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MARIA DO SOCORRO PAZ E ALBUQUERQUE A DIDATIZAÇÃO DO CONCEITO DE LEITOR COMPETENTE: DOS PCN-LP AO LEITOR CONSTRUÍDO EM AULAS DE LEITURA JOÃO PESSOA JUNHO DE 2006

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MARIA DO SOCORRO PAZ E ALBUQUERQUE

A DIDATIZAÇÃO DO CONCEITO DE LEITOR COMPETENTE: DOS

PCN-LP AO LEITOR CONSTRUÍDO EM AULAS DE LEITURA

JOÃO PESSOAJUNHO DE 2006

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MARIA DO SOCORRO PAZ E ALBUQUERQUE

A DIDATIZAÇÃO DO CONCEITO DE LEITOR COMPETENTE: DOS PCN-LP AO

LEITOR CONSTRUÍDO EM AULAS DE LEITURA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Letras do Centro de Ciências Humanas, Letrase Artes (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB,como requisito para obtenção do título de Doutorem Lingüística Aplicada na Área de Linguagemem Ensino.

Orientadora: Prof.ª Drª Maria Auxiliadora Bezerra

JOÃO PESSOAJUNHO DE 2006

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F ICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL-UFPB

A345d Albuquerque, Maria do Socorro Paz e.A didatização do conceito de leitor competente: dos

PCN-LP ao leitor construído em sala de leitura / M.ª doSocorro Paz e Albuquerque. – João Pessoa, 2006.

260p.

Orientadora: Maria Auxiliadora BezerraTese (doutorado) CCHLA/UFPB

1. Didatização de saberes 2. Leitura3. Linguagem e ensino

CDU: 37.02(043)

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A educação que se dá às gerações é complexa; mas, não lhes esclarece o

caminho da vida; não lhes dá a têmpera necessária para as lutas da

existência. O ensino clássico pode guiar no cultivo, no ornamento da

inteligência; não inspira, entretanto, a ação, o amor, a dedicação. Ainda

menos obtém se faça uma concepção da vida e do destino que desenvolva as

energias profundas do eu e nos oriente os impulsos e os esforços para um fim

elevado. Essa concepção, no entanto, é indispensável a todo ser, a toda a

sociedade, porque é o sustentáculo, a consolação suprema nas horas difíceis,

a origem das virtudes e das altas aspirações.

Leon Dennis (1975, p. 10)

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Com todo o meu amor...

A Toinho, em gratidão a tudo o que juntosconstruímos!

A nossos filhos Tales, Tiago, Túlio, Tássio,Tarsila, Tairone e Tauan cujas presenças nos inspiram oamor divino.

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MEUS SINCEROS AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria Auxiliadora Bezerra, pelo que aprendi com a sua

dedicação à orientação, pela sinceridade, dinâmica de trabalho, amizade e, principalmente,

pela competência intelectual que me permitiu superar desafios e caminhar segura neste

estudo. Serei sempre grata por sua valiosa contribuição.

À Prfª. Dr.ª Roxane Helena Rodrigues Rojo (LAEL – PUC-SP) pelas orientações edificantes

que sedimentaram este trabalho.

Aos professores e coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Letras pelo empenho no

trabalho acadêmico:

Ana Cristina Aldrigue, Auxiliadora Bezerra, Aloísio Dantas, Elisalva de Fátima M. Dantas,

Edmilson Luiz Rafael, Maria Augusta M. Reinaldo, Pedro de Souza, Maria Ester Vieira

Sousa.

Às formadoras dos Parâmetros em Ação e às professoras do Ensino Fundamental pelo espaço

concedido à pesquisa.

Aos professores, colegas da UFCG – UAL, pelo apoio e incentivo:

Auxiliadora Bezerra, Edmilson L. Rafael; Ana Paula Sarmento, Denise Lino, Rosângela

Melo, Vânia Sueli G. Rocha, Maria Augusta M. Reinaldo, Carmem Verõnica, Aloísio Dantas,

Hélder Pinheiro.

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Aos professores amigos, desta e de outras Instituições, pelas sugestões, estímulo e traduções:

Marildes Marinho (UFMG), Maria Gorette Ribeiro (UEPB), Luiz Francisco Dias (UFMG),

José Afonso de Souza Camboim, Angelina Duarte Luna, Rossandro Klinjey Irineu (FACISA),

Valécio Irineu (UEPB), Maria do Socorro Brasileiro (FACISA), Maria do Carmo Eulálio

(UEPB), Oscar de Lira (UFCG), Raquel Serrão.

Aos funcionários da UFCG e UFPB, pela atenção e solicitude:

Belquice Nobre Santos, Júlio César, Maria do Socorro Cardoso Bezerra, Roseane Lira Gomes

de Morais.

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Meus agradecimentos especiais

A Deus, sabedoria constante e amor infinito, em cuja fonte

encontro sentido e forças para me espiritualizar nas várias

experiências de minha vida.

