A DIMENSÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE NA …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A DIMENSÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE NA (INTER)RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
TESE DE DOUTORADO
Maiane Liana Hatschbach Ourique
Santa Maria, RS, Brasil
2012
A DIMENSÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE NA
(INTER)RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
por
Maiane Liana Hatschbach Ourique
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa Formação, Saberes e
Desenvolvimento Profissional, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Doutora em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Amarildo Luiz Trevisan
Santa Maria, RS, Brasil 2012
Universidade Federal de Santa Maria Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Tese de Doutorado
A DIMENSÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE NA (INTER)RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
elaborada por Maiane Liana Hatschbach Ourique
como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
Amarildo Luiz Trevisan, Dr. (UFSM) (Presidente/Orientador)
Margarita Sgro, Dra. (UNCPBA)
Pedro L. Goergen, Dr. (UNISO/UNICAMP)
Elisete Medianeira Tomazetti, Dra. (UFSM)
Noeli Dutra Rossatto, Dr. (UFSM)
Sueli Menezes Pereira, Dra. (UFSM) (Suplente)
Valeska Maria Fortes de Oliveira, Dra. (UFSM) (Suplente)
Santa Maria, 07 de agosto de 2012.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Amarildo Luiz Trevisan, pela constante confiança, pelos ensinamentos, pelo privilégio em ter sido sua orientanda.
Aos professores integrantes da Banca Examinadora, Margarita Sgro, Pedro Goergen, Elisete Tomazetti, Noeli Rossato, Sueli Pereira, Valeska Oliveira, pela
leitura atenta e apreciação criteriosa.
Aos participantes do Grupo de Pesquisa “Formação Cultural, Hermenêutica e Educação”, por compartilharem comigo seus processos formativos,
À Cristiane Ludwig, pela amizade, pela força, pela escuta.
À minha mãe Mariza e avó Alice, pela formação humana e compreensão.
Aos meus afilhados Rafaela e Vitor, pela alegria e o convívio energizante.
Ao Chrystoffer, pelo carinho fraterno, pela presença, por acreditar.
Ao João Luis, pelo cuidado, pela inspiração, pelo amor.
“O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio.”
Machado de Assis
RESUMO
Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A dimensão estética da formação docente na (inter)relação teoria e prática
AUTORA: MAIANE LIANA HATSCHBACH OURIQUE
ORIENTADOR: AMARILDO LUIZ TREVISAN Data e Local da Defesa: Santa Maria, 07 de agosto de 2012.
Este trabalho de tese tem a intenção de aprofundar alguns tópicos da
(inter)relação teoria e prática no âmbito filosófico-expressivo da formação docente. O
estudo objetiva promover uma discussão acerca da dimensão estética dos
processos formativos da docência, vislumbrando as possibilidades de o
conhecimento incorporar de forma não estandardizada os aspectos dissonantes da
realidade. De modo geral, esta preocupação é corrente na filosofia de Theodor
Adorno, por isso sua proposta de uma virada para a materialidade é enfocada neste
trabalho como uma abordagem que se esforça em cingir diferentes elementos para a
expressão conjunta dos valores agregados ao conhecimento. Com este escopo de
pesquisa, a problemática delimita-se da seguinte maneira: quais imagens de
professor se propagam através da instância expressiva da linguagem pedagógica?
Para uma aproximação compreensiva desta problemática, o estudo realiza um
mapeamento das imagens da docência constituídas nos textos apresentados no GT
17 – Filosofia da Educação - da ANPEd no período de 2007 a 2010. Ao empreender
uma leitura hermenêutica sobre estas produções, é possível avaliar em que medida
o caráter enfático da linguagem contribui para a reconstrução crítica da relação entre
teoria e prática, assim como para a compreensão da formação docente enquanto
síntese do múltiplo. Esta é, portanto, uma tentativa de (re)aproximar a licenciatura de
seu sentido pedagógico mais amplo, realocando a dimensão estética da
racionalidade como ponte importante para a compreensão das produções culturais e
dos diferentes discursos que reivindicam legitimidade nos contextos educacionais.
Palavras-chave: Filosofia da Educação. Formação. Docência. Estética. Imagens.
ABSTRACT
Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A dimensão estética da formação docente na (inter)relação teoria e prática
(The aesthetic dimension of teaching formation in the (inter)relation
theory and practice)
AUTHOR: MAIANE LIANA HATSCHBACH OURIQUE CHAIR: AMARILDO LUIZ TREVISAN
Date and Local of Defense: Santa Maria, August, 07th, 2012. This thesis aims to study some topics of the (inter)relation between theory and
practice in the space of philosophical-expressive of teacher education. This study
objective is promote a discussion about the aesthetic dimension of the educational
processes of teaching, viewing the possibilities of the dissonant aspects of reality are
incorporated by a knowledge in a non standardized. In general, this concern is
recurrent in the Theodor Adorno philosophy. Therefore its proposal for a turn to
materiality is focused in this work as an approach that strives to attach different
elements to a joint expression of values-added to knowledge. With this research
scope, the problem is delimited as follows: what are images of teacher propagated
through the expressive body of pedagogical language? For a comprehensive
approach to this problematic, the study performs a mapping of teaching's images
prevailling in texts presented on the GT 17 - Philosophy of Education - ANPEd in the
period 2007 to 2010. In undertaking a hermeneutic reading about these productions,
it is possible to assess to what extent the emphatic feature of language contributes to
the reconstruction of the critical relation between theory and practice, as well as for
the understanding of teacher education while a synthesis of the manifold. This is
therefore an attempt to (re) approximated the teaching formation of its broader
pedagogical sense, relocating the aesthetic dimension of rationality as an important
link to understanding the cultural productions and the different discourses that claim
to legitimacy in educational contexts.
Key Words: Philosophy of Education. Formation. Teaching. Aesthetic. Images.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................9
a. Abordagem metodológica ............................................................................... 15
CAPÍTULO I - A TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE E O DIAGNÓSTICO DA
FORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA .............................................................. 23
1.1 Sobre o legado intelectual da Teoria Crítica da Sociedade ....................... 23
1.2 A filosofia de Adorno: crítica, estética e materialidade .............................. 34
1.3 A formação diante da degradação dos conteúdos da experiência ........... 46
CAPÍTULO II - A FORMAÇÃO SOB O PRIMADO DO OBJETO ........................ 52
2.1 A perspectiva negativa da dialética: a contradição e o não-idêntico como elementos constitutivos ...................................................................................... 53
2.2 A dialética negativa frente aos dualismos da filosofia tradicional: o papel das mediações ..................................................................................................... 65
2.3 A dimensão estética do conhecimento como síntese do múltiplo ........... 71
2.3.1 Imagem e Mímesis .................................................................................... 81
CAPÍTULO III - A DIALÉTICA NEGATIVA E A DIMENSÃO ESTÉTICA DA
FORMAÇÃO: PERFORMANCES DA DOCÊNCIA ......................................... 96
3.1 Imagens da docência e suas performances ................................................ 99
3.1.1 O “professor Prometeu”: a assunção das narrativas modernas .............. 100
3.1.2 O “professor Hércules”: educação como interpretação da experiência ... 116
3.2 A relação teoria e prática nas performances da docência ....................... 137
3.3 A produção do conhecimento diante da necessidade de síntese do múltiplo: sobre a formação cultural do professor .......................................... 149
MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ......................................................... 156
REFERÊNCIAS ...................................................................................... 161
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A tese intitulada A dimensão estética da formação docente na
(inter)relação teoria e prática tem a intenção de aprofundar alguns tópicos
filosófico-expressivos no âmbito da formação de professores, referentes,
especialmente, aos vínculos estabelecidos entre conhecimento e realidade. Esta é
uma necessidade que, embora imanente ao ato pedagógico, pode ficar
secundarizada diante das demandas cotidianas pela utilidade do conhecimento. O
clima de mal-estar pedagógico gerado pelo debate em torno da crise da
racionalidade moderna tem repercutido nos cursos de licenciatura, dentre outras
manifestações, pela inconsistência no estabelecimento de relações entre teoria e
prática. São frequentes os questionamentos sobre a importância do que é aprendido
na academia para o exercício da docência. O constante discurso dos licenciandos e
dos professores em atividade de que “a teoria é uma coisa e a prática é outra”
reflete, além da difícil construção de pontes entre estas duas esferas, a ideia de
formação como treinamento ou espaço para a aprendizagem de técnicas específicas
da profissão docente. Ou seja, sem perceber o modo como os saberes da academia
são mobilizados na prática pedagógica, os professores acabam, por um lado,
menosprezando sua formação profissional, exaltando suas diversas experiências,
que, em última instância, certificam o caráter social da condição humana. Por outro
lado, também o reconhecimento da formação docente como uma construção
histórica – e, certamente, é - que se dá antes, durante e depois da frequência nos
cursos de licenciatura pode validar este descompromisso com o conhecimento
teórico.
A preocupação com as relações possíveis entre teoria e prática também é
característica da trajetória da legislação educacional brasileira acerca da formação
docente, culminando com a ênfase na dimensão prática das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
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superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Aqui, a concepção de
competência como “nuclear na orientação do curso de formação de professores”,
(BRASIL, 2001) para além de conter um apelo em favor da prática, sugere um
enfraquecimento da teoria, o que pode desencadear uma abreviação do processo
formativo e uma distorção a respeito do papel da dimensão teórica na compreensão
da realidade.
Na tentativa de reelaborar hermeneuticamente o debate sobre as questões
educacionais – históricas e contemporâneas -, é importante lembrar que sua
compreensão permeia todo o curso de formação inicial e, de maneira substancial,
envolve as perguntas sobre que concepção de homem se tem e para qual sociedade
se deseja formá-lo. No entanto, tornar esta tácita e essencial discussão o alicerce da
formação docente constitui-se ainda hoje num desafio. E, ao que parece, tal
processo vai além do ato de explicitá-lo discursivamente, pois envolve uma série de
elementos provenientes de diversas fontes, conforme expõe Tardif (2002). Na
tentativa de articularmos os saberes disciplinares, curriculares, profissionais,
experienciais, elencados pelo autor, para compormos um desenho substancial da
trajetória de formação docente ao longo dos cursos de licenciatura, percebemos que
a problemática envolve a construção de uma imagem de educação, de professor, de
aluno, de conhecimento, entre outras. Dito de outra forma, o enlace dos diferentes
estudos e experiências que se dão no decorrer dos cursos de licenciatura está
intimamente ligado à formação cultural (Bildung) destes futuros professores e às
questões estéticas que este processo envolve.
A tradução para o português de Bildung como “formação” somente em parte
comporta o entendimento da ideia de Bildung alemã, cuja concepção de “imagem”
(Bild) – seja enquanto “cópia” (Nachbild), seja como “modelo” (Vorbild) – pode ser
aproximada dos processos de compreensão e diferenciação exigidos pela cultura
para a consolidação da autonomia e da liberdade, elementos que dão suporte para o
livre trânsito por entre as diversas produções humanas. Entre outros sentidos que a
ideia de formação (Bildung) guarda, no século XIX, os alemães a defendiam como o
desenvolvimento espiritual que se dava através da cultura, enfatizando a
convivência na família e na escola como momentos centrais de formação humana.
Tendo em vista esta aproximação com a concepção de formação (Bildung),
podemos pensar nas compreensões e formulações que os elementos da docência
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assumem na configuração formativa, perguntando de modo explícito: Quais imagens
de professor se propagam através da instância expressiva da linguagem
pedagógica? De que forma estas imagens se relacionam com as expectativas
sociais da profissão docente? Em que medida a cultura é percebida como um
elemento formativo do professor? Com esta problemática, o presente trabalho
propõe um mapeamento de imagens da docência constituídas e espargidas no
contemporâneo com o intuito de viabilizar uma compreensão dos elementos
basilares da formação docente e fortalecer suas dimensões éticas e estéticas. Esta
substancialidade pode ser entendida a partir das relações entre teoria (os chamados
“fundamentos” da educação e as teorias pedagógicas) e prática (as didáticas e as
práticas de ensino), cujo potencial se refere ao próprio movimento dialético capaz de
sustentar uma práxis educativa.
Neste caminho compreensivo, tomamos a perspectiva negativa pensada por
Adorno em seus escritos, especialmente no livro Dialética Negativa (publicado
originalmente em 1966) e no texto “Notas marginais sobre teoria e práxis”, publicado
no livro Palavras e sinais. Esta postura teórico-metodológica - entendida pelo
próprio autor como “antissistema” - “se esforça por colocar no lugar do princípio de
unidade e do domínio totalitário do conceito supraordenado a ideia daquilo que
estaria fora do encanto de tal unidade”, numa tentativa de “romper com o engodo de
uma subjetividade constitutiva” (ADORNO, 2009, p. 8). Nas palavras de Duarte, a
obra Dialética Negativa é “uma vigorosa tentativa – uma das poucas em toda a
história intelectual do Ocidente – de incorporar um elemento estético ao pensamento
dialético e, por extensão, a toda a filosofia” (2007, p. 17). Certamente que esta
discussão não se faz à margem do livro Teoria Estética (publicada postumamente
em 1970) e dos escritos de juventude Adorno como Kierkegaard – a construção
do estético (publicada inicialmente em 1931) e Dialética do Esclarecimento (em
parceria com Max Horkheimer, de 1947), nos quais o caráter estético (mimético) da
relação entre sujeito e objeto é inicialmente tematizado. Por hipótese, acreditamos
que esta recomposição do momento expressivo do conhecimento na relação entre
teoria e prática auxilia na reconstrução da proposta da formação docente enquanto
síntese do múltiplo, fornecendo critérios para pensarmos sobre a medida que uma
subjetividade forte marca as imagens da docência, dinamizando ou sobrecarregando
a agenda da prática docente.
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Preocupados com os potenciais de emancipação da razão diante da
dominação capitalista de sua época, os integrantes da Teoria Crítica da Sociedade
dedicaram-se a fazer emergir o que restou para compreender nessa relação depois
que a experiência foi degradada e substituída pela técnica. A disseminação de
poderosos mecanismos psicossociais no interior das massas impediu a
compreensão das relações existentes entre o micro e o macro, freando movimentos
de contestação e resistência: “era a própria ação transformadora, a própria prática
que se encontrava bloqueada, não restando ao exercício crítico senão o âmbito da
teoria. Esse também é um dos sentidos contidos na expressão ‘Teoria Crítica’”
(NOBRE, 2009, p. 41). Adorno desenvolve suas ideias a partir deste diagnóstico
regressivo debruçando-se sobre as possibilidades do negativo e sobre a
necessidade de cultivar pensamentos que não se entendem a si mesmos. Esta
irreverência não é gratuita, mas está a serviço da causa da formação e por isso ela
serviria como antídoto tanto ao império da dominação do conceito, quanto à
reificação da cultura.
Embora tenha havido nas últimas décadas mudanças políticas e econômicas
expressivas – ênfase na multiplicidade cultural, na variedade de movimentos sociais,
na disseminação do uso das tecnologias da informação e comunicação, por exemplo
- que alteraram os mecanismos de dominação e perpetuação do capitalismo, a
Teoria Crítica ainda tem algo a nos dizer através da ideia de uma racionalidade
“socialmente eficaz”1. Esta razão social é capaz de realizar a mediação entre a teoria
e a história para que seja possível perceber a dimensão política como inerente ao
desenvolvimento das produções humanas, as quais são eventos históricos situados,
conectados a uma prática. Tal abordagem permite-nos empreender uma crítica
imanente às imagens2 da docência, a exemplo do que fez Adorno no texto Tabus
1 Segundo Honneth (2008, p. 391), a noção de racionalidade socialmente eficaz é o pano de fundo
que reune as diversas vozes da Teoria Crítica em torno da necessidade de olhar o passado sob a perspectiva do mundo prático com vistas à superação de uma racionalidade capitalista, deformada. Conforme apresenta Chambers (2008, p. 265), na agenda normativa da Teoria Crítica, a tarefa de emancipação humana em relação às injustiças compõe-se de duas frentes: (1) identificar a ligação interna entre conhecimento e experiência, compreendendo os fatos como construções sociais; (2) aproveitar esta inter-relação para transpor o dado e projetar fins e metas normativas.
2 Compreendemos imagem (do latim: imago; do alemão: Bild) como a representação mental de dados
incontornáveis em uma seleção de aspectos culturais e/ou de uso cotidiano. A imagem, então, é construída pela totalização, pela unificação dos dados sensíveis num processo de conformação intuitiva do apreendido, seja ele de ordem visual, auditiva, degustativa, etc. Antonio Candido lembra que tanto na imagem quanto na metáfora o fundamental é “a alteração de sentido pela comparação, explícita ou implícita, de dois termos” (2006, p. 135).
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acerca do magistério3, quando tensionou as imagens negativas de professor –
representadas pelo carrasco, pelo carcereiro, pelo tirano, etc. - às expectativas
postas socialmente sobre a profissão. A predominância desta perspectiva repressora
da figura do professor diz respeito a “um fenômeno que em sua generalidade é
conhecido na sociologia pelo nome de déformation professionelle. Contudo, na
imagem do professor a déformation professionelle torna-se praticamente a própria
definição da profissão” (ADORNO, 2003b, p. 109). De modo semelhante às
deformações instauradas socialmente, a racionalidade docente está configurada em
um quadro de formação precário, pautado na disseminação de narrativas
pedagógicas redentoras e na hipostasia do fazer do professor. Ambas as posições
fragilizam tanto a dimensão teórica quanto a dimensão prática, nublando o
entendimento do núcleo comum que subjaz à formação docente. Entendemos que
esta correlação entre teoria e prática no pensamento adorniano, isto é, entre a
arquitetura do conceito de dialética negativa e o diagnóstico da prática, não é
gratuita, mas parte de uma estratégia teórica que precisa aqui ser melhor
compreendida pelo discurso da Filosofia da Educação.
Ao aproximar as expectativas sociais depositadas na profissão e a percepção
que a figura docente alimenta, Adorno utiliza o caráter expressivo da linguagem para
subverter a elaboração conceitual, acolhendo ao mesmo tempo o momento mimético
e o momento racional. Este procedimento é, pois, uma marca do pensamento do
filósofo (cf. estudos de JAMESOM, 1997, e de WELLMER, 1994) e pode ser
entendido como uma estratégia que enfoca a dimensão estética da linguagem para
ter condições de dizer algo a respeito do objeto sem exercer um domínio subjetivo e
utilitário sobre ele. Ao mesmo tempo, este pensamento é capaz de implodir com as
compreensões deformadas já instauradas. Em nossa proposta, o caráter expressivo
da linguagem colabora para construirmos novas constelações sobre as imagens da
docência constituídas no contemporâneo, visto que, para Adorno, esta seria uma
forma possível de elaborar o pensamento teórico acerca de uma realidade sem a
pretensão de subverter a singularidade numa ordem discursiva totalizante. Uma
construção constelar do pensamento circunscreve os elementos da dimensão
3 Texto inicialmente apresentado em forma de palestra no Instituto de Pesquisas Educacionais de
Berlim em 21 de maio de 1965; publicado em Neue Sammlung (Nov./Dez. 1965) e em T. W. Adorno, Stichworte (Motes), Ed. Suhrkamp, 1969; transmitido pela Rádio de Hessen em 9 de agosto de 1965 (Cf. informações presentes no livro Educação e Emancipação, 2003b).
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objetiva através do enfoque a seus pontos essenciais, numa organização que,
valendo-se frequentemente de recursos expressivos da linguagem, pode ser
aproximada de outras compreensões conceituais, configurando algo semelhante às
constelações identificadas no céu.
Assim, o estudo reitera o compromisso com o pensar que vai além do
meramente presente (o fazer do cotidiano do professor), sem hipostasiar abstrações
ou ações, nem perder-se na ilusão da capacidade plena da consciência, uma vez
que “a negatividade do universal fixa, por sua parte, o conhecimento no particular
como aquilo que precisa ser resgatado” (ADORNO, 2009, p. 48). Acreditamos que,
para compor um lastro compreensivo na área da formação docente, as ideias de
Adorno contribuem para trazer à baila a pseudoclareza que as narrativas podem
oferecer sobre o complexo campo da docência. A partir desse referencial é possível
entender as tentativas de simplificação/abreviação do processo formativo como
desencadeadoras de deformação das relações entre teoria e prática e, por
consequência, vinculando a racionalidade da profissão às dimensões explicativas
e/ou degradantes dos conteúdos da experiência.
Este desencantamento do conceito diz respeito à filosofia na medida em que
ela lida per excellence com a oscilação e mediação entre a esfera do vivido e a
esfera normativa ou, dito de outro modo, entre o não-conceitual e o conceitual. São
os momentos da realidade que impelem a construção dos conceitos, mas também
“sempre que alcança algo importante, o pensamento produz um impulso prático,
mesmo que oculto a ele” (ADORNO, 1995, p. 210). Esta relação entre teoria e
práxis, marca importante da perspectiva filosófica da formação, ainda carece de
contornos mais firmes no campo da docência, tendo em vista tanto os múltiplos
discursos produzidos no contemporâneo, quanto as compreensões decorrentes das
ligações entre as prescrições/ações do fazer docente e sua normatividade. O
problema da práxis, apontado por Adorno (Ibid.), diz respeito à supervalorização do
sempre igual, que bloqueia uma experiência mais intensa e genuína com a realidade
e recorre ao critério da utilidade prática do saber para desqualificar a instância
teórica.
Deste modo, a tentativa de pensar os discursos da formação docente a partir
da narrativa da formação (Bildung) tem o intuito de (re)aproximar, pela via
hermenêutica, os debates da Filosofia da Educação de seu sentido pedagógico mais
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amplo, realocando a dimensão estético-expressiva da racionalidade como ponte
para o livre trânsito da educação por entre as produções e interpretações da cultura.
a. Abordagem metodológica
Localizamos a radicalidade da crítica de Adorno às manifestações culturais de
sua época – entre elas o jazz, as pesquisas tipicamente americanas de opinião e
gosto popular, a crença cega nas previsões astrológicas como guia das ações
mundanas, etc. – como diretamente ligada a sua atitude metodológica negativa e
dialética, apontando o que é em função do que deveria ser e confirmando o
compromisso ético do conhecimento. Assim explicitou o frankfurtiano – em entrevista
publicada originalmente na Revista Der Spiegel, em 1969 - acerca da elaboração de
sua filosofia:
[...] creio que uma teoria é muito mais capaz de ter conseqüências práticas em virtude da sua própria objetividade do que quando se submete de antemão à prática. O relacionamento infeliz entre teoria e prática consiste hoje precisamente em que a teoria se vê submetida a uma pré-censura prática (ADORNO, 2003c, p. 60).
É por isso também que uma abordagem de propostas plausíveis no campo da
formação docente não resguardaria os pressupostos mais fundamentais do
pensamento adorniano. A dialética materialista não se afirma como alternativa à
idealista, mas assume a insuficiência da conceptualidade como motivo para seguir
na tentativa de estabelecer relações entre teoria e prática ou, como se refere
Honneth, na proposta de realizar um “giro autocrítico da dialética” (2011, p. 90). Este
giro se configura como uma porta aberta entre a teoria e a prática para a
permanente crítica de suas (inter)relações, sendo uma possibilidade de repensar
também as idealizações que fazemos da profissão docente, expressas em suas
imagens e autoimagens. Deste modo, ao empenharmos nossos esforços no sentido
de uma hermenêutica da formação docente à luz dos escritos de Adorno, estamos
propondo a reflexão a respeito do potencial formativo da materialidade na
aprendizagem da docência, tendo em vista o postulado do próprio Adorno: “Pensar é
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um agir, teoria é uma forma de práxis; somente a ideologia da pureza do
pensamento mistifica este ponto” (ADORNO, 1995, p. 204-205).
Para esclarecer nossa posição frente à sua produção, é preciso dizer que,
nesta pesquisa, suas reflexões serão abordadas de forma hermenêutica, procurando
enfatizar as contribuições do pensamento crítico à problemática da formação
docente. Tal abordagem é importante porque as questões que tratamos aqui –
referentes às imagens da docência – visam dar continuidade ao legado do próprio
Adorno, expresso, dentre outros, no texto “Tabus acerca do Magistério”, conforme
dito anteriormente. Sua preocupação em explorar a expressividade da materialidade
diz respeito ao desenvolvimento de uma estética filosófica que transcenda o próprio
campo estético sem recair em panfletagem política ou em compreensões
metafísicas. Jameson (2001, p. 104) pondera que a força da filosofia de Adorno
decorre de “seu senso aguçado da historicidade das formas artísticas”, percebendo
nelas a possibilidade de codificar e sistematizar o caráter estético, incorporando-o à
construção do conhecimento, assim como de criticar ou implodir o próprio campo,
inoculando a conceptualidade com o potencial expressivo da linguagem. Por isso,
seus apontamentos em direção a uma estética filosófica não visam assegurar na
arte o lugar-tenente da racionalidade, mas pretendem construir condições para que
o modelo epistemológico possa exercitar uma razão dialética, não coercitiva da
materialidade.
Assim como Gadamer (2010), entendemos que uma obra não se restringe ao
seu horizonte histórico, mas possui sempre seu próprio presente, expresso através
da nossa experiência com ela. Por isso, procuramos uma orientação para a
abordagem do referencial adorniano nos apontamentos de Gadamer:
Quando procuramos compreender um texto, não nos transferimos para a estrutura espiritual do autor, mas desde que se possa falar de transferência, transferimo-nos para seu pensamento. Isso significa, porém, que procuramos deixar e fazer valer o direito objetivo daquilo que o outro diz. Se quisermos compreender, buscaremos reforçar ainda mais seus argumentos. Na conversação e ainda mais na compreensão do escrito movemo-nos numa dimensão de sentido compreensível em si mesmo que como tal não motiva nenhum retorno à subjetividade do outro. É tarefa da hermenêutica esclarecer o milagre da compreensão, que não é uma comunicação misteriosa entre as almas, mas participação num sentido comum (2009, p. 73).
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O sentido comum que percebemos entre a obra de Adorno e nossa pesquisa
diz respeito à preocupação com a questão da formação e da autonomia para lidar
com as esferas da interação entre teoria e prática. Desta forma, no movimento
negativo da dialética, nossa atitude metodológica é a de construir e/ou revelar as
constelações conceituais cultivadas em torno do professor e de sua formação,
mapeando os elementos constitutivos da docência presentes nas produções do
campo da Filosofia da Educação. Mais especificamente, pretendemos analisar o
período de 2007 a 2010 do Grupo de Trabalho Filosofia da Educação (GT 17), da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), cujas
reuniões anuais participam diversos pesquisadores do país para debater as
pesquisas correntes na área. Podemos justificar este recorte levando em
consideração a importância deste evento para a comunidade acadêmica, ou seja,
pela proporção que suas conexões investigativas assumem e também pela
expressividade no trato da temática da formação nesse período. Nas edições
analisadas, do total de 52 trabalhos selecionados, 22 focaram explicitamente a
temática da formação, com diferentes perspectivas e referencias teóricos.
Tomando estes textos apresentados como balizes da reflexão sobre os
elementos articuladores da formação, utilizamo-nos, de modo semelhante ao que fez
Adorno em suas produções, da perspectiva estética da linguagem para configurar
duas imagens de professor, ambas distintas e bastante influentes nos programas de
formação docente. Assim, “Professor Prometeu” e “Professor Hércules” são imagens
metafóricas que procuram condensar, de alguma maneira, elementos da
composição da docência, podendo, por isso, desencadear processos miméticos de
identificação, estranhamento ou afastamento entre a narrativa e o conceito de
professor. Assim como as estrelas estão para as constelações, os discursos sobre a
formação de professores presentes nos textos da ANPEd compõem em nosso
trabalho duas imagens constelares que nos permitem abordar o horizonte da
docência sem a pretensão de amoldá-lo em um viés utilitarista ou universalizante.
Na tentativa de empreendermos uma leitura hermenêutica sobre os trabalhos da
ANPEd, é importante considerar que a tarefa de compreender envolve uma relação
entre o que se diz e o que se apreende:
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O discurso não diz apenas algo, mas alguém diz algo a alguém. O compreender do discurso não é o compreender do teor literal do que é dito na realização paulatina das significações das palavras. Ao contrário, ele realiza o sentido uno do que é dito – e esse sentido reside sempre para além daquilo que o que é dito enuncia (GADAMER, 2010, p. 6).
Este horizonte de expectativas de sentido regula a compreensão para além
de sua tessitura histórica, instigando também uma experiência mimética, um
encontro consigo mesmo. As imagens do “professor Prometeu” e do “professor
Hércules” não são, portanto, uma tentativa de retorno à matriz mitológica – embora
sabemos que o caráter expressivo da linguagem favorece o entendimento dos
vínculos históricos que a realidade carrega -, nem são apenas figuras de linguagem,
mas interferem na construção do pensamento e, por consequência, estão
intimamente ligadas a uma racionalidade estética4. Na medida em que utilizamos as
narrativas de Prometeu e Hércules para tentarmos ampliar nossa compreensão
sobre a figura docente, somos impelidos a realizar uma reconstrução de sua gênese
e, neste processo, uma afinidade mimética com as protonarrativas míticas auxilia a
reinterpretar o significado da docência no contemporâneo. Deste modo, para além
do conceito formal de mito, entendido em contraposição ao logos, consideramos na
pesquisa o caráter narrativo-imagético das histórias contadas, pois, desde
Aristóteles, é possível também abordar o conteúdo dos mitos como narração de
ações:
Em um tal contexto, tampouco se pode falar em Aristóteles da incisividade da contradição entre mito e ciência que nos é familiar. As histórias inventadas possuem igualmente verdade. Sim, Aristóteles formulou este fato de maneira legítima: elas possuem mais verdade do que as informações que relatam os acontecimentos reais e que são legadas pelos historiadores. Sob o conceito de saber da Antiguidade, de acordo com o qual a “ciência” [epistéme] designa a pura racionalidade e de maneira alguma empiria, isso é de uma evidência plena. Aquilo que os poetas narram ou inventam tem, em comparação com o relato histórico, algo da verdade do universal. Por meio daí, o primado do pensamento racional ante a verdade mítico-poética não é de modo algum limitado. Nós só deveríamos tomar o cuidado para não chamarmos os mitos de “histórias inventadas” em
4 A partir de Aristóteles, podemos pensar na metáfora como imagem produzida pelos recursos da
linguagem, sem a necessidade de elementos objetivos extralinguísticos. Conforme Gagnebin, a metáfora constitui-se muito mais porque existe dentro da própria linguagem a possibilidade de aproximar dois elementos distintos: “A relação metafórica é, portanto, primeiro uma relação entre dois elementos da linguagem, do logos. Ela não se enraíza, em última instância, numa relação de semelhança dita real, mas muito mais no movimento da linguagem que descobre e inventa semelhanças insuspeitas, efêmeras ou duradouras” (2005, p. 84).
19
nosso sentido. Eles são “encontrados” – ou melhor: no interior daquilo que já é há muito e desde sempre conhecido, o poeta encontra algo novo que renova o antigo. O mito é em todos os casos o conhecido, a notícia que se difunde sem carecer de nenhuma determinação de proveniência e de certificação (GADAMER, 2010, p. 67).
Este trabalho de compreender as imagens que estão sendo construídas no
campo da formação docente, lançando mão de elementos metafóricos encontrados
no composto da mitologia, constitui o viés argumentativo desta pesquisa
bibliográfica. Neste caminho metodológico, a produção na área da Filosofia da
Educação, ao pensar a formação em seu sentido amplo, contribui significativamente
para o autoesclarecimento sobre a imanência da docência. Dessa forma, as
constelações construídas na investigação em torno do “professor Prometeu” e do
“professor Hércules” poderão contribuir para fortalecer a crítica aos alicerces
estéticos da formação docente, nem sempre suficientemente problematizados nos
discursos da docência. Também poderão colaborar no desenvolvimento dos
processos de identificação dos contornos estéticos que adquirem as imagens de
docência espargidas no contemporâneo, bem como os conceitos que lhes
sustentam. Seguimos, de certa maneira, o caminho aberto por Adorno:
O modo como os objetos precisam ser descerrados por meio de constelações não deve ser deduzido tanto da filosofia que perdeu o interesse em relação a isso, mas antes das investigações científicas significativas; em muitos aspectos, o trabalho científico realizado estava muito à frente de sua autocompreensão filosófica, do cientificismo (ADORNO, 2009, p. 142).
Os encontros conceituais promovidos pelas constelações permitem a
circunscrição do observado, objetivando-o com vistas à interpretação e
conhecimento de seus elementos mais essenciais. O que expõe esse não-idêntico
do objeto é justamente a inversão que a dialética negativa faz entre essência e
aparência. Alijada do ímpeto por incorporar a singularidade numa conceptualidade
cada vez mais ampla, correndo o risco de produzir apenas a aparência da identidade
entre o sujeito e a materialidade, a dialética negativa insiste no conteúdo mais íntimo
do objeto, pois é neste processo, mediado pela linguagem, que a essência se
mostra, não só aparentando algo exterior à coisa e revelando suas contradições
imanentes, mas enquanto aquilo que é capaz de expressar as relações existentes
20
entre a particularidade e a universalidade. Neste sentido, nosso estudo toma como
âncora empírica as pesquisas divulgadas no GT 17 da ANPEd, tendo a intenção de
contribuir para a elaboração de um panorama da formação docente no Brasil,
mobilizando a compreensão dessas constelações no campo da Filosofia da
Educação e construindo a crítica aos modelos formativos vigentes na perspectiva de
reconfigurar as dimensões daquilo que é imediato/essencial e necessário neste
cenário5.
De todo modo, esta pesquisa não quer ser um exercício de análise de um dos
textos do GT6 sobre os outros, portanto uma análise puramente subjetiva, mas, pelo
contrário, ser antes um exercício de alteridade. Nesse caso, a alteridade coloca-se
na abertura ao diálogo de mesmo nível, em que um trabalho, e seus respectivos
referenciais, abrem um campo de discussão, não muito comum no próprio GT 17, o
de se por em risco de compartilhar experiências e encorajar o exercício de
aprendizado mútuo. Sendo assim, não pretendemos sobrepor uma perspectiva
teórica às demais, mas, antes, abrir ou exercitar o diálogo hermenêutico de se
colocar na escuta do que está sendo dito pelo outro e fazer os textos efetivamente
expressarem, afinal, quais imagens de formação eles estão elaborando e veiculando
em seus discursos sobre a docência.
5 A proposta de análise dos textos está também relacionada à aprovação do projeto “Formação no
contemporâneo e imagens de docência” pelo Edital MCT/CNPq 14/2008 (Universal), com vigência de 01/12/2008 a 30/11/2010, coordenado pelo professor Amarildo Luiz Trevisan e orientador deste trabalho de tese. Assim, como participante desse projeto, realizado no âmbito do Grupo de Pesquisa Formação Cultural, Hermenêutica e Educação (GPFORMA/UFSM), minha escrita do texto de tese sofreu influência direta destas discussões. Como resultado das intercorrências dessas duas pesquisas, é possível citar a apresentação do texto Performances da docência: compreensão das dimensões filosóficas da formação na 33ª edição da ANPEd em 2010, indicado pelo Comitê Científico para publicação na Revista Brasileira de Educação, o que ocorreu também em 2010; a aprovação na mesma revista do texto Imagens de docência nos trabalhos do GT Filosofia da Educação, em co-autoria com Amarildo Luiz Trevisan, André Luiz de Oliveira Fagundes e Eliana Regina Fritzen Pedroso, no prelo para publicação em 2012. Ainda, é preciso salientar que este trabalho de tese está em consonância com as pesquisas que o GPFORMA vem realizando nos últimos anos, caracterizando-se por realizar estudos no campo da Formação Docente - linha à qual o grupo se insere no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM - sob o prisma da Filosofia da Educação. A necessidade sentida é de colocar as pesquisas da Formação de Professores, cujas discussões centram-se na coleta de dados empíricos para construir retratos das diversas realidades docentes, em confronto com elementos oriundos das grandes matrizes teóricas - clássicas e contemporâneas - com o intuito de perceber e/ou fortalecer os laços entre teoria e prática.
6 Como indicamos anteriormente, o texto intitulado Performances da docência: compreensão das
dimensões filosóficas da formação foi apresentado por mim, Maiane Liana Hatschbach Ourique, na 33ª edição da ANPEd, contendo ainda uma abordagem embrionária das análises acerca das imagens de docência vigentes no GT 17 – Filosofia da Educação. Por conter um mapeamento inicial das discussões sobre a ideia de formação em suas diferentes perspectivas, exploradas nesta investigação, o texto apresentado não faz parte da amostra que analisamos aqui.
21
Este estudo, pois, evidencia uma confluência possível entre o momento
conceitual com o momento imagético-expressivo no sentido de compreender a
interpenetração que as dimensões do material e do cognitivo possibilitam que sejam
construídas e assumidas na práxis. Desse modo, as imagens de docência que
configuramos a partir das leituras do campo da Filosofia e Educação constituem-se
no aspecto expressivo ou mimético da pesquisa, o que nos permite entrever
elementos até então não percebidos ou que ainda são timidamente discutidos.
Justamente por isso, nosso estudo não renuncia a teoria em favor da instância
expressiva da linguagem nem o contrário, o que é respaldado pela própria Dialética
Negativa ao enfatizar o não-idêntico, a expressão ou as constelações de ideias
como momentos irredutíveis do conhecimento.
Desta forma, o capítulo I deste trabalho de tese tem o intuito de realizar um
breve histórico da via de pesquisa tomada pela Teoria Crítica da Sociedade, de
modo a melhor compreender o pensamento de Adorno e suas contribuições acerca
das concepções de formação e de estética. A preocupação deste círculo com a
realização de uma crítica atualizada da organização social e as possibilidades
imanentes de resistência e emancipação é dirigida neste estudo aos vínculos entre
pensamento e ação. O elemento negativo que Adorno introduz no diagnóstico do
processo regressivo da semiformação (Halbbildung) contribui para pensarmos a
licenciatura e a perspectiva de racionalidade empreendida no campo, bem como a
medida que a degradação da experiência humana invade - e é alimentada - a
formação docente.
O capítulo II deste estudo objetiva analisar a proposta de Adorno acerca de
uma abordagem negativa da materialidade, discutindo suas consequências para a
construção de uma subjetividade destranscendentalizada, sensível aos limites do
outro. Para isso, apresentamos a crítica adorniana às bases subjetivas da dialética
hegeliana e o empreendimento de uma via negativa para a dialética. Ao
problematizar a conceptualidade talhada exclusivamente na predominância do
sujeito sobre o objeto, Adorno denuncia os equívocos da filosofia da identidade e
propõe a primazia do objeto como caminho para subverter a mímesis entre sujeito e
objeto e, com isso, construir relações de aprendizagem que compreendam o não-
idêntico sem dominá-lo ou equipará-lo aos conceitos originados daí. Este caráter
estético que a obra de Adorno carrega contribui para a qualificação da instância
22
expressiva da linguagem pedagógica, realocando na discussão da formação
docente a possibilidade de acolhimento das representações do sensível de modo a
ampliar os processos formativos e aproximá-los dos círculos culturais existentes.
Nesta perspectiva, o capítulo III tem o propósito de realizar uma discussão
acerca das imagens de docência espargidas no contemporâneo, discutindo a
interpenetração entre o momento conceitual e o imagético-expressivo assumida na
práxis, bem como avaliar em que medida tais imagens se relacionam ao projeto
subjetivista moderno ou à virada paradigmática para a materialidade proposta por
Adorno. Neste sentido, apresenta um mapeamento sobre as imagens de docência
tecidas e alimentadas na educação contemporânea, adotando como parâmetro os
textos dos três últimos anos do GT Filosofia da Educação, da ANPEd. As
constelações constituídas a partir dessas imagens permitem-nos a aproximação do
que há de específico na docência, reconstruindo os elos entre teoria e prática,
educação e sociedade a partir de noções angulares da dialética negativa, como
mímesis, constelação, experiência, identificação. Acreditamos que estas iniciativas
merecem uma investigação no sentido de mapear a sua produtividade para as
discussões contemporâneas da formação docente, pois, realizadas na fronteira entre
Filosofia e Educação, focalizam justamente aquilo que é nuclear na docência, bem
como o arcabouço conceitual que lhe sustenta.
Deste modo, o estudo sobre a produção do GT17 objetiva não somente
mapear os rumos investigativos da área, mas ressaltar as dimensões filosóficas da
formação docente, já abordada com muita ênfase em seus aspectos psicológicos,
sociológicos e antropológicos. A partir daí, talvez seja possível delinear algumas
possibilidades para a ampliação do conceito de formação, imputando, desse modo,
uma interlocução mais intensa entre os campos da Filosofia da Educação e da
Formação de Professores e revigorando as forças do pensar e do fazer na
Educação.
CAPÍTULO I
A TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE E O
DIAGNÓSTICO DA FORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Neste capítulo, apresentaremos um breve histórico da via de pesquisa
tomada pela Teoria Crítica da Sociedade, dando ênfase às contribuições de Adorno
neste contexto. Esta reconstrução hermenêutica ganha importância na medida em
que tem crescido cada vez mais o volume de pesquisas cujas bases teóricas estão
ligadas ao pensamento crítico e, em igual proporção, parece aumentar a distância
com relação aos pressupostos originários da Teoria Crítica e, de modo especial, do
pensamento adorniano. Todavia, não nos parece suficiente a fidelidade a tais
pressupostos se não vier acompanhada de mediações que considerem o estado
presente do conhecimento.
Com o intuito de contribuir nas discussões contemporâneas sobre a formação
docente e a perspectiva de racionalidade empreendida no campo, vamos aproximá-
las das considerações realizadas pela Teoria Crítica da Sociedade. Assim,
inicialmente vamos apresentar os argumentos angulares do diagnóstico realizado
por ela sobre a dominação dos modos de produção capitalista e a consequente
degradação da experiência humana. Depois, articulamos a este quadro o
pensamento de Adorno, que se empenha em vislumbrar as possibilidades de
emancipação tendo o estético como elemento de resistência à reificação da cultura.
1.1 Sobre o legado intelectual da Teoria Crítica da Sociedade
O Instituto de Pesquisa Social foi criado em 3 de fevereiro de 1923, por
decreto do Ministério da Educação e Cultura da Prússia e funcionou provisoriamente
24
nos salões do Museu Senckenberg de Ciências Naturais7. Em março de 1923, teve
início a construção de um prédio para abrigar o instituto, no campus da Universidade
de Frankfurt, e em 22 de julho de 1924 o prédio recém-concluído foi oficialmente
aberto. As pesquisas realizadas pelo instituto seriam financiadas por um negociante
judeu muito rico, Herman Weil, que foi convencido a tal ato pelo filho, Felix Weil, um
jovem intelectual de apenas 25 anos8. O Instituto receberia uma dotação anual de
120 mil marcos (equivalente a 30 mil dólares, depois que a inflação acabou) dos
fundos de Herman Weil e teria toda a autonomia para realizar suas pesquisas,
embora fosse uma espécie de anexo da Universidade de Frankfurt. Para isso, a
única exigência do Ministério da Educação era de que o Instituto tivesse como
diretor um professor catedrático, um assalariado do estado, garantindo, assim, o
caráter de uma instituição universitária.
O primeiro diretor do Instituto foi Karl Grünberg, chamado “marxista de
cátedra” - foi o primeiro marxista confesso a assumir uma cátedra na universidade
alemã - e conhecido por ser um meticuloso historiador do movimento operário
europeu. Grünberg presidiu o Instituto até 1930, depois dele quem assume a direção
é Max Horkheimer. Até este momento, as pesquisas do instituto foram marcadas por
um marxismo pouco inovador, ortodoxo, ainda muito diferente do que constituiu
depois o pensamento da Teoria Crítica. Em 1933, com a ascensão do nacional-
socialismo na Alemanha, o Instituto transfere-se para Genebra, depois para Paris e,
por fim, para Nova York. Com a vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra, os
principais integrantes do Instituto voltam, pouco a pouco, à Alemanha, após notícias
7 A ideia de criação do Instituto de Pesquisa Social foi lançada inicialmente durante um encontro
denominado Erste Marxistische Arbeitswoche (Primeira semana marxista de trabalho), ocorrido no verão de 1923, num hotel em Ilmenau, na Turíngia, cf. estudos de Martin Jay (2008).
8 As razões pelas quais Herman Weil consentiu realizar este financiamento não são conhecidas até
hoje, mas cogita-se a ideia de que fora em função do filho Felix e de sua irmã não terem recebido a atenção necessária durante a infância devido à ocupação dos pais, o que teria levado Herman a realizar todos os desejos do filho na idade adulta. Há ainda os que afirmam sobre o motivo do patrocínio estar relacionado aos interesses de Herman em estreitar os laços comerciais com a União Soviética e a criação de um instituto que ligado ao pensamento marxista iria ajudar nesta aproximação (Cf. Duarte, 2003). A partir de uma série de cartas trocadas entre Felix Weil e Martin Jay (entre 1970 e 1971), bem como pelas conversas deste com alguns teóricos que participaram do processo de criação do Instituto de Pesquisa Social, Jay (2008) explica que a ideia do instituto era uma maneira de contornar os áridos canais do sistema universitário alemão, rigidamente organizado em disciplinas e pouco aberto às questões de interesse desses teóricos, como a história do movimento trabalhista e as origens do anti-semitismo. Este também fora um argumento apresentado a Herman Weil para convencê-lo a financiar o instituto, cujos donativos, “embora não tenham sido enormes, permitiram criar e manter uma instituição cuja independência financeira revelou-se uma grande vantagem em toda a sua história subseqüente” (Ibid., p. 45).
