................................... 32

Figura 08: Os presidentes da república de 1945 a 1971 ...................................... 35

Figura 09: Presidentes (1945 a 1971) .................................................................. 36

Page 7: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 07

2 A DITADURA MILITAR BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO:

1964 a 1675 .............................................................................................................. 10

2.1 A ditadura militar ............................................................................................... 10

2.2 A ditadura e a educação ................................................................................... 13

3 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DURANTE A DITADURA MILITAR ............. 18

4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 39

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 41

Page 8: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

7

1 INTRODUÇÃO

Em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de história em 2005

busquei dar visibilidade à prática docente de professores de História durante o

período da Ditadura Militar em Criciúma. Para isso, realizei entrevistas com quatro

professores de história desse período, com a intenção de identificar as dificuldades

enfrentadas por eles no processo ensino-aprendizagem. Uma das lacunas de meu

TCC foi o fato de, embora ter encontrado, não haver realizado análise dos livros

didáticos do período estudado.

Para dar continuidade a minha pesquisa, nessa Monografia de

especialização, tenho por objetivo fazer uma análise desses livros enquanto

dispositivos pedagógicos que objetivavam repassar a ideologia do governo ditatorial

alcançando alunos e professores.

Para realizar esse objetivo é preciso compreender um pouco sobre a

história da educação no Brasil, percebendo que muitas vezes ela foi usada como um

mecanismo de controle do Estado. Pois, enquanto um Estado autoritário buscava

construir uma sociedade voltada para ações dissociadas da teoria, ou seja, de

reflexões. Conduzir uma educação crítica era sinônimo de subversão, que prejudica

as ideologias dos Estados políticos autoritários que utilizam certas estratégias de

ensino. Esse processo de educação vem de longa data no Brasil:

Com a chegada dos portugueses no Brasil, a atividade missionária facilitava sobremaneira a dominação metropolitana e, nessas circunstâncias, a educação assume papel de agente colonizador. Predominantemente nas mãos dos jesuítas as escolas ministravam um ensino conservador. O Brasil do século XVII por se tratar de uma sociedade agrária e escravista, não há interesse pela educação elementar, daí a grande massa de iletrados. O Brasil na era pombalina persiste o panorama do analfabetismo e do ensino precário, agravado com a expulsão dos jesuítas e pela democracia da reforma pombalina. É a partir do século XIX, que se concretizam, com a intervenção cada vez maior do Estado para estabelecer a escola elementar universal, leiga, gratuita e obrigatória. Enfatiza-se a relação entre educação e bem-estar social, estabilidade, progresso e capacidade de transformação. Daí, o interesse pelo ensino técnico ou pela expansão das disciplinas científicas (ARANHA, 1996, p. 103).

Page 9: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

8

A expansão das disciplinas consideradas científica foi reafirmada no

período da Ditadura Militar. Para compreender o contexto de produção dos

conteúdos dos livros didáticos, utilizei em um primeiro momento a revisão de

bibliografia sobre a Ditadura Militar Brasileira, a educação nesse período e a história

dos livros e dos livros didáticos de história. Num segundo momento, fiz um

levantamento de livros que eram usados entre 1964 e 1985 para analisar os

conteúdos que eram lecionados naquela época. Assim, perceberemos os meios

usados pelo governo militar para controlar a educação e repassar seus ideais de

sociedade.

Para compreender o período da Ditadura Militar utilizei os seguintes

autores: Ronaldo Costa Couto, D. Paulo Evaristo Arns, Nadine Habert, Júlio José

Chiavenato e Eduardo Bueno.

Ainda sobre a educação e sua história minhas referências foram Pedro

Demo, Maria Lúcia de Arruda Aranha, Paulo Ghiraldelli Junior, Maria Luisa Santos

Ribeiro, Claúdia Regina Kawka Martins, Lea Maria Vedana.

Como trabalhei com a história do livro didático, necessitei buscar autores

que discutem sobre a temática, história do livro. O historiador francês Roger

Chartier, coloca que o objeto impresso é o veículo essencial da transmissão dos

conhecimentos, saberes, prazeres, que cada indivíduo pode ter com o passado, com

o presente, ou com a sociedade em que vive. Décio Gatti Júnior, historiador da

educação brasileira, diz que os livros de caráter científico, receberam estatuto de

verdade no século XVII, e que ainda hoje se dissemina em grande parte dos bancos

escolares e da vida cotidiana das pessoas.

Sendo assim, é através da revisão bibliográfica de livros relacionados ao

assunto aqui estudados, podemos compreender o que se passou durante o período

da Ditadura Militar Brasileira.

Quando os militares assumiram o governo, começou a longa agonia do

poder civil. Executado pelas Forças Armadas, com o apoio de lideranças políticas

civis importantes e também de amplos setores das classes médias e ricas, o Golpe

não surgiu como resposta ao clamor popular. “O povo não teve participação

relevante. Não foi ouvido e nem se manifestou espontaneamente. Mais uma vez, é

antes objeto que sujeito da história, conforme a tradição do país”. (Couto, 1999, p.

389).

Page 10: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

9

Após o Golpe Militar os/as professores/as de História da época tiveram

algumas limitações ao lecionar sua disciplina, pois ela está diretamente relacionada

aos acontecimentos ligados à política do país. Os/as professores/as de História

foram um dos alvos de vigilância da proposta educacional que se instalou após a

implantação do Regime Militar, tiveram suas disciplinas reduzidas e incorporadas a

outras disciplinas, como Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais.

Além disso, introduzir as disciplinas sobre civismo significava impor a ideologia da ditadura reforçada pela extinção da Filosofia e diminuição da carga horária de História e Geografia, o que exerce a mesma função de diminuir o senso crítico e a consciência política da situação (Demo, 1997, p.94).

No primeiro capítulo desse trabalho, falo sobre o momento político em

que os militares assumiram o poder, dando as principais características de cada um

dos cinco presidentes militares. Depois a interferência da Ditadura Militar na

educação, principalmente para a disciplina de História, com a criação da lei 5692/71.

No segundo capítulo enfoco os livros utilizados durante a ditadura militar,

fazendo uma análise nos conteúdos lecionados, percebendo o objetivo do governo

em formar cidadãos adaptados à ordem social e a política vigente. Compreendendo,

no entanto, como reflete Chartier (1995), que os livros foram apropriados de formas

diferentes pelos leitores, o que significa não poder afirmar que as intenções da

ditadura foram totalmente atingidas.