A Toinho, ser especial, companhia amorosa e presença constante

em tudo o que fiz e faço. Minha eterna gratidão!

A meus filhos: Tales, Tiago, Túlio, Tássio, Tarsila, Tairone e

Tauan pela felicidade de estarmos juntos, pela compreensão e

incentivo à realização deste trabalho.

Aos familiares, pela compreensão e sintonia amorosa: à minha

querida mãe, Cícera Paz Bezerra, a meu pai, Felipe (in memorian), aos

meus irmãos: Ana Kristina, Rosselita, Filipa Érika, Mônica Sonali,

Fernando Luiz, Antônio Carlos, à minha avó, mãe Ritinha (in

memorian), a Leonardo e a todos os sobrinhos.

Aos cunhados Isabel, Osvaldo e Guia e sobrinhas, pela atenção e

por abrirem as portas do seu lar para muitos dos meus momentos de

isolamento, necessários para a concretização deste estudo. Muito

obrigada!

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Auxiliadora Bezerra

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Bernadete Fernandes de Oliveira

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Ester Vieira de Sousa

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Janine Rodrigues

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante

João Pessoa, 12 de junho de 2006

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RESUMO

Esta investigação objetiva analisar a didatização do conceito de leitor competente, propostopelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN-LP), em duas etapas deformação continuada (preparação de formadores e formação de professoes do EnsinoFundamental) do Programa Parâmetros em Ação – lançado pela SEF/MEC em 1999, com afinalidade de facilitar a compreensão dos PCN – e ainda em aulas de leitura do ensinofundamental (EF) cujos professores fizeram essa formação. Partimos da teoria da transposiçãodidática com Bronckart & Giger (1998), que, nesse estudo, está especificada comodidatização de saberes, por entendermos que esse processo descreve os saberes mobilizadosem sala de aula mostrando que o saber a ser ensinado se transforma em outro por estarsubordinado a saberes de várias instâncias e não apenas aos de referência ou científico. Asetapas de formação do Parâmetros em Ação (PA) analisadas foram: a 1ª, preparação deformadores (os multiplicadores), coordenada e ministrada por pedagogos da Secretaria deEducação de Campina Grande – PB, em 2002; a 2ª etapa, formação de cursistas (professoresdo EF), na cidade de Queimadas – PB, em 2003, ministrada por um formador que participouda 1ª etapa. Em seguida, analisamos como professores da 2ª, 3ª e 4ª séries, que participaramda 2ª etapa do PA, didatizaram o conceito de leitor competente em aulas de leitura de umaescola pública do EF, Queimadas – PB, em 2003 e 2004. Entendendo como Rafael (2001) quea mobilização de saberes gera dois efeitos de didatização – a solidarização e a sobreposição –constatamos que os formadores das duas etapas fazem referência aos mesmos saberes dosPCN-LP sobre leitura: ler não é apenas decodificar – numa perspectiva interacionista esaberes relacionados à metodologia da alfabetização com texto, na visão do letramento,solidarizando-os. Entretanto, verificamos que, nas aulas de leitura, os professores do EF nãodidatizaram a concepção de leitor competente dos PCN-LP, predominando a abordagemestruturalista de leitura, caracterizada pela aplicação de exercícios diários de leitura em vozalta, e por uma grande incidência de questões objetivas em atividades de compreensão textual.

Palavras-chave: Linguagem e Ensino; Formação Continuada; Didatização de saberes; Leitura

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ABSTRACT

This research’s aim is to analyze the didactization of the competent reader concept, asproposed by the Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Brazil's NationalCurricular Guidelines for Portuguese Language Teaching) (PCN-LP), in two stages ofcontinuous education within the Programa Parâmetros em Ação (Guidelines in ActionProgram) (PA), implemented by SEF/MEC in 1999 to enable the assimilation of the PCN;and later on in primary education (EF) reading classes. Departing from Bronckart & Giger’s(1998) didactic transposition theory, this paper focuses on the knowledge didactizationprocess, which describes the mobilization of knowledge in the classroom setting, pointing outthat what is to be taught is transformed into a new kind of knowledge, which is in turnsubordinated to other different kinds, and not to reference or scientific knowledge only. TheParâmetros em Ação (PA) formation stages analyzed were: first, the training of “formadores”or “multiplicadores” (diffusers), coordinated and carried out by educators from CampinaGrande County’s Education Board, in the state of Paraíba, Brazil, in 2002; second, thetraining of “cursistas” (primary education teachers) in the city Queimadas, in 2003, under theguidance of a first-stage-participating diffuser. Next, we analyzed how 2nd, 3rd and 4th gradeteachers, who had been trained during the second stage, were able to didactize the competentreader concept in reading classes of a primary education public school from Queimadas, in2003 and 2004. Like Rafael (2001), we claim that knowledge mobilization generates twodidactization effects: solidarization and superposition. It has been confirmed that diffusersfrom both training stages make reference to the same PCN-LP conception of reading: readingis not only decoding - in the lines of an interactive approach and of a text-based beginningliteracy methodology, thus solidarizing both theories. However, it has also been noticed that,during the reading classes, primary education teachers do not didactize the PCN-LPcompetent reader concept, but keep on using a structuralist approach to reading insteadthrough daily read-aloud exercises and a high amount of objective questions in textualunderstanding tasks.