25
sobre o interesse de muitos intelectuais alemães pelos textos de teóricos como
Horkheimer e Adorno e também da oferta da Universidade de Frankfurt para o
retorno do Instituto à sua cidade de origem. Neste momento, Horkheimer e Adorno
estavam envolvidos em estudos e compromissos assumidos pelo Instituto, o que fez
adiar os planos de volta à Europa, conforme relata Adorno no texto “Experiências
científicas nos Estados Unidos”:
Em 1945, Horkheimer assumiu a direção do departamento de pesquisas do American Jewish Commitee de Nova York e possibilitou, assim, que os recursos científicos do grupo Berkeley e de nosso Instituo fossem reunidos num pool e que nós, durante anos, realizássemos pesquisas de grande envergadura que respondiam a reflexões teóricas comuns. Deve-se a ele não só o plano conjunto dos trabalhos editados pela casa Harper na série ‘Studies in Prejudice’; também ‘The Authoritarian Personality’ é inimaginável em seu conteúdo específico, sem ele, pois as reflexões e sociológicas de Horkheimer e as minhas haviam chegado, há muito tempo, a uma integração tão perfeita que nenhum dos dois seria capaz de indicar o que procede de um e o que procede de outro (1995, p. 162).
Somente em 1948, depois de muito ponderar sobre os rumos das pesquisas
nos Estados Unidos e a respeito da oportunidade de investigar os possíveis efeitos
nos alemães dos programas norte-americanos contra o preconceito, Horkheimer
aceita o convite para participar das cerimônias comemorativas do centésimo
aniversário do Parlamento de Frankfurt, retornando à Alemanha pela primeira vez
desde sua forçada partida em 1933. A decisão em voltar à cidade foi tomada nesse
mesmo ano e em julho de 1949 foi-lhe devolvida a cátedra universitária retirada há
dezesseis anos, sendo agora de sociologia e filosofia e não mais de filosofia social
como era antes (JAY, 2008, p. 348). Adorno e Pollock também compartilharam com
Horkheimer da decisão de voltar à Europa e, após ter rumo incerto por algum tempo,
o Instituto é reaberto em agosto de 1950, tendo, conforme descreve Jay, como
diretor assistente Adorno, cuja promoção para codiretor ao lado de Horkheimer viria
cinco anos mais tarde. Primeiramente, o Instituto instalou-se nas salas do
Kuratorium, na Senckenberganlage, e nos restos restaurados do prédio de sua
primeira sede e em 1951 mudou-se para um novo prédio não longe do primeiro. Esta
trajetória marcada pelas experiências políticas da barbárie - da República de
Weimar, do nazismo, do estalinismo e da guerra fria - é o pano de fundo do
pensamento dos teóricos críticos.
26
Destarte, o que ajudou a consolidar a identidade do grupo apesar desse exílio
forçado e do reencontro dos participantes do Instituto no exterior foi a publicação da
Revista de Investigação Social (Zeitschrift für Sozialforschung), lançada em 1932. A
ideia era de que a revista fosse a voz do Instituto, algo diferente da sociologia
tradicional que dominava o campo científico da Alemanha. De cunho interdisciplinar,
Horkheimer destacou no prefácio da primeira edição da revista o papel da psicologia
social para cobrir a lacuna entre indivíduo e sociedade. Nos anos que seguiram, boa
parte dos trabalhos realizados pelo Instituto foi publicado em forma de ensaios na
Revista de Investigação Social.
Dentro do Instituto, um grupo ainda menor se havia formado em torno de Horkheimer, composto por Pollock, Löwenthal, Adorno, Marcuse e Fromm. O núcleo das realizações do Institut nasceu do trabalho deles, enraizado na tradição predominante da filosofia européia, aberto às técnicas empíricas contemporâneas e orientado para as questões sociais do momento (JAY, 2008, p. 70).
A frente do Instituto de Pesquisa Social, Horkheimer inaugura um novo
gênero de teoria, a crítica da sociedade, tendo como marco inaugural o texto
publicado originalmente em 1937, na Revista de Investigação Social: Teoria
Tradicional e Teoria Crítica (Traditionelle und Kritische Theorie). Nele, Horkheimer
formula pela primeira vez a ideia de uma Teoria Crítica, que se opõe à Teoria
Tradicional, mostrando a indissociação entre a teoria conceitual e práxis social.
Porém é o próprio Horkheimer que se refere a Teoria Crítica como um movimento
intelectual e político iniciado ainda por Karl Marx (1818-1883), cuja avaliação sobre o
funcionamento do capitalismo enfatiza que os potenciais de resistência e
emancipação estão também contidos no sistema. Nesta perspectiva abrangente,
está presente ao mesmo tempo a teoria – como pensamento crítico da sociedade
capitalista – e a prática – como ação transformadora das relações de produção.
Assim, a ideia de que o germe do socialismo já está contido no capitalismo inaugura
um modelo de emancipação que a Teoria Crítica da Sociedade tem levado adiante,
considerando a análise das estruturas sociais reais como fundamental tanto para a
realização de uma crítica consistente, quanto para avaliar os potenciais de
resistência e emancipação ali inscritos. Esta perspectiva normativa da Teoria Crítica
27
significa também uma nova definição de política, entendida como imanente ao papel
da teoria, qual seja, o de tentar apontar em direção a fins racionalmente entendidos:
De um modo similar, Horkheimer e Adorno pensam que a retidão pessoal e a crítica moral, baseadas em qual verdade pode ser apreendida sob as condições do capitalismo tardio, são as únicas políticas autênticas disponíveis a eles, isto é, o único modo de se preocupar com a comunidade (CHAMBERS, 2008, p. 268).
Além disso, ao argumentar sobre as ideias de expoentes defensores do
capitalismo – como Adam Smith e David Ricardo - Marx mostrou que também é
possível construir um diagnóstico crítico do presente a partir das ponderações de
teorias não-críticas:
Essa maneira de se apropriar dos resultados teóricos de pensadores que não estão comprometidos com a destruição do sistema capitalista é modelar para o campo da Teoria Crítica. O modelo da “Crítica da economia política” serviu de ponto de partida para todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, pretenderam e pretendem levar adiante essa tradição (NOBRE, 2009, p. 17).
Se Marx mostrou a primazia da esfera econômica sobre as demais instâncias
sociais, os teóricos críticos aprofundam a suspeita do poder dessa lógica sobre a construção
subjetiva, cuja interferência pode ser observada também na delimitação das necessidades,
nas atitudes e crenças da sociedade como um todo. O entendimento da Teoria Crítica de
que, na sociedade capitalista, ocorre a produção de falsas necessidades e desejos -
diretamente relacionados aos modos de produção e consumo, mantenedores do
próprio sistema econômico – difere, de maneira significativa, da compreensão de
Marx. Este entendia que o desenvolvimento das necessidades humanas estava
diretamente relacionado à riqueza de uma sociedade, não vendo sentido em pensar
na existência de um limitador para as necessidades criadas. Por isso, Marx
apontava que o principal motivo do colapso do capitalismo seria sua incapacidade
de satisfazer as demandas do homem.
Contudo, não é do interesse da Teoria Crítica explicar, simplesmente, o
funcionamento do capitalismo ou de qualquer outro campo da produção humana,
mas situar a sociedade como uma totalidade histórica, cujos caminhos percorridos
28
são construídos pelos sistemas de crenças e atitudes dos próprios sujeitos. Esta
tarefa autorreflexiva compõe-se, então, de uma crítica às tendências estruturais da
época, compreendendo os arranjos concretos estabelecidos no sentido das
potencialidades e dos obstáculos postos à emancipação. Esta abordagem confere à
Teoria Crítica tanto seu viés “crítico” quanto seu elemento “negativo”, que exclui
deste círculo os teóricos “utópicos” – não ancorados nas condições reais de
efetivação de seu pensamento -, bem como os teóricos “práticos” – não ancorados
nas condições construídas historicamente para a compreensão das atitudes diante
da dominação. Isto porque estas duas tendências carregam em si dispositivos que
podem facilmente induzir a uma abstração distorcida da realidade, objetivando-a:
O pensamento objetivante é especialmente inclinado à falsa universalização, pela razão óbvia de que encorajará os investigadores a interpretar o fenômeno local como universal. Finalmente, a objetivação inclina o indivíduo a adotar uma visão a-histórica da sociedade humana e a desprezar o fato de que as características mais interessantes e importantes da maior parte dos fenômenos sociais têm a forma que têm por causa de sua história particular, e não são inteiramente compreensíveis quando separadas dessa história (GEUSS, 2008, p. 156).
Os teóricos críticos precisaram repensar a lógica marxista do progresso e da
revolução, pois nos anos de 1930 e 1940 o movimento operário já não era
considerado como o destinatário da teoria, ou seja, desde Horkheimer não se
entendia mais que o proletariado seria a única força política interna ao sistema
capaz da destruição do capitalismo e da instauração do socialismo. O peso da
classe trabalhadora no processo econômico alterou-se em função da impossibilidade
de identificação de um grande polo de pobreza e outro pequeno polo de riqueza,
como na época de Marx. O que havia no momento eram diferentes níveis e
camadas sociais, dificultando, assim, a organização de uma ação unitária contra o
poder do capital. Nesta configuração, os pensadores entenderam que o surgimento
de uma sociedade sem classes não era imanente ao processo de modernização
capitalista, mas deste fazia parte o cultivo de uma racionalidade instrumental e
administrativa que deixava os indivíduos cada vez mais submissos ao processo de
produção capitalista. Neste sentido, a dialética do progresso se faz negativa,
aspirando a reelaboração da racionalidade em novas bases, pois, “a falsa modéstia
29
do entendimento não evita o problema do todo e as certezas da razão, o da
circunstância” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. XI).
Dessa forma, manter a centralidade na problemática social é uma
possibilidade para a teoria não recair na pura abstração nem ser subvertida pelas
condições da prática objetiva. Saber que nos meandros do progresso podem se
ocultar elementos regressivos (restritivos da liberdade, irracionalismos, posturas
tuteladas, etc.) configura-se a postura dialética que difere os teóricos críticos das
correntes hegelianas de direita, por exemplo. Ao explorar esses labirintos, a
perspectiva da Teoria Crítica fortalece a ideia de uma racionalidade social, que, em
seu significado mais extenso e diferenciado, é capaz de abranger a natureza
multifacetada dos processos de aprendizagem:
Em todo caso, é uma versão pós-idealista da noção hegeliana da realização da razão que provê agora o pano de fundo necessário para a idéia que pode perfeitamente formar o núcleo fundamental de toda a tradição da Teoria Crítica, de Horkheimer a Habermas. De acordo com essa tradição, o processo de racionalização social por intermédio da estrutura social própria do capitalismo foi interrompido ou deformado, de modo a tornar inevitáveis as patologias que acompanham a perda de um universal racional (HONNETH, 2008, p. 405).
Preocupados com os potenciais de emancipação da razão diante da
dominação capitalista de sua época, os integrantes da Teoria Crítica dedicaram-se
em fazer emergir o que restou depois que a experiência foi degradada e substituída
pela técnica. A disseminação de poderosos mecanismos psicossociais no interior
das massas impediu a compreensão das relações existentes entre o micro e o
macro, freando movimentos de contestação e resistência: “era a própria ação
transformadora, a própria prática que se encontrava bloqueada, não restando ao
exercício crítico senão o âmbito da teoria. Esse também é um dos sentidos contidos
na expressão ‘Teoria Crítica’” (NOBRE, 2008, p. 41).
Atualmente, convencionou-se dizer que a Teoria Crítica pode ser
desmembrada em primeira geração, que, dentre os participantes mais conhecidos,
estão, Herbert Marcuse, Erich Fromm, Walter Benjamin, Max Horkheimer e Theodor
Wiesengrund-Adorno; segunda geração, cujos membros mais notáveis são Jürgen
Habermas, Alfred Schmidt e Albrecht Wellmer; terceira geração, composta por Axel
30
Honneth, Peter Bürger, Oskar Negt, Helmut Dubiel, Claus Offe, Alfons Söllner,
Hauke Brunkhort, Detlev Claussen, W. Martin Lüdke e Christoph Menke. Diante da
longevidade que os estudos da Teoria Crítica têm alcançado e da notável qualidade
do trabalho feito por seus muitos descendentes, Jay observa que “nenhuma tradição
comparável de pensamento conseguiu renovar-se com tanto vigor e tão pouca
repetição dogmática quanto essa” (2008, p. 16).
Segundo Wellmer (1999, p. 81), os teóricos críticos fazem basicamente dois
apontamentos: (1) a realização das exigências da razão é historicamente possível,
dado o desenvolvimento tecnológico das sociedades industriais modernas; (2) a
lógica de desenvolvimento das sociedades modernas sinaliza em direção oposta,
tendendo a conduzir ao estabelecimento de um sistema fechado de razão
instrumental e de reificação.
A concepção de razão presente nas ideias dos teóricos críticos reflete, pois,
suas raízes hegeliano-marxistas, em que a reconciliação entre o universal e o
particular orienta os processos de organização racional da sociedade. No entanto, a
Teoria Crítica defende que esta reconciliação já não é mais possível com base no
sacrifício do particular, como previa o pensamento hegeliano9. Com a ideia de razão
como um estandarte normativo, a Teoria Crítica visa à superação da oposição entre
vontade geral e vontades e necessidades do indivíduo, entre faculdades racionais e
faculdades sensíveis, firmando-se como:
[...] uma teoria dialética da auto-reflexão do sujeito sobre sua própria atividade, isto é, uma teoria da consciência reflexiva. Neste sentido, como não se cansaram de repetir, Adorno e Horkheimer continuam herdeiros da grande tradição do Iluminismo/Esclarecimento que eles procuram criticar justamente por fidelidade a seu projeto inicial de emancipação (GAGNEBIN, 2007, p. 80).
9 Cabe referir aqui que Adorno tinha presente a preocupação com o forte embate protagonizado no
período pós-guerra pela fenomenologia e pelo existencialismo, cuja reivindicação mais enfática dizia respeito ao particular, seja enquanto aquilo que podemos conhecer do mundo como fenômenos, seja enquanto a existência como o modo de ser do homem no mundo. Exemplo disso foi a própria tese de livre-docência de Adorno ter sido sobre Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX considerado o pai do existencialismo, cujo apogeu se deu na década de 1950, com os trabalhos Heidegger e Jean-Paul Sartre. Kierkegaard influenciou diretamente muitos filósofos do século XX, como explicitam em um encontro promovido pela UNESCO, em Paris, em 1963, para comemorar os 150 anos do nascimento do pensador dinamarquês: “Jean- Paul Sartre, Martin Heidegger, Gabriel Marcel, Karl Jaspers, Enzo Paci, Emmanuel Lévinas, Jacques Derrida, Miguel García-Baró, Jean Hyppolite, entre outros, proferiram palestras apontando não só a importância do seu pensamento nos desdobramentos da filosofia no século XX, mas também assinalaram a direta relação entre os escritos de Kierkegaard e sua própria produção intelectual” (EWALD, 2008, p. 156-157).
31
O intuito emancipatório que conduz a postura da Teoria Crítica é o que dota
suas considerações teóricas de seu sentido enfático, permitindo que elas alcem
voos para além das explicações de como as coisas funcionam e das descrições do
observado. A orientação para a emancipação exige que a teoria mantenha-se alerta
às transformações do presente, ao mesmo tempo em que se afasta ligeiramente
para perceber os potenciais ali intrínsecos capazes de realizarem configurações
sociais melhores:
É a perspectiva da emancipação, da instauração de uma sociedade reconciliada, que ilumina a presente situação da não-emancipação e permite à Teoria Crítica compreender o sentido das cisões não justificadas da teoria tradicional. É a unidade futura, na sociedade emancipada, dos elementos que se encontram cindidos sob a dominação capitalista, a fonte de luz que instaura a perspectiva crítica sobre o existente (NOBRE, 2009, p. 45).
Com a amplitude dos estudos desenvolvidos a partir da Teoria Crítica, é
possível perceber também um aprofundamento significativo de suas perspectivas de
pensamento. As expectativas de mudança social não dependem somente do
domínio da técnica e do poder de transformação da natureza sob a lógica da
utilidade, é preciso, pois, pensar nas relações expressivas estabelecidas entre o
pensamento e a prática criadora.
Hoje sabemos que a teoria crítica não se fixou nesse patamar da reflexão. O passo decisivo da Teoria Crítica (1937) para a Teoria Estética (1973) foi dado por Adorno. Este recuou, em seus tempos de Frankfurt (após 1950), da análise marxista dos anos pioneiros para uma análise estética em que os fenômenos superestruturais foram ganhando terreno e peso (FREITAG, 2003, p. 170).
Ao colocar a emancipação no horizonte normativo, a atitude crítica dos
teóricos não se volta apenas para o conhecimento, mas vincula-se às condições
sociais existentes como fonte de orientação que permite realizar distinções entre as
possibilidades reais e aquilo que se mostra apenas como aparência. Diante da
lógica ilusória do capital em sua promessa de liberdade e igualdade ao fetichizar a
mercadoria, uma das saídas que a Teoria Crítica encontra é o viés negativo, que
32
sustenta uma análise crítica do que é em função do que deveria ser – discussão que
será feita no próximo capítulo. Foi dessa forma que Adorno compreendeu no legado
de Marx duas partes distintas: uma alusiva à crítica (negativa) do capitalismo e a
outra referente à “revelação das contradições do modo capitalista, encaminhada
pela revolução proletária e pela construção do comunismo. Para Adorno, a primeira
era magnífica; a segunda estava superada” (KONDER, 2003, p. 124).
Dessa maneira, só faz sentido aludir à revolução das massas para se referir à
noção de práxis e seu caráter filosófico, ou seja, enquanto expressiva de relações de
convívio e de criação envolvendo subjetividade e objetividade. Nesta esteira, Adorno
leva adiante a dialética em seu sentido enfático, considerando as relações entre
sujeito e objeto em sua historicidade. Estas trocas constituem para Lukács, assim
como para Weber, o próprio motor da dialética. Ambos os filósofos eram críticos de
Marx e forneceram, embora muitas vezes de maneira subentendida, elementos
importantes para o pensamento de Adorno. Na tentativa de superar o absoluto
hegeliano como imperativo para o conhecimento sem recair no relativismo, Weber,
na obra Ensaios de Sociologia, indicou que compreendemos nossa história a partir
de tipos ideais: “não desejamos forçar esquematicamente a vida histórica infinita e
multifacetária, mas simplesmente criar conceitos para finalidades especiais e para
orientação” (1974, p. 345). Ou seja, com a concepção de tipos ideais, a relação
entre sujeito e objeto subordina-se ao processo de reelaboração da história de
acordo com as categorias construídas, de modo que tais categorias se afastam da
parcialidade e da totalização ao mesmo tempo.
Em torno da preocupação do materialismo histórico e dialético em
compreender as afinidades tecidas entre sujeito e objeto, é possível articular o
conhecimento da história no sentido de qualificar uma autorreflexão sobre a filosofia,
assim como na perspectiva de reelaborar a noção histórica acerca do progresso da
razão:
[...] há, portanto, um momento em que o saber se volta para suas origens, retoma sua própria gênese, iguala-se como saber ao que foi como acontecimento, se reúne para se totalizar, tende para a consciência de si. O mesmo conjunto é, sob o primeiro aspecto, história, sob o segundo, filosofia. A história é a filosofia realizada, assim como a filosofia é a história formalizada, reduzida a suas articulações internas, à sua estrutura inteligível (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 34).
33
Neste movimento dialético entre história e filosofia, o marxismo da Teoria
Crítica e, de modo especial, de Adorno volta-se para a construção de uma
racionalidade bem-sucedida em termos da compreensão crítica sobre as relações
políticas e culturais estabelecidas: “Lutas e contestação, pluralismo e diferença não
são etapas no caminho para o socialismo; mas são partes constitutivas de nossa
vida pública” (CHAMBERS, 2008, p. 294). Nesta perspectiva, diferente de ater-se às
imagens distorcidas de uma falsa consciência ou aos mecanismos de reprodução da
materialidade, a Teoria Crítica enfoca a dimensão estética da própria racionalidade,
confirmando a sensibilidade como “o outro” da razão, cuja capacidade de atribuir
sentido às manifestações humanas confere o caráter político e histórico de uma
razão voltada à emancipação. Na compreensão dos teóricos críticos, justamente nos
momentos em que a dimensão sensível foi alijada dos processos de entendimento e
restringida ao campo da arte - onde poderia forjar uma realidade não subordinada à
lógica instrumental - favoreceu-se a racionalização dessas relações, deformando as
formas de produção do capital e da cultura, assim como nublando as afinidades
entre o conhecimento e as práticas da vida.
A Teoria Estética de Adorno é a elaboração das categorias tradicionais da experiência estética (belo, feio, sublime, forma, estilo, meio, expressão etc.) reformada sob a luz da prática e da experiência do modernismo artístico. Mas essas categorias reformadas não representam mais do que a demanda dos sentidos particulares e o embate sensível contra a razão dominante. O modernismo artístico é o retorno desencantador e desencantado do sensível reprimido. Ao elaborarmos as categorias estéticas à luz do desencantamento da arte moderna, descobrimos a exigência repudiada dos sentidos, da qual a arte tem sido secretamente a conservadora e defensora. Dado que os sentidos são um componente da razão, então a estética, para Adorno, é o estudo da razão integral ou essencial em sua forma estética, alienada; a estética, para Adorno, significa erguer o protesto da razão sensualmente determinada contra sua forma instrumental ressequida. Na Teoria Crítica, a estética filosófica é lida com a razão, e apenas com a razão (BERNSTEIN, 2008, p. 182-183).
A estética filosófica ancora-se, então, na projeção realizada no campo
artístico acerca de uma reconciliação possível entre o particular e o universal para
tecer relações entre a teoria e a realidade objetiva. No entanto, enquanto a arte
enfoca, de maneira performativa, esta mútua determinação a partir do particular, a
filosofia investe, reflexivamente, nesta relação com base na universalidade.
34
Do exposto até aqui sobre os princípios que os integrantes da Teoria Crítica
têm, de um modo geral, seguido em seus escritos, já podemos fazer uma primeira
aproximação com as questões da formação docente, ambos os campos guardam
em seu cerne a preocupação com a relação entre teoria e prática, pensamento e
ação. Diferente de prender-se ao plano normativo ou ao plano prático, a perspectiva
crítica mantém ambos os elementos como imanentes de um diagnóstico racional
sobre os entraves e potenciais emancipatórios presentes nas estruturas sociais
estudadas. Não cabe, portanto, em uma perspectiva crítica da formação docente
explicações de seu funcionamento ou descrições do campo observado, mas
enfatizar suas determinações políticas concretas e as possibilidades de uma
formação mais ampla, afinada com os grandes ideais da história e mediados no
contemporâneo. A esta perspectiva, vamos acrescer, no próximo item, ponderações
importantes feitas por Adorno.
1.2 A filosofia de Adorno: crítica, estética e materialidade
Segundo Jay (2008), Theodor Adorno (1903-1969) conhecia Horkheimer desde
1922, quando eles frequentaram um seminário sobre Husserl, dirigido por Hans Cornelius.
Depois disso, Adorno passou três anos em Viena, estudando música. Ao final da década de
1920, tomou contato com os demais integrantes do instituto, contribuindo já na primeira
edição da Revista de Investigação Social com um estudo sobre as tarefas de uma
sociologia da música. Junto com Horkheimer, Adorno foi quem mais se identificou com o
destino do instituto, combinando uma rigorosa postura filosófica com uma sensibilidade
estética. Aproveitou sua vivência e interesse pela música para dedicar-se às questões
estéticas da arte e suas implicações sociais.
Uma das obras mais conhecidas de Adorno, e que abriga considerações importantes
sobre o diagnóstico de época da Teoria Crítica, é a Dialética do Esclarecimento (Dialektik
der Aufklärung), escrita em parceria com Horkheimer em plena Segunda Grande Guerra e
publicada em 1944. Na obra, os autores denunciam a tomada do mundo moderno por
uma racionalidade reduzida a processos formais e instrumentais. Este caráter
unidimensional de racionalização traduz-se em reificação à medida que toma não só
o sujeito em suas relações externas, mas a organização conceitual de seu
pensamento. A esta forma sofisticada de controle social as massas se encontram
35
inteiramente vulneráveis e não possuem qualquer tipo de domínio. Esta aparente
unidade é manifestada pela confiança ilimitada na razão - capaz de dominar os
princípios naturais em favor do homem - e pela crença da trajetória humana,
orientada por esta razão, ser no sentido de um futuro melhor. As metanarrativas
sobre racionalidade e progresso, em nome da autopreservação humana,
constituíram um paradigma representacional. Nele, os questionamentos
epistemológicos giram em torno das ideias de “autoconsciência” e “subjetividade”,
tendo em vista sujeitos cognoscentes capazes de refletirem sobre as percepções
captadas pelos cinco sentidos e construírem um correto conhecimento sobre as
apreensões feitas. O método de análise mais afeito a este paradigma é o indutivo,
que observa, experimenta e ganha confiança à medida que pode ser repetido em
outras circunstâncias. Entendida como instrumental, esta racionalidade tende a
colocar a concepção de todas as relações sociais segundo a lógica meios e fins,
inclusive os processos formativos:
No capitalismo administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são estranhos. Essa racionalidade é dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político ou a burocracia estatal, ela faz parte da socialização, do processo de aprendizado, da formação da personalidade (NOBRE, 2009, p. 48).
A consciência moderna, deformada pelo Iluminismo historicista, objetiva a
natureza exterior e reprime a interior, paralisando, assim, o projeto emancipatório.
Conforme Adorno & Horkheimer (1985), percebendo a renúncia da natureza como
sacrifício, o humano autopreserva-se, aumentando suas forças produtivas, ao
mesmo tempo em que atrofia suas forças de conciliação com a natureza, que
transcendem a mera autopreservação. Por isso, a própria sociedade moderna é
aporética. Se, por um lado, organiza seus modos de vida de forma mecânica,
controlando o tempo e o espaço dos homens, por outro exige deles “autonomia de
pensamento”, “participação cidadã” e “transformação da sociedade”. Na
modernidade, o progresso é reduzido ao técnico, afastando-se das ideias de
emancipação e transformação social para dizer respeito apenas ao desenvolvimento
e utilização da técnica em favor de uma produção – econômica - menos laboriosa.
Neste sentido, os autores dizem que o domínio crescente do progresso técnico não
36
resultou em libertação, mas em submissão e conformismo em que o homem
aumenta suas forças externas, mas distancia-se cada vez mais de suas forças
motrizes instintivas e interiores.
Enfim, o esclarecimento mitificou-se pela possibilidade de conduzir à
alienação ou à racionalização da vida, uma vez que “a maldição do progresso
irrefreável é a irrefreável regressão” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 46). Os
autores entendem esta forma de organizar as manifestações humanas como uma
tentativa fracassada de escapar às potências do destino. Para mostrar isso, utilizam-
se da imagem de Ulisses, na Odisséia, compreendendo que o herói se despede da
união arcaica com a natureza, tanto a natureza externa como a interna, ao vivenciar
perigos, renúncias, astúcias. Ele constrói uma nova identidade, na qual a
autopreservação diz respeito a evitar exatamente o lado eliminado. Este talvez seja
o mais alto preço pago pelo esclarecimento, distanciar-se de uma parte do humano:
“o eu consegue escapar à dissolução na natureza cega, cuja pretensão o sacrifício
não cessa de proclamar” (Ibid., p. 60).
Neste sentido, a Dialética do Esclarecimento constitui-se em uma crítica à
filosofia da identidade, questionada também por Adorno na Dialética Negativa. Em
sua forma estandardizante, a identidade é capaz de subsumir “a natureza” (como
tratam os autores na primeira obra) ou “o não-idêntico” (assim chamado na segunda
obra) em nome do “esclarecimento”, do “sistema” e/ou do “conceito”. Todas estas
“são formas do ‘esclarecimento’, no sentido de que elas asseguram a dominação
sobre a natureza, e organizam a ‘tremenda, atordoante confusão’ do estado natural
em tantas grades abstratas” (JAMESON, 1997, p. 37).
Habermas, no livro O discurso filosófico da modernidade, também destaca
a continuidade entre obras proeminentes de Adorno:
A crítica da razão instrumental pode apenas denunciar como defeito aquilo que ela, com todos os seus defeitos, não consegue afinal explicar. Pois ela está presa em conceitos que tornam possível que um sujeito disponha da natureza exterior e interior, mas que, por outro lado, não servem para dar meios de expressão de uma natureza objectivada, a fim de que esta possa denunciar a série de atentados de que ela é alvo por parte dos sujeitos. Mediante a sua Dialéctica Negativa, Adorno procura assediar aquilo que não se pode descrever em termos discursivos; e, com a sua Teoria Estética, sela a cedência da competência cognitiva à arte (HABERMAS, 1990, p. 74).
37
Além disso, Jameson percebe que a crítica de Adorno ao império do conceito
guarda afinidade com as teorias de reificação tecidas desde Marx, uma vez que
habitualmente a subjetividade crê no conceito como se fosse a própria coisa,
abreviando e/ou distorcendo a relação forma e conteúdo:
A forma fraca do argumento supõe uma mera homologia entre esses processos (a abstração econômica se estrutura como a abstração ou unidade filosófica); já sua forma forte assevera uma prioridade do “econômico”, no sentido de que rotular os bens como uniformes e produzir bens uniformes é uma atividade funcional mais complexa do que a produção de pensamentos uniformes (JAMESON, 1997, p. 41).
Como antídoto à uniformização do pensamento e da realidade, Adorno
empenha-se em localizar o valor do negativo, capaz de perceber a contradição como
imanente ao objeto e não como fragilidade que deve ser suplantada pelo conceito,
abrindo, com isso, as portas para a dominação da burocracia. Assim, a ideia de que o
pensamento caminha em direção à unidade não faz de Adorno um autor “totalitário”,
equívoco de interpretação cometido por alguns leitores ao perceberem que a noção de
totalidade é central na crítica adorniana. Alex Demirovic, que foi pesquisador do Instituto
de Pesquisa Social em Frankfurt e atualmente é professor na Universidade de
Frankfurt, lembra o fato de Adorno se recusar a compreender a sociedade como um
universal, algo que contivesse um fundamento metafísico. Por isso, Adorno é tanto
um crítico da metafísica do trabalho quanto da metafísica da linguagem, rejeitando
qualquer tentativa de empreender um fundamento filosófico-moral à crítica da
sociedade:
Para ele [Adorno] tratava-se de constelações concretas em que a negação determinada podia se desenvolver. Penso que ainda hoje é muito interessante redescobrir a crítica de Adorno à objetividade lógica positivista, ao conformismo assim como suas reflexões sobre a dialética negativa. Sobretudo penso que a dialética negativa é importante. Ou seja, é importante um conceito de antinomias nas quais nos movemos permanentemente: participação democrática e recusa da política, liberdade e não-liberdade, carência de igualdade e de diferença, todas essas antinomias que precisamos suportar e que Adorno nos ensina a captar como impulso e motivo para o pensamento e a ação críticos, e que não está distante de nós a possibilidade de superar a atual situação social. Justamente esse ponto de vista - o de que Adorno visa a superação das formas capitalistas de socialização, uma associação de homens livres, que a humanidade se torne finalmente humanidade e configure racional e coletivamente suas condições de vida - não desempenha nenhum papel nas discussões atuais sobre ele (DEMIROVIC, 2004, p. 145-146).
38
Muito embora tenha sido com - ou apesar de – o capitalismo que as discussões
sobre os direitos humanos e a organização civil tenham se fortalecido, as contribuições
tecidas desde Marx, passando por Weber e Lukács até Horkheimer e Adorno foram sempre
no sentido de renovar a teoria da sociedade, revigorando-a diante das transformações
assumidas pela lógica capitalista. Ao tentar reelaborar questões não resolvidas da filosofia
moderna, o pensamento adorniano coloca-se na tarefa de delimitar um conteúdo de
verdade, considerando sua historicidade. Sua filosofia, conforme explica Gómez, não se dá
de forma linear ou contínua, como se suas ideias viessem a refutam ou anular o conteúdo
de verdade dos sistemas filosóficos que lhe precederam (1994, p. 110). Para isso, Adorno
rejeita as abstrações que tendem a objetivar as diferentes manifestações humanas. Ele
entende estas atitudes como vinculadas ao movimento positivista, que era, para ele, a
ideologia do capitalismo:
O positivismo lógico tradicional estava comprometido com o atomismo – a visão de que a realidade pode ser inteiramente representada por um conjunto de fatos distintos, cada um separado do outro -, com certos padrões de clareza do uso lingüístico, com o uso da lógica formal como uma ferramenta básica da análise filosófica e com a afirmação da percepção direta como o fundamento último de todo conhecimento empírico (GEUSS, 2008, p. 157).
Nesta perspectiva crítica, não apenas Comte e o “empirismo lógico” estavam
vinculados com o positivismo, mas também a fase tardia de Schelling e Heidegger.
Conforme os teóricos de Frankfurt, “Heidegger, o marxismo de estilo soviético e
Carnap eram todos exemplos de um ‘positivismo’ que estava comprometido em
ignorar a reflexão” (Id. Ibid.). Se o interesse de Adorno e de seus companheiros de
pesquisa era levar adiante uma perspectiva de sociedade como totalidade histórica,
a filosofia moderna mais consequente e que, por isso mesmo, merece
reconsiderações, era a de Hegel. Foi este quem primeiro rejeitou qualquer
possibilidade de conhecimento a partir da percepção imediata dos sentidos.
Satisfacer la pretensión de dialecticidad que el programa fenomenológico hegeliano ha elevado es tarea de la filosofía de Adorno. El “giro estético”, el viraje adorniano de la filosofía hacia el arte y la teorización estética tiene como función hacer justicia a la idea hegeliana de dialecticidad, lo cual pasa necesariamente para Adorno por la transformación de la dialéctica idealista
39
y afirmativa de Hegel en una dialéctica material y negativa10
(GÓMEZ, 1994, p. 110-111).
Enquanto que para Hegel a contradição dizia respeito ao pensamento, para
Adorno era uma categoria da realidade e, para compreender esta perspectiva
material era preciso lançar mão de um olhar estético. Por isso, a filosofia de Adorno
é marcada pela estética como uma posição de pensamento frente às posturas que
sujeito e objeto desempenham na produção do conhecimento. Isto desde sua tese
de livre-docência sobre Kierkegaard, escrita sob orientação de Paul Tillich nos anos
de 1929 e 1930 e que lhe habilitava a uma cadeira de professor da Universidade de
Frankfurt. Por uma irônica coincidência, o estudo foi publicado justamente no dia em
que Hitler assumiu o poder como chanceler, em 1933, encarregado de formar o novo
governo após o fim da República de Weimar.
O trabalho (publicado com o título Kierkegaard: construção do estético)
discorre explicitamente acerca da ontologia fundamental de Heidegger, leitor de
Kierkegaard, discordando ora do primeiro, ora do segundo, ora de ambos
pensadores, o que sugere a localização central da preocupação adorniana ser no
sentido da possível leitura da obra do filósofo dinamarquês no contexto cultural
germânico11. Afinado, na época, com o pensamento de Walter Benjamin, com quem
também mantinha uma boa relação de amizade, Adorno fez deste estudo o germe
de toda sua filosofia. Já no primeiro parágrafo da obra, o filósofo apresenta a
condição para que a filosofia não perca de vista seu conteúdo de verdade, qual seja,
manter de modo inteligente a relação entre o real e o conceito:
A lei formal da filosofia exige a interpretação do real efetivo no contexto harmônico dos conceitos. Nem a manifestação da subjetividade do pensador nem a pura coesão da composição em si mesma decidem sobre o seu caráter como filosofia, porém tão somente isto: se o que é real entrou
10
Satisfazer a pretensão de dialeticidade que o programa fenomenológico hegeliano impôs é tarefa da filosofia de Adorno. O “giro estético”, a virada adorniana da filosofia para a arte e à teorização estética tem como função fazer justiça à ideia hegeliana de dialeticidade, a qual para Adorno passa necessariamente pela transformação da dialética idealista e afirmativa de Hegel em uma dialética material e negativa (Tradução nossa).
11 Em La ideología como lenguaje, obra escrita na mesma época que Dialética Negativa, Adorno
(1987, p. 18) explicita que sua preocupação com o entendimento de Kierkegaard se refere à descontextualização feita por Martin Buber, e depois por Heidegger, da existência de seu caráter religioso. Isso alimenta o irracionalismo, diz Adorno, exigindo a vinculação imediata entre o plano da vida, da relação eu-tu, e o plano metafísico.
40
nos conceitos, neles se legitima e os fundamenta de modo inteligente. A isso se opõe a concepção de filosofia como poesia. Ao arrancar a filosofia da vinculação com a medida do real, ela subtrai a obra filosófica da crítica adequada. Mas só em comunicação com o espírito crítico essa obra teria condições de se fazer comprovar historicamente (ADORNO, 2010a, p. 21).
Semelhante à organização constelar – proposta por Benjamin e que Adorno
faz uso já na aula inaugural proferida na Universidade de Frankfurt, em 1931 - dos
conceitos visando à possibilidade de melhor expressar algo sobre o objeto, Adorno
explica que o método dialético de Kierkegaard carrega em sua essência a noção de
que só é possível compreender os conceitos individuais se considerá-los na
totalidade do sistema no qual são desenvolvidos. Este caráter estético do
conhecimento deve ser abarcado pela filosofia, não enquanto elemento decorativo,
mas como princípio que preserva a irredutibilidade do sujeito e do objeto. O trabalho
estético-reflexivo da filosofia sobre o conhecimento da realidade é realçado,
especialmente, nas últimas obras de Adorno, seja no modelo da conceptualidade da
Dialética Negativa, seja no modelo da arte da Teoria Estética. A continuidade
entre as obras pode ser entendida a partir da afirmação de Gómez de que a Teoria
Estética consegue efetivar a constituição de uma estética da negação (1998, p.96).
Dessa forma, a estética é uma categoria epistemológica e a percepção da
expressividade da linguagem na filosofia não se refere a um movimento de
estetização do campo filosófico, mas a uma possibilidade de manter as inter-
relações entre pensamento e expressão. Adorno (2010a) identifica em Kierkegaard
três usos do elemento estético: (1) o domínio das obras de arte e das ponderações
da teoria da arte; (2) enquanto atitude de não-se-decidir, vinculada à ética: “o
estético no homem é aquilo pelo qual ele é imediatamente o que é; o ético é aquilo
pelo qual se ele se torna aquilo que ele se torna”; (3) forma de comunicação
subjetiva, justificada através do conceito kierkegaardiano de “existência”, uma vez
que a interioridade não pode se tornar objetiva, manifesta-se como comunicação
subjetiva. Tomando este terceiro emprego, a estética de Kierkegaard expressa-se na
filosofia da linguagem através da perspectiva de transposição, em que o seu caráter
propriamente estético só adquire sentido na relação sujeito e objeto. Através do
comportamento do espectador, o sujeito observa o mundo e percebe o que existe
fora de si, constituindo, assim, sua dimensão ética e estética. Já na nota acrescida à
41
obra Kierkegaard: construção do estético, em 1962, Adorno explicita sua intenção
com o estudo do filósofo dinamarquês:
Em conformidade com sua temática, o livro não se ocupou dos assim chamados discursos religiosos de Kierkegaard, daqueles escritos teológicos-positivos que acompanham os filósofos-negativos – a negação da filosofia. De qualquer modo, o propósito era o da interpretação da obra como um todo; ali, tão pouco como em Kierkegaard, estética não se chama meramente teoria da arte e sim, falando de maneira hegeliana, uma posição do pensamento frente à objetividade (ADORNO, 2010a, p. 369).
Para Kierkegaard, a esfera estética é a da imediaticidade e deve servir-se da
dialética para apontar a direção que é negada a si mesmo de seguir. Esta
possibilidade de transformação contida na materialidade é também aprofundada por
Adorno em suas obras, haja vista o potencial expressivo da racionalidade com que
se depara na dialética negativa e na arte. Neste sentido, a esfera estética não diz
respeito apenas às relações estabelecidas com a obra de arte, mas
fundamentalmente ao campo da sensibilidade e da criatividade humanas. O caráter
enigmático da arte não se refere a compreender a estrutura interna de uma obra,
mas situa-se na reflexão que provoca acerca das possibilidades de seu significado
para quem a interpreta:
Se uma obra de arte se abre inteiramente, atinge-se então a sua estrutura interrogativa e a reflexão torna-se obrigatória; em seguida, a obra afasta-se para, finalmente, assaltar uma segunda vez com o “que é isto?” aquele que se sentia seguro da questão (ADORNO, 1993, p. 142).
Sendo assim, a estética não depende diretamente da constituição subjetiva,
mas das instâncias objetiva e histórica, que provocam a construção de sentidos
através da experiência e do olhar interrogador sobre a realidade. Porém, para
Adorno - assim como para Benjamin -, não é qualquer experiência com o mundo
exterior ou qualquer interrogação que possui potencial formativo, transformador. A
experiência que se prende ao dado e busca apenas o caráter utilitário, contido na
pergunta “para quê?”, deforma esta relação com a realidade, pois não está disposta
a transformar sua própria organização em favor de aprender com o outro.
42
Neste sentido, a experiência estética compõe uma interação entre sujeito e
objeto, na qual a linguagem é fundamental para que a experiência possa ser
ampliada, significada racionalmente. Para Adorno, o pensamento estético
circunscreve-se na possibilidade de conhecer e, ao mesmo tempo, manter a
opacidade do objeto, resistindo em sua densidade para esmorecer qualquer
tentativa de objetivar ou universalizar sua substância. Sobre a maneira de Adorno
compor o jogo entre o objeto e o pensamento Eagleton assevera:
Mas como se arrisca a perder essa estranheza no próprio ato da reflexão, essa tarefa está sempre a ponto de se autodestruir. Adorno tem, no seu próprio estilo, uma espécie de solução processual para este dilema. A forma de lidar com esta contradição é a prática morosa e rebarbativa da escritura, um discurso mantido num estado constante de crise, distorcendo-se e voltando-se sobre si mesmo, lutando na estrutura de cada frase para evitar a “má” imediaticidade do objeto e a falsa auto-identidade do conceito. O pensamento dialético desencava o objeto de sua auto-identidade ilusória, mas nesse momento, expõe-se a liquidá-lo numa espécie de campo de concentração da Idéia Absoluta. A resposta provisória de Adorno a este problema é uma série de ataques guerrilheiros sobre o inarticulável; um estilo de filosofar que cerca o objeto conceitualmente mas consegue, por uma espécie de acrobacia cerebral, perceber lateralmente o que escapa a essa identidade generalizante. Cada frase de seus textos é, por assim dizer, obrigada a trabalhar em excesso; cada sentença deve tornar-se uma obra-prima ou um milagre da dialética, fixando um pensamento um segundo antes que ele desapareça em suas próprias contradições. Como o estilo de Benjamin, o seu também é constelatório; cada frase, uma espécie de enigma cristalizado, da qual a próxima não é dedutível: uma economia de aperçus epigramáticos de tecido tenso, no qual cada parte é de algum modo autônoma e relacionada sutilmente às outras. Todos os filósofos marxistas devem ser pensadores dialéticos, mas com Adorno pode-se sentir o esforço e a dificuldade desse estilo vivo em cada frase, numa linguagem construída contra o silêncio, na qual tão logo o leitor percebe a unilateralidade de um argumento, o seu oposto é imediatamente proposto (1993, p. 247).
Para Habermas, a forma dialética de Adorno estruturar seu pensamento dava
a impressão de que uma “centelha iluminista” estava tentando “emergir da escuridão
do incompreendido, prometendo tornar transparentes conexões silenciadas” (2003,
p. 22). Este empreendimento estético que Adorno faz em sua obra refere-se,
portanto, a uma tentativa de desviar das armadilhas do pensamento universalista,
cuja construção permeia toda a linguagem da filosofia tradicional. Esta postura, no
entanto, não deve ser confundida com um movimento desconstrutivista, em que a
lógica do particular em nada diz respeito às questões mais universais, pois Adorno
não abandona a perspectiva da totalidade, mas a submete à materialidade:
43
Se Adorno faz a apologia da diferença, da heterogeneidade e da aporia, ele está também bastante ligado às lutas políticas de seu tempo para ver mais que ilusões metafísicas em valores fundamentais como a solidariedade, a afinidade mútua, a paz a comunicação produtiva, a generosidade – valores sem os quais nem a ordem social mais exploradora teria condições de se reproduzir, mas que estão inteiramente ausentes do discurso desencantado e pós-político das correntes tardias e mais insípidas do pensamento antitotalizador. A teoria de Adorno, assim, prende conjuntamente, e em extrema tensão, posições que na teoria cultural contemporânea tornaram-se ritualmente antagônicas (Op. cit., p. 256).
O fato da filosofia adorniana persistir no debate sobre as questões sociais
pode ser compreendido em muito pelas próprias experiências de Adorno. Tratava-
se, conforme comenta Habermas, de uma ingenuidade muitas vezes “não-
exteriorizada e constantemente mobilizável” (1980, p. 139), isto desde a crítica feita
à razão burguesa, que se vê impotente e agonizando diante da objetividade de uma
sociedade administrada, até a visualização de possibilidades de uma razão dialética-
materialista revigorada pelo viés estético. Nas palavras de Habermas:
Adorno recusou sempre a alternativa de permanecer criança ou tornar-se adulto; nem aceitou o infantilismo, nem quis pagar o preço de uma blindagem rígida contra a regressão, ainda que fosse a “serviço do ego”. Nele permaneceu viva uma camada de experiências e atitudes da infância. Essa camada funcionava como uma caixa de ressonância que reagia de uma forma ultra-sensível às resistências do real: desvendando o estridente, o cortante e o humilhante embutidos na própria realidade. Esse complexo de qualidades primárias manifestava-se ocasionalmente de forma isolada em seu comportamento, mas encontrava-se sempre em livre comunicação com o pensamento, por assim dizer aberto à inteligência. A vulnerabilidade dos sentidos e a intrepidez de um pensamento isento de medo pertenciam à mesma estrutura. Essa graça, que não foi meramente um dom, exigiu, não obstante, um tributo (Ibid., p. 142).
Ainda segundo o ex-professor assistente de Adorno, este não havia
conseguido aprender estratégias de imunização e adaptação às realidades em que
se inseria, permanecendo um estranho a todas as instituições das quais trabalhara.