Page 11: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

10

2 A DITADURA MILITAR BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO:

1964 À 1985

Ao analisar os livros didáticos de história, abordo como estes eram

usados como um dispositivo pedagógico disciplinar. Michel Foucault, 2005, traz uma

análise sobre as prisões como forma de controle. É preciso controlar a partir de

alguns pressupostos de disciplina, modo de agir, educação. É preciso vigiar para

conter as insurreições, é preciso vigiar para punir.

O autor ao tratar do sistema Panóptico, forma prisional de vigilância

apurada, discute o sistema de controle e sua função, traçando um paralelo com a

educação e os objetivos do poder. Para Foucault:

O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantando em todas as frentes de poder, descobrindo que devem ser conhecido em todas as superfícies onde se exerça (FOUCAULT, 2001 p. 169).

Inspirada nas discussões do panóptico busco perceber na Ditadura Militar

estratégias de vigilância e de controle da educação brasileira no período em que

vigorou. Para tanto, em um primeiro momento, por meio das análises de alguns

historiadores, sociólogos e teólogos, mostro um pouco do processo da Ditadura

Militar para, a seguir, apresentar a educação e o ensino de história nessa trama.

2.1 A Ditadura militar

Em abril de 1964, os militares derrubaram o presidente João Goulart e

ocuparam o poder, erguendo no país um poderoso sistema de repressão e controle.

No mesmo momento da deposição de Goulart, procurou-se apresentar a sucessão

não como o que ela foi de fato, a derrubada de um mandatário eleito pelo povo e sua

substituição por um general indicado pelas Forças Armadas, e sim como uma

“eleição indireta”, levada a cabo pelo Legislativo. (COUTO, 1997, p. 89).

Page 12: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

11

No dia 11 de abril, o Congresso elege o presidente da República, para completar o mandato do presidente deposto, João Goulart, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, conspirador e coordenador do movimento. (Ibid. p. 96).

Conforme D. Paulo Evaristo Arns (2001, p. 250), em seu pronunciamento,

Castello Branco declarou defender a democracia, porém ao começar seu governo

assumiu uma posição autoritária. Estabeleceu eleições indiretas para presidente,

além de dissolver os partidos políticos. Vários parlamentares federais e estaduais

tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos e

constitucionais cancelados e os sindicatos receberam intervenção do governo

militar. Em seu governo, foi instituído o bipartidarismo. Só estavam autorizados o

funcionamento de dois partidos: Movimento Democrático Brasileiro-MDB e a Aliança

Renovadora Nacional- ARENA. Enquanto o primeiro era de oposição, de certa forma

controlada, o segundo representava os militares.

O governo militar impôs, em janeiro de 1967, uma nova Constituição para

o país. Aprovada neste mesmo ano, a Constituição de 1967 confirma e

institucionaliza o regime militar e suas formas de atuação.

Em 1967, assumiu a presidência o general Arthur da Costa e Silva, após

ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. De acordo com Nadine Habert

(1992, p.78), Costa e Silva fez um governo tenso e difícil. A radicalização política foi

crescente, com enfrentamento direto entre as forças de segurança, a maioria

comandada pelos militares da linha dura1 e estudantes em grandes manifestações

reivindicatórias e de contestação ao regime. Em 1968, eclodiram greves operárias

que aliaram exigências salariais e discurso contestatório. Em dezembro de 1968, o

governo, em nome da segurança nacional, chega ao extremo de decretar o Ato

Institucional nº. 5, ponto culminante da legislação autoritária e do autoritarismo,

porque suspende os direitos civis comuns, delega ao presidente a competência para

cassar mandatos e direitos políticos e, de fato, para fazer os atos de governo que

quiser e como quiser. De acordo com Eduardo Bueno (2003), é o Golpe dentro do

golpe, o aprofundamento do militarismo, é a ditadura dura (p. 128).

O resultado de todo esse arsenal de Atos, decretos, cassações e

proibições foi à paralisação quase completa do Movimento Popular de denúncia,

1 A linha dura do Regime Militar era formada pelos militares mais tradicionalistas, para eles o mais importante era defender a nação, a qualquer custo.

Page 13: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

12

resistência e reivindicação, restando praticamente uma única forma de oposição: a

clandestina (ARNS, 2001, p.84).

No dia 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da presidência por

motivo de doença. Durante o seu impedimento, os militares não permitiram a posse

do vice-presidente Pedro Aleixo, político mineiro liberal, democrata que já havia se

mostrado incompatível com o AI-5. Quem assumiu temporariamente o poder foi uma

junta militar (COUTO, 1999, p.158).

Em 1969, a Junta Militar escolheu o novo presidente: o general Emílio

Garrastazu Médici. Arns considera seu governo o mais duro e repressivo do período,

conhecido como “anos de chumbo". A repressão à luta armada cresceu e uma

severa política de censura foi colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças

de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística foram censuradas.

Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores foram investigados,

presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e

Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna) atuou como centro de

investigação e repressão do governo militar (BUENO, 2003, p.145). Nesse governo

foi criada a lei 5692/71, destaco nesse trabalho, no que tange as modificações feitas

nas disciplinas de História e Geografia.

Em 1974, assumiu a presidência o general Ernesto Geisel que começou

um lento processo de transição rumo à democracia. Ronaldo Costa Couto (1999),

afirma que o governo de Geisel coincide com o fim do milagre econômico e com a

insatisfação popular em altas taxas. (p. 323). A crise do petróleo e a recessão

mundial interferiram na economia brasileira, no momento em que os créditos e

empréstimos internacionais diminuíram. Geisel anunciou a “Abertura Política” lenta,

gradual e segura. A oposição política começou a ganhar espaço. Em 1978, Geisel

acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da

democracia no Brasil (COUTO, 1999, p. 389).

A vitória do MDB nas eleições em 1978 começou a acelerar o processo

de redemocratização. O general João Baptista Figueiredo decretou a Lei da Anistia,

concedendo o direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais

brasileiros exilados e condenados por crimes políticos. Os militares de Linha Dura

continuaram com a repressão clandestina. Em 1979, o governo aprovou a lei que

restabeleceu o pluripartidarismo no país. Os partidos voltaram a funcionar dentro da

normalidade. A ARENA muda o nome e passa a ser PDS, enquanto o MDB passa a

Page 14: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

13

ser PMDB. Outros partidos são criados, como: Partido dos Trabalhadores – PT e o

Partido Democrático Trabalhista - PDT (HABERT, 1992, p.42).

Para Júlio José Chiavenato, (1995) entre 1964 e 1984, a ditadura destruiu

a economia, institucionalizou a corrupção e fez da tortura uma prática política.