Key-Words: Language and Teaching - Continuous Education – Knowledge Didactization -Reading.

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RESUMEN

Esta investigación objetiva analizar la didactización del concepto de lector competente,propuesto por los Parámetros Curriculares Nacionales de la Lengua Portuguesa (PCN-LP), endos etapas de formación continua (preparación de formadores y formación de profesores deEnseñaza Fundamental) del Programa Parámetros en Acción (PA) – elaborado por laSecretaría de Enseñanza Fundamental/Ministerio de Educación y Cultura en 1999, con lafinalidad de facilitar la comprensión de los PCN – y todavía en clases de lectura de laEnseñanza Fundamental (EF). Empezamos por la teoría de la transposición didáctica conBronckart & Giger (1998), que, en ese estudio, está especificada como didactización de lossaberes, por entendemos que ese proceso describe los saberes movilizados en salas de clase,enseñando que el saber a ser enseñado se transforma en otro por estar subordinado a saberesde diversas instancias y no apenas a los de referencia o científico. Las etapas de formación delParámetros en Acción (PA) analizadas fueron: la primera, preparación de formadores (losmultiplicadores), coordinada y ministrada por los educadores de la Secretaria de Educação deCampina Grande/PB, año 2002; la segunda etapa, formación de profesores de la EnseñanzaFundamental, en la ciudad de Queimadas-PB, año 2003, coordinada por un educador queparticipó de la primera etapa. Después, analizamos cómo los profesores del segunda, tercera ycuarta series, que participaron de la segunda etapa del PA, según la didáctica, exponían elconcepto de lector competente en clases de lectura de una escuela pública del EF,Queimadas/PB, años 2003 y 2004. Entendiendo como Rafael (2001) que la movilización desaberes genera dos efectos de didactización – la solidarización y la superposición –constatamos que los formadores de las dos etapas hacen referencia a los mismos saberes delos PCN-LP sobre lectura: leer no es apenas decodificar – en una perspectiva interaccionistay saberes relacionados a la metodología de alfabetización con texto, en la visión deletramento, solidarizándolos. Sin embargo, verificamos que, en clases de lectura, losprofesores del EF no didactizan la concepción de lector competente de los PCN-LP,predominando el abordaje estructuralista de lectura, caracterizada por la aplicación deejercicios diarios de lectura en voz alta, y por una gran incidencia de cuestiones objetivas enactividades de comprensión textual.

Palabras clave: Lenguaje y Enseñanza; Formación Continua; Didactización de los saberes;Lectura.

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RESUMO

Per ĉi tiu esploro oni celas kompreni la konstruan proceson je koncepto je kompetentaleganto, proponita de Naciaj Kursaj Parametroj je Portugala Lingvo (PCN-LP), en du stadiojje la kontinua formado de la Programo Parametroj je Agado (PA) kaj, sekve, okaze delecionoj pri Fundamenta Instruado. Ekirante el didakta transpozicia teorio, nia studo specifasje la pritakto de didaktiĝo el scioj, proceso ke priskribas la mobilizon je scioj montrante ke enlernoĉambro la scio instruonta aliiĝas ĉar ĝi estas determinita de diversaj fontoj kaj neekskluzive de referenca aŭscienca. Fundamentita sur tiu teoria perspektivo, ni analizas ladidaktiĝo je la koncepto kompetenta leganto el PCN-LP en du formadaj stadioj de laParametroj je Agado: unue, preparado je formantoj (la duobligantoj), kunordigita kaj instruitaje pedagogoj de Sekretario pri Eduko el Campina Grande (urbo de ŝtato Paraíba, enlando deBrazilo), en 2002; due, formado el kursistoj (instruistoj je Fundamenta Instruado), elQueimadas (urbeto de ŝtato Paraíba, proksime de Campina Grande), en 2003, instruita deformanto kiu partoprenis je unua stadio. Sekve, ni analizis kiel instruistoj por dua, tria kajkvara klasĉambroj serioj, partoprenantoj de la dua stadio de PA, didaktigas la konceptonkompetenta leganto dum legadlecionoj ĉe publika lernejo de Fundamento Instruado nivelo,Queimadas/PB, en 2003 kaj 2004. Ni komprenas ke je ĉiu el la stadioj kaj en lernoĉambroestas produktado kaj mobilizo de scioj el diversaj fontoj inter ili PCN-LP, la lerneja tradicio,la tradicia gramatiko, la didakta libroj kaj la scioj spertaj de la instruistoj. Ni observas ke tiumobilizo rezultigas du efikojn de didaktiĝo – la solidariĝo kaj la superpozicio je la scioj –tiamaniere ke kiel la formanto de la unua tiel de la dua mobilizis la samajn referencajn sciojnde PCN-LP pri legado – legi ne estas malkodi - kaj ke la alfabetumoproceso metodologio pertekstoj por leganta formado, solidariganta ilin. Sed, ni konstatis ke, okaze de la legadlecionoj,tiuj instruistoj ke ne didaktiĝis la proponon de PCN-LP, sekvas kredante ke legi estas malkodiper aplikado je ĉiutagaj laŭtvoĉaj legadlecionoj kaj je grandnombraj de objektivaj demandojen ekzercaro por teksta kompreno.