Sua intelectualidade não foi inteiramente reconhecida e, mesmo exercendo forte
influência no mundo literário, nunca recebeu nenhum dos prêmios oficiais. Todavia,
diz Eagleton, Adorno prefere “ser pobre mas honesto” (1993, p. 259), uma vez que
recalcar sua própria experiência dolorosa – enquanto intelectual judeu expatriado e
testemunha da barbárie nazista – e não expor o sofrimento e a indigência humanos
44
seria trair a si mesmo e arquitetar uma filosofia sem profundidade dialética. Assim,
ao mesmo tempo em que Adorno pode servir ao pensamento derrotista,
expressando teoricamente as dores humanas que Bechett, por exemplo, tratou na
arte dramática, sua postura frente ao momento estético pode expressar esperança
sobre o caráter emancipatório de um pensamento reconstruído.
Uma das mais duras críticas realizadas ao diagnóstico de Adorno e
Horkheimer, contido na Dialética do Esclarecimento, sobre a instrumentalização
da razão em nome da autoconservação humana diz respeito justamente à total falta
de esperança dos frankfurtianos na possibilidade de emancipação do pensamento.
Wellmer (1994) explica que a aporia se constitui porque os sujeitos e suas formas de
pensamento compõem-se da mesma matéria racional que ousou dominar a natureza
e, sendo a conceptualidade mais afeita a estes processos instrumentais, o
conhecimento já estaria desde o início fadado ao controle e racionalização e não
conduziria à autonomia de pensamento e à emancipação. Assim, diz Wellmer, a
crítica de Adorno e Horkheimer ao Esclarecimento faz-se em nome de um melhor
Esclarecimento (Ibid., p. 22). No entanto, ao não suprimirem a dor e o sofrimento,
trazidos com o desenvolvimento da racionalidade instrumental, de sua teoria, os
filósofos estão empreendendo uma dialética que não descarta, simplesmente, as
deformidades, tampouco, as expectativas de mudança. Neste sentido, Habermas,
acompanhando por vezes as aulas de Adorno (especialmente em 1956, seu primeiro
ano no Instituto de Pesquisa), observa:
Quem escutava Adorno não podia confundir o espírito vanguardista da modernidade com o falso progresso, que esteticamente se desmentia a si mesmo, da “reconstrução”. Com esse avanço precipitado, perdia-se a intuição dialética de que algo que se descarta por estar “ultrapassado” pode, em seu desajustamento mesmo, apontar para o futuro. Para mim, era novo e inacreditável que argumentos estéticos debatidos num contexto filosófico adquirissem imediata evidência política (2003, p. 23).
Para muitos estudiosos da filosofia de Adorno, esta noção negativa e material
que seu pensamento, levada adiante a partir da matriz dialética de Hegel, é
anunciada já em Kierkegaard: construção do estético no final da década de 1920:
45
En la obra adorniana existe una continuidad teórica que, más allá de toda “ruptura” que pueda suponer Dialéctica de la Ilustración, tiene su punto de partida en Kierkegaard y lleva a Dialéctica negativa. Kierkegaard arroja luz sobre el verdadero sentido que el “giro” de la filosofía hacia el arte y la teorización estética tiene en la filosofía de Adorno. Éste no coincide con el camino de la autodisolución de la filosofía, sino que es el intento de revisar críticamente el paradigma filosófico dialéctico. La retrotracción de Dialéctica negativa a la obra sobre Kierkegaard permite devolver al pensamiento de Adorno su contenido propiamente filosófico
12 (GÓMEZ, 1998, p. 47).
Para Adorno, o projeto moderno de emancipação do sujeito somente possui
possibilidade de realização se a dimensão estética for incorporada ao pensamento
como condição para expressar algo sobre o objeto. Com essa perspectiva, Adorno
vincula a reconstrução crítica da filosofia tradicional à necessidade de lançar mão de
aportes estéticos, configurando uma problemática de cunho epistemológico,
sobretudo. Nesta trilha, o filósofo não buscou confabular em favor de um novo
sujeito em contraposição ao malfadado indivíduo burguês:
Uma liberdade que aspirasse a constituir a antiimagem polêmica do sofrimento provocado pelas coações sociais, não deveria limitar-se a anular a repressividade do princípio do ego, mas conservar também a força de resistência deste princípio contra a dissolução no amorfo da própria natureza e do coletivo (HABERMAS, 1980, p. 144).
Os desvios tomados pela leitura feita no contemporâneo da obra de Adorno
deixam-nos em alerta para tentar não ratificar estes equívocos, mas levar adiante
sua postura crítica, pautada na identificação dos limites do pensamento frente à
diversidade da vida e de uma relação teórico-prática renovada a cada ação e
interpretação. Diante de seu diagnóstico de unilateralização da razão, Adorno nos
coloca a pensar sobre a medida em que os processos de formação abarcam as
demandas do mundo administrado, utilizando a lógica da produção como modelo a
ser implementado nos programas de formação docente, por exemplo. A respeito
dessa degradação dos processos formativos vamos tratar a seguir.
12
“Na obra adorniana existe uma continuidade teórica que, além de toda “ruptura” que possa supor a Dialética da Ilustração, tem seu ponto de partida em Kierkegaard e leva à Dialética negativa. Kierkegaard lança luz sobre o verdadeiro sentido que o “giro” da filosofia até a arte e à teorização estética tem na filosofia de Adorno. Este não coincide com o caminho da autodissolução da filosofia, seu intento é revisar criticamente o paradigma filosófico dialético. O regresso da Dialéctica negativa à obra sobre Kierkegaard permite devolver ao pensamento de Adorno seu conteúdo propriamente filosófico” (Tradução nossa).
46
1.3 A formação diante da degradação dos conteúdos da experiência
Segundo Gadamer (2005, p. 47), foi Hegel quem melhor conseguiu reunir e
expressar o que sua época compreendia por formação. A necessidade humana de ir
além do imediato e do natural impele o processo formativo, o que, por sua vez,
justifica a própria condição de “existência” da filosofia. Na perspectiva hegeliana, a
formação é composta por dois momentos: a formação prática e a formação teórica.
A formação prática refere-se à satisfação das necessidades e impulsos naturais,
evidenciando circunspecção – consciência do que se faz, reflexão que não deixa o
homem abandonado na singularidade e o mantém aberto à consideração de outro -
e moderação – satisfação dos impulsos naturais e do uso das forças corporais de
modo a preservar a boa saúde - no sentido da autoconservação. A formação prática
está, portanto, ligada às exigências do trabalho e tarefas assumidas para os fins
privados:
A vocação é algo de universal e necessário e constitui um certo lado da convivência humana. É, portanto, uma parte de toda a obra humana. Quando o homem tem uma vocação, ingressa na participação e na colaboração no universal. Torna-se deste modo algo de objectivo. A profissão é, sem dúvida, uma esfera singular limitada, mas constitui no entanto um membro necessário do todo e é também em si mesma, por seu turno, um todo. Se o homem deve tornar-se algo, deve saber limitar-se, isto é, fazer da sua profissão uma coisa inteiramente sua (HEGEL, 1989, p. 314-315).
Nestes termos, a formação prática está mais ligada à dimensão ética e às
questões da moralidade do que à consciência do dever. Isto porque esse momento
já carrega a determinação fundamental do espírito histórico, a da reconciliação
consigo mesmo e a do reconhecimento de si no ser-outro. Tal determinação é
enfatizada na formação teórica à medida que exige do homem um descentramento,
um pensar sobre o que ele (ainda) não conhece:
À cultura pertence um juízo a propósito das relações e dos objectos da realidade efectiva. Exige-se, além disso, saber o que é que importa, o que é a natureza e o fim de uma coisa e as relações recíprocas. Esses pontos de vista não são imediatamente dados pela intuição, mas pelo trato com a
47
coisa, mediante a reflexão sobre o seu fim e essência e sobre os seus meios, enquanto são ou não adequados para a sua consecução. O homem não formado consiste na intuição imediata, não tem os olhos abertos e não vê o que está diante dos pés (Ibid., p. 311-312).
Na trajetória que vai do particular ao saber universal, o homem, afirma Hegel,
afasta-se de si mesmo e percebe a existência de outros e melhores “modos de
conduta”, distinguindo a essência da inessência. Na formação teórica, o homem
aprende a não se satisfazer, simplesmente, com o imediato, buscando pontos de
vista universais que possam sustentar seu objetivo de liberdade: “Um homem
formado conhece ao mesmo tempo os limites da sua capacidade de julgar” (Id.
Ibid.).
No entanto, é preciso esclarecer que o sentido da formação (Bildung) para
Hegel não se dá no alheamento, mas no fortalecimento da subjetividade que o
retorno a si é capaz de fazer. Nesta perspectiva, Gadamer percebe que a formação
ainda é um ideal capaz de movimentar as ciências históricas, pois além de significar
a elevação do espírito ao seu sentido universal, é também o campo onde as
apreensões são feitas. Por isso, é da seguinte forma que Gadamer valoriza o caráter
universal da Bildung hegeliana:
Considerar com maior exatidão, estudar uma tradição com maior profundidade não bastam se não disporem de uma receptividade para o que há de diferente numa obra de arte ou no passado. Foi o que, seguindo Hegel, salientamos como uma característica universal da formação: o manter-se aberto para o diferente, para outros pontos de vista mais universais. Contém um sentido universal para a medida e para a distância com relação a si mesmo, levando a ultrapassar a si mesmo e alcançar a universalidade. Ver a si mesmo e seus fins privados com certo distanciamento significa vê-los como os outros os vêem (2005, p. 53).
Já Adorno parte da perspectiva hegeliana da formação (Bildung) para afirmar
que a razão suplantou a mímesis - forma original da relação entre sujeito e objeto -,
cujos ecos sobrevivem ainda na arte, enquanto reminiscência, voz e lamento da
natureza oprimida. Esta unilateralização do movimento de adaptação, segundo
Adorno, impediu os homens de se educarem no ambiente cultural, como
vislumbrava Hegel. A cultura tornou-se um processo de conformação à vida real:
48
A unificação da função intelectual, graças à qual se efetua a dominação dos sentidos, a resignação do pensamento em vista da unanimidade, significa o empobrecimento do pensamento bem como da experiência: a separação dos dois domínios prejudica a ambos (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 47).
Assim como em outros apontamentos de Adorno, a radicalidade da crítica ao
empobrecimento da experiência pode ser entendida a partir dos escritos de
Benjamin: “Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso
desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem” (BENJAMIN, 1986, p. 115).
Com a técnica, o homem pode manipular e controlar a natureza, criando um
ambiente novo para o qual precisa, por sua vez, adaptar-se. Esta dimensão
instrumental empobreceu as experiências humanas e permitiu aos homens
pensarem em “libertar-se de toda experiência”, conforme aduz Benjamin. O
empobrecimento das experiências comunicáveis é, portanto, imanente à
instrumentalização da razão, cujo enfoque na relação meios-fins sobrepujou-se à
noção de experiência como reelaboração do passado. Adorno (1996) adverte sobre
o perigo deste processo de absolutização “que descansa sobre si mesmo” converter-
se em semiformação (Halbbildung), ou seja, numa formação empobrecida, em que o
sujeito não constrói instrumentos suficientes para vivenciar e interpretar a cultura em
sua plenitude.
Em suas obras, Adorno denunciou a crise da formação (Bildung) e da
educação em face da dinâmica do trabalho social. Sua crítica materialista se prende
aos detalhes, ao singular, a exemplo do que fez Freud – com a interpretação
analítica sobre o mundo das aparências, dos gestos, dos ditos e não-ditos – e Marx
– com os questionamentos sobre a troca de mercadorias tão diferentes entre si
parecer tão natural. Neste sentido, Marx e Freud já haviam fornecido elementos
importantes sobre as limitações do projeto iluminista, a expansão da alienação e a
deformação da experiência formativa. A degradação não afeta apenas as condições
da produção, mas invade a subjetividade. No plano coletivo, o caráter unitário da
formação garante por um lado a acomodação, mas alimenta por outro lado o mal-
estar na cultura. O desejo de pertencimento ao grupo e a necessidade de
autopreservação impedem o indivíduo de insurgir-se ao que está posto na realidade.
O travamento da experiência formativa é resultado da repressão da diferença.
A percepção das manifestações imediatas como forma acabada e verdadeira
49
uniformiza a realidade empírica, cuja fragmentação e urgência por utilidade é
também transferida a todos. A impossibilidade de “jogar” no mundo vivido e atribuir
sentido às manifestações inviabiliza também qualquer alteridade, desaguando em
semiformação. De todo modo, Adorno ressalta que este processo de semiformação
socializada não se configura em um pré-estágio de Bildung, mas a sucede, atingindo
também o estrato culto da sociedade: “tudo fica aprisionado nas malhas da
socialização” (ADORNO, 1996, p. 389).
Adorno tenta assim abordar a formação como uma tensão entre a
transcendência e a acomodação, ocorrendo um processo regressivo quando se isola
no cultivo do espírito – como fez Wilhelm Dilthey ao incentivar as classes médias
alemãs com o conceito de cultura espiritual como fim em si mesmo -, mas também
quando se restringe ao dado, ao momento de adaptação – tal como fez a filosofia de
Schiller, dos kantianos e do Goethe tardio. Dessa forma, o conceito de adaptação
faz parte do processo de humanização, não sendo somente um artifício de anulação
da individualidade e da espontaneidade, mas uma oportunidade de formação cultural
de fora para dentro, como alude Adorno (1995, p.175). Ao desfazer-se a tensão
entre transcendência e a acomodação, uma racionalidade deformada se instala, pois
o congelamento em categorias fixas, isoladas, sejam elas do espírito ou da natureza,
de transcendência ou de acomodação, conforme diz Adorno (Op. cit.), promove uma
formação regressiva.
Assim, o diagnóstico adorniano de semiformação pode ser entendido como
uma tentativa de constituir os limites do vivo, da formação, pela via negativa, ou
seja, afastando-se das armadilhas da filosofia da identidade ao mesmo tempo em
que fornece um parâmetro avaliativo sobre as ligações possíveis entre teoria e
prática, pensamento e ação, ideal e real. É neste sentido que podemos compreender
os rumos tomados pela ideia de formação (Bildung):
A formação devia ser aquela que dissesse respeito, de uma maneira pura como seu próprio espírito, ao indivíduo livre e radicado em sua própria consciência, ainda que não tivesse deixado de atuar na sociedade e sublimasse seus impulsos. A formação era tida como condição implícita a uma sociedade autônoma: quanto mais lúcido o singular, mais lúcido o todo. Contraditoriamente, no entanto, sua relação com uma práxis ulterior apresentou-se como degradação a algo heterônomo, como percepção de vantagens de uma irresolvida bellum omnium contra omnes. Sem dúvida, na idéia de formação cultural necessariamente se postula a situação de uma humanidade sem status e sem exploração (Ibid., p. 391-392).
50
Em grande medida, o avanço do capitalismo tardio para a instância da cultura
e da individualidade humana emperrou o desenvolvimento dos pressupostos da
formação (Bildung) referentes à igualdade e autonomia. Além disso, essa
racionalização da vida dota de aparência caricata e inútil qualquer iniciativa de
transformar a instrumentalização em formação, haja vista, por exemplo, o debate
atual sobre o espaço dos “fundamentos da educação”, das metodologias e/ou das
didáticas nos cursos de licenciatura: “o porquê” da prática pedagógica é preterido
em favor do “como fazer”, o que acaba enfraquecendo os argumentos acerca de
uma formação balizada historicamente.
Adorno (2003a) oferece um precioso exemplo de como a heteronomia
normalizou-se como atitude social. No texto A Filosofia e os professores, ele
analisa as respostas dos candidatos à docência em ciências nas escolas superiores
do estado de Hessen, Alemanha, tendo em vista a função formativa que o professor
exerce. Um dos candidatos, por exemplo, ao ser perguntado sobre Descartes,
discorreu extensivamente sobre sua filosofia, sem, no entanto, dar-se conta da
transformação histórica de seu pensamento. É esta falta de reelaboração dos
conceitos, num processo autorreflexivo, que favorece a construção de jargões, a
naturalização dos fenômenos ou a mitificação das ações sociais:
A colcha de retalhos formada de declaração ideológica e de fatos que foram apropriados, isto é, na maior parte das vezes decorados, revela que foi rompido o nexo entre objeto e reflexão. A constatação disso nos exames é recorrente, levando imediatamente a concluir pela ausência da formação cultural (Bildung) necessária a quem pretende ser um formador (ADORNO, 2003a, p. 63).
Formação (Bildung) e diferenciação são processos que se valem
mutuamente. Como na semiformação há a conversão ao sempre igual, numa
integração prematura da diversidade, aquilo que restou da formação transforma-se
em símbolo, encobrindo o conjunto da cultura. Assim, artistas e obras consagradas
perderam-se no tempo:
A energia desapareceu das idéias que a formação compreendia e que lhe insuflavam vida. Nem atraem os homens como conhecimento, pois se
51
considera que ficaram muito atrás da ciência, nem lhe servem como normas. Deste modo, a liberdade e a humanidade, em certo grau, perderam sua força resplandecente no interior da totalidade que se enclausurou num sistema coercitivo, já que lhes impede totalmente a sobrevivência (ADORNO, 1996, p. 401).
O desinteresse pela formação, referido por Adorno, é sentido na educação
por diferentes prismas e formas de ação. Ao promover a redução da razão à sua
dimensão operativa, distancia-se cada vez mais de sua proposta formativa inicial,
gerando, ainda, uma crise na formação da identidade pessoal. Neste cenário, os já
privilegiados processos de coletar dados, seriar e classificar contribuem para a
construção de conceitos universalizantes na formação docente, que conferem à
relação teoria-prática a fórmula dominante da identidade, na qual o outro é contido
pela subjetividade em todas as suas facetas. Esta aparência ilusória que o primado
do sujeito alimenta é denunciada por Adorno na Dialética Negativa, como veremos
a seguir. A possibilidade da diversidade participar dos processos de aprendizagem
de modo não forjado é o que permite apostar na dimensão expressiva da linguagem
como via de acesso a experiências docentes dotadas de poder formativo, não-
degradadas.
CAPÍTULO II
A FORMAÇÃO SOB O PRIMADO DO OBJETO
Este capítulo tem o objetivo de analisar a proposta de Adorno acerca de uma
abordagem negativa da materialidade, discutindo suas consequências para a
construção de uma subjetividade destranscendentalizada, sensível aos limites do
outro. A intenção é enfatizar o caráter estético-expressivo presente na construção da
filosofia social de Adorno, especialmente, na Dialética Negativa, escrita em 1966.
Nela, o filósofo esforça-se em compor uma crítica à filosofia hegeliana e à sua forma
de atribuir aos conceitos a ilusão de uma identidade total e imanente. Para Hegel, o
conceito “é o todo das determinações, compreendidas na sua unidade simples”
(1989, p. 31). Ele reúne os momentos da universalidade, da particularidade e da
individualidade:
A universalidade é a sua unidade que é em si na determinação. – A particularidade é o negativo enquanto determinação simples, que é penetrada pela universalidade, ou é característica. - A individualidade é o negativo enquanto negatividade pura que a si mesma se refere (Id. Ibid.).
Mesmo sabendo que a filosofia era uma mera atividade no conjunto da
realidade e da divisão do trabalho, o pensamento de Hegel investe em um modelo
representacional de conhecimento, legitimando a discrepância deste em relação à
realidade como algo estranho e que, por consequência, deve permanecer afastado
da conceptualidade. Este entendimento justificaria sua posição de prima
philosophia13 em uma totalidade que ela monopoliza como seu objeto. Ao configurar
a dialética como um movimento negativo, Adorno exprime o compromisso em
preservar a experiência e o singular no processo de conhecer o real, à medida que a
13
Expressão cunhada inicialmente por Aristóteles para designar a ciência do ser enquanto ser (Cf. nota apresentada pelo tradutor em ADORNO, 2009, p. 20).
53
própria relação entre teoria e prática, pensamento e ação, alicerça-se sobre o
primado do objeto.
Deste modo, apresentamos primeiramente os pressupostos que dão base
para a dialética negativa fazer frente à dialética hegeliana. A partir daí, é possível
reconfigurar alguns dualismos ordinários da filosofia tradicional, que sustentam
questões angulares da formação, como essência-aparência, teoria-prática,
objetividade-subjetividade. Por fim, vamos enfocar a virada para a materialidade que
a filosofia adorniana pode tomar para sustentar a possibilidade do conhecimento
incorporar de forma não estandardizada os aspectos dissonantes da realidade. Esta
é uma perspectiva importante que nos impele a reinterpretar a racionalidade
docente, ainda fortemente embasada em uma perspectiva tradicional de
conhecimento. Para esta revisão crítica sobre as possibilidades da multiplicidade na
construção do conhecimento, é importante compreender as noções que mímesis e
estética assumem na obra Dialética Negativa.
2.1 A perspectiva negativa da dialética: a contradição e o não-idêntico como
elementos constitutivos
A filosofia hegeliana mantém o primado do sujeito sobre o objeto, expandindo
a subjetividade para aceitar, assim, a distinção radical do Esclarecimento entre o ser
e o pensar, a existência e a razão, ao mesmo tempo em que a suprime a partir dela
mesma, tomando-a como uma distinção do próprio pensamento. Na
Fenomenologia do Espírito, ao tentar mostrar como se compõe a consciência-de-
si, Hegel explica que as percepções – do mundo, da diferença – subsistem na
consciência como abstrações, isto é, a consciência-de-si é movimento, é reflexão
sobre o mundo sensível e a diferença e retorno à unidade de si mesma:
A consciência tem de agora em diante, como consciência-de-si, um duplo objeto: um, o imediato, o objeto da certeza sensível e da percepção, o qual porém é marcado para ela com o sinal do negativo; o segundo objeto é justamente ela mesma, que é a essência verdadeira e que de início só está presente na oposição ao primeiro objeto. A consciência-de-si se apresenta aqui como o movimento no qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem-a-ser para ela (HEGEL, 2005, p. 136-137).
54
Nesta dialética da subjetividade, o objeto ganha vida e retorna a si
reconhecido, assim como o sujeito volta a si autorreconhecendo-se como ser
refletido sobre si. É na relação de entendimento entre sujeito e objeto que a unidade
das diferenças produz o caráter universal – normativo - da consciência-de-si.
O pensamento crítico opõe-se a esta dialética centrada no indivíduo,
considerando a organização da natureza e da sociedade como importantes para as
vinculações que o sujeito estabelece com seus semelhantes, assim como para a
constituição de sua consciência. Este acento na historicidade das relações é feito
por Horkheimer no texto “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, visando marcar as
diferenças na forma de abordar sujeito e objeto:
Este sujeito não é pois um ponto, como o eu da filosofia burguesa; sua exposição (Darstellung) consiste na construção do presente histórico. Tampouco o sujeito pensante é o ponto onde coincidem sujeito e objeto, e onde se pudesse extrair por isso um saber absoluto. Esta aparência, na qual o idealismo tem vivido desde Descartes, é ideologia em sentido rigoroso; a liberdade limitada do indivíduo burguês aparece na figura de liberdade e autonomia perfeitas. [...] No pensamento sobre o homem, sujeito e objeto divergem um do outro; sua identidade se encontra no futuro e não no presente. O método que leva a isso pode ser designado clareza, de acordo com a terminologia cartesiana, mas esta clareza significa, no pensamento efetivamente crítico, não apenas um processo lógico, mas também um processo histórico concreto (1983, p. 132-133).
Se por um lado ignorar as diferenças entre sujeito e objeto resultaria em
equívocos irreparáveis para o conhecimento do mundo - uma vez que são
sedimentos da história, como define a linguagem filosófica -, por outro lado também
essa distinção não pode ser hipostasiada a ponto de encobrir a interdependência
existente ou impossibilitar mediações entre ambos. O entrelaçamento entre sujeito e
objeto compõe a ideia de unicidade da mímesis, cuja relação estabelecida no real
diz respeito justamente às semelhanças e diferenças de ambos, por isso, “o objeto
está tão longe de ser um resíduo desprovido de sujeito quanto de ser algo posto
pelo sujeito” (ADORNO, 1995, p. 193). Porém, a definição de sujeito e objeto é
extremamente difícil, pois, conforme afirma o autor, aquilo a que se referem tem
55
sempre prioridade sobre o conceito de subjetividade ou de objetividade14. A
determinação de sujeito e objeto requer, portanto, que seja feito esse recorte entre a
coisa mesma e aquilo a que ela se refere. Segundo a filosofia kantiana, o objeto é
aquilo sobre o qual o sujeito lança qualidades formais, reunindo nele os fenômenos
que se encontravam desintegrados. Nas palavras de Adorno, esta constituição:
[...] é a expressão mais perfeita do sujeito assim como de sua alienação de si: o sujeito substitui o objeto no extremo de sua pretensão formante. Isso, entretanto, também tem sua razão paradoxal, pois o sujeito é de fato também objeto, só que, independizando-se como forma, esquece como e por meio de que ele mesmo é constituído. A inversão copernicana de Kant consegue expressar exatamente a objetificação [Objektivierung] do sujeito, a realidade da coisificação [Verdinglichung] (Ibid., p. 195).
De tal modo, na doutrina idealista da constituição, a determinação imposta
pelo sujeito carrega consigo o que é constituído, ou seja, ao colocar-se como algo
existente a priori, o sujeito cria uma aparência ilusória e coisifica a si mesmo:
O sujeito tanto mais é quanto menos é, e tanto menos quanto mais crê ser, quanto mais se ilude em ser algo para si objetivo. Como momento, no entanto, ele é inextinguível. Eliminando o momento subjetivo, o objeto se desfaria difusamente, da mesma forma que os impulsos e instantes fugazes da vida subjetiva (Ibid., p. 198).
Na tentativa de expor os equívocos da dialética hegeliana com relação ao
lugar do heterogêneo na produção dos conceitos talhados exclusivamente na
predominância do sujeito sobre o objeto, Adorno explica que na dialética, em
princípio, os objetos não se dissolvem em seus conceitos, estes conceitos entram
por fim em contradição com a norma tradicional da adaequatio. Aquilo que escapa à
lógica da adequação, aquilo que é qualitativamente diverso, recebe a marca da
contradição:
14
Conforme expõe Habermas (1980, p. 146), Adorno utiliza a expressão “objetividade” para quatro acepções diversas: (1) designa o caráter coercitivo de um complexo histórico, sujeito à causalidade do destino e, por isso mesmo, refere a algo contingente; (2) diz respeito ao sofrimento que pesa sobre o sujeito tendo em vista o predomínio do objeto, disso decorre o interesse pelo conhecimento do objeto para afastar a dor; (3) significa a prioridade da natureza frente a toda subjetividade que ela expulsa de si; (4) o predomínio materialista é incompatível com uma aspiração cognitiva absolutista.
56
A contradição é o não-idêntico sob o aspecto da identidade; o primado do princípio de não-contradição na dialética mensura o heterogêneo a partir do pensamento da unidade. Chocando-se com os seus próprios limites, esse pensamento ultrapassa a si mesmo. A dialética é a consciência consequente da não-identidade (ADORNO, 2009, p. 13).
Desta forma, a contradição não diz respeito àquilo que Hegel transfigurou em
seu idealismo absoluto como uma essência heraclítica, que se refere à aparência de
identidade intrínseca ao pensamento como se fosse o próprio objeto. A contradição
não se reduz a circunscrições subjetivas, mas é inerente ao objeto. O aparato
conceitual pode abrangê-la, mas não a dissolver. Ao enfatizar a contradição como
traço inerente do pensamento da unidade que busca a identidade, Adorno localiza
os efeitos da não-verdade da identidade total, mostrando que esta lei não atua no
campo do pensamento, mas da realidade. A dialética hegeliana exige sacrifícios em
termos da multiplicidade qualitativa da experiência, o que é levado ao âmbito do
conceito.
A totalização realizada pelo conceito é, na visão de Adorno, semelhante
aquela desempenhada no capitalismo tardio sobre o valor atribuído à produção
econômica e cultural e o consequente processo de reificação. Nestes termos,
Jameson diz que a crítica adorniana ao conceito é feita levando em consideração o
“sistema” e a impossibilidade de fugir dele:
[...] ao propor uma dialética radicalmente assistemática, ao argüir contra a própria noção de “sistema”, Adorno retém o conceito de sistema e chega mesmo a torná-lo, como alvo e objeto de crítica, o centro de seu próprio pensamento anti-sistemático. É nesse sentido que se pode – e se deve – afirmar que ele perpetua o primado do sistema, como tal: suas mais influentes intervenções filosóficas e estéticas são implacáveis lembretes visíveis – por vezes em tons virtualmente weberianos ou foucaultianos – de nosso aprisionamento dentro do sistema, cujo esquecimento ou repressão nos prende mais fortemente a ele, de modo reminiscente das ilusões de identidade, das quais ele é, em certo sentido, praticamente sinônimo (1997, p. 46).
Assim, no âmbito filosófico, o conceito constitui-se internamente pela ideia de
identidade - subsumindo em sua forma diferentes objetos -, ao mesmo tempo em
que o sistema é sua face externa: “A presença in-formadora do sistema, dentro até
mesmo do mais isolado e autônomo ‘conceito’, pode ser detectada em sua forma,
57
que permanece abstrata e universal, qualquer que seja o seu conteúdo local”
(JAMESON, 1997, p. 47).
O conceito guarda uma contradição intrínseca, já que deseja aquilo que não
consegue apreender, a realidade em suas ínfimas partes. Esse princípio de
contradição também reverbera na realidade, uma vez que os processos de produção
material da sociedade são radicalmente diversos da constituição teórica da formação
subjetiva, o que torna esses sujeitos irreconhecíveis entre si e incapazes de
perceber o que lhes é próprio do sistema que dispõem. Dessa forma, a essência
contraditória do conceito pode ser aproximada daquela que a realidade carrega em
função da ideia de dominação, presente tanto na força dilacerante da sociedade,
quanto no movimento que atualiza o conceito em relação ao real. No entanto, esse
princípio de dominação “assume a forma lógica da contradição porque tudo aquilo
que não se submete à unidade do princípio de dominação, segundo a medida desse
princípio, não aparece como algo diverso que lhe é indiferente, mas como violação
da lógica” (ADORNO, 2009, p. 49).
Para o idealismo, a identificação total é pretensão da consciência, princípio
este que é aniquilado, conforme expõe Adorno, pela crítica imanente, ou seja, a
arbitrariedade com que o sujeito transcendental advoga sobre as coisas contrapõe-
se ao critério da identidade pelo não-idêntico que o objeto guarda. Por isso, diz
Adorno, a dialética só pode ser empreendida negativamente, isto é, como o
processo que desdobra a diferença entre o particular e o universal, produzindo, ao
final, uma reconciliação que liberaria o não-idêntico da compulsão intelectualizada.
Voltar a conceptualidade para o não-idêntico seria, pois, o ponto de viragem da
dialética negativa, uma possibilidade de acesso àquilo que o conceito - em seu
mecanismo de abstração - não alcança, o que diz respeito à pluralidade e ao
contingente. Assim, “a utopia do conhecimento seria abrir o não-conceitual com
conceitos, sem equipará-lo a esses conceitos” (Ibid., p. 17).
Desta forma, na Dialética Negativa, Adorno empenha-se em inverter o ponto
de partida da dialética hegeliana, que começa com o ser e não com o ente15 como
15
Para a maioria dos filósofos, a distinção entre Ser e Ente foi sempre de extrema dificuldade, sobretudo quando se situa o problema para além da análise linguística. Como forma de diferençar, pode-se dizer que, em sua acepção mais radical, ente é tudo aquilo que existe, inclusive figuras abstratas como as virtudes, os sentimentos, os números ou ainda noções coletivas, como Estado, Sociedade, etc. Em sentido ainda mais acurado, em contraposição ao Ser, o ente pode ser descrito
58
forma de tentar eliminar qualquer rastro de não-identidade. Como um ponto de
viragem, Adorno proclama: “Nenhum ser sem ente” (Ibid., p. 119). Condensa aí o
algo como substrato do conceito, cuja abstração mais extrema revela o próprio
caráter coisal não-idêntico ao pensamento. Assim, qualquer tentativa do
pensamento se livrar desse caráter coisal é ilusória. Nesta dissolução do conceito
universal diante do ente, a filosofia tem sua base transcendental abalada. A
totalidade já não encontra apoio na conceptualidade e o sujeito, para continuar a
construir conhecimentos, percebe-se recorrendo aos conteúdos do vivido –
elementos da cultura, da materialidade, das pequenas narrativas, das percepções,
das emoções, etc.
O momento da mediação subjetiva sempre implicou uma crítica à
representação do ente, tragada, até então, em uma “metafísica da câmara escura”
(Guckkastenmetaphysik). É assim que Adorno compõe a imagem da metafísica:
O sujeito – ele mesmo apenas momento limitado – foi aprisionado por ela em toda eternidade em seu si próprio, como punição por sua divinização. Como se através das brechas de uma torre, ele olha para um céu escuro no qual desponta a estrela da ideia ou do ser. Porém, precisamente o muro em torno do sujeito projeta em tudo aquilo que ele conjura a sombra do elemento coisal que a filosofia subjetiva combate então uma vez mais de maneira impotente. [...] Não se pode olhar para além daí. O que estaria para além só aparece nos materiais e categorias no interior (Ibid., p. 122-123).
Nessa imagem carregada da claustrofobia que o modelo filosófico
representacional ajudou a constituir, Adorno ilustra uma consequência da
subjetividade ter sido tomada como critério universal de verdade. A virada do
sagrado (antigo/medieval) para o profano (moderno) dispensou a ordem
transcendental legitimadora, mas continuou com o ideal de salvação, que perdurou
desde a antiguidade, agora via capacidade racional do homem de compor a
como o ser determinado, uma vez que a filosofia clássica situa as determinações (ou acidentes) como não apenas aquilo que constitui uma, ou várias, propriedades ou atributos do sujeito (mesmo que não lhe sejam essenciais), mas também como limitação, cuja existência só pode ser definida em função de outro ser (neste caso, a substância). Neste aspecto, as categorias são atributos, ou acidentes, do ente substancial, e o ente é definido como Ser determinado, uma vez que não pode possuir todos os acidentes da mesma forma e ao mesmo tempo. Hegel expressou o conceito de ser como uma necessidade por racionalidade através do aforismo que serviu de base para toda a sua filosofia: “O que é racional é real; o que é real é raciona”. É em função da racionalidade que o real pode ser o que é. Assim:“toda a filosofia de Hegel está voltada para a demonstração da necessidade das determinações do S.: visa a mostrar que o S., em sua realidade, é tudo o que deve ser” (ABBAGNANO, 1998, p. 884).
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totalidade. A universalização do cogito como certeza indubitável jogou o próprio
sujeito na clausura da abstração conceitual que constituiu, de onde não consegue
livrar-se para experienciar outras relações no mundo, pois, a medida em que se
move, projeta sobre seu entorno a sombra da substância pensante. Assim, as
relações com o existente só acontecem em função das categorias da consciência
subjetiva, tudo o que não se subsume a esta análise é entendido como não-
verdadeiro, ficando cada vez mais firme o muro que isola o sujeito da realidade
tangível aos demais entes.
Para Jameson, esta é uma leitura abreviada que Adorno faz dos escritos de
Freud, compreendendo a neurose como:
[...] simplesmente esse aborrecido aprisionamento do self em si mesmo, prejudicado pelo seu terror em relação ao novo e ao inesperado, carregando consigo a sua mesmidade onde quer que vá, de modo que tem a proteção do sentimento, e qualquer que seja a coisa para a qual ele estenda a mão, jamais encontra nada que já não conheça (1997, p. 32).
A dialética negativa é capaz de cessar essa neurose e irromper a abstração
da conceptualidade, aproveitando-se da astúcia para implodir com os modelos
fechados de pensamento e refletir sobre o próprio movimento. Conforme explica
Adorno, o pensar consegue exercitar-se contra si mesmo, sem abdicar de si, ou
seja, ele pode alcançar “um ponto suficientemente distante para perceber a
totalidade de sua requisição lógica como ofuscação” (2009, p. 124). Na dialética
hegeliana, a inclusão do não-idêntico em uma subjetividade cada vez mais ampla
até o espírito absoluto resultaria em reconciliação, ou seja, a negação da negação
equipara-se à positividade, à identidade. Já a dialética adorniana reconhece a força
do que é particular não somente como negação, mas também como elemento
negativo, não-verdadeiro. Este permanece pulsante não para sabotar qualquer
possibilidade de reconciliação – como acontece no modelo idealista -, mas enquanto
princípio antidialético, para lembrar que a totalidade é antagônica e em qualquer
tentativa de abstrair o particular sua negação permanece negativa.
É importante dizer aqui que, para Adorno, a reconciliação (Versöhnung) não
tem um caráter apaziguador, ao menos a priori, mas deve ser entendida como uma
exacerbação das tensões entre particular e universal ou entre sujeito (individual) e
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objeto (ordem social mais ampla). A possibilidade desta outra compreensão sobre
sujeito e objeto à luz da contradição – e não pela força dominadora da totalidade –
realoca a própria perspectiva da interpretação, cujas tensões são imanentes e
podem somente ser tematizadas e não resolvidas.
Conforme Jameson, esta proposta enseja considerar o conteúdo, deixando
que a percepção de sua forma – conceitual - cause apenas distrações e não desvios
no entendimento:
O que precisa ser inventado, portanto – e o que, na minha opinião, a dialética de Adorno propõe -, é um tipo de pensamento estereoscópico no qual o conceito continua a ser pensado filosoficamente e contado pelo seu valor evidente, enquanto em outra parte da mente reina um tipo bem diferente de clima intelectual, um conjunto mais despojado e mais sociológico de termos e categorias, nas quais a forma desse conceito é anotada e registrada de modo abreviado e nas quais a existência do sistema financeiro e bancário é pressuposta e, de certo modo, contabilizada (1997, p. 47-48).
A contradição como categoria do pensamento coloca em confronto o conceito
e a coisa. Este movimento dialético impulsionado pela coisa – e não pela vontade de
organização do pensamento – dissipa as possibilidades universalizantes que o
sujeito cognoscente possui de objetivar os conceitos e construir a identidade da
coisa a partir daí. A desmitologização da conceptualidade diz respeito, assim, à
negação ante qualquer conteúdo específico firmado abstratamente, bem como frente
a toda determinação que se apresenta como desprovida de contradição, já que
carrega consigo a impossibilidade do diverso se realizar. Na reflexão, o caráter
antinômico imanente ao encontro entre pensamento e coisa produz a crítica entre
universal e particular, isto é, atos identificadores que julgam se o conceito faz justiça
àquilo que é apreendido e se o particular também preenche seu conceito. Segundo
Adorno, esta aferição é o meio do pensamento da não-identidade e não somente o
meio do pensamento. O filósofo observa que, ao se opor às formas de coação da
totalidade, a dialética negativa está ligada às categorias mais elevadas da filosofia
da identidade - contra a qual aquela é pensada – e precisa, por isso, retificar-se no
interior de seu processo crítico16. No entanto, Adorno explica que é diferente o
16
Embora Hegel reconheça que o pensar é a essência negativa, sendo a única forma de atingir a natureza do diferente, está também certo de que a produção da consciência-de-si passa pela experiência da liberdade, elevada, por sua vez, à condição de verdade. Neste pensar, a diferença se
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pensamento fechar-se como uma necessidade da forma se acomodar em princípio
para negar de modo imanente a pretensão da filosofia tradicional por uma estrutura
fechada – como almeja a dialética negativa - de um pensamento que urge por essa
forma de fechamento a partir de si mesmo como algo primeiro.
Quando o pensamento segue inconscientemente a lei de seu movimento, ele se volta contra o seu sentido, contra aquilo que é pensado pelo pensamento e que põe um termo na fuga ante as intenções subjetivas. [...] A regressão da consciência é o produto dessa falta de autorreflexão. A consciência ainda consegue visualizar o princípio da identidade, mas não pode ser pensada sem identificação: toda determinação é identificação. Mas justamente ela se aproxima também daquilo que o próprio objeto é enquanto algo não-idêntico: dando a ele a sua marca, ela quer receber dele a sua. Secretamente, a não-identidade é o telos da identificação, aquilo que precisa ser salvo nela; o erro do pensamento tradicional é tomar a identidade por sua finalidade (ADORNO, 2009, p. 130).
Desse modo, a dialética negativa não faz desaparecer a identidade por meio
de sua crítica, mas a redimensiona qualitativamente ao configurar a força do não-
idêntico nos processos de identificação. A consciência tenta construir uma aparência
de identidade dizendo onde o objeto se localiza ou do que ele é representante, isto
é, cercá-lo pelas relações que ele tem sem tocá-lo de forma direta. Nesta suposição
da identidade, inscreve-se a indicação de que não deve haver nenhuma contradição
ou antagonismo, o que afasta cada vez mais o pensamento da identidade de seu
objeto. Diferente disso, o conhecimento do não-idêntico quer dizer o que o objeto
não é, atribuindo-lhe um juízo identificador que articula traços utópicos e
pragmáticos para romper com a forma da identidade predicativa. “A” deve ser o que
“A” ainda não é, ou seja, na tentativa inglória de atingir a identidade total, a diferença
se explicita como indelével à nostalgia do conceito. Por isso, a negação do conceito
é a busca infindável por identificação verdadeira, completa.
Na Dialética Negativa, Adorno explica, que todo pensamento impulsiona
virtualmente na direção de um movimento negativo. As ideias não são expressões
vazias - que se perdem diante da pluralidade do real -, mas signos negativos
esmorece: “O que desvanece é o determinado ou a diferença que se estabeleça como firme e imutável, de qualquer modo e seja donde for. Nessa diferença nada há de permanente, e deve desvanecer ante o pensar, pois o diferente é justamente isto: não ser em si mesmo, mas ter sua essencialidade só em um Outro” (HEGEL, 2005, p. 156-157).
62
vivendo nos interstícios entre o que as coisas pretendem ser e o que são. O filósofo
exemplifica esta relação:
O juízo de que alguém é um homem livre refere-se, pensado de maneira enfática, ao conceito de liberdade. Esse conceito, contudo, é por sua vez mais do que aquilo que é predicado desse homem, tanto quanto todo homem, por meio de outras determinações, é mais do que o conceito de sua liberdade. Seu conceito não diz apenas que podemos aplicá-lo a todos os homens singulares definidos como livres. Aquilo que nutre esse conceito é a ideia de um estado no qual os singulares teriam qualidades que não poderiam ser atribuídas aqui hoje a ninguém (ADORNO, 2009, p. 131).
No processo de identificação, o não-idêntico é percebido como o elemento
que, possuindo determinações singulares, não foi subsumido na definição de sua
classe. É isso que torna o juízo identificador um processo válido na construção do
conhecimento, todavia não significa uma exclusão do conceito diante do confronto
pragmático com suas limitações. Ao contrário, a suspensão dessas restrições é,
pois, condição para, no confronto entre o particular e o seu conceito, o singular
chegar a si mesmo: “o interesse do singular não é apenas conservar para si aquilo
que o conceito de universal rouba dele, mas do mesmo modo conservar esse ‘mais’
do conceito ante a sua indigência” (Ibid., p. 132).
Portanto, esta contradição objetiva entre o conceito e seu particular não é
nenhum erro subjetivo de pensamento, mas diz respeito ao próprio movimento
dialético. Tal contradição não é fruto de mera projeção de uma construção conceitual
sobre a coisa, nem uma metafísica desvairada, mas interdependente da própria
relação entre particular e universal. A pretensão imanente ao conceito é sua
invariância, constitutiva de ordem, ante as alterações e diferenças do que é
compreendido por ele. Por isso, qualquer tentativa de análise sobre a
“operacionalidade” de um conceito em uma dada realidade carrega o equívoco de
tentar adequar aquilo que se constituiu tendo a inadequação como base.
Semelhante confusão acontece quando se arrogam contradições externas ao
conhecimento dialético na tentativa de dissolver a inadequação e incorporá-la nos
limites da consciência, causando distorções que em nada dizem respeito à relação
entre a coisa e seu conceito. Neste sentido, a contradição dialética vem lembrar que
as aporias da filosofia são as marcas daquilo que não é dissolvido tanto na instância
do pensar quanto na objetividade da vida.
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A totalidade como perspectiva de chegada é o que permite a expressão do
objeto, manifestando-se como pano de fundo no qual as identificações acontecem.
O pensamento adorniano, segundo Jameson, carrega um “efeito-totalidade”, cujos
componentes só podem ser entendidos se “editados em um movimento formal mais
amplo [...], dimensões em pequena e larga escala por meio das quais a totalidade
ausente se mantém perpetuamente” (1997, p. 51).
Para fortalecer o valor do não-idêntico nessa reconfiguração da dialética,
Adorno reitera que o existente não é algo derradeiro contra o qual o conhecimento
deveria se chocar. Essa impenetrabilidade do conceito na singularidade do objeto –
preservada pela dialética negativa - é, segundo o resultado da lógica hegeliana,
aquilo que liga o objeto a um outro, visto que “ele não é pura e simplesmente por si,
mas é em si seu outro”, ou seja, a essência do objeto revela, ao mesmo tempo, sua
singularidade no processo histórico de sua constituição:
Aquilo que é, é mais do que ele é. Esse mais não lhe é anexado de fora, mas permanece imanente a ele enquanto aquilo que é reprimido dele. Nessa medida, o não-idêntico constituiria a própria identidade da coisa em face de suas identificações. A parte mais íntima do objeto revela-se ao mesmo tempo como exterior a ele, seu fechamento como uma aparência, reflexo do procedimento identificador, fixante. É nessa direção que a insistência pensante em face do singular conduz, em direção à sua essência, em vez de em direção ao universal que se supõe representá-lo (ADORNO, 2009, p. 140).
A relação universalidade-singularidade que o objeto sustenta pode ser
entendida no jogo mantido entre abertura e fechamento e/ou entre essência e
aparência. Quanto mais o conhecimento se dirige para os elementos particulares do
objeto, mais os percebe como aparentes; de modo semelhante, na direção do
universal, o pensamento aproxima-se da singularidade do objeto, pois, ainda que
não se possa deduzir o individual do pensamento, a absoluta individualidade é
produto do processo de abstração que é dissolvido em nome da universalidade.