Desonrou a nação e abalou o caráter brasileiro. Alienou as novas gerações,

tornando-as incapazes de entender a sociedade em que viviam (CHIAVENATO,

1995, p. 58).

Nesse emaranhado de torturas, prisões e perseguições como a educação

era vivenciada? Vamos perceber como o regime militar instaurado no Brasil em

1964, proporcionou mudanças significativas na educação, inclusive na elaboração

dos conteúdos dos livros didáticos.

2.2 A ditadura e a educação

A Ditadura Militar Brasileira, ocorrida entre os anos de 1964 e 1985,

trouxe conseqüências diretas para a educação que passou a ser constituída na

preparação do indivíduo para a “modernização” do Estado, inserida no ideal de

desenvolvimento da nação e do apelo cívico. Portanto, o texto a seguir, aborda

algumas mudanças no ensino, principalmente com a disciplina de História.

Otaísa Romanelli (1991) relata que durante a Ditadura pensava-se em

erradicar definitivamente o analfabetismo através de um programa nacional,

levando-se em conta as diferenças sociais, econômicas e culturais de cada região.

Para isso, foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, que não

conseguiu atingir seu objetivo e por isso foi extinto. No entanto, outra Lei foi criada

para vangloriar a ditadura: Segundo Romanelli:

É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 4.024, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante. Dentro do espírito dos "slogans" propostos pelo governo, como "Brasil grande", "ame-o ou deixe-o", "milagre econômico", etc., planejava-se fazer com que a educação contribuísse, de forma decisiva, para o aumento da produção brasileira (1991, p.64).

Page 15: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

14

O governo e o mercado exigiam uma profissionalização, logo a escola

tinha que se moldar também. A sociedade precisava acompanhar o desenvolvimento

econômico, estrutural e industrial. Era preciso dali para frente construir homens e

mulheres patriotas, capacitadas e enquadradas com o mercado, com a evolução e

com o turbilhão chamado modernização.

Institui-se então, um século dos diplomados. O crescimento industrial, a

mudanças na economia exigem nesse momento um termo de extrema importância

para a formação de uma sociedade enquadrada com as novas mudanças: a

especialização.

No contexto das idéias desenvolvimentistas a educação apresentava-se

como um lugar de investimento, no entanto como afirma Maria Lúcia Arruda Aranha

às discussões nesse sentido não foram coesas:

É sempre controvertida a discussão sobre o uso das modernas técnicas na educação. De um lado, uma postura conservadora resiste a qualquer inovação técnica como se fosse incompatível com a natureza espiritual do processo educativo, e por outro, o risco do tecnicismo, da exaltação desmedida da técnica (1996, p. 165).

É importante ressaltar, o que vem sendo esboçado ao decorrer deste

trabalho: os textos usados nos livros didáticos de história durante a ditadura com o

propósito de moldar os cidadãos aos padrões vigentes. Os detentores do poder

estimavam em formar pessoas convenientes com suas reais intenções. Através de

métodos que levavam a um condicionamento de não resposta, de não subversão, o

governo podia atuar de modo que suas intenções não fossem retrucadas. Claro, que

durante os 20 anos de ditadura houve oposição e resistência, mesmo que

clandestina, contra todas as barbáries ocorridas no período, tanto, que a forma de

governo foi modificada.

Com o golpe militar, a educação passou a ser o meio transmissor para

repassar a concepção autoritária da sociedade. Para isso, uma disciplina em

especial, História, foi diretamente utilizada através dos textos inseridos nos livros

didáticos. Esses abordavam uma história tradicional que venerava os heróis

nacionais, o patriotismo e o civismo. Percebe-se que essas modificações ocorreram

de forma hierárquica no sentido que vinham de cima para baixo, ou seja, os militares

Page 16: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

15

mudavam e a sociedade tinha que aceitar senão poderia sofrer consequências

traumáticas. Vemos um exemplo do ensino de história nesse período segundo Thais

Nívia de Lima Fonseca:

Após 1964 o ensino de História aprofundou essa concepção, combinada com medidas de restrição á formação e á atuação dos professores e com uma redefinição dos objetivos da educação, sob a ótica da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, no sentido de exercer o controle ideológico e eliminar qualquer possibilidade de resistência ao regime autoritário. Vista dessa forma, a História tradicional adequava-se aos interesses do Estado autoritário, medida em que apresentava o quadro de uma sociedade hierarquizada, cuja vida seria conduzida de cima para baixo e em que a ordem seria uma máxima a ser seguida pelos seus membros. Sem espaço para a interpretação e a análise crítica, não haveria como instrumentalizar o indivíduo para o questionamento da ordem. A reorganização do ensino de História teve, pois, conotações políticas, passando a ser de competência de órgãos públicos, tecnicamente aparelhados para os fins que se adequassem àquela Doutrina (2003, p. 56).

Dessa forma as pessoas que passaram pelos bancos escolares e tiveram

contato com a história tradicional tiveram seus estudos passíveis à ideologia do

golpe militar, sujeitas à forma de controle por meio da repressão e mecanismos

pedagógicos. Era preciso preservar a segurança, os sentimentos de pátria, as

finalidades do governo, do dever e obediência às leis.

Durante a década de 1970, podemos observar as conseqüências e

desdobramentos da Reforma Universitária de 1968, em perfeita harmonia com a

legislação seguinte, a LDB 5692/71. Após essa lei os professores de História tiveram

algumas limitações ao lecionar sua disciplina, pois ela estava diretamente

relacionada com os acontecimentos ligados à política do país, que mais tarde faria

parte dos conteúdos didáticos. Os educadores de história foram alvos de vigilância

da proposta educacional que se instalou após a implantação do Regime Militar,

tendo sua disciplina reduzida e incorporada a outras disciplinas, como Educação

Moral e Cívica e Estudos Sociais (ARANHA, 1996, p. 33).

O regime ditatorial preocupava-se muito com o ensino de História, pois

esta disciplina tem por característica a análise crítica dos conteúdos e a formação de

pessoas com visão crítica não interessava aos militares. Um indício dessa

preocupação está no fato de que a disciplina de História foi substituída nas séries

iniciais pela disciplina de Estudos Sociais, que englobava conhecimentos de História

Page 17: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

16

e Geografia. Já nas séries do Ensino Fundamental e Secundário pela Educação

Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil - OSPB (GHIRALDELLI,

1991, p.128).

Introduzir as disciplinas sobre civismo significa impor a ideologia da ditadura, reforçada pela extinção da Filosofia e diminuição da carga horária de História e Geografia, que exerce a mesma função de diminuir o senso crítico e consciência política da situação (VEDANA, 1997, p.54).