Ŝlosilvortoj: lingvajo kaj instruado; kontinua formado; didaktiĝo je scioj; legado

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 16

I. Formação de professor: saberes e perspectivas para a educação de nossa época............. 16

II. A função formadora da escola: o leitor competente ...................................................... 28

III. Situando o tipo e definindo os objetivos da pesquisa................................................... 31

IV. A organização da tese................................................................................................. 36

1º CAPÍTULO .................................................................................................................... 39

1. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: origem, críticas eperspectivas teóricas .................................................................................................... 39

1.1. Elaboração dos PCN.............................................................................................. 40

1.2. Olhares (externos) sobre os PCN ........................................................................... 42

1.3. Os PCN de Língua Portuguesa – críticas à sua unilateralidade teórica.................... 46

1.4. A perspectiva enunciativa de língua nos PCN-LP .................................................. 50

1.5. Lacunas na formação do professor-leitor: uma das prováveis causas para aincompreensão teórica dos PCN-LP...................................................................... 56

1.6. Formadores e professores do Parâmetros em Ação enquanto leitores dos PCN-LP ........................................................................................................................ 59

1.7. A formação do leitor competente nos PCN-LP: conceitos e discussões .................. 67

2º CAPÍTULO .................................................................................................................... 80

2. Transposição didática e construção de saberes para uma formação reflexiva................. 80

2.1. O processo de construção de saberes: as bases do ofício do professor .................... 81

2.2. A didatização de saberes para uma formação profissional reflexiva ....................... 93

2.3. As primeiras abordagens sobre transposição didática dos PCN-LP....................... 105

2.4. A proposta de didatização dos PCN: O Programa Parâmetros em Ação – Módulo4: Para formar alunos leitores e produtores de textos .......................................... 107

2.5. Saberes indispensáveis à formação: a relação teoria/prática na atuação doformador ............................................................................................................ 114

3° CAPÍTULO.................................................................................................................. 129

3. A didatização do conceito de leitor competente: mobilizando saberes para a formaçãodo professor ............................................................................................................... 129

3.1. Contextualizando a formação continuada do Programa Parâmetros em Ação ....... 130

3.2. O recurso da referenciação a saberes dos PCN-LP: da leitura como nãodecodificação à proposta do letramento .............................................................. 134

3.3. Os processos de solidarização e de sobreposição: como formar leitorescompetentes........................................................................................................ 149

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3.3.1. A solidarização de saberes ............................................................................ 150

3.3.2. A sobreposição de saberes ............................................................................ 156

4º CAPÍTULO .................................................................................................................. 166

4. O conceito de leitura no Ensino Fundamental: que leitor a escola está formando? ...... 166

4.1. Contextualizando as aulas de ensino/aprendizagem de leitura no EnsinoFundamental....................................................................................................... 167

4.2. A concepção de leitor subjacente às atividades de leitura no EF........................... 172

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 187

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LISTA DE CONVENÇÕES DAS TRANSCRIÇÕES

Símbolos usados nas transcrições das aulas

[ ] Falas simultâneas localizadas ou sobreposições de vozes

.... Pausas

/ Truncamentos bruscos

MAIÚSCULAS Ênfase ou acento forte

(( )) Comentários da analista

-- -- -- -- Silabação

? Pergunta

*** dúvidas e suposições quanto à transcrição

/.../ Indicação de transcrição parcial ou corte na produção de alguém

(...) Corte de trecho da transcrição que não interessa à análise

(Itálico) Ênfase dada pela analista

F1 ou F2 Sujeito das transcrições: Formadora 1 (referente à 1ª etapa e F2referente à 2ª etapa da formação do PA)

PF Sujeitos das transcrições: Professor-formador (1ª etapa), seguidos denumerais

C Sujeitos das transcrições: Professor Cursista (2ª etapa da formação)seguidos de numerais