Dessa maneira, o conhecimento de algo não se dá pela elaboração conceitual
progressiva ou por etapas escalonadas, mas por conceitos organizados em
constelações. Inspirado no livro de Walter Benjamin, Origem do Drama Barroco
Alemão, Adorno imputa um grande caráter estético à dialética negativa através da
ideia de constelações. Apesar das constelações não descreverem, conceituarem ou
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enquadrarem os fenômenos, conforme já ressaltava Benjamin, elas contribuem para
o ordenamento objetivo e para a circunscrição interpretativa:
As idéias se relacionam com as coisas como as constelações com as estrelas. O que quer dizer, antes de mais nada, que as idéias não são nem os conceitos dessas coisas, nem suas leis. Elas não servem para o conhecimento dos fenômenos, e estes não podem, de nenhum modo, servir como critérios para a existência das idéias. Para as idéias, a significação dos fenômenos se esgota em seus elementos conceituais. [...] As idéias são constelações intemporais, e na medida em que os elementos são apreendidos como pontos nessas constelações, os fenômenos são ao mesmo tempo divididos e salvos (BENJAMIN, 1984, p. 56-57).
A mediação entre as ideias e os fenômenos é feita pelos conceitos, que
agrupam os fenômenos, realizam distinções, separam-nos e constroem outras ideias
– ou relações entre os conceitos. Os elementos extraídos dos fenômenos pelos
conceitos são especialmente visíveis nos extremos. As ideias - ou constelações -
podem ser entendidas, então, como a configuração resultante do encontro de um
extremo com o outro, ou seja, da aproximação entre as bordas ou entre o que está
nas marginais dos conceitos.
De sua parte, Adorno pensa as possibilidades das constelações não enquanto
ideias como Benjamin, mas na perspectiva da relação sujeito-objeto – diferente,
inclusive daquela tecida pelo modelo positivista da ciência. Se “a dialética hegeliana
era uma dialética sem linguagem”, conforme Adorno argumenta, a dialética negativa
tem na linguagem um de seus elementos constituintes, cuja subjetividade a
incorpora radicalmente como não pragmática e não utilitária, numa relação
interdependente entre pensamento e expressão. As constelações iluminam o que há
de específico no objeto, aquilo que a exigência da totalidade da identidade deixa
opaco.
Perceber a constelação na qual a coisa se encontra significa o mesmo que decifrar aquilo que ele [o singular] porta em si enquanto algo que veio a ser. Por sua vez, o chorismos entre fora e dentro é condicionado historicamente. Somente um saber que tem presente o valor histórico conjuntural do objeto em sua relação com os outros objetos consegue liberar a história no objeto; atualização e concentração de algo já sabido que transforma o saber. O conhecimento do objeto em sua constelação é o conhecimento do processo que ele acumula em si. Enquanto constelação, o pensamento teórico circunscreve o conceito que ele gostaria de abrir, esperando que ele salte, mais ou menos como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não
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apenas por meio de uma única chave ou de um único número, mas de uma combinação numérica (ADORNO, 2009, p. 141-142).
O filósofo utiliza a ideia da constelação para equacionar a importância da
elaboração teórica e do conteúdo comunicacional diante das possibilidades do
pensamento e da experiência (mimética) com o objeto, uma vez que o conhecimento
em seu sentido convencional organiza-se pela linguagem. Nessa medida, as
constelações constituem-se uma alternativa ao conhecimento tradicional:
É como se, na Dialética negativa, esses dilemas totalizantes de uma filosofia sistematizadora [...] fossem desarmados pela representação dramática (ou pela mimese) de um tipo de pseudototalidade [...]. Pseudototalidade: a ilusão do sistema total é despertada e encorajada pelos vínculos e referências cruzadas estabelecidas entre uma gama de conceitos, enquanto o encanto funesto do sistema é subitamente exorcizado pela constatação de que a ordem de presentação é não obrigante, que ela pode ter sido arranjada em uma forma profundamente diferente, de modo que, como numa fórmula divinatória, todos os elementos estão presentes, mas a forma de suas justaposições, a forma de sua desavença, é meramente ocasional (JAMESON, 1997, p. 74-75).
Para que o pensamento não se torne estéril diante da pluralidade que o objeto
apresenta e, portanto, incapaz de dizer algo sobre o que observa, a constelação
ratifica a perspectiva histórica como cenário em que os objetos e seus conceitos
estabelecem identificações. Ou seja, na constelação, há um desdobramento do
conteúdo histórico contido no conceito. Através do caráter expressivo/dramático da
linguagem, os elos históricos que se formam dimensionam de onde provêm os
elementos constitutivos do saber, desnudando-se a própria história do objeto através
da exteriorização desses vínculos. Essa história, ora sedimentada na singularidade
do objeto, refere-se, assim, a uma universalidade imanente ao singular e que, ao
exteriorizá-la, o objeto conhece a si mesmo.
2.2 A dialética negativa frente aos dualismos da filosofia tradicional: o papel das mediações
Na medida em que o conhecimento é possibilitado pelas constelações,
qualquer movimento da dialética negativa em uma categoria conceitual interfere em
66
todas as outras, o que conduz, inclusive, a uma inversão entre essência e aparência.
Diante das constelações, a essência não é hipostasiada como um puro ser-em-si
dissolvido na unidade do espírito, mas refere-se àquilo que subjaz à factualidade do
mundo ou está sob o primado do imediato. A lógica na qual se admite que os
pretensos fatos sejam o que se propõem enquanto aparência carrega uma
contradição imanente, não apenas de ordem epistemológica, mas presente na
materialidade. Ou seja, a essência é, antes de tudo, “inessência” - ou “não-essence”
-, que carrega a contradição do ente em relação àquilo que ele afirma ser. Com isso,
a essência lembra também ao sujeito que a não-identidade do conceito não está
posta, em princípio, mas aguarda uma conceptualidade não imediata e uma
interpretação não impulsiva. Isso tudo para tentar enfraquecer a lei da fatalidade,
orientada pelo factual como a medida de si mesmo. Realizando a crítica ao
movimento de valorização do cientificismo que, entre outras coisas, contribui para a
mitificação da racionalidade, Adorno & Horkheimer asseveram: “Na pregnância da
imagem mítica, bem como na clareza da fórmula científica, a eternidade do factual
se vê confirmada e a mera existência expressa como o sentido que ela obstrui”
(1985, p. 39).
No pensamento adorniano, a essência não remete a imutabilidade, mas à
contradição do objeto. Nestes termos, Adorno não abre mão da existência da
essência, encoberta pelas leis da própria inessência. Contestar isso significa
colocar-se do lado da aparência, cuja manifestação mais grave é a atribuição de um
mesmo valor a tudo aquilo que aparece:
[...] porque não possui conhecimento de nenhuma essência que permita o estabelecimento de distinções, este se alia, por um amor à verdade fanatizante, à não-verdade, à obtusidade científica desprezada por Nietzsche, uma obtusidade que recusa a essência para se preocupar com a dignidade dos objetos a serem tratados e que, no que concerne a essa dignidade, ou bem repete de forma estulta a opinião pública ou bem eleva a critério o fato de se ter ou não trabalhado sobre uma coisa, como eles dizem (ADORNO, 2009, p. 146).
A crítica dirigida a Nietzsche diz respeito a todo repúdio sustentado pelo
pensamento nietzscheano ao modelo científico moderno e às crenças depositadas
nele. As consequências ao objeto dessa crítica extrema são semelhantes àquelas
preconizadas pela perspectiva positivista de dominação, que Nietzsche condenava.
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Ou seja, ao não acreditar na existência da essência, abre-se mão dos processos de
identificação possíveis entre sujeito e objeto, fechando-se a quaisquer interferências
de um terceiro ou radicalizando a experiência com o objeto como a única forma de
conhecimento aceitável. É especialmente desta forma que a ciência atua, elegendo
o que é essencial ou inessencial às disciplinas que se ocupam com o objeto.
Ainda, a partir dessa descrença na essência e consequente nivelamento
teórico entre essência e aparência, Adorno alerta para a perda de subjetividade dos
sujeitos, junto com a sua capacidade para o sofrimento e para a felicidade, pois já
não conseguem separar o essencial do inessencial, distinguindo minimamente entre
causas e consequências. Daí decorre os próprios processos de semiformação
socializada: “O impulso obstinado, que leva a preferir velar pela correção do
irrelevante a refletir sobre o relevante com o risco do erro, está entre os sintomas
mais difundidos da consciência regressiva” (Ibid., p. 147).
Se essência e aparência invertem-se na organização constelar da dialética
negativa, também a mediação entre coisa e conceito não se guia tanto pelo
mecanismo subjetivo que concebe os fatos, mas pela objetividade por detrás daquilo
que o sujeito pode experimentar. Ademais, essa objetividade se recusa a uma
experiência subjetiva primária, pois precede tal momento. Em um modelo subjetivo
de mediação, o predomínio da imitação e do consenso absoluto, automático, não
deixa espaço para o objeto manifestar seus elementos mais reservados, prendendo
também o sujeito – mesmo o sujeito transcendental – aos mecanismos de mediação
já estabelecidos. Neste sentido, a reconfiguração da mediação em uma perspectiva
objetiva emancipa o objeto da repressão subjetiva e, por consequência, liberta
também o sujeito dos seus compromissos com os padrões coletivos estabelecidos:
No exercício de sua dominação, ele [o sujeito] se torna parte daquilo que ele pensa dominar e sucumbe como o senhor hegeliano. Nesse modelo de senhor revela-se o quanto o sujeito pertence ao objeto na medida em que o consome. (...) O momento subjetivo é como que envolto pelo momento objetivo; enquanto algo limitador que é imposto ao sujeito, ele mesmo é objeto (Ibid., p. 155).
Quanto mais soberanamente o sujeito se eleva sobre a coisa, mais ele se
transforma em objeto e revoga sua constituição, de modo que agora é a
subjetividade e não tanto a objetividade que precisa ser mediatizada. No entanto, o
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papel da mediação não está em seu poder de absorver tudo, muito pelo contrário, a
mediação denota que o algo mediado por ela não é passível de ser absorvido. Por
isso, não se pode nivelar por ela tudo o que existe, como se a mediação do imediato
fosse semelhante à mediação do conceito. Como vimos, para o conceito, a
mediação é essencial; já a imediaticidade não carece do conhecimento para
exprimir-se, logo, sua mediação é uma determinação da reflexão, que só faz sentido
na relação com o seu contraponto, o imediato. Nas palavras de Adorno:
Em contrapartida, o fato de algo mediatizado não ser sem mediação tem um caráter simplesmente privativo e epistemológico: a expressão da impossibilidade de determinar o algo sem mediação só muito dificilmente se mostra como mais do que a tautologia segundo a qual o pensamento de algo é justamente pensamento. Inversamente, nenhuma mediação permaneceria sem o algo. Na imediaticidade não reside tanto seu próprio ser-mediatizado quanto na mediação algo imediato que seria mediatizado. Hegel negligenciou essa diferença. A mediação do imediato concerne ao seu modus: o saber sobre ele e os limites de um tal saber. A imediaticidade não é nenhuma modalidade, nenhuma mera determinação do como para uma consciência. Ao contrário, o conceito de imediaticidade designa objetivamente aquilo que não pode ser alijado pelo conceito hegeliano (Ibid., p. 148-149).
Ao enfatizar o que diz respeito às possibilidades da mediação, a dialética
negativa destaca de forma crítica a dualidade entre sujeito e objeto como um estado
de coisas originário, expressões radicais de não-identidade, daquilo que é negativo.
Sujeito e objeto se compõem reciprocamente e, nessa constituição, se diferenciam,
dando espaço para o movimento dialético. Ao valer-se dessa dualidade absoluta,
Hegel toma sujeito e objeto como simples “posicionados” e, por meio do espírito,
incorpora no pensamento esta polaridade. É contra esta pretensão de universalidade
inerente ao pensamento que a dialética negativa edifica-se.
Ao espiritualizar este antagonismo, o que se estabelece e perpetua é o
equívoco de entender o conceito de mediação como semelhante à abstração. Na
tentativa de recompor estas ideias, Adorno esclarece que a mediação viabiliza a
determinação conceitual do particular, não tendo, portanto, a pretensão da
abstração, qual seja, a de unificar aquilo que é tomado pela conceptualidade como
via de acesso à coisa pela instância da consciência, purificando o espírito de
qualquer resistência neste encontro com o objeto.
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O momento empírico da subjetividade, a consciência do eu vivo, é o que
confere à mediação do objeto um caráter não dogmático e à mediação do sujeito um
aspecto de dependência da objetividade para a elaboração de seus juízos e
organização da realidade. Embora o objeto só possa ser pensado por meio do
sujeito, a perspectiva objetiva da mediação não deixa aquele se subsumir diante da
voracidade unificadora da cognição, redimensionando os processos de identificação
e construção do conhecimento. Se não é possível abstrair o objeto do sujeito, nem
mesmo enquanto ideia, o contrário é bastante razoável, pois o sujeito pode ser
extraído do objeto sem qualquer alteração neste:
O objeto, em contrapartida, só se relaciona com a subjetividade na reflexão sobre a possibilidade de sua determinação. Não que a objetividade seja algo imediato e que a crítica ao realismo ingênuo precisasse ser esquecida. O primado do objeto significa o progresso da diferenciação qualitativa daquilo que é mediado em si, um momento na dialética que não se acha para além dela, mas se articula nela (Ibid., p. 158).
Sob o primado do objeto, tanto o eixo teoria-prática quanto o qualitativo-
quantitativo empreendem uma dialética intrínseca de negação/construção,
importante para a edificação do conhecimento. Do primeiro eixo é possível dizer que
a experiência com o objeto mantém os vínculos entre o particular (do objeto) e o
universal (compromisso com a verdade – justificada). No segundo eixo, a construção
dos conceitos depende justamente da capacidade de diferençar o igual do desigual,
algo que a objetivação científica entendeu apenas sob o aspecto quantitativo, mas
que, sem a capacidade qualitativa não seria possível. A razão absolutizada na
quantificação carece de autorreflexão, ou seja, do momento mimético do
conhecimento proporcionado pela afinidade entre aquele que conhece e aquele que
é conhecido. Neste caso, o indivíduo não se perde na universalidade do conceito,
mas consegue perceber no objeto e no conceito aquilo de mais ínfimo que escapa
ao conceito. Por isso, “quanto menos a teoria procura passar por definitiva e
maximamente abrangente, tanto menos também ela se objetiva em face daquele
que pensa” (Ibid., p. 43-44).
A teoria, na medida em que foi subjugada no interior da relação teoria-prática,
tornou-se aconceitual, tão somente espelhando práticas dogmáticas e politizadas.
Isso não contribui com a qualificação da própria prática, cuja impotência é criticada
70
pela teoria. Também esta é difamada pela prática por suas generalizações e
anacronias. Desse modo, é de interesse da própria prática que a teoria reconquiste
sua autonomia enquanto capacidade inscrita na racionalidade, sob pena de ceder
lugar e a experiência filosófica definhar - triunfando o espírito positivista, como diria
Adorno – ou da experiência reificar-se em teorizações da prática. O esforço teórico
carrega justamente a ideia de não-consentimento com o que está posto, inserindo-
se, portanto, no movimento de devir que a práxis configura: “Por sua diferença com
relação a esta [a práxis], enquanto ação imediata ligada à situação e, portanto, por
sua autonomização, a teoria converte-se em força produtiva prática, transformadora”
(ADORNO, 1995, p. 210). No entanto, é preciso interpor-se criticamente diante de
qualquer movimento em direção à transformação, mantendo o clima de
desconfiança como imanente ao pensamento negativo:
Todavia, por mais duvidoso que seja um comportamento que insiste tanto mais estrondosamente em vivências originárias quanto mais prontamente suas categorias lhe são entregues pelo mecanismo social, os pensamentos não podem ser equiparados ao lugar de onde provêm; esse hábito também é parte de uma filosofia da origem (ADORNO, 2009, p. 126).
O alerta do autor diz respeito a uma certa demanda pela novidade e
consequente eliminação do velho, entendido como antiquado, ultrapassado. Aí
reside todo o perigo do pensamento que se curva irracionalmente ao primado da
prática. A urgência por renovação descola o “pensar” de seu lugar histórico,
acabando por contribuir não para a transformação, mas para a continuidade das
estruturas. Nesta perspectiva, a aversão ou o estranhamento provocado pela teoria
são legítimos, uma vez que ela carrega o compromisso com a historicidade das
ideias, não no sentido da conservação pura, mas da reelaboração crítica dos
acontecimentos com vistas à ampliação do processo formativo.
A virada materialista do objeto proposta por Adorno está, portanto, ligada à
ideia de interpretação do singular, não no sentido de encontrar uma ordem
originária, transcendental, mas, tal como fizeram Freud e Marx, de enfocar o
pequeno, aquilo que passa quase despercebido aos olhos e carrega, certamente,
elos históricos importantes à compreensão do mundo. Porém, Adorno lembra que
resta à materialidade redimensionar-se frente às críticas sofridas por seu matiz que
71
alcançou o poder político, mas continuou subjulgando a consciência - ao invés de
concebê-la e, consequentemente, transformá-la - mesmo ao prescrever uma prática
de transformação para o mundo. Apoderando-se da máquina estatal, este
materialismo feriu a cultura que monopolizava ao tentar se colocar como superior a
ela, auxiliando, pois, na regressão da formação do homem: “A dialética está nas
coisas, mas ela não existiria sem a consciência que as reflete; tão pouco quanto ela
se deixa dissolver na consciência” (Ibid., p. 175). Contudo, o pensamento não se
produz como uma figura refletida da coisa e, portanto, não é possível acreditar que a
consciência possua fotografias do real. Esta ilusão transforma-se em “imediaticidade
dogmática”, que não consegue tocar a essência do objeto, pois produz uma imagem
obtusa dele, passando por cima da teoria do conhecimento. Assim, a teoria
materialista ainda precisa satisfazer este desejo filosófico da mediação do objeto,
entendendo a relação teoria-prática não como uma fraqueza do pensamento diante
de uma realidade multiforme que espera por transformação, mas como uma
afinidade interdependente (mimética) em sua abordagem e instrumentos.
2.3 A dimensão estética do conhecimento como síntese do múltiplo
Embora o pensamento adorniano estruture-se na dialética sujeito-objeto, as
críticas que faz à filosofia da consciência coadunam-se às perspectivas
contemporâneas de descrédito à metafísica e à representação, ambos diagnósticos
embasados em Marx, Nietzsche e Freud. Ao preocupar-se com as possibilidades
que a filosofia tem para construir os conceitos sobre o mundo, Adorno se solidariza17
com a metafísica em seu momento de queda e circunscreve com conceitos o que
essa tratou de expressar do ponto de vista da perfeição, lembrando agora que tais
configurações brotam da realidade, do objeto. Desse modo, ainda que o caráter
intransigente de coisificação conferido por Adorno aos caminhos do progresso
produza efeitos de desesperança sobre qualquer outra possibilidade emancipatória
da racionalidade moderna, as luzes que joga sobre as potencialidades da arte e da
17
Conforme Wellmer, a solidariedade que Adorno exige para com a metafísica no momento de sua queda diz respeito à permanência do “momento transcendente” do pensar, que é condição para a realização da crítica. Também se pode falar de uma “mundanização” da metafísica ou, nas palavras de Adorno, “a superação da metafísica no materialismo” (2003, p. 28).
72
experiência estética são uma fenda aberta para pensar na possibilidade de uma
razão social não distorcida ou regressiva: “La experiencia estética es para Adorno el
lugar en el que el contenido de verdad de la Metafísica se torna aprehensible y
evidente em términos sensibles”18 (WELLMER, 1994, p. 24).
Seguindo o suposto hegeliano acerca do conteúdo de verdade da arte,
Adorno entende que este componente de verdade mescla-se ao seu conteúdo
crítico: “As obras de arte indicam na sua própria figura o lugar onde se deve buscar
a resposta que elas no entanto, só por si mesmas não conseguem fornecer sem
intervenção” (1993, p. 48). Contudo, ao mesmo tempo em que a arte não tem,
sozinha, condições de agir na realidade, possui o que o filósofo chama de tour de
force, ou seja, o elemento propulsor para a realização deste impossível a ela. Neste
sentido, a arte busca subsídios na indigência do mundo para, a sua maneira,
reinterpretar esta necessidade objetiva. Sua força de resistência reside justamente
no não cumprimento das promessas do materialismo, antecipando uma fraqueza da
realidade que, se realizada, satisfaria a necessidade subjetiva da arte, mas levaria
também à sua própria destruição, pois sua utopia teria se concretizado. Assim,
aquilo que a arte abriga mantém uma força negativa:
A arte, tal como a teoria, não está em condições de realizar a utopia; nem sequer negativamente. O Novo enquanto criptograma é a imagem da decadência; só através da sua negatividade absoluta é que a arte exprime o inexprimível, a utopia. Nessa imagem reúnem-se todos os estigmas do repelente e do repugnante na arte moderna. Pela recusa intransigente da aparência de reconciliação, a arte mantém a utopia no seio do irreconciliado, consciência autêntica de uma época, em que a possibilidade real da utopia – o facto de a terra, segundo o estado das forças produtivas, poder ser aqui e agora o paraíso – se conjuga num ponto extremo com a possibilidade da catástrofe total. Na imagem da utopia – não cópia, mas cifra do seu potencial – reaparece o traço mágico da mais remota pré-história da arte sob o sortilégio integral; como se ela, através da sua imagem, quisesse conjurar a catástrofe (ADORNO, 1993, p. 46).
A aparente positividade - como resultado da negação do negativo - pode
acontecer na arte, pois “no processo de produção artístico subjectivo, a força da
negação imanente não se encontra tão acorrentada como no exterior” (Ibid., p. 49).
18
“A experiência estética é para Adorno o lugar em que o conteúdo de verdade da Metafísica se torna apreensível e evidente em termos sensíveis” (Tradução nossa).
73
A margem de indeterminação da imaginação torna possível a expressão de uma
utopia na irrealidade da arte:
Em vez de resolver os antagonismos, a arte, negativamente, por uma distância extrema tomada a seu respeito, exprime por vezes poderosas tensões armazenadas. As normas estéticas, por grande que seja a importância da sua pressão histórica, ficam atrás da vida concreta das obras de arte. No entanto, participam em si dos seus campos magnéticos. Em compensação, de pouco serve rotular exteriormente as normas com um índice temporal; a dialéctica das obras de arte tem lugar entre tais normas, mesmo as mais avançadas, e a sua estrutura específica (Ibid., p. 50-51).
A arte apresenta uma pluralidade de posições, não se configurando, de modo
restrito, como uma contraimagem da realidade ou como lugar de denúncia, crítica ou
vinculação ideológica. A experiência estética participa do processo de compreensão
do mundo, ancorando uma posição perante a objetividade. Assim, a arte carrega ao
mesmo tempo um aspecto racional e um aspecto comportamental na medida em
que mobiliza os processos de significação e expressão, exigindo do sujeito uma
reelaboração mimético-cognitiva do objeto observado. Tendo em vista que esta
epifania recoloca em contato as potencialidades sensíveis e cognitivas do humano,
seu momento expressivo corresponde à “unidade paradoxal ou o equilíbrio do que
se esvanece e do que se preserva” (Ibid., p. 97).
Assim, mesmo sendo enfático sobre a diferença entre pensamento filosófico e
literatura, Adorno percebe que existem categorias comuns entre o campo expressivo
e o epistemológico, cujo aproveitamento qualifica ambos e contribui na construção
do conhecimento. Neste sentido, identificação, diferenciação, significação não são
apenas categorias cognitivas, mas estéticas (miméticas).
Para Jameson, foi justamente esta perspectiva da mímesis, que compartilha
categorias com o pensamento abstrato, o aporte para a invenção da dialética
moderna. Dessa forma, a ciência consegue firmar-se como narrativa secular do
pensamento humano, abrangendo igualmente o padrão social e o histórico ao
realizar “a passagem de uma ‘ciência’ perceptual baseada nos sentidos e na
qualidade a notações e análises baseadas na geometria e na matemática” (1997, p.
141). Assim, uma narrativa que se constituiu por “impulso mimético” transformou-se
74
em “tabu antimimético” e é contra esta dominação que Adorno se impõe, ainda de
forma embrionária, já na Dialética do Esclarecimento:
A dialética revela, ao contrário, toda imagem como uma forma de escrita. Ela ensina a ler em seus traços a confissão de sua falsidade, confissão essa que a priva de seu poder e o transfere para a verdade. Desse modo, a linguagem torna-se mais que um simples sistema de signos. Com o conceito de negação determinada, Hegel destacou um elemento que distingue o esclarecimento da desagregação positivista à qual ele o atribui (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 36).
Para melhor compreender a intenção de Adorno com relação a sua produção
teórica, é preciso dizer que seus apontamentos filosóficos não têm a intenção de
assegurar na arte o lugar-tenente da racionalidade, mas, conforme expressa em
diferentes momentos, refere-se a levar adiante suas pretensões epistemológicas
acerca das possibilidades de uma razão dialética-materialista, por isso seu
pensamento crítico extremado:
El resultado de la dialéctica de la Ilustración en ningún modo puede con legitimidad ser trascendido abandonando la Ilustración, sino extremándo-la, corrigiendo el quid pro quo medios-fines que realiza un concepto estrecho de ratio, la razón pragmática, subjetiva o instrumental. La idea que preside la recuperación de las categorías lógicas es justamente esta reorientación, en ningún momento su cancelación o negación abstracta
19 (GÓMEZ, 1994,
p. 91).
Um entendimento destorcido acerca da radicalidade da estética negativa de
Adorno, gerado pela ideia de arte como lugar-tenente da racionalidade, pode, não
somente alimentar construções teóricas aporéticas, mas comprometer as
contribuições da filosofia adorniana no contexto de discussão do pensamento
moderno (GÓMEZ, 1998, p. 98). Daí a necessidade de enfocar o papel que mímesis
e estética desempenham na obra adorniana, de forma a compreender em que
sentido Adorno reelabora sua desesperança sobre as possibilidades emancipatórias
do sujeito e seu diagnóstico de coisificação da racionalidade moderna. Sendo assim,
19
“O resultado da dialética do Esclarecimento em nenhum modo pode com legitimidade ser transcendido abandonando o Esclarecimento, mas estremando-o, corrigindo o quid pro quo meios-fins que realiza um conceito estreito de ratio, a razão pragmática, subjetiva ou instrumental. A ideia que preside a recuperação das categorias lógicas é justamente esta reorientação, em nenhum momento seu cancelamento ou negação abstrata” (Tradução nossa).
75
a ênfase de Adorno na objetividade não pode ser confundida com antissubjetividade
ou com a defesa de um estado de coisas originário, em que a força totalitária seria
exercida pela exterioridade. A dificuldade de distinguir estas nuances é, certamente,
influenciada pela tradição idealista do pensamento, conforme pondera Rodrigo
Duarte:
Se ao idealismo já é problemático reconhecer o fechamento do sujeito em si, que dizer então do primado do objeto a ela conexo: os idealistas – principalmente Fichte – negaram-se sempre a conferir qualquer dignidade a algo estranho ao Eu, porque isso significaria um enfraquecimento do sujeito – segundo eles – onipotente (1993, p. 173).
Como marxista preocupado com a tecnicização das relações sociais e com as
ideologias que vigoram na construção do conhecimento, a virada adorniana para o
primado do objeto deve ser entendida, segundo Jameson, como uma tentativa de
“gerar um novo espaço para a emancipação do próprio sujeito; ao mesmo tempo,
sua realização depende precisamente dessa emancipação” (1997, p. 56). O objeto é
mais do que a pura facticidade, cuja apreensão pode ser feita por um conceito
abstrato ou por dados sensoriais. O caminho para o conhecimento do mundo não
passa pela conjunção de facticidade e conceitos ou pela justaposição das
dimensões do imediato e do cognitivo, mas é preciso ir mais adiante. Isto porque –
lembramos - o objeto não é fruto do pensamento, mas ganha sentido quando o não-
idêntico atravessa a identidade e para conhecê-lo é preciso pensar sob a
perspectiva da “síntese do múltiplo”.
Enquanto uma função imanente do pensamento, a síntese não
estandardizada do múltiplo não é um processo externo de incorporação, ou seja,
não se trata de unificar o que é plural, mas de formular um todo de sentido entre a
unidade e a pluralidade. Segundo Wellmer, esta síntese é resultado de um
entrelaçamento interno entre as dimensões estéticas, cognitivas e práticas, em que
arte e a filosofia estabelecem relações de correspondência e complementaridade
mútuas (1994, p. 32).
Para compreender de forma não estandardizada essa multiplicidade
dissonante, preteridos pela dialética de Hegel, na Dialética Negativa Adorno
ampara-se no regime de recursos da mímesis como método para lembrar que nem
76
mesmo a conceptualidade é imune o bastante àquilo que ela recalca: “O conceito
não consegue defender de outro modo a causa daquilo que reprime, a da mimesis,
senão na medida em que se apropria de algo dessa mimesis em seu próprio modo
de comportamento, sem se perder nela” (ADORNO, 2009, p. 21). A incorporação do
elemento estético no conceito é importante não apenas para salvaguardar a
afinidade da relação entre sujeito e objeto, mas também como tentativa de manter a
dimensão expressiva da conceptualidade, exigência para a circulação social dos
discursos e para a pretensão de contribuir no conhecimento do objeto.
Esta desmitologização da conceptualidade afasta uma falsa identidade
estabelecida entre sujeito e objeto para incitar uma afinidade mimética – reprimida –
com a natureza. Longe de ser um resíduo do processo consciente de conhecer o
objeto, esta afinidade expressa uma negação do aparato categorial usado na
construção da identidade.
Em uma tal crítica, a causalidade é refletida. Nela, o pensamento imita o encanto das coisas, um encanto imposto às coisas pelo pensamento; e isso no limiar de uma simpatia que poderia produzir o desaparecimento desse encanto. A subjetividade da causalidade possui uma afinidade seletiva com os objetos enquanto pressentimento daquilo com que eles se depararam por conta do sujeito (Ibid., p. 226).
Na fronteira entre igualar o não-idêntico a si mesmo e reconhecer a ilusão
subjetiva da identidade, o mimetismo está intrínseco ao pensamento e pode fazer o
sujeito lembrar daquilo que foi reprimido pelo princípio de dominação. Nestes
termos, o pensamento adorniano não se constitui em um movimento de estetização
da filosofia, mas, segundo Gómez (1994), abre de diversas maneiras a filosofia para
a esfera estética e vice-versa. Porque a arte guarda um momento de “não-
identidade”, não pode ser entendida simplesmente em seu caráter autônomo, numa
relação direta entre a obra e seu autor ou entre a obra e seu observador. Diferente
de Kant e Freud, por exemplo, que entendiam a arte em seu sentido de “deleite
estético”, Adorno impõe uma modificação qualitativa à experiência estética,
entendendo-a como interiorização de forças sociais e não mais enquanto mera
exteriorização da observação no seio da sociedade. Este caráter dialético-
materialista do pensamento adorniano efetiva a negatividade de sua estética,
expressando a ligação de continuidade entre os livros Dialética Negativa e Teoria
77
Estética, especialmente.20 As duas obras fazem parte do projeto adorniano de
revisão e reconstrução da dialética de Hegel, apresentando as noções de
“construção” e “expressão” como suportes estruturantes da possibilidade da mímesis
participar do momento racional:
A construção é, na mónada da obra de arte, com uma omnipotência limitada, o representante da lógica e da causalidade, transferida para fora do conhecimento objectivo. Ela é a síntese do diverso a expensas dos momentos qualitativos de que se apodera, bem como do sujeito, o qual pensa nela eliminar-se, quando na realidade é ele que se realiza. A afinidade da construção com os processos cognitivos ou, antes, com a sua interpretação teórico-cognoscitiva, não é menos evidente do que a diferença: nenhuma arte julga essencialmente e, onde ela o faz, sai do seu conceito (ADORNO, 1993, p. 72).
Ao manter a irreconciliabilidade entre mímesis e racionalidade como elemento
pulsante da arte, a noção de “construção” é, segundo Adorno, a única forma hoje
possível do momento racional na obra de arte, que dá suporte à “expressão” dos
processos de significação. Nisso consiste a tarefa da filosofia, “dar voz à sua não-
liberdade”, sem se degenerar em uma visão de mundo ou se abster do momento
expressivo, aos moldes da lógica científica. Para a filosofia, segue Adorno:
[...] expressão e acuro lógico não são possibilidades dicotômicas. Eles necessitam um do outro, nenhum dos dois é sem o outro. A expressão é liberada de sua contingência por meio do pensamento, pelo qual a expressão se empenha exatamente como o pensamento se empenha por ela. O pensamento só se torna conclusivo enquanto algo expresso, somente por meio da apresentação linguística; o que é dito de modo frouxo é mal pensado. Por intermédio da expressão, o acuro lógico é conquistado laborosamente para o que é expresso (2009, p. 24).
20
Segundo apresenta Goméz (1994, p. 54), no mínimo desde junho de 1956, Adorno começa a reunir papeis para a obra Teoria Estética, mas somente em 1961 começou a organizá-los como uma primeira versão. O trabalho foi interrompido para a escrita da Dialética Negativa, finalizada em 1966. A partir daí, Adorno voltou-se novamente à obra anterior e, entre várias outras interrupções, o livro tinha previsto uma revisão final em 1970, mas os planos não se concretizaram em função da morte de Adorno em 1969. Teoria Estética é, então, a obra inacabada de Adorno, publicada na Alemanha em 1970. Certamente, afirma Gómez, o revezamento entre a escrita de uma e de outra obra não significa uma mera troca, mas indica um compartilhamento de intenções teóricas, além de sugerir as impossibilidades sentidas por Adorno de expressar o inefável, seja pela estética – quando o filósofo iniciou a escrita da Dialética Negativa -, seja pela conceptualidade – quando ele retornou à Teoria Estética (Ibid., p. 105-106).
78
Na dialética entre pensamento e expressão, é possível perceber a
aproximação defendida por Adorno entre o campo epistemológico e o estético.
Tendo em vista esta complementaridade das duas últimas obras de Adorno, não é
prudente, conforme alerta Goméz, analisá-las como se a primeira circunscrevesse
apenas o âmbito filosófico e a segunda, o estético (1994, p. 106). Isto porque, para
Adorno, estética e filosofia não constituem, simplesmente, uma relação analógica ou
de incorporação de um campo pelo outro, resultando em uma unidade de sentido. A
reconstrução crítica da dialética idealista em dialética materialista depende
justamente de uma mudança de perspectiva sobre as imbricações entre a dimensão
sensível e a reflexão: “Las categorías tematizadas en la reflexión sobre el proceso
de la objetivación estética no son categorías exclusivamente estéticas, sino
categorías epistemológicas, comunes a la esfera estética y a la cognoscitiva”21 (Ibid.,
p. 89). Ainda, conforme pondera Gómez, ao romper com a diferença absoluta entre
pensamento e expressão, a arte livra-se também do rótulo de irracionalidade.
Conforme Adorno, a arte atua de modo semelhante ao conceito, opondo-se
“tanto ao conceito como à dominação mas, para tal oposição, precisa, como a
filosofia, dos conceitos” (1993, p. 115). Se a expressão do conteúdo da arte é
realizada através de conceitos, também estes são qualificados pelas produções
estéticas: “A arte rectifica o conhecimento conceptual porque, separado, cumpre o
que esta em vão espera da relação abstracta sujeito-objeto: o desvelamento de
alguma coisa de objectivo mediante a produção subjectiva” (Ibid., p. 133). Assim, é
no âmbito da experiência estética que ocorre o encontro entre abstração conceitual
e expressão e onde a autonomia subjetiva se defronta com a constituição do todo e
pode reorganizar sua compreensão e prática.
A arte é o refúgio do comportamento mimético. Nela, o sujeito expõe-se, em graus mutáveis da sua autonomia, ao seu outro, dele separado e, no entanto, não inteiramente separado. A sua recusa das práticas mágicas, dos seus antepassados, implica participação na racionalidade. Que ela, algo de mimético, seja possível no seio da racionalidade e se sirva dos seus meios, é uma reação à má irracionalidade do mundo racional enquanto administrado (Ibid., p. 68).
21
“As categorias tematizadas na reflexão sobre o processo de objetivação estética não são categorias exclusivamente estéticas, mas também categorias epistemológicas, comuns à esfera estética e à cognoscitiva” (Tradução nossa).
79
Por isso, diz Wellmer, no pensamento adorniano, a mímesis alude àquilo que
escapa a uma razão a serviço da autoconservação, correspondendo a uma ideia de
racionalidade mais ampla, em que mímesis e razão se iluminam mutuamente: “la
razón al servicio de la auto-conservación necessita el momento mimético para
perder su violencia, La mímesis necessita el momento racional para perder su
ceguera animal”22 (1994, p. 30). A partir desse encontro entre mímesis e
racionalidade, Wellmer situa o pensamento adorniano na perspectiva do
entendimento intersubjetivo. Certamente, Adorno não conseguiu se referir
conceitualmente a esta virada linguística, pois desenvolveu suas ideias a partir das
categorias de sujeito e objeto, da filosofia da consciência, o que o obrigou a tratar da
relação de dominação e de reconciliação entre ambas. Com a ideia de síntese não
estandardizada do múltiplo, o filósofo quer compreender, sem o caráter
homogeneizador do pensamento tradicional, as relações entre sujeito e natureza,
sujeito consigo próprio e também dos sujeitos entre si, equiparando a filosofia da
arte de Adorno à teoria da ação comunicativa de Habermas.
No entanto, o alerta de Gómez a respeito desta ligação aligeirada com o
paradigma comunicativo deve ser considerado para preservar o cerne das
preocupações adornianas de um afastamento do pensamento estético-filosófico. A
partir da iniciativa de equivalência feita por Wellmer entre Adorno e Habermas,
Gómez sinaliza em nota o seguinte:
Desde esta reducción, que pierde de vista la conexión fundamental de estética y epistemología en Adorno, surgen después las reducciones plurales a las que quedan sometidos tesis y conceptos centrales de la filosofía de Adorno. Junto con la tesis adorniana de su “carácter de conocimiento” (Erkenntnischarakter) del arte, de su “contenido de verdad” y la noción de “síntesis”, es fundamentalmente el concepto central de “Mímesis” el que peligra de ser reducido. La reformulación de Wellmer conduce a un cambio substancial de los significados de estos conceptos
23
(1994, p. 116).
22
“A razão a serviço da autoconservação necessita do momento mimético para perder sua violência, a mímesis necessita do momento racional para perder sua cegueira animal” (Tradução nossa).
23 “A partir desta redução, que perde de vista a conexão fundamental entre estética e epistemologia
em Adorno, surgem depois as reduções plurais a que ficam submetidas teses e conceitos centrais da filosofia de Adorno. Junto com a tese adorniana de seu “caráter de conhecimento” (Erkenntnischarakter) da arte, de seu “conteúdo de verdade” e a noção de “síntesis”, é fundamentalmente o conceito central de “Mímesis” o que corre o risco de ser reduzido. A reformulação de Wellmer conduz a uma troca substancial dos significados destes conceitos” (1994, p. 116).
80
Com a virada para o primado do objeto, a dialética torna-se materialista e
mímesis assume papel central na medida em que auxilia agora a ligação do não-
idêntico ao material e provoca a subjetividade não apenas em termos de
consciência, mas também em sua dimensão estético-corpórea:
Toda dor e toda negatividade, motor do pensamento dialético, se mostram como a figura multiplamente mediatizada, e por vezes irreconhecível, do elemento físico, assim como toda felicidade visa ao preenchimento sensível e conquista nesse preenchimento sua objetividade (ADORNO, 2009, p. 173).
É justamente a dimensão do sensível que, ao lembrar negativamente do
aspecto corpóreo, coloca em movimento os processos de pensamento. Este
momento somático do conhecimento é irredutível à modulação que a ciência e a
filosofia tradicional constituíram para subverter o heterogêneo em algo igual por
meio de cortes categoriais:
O mais mínimo rastro de sofrimento sem sentido no mundo experimentado infringe um desmentido a toda a filosofia da identidade que gostaria de desviar a consciência da experiência: “Enquanto ainda houver um mendigo, ainda haverá mito”; é por isso que a filosofia da identidade é, enquanto pensamento, mitologia. O momento corporal anuncia ao conhecimento que o sofrimento não deve ser, que ele deve mudar. “A dor diz: pereça.” Por isso, o especificamente materialista converge com aquilo que é crítico, com a práxis socialmente transformadora (Id. ibid., p. 173).
Para o pensamento adorniano, o único vestígio de individualidade ainda
restante encontra-se na experiência do sofrimento e da finitude – lembrados pela
passagem acima na referência à figura do mendigo de Benjamin. Esta luz que
Adorno joga sobre a deformação da vida social guarda matizes das considerações
de Freud, que afirmava ser o próprio estresse causado pelo sofrimento um condutor
em direção à cura, ou seja, os sujeitos não são indiferentes às restrições de suas
capacidades racionais pelos mecanismos sociais patológicos, contendo nelas
também a possibilidade de transformação. Com isso, a Dialética Negativa intenta
romper com a indiferença da filosofia diante da barbárie e do sofrimento que
enfrenta o sujeito contemporâneo. Nas palavras de Adorno, “dar voz ao sofrimento é
81
condição de toda verdade” (Ibid., p. 24) e uma forma desta sensibilidade participar
no pensamento filosófico é incorporar momentos (imagens) que provoquem o
estranhamento para com a aparência de totalidade da conceptualidade.
2.3.1 Imagem e Mímesis
O elemento negativo do pensamento, que a postura dialética deixa visível,
não apenas torna possível aproximar-se do não-idêntico como também qualifica a
instância expressiva da linguagem, capaz de acolher as representações do sensível
e significá-las nos processos de aprendizagem. Ao adotar a mímesis como
possibilidade para uma racionalidade não coercitiva, Adorno acolhe os
apontamentos de Benjamin acerca do impulso mimético ser capaz de produzir o
reconhecimento das semelhanças através dos recursos da linguagem. Para
Benjamin, “a capacidade mimética humana não desapareceu em proveito de uma
maneira de pensar abstrata e racional, mas se refugiou e se concentrou na
linguagem e na escrita” (GAGNEBIN, 2005, p. 96).
A linguagem é a instância de mediação entre homem e mundo, em que a
memória e o conhecimento são significados. Benjamin entendeu estes lampejos de
compreensão como imagens ou insights de pensamento no momento da análise de
um contexto:
Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo, formado uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética na imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal, a do ocorrido com o agora é dialética – não de natureza temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer a imagem no agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto grau a marca do momento crítico, perigoso, subjacente a toda leitura (2006, p. 504).
De modo complementar à compreensão benjaminiana de imagem como
“dialética da imobilidade”, Adorno lança mão da metáfora do “fogo de artifício” para
manifestar o potencial expressivo da arte enquanto racionalidade. Assim como os
fogos de artifício têm um caráter efêmero, que não se deixam apreender em seu
82
significado, mas apenas em sua aparição fugidia, a estética não pode ser
compreendida de forma isolada, absoluta:
Não é pela perfeição elevada que as obras de arte se separam do ente indigente mas, de modo semelhante ao fogo de artifício, ao actualizarem-se numa aparição expressiva fulgurante. Não constituem apenas o outro da empiria: tudo nelas se torna outro. A isso aspira com toda a força a consciência pré-artística nas obras de arte. A consciência obedece ao encantamento que, de qualquer modo, só conduz à arte ao servir de mediação entre a arte e a empiria (ADORNO, 1993, p. 98-99).
Em uma experiência estética, sempre se manifesta algo que não existe na
obra, mas diz respeito à reapropriação que fazemos como tentativa de síntese do
múltiplo, cujo arranjo primeiro já havia sido feito pelo autor para qualificar suas
próprias imagens do mundo. Nesta perspectiva, Adorno refere-se à imagem da
“dialética da imobilidade”24 de Benjamin:
Se a apparition é o que se ilumina, o palpável, então a imagem é a tentativa paradoxal de conjurar o que há de mais efêmero. Nas obras de arte, transcende-se algo de momentâneo; a objectivação faz da obra artística um instante. Há que pensar na expressão de Benjamin da “dialéctica em suspensão”, projectada no contexto de sua concepção da imagem dialéctica. Se as obras de arte, enquanto imagem, são a duração do transitório, concentram-se, então, na aparição como em algo de momentâneo. Fazer a experiência da arte significa perceber tanto o seu processo imanente como a sua suspensão no instante; talvez daqui tire a sua substância o conceito central da estética de Lessing, o do “momento fértil” (Ibid., p. 102).
Dessa forma, o “momento fértil” da arte e da estética enquanto dimensão da
formação humana diz respeito diretamente ao seu potencial de ampliação da
sensibilidade para vislumbrar outros horizontes. A experiência estética é capaz de
colocar-nos em contato com aquilo que, no cotidiano, não conseguimos suportar, é
estranho ou repulsivo. Assim como os fogos de artifício estão libertos do peso da
duração e a arte, do peso da empiria, as imagens têm o potencial para expor
possibilidades que não conseguem ser abstraídas pela razão cotidiana, contribuindo,
24
A expressão “dialética da imobilidade”, conforme traduzida na edição brasileira da obra Passagens (2006), de Walter Benjamin, aparece na tradução portuguesa da Teoria Estética (1993), como “dialéctica em suspensão”.
83
por isso, para uma transformação objetiva ou para o estabelecimento de juízos
sobre as relações humanas.
No pensamento adorniano, a ideia de “imagem dialética” aparece
primeiramente em sua tese de livre-docência sobre Kierkegaard, tendo Benjamin
como interlocutor desta reflexão. Para o filósofo dinamarquês, a esfera estética é a
quintessência das imagens, cuja unidade, esclarece Adorno, ancora-se no seu
conteúdo e em sua força de capturar em uma imagem uma região de outras
imagens.
Não é diferente a ideia da esfera estética: liberada da dialética subjetiva e ofuscando-a largamente, pairando na eternidade do momento como totalidade aparente, decompondo a luz da esperança sobre as coisas às quais pertence, tal como o rojão pertence à moderna antiguidade da pirotecnia (ADORNO, 2010a, p. 286).