Para Helfer e Lenskij (2000), estava evidente que a proposta da disciplina

Estudos Sociais, visava ajustar o indivíduo à ordem, desenvolvendo nos alunos uma

postura de submissão, de acomodação, de resignação, tornando-os simples

contempladores da realidade, através da identificação e observação. Não era

permitida a intervenção do aluno na realidade como sujeito da construção do

processo histórico e de conhecimento. Prevalecia à individualidade do aluno, com o

afastamento da possibilidade de luta coletiva para a transformação da realidade. (p.

102)

Antes da implantação dessas “novas” disciplinas no currículo escolar,

houve a criação do curso de Licenciatura Curta em Estudos Sociais no ano de 1969.

Neste curso, o aluno saía habilitado para ministrar aulas de Estudos Sociais e

Educação Moral e Cívica no Ensino Primário e aulas de Organização Social e

Política do Brasil (OSPB) e História ou Geografia no Ensino Fundamental e

Secundário, contanto, que fizesse mais um ano de estudos adicionais. A principal

característica dessa nova modalidade de curso é que o professor estaria habilitado

nessas duas disciplinas (História e Geografia) em um período de três anos, o que

acabou implicando uma desqualificação do professorado, já que esses cursos em

licenciatura curta, criados pelo governo, não tinham qualquer interesse em formar

professores com visão crítica, e sim, com uma formação totalmente superficial e

factual. (RIBEIRO, 1987, p.157)

A criação desses cursos de licenciatura curta foi justificada pelo governo

como uma forma de suprir a carência de professores no país naquele momento. O

país sofria mudanças em vários setores: como a expansão da economia e um

acentuado crescimento no setor industrial, implicando na expansão da demanda da

população à educação. Ainda a respeito dos cursos de licenciatura curta Selva

Fonseca (1993) comenta o seguinte:

Page 18: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

17

[...] começa a ser formada a nova geração de professores polivalentes, e neles o principal objetivo é a descaracterização das Ciências Humanas como campo de saberes autônomos, pois são transfiguradas e transmitidas como um mosaico de conhecimentos gerais e superficiais da realidade social (FONSECA, 1993, p.25).

Podemos então perceber que a lei 5692/71 teve como um dos principais

objetivos da Reforma Educacional, formar cidadãos aos moldes do governo vigente

e trabalhadores qualificados (menos os educadores), já que o ensino secundário

passou a ser totalmente voltado para o tecnicismo. (ARANHA, 1996, p.125)

Todas estas discussões chegaram até nós após o momento da Abertura

Política, alguns teóricos da educação, sociólogos e outros intelectuais realizaram

uma leitura crítica das implicações na sociedade como um todo e no caso do

interesse dessa Monografia, da educação na vida dos brasileiros e brasileiras.

No próximo capítulo busco narrar à história do livro didático e as

implicações dos conteúdos voltados a formar cidadãos “civilizados” perante a

Ditadura Militar Brasileira.

Page 19: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

18

3 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DURANTE A DITADURA MILITAR

Depois de Gutenberg, a cultura das sociedades do Ocidente pode ser

considerada uma cultura do objeto impresso. Esse novo meio de comunicação

modificou as práticas de devoção, de lazer, de informação e de conhecimento. Da

Idade Média até meados do século XIX, foram numerosos os livros, primeiro

manuscritos e depois impressos, que alimentaram as imaginações de muitos

leitores, propondo-lhes verdades maravilhosas, ficções verídicas ou histórias de

diversão. Para Chartier (1998):

Uma primeira intenção presidiu à leitura: encontrar por trás da aparente objetividade das narrativas que se baseiam num repertório consagrado de intrigas e de temas – os conflitos agudos, as vontades polêmicas, os desígnios políticos, que fazem com que sejam escritos e publicados (p. 115).

Ao ler o artigo “As utilizações do objeto impresso”, organizado por Roger

Chartier, percebemos a forte influência da Igreja Católica na publicação impressa.

Os Franciscanos por serem extraordinariamente centralizadores, tornaram-se

agentes da aculturação cristã e da alienação das devoções populares.

No livro, A ordem dos livros, de Chartier (1995), percebe-se que o objeto

impresso buscou sempre instaurar uma ordem; fosse à ordem de sua decifração, a

ordem no interior da qual ele deve ser entendido ou, mais, a ordem almejada pelo

olhar da autoridade que o encomenda ou permite a sua publicação e circulação (p.

11-20). Ao acompanhar a história do livro no Brasil, Circe Bittencourt (1993)

observou que a insistência, por parte de legisladores, sobre a necessidade de

uniformização do ensino para toda a nação, foi uma constante em todo o período

imperial. Desta maneira, os livros escolares foram sempre vistos como possibilidade

de garantir este projeto de unificação da cultura escolar em todo o território

brasileiro. Esta defesa voraz da uniformização do ensino foi realizada com grande

força pelos liberais do final do Império e do alvorecer da República, tanto em relação

ao ensino primário quanto ao secundário (p. 47).

Page 20: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

19

O método mais preciso dentro do interesse desse regime era o controle,

através desse, poder-se-ia construir uma nação de acordo com os propósitos de

quem estava no poder, no caso desse estudo os militares. O controle é uma forma

de manter a ordem para evitar insurreições. Era preciso controlar, e uma das formas

desse processo era através dos livros didáticos que uniformizavam o ensino dentro

das intencionalidades do governo. Foucault (2005) nos ajuda entender esse

procedimento quando escreve que ao apresentar um mecanismo de vigilância:

E para se exercer, esse poder deve adquirir o instrumento para uma vigilância permanente, exaustiva, onipresente, capaz de tornar tudo visível, mas com a condição de se tornar ela mesma invisível. Deve ser como um olhar sem rosto que transforme todo o corpo social em um campo de percepção: milhares de olhos postados em toda parte, atenções móveis e sempre alerta, uma longa rede hierarquizada [...] (p. 176).

Enquanto a ordem das carteiras, a arquitetura do prédio escolar é

utilizada como meio de vigilância, os livros são usados como controle. Essa forma

de controle permitia que os fins justificassem os meios, pois uma educação

massificada poderia tornar os propósitos do governo coniventes. E como executar

esse procedimento? Maria Lúcia de Arruda Aranha (1996) nos ajuda a entender

como:

A repercussão imediata na educação se faz sentir na reestruturação da representação estudantil. Em 1967 a ditadura coloca fora da lei as organizações consideradas subversivas, como a UNE (União Nacional dos Estudantes ) . a intenção é evitar a representação em âmbito nacional, permitindo a atuação do DA ( Diretório Acadêmico ), restrito a cada curso, e do DCE ( Diretório Central dos Estudantes ) , para cada universidade. É proibida qualquer tentativa de ação política: “estudante é para estudar; trabalhador para trabalhar”. As escolas do grau médio sofrem controle. Seus grêmios são transformados em centros cívicos, sob a orientação do professor de Educação Moral e Cívica ( também esta disciplina era uma excrescência da ditadura). O cargo deveria ser ocupado pôr pessoa de confiança da direção, o que, em outras palavras, significava não ter passagem pelo DEOPS ( Departamento Estadual de Ordem Política e Social). Este organismo controlava a participação das pessoas em movimentos de protestos, fichando como comunistas as consideradas subversivas (p. 211).