A Sujeitos das transcrições: Alunos do ensino fundamental, seguidosde numerais

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INTRODUÇÃO

I. Formação de professor: saberes e perspectivas para a

educação de nossa época

As mudanças ocorridas em nossa sociedade, principalmente nas duas últimas décadas

do século XX, nas áreas da política, da economia e da educação, se caracterizam pela

perspectiva da globalização, com suas novas exigências e formas de produção, que

direcionam padrões para a gestão do Estado e da sociedade como um todo. Nesse contexto, a

educação se insere como uma das instâncias sociais convocadas a questionar o seu próprio

papel diante das mudanças da política globalizada e dos governos que redimensionam as

políticas educacionais e a formação profissional. Uma das exigências para que os países do

terceiro mundo se insiram, cada vez mais, no mercado econômico internacional é conceber a

educação como meio de acesso à modernização e à diminuição dos contrastes sociais,

promovendo ações que reduzam o número de indivíduos analfabetos e que facilitam o acesso

à educação básica. Entretanto, como o tempo é imprescindível para a economia, essas

exigências e medidas em relação à educação têm imposto aos governos uma certa pressa por

mudanças, que, forçosamente, compromete os resultados, já que, em se tratando de educação,

elas só se consolidam a longo prazo.

A Constituição de 1988, em que se definiu o plano decenal de educação, o qual

estabeleceu que fossem criados programas e parâmetros para o ensino, pode ser considerada o

ponto de partida para mudanças na educação brasileira. Mas o marco inicial das várias

mudanças recém-ocorridas, que gerou maior impacto educacional, tem sido a efetiva criação

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Inicialmente, foram elaborados os PCN do

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Ensino Fundamental (PCN, 1997). Depois desses, surgiu o Programa Parâmetros em Ação

(PA,1999), que se propunha a explicitar os PCN, cuja formação será enfocada nesta tese. Em

seguida, estrutura os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 1999); e

a reformulação dos PCNEM (PCNEM+, 2002). Com base nos PCN de Língua Portuguesa,

surgiram o Pâmetros em Ação/ Alfabetização, em, 2000 e o Programa de Formação de

professores Alfabetizadores (PROFA), 2001). A criação desses documentos tem motivado o

surgimento de pesquisas com o intuito de verificar a sua influência e a aceitação no sistema

educacional brasileiro.

Essas modificações na educação brasileira, de certa forma, são conseqüências de

novas tendências de estudos em educação, desenvolvidos por pesquisadores no exterior, e que

vêm ganhando espaço, em nosso país, desde a década de 90 do séc. XX: abordagens sobre

formação de professores; os saberes relacionados ao seu ofício (PERRENOUD, 2000a,

2000b, 2001, 2002; GAUTHIER, 1998; TARDIF, 2002; SCHÖN, 2000; CELANI, 2003;

NÓVOA, 1999, dentre outros) e a transposição didática do conhecimento (CHEVALLARD,

1991; BRONCKART & GIGER, 1998 e autores nacionais como ROJO, 2000; ROJO &

BATISTA, 2003; RAFAEL, 2001).

Este trabalho se insere nesse contexto de estudos e pesquisas e está na interface entre

duas áreas de conhecimento: educação e lingüística aplicada. As discussões sobre saberes

permitem-nos fazer reflexões sobre formação e ofício do professor, sobre as necessidades da

educação e a função da escola e do professor nesse contexto atual, sobre os saberes que

envolvem a construção de conhecimentos em sala de aula e sobre a formação do profissional

reflexivo. Todos esses aspectos mostram-nos ser preciso repensar as práticas pedagógicas, a

formação do professor e os discursos sobre educação. As discussões sobre formação de

professores e profissionais reflexivos estão em acordo quanto ao fato de que não se trata

apenas de se fazer mudanças curriculares e propostas de formação temporária (NÓVOA,

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1999). Há necessidade de um diálogo maior entre os próprios professores e entre estes, a

sociedade e a família, em relação à formação de um indivíduo visto em suas necessidades

integrais (psicológicas, emocionais, físicas, ético-morais, de cidadania e profissionais) e

inserido num contexto social.

Nessa perspectiva, cabem algumas reflexões sobre educação do final do séc. XX,

ainda atuais, que foram apontadas por Nóvoa (1999), em seu artigo Os professores na virada

do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. O artigo representa

contribuição de caráter abrangente, em que são apresentadas quatro críticas enfocando

aspectos desde os sociais, envolvendo políticas públicas, aos das instituições de formação e de

trabalho. Abordaremos algumas das reflexões presente nesse artigo por considerá-las uma

síntese de idéias consensuais de estudiosos da área de educação. Uma das críticas se refere

aos freqüentes discursos sobre a educação e o professor como um todo, acompanhados por

ações deficitárias, que não propiciam mudanças substanciais. Nessa visão, o que ocorre nas

políticas voltadas para a educação é a existência de discursos contraditórios sobre os

professores que, se por um lado são reconhecidos como profissionais despreparados,

medíocres, por outro, num excesso de retórica, são considerados como elementos essenciais

para a melhoria da qualidade do ensino e para o progresso social e cultural. Em outras

palavras, fala-se muito na importância do professor para o progresso da sociedade, mas pouco

ou nada se faz para valorizá-lo: “o excesso dos discursos esconde a pobreza das práticas”

(NÓVOA, op. cit., p. 13). Uma outra crítica refere-se, especificamente, aos documentos

produzidos recentemente por organizações internacionais e especialistas preocupados com a

“sociedade educativa”, com a “sociedade do conhecimento”, “sociedade que aprende”, os

quais trazem de volta os discursos sobre a importância do professor, a preocupação com a sua

formação inicial ou contínua, mas apenas com o objetivo de permitir aos especialistas

empreenderem um mercado de formação rentável, inclusive para instituições privadas que são

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criadas unicamente com esse propósito, sem a preocupação com a reflexão experiencial e a

partilha de saberes.

