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A DIPLOMACIA NAVAL: UM ELO DA
POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA COM A
POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL NO
SÉCULO XXI TORRES, José Gilberto Quintero
1
RESUMO
Neste artigo se apresenta um estudo sobre o emprego da Diplomacia Naval brasileira, visando
a atingir objetivos políticos e não militares como decorrência da interação da Política
Nacional de Defesa com a Política Externa, levando em conta a projeção internacional do
Brasil neste século, sob a égide da Estratégia Nacional de Defesa. Parte-se da exposição de
conceitos sobre o convívio da Política Externa com a Diplomacia e de apreciações nocionais
sobre o Poder Naval e a Diplomacia Naval no esquema realista, para dar-lhe o arcabouço
explicativo à convivência de tais políticas no século XXI. Para efeitos do desenrolamento do
Trabalho se conduziu uma investigação de caráter exploratório e qualitativo. Os dados foram
coletados através de pesquisa bibliográfica e documental selecionados pela conveniência e
acessibilidade. As informações foram tratadas pela análise de conteúdo, revelando que existe
uma estrutura jurídico-institucional que, em tese, poderia facilitar internamente a relação
assinalada; no entanto, parecesse existir uma tendência das burocracias militar e diplomática,
a agir de jeito estanque ao tratar temas de defesa internacional. Por fim, se propõem maneiras
e ações a cumprirem-se no desenvolvimento da interação de ambas as políticas tendo, como
instrumento comunicador à Diplomacia Naval em prol de atingir os interesses nacionais.
Palavras-chave: Relações Internacionais. Política Internacional. Política Externa. Diplomacia
Naval. Poder Naval.
ABSTRACT
This article presents a study on the use of Brazilian Naval Diplomacy, in order to achieve
political and not military objectives as a result of the interaction of the National Defence
Policy with the Foreign Policy, taking into account the international projection of Brazil in
this century under the aegis the National Defense Strategy. It starts with the exhibition
concepts about the living with the Foreign Policy and Diplomacy of notional assessments on
naval power and Naval Diplomacy in realistic scheme, to give you the explanatory framework
for coexistence of such policies in the twenty-first century. For the purposes of Labour
1 JOSÉ GILBERTO QUINTERO TORRES. Contra-Almirante da Armada de Venezuela (na reserva). Doutor
em Ciências, menção Ciências Políticas (Universidade Central da Venezuela, 1999), Magister Scientiarum em
Relações Exteriores (Instituto de Altos Estúdios Diplomáticos Pedro Gual, Venezuela, 2002). Professor Titular
da Universidade da Amazônia (UNAMA) em Relações internacionais. - [email protected]
A DIPLOMACIA NAVAL: UM ELO DA POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA COM
A POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL NO SÉCULO XXI
REVISTA DROMO&RI Belém, vol. 1, n°1, agosto/dezembro 2015. p. 60-72
unwinding it conducted an exploratory qualitative research. Data were collected through
bibliographical and documentary research selected by convenience and accessibility.
Information was treated by content analysis, revealing that there is a legal and institutional
framework that, in theory, could facilitate the internally marked relationship; however,
seemed to be a tendency of diplomatic and military bureaucracies to act in a watertight way
when dealing with international defense issues. Finally, they propose ways and actions to
fulfill in the development of interaction both with policies such as communicator instrument
to Naval Diplomacy towards achieving the national interests.
Keywords: International Relations. International policy. External politics. Naval diplomacy.
Naval Power
A INTERAÇÃO DA DIPLOMACIA E A POLITICA EXTERNA
DO ESTADO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As ligações e o convívio entre os integrantes das unidades políticas com os seus pares
além das suas divisas têm existido sempre, desde que se formou pela primeira vez uma
sociedade humana como resposta à característica básica do gregarismo do homem. Destarte, e
tal como o assinala KRIPPENDORFF (1985, p. 24), “as tribos pré-históricas estabeleceram
relações com seus vizinhos, os impérios de princípios da história se comunicavam com os
povos confinantes, e as repúblicas gregas o faziam entre si”. Esse tipo de relações seguia um
padrão de conduta que delimitava as sociedades entre o interno e o externo, estando a
diferencia de cada um nas regras da comunicação.