Esse esforço em controlar os estudantes para obter seus interesses

particulares e dentro do esquema de poder militar, estabelece as reais intenções de

Page 21: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

20

um ensino que acentua a moral, civismo, e a maneira que as pessoas devem agir

dentro da sociedade. Era preciso que os profissionais na área da educação também

estivessem participando dessa estratégia por meio dos métodos de ensino, para que

houvesse uma sintonia da transmissão do conhecimento, com os objetivos da

educação nesse período.

A figura imagem abaixo mostra que os livros didáticos durante a Ditadura

Militar vinham com a autorização do governo para poderem circular. Dessa forma, os

professores eram obrigados a escolher os livros moldados pelos objetivos ditatoriais.

Essa era uma das maneiras encontradas por quem estava no poder de tentar

controlar a massa estudantil, pois os conteúdos dificilmente despertavam o

conhecimento críticos dos assuntos abordados.

Page 22: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

21

Figura 01: Certidão de aprovação de livros didáticos sob o ponto de vista da moral e civismo FONTE: FILHO, Clóvis Pacheco; MICHALANY, Douglas; NETO, José de Nicola; RAMOS, Ciro de Moura. Curso de Estudos Sociais. São Paulo: Editora Michalany S/A, 1977, 139 p.

Page 23: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

22

A disciplina Educação Moral e Cívica tinha por grande finalidade buscar

cidadãos de acordo com o que o país estava precisando naquele período. Os

formuladores dos métodos disciplinares entendiam que era preciso o professor

inserir no aluno a magnificência da pátria e seu amor e despojamento a esta.

Entende-se os objetivos traçados pelos “senhores” da educação nesta mensagem

ao professor no livro didático intitulado: Educação moral, cívica e política de 1971:

Figura 02: Mensagem ao professor FONTE: RAMOS, Ciro de Moura, MICHALANY, Douglas. Educação moral, cívica e política. 2ª ed. São Paulo: Gráfica Michalany, 1971. p. 245

Page 24: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

23

A página mostra ao lado direito à bandeira do Brasil, em seu texto um

discurso que tenta convencer de que o patriotismo estava esquecido e que era

necessário reativar esse espírito, assim imagem-bandeira e texto direcionam a

“vontade de verdade”, que o livro utilizado entre os anos 1971 tenta passar.

Segundo Chartier (1989):

[...] os livros escolares produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ele menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (p. 17).

Os livros tendem a colocar a idéia do autor, o que significa que não

podemos afirmar que alcançaram todos com seu intento. Os livros didáticos são

preparados com essa intenção, sua forma de escrita e imagens ajudam a construir

um ser humano no contexto em que vive. Durante o Regime Militar o caráter

ideológico estava sendo posto de forma evidente, mas podemos afirmar que por

falta de conhecimento em política, filosofia e história a maioria das pessoas que

tiveram contato com os livros não percebiam as mensagens colocadas no conteúdo

do material escrito. Assim, o papel da educação era formar homens preparados para

exercer suas funções cívicas. Como previa o decreto 68.065 de 1971:

• a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade; o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;

• o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;

• o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo a na ação construtiva visando o bem comum;

• o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade (FONSECA, 1993, p. 37).

A lei acima coloca que é de extrema importância, além do exercício cívico

e moral do cidadão, enquadrar-se nesse sistema de obediência a lei, pois uma

aversão aos meios legais estipulados pelo poder ocorreria sem dúvida revoltas e

insurreições.

Page 25: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

24

Era preciso também a fidelidade ao trabalho, fonte econômica de

qualquer país capitalista para manter a renda, na ditadura, porém a concentração de

renda era colocada junto com um discurso de crescimento econômico.

Percebe-se que o público alvo (os componentes da nação) tinha seus

deveres a cumprir, e como deviam cumprir mediantes as leis? A Educação Moral e

Cívica transbordava os interesses de uma classe militar dominante.

Isso fica ainda mais claro quando se tenta, a partir dos conteúdos a atividades predeterminados, impor uma visão harmônica da sociedade, em que a espontânea colaboração” de todos os grupos sociais aparece como a ordem natural das coisas (FONSECA, 2003 p. 57).

Vejamos um exemplo do que foi comentado nesse parágrafo, no livro

didático de Educação Moral e Cívica de Lurdes de Bortoli de 1978:

Page 26: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

25

Figura 03: Escoteiros e o sentimento patriótico FONTE: BORTOLI, Lurdes. Educação moral e Cívica. 2. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1978, 132 p.

Page 27: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

26

A criação de grupos de escoteiros foi mais uma estratégia utilizada para

construir sentimentos patrióticos e fortalecer o civismo. Nota-se na página, que as

crianças respondiam as questões, o “X” colocado nas respostas apresenta dúvidas,

percebi isso a partir do texto original onde encontrei marcas de outras respostas,

mas como estamos diante de um ensino tecnicista, entendemos que tudo era

encaminhado de forma mecânica de modo que não precisassem pensar no

significado das respostas.

Esta página coloca com grande ênfase os deveres e obrigações dos

cidadãos, e todos os argumentos são para moldar a população com a situação

política brasileira daquele momento, onde os militares mandavam e o povo

obedecia. Numa tentativa de legitimar seus discursos promulgados nas leis o autor

se afirma em Deus através da expressão “Todos nós temos deveres a cumprir para

com Deus, para com a Pátria e para com nossos semelhantes.” (BORTOLI, 1978,

p.138). Nesse sentido, Marilena Chauí (2000) nos ajuda e entender a importância

das narrativas sagradas:

Embora a narrativa sagrada seja uma explicação para a ordem natural e humana, ela não se dirige ao intelecto dos crentes (não é Filosofia nem ciência), mas se endereça ao coração deles. Desperta emoções e sentimentos – admiração, espanto, medo, esperança, amor, ódio (p. 273).