Outra reflexão, no mínimo, considerada polêmica, diz respeito ao excesso do discurso

científico-educacional tal como se produz nas comunidades acadêmicas e nas instituições de

ensino superior que tem gerado dilema na profissão docente em função da separação existente

entre esses produtores de saberes – as autoridades científicas que pesquisam e teorizam sobre

a educação – e os professores que atuam em sala de aula, apenas aplicando as teorias. Para

esse autor, embora exista na universidade um discurso de inovação, de “mudança”, de

“professor-reflexivo”, essa instituição ainda se caracteriza como conservadora por reproduzir

dicotomias na formação, como teoria/prática, investigação/ação, dentre outras, conduzindo a

“saber o que os professores saibam e não a que os professores fiquem a saber melhor aquilo

que já sabem” (NÓVOA, p. 16). Uma das conseqüências dessa perspectiva seria a pobreza

pedagógica que se evidencia em programas e currículos rígidos pautados em livros e materiais

escolares concebidos por grandes empresas.

Uma outra reflexão relaciona-se às práticas associativas docentes, mostrando que há a

falta de uma voz vinda das associações dos professores que traga a idéia do coletivo

profissional, que abra espaço para a discussão, para a colaboração entre páreos, para que os

professores não fiquem indiferentes à sua imagem pública, já que eles não podem se

responsabilizar por problemas, discussões que competem não só à escola, mas a outras

instituições sociais. Em síntese, as políticas educativas deveriam investir na valorização da

profissão docente e definir políticas de educação mais humanas com vistas à formação das

crianças e dos jovens, já que consideramos impossível se pensar em alguma mudança em

educação que não passasse pela formação dos professores. Para tanto, faz-se necessário a

construção de uma lógica de formação que valorize a experiência do professor como aluno,

como aluno-mestre, como estagiário, como professor participante, como professor titular e,

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até, como professor reformado” (Nóvoa, op. cit., p. 18). As críticas à formação inicial ou

contínua tendem a enxergar nelas a “academização” e a “escolarização” de programas de

formação de professores que os conduziriam a uma dependência às “descobertas” e aos

professores universitários, como se os professores não fossem nem pudessem ser reflexivos

antes de os investigadores terem decidido que eles seriam“profissionais reflexivos”. Para esse

autor, a questão essencial é buscar integrar na formação docente processos que valorizem a

sistematização dos saberes próprios dos professores, a capacidade para transformar a

experiência em conhecimento e a formalização de um saber profissional referencial.

Assim, para Nóvoa, reinventar as práticas associativas docentes torna-se algo

imprescindível, para que elas tragam a dimensão de grupo, não no sentido corporativista, mas

numa perspectiva da “colegialidade” docente. Um bom começo foi dado com as inovações da

idéia das equipes de trabalho (PERRENOUD, 1996, reeditado em 2001), do ensino por

equipes, desenvolvimento profissional, investigação-ação colaborativa, regulação coletiva das

práticas, avaliação inter-pares, co-formação dentre outros, os quais demonstram que o

caminho que vai do plano do pensamento científico para a ação concreta nas escolas é longo.

E finaliza com a seguinte sentença de ordem: “Precisamos ‘refundar’ a escola sem

esquecermos que ela passa pelos professores” (NÓVOA, 1999, p. 20).

Com essas discussões não pretendemos enfatizar uma perspectiva negativa ou inativa

do educador ou da educação, fazemos dessas observações um convite para darmos melhor

atenção ao nosso papel de professor e ampliar a opção de saberes necessários à formação.

Também nos mostram como nós educadores precisamos nos envolver mais com a educação,

nos conscientizando das mudanças que podemos encaminhar em sala de aula, nas reuniões de

escola e como sujeitos no mundo. É preciso empenharmos-nos em redimensionar a formação

profissional do professor, em busca de uma visão que contribua com atitudes mais humanas e

menos econômicas, mais solidárias e menos isoladas em educação. Embora reconheçamos a

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importância de haver trabalhos que discutam questões sobre política educacional, esse não é o

objetivo desta pesquisa.