Nesse ambiente deve-se apontar que, desde os primórdios o homem usa da força física
para sobreviver ou para se defender e defender seu território; para satisfazer necessidades
psicológicas como auto-afirmação, medição de capacidade competitiva tanto física quanto
racional, para expressão de sentimentos ou revelação de temperamento (AVELLAR, 2010).
De jeito que, a belicosidade pode ser considerada um apanágio da vida humana que
tem variado sua manifestação desde a força física brutal até o emprego das armas nos seus
diversos tipos. Assim, quando se apresentavam situações nas relações onde não havia
possibilidade de diálogo ou de entendimento, a solução se orientava pelas opções do apelo
para a luta física ou para o poder das armas. Aparece, então, a violência como produto da
relação desigual quando a insatisfação se apropria do homem ao não dispor de meios para
competir com o outro em condições de igualdade.
A organização social foi evoluindo e levou à aparição do Estado como a forma mais
avançada do progresso, falando em termos organizacionais e políticos, e sua coexistência na
arena internacional originou a chamada sociedade internacional, que a dizer de LEU, está
caracterizada por:
“Um conjunto de Estados soberanos que monopolizam, dentro das fronteiras
estatais, o poder atribuído a uma autoridade central; que não abdicam seu poder,
para fora, mas que não o podem exercer, em forma análoga a como o exercem infra-
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territorialmente, tendo que admitir, em ausência de uma autoridade central dentro do
conjunto que formam, que exercem nesse meio descentralizado o seu poder
compartilhadamente, o qual torna relativo o poder soberano”. (LEU, 1988, p. 37)
Nessa sociedade além da coexistência dos Estados também concorrem as organizações
intergovernamentais, as empresas transnacionais, as multinacionais e alguns grupos de
pressão internacional.
A inter-relação dos membros da sociedade internacional gera a configuração de
fenômenos políticos e de relações sociais que são obstaculizadas ou facilitadas por
circunstâncias e causas diversas de corte material ou imaterial, e se leva a efeito num espaço
físico que, hoje em dia, abrange a extensão do planeta, tudo o qual se conhece como estrutura
internacional (LEU, 1988, p. 75).
A interação entre os Estados sugere a ideia de desenrolamento de processos de
intercâmbio entre dois ou mais Estados, através de um conjunto de transações que atravessam
suas fronteiras. Desse jeito surgem as relações internacionais entendidas como o conjunto de
comunicações e intercâmbios (econômicos, políticos, ideológicos, culturais, jurídicos,
diplomáticos e militares) entre Estados e sistemas de Estado, sem excetuar às forças sociais
que têm o poder de agir na cena internacional e todo movimento de pessoas, bens e idéias
além das fronteiras nacionais.
No desenrolamento histórico das relações internacionais aparece um marco importante
como o é a Paz de Westphalia em 1648, que cristalizou o sistema de Estados territoriais, ou
ordem westphaliana, que tem permitido estabelecer relações entre Estados soberanos,
organizações políticas cada qual com autoridade suprema sobre um território (DE CASTRO,
2005, p. 102).
A conduta do Estado no exterior está regida pela chamada Política Externa, que se
inscreve como a atividade pela qual o Estado atua, reage e interage na arena internacional
visando atingir o interesse nacional.
O desenho dessa política e um processo complexo que se inicia com a consideração do
contato de dois ambientes: o doméstico que facilitará a marcação do interesse nacional e o
internacional ou externo onde será implementada, conjugada com a análise da situação a se
enfrentar, na busca de enlaçar a nação além de suas fronteiras com o mundo (EVANS E
NEWNHAM, p. 179-180).
A Política Externa pode ser concebida de três fases sequenciais para relacionar-se com
os acontecimentos e as situações acontecidos fora do país:
1) Como um grupo de orientações referidas aos princípios e tendências gerais que
sustentam a conduta do Estado nos assuntos internacionais.
2) Como um conjunto de compromissos e de planos de ação concretos, que serão
desenrolados pelos respectivos funcionários diplomáticos para promover ou
preservar situações no estrangeiro que sejam coerentes com o ponto anterior.