Logo depois de sua tese de livre-docência, no texto Atualidade da Filosofia -
aula inaugural na Faculdade de Filosofia da Universidade de Frankfurt, em 07 de
maio de 1931 - Adorno reelabora a ideia de “imagem dialética” com a noção de
“imagem histórica”, indicando sua tendência a circunscrever a dialética no domínio
do conceito25. Neste texto, Adorno esclarece que estas imagens são o resultado de
elaboração conceitual, ou seja, são produzidas pela razão subjetiva e, portanto,
carregam um caráter transformador – dialético - consigo:
Pois, as imagens históricas, que não constituem o sentido da existência, mas resolvem e dissolvem suas questões, essas imagens não são dadas por si mesmas. Elas não se encontram organicamente prontas na história; não é preciso nem visão, nem intuição alguma para descobri-las, não são mágicas divindades da história, para serem aceitas e veneradas. Ainda mais: elas devem ser feitas pelos homens e só se justificam por fim ao
25
As suspeitas de Adorno sobre a incapacidade da filosofia nos moldes idealistas ter acesso à realidade de forma irrestrita, cujas justificativas são desenvolvidas profundamente três décadas mais tarde na Dialética Negativa, são apresentadas já no texto Atualidade da Filosofia. Neste, Adorno assevera: “a adequação do pensamento ao ser como totalidade se desagregou e com isso se tornou impossível a pergunta pela idéia do existente, que um dia, soberana, pode se elevar como estrela, em clara transparência, por cima de uma realidade redonda e fechada, e que, talvez, se desvaneceu para sempre aos olhos humanos quando as imagens de nossa vida foram afiançadas pela história. A idéia do ser se tornou impotente na filosofia; nada mais que um princípio formal vazio, cuja arcaica dignidade ajuda a decifrar conteúdos arbitrários. Nem a plenitude do real, como totalidade, se deixa subordinar à idéia do ser, que lhe atribui o sentido; nem a idéia do existente se deixa construir a partir dos elementos do real. Ela se perdeu para a filosofia, e, com ela, sua pretensão de atingir a totalidade real, na origem” (ADORNO, 2010b).
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destruir, com uma evidência fulminante, a realidade em torno de si. Aqui elas se diferenciam radicalmente dos arquétipos arcaicos, míticos, que a psicanálise encontra e que Klages espera preservar como categorias de nosso conhecimento. Podem coincidir com eles em cem traços; diferenciam-se, porém, ali onde descrevem sua inexorável trajetória até o mais alto do homem; são manejáveis e compreensíveis, instrumento da razão humana, inclusive onde parecem organizar, objetivamente em seu redor, o ser objetivo como centros magnéticos. São modelos com os quais a ratio se avizinha provando e comprovando uma realidade, que recusa a lei, mas que o esquema de modelos é capaz de imitar cada vez mais, na medida em que esteja corretamente traçado (ADORNO, 2010b).
O filósofo explica que as imagens seriam semelhantes às ideias,
compreendidas no interior das interrelações constituídas, sem a intenção de
enfatizar uma verdade na história. Neste texto, a atitude filosófico-interpretativa,
salientada por Adorno, para entender um enigma pode ser entendida como um
caminho para o tratamento com as imagens. Diferente da resposta do enigma estar
contida nele, seu sentido é construído a partir de seus próprios elementos
constitutivos, num jogo materialista em que a empiria participa de forma intensa.
Neste sentido, as obras de arte contêm enigmas que exigem mais do que sua
compreensão, impõem a expressão de evidências de sua existência, isto é, da
denúncia racional dos modos como se manifesta na relação entre subjetividade e
objetividade.
Em todos os estágios estéticos, renova-se o antagonismo entre a irrealidade da imago e a realidade do conteúdo histórico emergente. Mas as imagens estéticas emancipam-se das imagens míticas ao subordinarem-se à sua própria irrealidade; a lei formal não significa outra coisa. Isso constitui a sua méthexis na Aufklärung. O ponto de vista da obra de arte empenhada ou didáctica regride para lá disso. Sem atender à realidade (Wirklichkeit) das imagens estéticas, ela planifica a antítese da arte à realidade (Realität) e integra-a nesta realidade que ela ataca. São “esclarecidas” as obras de arte que, numa distância inflexível relativamente à empiria, dão testemunho de uma consciência verídica (1993, p. 104).
As imagens - dialéticas ou estéticas -, embora sejam resultado de uma
experiência com a produção cultural, são uma elaboração do pensamento e,
portanto, são diferentes daquelas que aparecem como um dado histórico, a exemplo
do que acontece com as imagens do inconsciente coletivo, destituídas de elementos
racionais e reproduzidas no cotidiano. No jogo entre transcender e manter traços da
realidade, a configuração daquelas imagens abrange, ao mesmo tempo, a distância
85
que se quer conservar e extinguir entre a utopia e a objetividade. Neste caráter
autônomo e esclarecedor das imagens reside seu potencial de participação
(méthexis) na reflexão filosófica.
Dessa forma, segundo Gómez (1994), o caráter mimético da filosofia de
Adorno abrange as noções de “experiência filosófica”, “síntese” e “diferenciação” da
relação sujeito-objeto. O caráter expressivo/mimético da sua filosofia situa-se na
incorporação de narrativas ou imagens, cuja interpretação exige do leitor
articulações entre passado e presente, particular e universal. A linguagem é a
instância que qualifica o caráter expressivo tanto do conceito quanto da arte. É
através da expressão que a imagem se forma. Por isso – afirma Adorno (1993) a
partir da leitura dos trabalhos de Joyce – é uma tendência a transformação da
linguagem comunicativa numa linguagem mimética, subvertida em suas categorias
formais. Já em seu estudo sobre Kierkegaard, Adorno percebeu o tratamento que
aquele dispensava às imagens, pois expressava uma ideia “com mais precisão que
todos os esforços conceituais” (2010a, p. 286).
Com efeito, a incorporação de elementos miméticos na linguagem pode ser
percebida em várias obras do próprio Adorno. Jameson (1997), em sua análise da
Dialética Negativa, assevera que a noção de mímesis na obra aproxima-se da ideia
de metáfora ou narrativa, cujas sentenças carregam o que os teóricos formalistas
chamariam de “motivação de artifício”, ou seja, ao empreender um caráter narrativo
ao conceito, desencadeiam um processo de abstração do conteúdo como
pensamento ou discurso filosófico26:
Esse microtrabalho da sentença no conceito é, portanto, o que mina sua aparente autonomia racional e a pré-forma (para voltar à analogia musical) por meio de suas múltiplas posições no movimento mais amplo da constelação, ou do “modelo”. Pode-se pensar o mimético ou o narrativo como um tipo de estratégia homeopática na qual, por intermédio da revelação do movimento primário de dominação dissimulado dentro do pensamento abstrato, o veneno da abstração é neutralizado, possibilitando o surgimento de algum conteúdo-verdade potencial ou utópico (JAMESON, 1997, p. 96).
26
Para Blumenberg (2003a), as metáforas podem ser entendidas como indícios no caminho entre mito e racionalidade, contribuindo, assim, para religar instinto e pensamento nos processos de aprendizagem. Neste mesmo sentido, Gagnebin lembra que “a teoria da mímesis induz, portanto, a uma teoria da metáfora” (2005, p. 85).
86
Neste sentido, a mímesis assume um caráter terapêutico, de cura pela
linguagem, que pode servir para reinterpretar as configurações do sistema ou
reinventar as relações humanas no/sobre o mundo, uma vez que, na perspectiva
adorniana, se relaciona com uma atividade humana imanente, de mimetismo ou
compreensão baseada em uma narrativa metafórica. Dito de outro modo, nossa
compreensão sobre o mundo pode se ampliar na medida em que se aproxima de
uma narrativa/imagem historicamente situada e se realiza um trabalho hermenêutico
de reconstrução de sua gênese, pois ao interpretar uma metáfora, interpreta-se a
própria cultura. Nas palavras de Gagnebin, a mímesis:
[...] indicaria muito mais uma dimensão essencial do pensar, esta dimensão de aproximação não violenta, lúdica, carinhosa, que o prazer suscitado pelas metáforas nos devolve. Ela aponta para aquilo que Adorno, na sua Teoria Estética, define como o Telos der Erkenntnis, o “Telos do conhecimento” (1982, p. 87): uma aproximação do outro que consiga compreendê-lo sem prendê-lo e oprimi-lo, que consiga dizê-lo sem desfigurá-lo. Essa proximidade na qual o espaço da diferença e da distância seja respeitado sem angústia, esse conhecimento sem violência nem dominação já era a idéia reguladora que orientava toda crítica de Adorno na Dialética do Esclarecimento. É a idéia de uma reconciliação possível, mas cuja realização, em oposição à dialética do espírito absoluto em Hegel, sempre nos escapa (2005, p. 101).
Sendo assim, ao utilizarem a figura de Ulisses como o “protótipo do indivíduo
burguês”, Adorno & Horkheimer não somente demonstram o entrelaçamento entre
mito, dominação e trabalho, mas também exercitaram, ainda que em uma
perspectiva estética mais tradicional, a noção de mímesis como narrativa,
empreendendo o épico como metáfora. Certamente, diz Jameson, Adorno percebe a
serenidade do tempo épico, com uma série de acontecimentos isolados e sentenças
localizadas, mas encaminha sua reflexão para outro lado, para a partícula ou para
os conectivos que relacionam estas sentenças ou aforismos a alguma temporalidade
mais ampla:
O que Adorno lê, todavia, não é a lógica serena de tais conectivos – o “e” -, mas antes, a violência da opressão das sentenças e a ilogicidade épica do sentido dessas palavras que, normalmente, seriam funcionais: “mas”, “contudo, “entretanto”, o nämlich de Hölderlin – um sentido que, pela refeição da continuidade ao mesmo tempo em que a estabelece, fundamenta a peculiaridade da própria operação épica, e encena a “parataxis” como uma obstinada inscrição do novo e o rompimento com a
87
reprodução estável de uma mesmidade e de uma repetição quase sempre associadas com o épico, mas na verdade bem mais característica do mundo mítico que o épico procura cancelar e transcender (JAMESON, 1997, p. 35-36).
Ainda que na Dialética do Esclarecimento a noção de mímesis não seja
positiva como na Dialética Negativa - pois estava relacionada a um comportamento
regressivo de assimilação ao perigo e pulsão de morte -, Adorno (e Horkheimer)
tenta observar aquilo que possa conduzir para a saída da repetição mítica e da
mesmidade característica dessa narrativa, potencializando dentro do pensamento
filosófico pontos de identificação mimética. Adorno está, assim, teorizando a partir
de uma noção enfática de forma, desenvolvida mais amplamente na Teoria
Estética, que não abandona o sujeito às configurações heterogêneas da política ou
da cultura - como a concebeu o materialismo dogmático -, mas busca superar a
repetição a partir do próprio “modo de comportamento” (Verhaltensweise) estético,
isto é, considerando as questões imanentes ao próprio material artístico.27 Neste
viés, esta última obra de Adorno seria, conforme Robert Schurz citado por Duarte,
uma tentativa de tocar em uma questão que a Dialética do Esclarecimento deixa
em aberto, a saber, a “fissão metafórica do mito” (1993, p. 14) - que
desenvolveremos melhor a seguir.
Esta abertura dá margem para uma leitura enviesada da obra adorniana, que
opera a partir da noção de que o pensamento conceitual é tão somente um
instrumento de controle e dominação (GÓMEZ, 1994, p. 51). Apesar da importância
da crítica acerca da lógica repressora da racionalidade científico-instrumental,
presente na Dialética do Esclarecimento, a questão da “forma” é nublada pelo
27
Ao apontar o caráter enfático da forma, Adorno, assim como outros filósofos materialistas, tem em vista os apontamentos de Mikhail Bakthin, filósofo formalista russo do início do século XX, a respeito da relação estreita entre forma e conteúdo. Para Bakthin, a análise estética deve revelar a composição do conteúdo, imanente ao objeto estético, momento em que o elemento cognitivo contribui para um esclarecimento sobre o objeto estético: “Só porque vemos ou ouvimos algo não quer dizer que já percebemos sua forma artística; é preciso fazer do que é visto, ouvido e pronunciado a expressão da nossa relação ativa e axiológica, é preciso ingressar como criador no que se vê, ouve e pronuncia, e desta forma superar o caráter determinado, material e extra-estético da forma, seu caráter de coisa. [...] Assim, a forma é a expressão da relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe (co-criador da forma) com o conteúdo; todos os momentos da obra, nos quais podemos sentir a nossa presença, a nossa atividade relacionada axiologicamente com o conteúdo, e que são superados na sua materialidade por essa atividade, devem ser relacionados com a forma” (BAKTHIN, 1993, p. 57-59).
88
entendimento da suposta possibilidade de um retorno a estágios anteriores da
racionalidade ou um restauro de um nível pré-emancipatório:
Sólo de una forma harto tergiversada puede Mímesis significar la restauración de un comportamiento ante la objetividad perteneciente presuntamente a un estadio arcaico en la evolución de la humanidad. Practicada en su inmediatez de nada sirve. Sólo en su reorientación es capaz de operar como corrección del quid pro quo en que cae la razón instrumental. Índice de su concretización y de su reorientación en el arte auténtico es para Adorno “el trabajo” (Arbeit), la persecución de la necesidad de la lógica de la cosa misma
28 (Ibid., p. 93-94).
Com o fortalecimento de uma leitura sob a ótica política da Dialética do
Esclarecimento, a relação entre forma e conteúdo ali tecida dotou as considerações
críticas da obra com ares de impotência. Isso é semelhante ao que acontece quando
uma obra de arte é deslocada do contexto de sua produção, ou seja, tal
desarticulação incita, nas palavras de Benjamin, uma forma “fraudulenta” da
construção do símbolo:
O que chama a atenção no uso vulgar do termo [profundidade] é que esse conceito, que aponta imperiosamente para a indissociabilidade de forma e conteúdo, para funcionar como uma legitimação filosófica da impotência crítica, que por falta de rigor dialético perde de vista o conteúdo, na análise formal, e a forma, na estética do conteúdo (1984, p.182).
Se na Dialética Negativa mímesis aproxima-se da ideia de metáfora, a
Teoria Estética assume a noção de mímesis como comportamento adequado
diante do imperativo do pensamento abordar o objeto sem dissolvê-lo, ou seja,
edifica-se no sentido de frear uma compreensão autoevidente do objeto. Mímesis
supõe, portanto, uma dialética efetiva entre sujeito e objeto, entendida como um
trabalho intenso de constituição da subjetividade considerando o “modo de
comportamento” estético da objetividade. Esta expressividade da forma da produção
sustenta os processos de síntese e mediação, cujo trabalho envolve uma
28
“Somente de uma forma bastante distorcida Mímesis pode significar a restauração de um comportamento frente à objetividade pertencente supostamente a um estágio arcaico na evolução da humanidade. Praticada em sua imediaticidade de nada serve. Somente em sua reorientação é capaz de operar como correção do quid pro quo em que cai a razão instrumental. Indício de sua concretização e de sua reorientação na arte autêntica é para Adorno “o trabalho” (Arbeit), a perseguição da necessidade da lógica da coisa mesma” (Tradução nossa).
89
transformação de sentido, que leva não somente ao aprofundamento da
compreensão da narrativa, mas também ao fortalecimento do processo
(auto)formativo. Neste sentido, o trabalho de síntese e mediação exigido no
tratamento com os mitos confere a estas narrativas o caráter metafórico que lhes
assegura o direito de participação nas discussões das questões contemporâneas.
Para isso, é preciso ir além do entendimento do mito como expressão
invariável, pré-lógica, que foi substituída por formas racionais de compreensão do
mundo. Conforme o estudo de Vernant, esta passagem do mito ao pensamento
racional deu-se em um período bem específico, quando cada mito realizava seu
próprio afastamento do vivido e produzia uma configuração interpretativa, uma
narrativa:
Ora, para o helista que é Marcel Detienne, a análise precisa da cultura grega, entre os séculos VI e IV antes de nossa era, quando mythos para lentamente a opor-se a lógos, impõe um quadro muito diferente da imagem que geralmente temos do mito. Para os gregos daquele período, mythos não designa, como supomos, a lenda dos deuses e dos heróis. O termo não se refere a um gênero literário particular, ou a um tipo de relato, ou a uma forma qualquer de narrativa cujas fronteiras balizaria; multiforme como Proteu, ele se aplica às realidades mais diversas: teogonias, cosmogonias, gesta dos heróis, claro, mas também fábulas, genealogias, contos da carochinha, moralidades, provérbios, sentenças tradicionais (2002, p. 290).
Assim, mesmo os mais antigos mitologemas que conhecemos são
construções culturais, tentativas humanas de realizar sínteses da multiplicidade de
percepções proporcionada pela atividade empírica. Ou seja, embora com outros
paradigmas para a elaboração linguística, especialmente vindos da natureza, os
mitos eram formas de incorporar na linguagem elementos do efêmero ou da
experiência sensível como condição para a ampliação dos processos de
entendimento. Estes relatos comportam, portanto, desde a sua origem, a dimensão
do ficcional, cujos estudos posteriores relacionam ao que entendemos hoje por
religião ou ainda por literatura.
Porém, na própria literatura escrita, a palavra guarda um caráter racional-
demonstrativo e é justamente a partir desta exigência que a contraposição mythos e
logos se instaura. Ou seja, da tradição oral e das criações poéticas livres à redação
90
em prosa e à linguagem abstrata dos filósofos não apenas um outro modo de
expressão se constitui, mas uma nova forma de pensar o mundo.
Renunciando voluntariamente ao dramático e ao maravilhoso, o logos situa sua ação sobre o espírito num nível diferente do da operação mimética (mimêsis) e da participação emocional (sympatheia). Ele se propõe estabelecer o verdadeiro após investigação escrupulosa e de anunciá-lo segundo um modo de exposição que, pelo menos de direito, só apela para a inteligência crítica do leitor. É apenas quando revestiu-se, assim, de uma forma escrita que o discurso, despojado de seu mistério ao mesmo tempo que de sua sugestão, perdeu o poder de se impor a outro pelo constrangimento, ilusório mas irreprimível da mimésis. Por ali o discurso muda de estatuto; torna-se coisa comum no sentido que os gregos davam a esse termo no vocabulário político: não é mais o privilégio exclusivo de quem possui o dom da palavra; pertence igualmente a todos os membros da comunidade (VERNANT, 1999, p. 175).
Com efeito, ainda se tem uma atitude de desconfiança frente aos mitos,
conforme expõe Blumenberg, por dois motivos, pela angústia sentida na falta de
fundamentações e pelo não reconhecimento de estruturas racionais em narrativas
não fundamentadas:
Todo orden basado en algo no fundado se hace sospechoso si es presentado como una exigencia de sumisión a lo no susceptible de fundamentación, convirtiéndose así en crisol de nuevas angustias. Puede ser razonable no ser razonable hasta lo último. Pero como modo de expresión de este estado de cosas el mito es demasiado peligroso, ya que no puede proporcionar una claridad palmaria de sus implicaciones de índole pragmática. Si fuere posible, no se debería “dar cabida” al mito. Por otro lado, la racionalidad es, con demasiada facilidad, destructiva cuando no reconoce la racionalidad de lo no-fundado y cree poderse permitir una euforia de fundamentaciones
29 (2003b, p. 180).
No campo empírico, onde a exigência da prática é indubitável inclusive como
forma de autoconservação humana, são moralmente aceitáveis as coisas que
possuam claramente uma finalidade. Nestes termos, entendendo a insuficiência das
construções míticas como relação mimética gratuita com o mundo, o trabalho da
29
“Toda ordem embasada em algo não fundado se faz suspeita se é apresentada como uma exigência de submissão ao não suscetível de fundamentação, convertendo-se em um caldeirão de novas angústias. Pode ser razoável não ser razoável até o fim. Mas como modo de expressão deste estado de coisas o mito é muito perigoso, já que não pode proporcionar uma luz clara de suas implicações de índole pragmática. Se fosse possível, não se deveria “dar cabo” ao mito. Por outro lado, a racionalidade é, com muita facilidade, destrutiva quando não reconhece a racionalidade do não-fundado e acredita poder se permitir uma euforia de fundamentações” (Tradução nossa).
91
filosofia tradicional configurou-se em por fim ao mito, o que se constituiu em uma
metáfora para tornar aceitável apenas aquilo que pudesse ser fundamentado em
uma verdade a priori estabelecida. Neste trabalho discriminatório, muitas atividades
humanas – a elaboração conceitual do conhecimento, por exemplo - são afastadas
do seu potencial mimético, de prazer absoluto, e aquelas que não se submetem aos
processos de abstração são entendidas como supérfluas, travestidas, por vezes,
como fenômenos naturais – as emoções, o espanto, a intuição, por exemplo.
Esa autoconciencia de la filosofía - o, mejor, de los historiadores de la filosofía - se ve contradicha por el hecho de que la labor de acabar con el mito se vuelva a realizar una y otra vez como una metáfora del propio mito. Hacer del principio de la razón insuficiente en el acte gratuit la idea central de la Estética significa justamente su mitificación, que es lo que ha hecho, más o menos, el “genio”. El propio mundo tiene que convertirse en la cosa menos fundada para que tolere - a su lado, dentro de sí, contra sí mismo - otros mundos igual de injustificables. Sólo en un universo presidido por la falta absoluta de obligatoriedad se alza el objeto estético contra todo lo otro
30 (BLUMENBERG, 2003b, p. 665).
Na figura do gênio, entende-se que a compreensão da realidade pode se
fazer distante do contato com a empiria, ele prescinde dessa relação intensa já que
possui elevada capacidade de abstração, destacando-se dos demais homens, ao
mesmo tempo em que se torna um ideal inatingível, mítico. A crítica adorniana à
relação não intencional entre o gênio e a objetividade está justamente no sentido de
preservar a espontaneidade da experiência estética e a participação da objetividade
neste processo.
Ao analisarem a trajetória da racionalidade, Adorno & Horkheimer já
mencionavam esta dificuldade de mediação, afirmando que novamente o homem
recai no mito, pois, à medida que ele progride no campo tecnológico e científico,
perde seu potencial libertário e retorna ao estado de servidão do controle externo.
Por isso, os filósofos se contrapõem à ideia de que a racionalidade se estruturou
30
“Essa autoconsciência da filosofia - ou, melhor, dos historiadores da filosofia – é vê contrariada pelo fato de que o trabalho de acabar com o mito volta a se realizar uma vez ou outra como uma metáfora do próprio mito. Fazer do princípio da razão insuficiente na acte gratuit a ideia central da Estética significa justamente sua mitificação, que é o que tem feito, mais ou menos, o “gênio”. O próprio mundo tem que se converter em algo menos fundado para que tolere - ao seu lado, dentro de si, contra si mesmo - outros mundos igualmente injustificáveis. Somente em um universo presidido pela absoluta falta de obrigatoriedade se eleva o objeto estético contra todo aquele outro” (Tradução nossa).
92
como força de contrapeso ao mito já no prefácio do livro Dialética do
Esclarecimento, afirmando: “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba
por reverter à mitologia” (1985, p. 15).
Podemos entender este alerta no sentido de que o problema central não está
nos processos estéticos cuja relação com a objetividade aguça, mas em entender
que existe neste mundo objetivo uma necessidade de fundamentações. Esta
necessidade é marcada pelos interesses de uma subjetividade dominadora,
contornada deste modo em função de unilateralizar-se em sua dimensão cognitiva.
No momento em que as reivindicações por diferenças e a fluidez das atividades
humanas são cada vez mais visíveis, o caráter estandardizado da racionalidade
mostra seus limites de alcance, abrindo caminho para que manifestações da ordem
do sensível sejam consideradas nos processos de construção do conhecimento.
Enquanto metáfora, a mitologia contribui para a reelaboração do sujeito e também
da realidade.
Se o entendimento do mito enquanto esquema pré-racional conduz a uma
relação antiga com o mundo, legitimadora do divino e do mundano, como narrativa
metafórica, assume-se seu caráter estético, ficcional, e por consequência uma
instância possível para a compreensão do outro: “Frente al mito, el pensamiento se
encuentra en una situación que aquí coincide con la que tiene frente a la ‘metáfora
absoluta’: se tiene que contentar con ella, aunque no satisfaga su pretensión”31
(BLUMENBERG, 2003a, p. 167). Além do seu sentido literal, a mitologia guarda
enigmas que ainda hoje motivam o homem a buscar evidências do que permanece
ou já foi superado daquela experiência arcaica com a natureza. Assim, os mitos
resistem às formas literais da conceptualidade, expressando seu potencial no âmbito
da racionalidade à medida que seus elementos são reapropriados enquanto
metáforas mobilizadoras do pensamento para interpretar as relações
contemporâneas entre homem e realidade. Contudo, conforme alerta Blumenberg, é
preciso ter em vistas as dificuldades que este trabalho envolve:
31
“Frente ao mito, o pensamento se encontra em uma situação que coincide com a que tem frente à ‘metáfora absoluta’: tem que se contentar com ela, ainda que não satisfaça sua pretensão” (Tradução nossa).
93
La elaboración del mito encierra la sospecha de que su propio éxito implica, al mismo tiempo, la pérdida de una certeza que antes se tenía. No hay otro modo de recordar el mito que elaborándolo; pero tampoco ningún otro éxito de esa elaboración del mito que no pase por alegar la última posibilidad que cabe de tratar con él, arrostrando el peligro de ser contradicho por esa última y renovada posibilidad, o de que le sean achacadas las consecuencias de las exigencias aún no saldadas
32 (BLUMENBERG,
2003b, p. 668).
Desta forma, refletir acerca das relações entre a empiria e sua
conceptualidade tendo as imagens da mitologia como linha narrativa condutora
requer cuidados redobrados, pois mexe com certezas já consolidadas nos campos
epistemológico e filosófico.
Ao mesmo tempo em que a arte moderna tem focado em maior força a
linguagem mimética, conforme diagnostica o próprio Adorno, a imagem metafórica
tem se tornado um caminho privilegiado para repercutir as transformações do mundo
contemporâneo. No campo filosófico, as metáforas servem de instrumento para a
reflexão objetiva, pois, ao mesmo tempo em que viabiliza a transcendência dos
limites imanentes ao pensamento conceitual, permite que este trabalho abstrato
possa responder à intuição de modo não estandardizado.
Além disso, quando se trata de um construto artificial de enunciados, cujos
pontos de partida diferem sobremaneira, como é o caso de nosso campo de
investigação empírico, discutido no próximo capítulo, a construção de uma metáfora
pode contribuir para configurar o horizonte representativo deste conjunto conceitual.
Neste sentido, Blumenberg argumenta:
La metafórica puede también estar en juego allí donde lo único que se presenta son enunciados terminológicos que, sin embargo, si no se toma en consideración una imagen directriz en la que se inducen y “leen”, no pueden comprenderse en su completa unidad de sentido
33 (2003a, p. 141).
32
“A elaboração do mito encerra a suspeita de que seu próprio êxito implica, ao mesmo tempo, a perda de uma certeza que antes se tinha. Não há outro modo de recordar o mito que o elaborando; mas tampouco há nenhum outro êxito dessa elaboração do mito que não passe por alegar a última possibilidade que cabe de tratá-lo, enfrentando o risco de ser contrariado por essa última e renovada possibilidade, ou de que lhe sejam atribuídas as consequências de exigências ainda não cumpridas” (Tradução nossa).
33 “A metáfora também pode estar em jogo ali onde o único que se apresenta são enunciados
terminológicos que, no entanto, se não se leva em consideração uma imagem diretriz na qual se induzem e “leem”, não se pode compreendê-los em sua completa unidade de sentido” (Tradução nossa).
94
Ao construir um plano de leitura possível, os elementos da imagem compõem
o que Blumenberg chama de “metáfora de fundo”, capaz de abranger as
configurações da realidade anteriores à compreensão conceitual. É importante
ressaltar que uma abordagem imagética não tem por objetivo circunscrever um
modelo fechado de interpretação, pois, uma vez figurada, outras imagens podem
surgir para reforçar ou ampliá-lo. Porém, em se tratando de um entendimento
hermenêutico – seja de um construto conceitual, seja de uma realidade -, é preciso
tomar o cuidado para vislumbrar de diferentes ângulos o objeto empírico,
estabelecendo uma constelação racionalmente justificada entre seus elementos e o
modelo metafórico que dá suporte com a finalidade de realizar um empreendimento
profícuo em termos de conhecimento. Nas palavras de Blumenberg:
La metáfora exige una interpretación funcionalmente orientada de todos sus momentos; contravenir esa norma supone que decaiga en alegoría, en la que las ruedas del carro de una diosa cualquiera pueden significar las cuatro virtudes cardinales y cosas por el estilo
34 (Ibid., p. 246).
Diferente da construção alegórica – em que todos os termos são tomados em
um sentido figurado -, na construção metafórica, ocorre uma inversão do
funcionalismo dos elementos, introduzindo uma dissimetria na relação de
conveniência que produz, mantendo, porém, nesta transferência uma referência ao
contexto original como indício do caminho associativo realizado:
É possível, com efeito, que o enunciado metafórico seja precisamente aquele que mostra com clareza a relação entre referência suspensa e referência revelada. Do mesmo modo que o enunciado metafórico é aquele que conquista seu sentido como metafórico sobre as ruínas do que se pode chamar, por simetria, sua referência literal. Se é verdade que é em uma interpretação que sentido literal e sentido metafórico se distinguem e se articulam, é também em uma interpretação que, graças à suspensão da denotação de primeira ordem, é liberada uma denotação de segunda ordem, propriamente a denotação metafórica (RICOEUR, 2000, p. 338-339).
34
“A metáfora exige uma interpretação funcionalmente orientada de todos seus momentos; infringir essa norma supõe-se recair na alegoria, na qual as rodas do carro de uma deusa qualquer podem significar as quatro virtudes principais e coisas do gênero” (Tradução nossa).
95
Diferente da perspectiva política do enfoque na relação entre mito, trabalho e
dominação, assumida na Dialética do Esclarecimento, e também dos processos
de produção e participação da arte na racionalidade, tratados na Teoria Estética, a
Dialética Negativa discute os elos entre os momentos estéticos e os momentos
racionais, abordando a mímesis como uma espécie de protonarrativa da relação de
afinidade entre sujeito e objeto. É esta relação epistemológica, estabelecida na
multiplicidade, que caracteriza a dimensão estética da formação humana e que o
presente trabalho de tese enfoca, no sentido de aproximar a ideia de formação do
campo da docência em uma compreensão não estandardizada, ressaltando os
elementos narrativos tecidos no campo da cultura.
Neste sentido, no próximo capítulo, aproveitamos essa dimensão expressiva
da linguagem para tecer uma compreensão acerca das imagens da docência
veiculadas nos discursos contemporâneos da educação, visando o horizonte de uma
racionalidade docente não deformada. Para isso, vamos empreender uma
compreensão hermenêutica sobre questões angulares da formação docente de
modo a estabelecer relações com a perspectiva negativa da dialética. Esta leitura
sobre a complexidade do campo da formação docente será realizada a partir do
mapeamento de imagens espargidas no contemporâneo sobre a docência. Tais
imagens reverberam as diferentes formas de compreender a formação e a
racionalidade docente e constituem-se de modo semelhante às constelações
conceituais que Adorno se refere. A edificação de imagens da docência diz respeito,
portanto, a uma tentativa de fortalecer as dimensões éticas e estéticas da formação
docente através da instância expressiva da linguagem pedagógica, focando, assim,
o que há de específico na docência.
CAPÍTULO III
A DIALÉTICA NEGATIVA E A DIMENSÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO: PERFORMANCES DA DOCÊNCIA
No contemporâneo, a estética35, para além da teoria da arte e do belo, está
presente na cultura como a dimensão que relaciona de forma diversa as
manifestações humanas, atribuindo sentido, mas também instigando a constituição
de novos significados. Nesta perspectiva, a estética pode ser entendida como
estesia (os dois termos derivam do grego, aisthesis), dizendo respeito à
sensibilidade, à faculdade de sentir. Assim, a estética expressa sua presença, de
forma ampliada, ao ligar as experiências particulares às manifestações universais,
realizando uma síntese e produzindo afinidades entre os elementos da pluralidade
da vida. A linearidade moderna mostrou ser capaz de organizar uma história
universal, ainda que para isto tenha desconsiderado algumas expressões humanas.
Ao reconsiderar a estética como integrante da racionalidade humana, é possível
criar mecanismos de percepção das diferentes formas de expressar as múltiplas
dimensões humanas. Na educação, além de fornecer oportunidades de
interpretação para o conhecimento produzido, a estética subsidia a reflexão filosófica
do estatuto pedagógico, desbanalizando imagens recorrentes acerca da relação
teoria/prática, professor/aluno, conhecimento científico/senso comum, sujeito/objeto,
escola/realidade, entre outras polarizações construídas. Enfocando um jogo em que
a historicidade das afinidades possibilita vislumbrar os limites entre essência e
aparência, a Dialética Negativa de Adorno possui um profundo caráter estético,
pois considera essas relações de mediação como oportunidades de conhecer e
preservar a multiplicidade ao mesmo tempo.
35
Estética, em seu sentido clássico, assim como foi entendido por Baumgarten no século XVIII, refere-se à teoria da arte e às experiências com o belo.
97
Se as ideias são signos negativos, conforme aponta Adorno, a tarefa da
filosofia é a expressão daquilo que compõe o entendimento do objeto, bem como do
que está em sua base. O pensamento somente adquire um sentido ao ser
expressado linguisticamente, quando também produz novas imagens que tornam a
alimentar o pensamento: “A expressão não é nenhum fim em si mesmo levado a
termo à custa do que é expresso, mas o subtrai à inessência coisal, por sua parte
objeto de crítica filosófica” (ADORNO, 2009, p. 24). Forma e conteúdo perfazem,
portanto, um trabalho intenso na perspectiva de expressar a singularidade do objeto
e suas interferências na produção do conhecimento.
De sua parte, Merleau-Ponty explica que a linguagem está amparada em uma
experiência expressiva iniciada com uma intenção de produzir um significado, cujo
destino é a palavra. Entre a elaboração de significado e a palavra existe um vazio
que busca a completude no momento em que a intenção volta-se para a expressão:
A intenção significativa em mim (como também no ouvinte que a reencontra ao me escutar), mesmo que deva em seguida frutificar-se em “pensamentos”, no momento é apenas um vazio determinado a ser preenchido pelas palavras – o excesso do que quero dizer sobre aquilo que é ou já foi dito (MERLEAU-PONTY, 1984, p. 134).
São inúmeros os influxos que permeiam a linguagem e que, com a expressão,
podem modificar a ordem das coisas preexistentes. A dimensão expressiva da
linguagem refere-se, assim, ao modo pelo qual o significado consegue se exprimir,
ultrapassando as fronteiras do visível e do dizível. Duarte lembra que Adorno, ao
rebater a posição de Wittgenstein (“do que não se pode falar, deve-se calar”), era
contundente sobre o interesse da filosofia em “insistir na possibilidade de dizer o
indizível” (2007, p. 19). Em outro estudo, Duarte expõe exatamente um trecho
extraído de um conjunto de palestras, sob o título Terminologia Filosófica,
proferidas por Adorno em Frankfurt no verão de 1962 e no inverno de 1962-1963,
bem na época em que o filósofo escrevia a Dialética Negativa:
Acredito, porém, que essa famosa proposição de Wittgenstein é, espiritualmente, de uma vulgaridade indescritível, porque nela passa-se ao largo daquilo com o que a filosofia principalmente tem a ver: é exatamente o paradoxo desse empreendimento de, com os meios do conceito dizer aquilo que, com os meios do conceito, não se deixa dizer. Isso é apenas possível
98
pelo médium da linguagem, que faculta, simultaneamente, fixar os conceitos e também modificá-los através do valor relativo que ela lhes atribui (Apud DUARTE, 1997, p. 175).
Com efeito, este capítulo tem como objetivo realizar uma discussão acerca
das imagens de docência espargidas no contemporâneo, discutindo a
interpenetração entre o momento conceitual e o imagético-expressivo assumida na
práxis, bem como avaliar em que medida tais imagens se relacionam ao projeto
subjetivista moderno ou à virada paradigmática para a materialidade proposta por
Adorno. Para isso, vamos inicialmente apresentar um mapeamento sobre as
imagens de docência presentes nos textos apresentados no GT 17 da ANPEd,
procurando evidenciar os elementos basilares da formação docente em sua relação
com os aspectos teóricos e culturais constituídos. As constelações conceituais que
estes textos sustentam estão carregadas de uma linguagem expressiva de modo
que podem corroborar para fortalecer as dimensões éticas e estéticas da docência e
suas performances contemporâneas.
No caminho de análise dos textos selecionados para este estudo, a
percepção da expressividade da linguagem ali presente permite a exploração do
sentido dos apontamentos acerca da docência, de modo que os elos históricos das
narrativas se explicitassem. A tentativa de enfatizar o caráter estético da formação
situa-se justamente na organização constelar em torno desta conceptualidade,
referidas aqui nas imagens de “professor Prometeu” e de “professor Hércules”.
Portanto, estas formas, em seu sentido enfático, sustentam a análise do conteúdo (a
questão da formação), do mesmo modo que o conteúdo apoia os contornos das
formas (as imagens da docência).
Depois, vamos discutir acerca do sentido que a virada para a objetividade
pode assumir na relação entre teoria e prática, um dos eixos centrais da formação
docente, assim como nas diferentes compreensões de docência e suas
performances na prática pedagógica. Por fim, abordamos a forma como “professor
Prometeu” e “professor Hércules” posicionam-se perante a construção do
conhecimento, enfatizando o caráter cultural da formação. Deste modo, procuramos
compreender em que sentido caminham as atuais configurações da docência e a
medida que este campo é marcado pelos momentos objetivo e subjetivo, bem como
evidenciar as possibilidades que uma crítica imanente tem para realocar a dimensão
99
estético-expressiva da racionalidade como ponte importante ao livre trânsito do
professor por entre as produções e interpretações da cultura.
3.1 Imagens da docência e suas performances
A instância expressiva da linguagem que permeia as reflexões sobre o fazer
pedagógico alimenta, em alguma medida, a formação de imagens da docência,
constituindo-se a preocupação com esta performance num campo promissor de
discussão da Filosofia e da Educação. Como diz Nóvoa, baseado nos estudos de
Postman, trata-se de compreender que “a educação pública depende da adoção de
narrativas partilhadas e da recusa de narrativas que conduzam à alienação ou à
separação” (2006, p. 23). Tentando contribuir na autocompreensão da educação e
da filosofia sobre as configurações que a docência tem assumido como
performances da profissão, tomamos neste estudo as figuras de Prometeu e
Hércules para pensar os pressupostos que permeiam o construto de textos
selecionados no GT 17 (Filosofia da Educação) da Anped. O intuito, portanto, é
conhecer e sistematizar melhor esta produção no sentido do autoesclarecimento
pedagógico, ressaltando as dimensões filosóficas da formação docente. A partir daí,
talvez seja possível delinear algumas possibilidades para a ampliação do conceito
de formação, imputando, desse modo, uma interlocução mais intensa entre os
campos da Filosofia da Educação e da Formação de Professores e revigorando as
forças do pensar e do fazer na Educação.
Nas últimas edições da ANPEd, a temática da formação tem adquirido
bastante expressividade no GT 17, sendo inclusive, enfocada como discussão
central dos trabalhos encomendados em três anos consecutivos36. Considerando
este importante espaço de discussão sobre as pesquisas realizadas no Brasil, o
estudo que apresentamos a seguir faz um mapeamento dos textos selecionados no
36
Em 2009, a solicitação para apresentar um estudo sobre o tema da “formação” foi feita a Dermeval Saviani (UNICAMP) e Newton Duarte (UNESP), cujo título do trabalho foi “A formação humana na perspectiva histórico-ontológica”; em 2010, a apresentação do trabalho sobre formação foi realizada por Hans-Georg Flickinger (Universidade de Kassel – Alemanha), com o título “A dinâmica do conceito de formação (Bildung) na sociedade contemporânea”; já em 2011, foi Sílvio Gallo (UNICAMP) quem apresentou o trabalho intitulado “Educação e acontecimento: para além da utopia formativa”.
100
período de 2007 a 2010, buscando enfocar aqueles cujo objeto de análise é
explicitamente a “formação”. Realizadas na fronteira entre Filosofia e Educação,
estas produções focalizam justamente aquilo que é nuclear na docência, bem como
o arcabouço conceitual que lhe sustenta, contribuindo para pensarmos o caráter
estético-expressivo da formação docente. O recorte dos trabalhos que compõe a
nossa pesquisa constitui-se da seguinte forma:
Reunião Anual ANPEd
Total de trabalhos selecionados no GT
17
Trabalhos com o foco na temática “Formação”
30ª edição/2007 18 06
31ª edição/2008 11 06
32ª edição/2009 11 05
33ª edição/2010 12 06
TOTAL 52 2237
Quadro 1: Localização dos trabalhos que compõem a amostra no montante das produções do
GT 17 (Filosofia da Educação) da ANPEd.
3.1.1 O “professor Prometeu”: a assunção das narrativas modernas
A virada do sagrado para o profano, aliada à autoridade intelectual, dotou a
sociedade moderna de novos padrões racionais e críticos. Segundo Goergen (2001),
a fé na narrativa da salvação, existente desde a antiguidade, é modernamente
entendida como emancipação, agregando-se agora a ativa participação do homem
na busca por novas formas de entendimento e organização. Ou seja, a emancipação
só se efetiva, segundo o pensamento moderno, pela intervenção do homem no
mundo natural e social, transformando-o através das ciências e das tecnologias.
Dessa maneira, a modernidade recuperou os valores gregos das potencialidades da
37
Embora se propondo a discutir a temática da formação, o texto Performances da docência: compreensão das dimensões filosóficas da formação, apresentado por Maiane Liana Hatschbach Ourique na 33ª edição da ANPEd, não faz parte desta amostra. Isto porque ele contém uma abordagem inicial das análises acerca das imagens de docência vigentes que fazemos no presente trabalho de tese.
101
razão para assentar a narrativa do progresso como telos da história e alimentar a
visão de um futuro glorioso no qual se esgota todo o sentido do passado. Neste
projeto, a tarefa de trazer o homem a si é da educação, assegurando-lhe sua
essência educável por formas de adaptação ou transformação da sociedade.
Esta compreensão da educação/formação está presente em 09 dos 22
trabalhos que compõem a amostra referida sobre a discussão da temática da
formação no GT 17 da ANPEd, conforme mostra o quadro 2:
Reunião Anual ANPEd
Título Autor (es)
30ª edição/2007
Hegel: o conceito de Freiheit fundamentando a noção de Bildung
André Ferreira
Filosofia e formação humana
Marcos Antônio Lorieri Cleide R. Silvério de Almeida
Elaine Dal Mas Dias Izabel Petraglia
Teoria crítica, formação estética e educação: reflexões sobre crítica da economia política, formação estética e o conceito de professor reflexivo-
transformativo
Werner Markert
31ª edição/2008
Educação, cultura e cidadania Paulo César Nodari
Arte e formação humana em Lukács e Vigotski
Newton Duarte
Educação, paranóia e semiformação Sinésio Ferraz Bueno
32ª edição/2009
O conhecer e o educar em Platão: a anamnesis apresentada no “Menon” como condição de possibilidade da Paidéia apresentada na “República”
André Ferreira
33ª edição/2010
Pragmatismo e filosofia da práxis: projetos em disputa na sociedade e
na educação docente Diego Jorge Ferreira
Humanismo, verdade e formação na ontologia fundamental de Martin
Heidegger Homero Luís Alves de Lima
Quadro 2: Textos que contribuem na configuração da imagem de “professor Prometeu”.
Estes textos, em alguma medida, contribuem para manter em um plano
metafísico o sentido da educação e o papel do professor como guia que ilumina o
102
caminho certo rumo à emancipação plena dos alunos. A partir de uma leitura
hermenêutica desses trabalhos, uma perspectiva imagético-expressiva pode indicar
que tais reflexões sobre a formação delineiam a docência como atividade
viabilizadora de “soluções” para os problemas sociais contemporâneos. De alguma
maneira, estes estudos revigoram princípios cartesianos para orientar a ação
docente no sentido da confiança no método para se chegar ao conhecimento
irrefutável, verdadeiro. Isso se confirma por diferentes vias, seja a partir da
discussão sobre o conceito de formação, seja a respeito do papel do professor e/ou
dos alunos ou ainda acerca do porquê educar, levando em considerando as
demandas contemporâneas – novas tecnologias, novas configurações de família e
de escola, etc. Mesmo com diferentes referenciais teóricos, estes textos manifestam
a centralidade da figura docente na aquisição da consciência sobre o mundo para,
consequentemente, a conquista de melhores condições de viver nele. Para
compreendermos melhor os elementos que compõem a expressividade deste
modelo formativo, vamos aproximá-lo por analogia com a figura mitológica de
Prometeu - que aparece pela primeira vez nas obras de Hesíodo (Teogonia e em
Os Trabalhos e os Dias)38 e, posteriormente, na tragédia Prometeu Acorrentado
de Ésquilo39 - para, então, configurarmos as tarefas que comportaria a racionalidade
docente neste contexto.
Filhos de Jápeto e Clímene, Prometeu e Epimeteu foram incumbidos de fazer
o homem e todos os outros animais da terra, assegurando-lhes todas as faculdades
necessárias à sua preservação. Epimeteu encarregou-se da obra e Prometeu de
examiná-la, depois de pronta. Dessa maneira, Epimeteu tratou de atribuir a cada
animal dons variados – como por exemplo coragem, força, rapidez, sagacidade;
asas a um, garras a outro. Quando, porém, chegou a vez do homem, que tinha de
38
Na Teogonia, Prometeu tem como principal característica sua mètis, ou seja, sua astúcia, inteligência e pela sua doliè techné, sua arte de embuste. Em Os Trabalhos e os Dias, essa mètis feita de astúcia previdente vem acompanhada da ausência de mètis em Epimeteu, o qual compreende as coisas sempre posteriormente, deixando-se enganar. Prometeu e Epimeteu, assim, compõem a união dos opostos e complementares - da previdência sutil e da irreflexão estúpida – que caracteriza a condição humana (cf. VERNANT, 1999, p. 155).