Nessa perspectiva, as discussões apresentadas, neste trabalho, buscam contribuir com

as reflexões sobre a transposição didática de conhecimentos – aqui denominada de

didatização de saberes – sobre a relação teoria e prática, saberes docentes e ensino de língua

que vêm sendo enfatizados, principalmente após a criação dos PCN e de uma de suas políticas

de expansão, nesse caso, do Parâmetros em Ação. Estudo ainda pouco pesquisado,

principalmente porque analisa a transposição (didatização) em três etapas diferentes: desde os

documentos oficiais dos PCN de Língua Portuguesa (doravante PCN-LP), passando por duas

etapas de formação do Parâmetros em Ação, à sala de aula, conforme descreveremos adiante.

Embora se reconheça a necessidade desses documentos, ainda são poucos os estudos sobre

eles, e esse é mais um motivo que nos leva a refletir sobre como tem sido a sua compreensão

e a sua transposição em cursos de formação continuada, como também as dificuldades

enfrentadas pelo professor cursista nesse processo.

A preocupação com este tema surgiu ao ministrarmos as disciplinas de Prática de

Ensino de Língua Portuguesa, no curso de Letras, e Metodologia do Ensino de Língua

Portuguesa, no curso de Pedagogia. Ao lidarmos com a Prática de Ensino, surgiram reflexões

sobre como ensinar a ensinar, ou ainda, sobre como se ensina o que se aprendeu, a partir do

momento em que se percebem, de perto, as dificuldades dos alunos em transpor didaticamente

os conteúdos de ensino de língua na regência de aulas, sobre a dificuldade do aluno em olhar,

de forma crítica, a própria atuação e a dos demais colegas em sala de aula. Já ao ministrar a

disciplina Metodologia da Língua Portuguesa, no curso de Pedagogia, constatamos que

professores das séries iniciais do ensino fundamental têm dificuldades em compreender as

abordagens lingüísticas sobre aquisição de leitura e escrita e de elaborar atividades de ensino

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 22

a partir dessas abordagens, principalmente, porque esse curso não tem disciplinas de

Lingüística no currículo.

Sabemos que os cursos de licenciatura vêm passando por mudanças em seus currículos

que objetivam possibilitar ao aluno, desde o início do curso, convivência com a prática de

ensino, a fim de que não encontre tanta distância entre a teoria vista na formação e a prática

em sala de aula. E isto nos incentivou a analisar como o professor transpõe, reconstrói os

conhecimentos obtidos na formação e, nesse processo, como mobiliza conhecimentos outros,

juntamente com os alunos, numa perspectiva de que ensinar não é reproduzir um

conhecimento dado a priori.

Apesar de haver no curso de Letras disciplinas que trabalham a parte teórica e

metodológica sobre leitura, produção textual e análise lingüística (GERALDI, 1997),

ouvimos, freqüentemente, em contato com os alunos nas disciplinas de Prática de Ensino de

Língua Portuguesa, a afirmação de que a abordagem metodológica, em geral, só é feita em

disciplinas específicas como Metodologia de Ensino, Didática e as Práticas de Ensino de

Língua Portuguesa, predominando, nas demais, uma apresentação e discussão das teorias

sobre língua, gramática, leitura e escrita. Daí, os próprios alunos proporem que o curso de

Letras deveria proporcionar-lhes mais experiências didáticas e metodológicas sobre como

ensinar os diversos conteúdos de língua aprendidos na formação, pois encontram dificuldades

para transpor, didaticamente, os conteúdos vistos na formação ou exigidos nos currículos

escolares das várias séries do ensino fundamental e médio.

Dessa forma, o desenvolvimento de pesquisas como esta que propomos justifica-se por

vários motivos. Primeiramente, porque há urgência em se analisar a implementação de

programas propostos pelo MEC como o Parâmetro em Ação (PA, 1999), cuja proposta deve

ser desenvolvida de forma articulada com os PCN (1997) e, nesse sentido, o consideramos

uma didatização dos PCN. Esses parâmetros estabelecem uma referência curricular e apóiam

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 23

a revisão ou elaboração da proposta curricular das escolas municipais ou estaduais, tendo

como objetivo melhorar a qualidade de ensino e subsidiar a ação político-pedagógica das

redes de ensino (cf. 1º capítulo). O programa PA propõe um currículo baseado no domínio de

competências básicas - não no acúmulo de informações - que tenham vínculos com os

diversos contextos de vida dos alunos, dentre algumas das competências, a formação de

leitores. Nessa perspectiva, o PA se apresenta como uma ação que favorece a implementação

dos PCN em sala de aula, possibilitando aos professores do Ensino Fundamental a

compreensão das teorias que os fundamentam, através de reflexões e estudos numa proposta

de formação continuada. O programa PA é, portanto, uma didatização dos PCN

(PERRENOUD, 2002) que busca dar à proposta desses Parâmetros um caráter exeqüível,

abordando, além dos saberes referenciais dos PCN, outros necessários à formação profissional

(cf. 2º capítulo, 2.4).