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3) Como uma forma de comportamento, ou seja, os passos precisos que os
funcionários diplomáticos de um Estado dão ao abordar os eventos ou situações
no exterior (ROSENAU, 1976, p. 16)
No tratamento da conduta externa do Estado surgem considerações sobre
desigualdade, simetria ou assimetria dos fluxos, vinculações de subordinação,
interdependência ou interconexão e os critérios comportamentais dos Estados dentro dos
esquemas de harmonia, cooperação e desarmonia, por causa das diferenças que elas
apresentam e pelos diferentes papéis que desempenham no sistema internacional.
Desse modo, a desigualdade entre os Estados gera as chamadas relações assimétricas e
simétricas do poder em sua interação. Nas primeiras ocorre que um sujeito ativo, que dispõe
de meios de coerção, decide e ordena e outro ou outros sujeitos passivos atuam de acordo com
a prescrição comportamental do primeiro. Nas simétricas, os participantes todos dispõem de
meios de coerção e, por tanto, não existe a separação entre sujeito ativo e passivo (GARCÍA,
s/d).
Em face destes fatos temos que uns dos assuntos mais importantes no desenrolamento
das relações internacionais é a simetria ou a assimetria dos fluxos nas mesmas, entendidos no
sentido da discrepância política, militar, econômica e científico-tecnológica (SENGHASS,
1974)
Os sujeitos da sociedade internacional, na rede de relações que geram, guardam entre
si uma vinculação de subordinação, interdependência ou interconexão para seguir a
classificação de KEOHANE e NYE, (1988). A relação de subordinação se estabelece quando
existem efeitos de custos desiguais; no caso de dispêndios recíprocos estamos em presença de
interdependência, enquanto que quando não implicam efeitos significativos se fala em
interconexão.
Destarte, as situações descritas originam, fundamentalmente, três tipos de
comportamentos entre os Estados: harmonia, cooperação e desarmonia. Seguindo a
KEOHANE (1984), a harmonia está referida a uma situação na qual as políticas externas dos
atores, orientadas pelo seu próprio interesse sem levar em conta o dos outros,
automaticamente facilitam o êxito dos objetivos dos outros atores participantes.
A cooperação se apresenta quando os atores acertam seu comportamento às
preferências dos outros, mediante um processo de coordenação política. Por sua vez, a
desarmonia tem a ver com uma situação na qual os atores observam as políticas de cada um
dos diferentes sujeitos como um estorvo ao êxito de seus próprios objetivos e responsabilizam
aos outros pelo entrave.
Na praxe das relações internacionais aprecia-se que as nações poderosas asseguram a
cooperação dos Estados mais fracos, principalmente, através do emprego de expressões
comportamentais que, MOON (1983) encaixa dentro dos esquemas de prêmio e castigo, como
são, respectivamente, a assistência econômica e militar ou o emprego da força ou o
isolamento.
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Ora deve-se assinalar que, esse conjunto de interações dos Estados se leva a efeito em
um cenário onde eles praticam relações na ausência de uma soberania comum entre entidades
sem qualquer governante superior, o qual gera “um conjunto de práticas, frequentemente
envolvendo o uso da força efetiva ou ameaçada” (DE CASTRO, 101), que é conhecido como
Política Internacional. A possibilidade do emprego da força surge por causa da presencia dos
interesses nacionais de cada um dos participantes que, ordinariamente, não são compatíveis,
na conjugação das políticas externas.
Então surge a necessidade de procurar a viabilidade à execução da Política Externa,
mediante um conjunto de atividades que buscam mudar o ambiente externo em geral ou as
políticas e ações dos outros Estados em particular, para atingir os objetivos propostos pelos
desenhadores dessa política (ROSENAU, 293). Isso é o que se conhece como Diplomacia,
que pretende dar coerência à conduta externa do Estado e procurar, por meios pacíficos, a
conciliação de interesses divergentes, através da negociação. De jeito que ela, num sentido
amplo, é uma ciência que ensina as regras e os usos que regem as relações internacionais e
uma arte que marca as aptidões que requer a condução dos assuntos estatais de cunho
internacional (MORENO, 2001, p. 21-22).
