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A dimensão lúdica na educação física escolar. por Marcos Santos Mourão (Marcola)

Resumo A partir de 2006 a aula de educação física no primeiro ano do ensino fundamental (antigo

grupo 4) passou a ser realizada com um professor especialista na área. O trabalho apresentado neste simpósio tem como objetivo, a partir de cinco indicadores que permitem inferir a presença do lúdico nos processos de aprendizagem ou desenvolvimento (Macedo, 2003), analisar a dimensão lúdica presente nas atividades de educação física propostas para o primeiro ano.

Introdução A Educação Física na Escola da Vila vem ao longo destes anos desenvolvendo uma proposta que

privilegia o lúdico na realização de suas atividades. Tal decisão se justifica por considerarmos que as situações de aprendizagens realizadas nos jogos e brincadeiras, contribuem de forma mais signifi cativa para o desenvolvimento das crianças. Valorizar o lúdico na educação física significa também apontar para uma concepção de ensino e aprendizagem que inclui variados aspectos do desenvolvimento (moral, afetivo, cognitivo, social e motor).

Em 2004, Lino de Macedo, esteve na Escola da Vila para discutir numa reunião a versão preliminar de seu texto “O lúdico no processo de aprendizagem e sua importância para a educação infantil”. Neste texto são apresentados 5 indicadores (prazer funcional, desafio, possibilidades, simbolismo e construtivo) que permitem aferir a presença do lúdico nos processos de aprendizagem e desenvolvimento. O propósito do texto é possibilitar que professores possam observar e regular sua atuação pedagógica em termos dos referidos indicadores

Em 2006, ao iniciar o ensino fundamental com duração de nove anos, a aula de educação física passou a ser realizada com um professor especialista na área. Neste contexto, as idéias de Lino dispararam um processo de refl exão e investigação sobre as atividades propostas no curso de educação física. O que propor para esta idade? Quais eram as experiências anteriores? Os indicadores lúdicos estão contemplados? De que forma?

A Educação Física Infantil Apesar das crianças de seis anos integrarem o ensino fundamental, não devermos esquecer que

ainda são pequenas e mantém características peculiares a esta idade, ou seja, gostam de brincar de faz de conta, são centradas em si próprias e estão numa fase intensa de exploração e descoberta do próprio corpo e movimento. Portanto, a primeira providência que o professor de educação física deve tomar é conhecer as características motoras, sociais, afetivas e cognitivas desta idade para com isso ter uma atuação mais interna possível à experiência infantil. Uma competência essencial a quem trabalha nesta área com crianças é ter a capacidade de interagir ludicamente, introduzindo elementos novos e variados nas atividades corporais.

As atividades corporais nesta fase devem ser criteriosamente escolhidas para que não se tornem meras preparações para práticas futuras. Isto equivale a superar no trabalho com esta idade a detecção de talentos e habilidades para a prática esportiva, oferecendo atividades que, entre vários aspectos:

- Valorizem a ação da criança, onde a preocupação do professor se volte para a exploração, a descoberta e a combinação de movimentos, e não meramente apenas ao erro e ao acerto. - Incluam e não selecionem os alunos, favorecendo o desenvolvimento das capacidades e habilidades de todos, considerando para tanto os diferentes graus de interesse e conhecimento. - Evitem situações de competição direta e excessiva entre as crianças. - Estimulem situações de aprendizagens coletivas. Os conhecimentos prévios

As crianças da educação infantil da Escola da Vila não possuem professor especialista de educação física. Cabe a professora da classe o planejamento de atividades corporais. Com freqüência é dada a auxiliar de classe (estagiária) a responsabilidade por esta área, ou seja, muitas vezes é ela que

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prepara e organiza os jogos e brincadeiras. A atuação dos professores de educação física se restringe a elaboração de documentos e conversas ocasionais com a equipe pedagógica.

Reconhecemos que a presença de um professor especialista não é condição suficiente para a realização de boas situações de aprendizagens. Por outro lado, embora haja nas estagiárias um grande interesse na realização de atividades corporais, não devemos esquecer que elas estão iniciando sua formação na Escola da Vila.

As atividades de educação física que são oferecidas às crianças na educação infantil giram em torno de três propostas: as oficinas de percurso lúdico motor, os circuitos e os jogos e brincadeiras. Denominamos oficinas de percurso lúdico motor os movimentos e brincadeiras exploratórias (saltar, correr, arremessar) desenvolvidas pelas próprias crianças que podem ocorrer tanto a nível individual como em pequenos ou grandes grupos. O foco desta proposta está no trabalho com autonomia e escolha, para que o aluno possa desenvolver plenamente um percurso lúdico criador. Já os circuitos motores são as habilidades relacionadas com o deslocamento, o equilíbrio e a manipulação realizadas pelas crianças com diversos materiais, na intenção de repetir um trajeto previamente determinado.

Por último, os jogos e brincadeiras são propostas lúdicas que através dos saltos, da locomoção, da velocidade, dos lançamentos, do equilíbrio, do ritmo, da coordenação e de outras diversas habilidades, permitem, entre vários fatores, o desenvolvimento do corpo e do movimento.