A imagem dos escoteiros segurando a Bandeira Nacional Brasileira tenta

impor à ideologia do amor a pátria, da importância de respeitar e obedecer à ordem

vigente em vigor. Os dizeres da bandeira “Ordem e Progresso” resumem

perfeitamente os objetivos dos militares que estavam no poder: se houver ordem,

respeito com certeza o progresso chegará.

Seguem algumas das gravuras do livro Curso de Estudos Sociais

publicado em 1977.

Page 28: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

27

Figura 04: Deveres da pessoa humana no período militar FONTE: PACHECO FILHO, Clóvis; MICHALANY, Douglas; NETO, José de Nicola; RAMOS, Ciro de Moura. Curso de Estudos Sociais. São Paulo: Editora Michalany S/A, 1977, 139 p.

Page 29: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

28

Figura 05: As diversas formas de deveres FONTE: PACHECO FILHO, Clóvis ; MICHALANY, Douglas; NETO, José de Nicola; RAMOS, Ciro de Moura. Curso de Estudos Sociais. São Paulo: Editora Michalany S/A, 1977, 139 p.

Nestas imagens, podemos perceber a preocupação dos militares em

mostrar para os estudantes, e conseqüentemente seus amigos e familiares, quais

eram seus deveres enquanto cidadãos brasileiros. Para isso:

Page 30: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

29

[...] O regime preocupou-se especialmente com o ensino da educação cívica, redefinindo os papéis de duas disciplinas já existente – “Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira” ( ao nível de ensino fundamental e médio) – , tornando –as obrigatórias em todos os graus de ensino, com a introdução de “Estudos dos Problemas Brasileiros” no ensino universitário [...]Considerando que aquela doutrina tratava a educação e as pessoas nela envolvidas com um de seus “públicos-alvos” – passíveis de controle ideológico pelos riscos que representavam a segurança do país – , entende-se a razão das reformulações dos conteúdos e seus respectivos objetivos de ensino. As noções de preservação da segurança, de manutenção dos sentimentos patrióticos, do dever e da obediência às leis denotam com clareza as finalidades político-ideológicas dadas ao ensino de história e disciplinas afins (FONSECA, 2003, p. 56-57).

Para a moral, a conduta humana deveria estar de acordo com as

intenções do regime. Essa idéia de moral foi criada e disseminada como uma forma

de regular condutas. Por meio dos livros didáticos, das formas metodológicas e da

postura dos professores em sala de aula, conduzia a essa forma de conduta geral.

Era preciso que tudo estivesse na mais perfeita ordem e que os feitos políticos

fossem ressaltados em contraponto aos governos anteriores,

A tendência religiosa era também altamente empregada nas vias do

ensino. Era através da concepção de homem e espírito que os princípios religiosos

se apresentavam. Era preciso conhecer o homem em sua racionalidade, e suas

ações sobre essa razão, mas era preciso também conhecer a parte transcendental

do ser humano.

No livro didático, a religião era apresentada juntamente com os deveres

cívicos e familiares. Era necessário saber sobre seus deveres para com Deus, para

consigo mesmo, para com a família, para com os semelhantes, para com a pátria,

enfim os deveres cívicos para com o mundo. Nesse contexto, Chauí (2002) afirma

que cumprindo a vontade e as leis de Deus as ações humanas tornam-se morais:

Por meio da revelação aos profetas (Antigo Testamento) e de Jesus Cristo (Novo Testamento), Deus tornou sua vontade e sua lei manifesta aos seres humanos, definindo eternamente o bem e o mal, a virtude e o vício, a felicidade e a infelicidade, a salvação e o castigo. Aos humanos, cabe reconhecer a vontade e a lei de Deus, cumprindo-as obrigatoriamente, isto é, por atos de dever. Estes tornam morais um sentimento, uma intenção, uma conduta ou uma ação (p. 296).

Page 31: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

30

Por isso, incorporar conteúdos relacionados à moral nos livros didáticos

foi uma das maneiras encontradas pelos militares em manter a ordem no país e

assim se manterem no poder. Para eles a moral de uma pessoa estava relacionada

com as suas ações, portanto, era importante enfatizar a relação com Deus, porque

se enquadrando numa religião evitava-se o mal. Saber quais eram seus deveres

perante a sociedade, manter-se dentro da moralidade, buscando Deus, evitava,

segundo as pessoas que estavam no poder, manifestações críticas da população

com relação ao governo/conduta dos militares, pois a moral diz respeito a seguir

normas, enquanto a ética é o próprio questionamento moral.

Outra preocupação dos militares estava relacionada à democracia que

segundo eles não poderia estar em prática por causa das ameaças comunistas de

tomar o poder. Vejamos um trecho do livro Educação Moral e Cívica de 1971 de

Douglas Michalany e Ciro de Moura Ramos:

Page 32: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

31

Figura 06: As diversas formas de deveres FONTE: RAMOS, Ciro de Moura, MICHALANY, Douglas. Educação moral, cívica e política. 2ª ed. São Paulo: Gráfica Michalany, 1971. p. 245

Page 33: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

32

Figura 07: As diversas formas de deveres FONTE: RAMOS, Ciro de Moura, MICHALANY, Douglas. Educação moral, cívica e política. 2ª ed. São Paulo: Gráfica Michalany, 1971. p. 245

As páginas do livro de Michalany e Ramos (1971) mostram a

preocupação dos militares contra os comunistas. Eles culpam os comunistas de

tentarem tomar o poder, e causar desordem na vida política do país, usam esse

argumento para explicar a falta de democracia existente no Brasil durante o Regime

Militar. O livro explica o que é democracia, diz que ela está garantida na

Constituição brasileira, mas ao mesmo tempo responsabiliza os comunistas pela

falta de direitos do povo brasileiro:

Page 34: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

33

O termo democracia designa um governo do povo. (...) A Constituição do Brasil define o regime democrático como sendo a baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem (...) O comunismo, com seus tentáculos, tenta destruir nosso sistema de vida e a própria independência da Pátria. (...) Portanto, para conservá-la, e preciso corrigi-la. Essa correção se faz com visíveis vantagens sobre o regime comunista: pela justa aplicação das leis e pelo respeito à autoridade. Esta e a força maior da democracia, pois o seu fundamento continua sendo a moralidade geral (p. 166 - 167).

O texto traz o conceito de democracia para criticar o comunismo. Para

Chauí (2000), a democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado

na idéia de cidadania organizada em partidos políticos e manifestando-se no

processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e

nas soluções técnicas (e não políticas) para os problemas sociais.