39 São várias as versões deste mito, que começam a surgir, sobretudo, a partir do sec. XVIII: para
exaltar o indivíduo, Goethe coloca Prometeu como um “modelador dos homens”; o drama lírico Prometheus Unbound, de Shelley, considerou Prometeu um “autêntico apóstolo da liberdade”; Edgar Quinet, no drama Prométhée, apresenta uma versão cristã do mito; no poema épico Prometheus und Epimetheus, de Spitteler, aparece a oposição psicológica entre os dois Titãs irmãos e uma análise psicanalítica do mito; no final do sec. XIX, Roger Dumas esboça Prometeu como a personificação da razão (cf. SOTTOMAYOR, 2004).
103
ser superior a todos os outros animais, Epimeteu já havia gasto todos os seus
recursos e nada mais restava. Perplexo, recorreu a seu irmão Prometeu, que, com a
ajuda de Minerva, subiu ao céu e roubou uma fagulha do fogo divino para dar ao
homem. Isto atrai a ira de Zeus, que o condena a ficar acorrentado a um penhasco e
ter seu fígado devorado diariamente por uma águia. Para Epimeteu, Zeus enviou
Pandora com uma caixa nas mãos e, quando Epimeteu a abriu, espalhou todos os
males sobre a Terra.
Brandão (1991) comenta que Hesíodo, no mitologema das Cinco Idades,
relaciona o mito de Pandora à lei do trabalho.40 Foi com Pandora que a degradação
da humanidade começou. Até então a raça humana vivia tranquila, longe do mal, da
fadiga e das doenças. Com a disseminação de todas as desgraças e calamidades,
que passaram a assolar a humanidade, restou porém ao homem a esperança –
ainda presa na caixa. Do mesmo modo que Epimeteu optou por abrir a caixa de
Pandora, aceitando-a como esposa e ignorando o alerta de Prometeu sobre recusar
qualquer presente ofertado por Zeus, a vida não é somente infortúnio, pois existe a
possibilidade da escolha entre o bem e o mal. Modernamente, a esperança pode ser
aproximada da ideia de lutar para a transformação do mundo em um lugar melhor
para se viver.
Prometeu significa etimologicamente “o que é previdente” e, dando ao homem
o fogo como instrumento capaz de controle sobre a natureza, o titã assevera-lhe a
possibilidade de transformá-la em utensílios de captura e proteção (fundição de
metal, aquecimento, afastamento dos inimigos, por exemplo) e em bom alimento
(pelo cozimento e eliminação de patologias). Desse modo, o homem adquire
ingerência sobre sua vida e preservação, sendo o fogo também símbolo de
40
Brandão explica que a narrativa de Prometeu e Pandora configura duas faces de uma mesma moeda, a miséria humana na Idade de Ferro: “A necessidade de sofrer e batalhar na terra para obter o alimento é igualmente para o homem a necessidade de gerar através da mulher, nascer e morrer, suportar diariamente a angústia e a esperança de um amanhã incerto” (1991, p. 177-178). Também Vidal-Naquet, ao estudar a obra de Hesíodo, relaciona as figuras de Prometeu e Pandora. Esta se refere ao sacrifício/presente enviado aos homens em função do fogo roubado por Prometeu, ao mesmo tempo em que, tratando-se do sacrifício como um ato culinário, a posse do fogo é necessária para a sua refeição: “A função do fogo é ao mesmo tempo complementar e oposta à do sacrifício. Digamos numa palavra que ela define as relações do homem com a natureza selvagem” (In: VERNANT & VIDAL-NAQUET, 2005, p. 104). Assim, o destino do homem está traçado, junto da “geração maldita das mulheres”, a portadora da sexualidade, e somente o trabalho no campo pode salvá-lo, contê-lo de seus instintos.
104
inteligência e autoconsciência do próprio existir. Na tragédia de Ésquilo, Prometeu
se diz responsável por possibilitar que o homem veja o mundo:
Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais como os fantasmas que vemos em sonho, viviam eles, séculos a fio, confundindo tudo. Não sabendo utilizar tijolos nem madeira, habitavam como as próvidas formigas, cavernas escuras cavadas na terra. Não distinguiram a estação invernosa da época das flores, das frutas, e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o momento, em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e ocaso dos astros. Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; formei o sistema do alfabeto, e fixei a memória, mãe das ciências, alma da vida. Fui eu o primeiro que prendi os animais sob o jugo, a fim de que, submissos à vontade dos homens, lhe servissem nos trabalhos pesados. Por mim, foram os cavalos habituados ao freio, e moveram os carros para as pompas do luxo opulento. Ninguém mais, senão eu, inventou esses navios que singram os mares, veículos alados dos marinheiros. Pobre de mim! Depois de tantas invenções, em benefício dos mortais, não posso descobrir um só meio para pôr fim aos males que me torturam (ÉSQUILO, 2004, p. 37-38).
Analogamente às mudanças que Prometeu possibilitou ao homem impetrar no
mundo, na modernidade, o fogo divino capaz de trazer “consciência”, “emancipação”
e “cidadania” é alastrado pelo professor. Neste sentido, o lema burguês de que o
homem é moldável e a sociedade transformável significou para a ação docente sua
extrema expansão. A docência assume, assim, a tarefa de implementação do
próprio projeto da modernidade, haja vista as narrativas reguladoras do processo
pedagógico. Segundo Hermann, o pensamento moderno “apostou, como nenhuma
outra época, no projeto educativo. Individualidade, consciência, responsabilidade
moral e identidade do eu passaram a ser as categorias centrais do discurso
pedagógico, decorrentes de uma certa compreensão sobre a natureza humana”
(1999, p. 17).
Neste contexto, o trabalho de constituição do mundo é tomado por uma
subjetividade transcendental que, em sua razão formadora, acredita na suficiência
de um plano explicativo sobre a experiência para compreendê-la e nela interferir. Ao
caminhar neste terreno de fundamentações, a racionalidade docente vincula-se a
Parmênides, tomando como ponto de partida um modelo ontológico de construção
do “verdadeiro conhecimento”, sob os auspícios do “verdadeiro professor”. O estudo
de Homero Luís Alves de Lima, apresentado na 33ª edição da ANPEd, é uma
tentativa de apreensão de alguns conceitos da ontologia fundamental de Martin
105
Heidegger, como os de “formação”, “verdade” e “ser-aí” (Dasein) e suas
interferências no campo da Filosofia da Educação. Se a formação humanista deveria
cuidar para que o homem alcançasse sua essência humana, Paideia e Bildung
corresponderam à busca pela essência da verdade. O papel da formação humana
seria, portanto, no sentido da retidão e do posicionamento do olhar.
Para Heidegger, a “alegoria da caverna” dá concretude plástica à essência da “formação”. No entanto, a “alegoria” não visualiza apenas a essência da formação e a transformação do homem, mas abre igualmente a visão para uma mudança na essência da verdade. Decisivo para Heidegger é que “formação” e “verdade” estão implicadas de modo essencial. Ou seja, não há uma verdadeira formação – no sentido de Platão – sem uma mudança na essência da verdade (LIMA, 2010, p. 6).
Essa mudança refere-se ao entendimento da verdade não mais como
desvelamento, mas como “correção”, “adequação”, “certeza”, ou seja, a essência da
verdade reside na adequação entre representação do pensamento e objeto. Para
Adorno, Heidegger, ao estabelecer uma vinculação direta entre a relação eu-tu e o
conteúdo metafísico, remete-se à imediatez da vida real e às armadilhas da
comunicação, construindo uma filosofia incapaz de fazer frente à lógica produtiva,
contra a qual ele se aviltou, pois continua a usar jargões, que não possuem força
transformadora:
Heidegger ha establecido la autenticidad frente al “uno” y las “habladurías”, sin perder de vista que entre los dos tipos de lo que él denomina existenciales no hay ningún salto perfecto, incluso que se interpretan por su propia dinámica. Pero no ha previsto que lo que él llama autenticidad, una vez hecho palabra, incrementa el mismo anonimato de la sociedad de cambio contra el cual se levanta Ser y Tiempo. La jerga, que en la fenomenología de las habladurías, de Heidegger, se conquistó un puesto de honor, califica a los adeptos, según su opinión, de no triviales y llenos de alto sentido, del mismo modo que calma la todavía supurante sospecha de desarraigo
41 (ADORNO, 1987, p. 19).
41
Heidegger estabeleceu a autenticidade frente ao “uno” e aos “falatórios”, sem perder de vista que entre os dois tipos do que ele denomina existenciais não há nenhum salto perfeito, inclusive que se interpretam por sua própria dinâmica. No entanto, não previu que o que ele chama autenticidade, uma vez feito palavra, incrementa o mesmo anonimato da sociedade de troca contra a qual se levanta Ser e Tempo. O jargão, que na fenomenologia dos falatórios, de Heidegger, conquistou um posto de honra, qualifica aos adeptos, segundo sua opinião, de não triviais e cheios de alto sentido, do mesmo modo que acalma ainda a inflamada suspeita de desenraizamento (Tradução nossa).
106
Desta forma, diz Adorno, Heidegger leva as ideologias desgastadas na
realidade para o plano metafísico, como se as palavras guardassem um material
puro (Ibid., p. 42), bastando a elaboração de jogos de linguagem para o homem
alcançar a essência da verdade ou o sentido de sua existência. Se, na visão
heideggeriana, formação e verdade estão implicadas uma na outra, como lembra o
texto de Lima, podemos inferir que as narrativas modernas (emancipação,
cidadania, consciência, etc.) que sustentam a docência constituiriam parte da
chamada “fenomenologia do falatório”, com a função de evitar a angústia provocada
pela prática educativa plural e adotar uma forma impessoal de chegar ao “verdadeiro
conhecimento”. Isto porque “o falatório retira do homem a singularidade de sua
existência, a possibilidade da descoberta e da surpresa. O falatório tudo conhece e
tudo nivela” (ALVES, 2001, p. 81).
Acreditando na possibilidade do acesso à verdade e, por consequência, na
correção das ações educacionais, o texto de Paulo César Nodari, apresentado na
31ª edição da ANPEd, é incisivo na tentativa de reconduzir os campos da
Educação, Cultura e Cidadania - título do próprio texto - ao eixo norteador da
modernidade. Esta compreensão universalizante da existência vem da interrogação
sobre as questões mais profundas do homem e de sua natureza, daí emana a
evidência da “singularidade própria do homem que é a de ser o interrogador de si
mesmo, interiorizando reflexivamente a relação sujeito-objeto por meio da qual ele
se abre ao mundo exterior” (2008, p. 1). Ao dissertar sobre a compreensão de
homem e seu lugar na “cultura atual”, Nodari afirma que “a educação tem um papel
fundamental e irrenunciável de formação para a cidadania” (Id. Ibid.), pois “coloca o
homem em processo contínuo de gênese para a humanidade livre e responsável”
(Ibid., p. 10).
Nesta relação fundacionista com o mundo, as interrogações do homem e a
construção de sua subjetividade acontecem na perspectiva de alcançar plenamente
a verdade, pressuposto essencial para a organização das atividades sociais. Neste
sentido, o trabalho apresentado por Newton Duarte na 31ª edição da ANPEd aborda
as ideias de Lukács e Vigotski, tematizando a relação entre a riqueza cultural
acumulada pela humanidade e a subjetividade individual. Duarte expõe a tese de
que a centralidade da pedagogia não se refere às relações entre professor e aluno
ou nas relações dos alunos entre si, mas às “relações que professor e alunos
107
estabelecem com o conhecimento objetivado nos produtos intelectuais da prática
social humana em sua totalidade” (2008, p. 3). Nesta abordagem subjetiva, o objeto
possui uma verdade passível de ser apreendida pela cognição. Buscando o aporte
da arte, Duarte sugere a possibilidade de reflexão sobre as mediações a serem
consideradas no processo de seleção dos conhecimentos que devem compor o
currículo escolar, visto que Lukács leva em conta a natureza essencialmente
mediada das relações entre a vivência estética e a prática cotidiana dos indivíduos:
O mesmo pode ser dito em relação aos métodos e processos de ensino e aprendizagem. Talvez possam ser extraídas, dessa análise filosófica da vivência estética, particularmente no que se refere às relações dialéticas entre conteúdo e forma e entre aparência e essência, idéias férteis para a reflexão sobre as relações entre processo e produto na atividade educativa (Ibid., p. 7).
Convém lembrarmos aqui, conforme abordamos no capítulo anterior, que a
experiência estética não é compreensível por critérios científicos ou exclusivamente
racionais e, portanto, é preciso que tomemos o cuidado necessário para não cairmos
na armadilha da transposição direta das formulações do campo da teoria estética
para o campo da teoria pedagógica, como bem adverte Duarte em seu texto.
Na tentativa de evitar possíveis desvios do caminho seguro da construção do
conhecimento, a figura do “professor guia” é uma variante do “professor Prometeu”,
ou seja, daquele que sabe bem a trajetória que levaria à verdade, ao conhecimento
racional, e deve conduzir seus alunos a esta finalidade. Marcos Antônio Lorieri et.
al., no trabalho apresentado na 30ª edição da ANPEd, lembra a metáfora do
“professor guia”, sugerida por Kant, como aquele que direciona a condução da vida
e não simplesmente ministra a “educação da escola”, configurado pelo “professor
mestre”. Os indivíduos, desse modo, deveriam ser dotados das habilidades
necessárias à ampliação dos processos de racionalização, que conduziriam a uma
melhor apreensão dos fenômenos do mundo. Subjacente a este apontamento
acerca da tarefa do professor está, como bem explica Lorieri, o entendimento de
formação humana como o próprio processo educativo de constituição da
humanidade do homem, que não se dá sem a contribuição do campo filosófico.
Neste processo, Lorieri et. al. acredita que a noção de conformação pode estar
contida na perspectiva da “formação”:
108
O papel da sociedade e da cultura na formação aí está de alguma maneira posto. Tanto como espaço de crescimento humano, pois sem ela os indivíduos tornam-se brutos, quanto como indicadora de limites, aqui considerados necessários. Formadora, portanto nos dois sentidos: no sentido de oferecer elementos de crescimento e no sentido de conformação a certas medidas. Medidas do humano (2007, p. 12).
Com o movimento iluminista, a formação (Bildung) passou de uma força de
produção externa para uma construção interior – mental, psíquica, espiritual -,
adquirindo também o sentido de educação (Erziehung), o qual, com o passar do
tempo, passa a predominar sobre o anterior. Este aglutinamento de sentido sofre
influência das ideias de autores alemães – como Goethe, Schiller, Kant, Herder,
Fichte, etc. – e tem como consequência mais imediata o fato da escola e da família
serem colocadas como espaços centrais da formação humana. Sem dúvida, esta
maneira de compreender a formação adquire um caráter elitista, tendo em vista que
a escola, especialmente, passa a assumir a tarefa de guardar e transmitir a
produção cultural acumulada aos mais jovens, institucionalizando a formação
humana, ao mesmo tempo em que convalidando a condição dos excluídos ao seu
acesso como indivíduos desprovidos de cultura ou de formação.42
Levando em consideração a perspectiva hegeliana, Adorno tem em vista a
formação enquanto autoformação do espírito humano, numa estreita relação com o
que de mais caro a razão já produziu, no sentido da construção da emancipação e
da autonomia intelectual. No entanto, a desconfiança de que esta possibilidade não
seja mais possível, em um cenário de deformação da racionalidade e de adaptação
generalizada às forças de produção, é expressa com o diagnóstico adorniano de
semiformação ou de degradação dos processos formativos. Em seu impulso crítico,
Adorno preocupa-se com os processos de conformação à vida real, intentando
também enfocar as adversidades acerca do conceito kantiano de imperativo
categórico, que restringe as vontades através do regramento moral e da eticidade.
Nas palavras de Habermas:
42
Para ampliar estes apontamentos sobre o significado da cultura para o idealismo alemão ver Hell (1989), Bolle (1997).
109
O superego de Freud e a consciência coletiva de Durkheim foram mobilizados para iluminar o avesso ignominioso do imperativo categórico, sua falsa utilização, mas não para denunciar a vontade livre de Kant, e sim as relações repressivas que deixavam definhar esse potencial (2003, p. 22).
Ou seja, Adorno considera os mecanismos não conscientes do homem para
dizer que as determinações morais ou políticas não conduzem à liberdade, como
Kant previa, mas à adaptação e à obediência cega no interior das relações
capitalistas. Já o trabalho de André Ferreira, apresentado na 30ª edição ANPEd,
enfoca a noção hegeliana de liberdade, a qual, segundo o autor, “fundamenta a
noção de Bildung, em que o movimento progressivo da educação ao longo da
história da humanidade é uma efetivação do progresso na consciência da liberdade”
(FERREIRA, 2007, p. 01). Para Hegel, o educar-se enquanto percepção da
consciência-de-si dá-se pelo trabalho e pela força instigante que ele carrega, sendo,
por isso, a liberdade o elemento fundante de toda a educação: “Pois, se a Bildung é
progresso da história, se a história é progresso da liberdade, temos então que a
Bildung é progresso da liberdade” (2007, p. 8). Assim, o fim último do progresso da
racionalidade é a liberdade. A partir daí, Ferreira faz apontamentos sobre a
perspectiva em que a narrativa da liberdade é incorporada à educação, seja na
abordagem gramsciana, como condição de possibilidade da superação da razão
capitalista (em Saviani, Cury, Nosella e outros), seja no pensamento liberal,
enquanto autonomia individual, ou no pensamento fenomenológico como
autodeterminação da existência (Antônio Rezende e Joaquim Severino, por
exemplo).
Perfazendo um caminho diferente, em outro texto, apresentado na 32ª edição
da ANPEd, André Ferreira aborda o conceito de anamnesis de Platão como uma
condição para a Paideia:
É por que a virtude pode ser apreendida em sua verdade que podemos propor um processo educativo que vise formar o homem plenamente virtuoso. Por sua vez, a percepção verdadeira da virtude é possibilitada pela anamnesis, sem a qual impossibilitado estaria o próprio processo de formação ética da polis (2009, p. 1).
A partir de apontamentos platônicos, o texto de Ferreira sugere a
possibilidade de aprendizagem da virtude, em sua verdade, como proposta de um
110
processo educativo para formar o homem plenamente virtuoso, isto é, uma
educação voltada para a formação do cidadão ético. De todo modo, diante da
pluralidade que permeia o contemporâneo, podemos indagar aqui se a
aprendizagem da virtude, da cidadania, da liberdade e/ou da emancipação seriam
ferramentas suficientes para a vida na sociedade contemporânea? Quais seriam as
habilidades que garantiriam o êxito dos processos de liberdade de pensamento e
expressão? Ainda, quais dispositivos o professor dispõe para viabilizar estas
habilidades?
Os textos até aqui abordados, apresentados nas reuniões anuais da ANPEd,
tendem a responder tais questões a partir de uma noção de subjetividade
autossuficiente, esquecendo-se que seu conteúdo de verdade não se encontra em
um conceito escolar de filosofia – como observa Adorno -, mas na própria realidade
educacional, neste caso. Para justificar estas abordagens que tomam a totalidade
como mero efeito da busca pela identidade, o dispositivo negativo da pluralidade do
mundo ao mesmo tempo em que é admitido como elemento formativo, é
transformado em afirmação pelo pensamento. Assim, as desigualdades sociais, a
falta de interesse dos alunos, a precariedade do trabalho docente, por exemplo, são
adversidades que devem ser superadas pelo próprio “professor Prometeu” através
da força inexpugnável do conceito que ele conhece e sabe dominar. Ou seja, nesta
perspectiva, há uma necessidade de que o processo educativo aconteça no âmbito
cognitivo, pela abstração do conteúdo da experiência. Na educação, a liberdade
está, portanto, respaldada enquanto autoconsciência subjetiva, passo importante,
mas, talvez, não o único nem o primeiro no caminho que levaria ao alcance da
utopia da liberdade plena. Assim, ao “professor Prometeu” cabe os dispositivos
cognitivos para a sua tarefa de possibilitar a construção da consciência da liberdade
em lidar com o conhecimento do mundo.
Nesta forma representacional de lidar com as experiências vividas, o
paradigma do professor reflexivo43, tematizado por Werner Markert, no trabalho
apresentado na 30ª edição da ANPEd, revigora as esperanças de transformação do
43
A expressão “professor reflexivo” tem sido tematizada em larga medida nas pesquisas sobre formação docente e reporta a expoentes na área como Dewey, Schön, Kemmis, Zeichner, Giroux, Nóvoa. Expressão deste pensamento é o livro Os Professores e a sua Formação, organizado por Antonio Nóvoa (1997), que contém perspectivas sobre a relação entre reflexão e o exercício da docência.
111
mundo pelas mãos do professor, centrando-se agora não mais nas possibilidades
trazidas com a exploração da natureza, mas na busca por melhorias nas relações
humanas estabelecidas a partir dessas inovações. No texto escrito por Markert,
discute-se o modelo do professor reflexivo-transformativo, cujas raízes remetem a
alguns pressupostos da Teoria Crítica, especialmente a ideia de reflexão dialética:
“Formar a autonomia para a ação e a reflexão, o trabalho e a comunicação, o mundo
exterior e interior, assim compreendemos a ‘reflexividade dialética’ que se refere à
trindade Kant, Marx e Habermas” (MARKERT, 2007, p. 14). Um dos pilares desta
proposta reflexiva é a transformação do próprio pensamento, dessa maneira,
consciência e criticidade são alavancas capazes de desobstruírem a passagem
entre experiência vivida e sua reelaboração cognitiva, possibilitando um movimento
contínuo de ampliação da razão formadora de mundo. Aqui, é possível ilustrar com
as palavras de Nodari, do texto anteriormente referido:
Sentir-se parte inerente e atuante na transformação do todo, isto é ser cidadão, é muito importante para compreender o processo dialético da educação, envolvendo o nível individual, o nível familiar, o nível social e o nível político, porque educar bem os cidadãos, talvez, seja uma das únicas formas de aperfeiçoar e modificar o Estado (2008, p. 11).
Para este ideal, Markert (Op. cit.) lança mão inclusive da obra de Libâneo
para defender que a “apropriação teórico-crítica das realidades” é uma postura
metodológica para a formação docente na metáfora do “professor reflexivo-
transformativo”. Nesta imagem variante do “professor Prometeu”, garantir-se-ia uma
prática pedagógica combativa a todas as formas de alienação e massificação da
consciência, além de comprometida com os ideais modernos de liberdade,
emancipação e cidadania, por exemplo. A reflexão sobre o trabalho docente
revelaria ao profissional as limitações reais de seu fazer e demandaria estratégias
para sua superação. Ou seja, o problema se localizaria na abordagem do professor
sobre seu fazer, o que é uma forma simplória de entender a dialética, conforme
sustenta Adorno:
Se objetarmos à dialética, tal como se fez repetidamente desde os críticos aristotélicos de Hegel, que ela reduz indiscriminadamente tudo o que cai em seu moinho à forma meramente lógica da contradição, deixando de lado [...] a plena multiplicidade do não-contraditório, do simplesmente diverso, então
112
deslocamos a culpa da coisa para o método. O que é diferenciado aparece como divergente, dissonante, negativo, até o momento em que a consciência, segundo a sua própria formação, se vê impelida a impor unidade: até o momento em que ela passa a avaliar o que não lhe é idêntico a partir de sua pretensão de totalidade (2009, p. 13).
Ao primar por uma reelaboração conceitual para satisfazer as necessidades
do professor, o texto de Market detém-se ao momento positivo da dialética,
ignorando sua dimensão material que os teóricos críticos lhe imputaram, isto é, a de
que os objetos não se dissolvem em seus conceitos. Sendo assim, as contradições
sentidas ao longo do trabalho docente não dizem respeito a uma forma insuficiente
de identificar problemas e propor soluções, mas, muitas vezes, são constitutivas da
própria realidade.
Já o texto de Sinésio Ferraz Bueno, apresentado na 31ª edição da ANPEd,
aborda a questão da formação a partir de sua face negativa, ou seja, enquanto
semiformação. Nesta denúncia, o autor traz alguns referenciais da Teoria Crítica da
Sociedade para enfatizar que o progresso da razão – ainda que apenas em sua face
instrumental – não conseguiu superar tendências regressivas, autodestrutivas,
inclusive - bomba atômica, guerras, holocausto estão dentre os episódios mais
atrozes. Bueno discute o porquê dos estados regressivos da razão esclarecida
configurarem um quadro de semiformação, os “potenciais críticos e emancipadores
da cultura, que deveriam lapidar a formação do sujeito autônomo, dão lugar à
semiformação, que o prepara para a aceitação passiva da identidade entre cultura e
adaptação” (BUENO, 2008, p. 3).
Embora reconhecendo esta vertente obscura da racionalidade, capaz de
irromper com os discursos totalizantes e com a fé nos potenciais irrestritos do
“professor Prometeu”, Bueno parece advogar em favor dos processos
autorreflexivos, semelhante ao que faz Market no texto anteriormente analisado,
reafirmando a importância da força solipsista da subjetividade no combate à
aceitação passiva frente aos desmandos da razão. Ou seja, se a formação foi
desviada de sua rota inicial de crítica e autonomia por elementos contidos na própria
racionalidade humana, isso deve agora ser corrigido e levado adiante pelo projeto
educativo:
113
Assim, se assumirmos que a emancipação deve ser “elemento central na educação”, o trabalho do educador deverá envolver uma crítica negativa do progresso na sociedade burguesa, seja no que se refere à expansão desmedida das forças produtivas sob o impulso da mentalidade paranóica no plano epistêmico, seja no que se refere à identidade entre educação e semiformação (BUENO, 2008, p. 7).
Certamente, não temos outros artifícios que não os da própria razão para
seguirmos em vigília “para que Auschwitz não se repita”, conforme imperativo
metafórico adorniano, lembrado por Bueno. Nisso, a arquitetura da dialética negativa
ou da arte podem contribuir significativamente, como vimos no capítulo anterior.
Nestes modelos estéticos, o estranhamento produzido pela percepção do não-
idêntico permanece como elemento negativo do pensamento, cuja “restituição da
capacidade de elaboração intelectual do ‘fracasso da pretensão absoluta’” (palavras
de Bueno) somente confirmaria a impossibilidade de estabelecer uma identidade
verdadeira entre mundo e pensamento, objeto e seu conceito.
Nestes termos, podemos dizer que, se na perspectiva filosófica da Teoria
Crítica, a proposta da reflexão tomou o caminho da denúncia do atual estado da
racionalidade social, as teorias pedagógicas de cunho crítico renderam-se às
dimensões afirmativas da razão, confirmando a saga titânica da docência na
formação da subjetividade discente esclarecida. Ao comentar os possíveis
equívocos interpretativos acerca da filosofia adorniana, especialmente sobre a
noção de historicidade e natureza, Gómez lembra que também alguns estudiosos de
Adorno tendem a absolutizar uma compreensão do presente e transpô-la ao
passado, naturalizando os fatos com argumentos do processo histórico. Essa
postura significa para o próprio Adorno uma sanção positiva do presente, uma
legitimação acrítica (GÓMEZ, 1998, p. 36). Para Adorno (1996), foi justamente a
unilateralização do movimento de adaptação que impediu os homens de se
educarem uns aos outros.
O texto de Diego Jorge Ferreira, apresentado na 33ª edição da ANPEd, tem
por objetivo apontar traços da filosofia pragmatista nos modelos de formação
continuada de professores, enfatizando a possibilidade de assentar estes programas
no terreno da consciência e da política. O autor percebe que, associado ao
pensamento pragmatista de Dewey, está a urgência sentida na formação docente
pela resolução de problemas, assumindo muito mais um caráter político-eleitoral do
que social. Nestes termos, ao assentar o pragmatismo nos aspectos da utilidade e
114
da individualidade, Ferreira sugere que o projeto educacional estaria se voltando
para a mera adaptação dos indivíduos às condições sociais vigentes. Deixando de
lado a dimensão crítica, o pensar é instrumento apenas para a pacificação dos
conflitos e otimização dos resultados:
Os cursos iniciais de formação de professores (sobretudo aqueles oferecidos em nível médio) ainda fracos, tendo em vista as exigências do mercado, formam profissionais que são premiados, quando em serviço, com cursos para que turbinem sua capacidade instrumental. Devem passar o conteúdo criativamente, criar soluções para os problemas e/ou demandas que se apresentam a ele, professor, e seus alunos, enfim, desenvolver sua capacidade de reflexão/pensar (nos moldes de “O APRENDIZ”) para, com apoio de recursos, às vezes tecnológicos, garantirem o inalienável direito da criança a educação de ‘qualidade’ (FERREIRA, 2010, p. 6).
Muito embora se oponha aos modelos utilitaristas vigentes na formação
continuada de professores, denunciando o conteudismo e a predominância das
fórmulas de “como-fazer”, Ferreira aponta como possível a quebra da lógica
produtivista através da capacidade intelectual do professor, o qual é consciente das
demandas de seus pares: “ressaltamos a relevância do trabalho do professor que,
atingindo a muitos alunos, tem possibilidades políticas de, no mínimo, desencadear
um processo de conscientização do alunado” (2010, p. 13). Além disso, Ferreira
abaliza o papel dos docentes universitários na articulação desta desalienação, uma
vez que eles não só formam novos profissionais como arquitetam os termos de
execução das propostas governamentais de formação (continuada) de professores.
Por isso, eles podem também organizar seus colegas de profissão no sentido da
transformação.
Assim, o “professor Prometeu”, no impulso de salvaguardar a essência da
aparência, prende-se ao plano cognitivo como caminho redentor de acesso ao
conhecimento genuíno, capaz de purificar qualquer outro saber que o aluno traga de
sua experiência, de seu mundo vivido. No entanto, a síntese da aprendizagem, que
se localizaria na formação de alunos plenamente capazes de lidar satisfatoriamente
com as demandas sociais, é vertiginosamente impossibilitada pelas constantes
reconfigurações da vida. Em meio aos imprevistos, o “professor Prometeu” tenta
resguardar seu papel de guia agarrando-se a sua subjetividade alargada pela
autorreflexão. Ao instrumentalizar as possibilidades da consciência, ele toma as
115
diferentes oportunidades pedagógicas como processos de conformação à vida real,
o que não lhes permite construir formas de vivenciar e interpretar a cultura em suas
múltiplas facetas. Nestes termos, assim como Prometeu, que nada pode fazer contra
a abertura da caixa de Pandora, responsável por espalhar os males no mundo, o
empenho do professor em dotar seus alunos com a chama da consciência, da
liberdade e da cidadania, entre outras, é posto à prova cotidianamente nas
diferentes situações em que a dimensão cognitiva por si só não basta para orientar o
melhor caminho.
Dar conta da complexidade do mundo, superando as mazelas do sistema
produtivo pela via dos poderes da consciência, compara-se à autocompreensão que
a figura de Prometeu incorpora:
Prometeo se convierte en el hermeneuta de su propia historia, al entenderla como la historia de su autoconciencia. La acción sin motivo es la prueba de ello: la pura capacidad del sujeto de no disolverse en la acción, sino de ser su espectador, lo que quiere decir, en el lenguaje del mitologema, adquirir conciencia, reconocer a su águila, entrar en la alternativa de ser devorado o devorar. El banquete funerario organizado por Prometeo constituye el sacramento de ese no-ser-ya-más-comido
44 (BLUMENBERG, 2003b, p.
667).
Ao entender que sua história coincide com a história de sua própria
consciência no mundo, Prometeu encontra um motivo para suas ações, isto é,
reconhecer-se de forma distinta daquilo que sofre sua ação é a justificativa motriz da
consciência. Nesta esteira, Vernant & Vidal-Naquet observa que a história de
Prometeu configura uma relação entre tirano e escravo – Zeus e Prometeu,
respectivamente. No entanto, sua servidão é diferente justamente pela consciência
de sua condição:
Mas há escravos e escravos, e Prometeu opõe, à escravidão voluntaria de Hermes, o criado do tirano, sua própria condição: “Por uma servidão semelhante à sua, saiba bem, eu não trocaria minha infelicidade”. Mas
44
“Prometeu converte-se no hermeneuta de sua própria história, ao entendê-la como a história de sua autoconsciência. A ação sem motivo é prova disso: a pura capacidade do sujeito de não se dissolver na ação, mas de ser seu espectador, o que quer dizer, na linguagem do mitologema, adquirir consciência, reconhecer a sua águia, ter a escolha entre ser devorado ou devorar. O banquete fúnebre organizado por Prometeu constitui o sacramento desse não-ser-jamais-comido” (Tradução nossa).
116
Hermes não se reconhece como escravo, e define Zeus não como seu senhor, mas como seu pai (VERNANT & VIDAL-NAQUET, 2005, p. 238).
De modo semelhante, ser parte do sistema produtivo como uma engrenagem
ou romper com o que lhe oprime ou aliena pode ser entendido como uma escolha
que o “professor Prometeu” faz com base em mecanismos da consciência, de uma
subjetividade que constitui o mundo. Sendo assim, ainda que o professor esteja
envolto nas armadilhas de um mundo que já não prima pelos ideais do projeto
moderno, seria uma opção sua seguir neste emaranhado cada vez mais complexo,
pois ele conhece o caminho de saída, o qual está intrínseco em si mesmo.
Mas será que o “professor Prometeu” realiza apenas boas ações, trazendo a
chama do progresso e da emancipação, indicando o caminho da verdade e da
transformação social? O todo poroso que compõe a tarefa educativa encontra-se tão
próximo da riqueza da experiência humana que suscita diversas formas
metodológicas e didáticas de intervenção. E, ao mesmo tempo, tão distante em seus
fundamentos que nos coloca a refletir sobre o significado do ato educativo pensado
somente numa única perspectiva. Levantamos aqui a hipótese de que não teria sido
exclusivamente o titã Epimeteu, em sua impetuosidade, o responsável pela
desgraça humana, pois não foi somente o seu ato imprevisto que levou a
humanidade ao convívio com os diversos males do mundo. Prometeu tem também a
sua parcela de responsabilidade, ao provocar a abertura da caixa de Pandora
quando trata a questão da preservação e transformação da vida humana apenas em
seu aspecto tangível - “racional”. Prometeu e Epimeteu compõem, certamente, dois
lados da mesma moeda, especialmente se considerarmos as contingências sociais e
culturais, além dos afetos, emoções e corporeidade, que também constituem as
relações intramundanas - e não somente o aspecto cognitivo - como elementos
desencadeadores de ações e significados.
3.1.2 O “professor Hércules”: educação como interpretação da experiência
Dos 22 trabalhos que propunham explicitamente tratar da temática formação
no período de 2007-2010, cerca de 13 textos apontaram a ideia dessa ser um
117
processo que vai ganhando contornos com as experiências da vida, conforme
mostra o quadro a seguir:
Reunião Anual ANPEd
Título Autor (es)
30ª edição/2007
A dialética socrática como paidéia irônica
Antônio Álvaro Zuin
Educação, formação cultural e pluralidade de perspectivas entre outros
encantos das sereias
Maiane Liana Hatschbach Ourique Amarildo Luiz Trevisan
O operar pedagógico sob o primado da comunicação: a pedagogia em
perspectiva auto-fundante José Pedro Boufleuer
31ª edição/2008
Foucault professor Carlos Ernesto Noguera Ramirez
Pensar a função-educador: aproximações foucaultianas voltadas
para a constituição de experiências de subjetividades ativas
Alexandre Filordi de Carvalho
Educação, histórias e sentido em Hannah Arendt
Vanessa Sievers de Almeida
32ª edição/2009
Por uma filosofia da educação transformada
Claudio Almir Dalbosco
Formação ou reificação? A educação entre o mesmo e o outro
Amarildo Luiz Trevisan
Notas acerca de uma analítica da (des)pastoralização da educação: problematizações foucaultianas
Alexandre Filordi de Carvalho
O ‘cuidado de si’ como articulador de uma nova relação entre filosofia,
educação e espiritualidade: uma agenda de pesquisa foucaultiana
Alexandre Simão de Freitas
33ª edição/2010
Sobre presença e distância - reflexões filosóficas acerca da formação online
Lílian do Valle Estrella Bohadana
A relação entre forma e conteúdo na formação ética, moral e política dentro
da escola hoje Claudia Fenerich
Ética, educação e alguns desafios contemporâneos
Divino José da Silva
Quadro 3: Textos que contribuem na configuração da imagem de “professor Hércules”.
118
Na medida em que estes textos compreendem o processo formativo como
uma trajetória sempre aberta às experiências com um mundo multifacetado,
afastam-se das noções metafísicas acerca da verdade e da delimitação certa e
previdente dos papeis de professor e de aluno. Diferente da confiança na
conceptualidade e das certezas no método, esses textos compartilham uma postura
de reconhecimento sobre a importância da sensibilidade e da autorreflexão na
construção do conhecimento. Nos jogos pedagógicos construídos, o pensamento
constitui-se numa forma de interpretar a instância prática, promovendo relações de
identificação entre a subjetividade e a facticidade da vida.
Nestas diferentes abordagens, a incompletude do processo formativo fornece-
nos elementos para compreender a racionalidade docente na imagem do “professor
Hércules”. Na mitologia grega, Hércules (ou Héracles) era filho de Zeus - que
desejava dar ao mundo um herói capaz de libertar os homens de tantos monstros - e
Alcmena, uma habitante da Terra.45 O semideus desde pequeno revelou seu
potencial heróico, como, por exemplo, quando, aos oito meses, estrangulou duas
serpentes que Hera, esposa de Zeus, tinha mandado para atacá-lo por causa do
ciúme que sentia do filho que o marido tivera com outra mulher. Mesmo assim, ainda
pequeno, Hércules havia sugado o seio de Hera, que só lhe deu o leite com o vírus
da imortalidade por não saber a verdadeira identidade da criança. A educação de
Hércules iniciou-se em casa, semelhante aos demais jovens gregos, sendo seu
primeiro mestre o general Anfitrião, esposo de Alcmena, que lhe ensinou a arte de
conduzir bigas. A indisciplina e o comportamento temperamental eram
características de Hércules, chegando a matar seu primeiro professor de música,
Lino, ao atirar um tamborete (outros dizem que foi uma lira) por este lhe ter chamado
a atenção. O crescimento de Hércules era descomunal e, aos dezoito anos, já
atingia três metros de altura.
45
Hércules (do latim Hercules) significa uma forma de juramento familiar, própria do homem. Corresponde ao grego Heraklês, composto dos termos Hera (“a Protetora, a Guardiã”) e Klês (provém de Kléos, que significa “glória), ou seja, Heracles é aquele “que fez a glória de Hera”. Embora seja filho de Zeus no mito, Hércules é bisneto de Perseu (que decapitou a Medusa), pois Alcmena é filha de Eléctrion e neta de Perseu. Hércules é uma figura mitológica que foi sendo incorporada à cultura popular. Conforme comenta Brandão (1991, p. 515), o vasto mitologema de Hércules evoluiu ininterruptamente, desde a época pré-helênica até o fim da antiguidade greco-latina, sendo extremamente difícil manter certa ordem ao expor sua trajetória. As versões literárias gregas da sua vida e seus feitos foram apropriadas pelos romanos a partir do século II a.C de forma inalterada. Ele pode ser identificado com a pele de leão e a clava, sendo que vários imperadores romanos assumiram os seus atributos, alimentando o culto ao herói.
119
Na vida adulta, Hércules recebeu a incumbência difícil e desafiadora de
realizar doze trabalhos, durante doze anos, sob o comando de Euristeu, Rei de
Argos de Micenas. Uma das versões para o herói ter aceito as tarefas,
aparentemente impossíveis de realizar, sugere que elas seriam uma penitência
imposta pelo Oráculo de Delfos a Hércules que, num acesso de loucura, teria
matado todos os filhos de seu primeiro casamento. Este episódio fora provocado
também pela ciumenta Hera, que nunca perdoou o adultério de Zeus, sobretudo sua
tentativa de legitimar esta traição ao enganá-la e fazê-la alimentar Hércules com o
leite imortal. Como prêmio por tamanha punição, Apolo e Atená (ou Minerva)
disseram que Hércules obteria a imortalidade46. As armas usadas por Hércules para
realizar as tarefas foram presentes dos deuses (Hermes deu a espada; Apolo, o arco
e as flexas; Hefesto, uma couraça de bronze; Atená, um peplo e Posídon, os
cavalos), exceto a clava, que o próprio herói fez a partir do tronco de uma oliveira
selvagem. Os trabalhos a que Hércules foi exposto foram, entre outros: matar o leão
de Nemeia, monstro caído da Lua, de quem ele deu cabo e passou a vestir sua pele
como escudo protetor; capturar a corça de Gerínia que, por ter patas de bronze, era
extremamente veloz; acabar com um gigantesco javali selvagem que assolava o
monte Erimanto; entrar no fantástico jardim das Espérides e o roubar as maçãs
douradas (ou o Pomo de Ouro) das ninfas, que cuidavam do jardim a pedido de
Hera. Rumo ao extremo ocidente, onde ficava o jardim das Espérides, Hércules
passou pelo Cáucaso, escalando-o e libertando Prometeu da sua condição de
acorrentado.
Enquanto os seis primeiros trabalhos de Hércules se passam no Peloponeso,
os últimos o levaram a vários lugares na orla do mundo grego e além. Os monstros e
prêmios que o herói trazia a Argos eram recebidos por Euristeu com certo espanto
ou medo, levantando dúvidas sobre a finalidade das provas que este imputou à
Hércules. Ao findar seus trabalhos, ele retorna agonizando para Tráquis em função
de uma estratagema da esposa Dejanira (ela lhe envia uma túnica envenenada com
o sangue da Hidra de Lerna e o esperma do Centauro Nesso, amuleto preparado
por este e dado a Dejanira como forma de manter Hércules junto da esposa), a qual
46
Se Hércules já era imortal em função do leite de Hera ou se aceitou a realização dos trabalhos em função desta possibilidade são variantes do mito para justificar tantas provações por que teria que passar o herói: “Para as religiões de mistérios, na Hélade, os sofrimentos de Héracles configuram as provas por que tem que passar a psiqué, que se libera paulatinamente, mas progressivamente, dos liames do cárcere do corpo” (BRANDÃO, 1991, p. 519).
120
se mata ao ver o que havia feito. Hércules, então, cambaleando, segue ao monte
Eta, perto de Tráquis, deitando-se numa pira e pedindo a Filoctetes que ateasse
fogo. Tão logo as chamas aumentaram, ouve-se um trovão, sinal de que Zeus havia
arrebatado o filho para o Olimpo.
Ao comentar a versão dada aos mitos por Giambattista Vico, filósofo italiano
do início do século XVIII, Blumenberg diz que a partir da configuração Prometeu-
águia-Hércules é possível entender o fundamento das possibilidades da humanidade
como o “dominador do monstruoso” (Hércules) e não o “portador do fogo”
(Prometeu):
Recuérdese que, en conjunto, el mundo griego, tanto el clásico como el helenístico, se había decidido por Heracles. Aun así, ese servicio heracleo de liberación del águila sólo se da en la versión ática de la historia de Prometeo, mientras que el círculo cultural dórico y del Peloponeso desconoce esa entrada auxiliadora de Heracles. Con sus hazañas, con la fisonomía de todos los seres que iba dejando tendidos por su camino, el hijo de Alcmena podía encender la fantasía de un modo muy distinto que aquel ser sufriente del Cáucaso. Se podría incluso decir: para Vico, el trabajo de alfarería de Prometeo es demasiado realista, demasiado limitado a las necesidades de una mera supervivencia, mientras que Heracles es una figura de alcance universal, con cualidades como para encumbrarse a sí mismo hasta una apoteosis divina. Frente a él, Prometeo aparece como ese “tipo de sujeto del ámbito de la vida que no sabe qué hacer, al que mueve una continua preocupación por la conservación de la existencia”. Para Vico, que cree saber cómo surgen los mitos a partir de una sensibilidad originaria, Heracles representa lo que, en mi lenguaje, se puede llamar “trabajo del mito”, sobre el cual solo la “labor que nosotros hagamos” con el propio mito permite hacer suposiciones; Prometeo, en cambio, es, más bien, la figura de una ansiedad paralizadora, interpretación - que lo excluye del centro de la atención - cuya oportunidad la pudo haber deparado la alegorización hecha por Hobbes en su Leviatán
47 (2003b, p. 406).
47
“Lembre-se que, em geral, o mundo grego, tanto o clássico como o helenístico, havia se decidido por Hércules. Ainda assim, esse serviço hercúleo de liberação da águia somente se dá na versão ática da história de Prometeu, enquanto que o círculo cultural dórico e do Peloponeso desconhece essa entrada auxiliadora de Hércules. Com suas façanhas, com a fisionomia de todos os seres que ia deixando estendidos por seu caminho, o filho de Alcmena podia acender a fantasia de um modo muito distinto que aquele ser sofredor do Cáucaso. Poder-se-ia inclusive dizer: para Vico, o trabalho de ceramista de Prometeu é bastante realista, bem limitado às necessidades de uma mera sobrevivência, enquanto que Hércules é uma figura de alcance universal, com qualidades como a de elevar-se a si mesmo até a apoteose divina. Frente a ele, Prometeu aparece como esse “tipo de sujeito do âmbito da vida que não sabe o que fazer, aquele que move uma contínua preocupação pela conservação da existência”. Para Vico, que acredita saber como surgem os mitos a partir de uma sensibilidade originária, Hércules representa o que, em minha linguagem, pode se chamar “trabalho do mito”, sobre o qual somente o “trabalho que nós fazemos” com o próprio mito permite fazer suposições; Prometeu, em troca, é, melhor dito, a figura de uma ansiedade paralisadora, interpretação - que o exclui do centro da atenção - cuja oportunidade me deparei na alegorização feita por Hobbes em seu Leviatán” (Tradução nossa).