ALGUMAS APRECIAÇÕES SOBRE DIPLOMACIA NAVAL
Levando em consideração que o sistema internacional não tem uma autoridade política
suprema que detenha o monopólio do uso legítimo da força, então se reconhece que os
Estados desse sistema organizam e mantêm suas Forças Armadas, as quais constituem um
instrumento importante de sua Política Externa, por causa da tendência natural de cada país
para rejeitar qualquer iniciativa que atente contra seus próprios interesses, e de exercer seu
direito à defesa.
Esta proposição permite afirmar que as Forças Armadas jogam um papel significativo
no funcionamento do sistema internacional, até porque são a expressão da vontade de defesa
do Estado e o ente preservador dos interesses estatais na arena internacional quando fossem
esgotadas as vias diplomáticas.
Em termos amplos, as Forças Armadas podem ser empregadas pelo Estado como um
instrumento tanto político quanto bélico de sua Política Externa. No primeiro caso, o objetivo
perseguido é influir na conduta de outro autor, em prol dos interesses do que tomou a
iniciativa. Para isso Frederico O Grande apontava uma vez que “a diplomacia sem a força é
como uma orquestra sem instrumentos” (Frederico O Grande, apud EVANS E NEWNHAM,
1998, p.129).
Enquanto no emprego bélico, o objetivo é apoderar-se de uma posição ou destruir um
alvo (derrotar as forças invasoras) (BLECKMAN e KAPLAN, s/d, p. 13)
Ao tratar os assuntos relacionados com a Política Internacional, ocupa especial
localização nas ações protagonistas da execução da Política Externa, o Poder Naval do
Estado, tradicionalmente, representado pelas Forças Navais, cujo propósito é garantir o uso do
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mar como meio de comunicação próprio visando o controle e o emprego do transporte
aquático, a segurança das áreas marítimas patrimoniais ou negando aquele uso quando for
necessário para o resguardo dos interesses do país; quer dizer, defender a soberania da nação
nesse meio contra qualquer um inimigo que possa usar o mar para lançar um ataque.
Historicamente, o emprego do Poder Naval tem ocorrido tanto nos tempos de paz
como nas situações de crise, de conflito e de guerra, no chamado emprego político do mesmo.
Para Moreno (1989, p. 8) parece um paradoxo mencionar o emprego diplomático de uma
unidade destinada a fazer a guerra; os navios de guerra, com seus canhões, mísseis, torpedos,
radares e aeronaves, são excepcionais instrumentos políticos de um país, especialmente em
termos diplomáticos.
As Forças Navais pode-se dizer que, são os únicos dispositivos militares capazes de
atuar livremente em tempos de paz sem objeções de qualquer nação. Moreno (1989, p. 7)
assim o assinala: “A tradição permite até que navios de guerra aportem numa cidade
estrangeira armados e prontos para o combate sem que a população local se sinta ameaçada ou
que essas unidades estejam ferindo a soberania nacional”. Contrastando esta situação com a
dos outros componentes do poder militar do Estado, este fato não tem comparação.
Os navios de guerra, sendo território soberano, politicamente falando, têm uma carga
simbólica de alto patamar. Efetivamente, refletem “o grau de desenvolvimento tecnológico
atingido por um país, o poder militar existente, a capacidade de projeção desse poder, e
também as características definidoras do povo, normalmente, bem externadas pela tripulação”
(PINTO, 1989, p. 45-46). Igualmente, o direito de “passo inocente” permite que eles possam
transitar, inclusive, pelos mares territoriais estrangeiros (KEARSLEY, 1992, p.21). Em fim,
são elementos do poder nacional no mar, para lutar e defender a soberania da nação nesse
meio contra qualquer um inimigo que puder usar o mar para executar ações marcadas pela
violência, e para influir sobre outras nações (BAGUS, Halaman, 2008).
São essas circunstancias que, no tratamento do tema da Política Internacional, cujo
sistema é o cenário de contato entre a Política Externa e a Diplomacia de cada Estado, levam
a definir a Diplomacia Naval como um meio de comunicação, que revela uma forma do
empenho político estatal, no desenvolvimento das relações de poder entre os Estados,
concretizado no emprego ativo do Poder Naval ao serviço do interesse nacional, visando
exercer a sua influência nos assuntos internacionais e executando atividades operacionais num
marco que vai desde situações de normalidade (não há antagonismos em confronto) até de
crise (interesses nacionais gravemente afetados por ações de outro país) nas relações
internacionais, sem entrar na esfera da guerra (DITZLER, 1989, p.6).