A democracia defendida na Constituição Brasileira, que garantia os

direitos fundamentais do homem, não estava sendo praticada no governo militar por

causa da ameaça comunista de assumir a administração do país. Portanto era

necessário explicar a falta de democracia no Brasil, para isso, foram utilizados os

conteúdos dos livros didáticos. Desta forma, toda educação tem seu objetivo; e

organizada por um estado, tem de estar de acordo com os desejos deste estado. No

caso deste estudo, a discussão é o estado militar, organizado de forma autoritária, a

fim de manter a ordem através do convencimento que os cidadãos têm que ter

sentimentos patrióticos, de acordo com a moral.

No campo da educação as idéias socialistas também tomam forma e

dinamismo, Maria Lucia de Arruda Aranha (1996), nos ajuda a entender melhor essa

concepção:

As idéias socialistas provocaram grandes alterações nas concepções pedagógicas. Do ponto de vista epistemológico, rejeitam os pressupostos idealistas e ao materialismo tradicional contrapõe à dialética. Do ponto de vista político, denunciam a exploração de uma classe por outra e defendem a educação universal e politécnica. Segundo o materialismo dialético, é ilusório pensar que a educação seja capaz por si só de transformar o mundo, porém existem tarefas para educadores enquanto não se realiza a ação revolucionaria. Por exemplo, a luta pela democratização do ensino (universal) e pela escola única (não dualista), isto é, sem distinção entre formar e profissionalizar; a valorização do pensar e do fazer, em que o saber esteja voltado para a transformação do mundo; a desmistificação da alienação e da ideologia, ou seja, a conscientização da classe oprimida (p.142).

Page 35: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

34

O comunismo foi um movimento que se espalhou pelo mundo a partir do

século XIX e teve no século XX algumas experiências concretizadas, sendo que isso

aterrorizava o regime militar, que não economizou ações autoritárias para inibi-lo. As

classes menos favorecidas sentiam-se motivadas por esse turbilhão de esperanças

espalhadas pela Europa. As idéias socialistas chegaram ao Brasil, e estimularam

vários conflitos, alguns de caráter significativo. A proposta de uma sociedade

igualitária trazia idéia de libertação da opressão em que viviam.

A educação nos anos de 1950 estava caminhando para uma fase de

democratização e foi autoritariamente impedida de continuar esse processo no

tempo da ditadura. A mensagem oculta do livro a cerca do comunismo procurava

controlar as pessoas menos favorecidas, buscando impedir sua luta pela libertação.

Ao longo da história os comunistas sempre foram vistos com maus olhos

pela população, principalmente pela elite que detinha o poder. Eram vistos como

revolucionários irresponsáveis, por isso os militares sempre usaram discursos

depreciativos do comunismo numa tentativa de permanecer no poder, afirmando que

com eles “esses baderneiros” jamais assumiram o controle político do país.

Os livros didáticos que circulavam no governo militar, tentavam impor

suas ideologias através dos conteúdos. Mas essas foram questionadas pelos

leitores, tanto, que depois de 21 anos os civis voltaram ao poder no Brasil. Isso

significa que nem sempre tudo que é lido nos livros é absorvido pelos leitores como

verdade absoluta. Segundo Chartier (1998):

[...] entre o texto e o sujeito que lê, coloca-se uma teoria da leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos, a maneira como estes afetam o leitor e o conduzem a uma nova forma de compreensão de si próprio e do mundo. O autor esclarece que os agenciamentos discursivos e as categorias que os fundam – como os sistemas de classificação, os critérios de recorte, os modos de representações – não se reduzem absolutamente às idéias que enunciam ou aos temas que contêm, mas possuem sua lógica própria – e uma lógica que pode muito bem ser contraditória, em seus efeitos, como letra da mensagem (p.87).

Outros discursos presentes nos livros eram as referências aos

presidentes da República como heróis. Pelo Caderno Didático de Therezinha

Page 36: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

35

Maestrelli e Dione de Godoy Araújo, percebe-se que a disciplina de Estudos Sociais

abordava positivamente as contribuições feitas pelos presidentes desde 1945 até

1971:

Figura 08: Os presidentes da república de 1945 a 1971 FONTE: ARAÚJO, Dione de Godoy; MAESTRELLI, Therezinha. Estudos sociais. 8ª ed. São Paulo: FTD, 1978. 248 p.

Page 37: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

36

Figura 09: Presidentes (1945 a 1971) FONTE: ARAÚJO, Dione de Godoy; MAESTRELLI, Therezinha. Estudos sociais. 8ª ed. São Paulo: FTD, 1978. 248 p.

Esse tipo de ensino alcança as reflexões de Fonseca (2003)

A estrutura de programa [...] impunha um ensino diretivo, não crítico, no qual a história aparecia como uma sucessão linear de fatos considerados significativos, predominantemente de caráter político-institucional, e no qual sobressaíam os espíritos positivos que conduziriam à história. Nessa

Page 38: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

37

concepção, a ordem social, livre de conflitos, seria fator de progresso e as desigualdades seriam legitimadas como fatos universais e naturais. (p.58)

Assim os feitos dos presidentes tinham a intenção de mostrar um país em

ordem, diferente dos governos anteriores, um país em desenvolvimento com um

governo que merecia a credibilidade do povo o livro e os professores deveriam

repassar esses feitos aos alunos. Assim, o controle sobre a massa vinha de uma

proposta conjunta, ligada e sintonizada na mesma intencionalidade, qual seja

legitimar o governo.

Penso que por traz das linhas dos livros didáticos havia o Michel Foucault

(2001) chama de forma invisível de controle e vigilância.

E para se exercer, esse poder deve adquirir o instrumento para uma vigilância permanente, exaustiva, onipresente, capaz de tornar tudo visível, mas com a condição de se tornar ela mesma invisível. Deve ser como um olhar sem rosto que transforme todo corpo social em um campo de percepção: milhares de olhos por toda parte, atenções móveis e sempre alerta, uma longa rede hierarquizada [...] (p.176).

Essa estratégia atenta manter o interesse do Regime político. É preciso

controlar para manter a ordem. Os propósitos dos militares eram disfarçados, sobre

uma ótica de civismo numa concepção moral. Mostravam um país perfeito, com

notícias perfeitas, com a economia em ordem e o sistema político e social

caminhando em perfeita sintonia. Era o regime ditatorial escondido e estampado em

cada linha dos cadernos didáticos que conduziram a educação durante este período

militar.

Para os militares era importante fazer os estudantes acreditarem naquilo

que estava escrito nos livros didáticos. Essas “vontades de verdades” fariam os

alunos acreditarem na ditadura e se tornarem os civis que o regime militar pretendia.