A proposta de educação física

A primeira idéia na implementação das atividades de educação física para o primeiro ano foi manter a proposta em torno dos 3 encaminhamentos acima citados.

No primeiro trimestre, nos jogos e brincadeiras realizamos vários jogos de correr e pegar. Inicialmente com algumas brincadeiras de pegar que as crianças já conheciam, em seguida com brincadeiras propostas pelo professor (fugi-fugi, melecas e corrida pô). Estas brincadeiras solicitaram a resolução de diversas situações problemas para orientar-se e organizar-se no espaço e no tempo em relação às corridas, aos desvios, as mudanças de direção, a sua própria posição e a dos outros colegas. Nos circuitos, além das habilidades relacionadas com a locomoção e o equilíbrio, introduzimos o contexto do circo, com o uso de trapézio, brincadeira de animais, equilibristas e malabaristas. Nas ofi cinas de percurso lúdico motor, com a intenção de estimular o domínio das tarefas na qual a criança atua sobre os objetos, ofereceremos a bola e o bambolê.

No segundo trimestre o uso da bola foi acrescentado ao repertório de jogos e brincadeiras já realizados no início do ano, bem como alguns novos jogos (guerra das bolas e jogo dos cones).

No terceiro trimestre, por conta do projeto da Grécia, entramos um pouco no mundo esportivo da Grécia Antiga com a realização das seguintes modalidades: a corrida, o salto, o arremesso do disco e do dardo. Procuramos dar vida ao mundo dos esportes e dos jogos atléticos, com auxílio de representações pictóricas e de uma rica série de ilustrações e desenhos destas modalidades. Afinal, a ginástica e o esporte na Grécia sempre estiveram interligados à educação do jovem e ao seu pleno desenvolvimento psíquico e mental.

A dimensão lúdica Analisaremos agora a partir dos cinco indicadores apresentados por Lino de Macedo, a dimensão

lúdica presente nas principais atividades corporais oferecidas às crianças durante o primeiro ano. Nossa hipótese, assim como a do autor, é a de que sabendo observar a presença – maior ou menor - do lúdico poderemos compreender resistências, desinteresses e toda a sorte de limitações que tornam, muitas vezes, as atividades de educação física sem sentido para as crianças.

Gerar Prazer Funcional O primeiro indicador citado por Lino de Macedo se refere ao prazer funcional, ou seja, as situações lúdicas oferecidas às crianças devem gerar prazer funcional, serem prazerosas em si mesmas, pois ninguém deve ser forçado a realizar algo que não queira. Na educação física este indicador se faz presente quando indagamos às crianças “vamos jogar?”. Nas classes de primeiro ano com certa freqüência encontramos algumas crianças que em

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determinadas situações de jogos coletivos não se sentem à vontade para jogar. Apesar da peculiaridade de cada situação, podemos observar que ainda é bastante comum encontrarmos crianças de primeiro ano num período egocêntrico, no qual o outro, no caso a regra que norteia e delimita a sua ação nos jogos coletivos, ainda não é relevante, ou seja, para essas crianças não há ainda muito sentido compartilhar suas ações com os demais. Nesse sentido, as situações planejadas para os jogos de educação física também buscaram oferecer momentos nos quais as regras tivessem uma menor ênfase e a fantasia, a exploração simbólica uma maior presença. Brincadeiras como acorda seu urso, na qual o professor vira um urso e corre atrás das crianças e estoura a boiada, na qual o pegador corre atrás dos colegas, que são bois, são alguns exemplos.

Cabe ainda em relação a este indicador observar casos em que o desprazer é o elemento que caracteriza o jogo. Segundo Vigotsky, “há esforço e desprazer na busca do objeto de uma brincadeira”. Mas este desprazer só é suportável se existir uma função justificável, caso contrário, a criança não persiste. De acordo com Lino, isto nos ajuda a desfazer mal-entendidos de que lúdico signifi ca necessariamente algo agradável, gostoso, na perspectiva daquele que realiza a atividade. Se fosse só assim, poderíamos, por exemplo, nos tornar “recreacionistas refém das crianças” ou condenados a praticar coisas engraçadas, mesmo que sem sentido.

Proporcionar Desafi os / surpresas “A princípio qualquer atividade pode ser interessante. Isso depende do modo como é proposta.

Depende do contexto, das pessoas, do seu sentido para nós”. Com isto Lino nos remete a importância da qualidade das estratégias e dos dispositivos colocados em prática na educação física, a fi m de facilitar e enriquecer, no aspecto motor, social, afetivo e cognitivo, a experiência lúdica de cada criança. As atividades de educação física inseridas através dos jogos olímpicos que a princípio poderiam proporcionar, se mal conduzidas, situações de competição, agressividade e frustração é um ótimo exemplo disto.