Desse jeito, acompanhando (PINTO, 1989) nas suas reflexões, se tem que em situações de
normalidade, as atividades operacionais se desenvolvem nos estádios de:
a) Visitas a portos estrangeiros para “mostrar a bandeira”, com o intuito de estimular o
relacionamento entre as nações, angariar prestígio, mostrar o nível de
desenvolvimento tecnológico do poder militar nacional.
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b) Realização de exercícios em áreas de interesse nacional, próximas ao país-alvo, com a
finalidade de exercer uma influência positiva, demonstração de poder.
c) Execução de operações em conjunto com as Forças Navais estrangeiras, que permite
uma troca de informações com outras Marinhas, demonstração de eficiência do Poder
Naval, o prestígio e exibição da qualidade da força naval, da excelência do preparo do
pessoal.
d) Proteção dos interesses marítimos mediante operações que têm como objetivo garantir
a presença naval em ações de salvamento marítimo, combate ao contrabando,
fiscalização da poluição, assistência às populações ribeirinhas, vigilância das áreas
marítimas petrolíferas e cuidado da Zona Econômica Exclusiva.
Essas atividades obedecem à analise estratégica para o emprego do Poder Naval,
atendendo as pautas dos planos de ação da Política Externa, visando atingir os objetivos da
presença naval, da persuasão para incrementar o relacionamento e os vínculos entre países e a
dissuasão a outras regiões em tons suaves.
No que tange às situações de crise, como a primeira fase da escalada do conflito, o
emprego do Poder Naval em cumprimento dos objetivos da Política Externa, tem que
considerar - na fase de planejamento- que o uso do mar, desde os fundos até o espaço aéreo
por acima dele, tem virado uma fonte potencial de conflito internacional (KEARSLEY, 1992,
p. 13), por diversos motivos, entre os quais estão: o aumento da importância dos oceanos
como fonte de alimentos; como meio para desenvolver ações militares tais como colocação de
minas, operações de vôo, instalação de sistemas de detecção sônica submarina; disputas legais
sobre a Zona Econômica Exclusiva e o Mar Territorial; poluição; execução de ações da
violência, em áreas costeiras, v.gr. a pirataria, a sabotagem e o sequestro; a crescente
dificuldade de manter a neutralidade marítima em tempos de crise ou guerras entre outros
Estados, por causa da estendida interdependência internacional (MOINEVILLE, 1983, p. 15-
16 apud KEARSLEY, 1992, p. 14).
O manejo das crises está nas mãos dos diplomatas do Estado, que têm a
responsabilidade de negociar entre as partes para impedir o emprego certo da força, o estouro
da guerra. Entretanto, o Poder Naval, em seu papel diplomático, desenvolverá operações que
buscarão proporcionar tempo para que aqueles façam a sua parte com firmeza.
Assim, o intuito dessas manobras será cooperar para a solução da crise através da
dissuasão sem realizar qualquer ação direta contra a contraparte, garantindo a presença naval
em determinada área, onde a crise pode afetar os interesses nacionais na região.
Neste ponto é conveniente trazer a colação a opinião de NYE quando anota que, a
força militar pode produzir resultados objetivamente observáveis, ainda quando não seja
usada em guerra, até porque o êxito e a competência em lograr os efeitos dissuasivos
transmitem imagem e prestígio bem sucedidos nessas atividades (NYE, 2011, p. 40 apud
ROWLANDS, 2012, p. 92).
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A CONVIVÊNCIA DA POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA E DA
POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL NO SÉCULO XXI.
A interação entre dois Estados pode entender-se como o resultado de uma
concorrência de ações de uma e da outra parte, com as quais se tenta influir na contraparte
mediante a alteração de seus cálculos estratégicos. Vale dizer que, a conduta de um Estado se
constitui em uma reação frente ao comportamento do outro Estado.