121
Nesta configuração, se Prometeu preocupa-se com a conservação, que
muitas vezes paralisa o processo de conhecer devido às contidas formas de
atuação, Hércules, a partir do entendimento que fazemos sobre sua trajetória, dá-
nos a oportunidade de atribuirmos sentido ao que nos cerca. Afinada às exigências
do contemporâneo, na imagem do “professor Hércules”, compreendemos o papel
das experiências no processo formativo, pois, como lembra Adorno, “a posição-
chave do sujeito do conhecimento é experiência, não forma” (1995, p. 194). Assim,
diferente da relação coercitiva com o objeto, mantida pelo “professor Prometeu”, a
perspectiva formativa do “professor Hércules” enfatiza as trocas intersubjetivas, em
que os dilemas da construção do conhecimento são tomados como oportunidades
de reelaboração dos modelos vigentes. Muito embora a trajetória de Hércules
estivesse marcada pela luta contra os monstros e os acessos de loucura – que lhe
fizeram matar sua própria família, por exemplo -, em seus retornos à razão imputava
a si mesmo tarefas como forma de penitência e aprendizagem.
Nesta perspectiva, o trabalho apresentado por Maiane Liana Hatschbach
Ourique & Amarildo Luiz Trevisan, na 30ª edição da ANPEd, traz o questionamento
sobre a validade do discurso da formação cultural (Bildung) no contexto
contemporâneo de pluralidade de perspectivas. Em um cenário pós-metafísico,
[...] os apontamentos em direção à pluralidade visam justamente promover articulações entre a tradição pedagógica e as novas tarefas da educação, de modo a não tomar as relações simbólicas como factuais. Isto seria possível de ser atingido numa compreensão hermenêutica, desde que fosse permitido analisar o passado sem eliminar as contingências presentes. Na educação, estas pontes dão-se no debate público, quando a proposta formativa pode ser transformada em prática pedagógica; uma ação em que o compromisso coletivo traduz-se pelo entendimento de seu significado e pelo empenho em manter a veracidade do projeto norteador (OURIQUE & TREVISAN, 2007, p. 2-3).
Os autores tematizam a proposta formativa da educação, enfocando a
necessidade de eleição de metas passíveis de alcance também no momento
presente, no sentido de que os sujeitos se percebam partícipes do processo
formativo vivido. Como forma de pensar a formação em sua pluralidade, o trabalho
expõe os cinco usos do conceito de Bildung caracterizados pelo linguista francês
Antoine Berman: enquanto trabalho (formação de si pela formação das coisas),
viagem (o viajante vivencia a experiência do que não é - pelo menos aparentemente
122
- para, ao final, se reencontrar a si mesmo), tradução (o elemento estrangeiro
produz um choque com o não-idêntico, uma contraimagem geradora de reflexão e
recriação tanto da obra quanto de si mesmo e da cultura em que vive), viagem à
Antiguidade (a antiguidade grega como modelo de completude à cultura alemã) e
como prática filológica (com a riqueza de significados do conceito de Bildung, o
filólogo pode realizar as relações semânticas mais profícuas em seu tempo). Com
isso, é possível pensar a formação (Bildung) como uma viagem pela cultura,
dimensão polissêmica do conceito de Bildung lembrado no texto, na qual o
“professor Hércules” desafia sua classe a embarcar com ele em um tour pelos
saberes já construídos, religando ou rompendo elos compreensivos. Para além dos
saberes da formação inicial, sua formação cultural sustentaria a compreensão
dessas viagens, afinal a aprendizagem construída na escola precisa ultrapassar
seus muros, explicitando mais claramente a função social da instituição.
Podemos dizer que este entendimento da formação docente está sustentado
na perspectiva da objetividade à medida que, diferente de ver apenas os aspectos
instrumentais dos programas, repõe a questão da constituição da docência em suas
bases culturais mais amplas, isto é, para além dos domínios do conhecimento
acadêmico. Para que este saber seja significado no contexto da formação docente,
não prescinde de elementos da cultura e da sociedade em que se constituiu, ou
seja, a relação teoria e prática sob o primado do objeto exige o envolvimento
aprofundado do sujeito em ambas as esferas:
A teoria que vivifica a práxis não pode supor que, no conhecimento, o sujeito queira apenas registrar o objeto, a realidade puramente objetiva. A maior objetividade buscada pelo pensamento dialético – a objetividade do conhecimento dialético – necessita, não de menos, mas de mais sujeito. Só assim, enxergando-se a si mesmo como parte da realidade, o sujeito pode se conhecer objetivamente (KONDER, 2003, p. 124).
Para enfocar esta perspectiva ativa da docência no processo de
aprendizagem, Alexandre Filordi de Carvalho, no texto apresentado na 31ª edição da
ANPEd, menciona o conceito foucaultiano da “função–autor” como mediadora da
“função–educador”. O autor desenvolve a noção de “função-educador” como um
operador estratégico e tático de afrontamento às estruturas de saber-poder,
sedimentadas no campo das experiências pedagógicas. A partir daí, o autor
123
apresenta a ideia da “função-autor” “para diagnosticar e problematizar novos
campos de experiências que hão de colocar em movimento situações e perspectivas
a favor de constituições de subjetividades ativas no domínio da educação” (2008, p.
1). Com a expressão metafórica “função-autor”, “Foucault retira do sujeito seu papel
de fundamento originário e o coloca na dimensão de uma função variável e
complexa” (Ibid., p. 4). Ou seja, embora persista a exigência de ação subjetiva, esta
já não se constitui em força solipsista de criação, pois depende dos múltiplos
influxos atuantes no cenário. Estabelecendo uma analogia, a função-educador pode
ser entendida como uma atividade produtiva que comporta descontinuidades e
atribuições variáveis, conforme a posição do professor. Neste sentido, “o educador é
convidado a procurar e criar desde as margens de reconhecimento tanto político
quanto legal para fazer circular propostas, ações e práticas que não sejam
necessariamente as esperadas” (Ibid., p. 5). Mais do que o compromisso assumido
com a constituição política e normativa de sua profissão, o professor ajusta sua
atividade aos demais interesses e situações configuradas, cuja descontinuidade é
um dos aspectos mais marcante:
A descontinuidade, nesse horizonte, viria da capacidade do educador compreender que no ato da formação prevalece também uma pluralidade de egos. Ou seja, o próprio conhecimento que ele tenta administrar está cercado de vozes heterogêneas que deveriam impedi-lo de se enxergar como “proprietário” do conhecimento. Claro que ele o singulariza. Entretanto, ao se posicionar desse modo, ele poderia se abrir para uma variação maior de posições acerca do entendimento de um domínio, matéria, questão, pois tentaria se deslocar para além de uma mesma perspectiva reprodutora. Educar seria, assim, colocar-se sob um umbral de uma relação de saber-poder onde o outro também é levado em consideração. Mas é também tentar multiplicar a quantidade de umbrais em acontecimentos possíveis. Em suma: a pluralidade de egos pode representar a ordem do incalculável presente nas relações formativas (Ibid., p. 6).
A impossibilidade de dotar o processo formativo de dispositivos racionalizados
reforça a importância da ação docente no seu contexto de inserção, postura esta
que não se atém aos currículos consolidados, mas se refere a dispor-se a novas
experiências à luz de um pensamento que perpassa os limites do discurso. Aqui
existe uma imagem de professor que não se deixa prender aos processos a que a
educação está atrelada, questionando, entre outras coisas, as expectativas e os
papéis de professor e aluno ou as rotinas escolares e sua função. De modo
124
semelhante, Hércules não se deixou apresar pelas armadilhas arquitetadas pelo
destino, aproveitando-se destas situações para colocar-se à prova e revigorar suas
forças.
Kierkegaard, em nota dos Diários, diz que assim é a postura do esteta, diante
do conhecimento filosófico e da exigência da forma artística, fazendo analogia à
figura de Hércules:
Aqui estou eu como Hércules, mas não na encruzilhada – não, aqui se mostra uma multiplicidade de caminhos muito maior, e portanto fica muito mais difícil de encontrar o correto. Talvez seja justamente a desgraça de minha existência que eu me interesse por coisas demais sem me decidir por uma delas; meus interesses não se subordinam a um único, mas ficam coordenados entre si (Apud Adorno, 2010a, p. 33).
Assim como o filho de Alcmena recebeu os doze trabalhos sem a forma de
como proceder em cada tarefa, as narrativas que fundaram a docência na
modernidade – emancipação, liberdade, cidadania, consciência, entre outras - são
entendidas pelo “professor Hércules” como horizonte de expectativas da tarefa
docente, que guiam, sem engessar, a construção das aprendizagens. Isto porque no
esforço por conhecer o objeto, este se mostra pleno de contradições, que instigam a
atribuição de sentido. Neste sentido, de maneira alguma tais narrativas modernas
são cegamente perseguidas, o que nublaria as percepções e as aprendizagens – às
vezes, surpreendentes – do processo.
A ampliação da sensibilidade para com a pluralidade diz respeito à dimensão
estética da racionalidade docente e aos processos de reconhecimento ocorridos na
relação pedagógica. Por isso, Amarildo Luiz Trevisan, no texto apresentado na 32ª
edição da ANPEd, discute os procedimentos de leitura e decodificação da cultura,
analisando a categoria de reificação no contexto da dialética da formação cultural
(Bildung) hegeliana. O autor tem a intenção de proceder no texto de forma
semelhante a qual fez Gadamer, tratando hermeneuticamente o conceito de
formação e rompendo com o absoluto hegeliano, isto é, ele enseja mexer
paulatinamente também com a ideia da reificação, a qual “vai se afastando dos seus
vínculos de base, para se tornar um auxílio efetivo no entendimento dos processos
de reprodução da cultura” (2009, p. 1). Neste sentido, Trevisan chama a atenção
125
para a importância da utilização de outras estratégias e jogos intersubjetivos de
escuta do outro:
O redirecionamento do comportamento mortificado pode ocorrer por intermédio do papel ativo de participantes que cabe a todos, reavivando assim a dialética do mesmo e do outro. Desse modo, com Honneth pode se inferir que a redenção das diferenças e da pluralidade se encontra no nível da implicação mútua (entre formação e reificação), isto é, na atitude de reconhecimento (de um plano cultural pelo outro), que serve de base para gerar conhecimentos (menos preconceituosos e mais produtivos sobre o assunto). É nesse sentido que se pode compreender a idéia de que o outro esquecido pela reificação não está ‘diante dos olhos’ simplesmente, pois eles já estão dominados pelo consumo, mas quem sabe muito mais ‘ao alcance da mão’. Essa reflexão pode inspirar uma educação para o uso do controle remoto ou do mouse, não restrita ao simples treino de técnicas e habilidades de controle, mas para fazer boas escolhas de produtos da publicidade (filmes, livros, jogos, músicas, programas de computador e de televisão, etc.); e, ainda, prover a participação em cursos/eventos de formação pessoal/profissional e cultural. Certamente agindo assim os sujeitos estarão se inserindo criativa e produtivamente no universo de expansão do cultural e de estetização do mundo da vida (2009, p. 13).
De maneira semelhante à sensibilidade apurada de Hércules para reconhecer
as qualidades do estranho e, por isso, lograr êxito em suas batalhas, o professor
precisa produzir processos de identificação no ambiente em que atua. Uma
característica da educação no contemporâneo, apontada por Trevisan, é a
emergência das tecnologias, que abrigam formas distintas de organização do
conhecimento e exigem do professor a reelaboração de modelos teóricos, éticos e
estéticos.
Neste sentido, a formação docente constituiu, na última década
especialmente, um novo espaço, que são os cursos realizados na modalidade “à
distância”, ou seja, online em sua boa parte. No texto apresentado na 33ª edição da
ANPEd, Lílian do Valle & Estrella Bohadana preocupam-se não somente com o
conceito de “Educação a Distância”, mas com o modelo de formação online que está
se firmando na atualidade, cuja única diferença parece ser a presença ou a ausência
do aluno nos espaços físicos dos cursos. Ainda que seja notável a exigência de
novas tecnologias e recursos técnicos, é necessário: reconhecer que ela pouco
contribuiu para a crítica das finalidades da formação, para a elucidação dos
elementos teóricos envolvidos na prática educativa, para o aprofundamento do
conhecimento que se tem da condição humana, de seus enigmas e possibilidades;
126
enfim, é preciso convir que, considerada isoladamente, a nomenclatura pouco fez
avançar a elucidação filosófica dessa complexa equação que envolve a exigência de
educar (2010, p. 3).
Embora as restrições do modelo de Educação a Distância em pauta, Valle &
Bohadana comentam que, ao fugir destes modismos, é possível perceber a recusa
da dualidade corpo e mente, assim como da distância, para além de um sentido
meramente geográfico, ganhando destaque, então, a noção de produzir uma
“alteração”. Para as autoras, esta seria condição essencial de qualquer atividade de
formação humana, cuja distância, para além de distanciamento ou proximidade
física, “é a relação que a cada vez se estabelece entre o sujeito e seu projeto de
autoformação, entre o sujeito e aquele que, na relação pedagógica, testemunha
aquilo que o sujeito quer atingir – o professor, ou o autor que lhe servem de
referência” (Ibid., p. 7). Desta forma, a distância é igualmente requisito ético do
professor, pois, ao entender que toda formação é também autoformação,
dimensiona “a necessidade de construir, em sua relação com os alunos, um espaço
suficiente para que essa eleição de fins possa se dar” (Ibid., p. 8). Diante da
complexidade do humano, as autoras enfatizam a impossibilidade de ignorar o
processo formativo como coexistência dessas múltiplas dimensões, em que
autorreflexão, imaginação, sensibilidade contribuem em grande medida para a
construção da autonomia.
Nesta compreensão, ecoa o que Gadamer, à luz dos escritos hegelianos,
ponderou sobre a ideia de formação:
O fato de a formação (assim como a atual palavra “Formation”) designar mais o resultado desse processo de devir do que o próprio processo corresponde a uma freqüente transferência do devir para o ser. Aqui a transferência é bastante evidente, pois o resultado da formação não se produz na forma de uma finalidade técnica, mas nasce do processo interior de formulação e formação, permanecendo assim em constante evolução e aperfeiçoamento (2005, p. 46).
Sendo assim, o “professor Hércules” não somente possibilita a interpretação
do múltiplo, como se sustenta na multiplicidade para realizar seu trabalho. Lidar
nesta pluralidade e fazer deste múltiplo elemento primordial diz respeito ao caráter
ético e estético da formação. Por isso, Claudia Fenerich, no trabalho apresentado na
127
33ª edição da ANPEd, ao admitir a carência de instituições “com autoridade para
julgar os diferentes valores em disputa e estabelecer uma hierarquia entre eles”,
propõe-se a “esclarecer a natureza dos saberes éticos, morais e políticos no
contexto das sociedades atuais, bem como para pensar sobre as possíveis
apropriações desses pela escola” (2010, p. 2). A autora ratifica o cenário pós-
metafísico em que vivemos, tomando, para isso, os apontamentos da teoria
discursiva habermasiana e da filosofia da moral e do direito kantiana. Dessa forma,
enquanto instituição social, a escola não está para além dos valores sociais,
constituindo-se em seu maior valor “o respeito igual por todos os indivíduos,
independente de suas crenças, opiniões ou modos de vida. Este é um valor gerado
dentro de contextos éticos pós-tradicionais” (Ibid., p. 7). Estar disponível para
aprender com o outro é o dispositivo que sustenta esta dimensão ético-estética da
formação, de modo que “o professor não pode se colocar como porta-voz dos
valores sociais, uma vez que os valores sociais são diversos e podem se opor” (Ibid.,
p. 8). Sua autoridade, continua a autora, advém justamente por conhecer que os
valores que dispõe em aula não são absolutos, mas passíveis de questionamentos e
mudanças.
Apesar de Adorno não ter realizado pontuações profundas sobre uma filosofia
moral, seus apontamentos sobre as contradições de uma vida reta, exercida sobre
pilares racionais, podem indicar questões importantes acerca de normas e princípios
morais vistos sob uma perspectiva negativa. Tendo em vista os desdobramentos da
lógica de dominação capitalista, Adorno percebe que moral e repressão servem uma
à outra no sentido da duplicação do sempre igual e da constituição da ideia de uma
falsa totalidade. Tal alerta não se refere a qualquer tipo de panfletagem ou
“denúncias céticas”, como diz Gerhard Schweppenhäuser, sobre a impossibilidade
do exercício de princípios morais na sociedade cuja lógica dominante é produtivista,
mas à necessidade de vigilância constante também em um modelo de racionalidade
pautada na pluralidade do mundano, na qual os princípios do agir moral são
testados permanentemente:
Sua contribuição para a discussão filosófico-moral atual poderia ser reconstruída da seguinte forma: é do interesse de todos os homens, no que se refere à concretização de uma regulamentação racional e moral de suas interações sociais, que a ambivalência das intuições éticas permaneça na consciência. Pois só aquilo que conhecemos podemos mudar. Apenas
128
quando refletimos sobre a ambivalência das categorias morais podemos evitar ser dominados por seu lado repressivo, o que nos impediria de usar suas forças libertadoras para a organização autônoma da vida social (SCHWEPPENHÄUSER, 2003, p. 394).
A partir desta perspectiva multifacetada para o estabelecimento de princípios
morais, Divino José da Silva, no trabalho apresentado na 33ª edição da ANPEd,
reconhece as fragilidades que as relações entre ética e educação ganharam no
contemporâneo, diferente de quando “cabia à escola e aos professores a função de
inserir as novas gerações no universo dos valores e formas de comportamentos
legitimados socialmente” (2010, p. 1). A imagem que os outros fazem ou exigem de
nós ganhou tamanha importância que a construção de uma imagem positiva beira a
obsessão. É cada vez mais difícil atitudes de sacrifício ou de adiamento de
recompensas, o que importa é o prazer do momento. Neste contexto, Silva, a partir
de apontamentos de Goergen, reforça esta perspectiva intersubjetiva, não
maniqueísta, da formação ética:
[...] a idéia do agir correto não pode ser dada em forma de prescrições, muito menos a educação pode desenvolver nos alunos um conjunto de disposições acabadas como garantia de modos de agir. O que se pode fazer por meio da educação é despertar os alunos para modos de agir moral, os quais demandam um processo pedagógico que favoreça formas reflexivas de comunicação que possibilitem testar proposições morais em contextos culturais determinados. Portanto, requer um clima cultural e social que favoreça o desenvolvimento de tais disposições (2010, p. 2).
Esta sensibilidade para formar(-se) com o outro sem torná-lo idêntico a si, via
explicações moralistas ou cognitivas, depende não apenas de uma atitude subjetiva,
mas da moralidade cultural em vigor. Em tempos de exacerbação do hedonismo e
do comportamento competitivo, conforme lembra Silva, é difícil ao professor não se
ver enredado na lógica de que “vencem os melhores”, assim como empreender
parâmetros sobre justiça e bem comum. Segundo o autor, é preciso que a escola
exercite práticas de estranhamento com essas rotinas, como as produzidas pelas
“narrativas poéticas”. Isto em nome de uma aproximação com a singularidade das
subjetividades e experiências escolares.
A relação entre singularidade e universalidade é, segundo Adorno apresenta
em suas aulas ministradas em Frankfurt – entre os anos de 1950 e início da década
129
de 1960 - sobre o tema “problemas da filosofia moral”, a problemática central da
filosofia moral. De um lado estariam os interesses e as formas de comportamentos
dos indivíduos particulares, de outro, as questões de interesse coletivo,
comportando também a pretensão da concretização de uma sociedade justa. Para
Adorno, a questão fundamental que guiaria a filosofia moral seria: “de que modo os
interesses particulares e as pretensões de felicidade poderiam ser conduzidos, em
concordância com certos interesses objetivos, originando normas obrigatórias para o
gênero humano” (ADORNO apud SCHWEPPENHÄUSER, 2003, p. 396).
Desenvolvida concomitantemente à escrita de suas obras eminentemente
estéticas, é possível perceber nesta breve reflexão acerca das questões morais que
Adorno reitera a necessidade de manter a tensão entre pensamento e ação, no
sentido de encontrar pontos comuns entre subjetividade e alteridade e vincular mais
estreitamente o agir moral à superação das contradições sociais, reforçando a
indissociabilidade entre forma e conteúdo. Entendendo que o pensamento ético está
atrelado a elementos históricos e sociais, Adorno não procurou um fundamento para
o agir moral, mas elaborou a noção de “impulso moral”:
[...] fermento de uma solidariedade mimética que não rivalizasse com a racionalidade do normativo, mas que devesse ser elaborada na sua precária e evidente combinação, porém de forma transparente, com tal racionalidade. Sua teoria do impulso moral foi a tentativa de determinar, no indivíduo, motivos reflexivos e somático-miméticos como elementos de ação ante desafios concretos (Ibid., p. 397-398).
Os impulsos não pertencem à ordem da racionalidade, mas possuem um
motivo mimético, ao sentimento de solidariedade para com o sofrimento do outro e à
injustiça. Amparado na dialética negativa, Adorno percebe na resistência da
objetividade e da multiplicidade à homogeneização uma forma de
destranscendentalizar a filosofia moral:
Formuladas ex negativo, as proposições crítico-normativas podem se adequar a uma enfática pretensão de validade, que no entanto não é mais “incondicional”, mas, condicionada à sua condição de realidade, que, em sentido moral, deveria ser transformada e, pelo interesse em tal mudança, aquém do qual não poderemos recuar. Este interesse, portanto, não é derivável mais uma vez de alguma outra coisa (Ibid., p. 408).
130
As relações humanas não se submetem simplesmente aos modelos de certo
ou errado, igual ou diferente, por isso também no campo pedagógico não faz sentido
atribuir ao professor a tarefa de porta-voz dos valores sociais, como lembrou Claudia
Fenerich. De igual modo, distinguir princípios morais para a sociedade e
fundamentá-los em sua obrigatoriedade seria incorrer na positividade da dialética,
sobre a qual o pensamento adorniano se contrapôs. Formulado negativamente, seu
imperativo categórico aponta o que não deve ser ou o que não pode acontecer.
Neste sentido, o respeito à diversidade e o direito de sentir são experiências morais
que podem sustentar a formação humana na escola. O exercício da alteridade é
proporcionado, dentre outras formas, com a análise de narrativas sociais diversas,
diretamente ligadas ao sentido da formação (Bildung), conforme já nos referimos.
Tais narrativas não apresentam modelos de bem viver, mas o significado que o outro
(o não-eu) atribui aos acontecimentos e sua postura diante deles. A aprendizagem
constituída a partir dessas histórias advém dos momentos de identificação que se
estabelecem, seja através de elementos discursivos, gestuais, contextuais, etc.
Por isso, a sensível compreensão do não-idêntico perpassa a docência desde
sua formação inicial e é nela que os processos de formação do “professor Hércules”
devem se amparar. Constituindo-se numa experiência com a alteridade e construção
da identidade individual, sua formação, portanto, é o espaço para a aprendizagem
de um olhar não coercitivo sobre a realidade e não hipostasiado sobre a teoria.
Tendo em vista esta complexidade crescente, também as concepções do que seja
pensar pedagógica e filosoficamente as questões da educação precisam ser
ampliadas.
Apresentado na 32ª edição da ANPEd, o texto de Claudio Almir Dalbosco tem
como pano de fundo a direção tomada pelas atuais políticas públicas de formação
de professores. O trabalho debate o lugar dos Fundamentos da Educação nestes
programas, tendo em vista os atuais processos de didatização da educação e o
enfraquecimento de uma perspectiva normativa e teleológica. Neste cenário,
Dalbosco sugere:
Uma ampliação do conceito de Pedagogia, que a conceba como atividade reflexiva, e uma destranscendentalização historicizadora da Filosofia, que possa compreender a atividade racional como algo enraizado na sociedade e na história, pode abrir perspectivas teóricas produtivas para enfrentar a
131
diversidade de problemas oriundos de uma crescente complexificação social e educacional (2009, p. 6-7).
Além disso, a própria relação pedagógica entre professor e alunos é
dinamizada, pois não existe a determinação de que apenas um polo ensina e outro
aprende, somente. É na troca intersubjetiva que o conteúdo é significado,
constituindo-se este modelo “num ponto de partida metodológico promissor da crítica
ao conceito clássico de fundamentação e da idéia de transmissão de conhecimento
dele resultante” (Ibid, p. 8).
Ao pensar filosoficamente temas educacionais, a noção de teoria, conforme
explica Dalbosco, permaneceu prisioneira do modelo representacional de objetos. A
ampliação desta noção passa pela distinção entre normatividade e verdade, já que o
tipo de reflexão exigido no plano normativo não se identifica com aquele que
estabelece as condições de acesso à verdade, “mas tem a ver sim com um conjunto
de questões e problemas que dizem respeito diretamente às modificações que o
sujeito precisa sofrer para ter acesso progressivo à verdade” (Ibid., p. 13-14).
Interpondo um prisma adorniano, o conteúdo de verdade é acessível por
mediações estéticas. Por isso, as modificações subjetivas dizem respeito à forma de
se relacionar com a realidade, sem a pretensão de reconstruí-la de acordo com seu
juízo arbitrário, mas reconhecendo que o pensamento produz um movimento
formativo no qual o caráter prático é apenas um de seus elementos: “O pensar tem
um duplo caráter: é imanentemente determinado e é estringente e obrigatório em si
mesmo, mas ao mesmo tempo, é um modo de comportamento irrecusavelmente real
em meio à realidade” (ADORNO, 1995, p. 205).
Alexandre Filordi de Carvalho, no texto apresentado na 32ª edição da ANPEd,
também se posiciona contrário a noção de “educação como a arte de condução” de
um ponto a outro da aprendizagem, aludindo à expressão metafórica da
“pastorização da educação”. Através da metáfora “pastorização”, Foucault referia-se
à regularização de tudo, numa relação de domínio e obediência, saber frente ao
não-saber. Neste sentido, o texto de Carvalho refere-se às semelhanças
perceptíveis entre a pastoral cristã e certos traços gerais da educação ocidental,
especialmente no que diz respeito às relações de “mando e obediência com o intuito
de manter colonizado o pensamento, submetendo-o às mesmas referências, às
132
práticas e condutas humanas disciplinarizadas e a uma forma pedagógica
heterônoma” (2009, p. 2). A figura docente emergente neste modelo é a do
“educador-pastor”, aquele que supõe “dar conta não somente de cada um de seus
alunos-ovelhas, mas de todas as suas ações, de todo bem e mal que eles são
suscetíveis de fazer e de tudo o que lhes pode acontecer” (Id. Ibid.).
Assim, ainda que a normatividade deste modelo educacional aponte para uma
formação emancipatória, uma prática pedagógica alicerçada na tutela não
disponibiliza instrumentos para o manuseio autônomo, de modo análogo, o pastor
não tem a intenção de guiar a ovelha para que ela se desgarre de seu campo e o
abandone. Carvalho, porém, deixa em aberto a contraimagem que poderia ser tecida
como forma de resistência e persistência no caminho da emancipação das
racionalidades docente e discente. Sua intenção se atém a instigar outros tipos de
relações no sentido da formação humana. No entanto, certamente, eles incidem em
modelos não polarizados entre quem ensina e quem aprende, verdadeiro e falso,
etc. Ao contrário disso, estaria se recorrendo a tipos de relações transcendentais
novamente, cuja relevância se localiza sempre fora da dinâmica intersubjetiva.
Para auxiliar a tecer essa outra imagem da educação e da docência,
despojado da intenção modeladora do pensamento absoluto, o texto de José Pedro
Boufleuer, apresentado na 30ª edição da ANPEd, discute o fazer pedagógico a partir
do paradigma intersubjetivo, defendendo a ideia de que a pedagogia se constitui de
um fazer autofundante, cuja base se localiza nas próprias situações de comunicação
entre professor e aluno. Lembrando que a comunicação humana não se compõe de
um processo que conta com um emissor, uma mensagem e um receptor, Boufleuer
(2007) coloca em dúvida a noção de “transmissão”, bastante difundida, embora
muito criticada pelas teorizações pedagógicas, em que o educar consiste em operar
uma “passagem” - de um estado de obscuridade para um estado de luz. Do mesmo
modo, o processo pedagógico também não se configura como um instrumento de
“condução” ou de produção de coisas úteis, cujo pressuposto seria a existência de
uma espécie de fluxo efetivo entre consciências para que o conteúdo explicado pelo
professor fosse apreendido de maneira intacta pelo aluno. Boufleuer coaduna-se,
assim, a crítica de Dalbosco e Carvalho, entendendo que a aprendizagem é uma
ação subjetiva, embora aconteça em função do outro. Sugere a imagem do
professor como “testemunha da própria aprendizagem”, que participa do processo
133
de criação e mediação das percepções a partir de suas perspectivas neste momento
de encontro comunicacional em sala de aula:
Ao entrar em sala de aula o professor se põe a meditar sobre suas percepções, especialmente sobre suas dúvidas. É assim que ele se assume efetivamente como participante do processo de recriação do saber. O professor sempre deve considerar que a objetividade do saber, a direção de “confluência das percepções”, está em questão. E isso é encarar a aula como uma situação de risco. Risco também para ele, porque implica a hipótese de ele necessitar se repensar, reestruturar a sua aprendizagem. Uma aula pode implicar a necessidade de revisar toda a sua perspectiva, ela pode efetivamente deixá-lo em crise. Essa hipótese só não existe quando ele imagina doar alguma coisa para os alunos que ele já tenha, fazer alguma coisa por eles, praticar uma espécie de assistencialismo pedagógico (BOUFLEUER, 2007, p. 13).
Esta forma de compreender a razão, elaborada concomitantemente às
experiências da realidade, não abdica das relações possíveis com o plano
normativo. No entanto, a dimensão universal é percebida como uma possibilidade e
não enquanto forma a priori inconteste, conforme uma racionalidade centrada na
subjetividade assume. Por isso, o “professor Hércules” só pode ser entendido como
testemunha da própria aprendizagem se esta se referir à atitude questionadora que
deve ser estabelecida com relação ao conhecimento. Do contrário, se o testemunho
envolver também o conteúdo aprendido pelo docente, corre-se o risco de restringir a
racionalidade a relações entre particularidades, o que reduziria o processo formativo
discente e/ou expandiria ao extremo a subjetividade docente – visto que se deveria
ter vivenciado todas as aprendizagens possíveis antes de testemunhá-las.
Outra imagem variante do “professor Hércules” é a do docente como um
“narrador do mundo”, sugerida no texto de Vanessa Sievers de Almeida,
apresentado na 31ª edição da ANPEd. O trabalho discute o cenário educativo
contemporâneo, caracterizado como um momento de crise, em que “o passado não
oferece mais um sentido pré-estabelecido e seguro para o mundo” (2008, p. 1). A
partir dos apontamentos de Hannah Arendt e Walter Benjamin, Almeida propõe uma
reflexão sobre o sentido do pensar, especialmente para a educação, que tem a
tarefa de acolher a criança e promover a compreensão acerca do seu pertencimento
no mundo, construindo instrumentos para operar com a herança cultural e conservar
ou transformar a realidade.
134
Ao saber que não guarda consigo a verdade, o professor entende a
impossibilidade de “informar”, simplesmente, o sentido do conteúdo aos alunos.
Resta a ele configurar sua aula de modo que os significados contidos nas narrativas
sejam usados pedagogicamente para uma atualização do sentido do fazer humano
no mundo. Não há, portanto, garantia do ponto em que as aprendizagens chegarão,
mas é uma tentativa de promover elos entre o saber já construído e as necessidades
percebidas no momento atual:
O professor, ao mostrar sua participação (direta ou indireta) nessas experiências, provoca os alunos a buscarem sua maneira de se relacionar com o mundo. Educar, assim, é, sobretudo, “colocar em relação”, para que cada um seja desafiado a buscar o sentido das coisas e a descobrir sua singular “pertença ao mundo”, condição imprescindível para sua futura tarefa de “renovar um mundo comum” (ALMEIDA, 2008, p. 15).
De maneira semelhante, embora pensando a partir do modelo da Paideia
irônica de Sócrates e seu potencial no processo pedagógico, Antônio Álvaro Zuin, no
texto apresentado na 30ª edição da ANPEd, afirma que a ironia mostra-se capaz de
demolir as certezas sobre determinados conceitos. Isto porque, no jogo entre
essências e aparências dos conceitos, “as aparências, que são equivocadamente
consideradas como os pontos finais das definições conceituais são, na verdade, os
pontos de partida dos jogos que se estabelecem entre significantes e significados”
(ZUIN, 2007, p. 2). Nas voltas e reviravoltas provocadas pelo jogo irônico, é possível
sempre um novo começo:
E se tal raciocínio for aplicado com maior ênfase na interpretação das questões pedagógicas, nota-se que estes novos inícios são incentivados pelo educador que faz uso da dimensão emancipatória da ironia quando não apresenta um raciocínio conclusivo ao aluno, mas sim o estimula para que reflita a respeito da temática discutida e expresse suas próprias deduções (2007, p. 5).
Desta forma, o “conhecimento da realidade” – entendido aqui como o
entendimento das necessidades, angústias e experiências – é tomado pelo
“professor Hércules” de forma diferente daquela que levou o “professor Prometeu” a
assegurar sua tarefa nos processos cognitivos. O “professor Hércules” constrói seus
itinerários de formação conforme os interesses e aprendizagem das circunstâncias,
135
lançando-se ao desconhecido na ânsia de perfazer novas trajetórias formativas,
vislumbrar novas constelações.
Nesta direção pode ser entendido o sentido das aulas ministradas por
Foucault nos cursos do Collège de France, tematizadas por Carlos Ernesto Noguera
Ramirez no texto apresentado na 31ª edição da ANPEd. O trabalho objetiva abordar
a multiplicidade, variedade, intensidade e profundidade das elaborações das aulas
que Foucault ministrou no Collège de France entre 1970 e 1984. Ramirez explica
que estes encontros, embora tivessem um apoio escrito, tinham como destino um
auditório que, nas quartas-feiras ficava lotado “para escutar o professor apresentar
os desenvolvimentos das suas pesquisas. Nesse sentido, ler seus cursos como
livros é reduzir as possibilidades de apreciar a riqueza do trabalho do professor
Foucault” (RAMIREZ, 2008, p. 3). Para além da linearidade e da coerência exigidos
para a composição de um livro, na dinâmica das aulas existe a possibilidade de
ampliar ou modificar ideias, bem como avançar no esboço de respostas às questões
de pesquisa que poderão, depois, ser retomadas.
[...] é possível afirmar que os esquemas didáticos do professor Foucault formam parte das ferramentas metodológicas da pesquisa, ou seja, são momentos da própria pesquisa, e não uma etapa posterior e de ordem diferente. (...) e isso fica evidente quando o professor Foucault, no ínterim de uma e outra aula, abandona uma linha assinalada, quando “esquece” uma promessa de ampliar algum aspecto, quando, enfim, modifica o percurso, a direção e as ênfases das aulas e até do próprio curso (Ibid., p. 04).
Ao mostrar o percurso da pesquisa em relação estreita com a docência de
Foucault, Ramirez lembra uma dimensão importante do trabalho do “professor
Hércules”, que não se joga ao desconhecido sem nenhuma bagagem teórica,
experiencial ou plano de ação. Sua atividade pedagógica está embasada em seu
interesse de investigação e é justamente daí que outras possibilidades de
interpretação, reelaboração ou mudança de entendimento acontecem. Assim, a ideia
de publicizar em aula as elaborações teóricas feitas no âmbito da pesquisa, não é
somente uma oportunidade de tornar comunicável a conceptualidade, mas é um
espaço também para a criação de novos problemas, conceitos e noções, conforme
analisa Ramirez:
136
A didática, as ciências da educação, o currículo, apontam para o conhecimento e atuam sobre um sujeito cognoscitivo. Seu problema é como ensinar o conhecimento, como levar o estudante a ele ou como fazer com que o estudante o construa. A pesquisa parte do conhecimento, do conhecido, mas para questioná-lo, para interrogar o poder que há nele, para indagar como funciona. Sua meta não pode ser estabelecida de antemão; a pesquisa dirigida ao pensamento não pode ter nenhum fim especificado previamente (e, se tem, trata-se só de um assunto formal ou necessário para iniciar, mas não definitivo no percurso), pois pesquisar é ir à busca do desconhecido, do impensado (Ibid, p. 8).
Neste jogo formativo incitado pelo “professor Hércules”, existe o cuidado para
que a cognição e a elaboração conceitual não sejam depreciadas em favor das
demandas do trabalho pedagógico, mas também não revigorem modelos
epistêmicos estandardizados na ação docente de aula. Esta atitude configura uma
outra forma de lidar com o conhecimento, reforçando a docência em suas metáforas
de testemunha ou de narrador, por exemplo, uma vez que “aquilo que o professor
ensina é sua forma de trabalhar, não o resultado de seu trabalho, mas o seu jeito de
fazer, de pesquisar, de pensar, sobretudo, os exercícios que ele faz sobre si mesmo”
(Ibid., p. 11). Assim, o cuidado que o professor dispõe na organização do seu
trabalho é antes de tudo um cuidado ético e estético consigo mesmo. Isto explica a
retomada por Foucault da metáfora acerca da “filosofia como medicina da alma”, ou
seja, o trabalho de buscar compreender o mundo e melhores formas de estar nele é
uma necessidade terapêutica do sujeito.
O estudo de Alexandre Simão de Freitas, apresentado na 32ª edição da
ANPEd, objetiva problematizar as condições da formação do ser humano na
atualidade, evidenciando que a experiência subjetiva de si é inseparável do
processo de sua formação. Além disso, Freitas visa expressar uma nova articulação
entre filosofia, educação e espiritualidade, na qual a própria filosofia realiza-se como
um exercício espiritual. Ao valer-se da preocupação foucaultiana acerca do “governo
de si” e “governo dos outros”, o autor aponta para a exclusão deste debate
pedagógico das “formas práticas encaminhadas pelos indivíduos e grupos para se
reconhecerem como sujeitos de uma formação, cuja história só pode ser
compreendida como uma experiência que correlaciona campos de saber, tipos de
normatividade e formas de subjetividade” (2009, p. 2). Freitas percebe nas práticas
éticas de cuidado de si uma possibilidade de ampliar as fronteiras da racionalidade
137
pedagógica: “Por meio das técnicas de si, descortina-se outro modo de exercer o
governo da razão educativa pelo cuidado ético da verdade e pelo exercício refletido
da liberdade, mediante um sujeito que emerge através do cuidado de si” (Ibid., p. 7).
Sendo assim, não é especificamente o aspecto cognitivo ou didático que
sustenta a ação pedagógica do “professor Hércules”, elas são apenas ferramentas
das quais ele lança mão para potencializar o movimento formativo. É muito mais sua
postura diante do contexto pedagógico e do saber construído que lhe fornece os
contornos de sua autoridade para ser ouvido e compartilhar suas experiências
formativas.
Se Prometeu lutou contra a vontade dos deuses, temendo pelo destino dos
homens, Hércules entregou-se a ela, mesmo sabendo que a causa de seu
sofrimento fora provocado pelos próprios deuses. A inexorabilidade do cumprimento
dos trabalhos de Hércules tinha como motivador a sua própria penitência e
purificação. A intensidade com que protagonizou cada trabalho evidencia um
processo formativo de transformação e aprendizagem do herói. O desejo de
Prometeu, de resguardar a superioridade do homem através dos tempos, era, por
um lado, de tal modo universalista que se desprendeu das contingências mundanas.
Já as vivências intensas de Hércules mostram que a formação, por outro lado, é
avessa à imediatez que as intervenções de ordem puramente prática apresentam.
Fez das experiências no mundo momentos de aprendizagem despojados de fins
unicamente instrumentais, realizando tarefas em defesa dos oprimidos e tornando-
se o maior dos heróis gregos.
3.2 A relação teoria e prática nas performances da docência
O alerta adorniano de que “o conhecimento não possui nenhum de seus
objetos completamente” (2009, p. 20) parece-nos bastante caro para tecer uma
crítica objetivada sobre as imagens de docência mapeadas neste estudo, uma vez
que ainda persiste em alguns nos programas de formação docente a ideia da
escolha por modelos formativos fechados, idealizados sob o enfoque da teoria ou
sob o viés da prática, exclusivamente. Mas, em que medida os contornos de uma
forma ideal, subjetiva, na imagem do “professor Prometeu”, tem contribuído para
138
qualificar sua performance pedagógica? De outra parte, em que perspectiva a
valorização da atribuição de sentidos, na imagem do “professor Hércules”, transgride
o primado do sujeito sem hipostasiar a interpretação, possibilitando a compreensão
da inter-relação entre teoria e prática na formação docente? O movimento negativo
da dialética, ao colocar em cheque as possibilidades universalizantes do sujeito
cognoscente, repõe na discussão todo conteúdo conceitual que se independizou do
plano material e, por isso mesmo, suas determinações já não fazem sentido para
orientar as configurações mundanas. Neste sentido, são compreensíveis as queixas
dos professores a respeito da pouca aproximação que certos cursos de licenciatura
fazem entre o arcabouço conceitual estudado e as situações cotidianas do ambiente
de trabalho. Para além do fato de que entre o imperativo do “dever ser” e do “como
ser/não ser” existe uma abissal distância, onde encontramos toda a multiplicidade
constituinte de sujeitos e objetos, tais preceitos não são imanentes à formação
docente, mas apenas reverberam imagens construídas sob o primado da
subjetividade que a investida do não-idêntico pode ajudar a desconfigurar.
Nas imagens de “professor Prometeu” e de “professor Hércules” é possível
mapear formas distintas de delinear o uso da racionalidade docente, o que implica,
decisivamente, nos comportamentos e tendências de ação docente. Essa diferença
impõe repensar as expectativas colocadas sobre os ombros do professor e suas
performances ligadas à promoção da cidadania ou à formação da opinião pública. O
“professor Prometeu”, ao considerar de antemão o alcance de um estado total, seja
ele de cidadania, eticidade, emancipação, por exemplo, faz repercutir consequências
sérias para a formação humana e também para o exercício da docência. A forma
fechada de compreender essa formação implica a desconsideração para com outras
possibilidades, tão ou mais formativas que experiências diversas poderiam
proporcionar; já para a constituição da identidade docente, a carga de atividades que
deveria dar conta alimenta o imaginário de que apenas aquele professor que obtiver
êxito total no alcance de seus objetivos pode ser considerado um bom profissional.
Essa cobrança acaba não ficando apenas no âmbito da subjetividade, mas
permeando também as expectativas sociais colocadas sobre os ombros dos
professores. Vale dizer aqui que o mais importante não é descobrir a origem deste
imaginário – se ele foi concebido no âmbito social mais amplo ou no interior da
relação entre os pares de professores -, mas repercutir suas consequências no
139
sentido de uma reformulação narrativa, afastada dos compromissos com o
transcendental e com as certezas totalitárias.
Para Adorno, esta perseguição à retórica - que comporta a busca pela
verdade e autoconsciência - já não é argumento suficiente para salvaguardar a
prática dos ímpetos coercitivos da abstração, pois tanto a tecnificação do
pensamento, por parte da subjetividade, quanto o descaso para com o objeto
contribuíram para afastar teoria e prática. Neste sentido, é preciso (re)estabelecer
uma relação expressiva entre o objeto e o discurso que tenta entendê-lo: “A não-
exterioridade entre o pensamento e seu objeto, somente alcançada por um exercício
expressivo na linguagem filosófica, depende, portanto, de uma incorporação
responsável do momento retórico” (DUARTE, 2007, p. 21).
Na formação docente, a recomposição da dimensão expressiva da linguagem
nas discussões sobre o fazer pedagógico refere-se, em grande medida, à avaliação
das utopias educacionais do “professor Prometeu”, pois enquanto guia ou demiurgo
da razão emancipatória rompe com o jogo mimético exigido no contemporâneo para
apegar-se a um modelo transcendental de homem e de sociedade, no qual impera a
sabedoria e a liberdade plena. A este descolamento da realidade, vale também o
alerta que Adorno fez sobre a rigorosidade das formas puramente funcionais da obra
de Adolf Loos: “a finalidade sem objectivo torna-se ironia” (1993, p. 73). Podemos
entender daí que, muito embora as intenções do “professor Prometeu” sejam as
mais refinadas possíveis acerca da formação do indivíduo e do cidadão, mostra seu
esvaziamento de “conteúdo” factual e estandardiza-se na “forma” de ensino
enquanto transmissão.
Assim, semelhante à arte convertida em ideologia, cuja pureza lógica
afugenta o momento construtivo, a forma prometeica assegura-se nas promessas do
projeto moderno para preservar sua autoridade pedagógica em sala de aula, ou
seja, o professor atua como uma ponte entre seus alunos e o saber da ciência, isto
quando não supõe ser ele mesmo o detentor do conhecimento, usando seus dotes
para repassá-lo aos alunos. Ao entender que a construção do conhecimento envolve
apenas a relação dos sujeitos com o conhecimento, a atividade pedagógica
independentiza-se das experiências mundanas, dispensando a interação
intersubjetiva na “realidade”, pois a equipara à internalização da “história da
realidade”, presente nos conceitos. É neste sentido que Herder compreende a saga
140
de Prometeu, seu padecimento é amenizado pelo tempo e seu consolo está em sua
filosofia da história, que busca a completude das criaturas. Assim, suas amarras se
desprenderiam quando o mais forte dos homens realizasse a façanha de “ser ele
mesmo” e a obra de Prometeu cresceria sobre a terra (Apud BLUMENBERG, 2003b,
p. 418). Porém, continua Blumenberg, o monólogo de Herder acaba com uma frase
que ninguém foi capaz de dizer a Prometeu: “a razão prospera sobre a terra” (Id.
Ibid.).
Envolvido pela metalinguagem das finalidades do seu trabalho, este professor
parece não perceber que a pastorização de sua prática (cf. indica CARVALHO,
2009), longe de direcionar-se à emancipação e à liberdade responsável, contribui
para uma “formação” tutelada e uma burocratização do ensino. Por um lado, este
controle exagerado e tecnicização das práticas pedagógicas rompem com a
normatividade da proposta educacional, por outro, deixa de situar também as
expectativas subjetivas enquanto experiências formativas, alimentando, assim, a
imagem do professor como um expectador desinteressado pelo que acontece a sua
volta. De forma semelhante, em sua narrativa sobre Prometeu e o que seria a noção
rousseauniana de um “estado de natureza” humano, Christoph Martin Wieland
assinalou que Prometeu poderia continuar enamorado pela ideia de construir
homens felizes, pois isolado no Cáucaso já não conseguia testemunhar a história de
sua criação (Apud BLUMENBERG, 2003b, p. 414). Teria também o “professor
Prometeu” radicalizado a proposta moderna de um mundo melhor através da
educação, de modo que já não consegue perceber os desvios e reconfigurações da
realidade?