Sendo assim, Chauí (2000) diz que:

[...] as concepções históricas e as transformações internas ao conhecimento mostram que as várias concepções da verdade não são arbitrárias nem casuais ou acidentais, mas possuem causas e motivos que as explicam, e

Page 39: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

38

que a cada formação social e a cada mudança interna do conhecimento surge a exigência de reformular a concepção da verdade para que o saber possa realizar-se (p. 145).

Analisando as páginas de alguns livros didáticos durante o Regime Militar

no Brasil, notamos que o objetivo dos militares era passar para os alunos o modelo

de Educação Cívica e Moral, impondo a ordem social e política, ou seja, só poderia

ser transmitido para o aluno o conteúdo que estava de acordo com o que o Estado

previa e aceitava, em sua maioria traziam a exaltação ao governo e ao regime. No

entanto, a forma como cada aluno e, cada professor recebeu essas informações e

apropriou esses conteúdos fez com certeza a diferença entre a “vontade de verdade”

dos governantes e os “usos” dos estudantes. A Ditadura teve fim em 1984, muitos

movimentos forçaram a queda do último ditador militar, entre eles o movimento

estudantil conhecido como “a novembrada”, em Florianópolis, movimento liderado

por estudantes que com certeza estudaram com esses livros. O que nos remete

pensar que “a leitura não está inscrita no texto, ou seja, o sentido imposto (por quem

quer que seja) e a interpretação de seus leitores podem ser bem diferentes. É o

leitor que dá significado ao texto” (CHARTIER, 1995, p. 14)

Page 40: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

39

4 CONCLUSÃO

As propostas de educação dão-se dentro dos parâmetros da sociedade

vigente. Os relatos dos estudos dos autores citados no decorrer do trabalho

oferecem informações acerca dos desejos por parte das classes que por ventura

está no domínio.

A educação é um processo que por vias de ensino consegue atingir um

público que se encontra em um período de aprendizagem. E, através desta com

alguns métodos e ferramentas próprias, como a “utilização do objeto impresso”, ou

seja, os livros que tomam uma dimensão do pensamento escrito e disseminado

alcançam muitos leitores.

Este estudo trouxe um debate a cerca do uso do livro didático no decorrer

da história e o papel que estes se desenrolaram com ênfase no período ditatorial

brasileiro de 1964 a 1984.

A tentativa de convencimento que o país estava em ordem, em sua

concepção política e econômica levava a uma concepção de um povo também em

ordem na sua concepção social, educacional e cultural.

Com um esforço tremendo entre os detentores do poder e os profissionais

da educação, como toda sociedade em si (vale aqui ressaltar) precisariam ser

vigiados e controlados a todo instante. Professores desempenhando seu papel

expositivo de uma educação exposta intencionalmente; livros preparados e escritos

para que essa intencionalidade fosse executada, e um governo consciente de seus

objetivos, com a máscara disfarçada do “está tudo indo de acordo com os desejos

do povo.”

Assim a educação, como em todo percurso da história não é algo

desprendido de uma ideologia do poder, mas é um meio de convencer e levar o

povo a acreditar naquilo que lhe é passado, entendido e se torna uma forma de

conduta firmada em alicerces ideológicos.

E, a ditadura em seus propósitos não foi diferente. Procuro mostrar seu

poder e estratégias para a educação. Manter a ordem era de grande importância

para evitar o caos. Logo o civismo e a moral, com suas concepções de conduta,

num plano armado, acalentavam os corações que não sabiam, ou não queriam

saber o que se passava. E, os corações exaltados pelas mudanças eram calados,

Page 41: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

40

exilados, torturados ou mortos. Portanto, para manter uma ideologia, era preciso ter

estratégia, astúcia. Um desses recursos estratégicos foi o livro didático debatido

nesse estudo. O governo militar sobreviveu por 20 anos, numa ditadura

escancarada, com uma “democracia” estrategicamente disfarçada.

Page 42: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

41

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Moderna, 1996, 255 p.

ARAÚJO, Dione de Godoy; MAESTRELLI, Therezinha. Estudos sociais. 8ª ed. São Paulo: FTD, 1978. 248 p.

ARNS, Paulo Evaristo. Brasil: nunca mais. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, 312 p.

BITTENCOURT, Circe Maria F. Livro didático e conhecimento histórico: uma historia do saber escolar. Tese de doutorado em Historia Social. São Paulo, FFLCH – USP, 1993.

BORTOLI, Lurdes. Educação moral e Cívica. 2. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1978, 132 p.

BUENO, Eduardo. Brasil uma história: a incrível saga de um país. São Paulo, 2003.

CHARTIER, Roger. A enforcada que foi salva miraculosamente. Estudo de um livro de cordel. In: CHARTIER, Roger (coord). As utilizações do objeto impresso (séculos XV – XIX). Portugal: DIEFEL, 1998, p. 115

CHARTIER, Roger. A Historia cultural: entre praticas e representações. Lisboa. Difel: 1989, p.17

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p.11 – 20.

CHAUI. Marilena. Convite a Filosofia. 12 ed. São Paulo: Ed Atica, 2002. p. 440

CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. 6. ed. São Paulo: Moderna, 1995, 136 p.

COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura Brasil: 1964-1985. 2. ed. Jorge Zahar: Ed. Record, 1999, 517 p.

DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. 3. ed. Campinas: Ed. Papirus, 1997, 111 p.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 6. ed. Campinas: Papirus, 1993, p. 25.

FOUCAULT, MICHEL. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 24ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p.262

Page 43: A Ditadura Militar e Os Livros Didaticos de Historia

42

GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Ed. Cortez, 1991, 240 p.

HABERT, Nadine. A década de 70: apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Ed. Ática, 1992, 95 p.

LENSKIJ. Tatiana; HELFER, Emma Nadir. A memória do ensino de história. A memória e o ensino de história. Santa Cruz do Sul: Edunisc; São Leopoldo: ANPUH/RS, 2000.

PACHECO FILHO, Clóvis; MICHALANY, Douglas; NETO, José de Nicola; RAMOS, Ciro de Moura. Curso de Estudos Sociais. São Paulo: Editora Michalany S/A, 1977, 139 p.

RAMOS, Ciro de Moura, MICHALANY, Douglas. Educação moral, cívica e política. 2ª ed. São Paulo: Gráfica Michalany, 1971. p. 245

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. A formação política do professor de primeiro e segundo graus. 2. ed. São Paulo: Ed. Cortez, 1987, 280 p.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930 - 1973. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. 267 p.

VEDANA, Léa Maria. A educação em SC nos anos 60. Esboços. Florianópolis. v. 5, n 5, dez. 1997. p. 39-47