No entanto, as ações do Estado não são o resultado concordado ao estimar seus
interesses estratégicos, senão a resultante das negociações levadas a efeito pelos atores
posicionados por hierarquias no governo do mesmo (ALLISON G. e HALPERIN, M. apud
VÁSQUEZ, 1994, p. 200-205).
Em linhas gerais, o funcionamento das Forças Armadas de um Estado está orientado
pela chamada Política de Defesa, a qual é o conjunto de diretrizes e guias que regem a sua
atuação. Tomando as idéias de HUNTINGTON (1966) pode-se dizer que essa política maneja
sua existência entre dois mundos: Um o da Política Internacional, onde interagem o balanço
do poder, o aguçado emprego da diplomacia para dar-lhe viabilidade à Política Externa, as
alianças e o brutal uso da força para influenciar no comportamento de outros Estados. O
outro, o da Política Doméstica, o mundo dos interesses grupais, dos partidos políticos, das
classes sociais com seus conflitos de interesses e de objetivos. Qualquer uma decisão
importante na Política de Defesa influi e é influída por ambos os mundos, o externo e o
interno.
O âmago da Política de Defesa, de acordo com o Autor mencionado, é a concorrência
entre os objetivos externos do governo, como uma entidade coletiva em um mundo onde
coexistem outros governos, e os objetivos domésticos governamentais e dos outros grupos da
sociedade.
Destarte, a concomitância da Política Externa e da Política de Defesa, em assuntos tão
delicados das relações internacionais como a segurança nacional, gera uma luta
intergovernamental causada porque os desenhos e as execuções de ambas as políticas seguem
um processo de tomada de decisões que é eminentemente político, o que acarreta desacordos
ou conflitos de interesses. De acordo com HILSMAN (1990), em todo processo político o
poder relativo das pessoas e dos grupos envolvidos é tão importante para o resultado final,
como a simpatia pelos objetivos que se perseguem ou, também, a força moral e o bom critério
de seus argumentos.
Compartilha-se uma concepção intuitiva de que, a prolongada intolerância, a
dificuldade insuperável e a indecisão sobre temas urgentes e fundamentais, poderiam chegar a
ser tão insuportáveis que ameaçariam a estrutura do sistema de governo, pelo qual as ações a
serem desenvolvidas devem apontar à preservação do mesmo, levando em conta que o que
está em jogo é a sobrevivência do Estado. (TORRES, 1999, p. 22).
Agora ao estudar o caso Brasil no século XXI em face a estas colocações, pode-se
enfocar a tarefa desde duas visões:
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a) A institucional, que tem a ver com a interação do Ministério de Relações Exteriores-
órgão centenário, com amplo reconhecimento no sistema internacional, altamente
hierarquizado e estruturado- com o Ministério da Defesa- criado em 1999, em fase de
desenvolvimento em procura de amostrar a sua importância e a sua finalidade na
política brasileira (RUIVO, 2010)-, o qual dá idéia da magnitude da interação de duas
grandes burocracias, a militar e a civil.
b) A operativa, que se refere ao jeito do trabalho conjunto em procura de resultados
favoráveis à consecução dos objetivos da segurança e da defesa nacionais.
Para compreender a situação atual é preciso revisar o comportamento histórico do
Brasil nestas áreas: Desde finais do século XIX, o Brasil não teve conflitos de defender suas
fronteiras através das forças singulares, sendo seu último confronto militar em 11 de junho de
1865, com o Paraguai. De maneira que, aparentemente, a percepção existente desde esses
tempos é que as principais ameaças não implicaram questões relacionadas com a segurança e
defesa, dando-lhe à diplomacia o papel incumbente na superação da vulnerabilidade e da
neutralização dos fatores externos.
Para JÚNIOR, a Política Externa ao longo de quase todo o século XX, foi conduzida
de maneira independente da existência de meios de força, de jeito que a Política Externa e de
Defesa têm sido tratadas como assuntos essencialmente estanques. Porém, em 2005, mediante
o Decreto Nº 5.484 de 30 de junho, foi aprovada a “Política Nacional de Defesa” como um
“documento condicionante de mais alto nível do planejamento de ações coordenadas pelo
Ministério da Defesa, com objetivos e orientações para os setores militar e civil em prol da
Defesa Nacional” (PND).