O “professor Prometeu” mantém a suposta utopia das narrativas modernas
também como uma forma de preservação do campo educacional e nesta tarefa ele
pode aprender com o comportamento da arte, que necessita da utopia justamente
para exprimir outras perspectivas de compreensão. Se na arte a utopia pertence à
ordem do irreconciliado, no trabalho docente esta circunscreve, ainda que com uma
carga transcendental, a força motriz da (auto)formação. No entanto, conforme já
alertava Minerva na história de Prometeu escrita por Heder, a “previsão”
característica do titã é destrutiva sem grandes feitos virtuosos (Ibid., p. 419). Ou
seja, as utopias em que aposta o “professor Prometeu”, muitas vezes, são as
mesmas que limitam os processos de compreensão das relações mundanas. Este é
141
um trabalho que não pertence ao “professor Prometeu”, mas ao “professor
Hércules”, cuja figura vem lembrar a importância do trabalho interpretativo sobre a
dimensão estética da formação. Neste caminho, a efetivação de um jogo mimético,
enquanto capacidade antropológica do homem em situar seu agir diante de um
contexto mais amplo, é fundamental para o ingresso na profissão, pois acentua o
lugar da observação sobre os “modos de comportamento” constituintes da formação
docente.
Os jogos permanecem presos aos traços de situações concretas. Nisso, eles sempre retomam a usos paradigmáticos, e abrangem sempre, além das caracterizações gerais, também os elementos sensíveis das apresentações e das ações lúdicas sem que estes tenham sido fixados de antemão. Por isso, os jogos só podem ser apreendidos em conceitos de forma incompleta. Eles permanecem, na essência, uma ação prática, mesmo quando eles se afastam da práxis. Estas considerações valem para todas as formas importantes da mimese social, para o ritual, o gesto, o desempenho de papéis, o falar e o entender. Embora possa parecer freqüentemente que eles realizem esquemas de ações gerais que parecem ser apreensíveis com ajuda de características formais, eles resistem a todo tipo de limitação (GEBAUER; WULF, 2004, p. 122).
Longe de fazer apologia ao modelo formativo da imitação – cuja formação se
dá muito mais pela cópia de gestos e posturas observadas em um professor do que
pela compreensão de seu papel numa realidade educacional específica -, o
momento mimético da formação indica que a conceptualidade não é dada de
antemão nem pode tudo, daí a necessidade de uma aproximação não
estandardizada com a prática educacional. Essa perspectiva estética da relação
entre teoria e prática, acreditamos, contribui de forma significativa para
destranscendentalizar os discursos da formação docente. E como a formação
docente dá atenção aos processos estéticos? Enfatizar discursivamente a
importância da prática é suficiente? Por sua vez, de que forma os estudos teóricos
realizados nos programas de formação têm conseguido mobilizar este momento
expressivo?
As respostas a estas indagações subsidiam o que estamos chamando aqui de
performances48 da docência, ou seja, um habitus de ação típico da docência cujos
48
De origem inglesa, o termo performance foi incorporado na linguagem da dramaturgia entre 1930 e 1940, espalhando-se, conforme explica Zumthor (2000) pelos Estados Unidos através dos escritos de pesquisadores como Abrams, Bem Amos, Dundee, Lomax. Enquanto uma manifestação cultural (um
142
dispositivos expressivos permitem compreender como foi percorrida a trajetória da
relação estabelecida entre teoria e prática. Estas performances, portanto, estão
diretamente ligadas à construção do saber, não enquanto potencial gerador de
resultados, conforme apresenta Lyotard49, mas enquanto aquilo que a relação
enfática entre teoria e prática conseguiu produzir e expressar. Diferente de um
“saber fazer”, princípio de ordem econômico-produtivo, a performance, como sugere
Zumthor, é um “saber ser”: “É um saber que implica e comanda uma presença e
uma conduta, um Dasein comportando coordenadas espaço-temporais e
fisiopsíquicas concretas, uma ordem de valores encarnada em um corpo vivo” (2000,
p. 35-36).
Baseando-se nos apontamentos de Dell Hymes, intitulado Breakthough into
performance, Zumthor (Ibid., p. 36-37) apresenta quatro características da
performance:
1 – É o reconhecimento de um material já conhecido,
traduzindo/concretizando o que existia apenas no âmbito virtual.
2 – Pertencendo ao mesmo tempo ao contexto cultural e situacional, a
performance é percebida como uma “emergência”, algo que sai do contexto cultural
ao mesmo tempo em que nele encontra lugar para se realizar plenamente,
ultrapassando o curso comum dos acontecimentos.
conto, uma música, uma dança, por exemplo), a performance constitui a forma, a expressão, resistindo ao mecanismos da conceptualidade, pois se compõe de gesto, de imagem, de palavra, não necessariamente de pensamento. Por isso, para a teoria linguística da gramática generativa, a criatividade do falante e sua capacidade de emitir e de compreender frases inéditas é o que sustenta a palavra emitida: “as regras da performance – com efeito, regendo sumultaneamente o tempo, o lugar, a finalidade da transmissão, a ação do locutor e, em ampla medida, a resposta do público – importam para comunição tanto ou ainda mais do que as regras textuais postas na obra na seqüência das frases: destas, elas engendram o contexto real e determinam finalmente o alcance” (ZUMTHOR, 2000, p. 35).
49 Tendo em vista o fim dos metarrelatos – grandes narrativas legitimadoras da produção científica e
cultural na sociedade moderna -, Lyotard (1990) caracteriza o cenário atual como pós-moderno, no qual a forma valor subsidia tanto as relações de consumo, quanto a produção do conhecimento, caindo em desuso a ideia de formação (Bildung) do espírito. Em uma mesma rede de valoração pode se situar conhecimentos e investimentos, de modo que o valor formativo do saber possa ser trocado por seu potencial de otimizar as performances de um programa. Valendo-se da noção de jogos de linguagem de Wittgenstein, Lyotard afirma que, no contemporâneo, a legitimação dos saberes está diretamente ligada aos seus respectivos contextos, restando como parâmetro de validação dos discursos teóricos a sua performance, isto é, a sua eficácia no terreno da prática: “A idéia de performance implica a de sistema com estabilidade firme, porque repousa sobre o princípio de uma relação, a relação sempre calculável em princípio entre calor e trabalho, entre fonte quente e fonte fria, entre input e output. É uma idéia que vem da termodinâmica. Ela está associada à representação de uma evolução previsível das performances do sistema, sob a condição que se lhe conheçam todas as variáveis” (LYOTARD, 1990, p. 101).
143
3 – No contexto cultural, Hymes apresenta três formas de entender a
atividade humana: como comportamento (behavior), aquilo que é produzido por
uma ação qualquer; como conduta, o comportamento relativo às normas
socioculturais; como performance, a “conduta na qual o sujeito assume aberta e
funcionalmente a responsabilidade”.
4 – A performance, de algum modo, afeta o conhecimento, não sendo apenas
um modo de comunicação, mas também uma forma de marcar o conhecimento.
A performance reorganiza o conhecido, expressando-o de forma diferente, às
vezes até improvável. O aspecto performativo da docência diz respeito, assim, a
atuação do professor frente ao que ele conseguiu (re)elaborar de suas experiências
na/com a vida e com a conceptualidade, cuja configuração poderia ser entendida
como uma “estética da conduta”, ou seja, como a arte de:
Saber encontrar, no momento oportuno, o gesto adequado; atribuir valor tanto à maneira quanto ao objetivo; não se contentar com o respeito aos usos nem com as facilidades da sem-cerimônia; saber, com gestos mínimos, abrir o curso banal da existência à estranheza: alguns modos felizes de comportamento requerem uma compreensão que parece decorrer da mesma ordem estética que a do sentimento, inspirado, no pólo oposto, pela trivialidade de um malogro, pela deselegância de um procedimento, pela afetação de um modo de ser; mas estão longe de constituir objeto de reflexões há tanto tempo familiares quanto as que se aplicam habitualmente às artes constituídas (GALARD, 2008, p.19-20).
Certamente, esta adequação envolve uma ação do professor no sentido de
aproximar suas intenções de ensino às possibilidades de aprendizagem dos alunos,
provendo o estranhamento sobre as coisas e organizando-as sob o viés da
conceptualidade. Na composição desta performance, o sentido das teorias, das
palavras do professor formador, das orientações didáticas, dentre tantos outros
elementos formativos das licenciaturas, ganham força expressiva e acabam por
caracterizar uma estética da conduta docente.
Na tentativa de discutir acerca das perguntas que há pouco fizemos, uma
performance assumida nos cursos de licenciatura, a partir do referencial imagético
prometeico, é a da redenção. No texto Formação de professores e pedagogias
críticas. É possível ir além das narrativas redentoras?, Gustavo E. Fischman &
Sandra Regina Sales (2010), ao discutirem o impacto das pedagogias críticas na
144
formação dos professores, explicam que geralmente esta corrente está vinculada a
propostas de como “deve ser” a educação. Segundo os autores, as chamadas
pedagogias críticas orientam-se por princípios de pensadores como John Dewey,
Antônio Gramsci, Paulo Freire ou de perspectivas dos integrantes da Teoria Crítica,
modelos antirracistas ou até da educação popular para, a partir de construções
conceituais, apontarem os objetivos que poderiam ser alcançados pelas práticas
sociais de ensino/aprendizagem na promoção da transformação social. Esta forma
de abordar as questões da educação está amplamente difundida pelos programas
de formação docente - não somente no Brasil, mas também na realidade
estadunidense, como afirmam Fischman & Sales – e produz reações de resistência
não apenas pelos ideais de “transformação”, “conscientização”, “igualdade”,
“democracia”, mas porque se inserem em estruturas narrativas redentoras:
Se reconhecida e aceita, a visão redentora irá, após a derrota do inimigo, criar a escola ideal, na qual o professor perfeito e o aluno modelo irão aprender em harmonia, separados do caos do sistema educacional e social circundante. Nos cursos de formação docente, a narrativa redentora articula as intensas e ácidas críticas usadas para denunciar as escolas “realmente existentes” que, de maneira dualista, são responsabilizadas por quase todos os problemas e, simultaneamente, são o último espaço da esperança de melhora social. Nessa junção crítica do imaginário sobre os professores, estes se tornam os criadores de presentes terríveis e de futuros esperançosos. Além disso, a narrativa redentora também contribui para a supervalorização de posições pessimistas como símbolo de uma suposta atitude crítica (FISCHMAN & SALES, 2010, p. 14).
Nesta perspectiva, a necessidade de alimentar a imagem de “professor
Prometeu” justifica-se pelas adversidades que o docente enfrentará durante a
prática profissional, ou seja, o único recurso capaz de fazer frente a um quadro
institucional de multiplicidade de interesses e saberes - local de conflitos culturais e
sociais, prazeres e sofrimentos - seria a “esperança” de transformação depositada
em cada professor no momento de sua formação inicial.
Enfim, se a história de Prometeu está ligada com a de Pandora – conforme
aludimos anteriormente -, cuja ideia central diz respeito à conquista da emancipação
e da liberdade através do trabalho árduo para uma viva feliz, a trajetória de Hércules
faz-se acompanhada por Hermes (derivado de hermeneus, o “intérprete” ou,
conforme se refere Aristóteles, aquele que funda a ciência hermenêutica) e por
Minerva (na mitologia grega Athenâ, deusa da inteligência e da sabedoria, a
145
geradora da cultura), indicando que o herói, mesmo voltado para as condições da
natureza (phýsis), não se vê desamparado de atributos racionais, do discurso e da
astúcia. Assim, Hércules constitui-se num limiar muito tênue entre o rompimento com
o plano normativo de seus trabalhos (a indisciplina, os rompantes descomedidos, os
acessos de loucura são indicativos de descuido para com os fins maiores de suas
expedições) e o uso de dispositivos divinos para cumprir suas tarefas e/ou garantir a
própria vida (várias vezes, Hermes e Minerva, a pedido de Zeus, ajudaram Hércules
em suas expedições, alertando-o das artimanhas do inimigo ou intervindo nas forças
da natureza para que o herói pudesse derrotar os monstros).
Na história de Schelling sobre a mitologia de Prometeu, o divino e o antidivino
compõem um jogo idealista em que é preciso passar pelo sofrimento e pela
provação para libertar-se e converter-se dignamente em um deus. Muito embora
também Hércules tenha passado por muitas provações para reafirmar seu lugar no
Olimpo, somente Prometeu, cuja origem é a mesma de Zeus – que seria pai do titã -,
poderia representar frente aos homens os próprios princípios divinos, uma figura
mediadora entre o sublime e o humano na condução da salvação. Segundo
Blumenberg (2003b, p. 613), Hércules, ao libertar Prometeu, não incorpora o
elemento antidivino, ao contrário, mostra uma autodespontencialização total do
divino, confirmando não somente sua dimensão humana, mas também as limitações
dos deuses sobre a construção da história dos homens.
Por analogia a esta compreensão, o “professor Hércules” difere-se do
“professor Prometeu” não através da normatividade que sustenta seu trabalho, haja
visto que ambos valorizam a formação como possibilidade de um mundo melhor e a
emancipação e a cidadania como finalidades desse processo (afinal, a deusa da
cultura, Minerva, ajuda Prometeu a roubar o fogo e também Hércules a lograr êxito
em seus trabalhos), mas da postura que engendra a partir do entendimento da
normatividade. Neste sentido, o “professor Hércules” transgride o primado do sujeito,
não tratando as questões educativas como determinações residuais, mas
estabelecendo atos identificadores entre os conceitos - vinculados ao papel do
professor, da educação e da escola - e as formas pedagógicas constituídas
historicamente. Esta avaliação diz respeito ao pensamento dialético da não-
identidade, que não visa à adaptação pura e simples da dimensão teórica às formas
vividas, nem a atribuição de responsabilidade exclusiva aos sujeitos envolvidos na
146
prática pedagógica, mas esforça-se em sua performance em produzir a crítica entre
universal e particular.
Nestes termos, a dialética negativa de Adorno não abre mão do compromisso
que a teoria carrega de apontar possibilidades para a ação através da crítica,
considerando uma racionalidade imanente ao objeto. No entanto, conforme Vilela50
(2009) expõe, as pedagogias críticas incorporaram o pensamento de Adorno como
receituário para curar a educação de seus males a partir do livro Erziehung zur
Mündigkeit (traduzido no Brasil com o título Educação e Emancipação), que reúne
conferências e palestras de Adorno. A obra foi publicada postumamente por
Kadelbach, seu amigo pessoal, que selecionou os textos e editou o livro sendo,
portanto, de sua responsabilidade a interpretação do conceito adorniano de
“educação para a autonomia”, que nesta publicação assume um viés político. Ao
comentar as ponderações de Gruschka, autor alemão reconhecido pela análise que
faz sobre as questões atuais da educação à luz de uma leitura sociológica de
Adorno, Vilela salienta:
[...] que sua teoria social, se devidamente compreendida, poderia ajudar melhor na investigação da relação dialética entre a escola e a sociedade. No lugar de alimentar propostas de renovação da escola, a Teoria Crítica de Adorno deveria ser tomada como ferramenta para se produzir um diagnóstico da crise da escola e da educação, que pudesse esclarecer como, através do longo caminho já percorrido pelo sistema educacional, propostas educacionais não se efetivaram. [Gruschka] Defende que Adorno poderia oferecer instrumental para barrar a sequência de reformas e ações pedagógicas que não refletem as causas das situações que anunciam ter a pretensão de superar, com práticas imediatistas e reformas pontuais o estado crítico da educação. Adorno, como teórico, deveria ser buscado para conduzir a uma pergunta: o que não deu certo no processo de efetivação daquilo que fora proposto? Por quê? O que se revela como estado crítico da educação? Segundo ele, faltaram questões à pedagogia crítica que teve ânsia por reformar as escolas (2009, p. 55-56).
50
No Relatório Técnico de Pesquisa (CNPq), intitulado A presença da Teoria Crítica no debate e na pesquisa educacional no Brasil e na Alemanha no período de 1995 à atualidade, Rita Amélia Teixeira Vilela (2009) apresenta uma pesquisa realizada sobre a medida que a epistemologia de Adorno e Horkheimer é abordada para a compreensão do contexto escolar na sociedade contemporânea. No Brasil, o estudo buscou evidências acerca da referência teórica dos pensadores, assim como do modo que essas dimensões epistemológicas podem ser identificadas como filosóficas ou sociológicas na abordagem de temas educacionais e da maneira, se existe, pela qual esses apontamentos dão suporte teórico para a análise de resultados de pesquisas empíricas. Na Alemanha, a pesquisa explorou justamente a recuperação dos aportes da Teoria Crítica para as análises das pesquisas empíricas sobre a relação dialética entre escola e sociedade, cujo enfoque é dado para as atividades realizadas no Instituto de Educação da Universidade de Frankfurt, coordenadas pelo professor Andreas Gruschka.
147
É para preservar sujeito e objeto, teoria e prática da imediatez, do utilitarismo
e/ou da deformação - cujo agigantamento produz muitos equívocos sobre as
relações de conhecimento - que a Teoria Crítica pauta-se por uma racionalidade
social como ideal normativo da práxis. Nesta perspectiva, as perguntas são mais
importantes do que as respostas, pois são dispositivos capazes de desencadear
razões historicamente situadas e, portanto, distantes de narrativas redentoras sobre
a “esperança” de transformação. Para que a singularidade de cada contexto
educativo possa se expressar, mais importante do que idealizações subjetivas sobre
um cenário conhecido apenas por sua conceptualidade é o entendimento de que
aquela particularidade é própria do objeto e é justamente isso que sustenta as
tentativas teóricas de por ordem nas manifestações do existente. A suspensão
dessas restrições pragmáticas entre teoria e prática é condição para a compreensão
das possibilidades/dificuldades que o professor encontra no exercício de sua
profissão.
Enquanto o pensamento se restringe à razão subjetiva, suscetível de aplicação prática, o outro, aquilo que lhe escapa, vem a ser correlativamente remetido a uma práxis cada vez mais vazia de conceito, e que não conhece outra medida que não ela própria. O espírito burguês reúne a autonomia e a aversão pragmatista pela teoria tão antinomicamente quanto a sociedade que o sustenta (ADORNO, 1995, p. 204).
Esta autonomia de pensamento e ação não pode ser construída sobre bases
dominadoras e/ou utilitaristas, pois elas empobrecem a experiência e desfiguram a
relação entre teoria e práxis. Uma vez que sujeito e objeto necessitam de mediação
para se expressarem, a práxis resulta da indigência do objeto, cuja mediação é feita
pelo conjunto do sistema social. Por isso, a práxis só é determinável pela teoria,
conforme explica Adorno: “A aversão à teoria, característica de nossa época, seu
atrofiamento de modo nenhum causal, sua proscrição pela impaciência que pretende
transformar o mundo sem interpretá-lo, [...] constitui a fragilidade da práxis” (1995, p.
211).
Nas performances pedagógicas, o entendimento da relação entre teoria e
práxis é resultado de uma síntese entre as construções teóricas estudadas e as
necessidades da prática educativa. Nesta aproximação de significados, quanto mais
amplo o escopo conceitual, maiores as possibilidades de localizar as afinidades
148
entre a particularidade e a universalidade, assim como da aparência explicitar-se em
favor da delimitação dos contornos da essência. Ao contrário disso, quanto mais
restrito o pensamento, maiores as possibilidades de tomar-se a aparência como o
fundamento explicativo das experiências cotidianas. Sinal deste obscurecimento dos
caminhos entre ação e pensamento pode ser notado, frequentemente, quando uma
narrativa evocada como exemplo da temática de aprendizagem ora desenvolvida é
compreendida de forma isolada, ficando a teoria estudada reduzida a uma
particularidade. O ilustrativo desvirtuado em cerne do conceito, para além de
expressar um equívoco sobre o significado do pensamento teórico, fortalece as
estruturas de uma comunicação distorcida na educação. Assim, o por-se em relação
à ideia-chave apresentada pelo professor ou pela teoria é, prontamente, abreviada
pela compreensão das questões periféricas, estabelecendo vínculos entre as
diferentes situações práticas, mas não entre estas e sua normatividade. É nestes
casos que a prática educativa recai em praticismo e a relação pedagógica prende-se
à teia aporética de tentar alcançar o plano teórico sem desvincular-se desta visão
precária dos fatos. Nesta perspectiva, a prática educativa configura-se como a
medida de si mesma e os professores não conseguem lidar autonomamente com as
necessidades apresentadas cotidianamente, tampouco transitam livremente pelo
pensamento teórico ou pelos meandros da relação teoria-práxis.
Esta perspectiva totalizadora da docência está, em grande medida, ligada à
tentativa de cingir as expectativas teóricas e práticas da formação, dotando, no
entanto, as performances de um caráter imediato ao qual a própria formação é
avessa. Assim, a imediatez já se configura como uma categoria importante para as
performances alimentadas em muitos programas de formação docente, ainda que
saibamos das dificuldades presentes em uma avaliação deslocada de seus aspectos
mais amplos, sejam eles históricos, teóricos ou socioculturais. Como forma de
desnudarmos as armadilhas presentes em uma avaliação que considera a imediatez
como categoria construtiva, lembramos da metáfora de Adorno: “Mesmo a música,
assim como toda arte, não satisfaz imediatamente o impulso que anima a cada vez o
primeiro compasso, mas somente no decurso articulado” (2009, p. 22). Dito de outra
forma, se nem mesmo os sentidos humanos mais fundamentais – como a audição,
neste exemplo – são tocados simplesmente por impulso, sem ponderações
149
conjunturais mínimas, muito mais as questões formativas carecem de pensamentos
inter-relacionais e amplos.
Em um clima de urgência, as dimensões explicativas - metodologias
descritivas e de intervenção na prática - da docência se avultam em detrimento às
dimensões compreensivas – a gramática normativa dos processos pedagógicos e as
inter-relações mais fundamentais entre vida, cultura e educação. A partir daí, um
equívoco que parece acontecer com frequência diz respeito à tentativa de mapear
ao máximo as possíveis ações e interações pedagógicas como manifestação de
domínio do conhecimento ou compreensão sobre o caminho correto a seguir.
Certamente que isso não põe abaixo o trabalho das didáticas e metodológicas como
áreas importantes nas licenciaturas para o estabelecimento de um campo
profissional específico. Antes o contrário, pois uma profissão destituída de seu fazer
perde-se no vazio da confusão multifuncional. No entanto, o que dá base para estas
inferências sobre as ações realizadas no campo da prática não são as necessidades
reais de forma direta, mas suas possíveis mediações, proporcionadas pelos debates
mais fundamentais sobre seus significados e prováveis consequências. Afinal, a
descrição mais aproximada de um objeto será sempre finda em si mesma caso não
se constitua de mote para relações mais amplas entre o particular e o universal.
3.3 A produção do conhecimento diante da necessidade de síntese do múltiplo: sobre a formação cultural do professor
A ideia da universalidade do sujeito transcendental – cujas performances dos
sujeitos individuais ultrapassam, ao mesmo tempo, esses sujeitos e constroem algo
que paira sobre todos – pode ser justificada, segundo Adorno, na conexão funcional
da sociedade: “de um todo que se conjuga a partir das espontaneidades e das
qualidades individuais, limitando-as então uma vez mais por meio do princípio de
troca nivelador e eliminando-as virtualmente como impotentes em sua dependência
em relação ao todo” (2009, p. 153-154). O respaldo que esta universalidade
transcendental encontra na funcionalidade da sociedade confere legitimidade à
abstração como princípio de autoconservação humana, ou seja, quanto maior o
domínio cognitivo sobre as possibilidades da objetividade, espera-se também que
150
mais ampliada seja a capacidade de planejamento e atuação correta em uma dada
realidade. Neste sentido,
[...] porquanto a unidade da consciência é moldada segundo a objetividade e tem por conseguinte seu critério de medida na possibilidade de constituição de objetos, ela é o reflexo conceitual da reunião total e sem falhas dos atos de produção na sociedade, atos por meio dos quais se forma efetivamente pela primeira vez a objetividade das mercadorias, o seu “caráter objetivo” (ADORNO, 2009, p. 154).
Essa percepção fátua da consciência como capaz de penetrar na objetividade
gera uma onipotência intelectual que assume como tarefa o apontamento de
soluções para quaisquer dificuldades da vida social, bem como para o acesso
seguro à verdade. No entanto, é justamente esta pretensão arrogante da
consciência a responsável por bloquear constantemente esses acordos de verdade,
pois ela interdita os processos de avaliação crítica sobre as possibilidades concretas
de ação e domínio, além de alijar outros critérios utilizados para a tomada de
decisões – experiências do vivido, dimensões emocionais, éticas e estéticas, por
exemplo.
A redução a processos de consciência deixa-se conduzir pelo ideal do conhecimento científico, pela necessidade de provar metodologicamente sem falhas a validade das proposições científicas. A verificação que por sua vez está na base da problemática filosófica torna-se seu princípio-diretriz, a ciência estando, por assim dizer, ontologizada, como se os critérios da validade dos juízos, o curso de sua comprovação, fossem sem mais idênticos aos estados de coisas dos quais, porém, eles tratam de maneira retroativa, como já constituídos, segundo as normas de sua evidência subjetiva (ADORNO, 2009, p. 166-167).
A consciência é uma dimensão subjetiva constituída a partir das imagens do
mundo, seu conceito também é formado segundo tais referências. Ao subsumirem-
se estas referências em modelos científicos, a experiência com o objeto fica
reduzida a contatos de caráter exploratório, cujos instrumentos têm a finalidade de
enumerar, descrever, calcular, tecer correspondências primárias, etc. Esta
abordagem positivista do objeto circunda a superficialidade que a observação
oferece, bem como denota que seu interesse de pesquisa não vai além da
comprovação daquilo que a subjetividade acredita. Cria-se com isso a necessidade
151
de cercar de múltiplas formas o objeto a ser conhecido, de modo a clarear
metodicamente todos os pontos do caminho que levou a determinado juízo sobre a
coisa. Sendo assim, qualquer falha ou imprevisto neste sistema de controle são de
responsabilidade do sujeito cognoscente, pois, com este domínio acentuado da
subjetividade, não é possível pensar sob o ponto de vista da impenetrabilidade do
objeto. Isso esclarece, entre outras coisas, os equívocos cometidos em muitas das
pesquisas empíricas desenvolvidas no contemporâneo, especialmente no campo
das Ciências Humanas, cujas questões levantadas dizem respeito muito mais às
dúvidas acerca das possibilidades da subjetividade do investigador do que se
referem ao próprio estado de coisas julgado e à sua fundamentação objetiva.
A justificativa para essa exacerbação da subjetividade está na ideia de que a
teoria não pode se fazer às costas dos sujeitos para os quais ela é pensada; dito de
outra forma, se o que é real em uma sociedade são os indivíduos, eles precisam ser
ouvidos de modo a construir uma teoria que abarque a realidade vivida. Ainda que
esta justificativa seja válida, especialmente em seu matiz ético, para os
desdobramentos do campo da pesquisa, não é possível desconsiderar o alerta de
Adorno:
A mediação dialética do universal e do particular não autoriza a teoria que opta pelo particular a, de maneira ultrarrápida, tratar o universal como uma bola de sabão. Pois nesse caso a teoria não poderia apreender nem o predomínio pernicioso do universal naquilo que se acha estabelecido, nem a ideia de uma situação que, conduzindo os indivíduos ao que lhes é próprio, privaria o universal de sua má particularidade (2009, p. 170).
Assim, também a particularidade pode ser perniciosa do ponto de vista de sua
autocompreensão, especialmente quando não exige o estabelecimento de vínculos
com seu contexto histórico. Neste sentido, qual seria o fundamento ético que
justificaria o rompimento com o passado e também com o futuro? As determinações
e dogmatismos herdados são motivos suficientes para abrir mão de qualquer
compromisso com a construção de um mundo melhor para as futuras gerações?
Quaisquer tentativas de respostas a tais indagações conferem um caráter filosófico
às reflexões sobre a medida que as relações entre universal e particular são
possíveis nas pesquisas das Ciências Humanas. Na dialética materialista que visa o
conhecimento, as dimensões objetiva e subjetiva não são subtraídas uma pela outra,
152
mas preservadas justamente para sustentar a viabilidade dos processos de
identificação.
O ideal de despersonalização do conhecimento por amor à objetividade não retém desta nada mais que seu ‘caput mortuum’. Reconhecida a primazia do objeto fracassa a hipótese de uma ciência prática não reflexiva do objeto enquanto determinação residual, após a retirada do sujeito. O sujeito então deixa de ser um adendo subtraível da objetividade. Pela eliminação de um momento que lhe é essencial, esta fica falseada, não purificada (ADORNO, 1995, p. 193).
O primado do objeto nos processos de mediação não diz respeito apenas a
uma mudança de perspectiva na relação dialética entre subjetividade e objetividade,
mas também coloca em cheque a onipotência da experiência subjetiva em produzir
determinações para o mundo objetivo. Ou seja, a teoria empírica do conhecimento já
não possui argumentos suficientes para continuar a transferir para o interior da
imediaticidade dos dados, por meio de uma redução subjetiva, uma espécie de
mínimo do objeto enquanto determinação residual. Após a subtração do objeto como
dado pelos aportes subjetivos, o que resta é a ilusão do dado despido de quaisquer
determinações, definhado e purificado de suas formas. Este modelo subjetivo de
filtragem do objeto aproxima-se muito mais dos processos mercantis exploratórios,
cujo valor da coisa é atribuído na situação de troca, do que contribui para o avanço
de seu processo de conhecimento.
Em favor da primazia do objeto fala, sem dúvida, algo que não se concilia com a doutrina kantiana da constituição: que a ‘ratio’, nas modernas ciências da natureza, espia por cima do muro que ela mesma ergueu; vislumbra uma pontinha do que não está de acordo com as suas decantadas [eingeschliffenem] categorias. Tal expressão da ‘ratio’ abala o subjetivismo (ADORNO, 1995, p. 190).
Desse modo, o primado do objeto contrapõe-se ao subjetivismo que, na ânsia
por dominar o objeto, produziu a coisificação da consciência. Mesmo nas Ciências
da Natureza a objetividade conserva a contradição imanente tanto para confirmar as
conceituações categoriais quanto para instigar outras possibilidades de progresso
das Ciências.
153
A docência como uma atividade sociocultural comporta um alto grau de
fluidez crítica e criação, em função disso a necessidade de aspectos prescritivos é
inversamente proporcional a presença daqueles caracteres racionais de autonomia.
Então, por que a demanda por conhecimentos úteis na prática docente é crescente
nos programas de formação de professores? De forma simplificada, poderíamos
responder esta pergunta indicando a forte tutela que o paradigma subjetivo tem
exercido sobre a formação docente, no sentido da prescrição de um fazer
demiúrgico e de uma performance redentora da docência. No entanto, também é
preciso lembrar os frágeis instrumentos ali construídos na perspectiva da crítica
autônoma e responsável. Tais instrumentos não dizem respeito apenas a um
arcabouço cognitivo de saberes, mas a um repertório estético que enfatiza a
multiplicidade, o não-idêntico, o estranhamento como características constituintes da
produção do conhecimento e, por conseguinte, da docência.
Uma compreensão negativa desses traçados permite-nos afastar da
pretensão universalizadora que estas perspectivas carregam para, então,
vislumbrarmos as interconexões tecidas no próprio campo e que, talvez, tenham
relação direta com muitas das demandas hoje sentidas e denunciadas. Sob a ótica
adorniana, no esforço do pensamento reside uma perspectiva negativa, pois
estabelece um contraponto à intuição e à aceitação passiva, o que acaba por afastar
a pretensão de todo elemento imediato de que é preciso curvar-se a ele. Ao trilhar
este caminho, Adorno ressalva que o pensar não está simplesmente associado ao
uso das estruturas mentais, mas diz respeito ao desejo de ir além daquilo que é
dado, daquilo que é tangível de imediato: “o pensamento segue ao mesmo tempo
um potencial que aguarda naquilo que está à sua frente e obedece
inconscientemente à ideia de ressarcir o fragmento pelo que ele mesmo perpetrou”
(ADORNO, 2009, p. 25). Dessa maneira, o engajamento com os processos de
transformação individual e social acontecem de diferentes formas, inclusive através
da construção de supostos teóricos: “Verificou-se inúmeras vezes na história que
precisamente obras que perseguiam propósitos puramente teóricos tenham
modificado a consciência, e com isso também a realidade social” (ADORNO, 2003c,
p. 133).
Esta avaliação das possibilidades do tempo vivido e do caminho que se está
trilhando, feita pelo pensamento, refere-se ao caráter crítico da formação, realizado
154
na perspectiva da “síntese do múltiplo” ou do estabelecimento de relações entre o
universal e o particular. No contexto da formação docente, esta perspectiva estética
da construção do conhecimento refere-se, entre outras coisas, à aprendizagem de
como lidar com a distância entre o real e utopia, seja no que diz respeito às
urgências do trabalho docente, seja acerca das relações possíveis entre teoria e
prática ou entre formação inicial e prática profissional. Neste jogo formativo, o
enfoque na dimensão expressiva da linguagem pode, além de favorecer os
processos críticos, ajudar a contornar outras imagens da docência, uma vez que a
mímesis não está apartada da racionalidade, mas ancorando uma relação não
coercitiva entre professor e aluno ou entre estes sujeitos e as produções da cultura e
da ciência. Assim, a formação docente exige uma articulação intensa com a
experiência, em que a síntese do múltiplo está condicionada aos processos de
mímesis e estranhamento das relações do contexto a ser compreendido.
A percepção da irredutibilidade de sujeito e objeto é, entre outras coisas,
atitude que preserva o processo formativo da distorção entre forma e conteúdo. As
contradições expostas pelo objeto, diferente de exigirem um fundamento último, são
parte da condição objetiva do mundo e o processo compreensivo precisa aprender a
mover-se sobre esta base antinômica, na qual a abordagem da dimensão prática só
é possível de maneira parcial e as formas de descrever e explicar pouco contribuem
para expressar o conteúdo mais essencial da realidade.
Neste sentido, para além da produção de conceitos, a teoria tem a função de
precaver as relações formativas dos constrangimentos preconizados pelo pensar
elitista ou pelo agir cego. O exercício do pensamento e vigilância constantes são
posturas de cunho negativo que podem afastar aquilo que vai contra o pensar, pois
o que está em questão é a própria extinção da multiplicidade, do não-idêntico.
Dentre outros, são exemplos dessas formas acríticas de manifestação, a hipostasia
das abstrações; a divinização da teoria, da atividade ou da realidade configurada; os
preconceitos por adesão pura e simples contra correntes, situações ou indivíduos
isolados. O “professor Hércules”, amparado por Minerva, a deusa “patrona da
cultura”, consegue vencer as intempestividades porque mantém seus laços nos
modos de vida de seu tempo. Este auxílio de Minerva é, muitas vezes, o que evita a
recaída de Hércules no praticismo e nas urgências exigidas em sua trajetória. Aberto
à possibilidade de arquitetar novas constelações interpretativas a partir das
155
dificuldades que encontrava em suas batalhas, Hércules assegura uma vinculação
não-exploratória sobre a natureza, ao mesmo tempo em que entende as regras
colocadas sobre suas tarefas como passíveis de serem modificadas, pois, afinal, são
criações dos humanos. Prometeu, ao contrário, pensava em resguardar a cultura
dos infortúnios, o que exigia a renúncia à própria felicidade, só possível de ser
experimentada sob a ótica de Pandora, com a sexualidade e o trabalho. Assim, a
atitude do “professor Hércules” de “colocar-se em relação” em uma situação
pedagógica envolve uma série de considerações que só podem ser viabilizadas sob
o primado do objeto, pois, do contrário, a aparência de identidade permaneceria
alimentando uma compreensão ilusória da realidade de sua formação.
À medida que Prometeu e Hércules são faces de uma mesma moeda, a da
formação humana, se o primeiro consegue libertar-se de suas amarras previdentes,
impeditivas da emancipação do homem, o segundo também já não perceberia
finalidades mais amplas em seu trabalho titânico. Consequentemente, Prometeu e
Hércules não teriam mais sentido enquanto narrativas míticas, mas estariam
envoltos em uma dinâmica de racionalidade mais dilatada, na qual a possibilidade
de mímesis seria uma forma de fortalecer os processos de formação humana.
Assim, não teria sido simples efeito de percurso a libertação de Prometeu por
Hércules justamente quando este segue para buscar o Pomo de Ouro, símbolo do
conhecimento, que pode ser fruto tanto da Árvore da Vida quanto da Árvore da
Ciência. Disso podemos compreender que o conhecimento não prescinde apenas da
previdência enquanto autoconservação para ser construído, mas da experiência no
mundo, onde está a força motriz que faz frutificar o conhecimento.
MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste trabalho de tese, procuramos tecer alguns argumentos que possam
sustentar a ideia de que as imagens da docência, bem como sua repercussão na
compreensão do ser professor, são produzidas no campo da formação cultural. Isto
nos permitiu construir uma crítica objetivada sobre os discursos vigentes no campo
das licenciaturas, considerando, de modo especial, os apontamentos de Adorno
sobre o viés negativo da dialética. Diante de um quadro de formação precário, que
pouco a pouco normaliza, simplesmente, as exigências pela utilidade do
conhecimento, a racionalidade docente constitui-se deformada, isto é, as frágeis
relações estabelecidas entre teoria e prática não são suficientes para vislumbrar
além das dimensões explicativas da experiência.
Tendo a relação entre teoria e prática como eixo central da formação, a
abordagem de Adorno acerca das possibilidades do conhecimento parece-nos um
caminho profícuo para enfocar a materialidade da docência sem perder-se em
expectativas imediatistas e/ou utilitárias. Isto somente é possível tendo em vista que
a virada adorniana para o primado da objetividade, que não abre mão da
preocupação com a totalidade enquanto categoria viabilizadora do conhecimento.
Com diferentes nuances, esta é uma preocupação que permeia o pensamento de
Adorno, estabelecendo um fio condutor para sua crítica ao viés positivista e à
ideologia conservacionista da produção do conhecimento. Assim, se a Dialética do
Esclarecimento enreda-se na suposta aporia de que o pensamento conceitual é um
instrumento de controle e de dominação e, operando por estes meios, a
racionalidade técnico-científica moderna apenas cumpre o papel de
autoconservação, a Dialética Negativa expõe o compromisso em elaborar uma
noção de dialeticidade capaz de fazer frente à filosofia idealista, assim como ao
positivismo e às ontologias. Ao circunscrever a dialética negativa à própria
insuficiência da conceptualidade, Adorno sugere que cabe ao pensamento
157
compreender as possibilidades de conhecer o mundo e arquitetar as melhores
formas de posicionar-se frente à objetividade.
Dentre as concepções sobre formação de professores, duas vertentes estão
bem delineadas: uma que alicerça a formação em bases teóricas e na tradição
pedagógica e outra que argumenta em favor de um processo formativo conjugado às
técnicas de intervenção pedagógica. Neste debate polarizado, a tomada de posição
torna-se quase obrigatória e inequívoca. No entanto, devemos advertir que uma
escolha por exclusão entre a teoria e a prática na formação docente, por exemplo,
tem conduzido a discursos falaciosos ou distorcidos da formação, que se compõem
justamente da articulação destes dois momentos. O estranhamento provocado pelo
pensamento teórico-prático dimensiona para o sujeito a distância com relação a si
mesmo, possibilitando relações entre o universal e o particular. Sabemos que a
docência carece de argumentos teóricos de sustentação nos planos epistemológico
e público – simultaneamente -, do mesmo modo que as condições materiais de seu
trabalho são carentes de dispositivos de intervenção. Porém, tanto na vertente
defensora da teoria quanto naquela que enfatiza a prática aparecem imagens de
professor capazes de emancipar seus alunos – “professor Prometeu” – ou construir
com eles sentidos para as experiências vividas – “professor Hércules”. A frequência
destas imagens nas formas diversas de entendimento da formação sinaliza,
criticamente, para uma discussão que articule tais concepções de docência.
No primeiro caso, como arauto da modernidade, o “professor Prometeu”
configura-se em uma razão subjetiva que hipostasia o fazer pedagógico, ao mesmo
tempo em que abstrai seus instrumentos de ensino e amplia ao extremo seu campo
de atuação. Na segunda forma, na imagem do “professor Hércules”, temos uma
racionalidade pedagógica intersubjetiva, que valoriza a experiência com aquilo que
deseja conhecer, reconhecendo na aproximação com o objeto uma possibilidade de
alargar seu processo formativo. O professor é um agente importante para a
construção do conhecimento, mas sua ação e os instrumentos de que dispõe não
garantem por si só o alcance das grandes metas educativas. Lidar com essa
incerteza do ponto de chegada, que não é fixado hermeticamente desde o começo,
ainda é uma aprendizagem a ser elaborada nos programas de formação docente, o
que implicaria em substancial diferença na maneira de compreender a formação. É
por isso que estes programas, na ânsia de ajustar seus currículos às demandas
158
observadas nas instituições educativas, não raro realizam intrépidas reformas que
não expressam claramente compreensões basilares sobre a profissão docente e as
possibilidades efetivas de atuação na sociedade. Entendidos assim, como falsos
acordos curriculares, tais reformulações pouco respondem às diferentes situações
do trabalho docente, sejam elas de ordem teórica ou prática.
A virada para o primado do objeto proposta por Adorno exigiu que o presente
trabalho tentasse afastar-se dos modelos cognitivos e das tautologias incorporadas
a diversos discursos sobre a formação docente, especialmente referentes às
certezas sobre a constituição do processo pedagógico e às habilidades de
(auto)conscientização do professor. Seguindo o modelo crítico, as constelações
arquitetadas sobre a figura do professor enfocaram o caráter expressivo da
linguagem pedagógica, tomando a estética não enquanto teoria da arte, mas como
dimensão sensível e crítica da racionalidade docente. Este artifício interpretativo
aproximou-se, portanto, da finalidade da dialética negativa de enfocar a medida do
que meramente se apresenta, ou seja, das inversões que a razão voltada,
puramente, à satisfação das demandas da prática pode fazer entre essência e
aparência.
Se a libertação de Prometeu por Hércules aponta para o desencantamento da
mitologia como possibilidade de conhecer e compor uma consciência de mundo, o
último desafio das narrativas míticas configura-se em potencializar as metáforas que
ainda vivem na matriz mitológica, ancorando formas de compreensão das
experiências vividas. A hermenêutica pode contribuir com essa possibilidade do
autorreconhecimento ao empenhar-se na constituição de um círculo virtuoso da
compreensão, que rompe com a circularidade da estrutura mitológica através da
inserção de elementos da historicidade. No caso da formação docente e de sua
racionalidade constitutiva, as confluências interpretativas das imagens do “professor
Prometeu” e do “professor Hércules” expressam que a essência da profissão
localiza-se nas próprias relações cingidas entre o conhecimento e a realidade.
Assim, muitas atividades que se encontram na centralidade das discussões das
licenciaturas poderiam ser tomadas como circunscritos ao debate acerca daquilo
que delimita aparência da docência. Certamente, esta subversão dialética não se
põe em defesa da conceptualidade ou do aprendizado dos saberes técnicos da
profissão, antes, sinaliza para a necessidade da formação docente enfraquecer
159
posturas de cunho meramente descritivo ou explicativo sobre o contexto
educacional. Isto porque tais momentos carregam a ideia do dado como medida de
si mesma, afiançando imagens degradantes da docência.
Sendo assim, não apenas a dialética hegeliana - contra a qual a dialética
negativa é elaborada - é afirmativa e estandardiza a compreensão da realidade, mas
toda a postura teórica que, no esforço de adequar a realidade ao conceito,
constrange a pluralidade e degenera a teoria, concomitantemente. Na dialética
negativa, a relação entre teoria e prática só acontece através da mediação da
materialidade e, nesse movimento expressivo do conhecimento, a estética é
imanente. No campo da formação, a dimensão estética pode regular as relações
entre a experiência e o pensamento no sentido de amparar compreensões
epistemológicas sem ferir as singularidades, pois aprovisiona elementos para a
expressão conjunta dos valores agregados ao conhecimento, correntes, de maneira
geral, no campo da arte.
Quando apontamos, a partir da imagem do “professor Hércules”, não somente
para a importância de trabalhar com a diversidade, mas para a possibilidade da
docência sustentar-se nesta multiplicidade para justificar sua prática, estamos
fortalecendo sua racionalidade no sentido de enfocar a dimensão estética como
imanente ao processo formativo. Dessa maneira, a compreensão daquilo que
configura a docência não se dá através de uma relação direta entre a observação da
ação profissional e a leitura de textos sobre a temática. Diferente dessa aglutinação,
a formação exige uma construção estética, isto é, uma mediação objetiva capaz de
reconhecer na materialidade uma organização peculiar, que carece sempre ser
melhor entendida - mas não subvertida à vontade subjetiva ou hipostasiada como
medida de si mesmo. Esta aproximação com a prática social demanda uma tomada
de posição do pensamento no sentido de produzir constelações conceituais que
mediatizam o contexto educacional vivido e possam enfocar suas questões
essenciais. Essa compreensão não impulsiva restringe também os modelos
formativos que tomam a teoria como simples exercício de pensamento diante das
urgências sentidas na prática, assim como aquelas abordagens presas aos padrões
teóricos, cujos contextos servem apenas como ilustração para os conceitos.
Nesta perspectiva, a investigação procurou considerar a ideia da formação
(Bildung), reconstruindo hermeneuticamente as consequências que a ênfase na
160
subjetividade e na identidade trouxeram para a construção do conhecimento. Pensar
os discursos da formação docente a partir de elementos estéticos, tecidos nas
imagens de “professor Prometeu” e “professor Hércules”, compõe-se, portanto,
numa tentativa de não se deixar prender por uma racionalidade representacional,
afastada da facticidade histórica que justifica uma conceptualidade não-totalitária.
Neste sentido, é preciso dizer que não abrimos mão do interesse epistemológico
pelos processos de construção da docência, cuja conceptualidade não está posta a
priori, mas exige sempre uma tomada de posição do pensamento diante do contexto
educacional conhecido.
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