Uma das formas possíveis de proporcionar desafio e surpresa e ao mesmo tempo promover a aprendizagem segundo Lino é oferecer às crianças situaçãoproblema através dos jogos. Uma situação-problema quer dizer colocar um obstáculo ou enfrentar um obstáculo (como no contexto de jogos) cuja superação exige do sujeito alguma aprendizagem ou esforço. Algo só é obstáculo para alguém se implicar em alguma dificuldade, maior ou menor. Tais difi culdades pedem superação. Para isso algo é requerido: prestar mais atenção, repetir, considerar algo novo, encontrar alternativas. Para Lino, Lúdico neste sentido é equivalente à desafiador, que nos pega por sua surpresa, pelo gosto de repetir em outro contexto. Surpreendente quer dizer que não se controla todos os resultados. Surpreendente porque tem sentido de investigação, de curiosidade. De permissão para que a criança, no caso da educação física, realize suas ações, suas hipóteses no jogo.

Neste sentido, as oficinas de percurso com bola e os jogos e brincadeiras com bolas proporcionaram muitos desafios e surpresas. Nas oficinas as crianças realizaram diversas investigações com os mais diferentes tipos de bola (borracha, peso, basquete, futsal, vôlei, handebol, tênis, jornal, plástico). Nos jogos e brincadeiras com bolas, muitas delas realizadas anteriormente sem este material, as crianças tiveram que se ajustar a esta nova condição, superar novos desafi os, prestar mais atenção e, principalmente, encontrar alternativas.

Dispor ou criar possibilidades Para Lino, na perspectiva do sujeito as atividades devem ser necessárias e possíveis. Necessárias

porque do ponto de vista afetivo não fazê-las produz algum desconforto, um sentimento de perda, porque não fazê-las acarreta um desejo ou demanda não satisfeito. Se pensarmos do ponto de vista motor, se uma atividade esportiva como basquete, vôlei ou handebol for necessário para um grupo de crianças ela tem que ser minimamente realizável. Obviamente o resultado das ações motoras não serão os mais satisfatórios frente a tarefa de jogar um esporte coletivo, mas se praticar esporte faz sentido para aquelas crianças, certamente devemos oferecer as melhores situações possíveis de aprendizagem. Neste ano nos deparamos com esta situação e procuramos através da realização de oficinas, pequenos jogos e observação dos esportes na Escola da Vila, introduzir de forma lúdica e significativa o mundo dos esportes.

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Ser simbólica A criança de 06 anos, apesar de poucas vezes ser tratada desta forma, é um ser simbólico, ou

seja, sua forma de se relacionar com o mundo é predominantemente pela via da imaginação, do sonho, da representação e do jogo simbólico. Portanto, a inclusão desta faixa etária ao ensino fundamental não pode se caracterizar pela busca incessante da aquisição da linguagem escrita, dos conhecimentos científicos e de conteúdos lógicos matemáticos. Existe atualmente uma demanda enorme para que as crianças se alfabetizem cada vez mais cedo. E a brincadeira? E o faz de conta tão essencial na constituição da personalidade? Como fi cam? Haverá também na educação física espaço para brincar ou logo introduziremos os movimentos necessários para a realização das atividades esportivas? A proposta realizada com circuito trouxe esta questão à tona diversas vezes, nos momentos em que as crianças assumiram papéis de bichos, guerreiros, heróis, tubarões; quando uma barra de equilíbrio se transformava numa ponte com jacarés embaixo ou ainda quando alguém entrava no cubo de madeira e ali permanecia fantasiando.

Ser Construtivo Por último, Lino aborda este indicador que tem como um dos aspectos o desafio de considerar

algo, segundo diversos pontos de vista, dada sua natureza relacional e dialética. Ou seja, faz parte do lúdico um olhar atento, aberto, disponível para as muitas possibilidades de expressão de alguma coisa. O Lúdico combina com a idéia de errância, uma disponibilidade tão importante nos dias de hoje. A errância, segundo o autor, é uma forma curiosa, atenta, mas aberta, de explorar alguma coisa. Refere-se a uma dimensão construtiva porque implica uma relação múltipla, que ora considera um aspecto, ora considera outro. No entanto, esta errância não se faz de qualquer jeito, mas tem um objetivo, uma meta, que se cumpre, ainda que de forma errante.

Sobre esta última ultima dimensão do lúdico, podemos observar que em situações de jogos e brincadeiras é comum as crianças realizarem diversos gestos, aparentemente desconexos, que aos poucos vão sendo percebidos e estruturados em seus corpos. Daí a importância de uma educação física voltada desde cedo para a construção da autonomia moral, social, afetiva e motora.

Conclusão A partir da observação dos indicadores lúdicos apresentados por Lino para as situações de ensino e

aprendizagem, verifica-se o quanto o lúdico é uma característica marcante das atividades de educação física propostas para o primeiro ano da Escola da Vila. O Prazer com o qual as crianças realizam as atividades, o quanto são desafiadas e surpreendidas nas suas conquistas motoras, o respeito ao espaço para a fantasia e o jogo simbólico tornam a educação física um momento intensamente aguardado. No entanto, a capacidade de interagir ludicamente, introduzindo elementos novos e variados nas atividades corporais, demanda um conhecimento específico da área, daí a importância de um especialista desde a educação infantil.

Bibliografi a

MACEDO, L. de (em co-autoria com PETTY , A.- L. S. & PASSOS, N. C.). Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Editora Artmed, 2005.