Também se pautam áreas geográficas de interesse para o Brasil com marcada
importância na vocação marítima brasileira, abrangendo o Atlântico Sul e os países lindeiros
da África, a Antártica e o Mar do Caribe. Nessa imensa área, além da camada do pré-sal,
grandes reservas de petróleo e gás, está o grande potencial pesqueiro, mineral e de outros
recursos naturais. Face este panorama é lógico pensar que o Poder Naval tem uma alta e
profunda incumbência na preservação da segurança e defesa do espaço aquático do Brasil.
Em 2008, mediante o Decreto Nº 6.703 de 18 de dezembro, foi aprovada a “Estratégia
Nacional de Defesa” que “é focado em ações de médio e longo prazo e objetiva modernizar a
estrutura nacional de defesa, atuando em três eixos estruturantes: reorganização das Forças
Armadas, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política de composição
dos objetivos das Forças Armadas” (END).
Apesar da existência dos documentos assinalados e da criação do Ministério da
Defesa, pela Lei Complementar Nº 97 de 9 de junho de 1999, como também da definição de
objetivos da Política Externa brasileira na PND no que tange à solução pacífica das
controvérsias e fortalecimento da paz e da segurança internacionais, seguindo a RUIVO
(2010), persiste a ausência de conversação na tomada de decisões e estratégias, levando a
cada Ministério a exibir um comportamento, na agenda de defesa internacional, como si
possuíssem políticas próprias independentes, o quisessem demonstrar suas forças e
competências, de forma individual: a diplomacia continua descartando a utilização do poder
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militar como complemento à busca de soluções negociadas e o Ministério de Defesa
centralizando as questões de defesa da paz e da segurança internacional como têm ocorrido na
Missão de Paz no Haiti.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após da análise da Diplomacia Naval no marco da Política de Defesa e da Política
Externa de um Estado, partindo dos conceitos teóricos de relações internacionais e do
emprego do Poder Naval finalizando com o estudo do caso Brasil, pode-se afirmar que neste
século, e por causa da intensificação da projeção do Brasil no Sistema Internacional, com a
decorrente inserção e participação no processo de tomada de decisões internacionais, é difícil
pensar que permaneça alheio à ação de antagonismos na procura dos seus interesses.
Por tal motivo, o Brasil deve desenvolver medidas e ações, enfatizadas no campo
militar com o propósito de conseguir a defesa do território, da soberania e a proteção de seus
interesses nacionais contra ameaças – possíveis ou evidentes- principalmente externas,
harmonizando o gigantismo brasileiro com a declarada vocação pacifista e de transformação
em uma potência não-hegemônica.
No convívio operativo da Política Nacional de Defesa e da Política Externa, levando
em consideração que de seu acionar vai depender a sobrevivência do Estado, deve-se exigir
uma eficiente comunicação biunívoca entre ambas as partes e um proveitoso trabalho em
equipe, derrubando assim as barreiras dos interesses particulares de ambas as burocracias e
dos preconceitos ideológicos forjadores de falsas concepções respeito à implantação das
políticas de Estado sem perder de vista a subordinação das Forças Armadas ao poder político
constitucional.
Em fim, a Diplomacia Naval concebida como o emprego ativo do Poder Naval ao
serviço do interesse nacional se constitui numa conexão fundamental entre a Política Nacional
de Defesa com a Política Externa do Brasil no século XXI para enfrentar os retos colocados
na END relativos à possibilidade de intensificação das disputas por áreas marítimas, pelo
domínio aeroespacial e por fontes de água doce, de alimentos e de energia, o qual gerará
conflitos que para sua solução se precisará do concurso da ação diplomática e da participação
militar, desenvolvendo estratégias de presença e dissuasão nos teatros operacionais que se
gerarão.
REFERÊNCIAS
AVELLAR, Armando. Dois atributos do homem. O LIBERAL, Belém, 29 de junho de
2010. Opinião, p. 2.
BAGUS, Halaman. Naval Diplomacy. An option or A necessity? Disponível
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JOSÉ GILBERTO QUINTERO TORRES
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BLECHMAN, Barry e KAPLAN, Stephen. Force without War. US Armed Forces as a
Political Instrument. Washington D.C: The Brookings Institutions. W/d.
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