Apesar de procurar interpretar os PCN, alguns estudos recentes, vale salientar que

ainda são poucos, como o de Rojo (2000), mostram que, em geral, os professores das

primeiras séries do ensino fundamental encontram dificuldades em entender conceitos

lingüísticos abordados nos PCN, principalmente de Língua Portuguesa (cf. 1º capítulo). Outro

fator que justifica essa pesquisa é que concerne à Universidade e, especificamente, aos cursos

de licenciatura, a tarefa de refletir não só sobre a formação, mas sobre a atuação de

professores com base em programas de ensino e os seus efeitos na educação.

Também a nossa participação em orientações e acompanhamentos a projetos e a

capacitação de professores do ensino fundamental nos motivaram a refletir sobre esses

estudos. São exemplos: a coordenação de projeto para iniciação à docência, aprovado pelo

Programa de Bolsas para a Licenciatura (PROLICEN – 2001), com bolsistas, intitulado A

prática de ensino de Língua Portuguesa na Prática, cujo acompanhamento em duas turmas

de Prática de Ensino de Língua Portuguesa I nos permitiu analisar as atividades de orientação,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 24

observação e regência de aulas; a formação em serviço pela Secretaria de Educação do

Município de Campina Grande (1998), em capacitação docente nos programas do MEC,

especificamente, ministrando a formação de formadores no Projeto Nordeste (1998) e no

Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA – 2001, nas cidades de

Patos e Campina Grande - 2001, nos quais constatamos as dificuldades dos professores em

compreender a abordagem desses programas para o ensino de língua em todas as suas

implicações teóricas e metodológicas. Foram essas atuações e leituras, que nos motivaram a

aprofundar questões relacionadas à formação do professor e à transposição didática de

conhecimentos.

Apesar de haver, em nosso país, uma certa descrença, por parte de alguns educadores,

em relação a programas de formação continuada propostos pelo MEC, observamos a

importância da construção de espaços para a reflexão sobre esses programas, para que a

universidade possa dar sua contribuição melhorando-os, observando seus efeitos e as “faltas”

decorrentes da formação profissional. Através dessas pesquisas, podemos refletir e encontrar

os caminhos das mudanças na formação inicial. Uma das principais críticas feitas, por

educadores, aos programas de formação continuada implementados pelo MEC aponta como

um dos aspectos improdutivos recorrentes nessas formações o fato de a prática metodológica,

em geral, caracterizar-se como sendo o repasse de conteúdos e de orientações metodológicas.

Outra crítica de ordem estrutural diz respeito à ausência de uma política de implementação

que permita a mudança de quadro e carreira profissional para que os professores tenham

interesse em continuar nesses programas (SOARES, 1997; SILVA & GENTILLI, 1996),

conforme discutiremos no primeiro capítulo.

Em parte, essas críticas procedem, uma vez que alguns desses programas aparecem

com prazos delimitados para serem feitos, como se as mudanças de perspectivas teórico-

metodológicas de ensino/aprendizagem ocorressem de forma rápida, com data marcada. Em

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 25

geral, não há uma preocupação para que a formação em serviço seja permanente,

predominando a concepção metodológica de que basta se ter acesso aos conhecimentos

propostos nesses programas e sobre como se aplicam as estratégias de formação, para que as

mudanças objetivadas no ensino aconteçam. Tudo isso confirma que há ainda a visão

dicotômica quanto à aquisição de saberes na formação de professores, pensa-se que o

conhecimento da teoria é condição suficiente para mudar a prática, isto é, que de posse da

teoria, automaticamente, muda-se a prática, desconsiderando-se todo o processo de construção

de saberes e a interação entre eles, reformulando-se para dar origem a uma mudança. Tanto

Schön (2000) quanto Perrenoud (2000a, 2002) nos mostram que é no espaço da reflexão na e

sobre a ação e através de leituras reflexivas, da permuta de experiências e do expor as

dúvidas, que o professor formará sua experiência prática pautada na concepção, nesse caso,

dos PCN-LP, principalmente porque muitos professores, mesmo os graduados, desconhecem

tal abordagem.

Quanto às perspectivas teóricas, esse trabalho se situa nos estudos da transposição

didática do conhecimento na visão de Bronckart & Giger (1998), para quem esses estudos se

referem às mudanças por que passa um saber científico, teórico ou de referência ao ser

transformado em objeto de ensino/aprendizagem. Também nos fundamentamos nas

contribuições de Rafael (2001) que, a partir dos estudos de Bronckart e Giger, estabeleceu os

processos de solidarização e sobreposição de saberes. A solidarização ocorre quando

formadores, professores-formadores e/ou cursistas, utilizam-se de termos e/ou noções

teóricas, vindos, no mínimo, de duas fontes de saberes diferentes na construção do conceito de

leitor competente, sem que esse procedimento incorra em erro e/ou contradição teórica,

possibilitando a ampliação do conceito. Já no processo de sobreposição entre terminologias

ocorre o inverso, quando formadores e professores utilizam-se de termos e/ou noções que não

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 26

se equivalem para abordar o conceito tratado, podendo gerar, com isso, um efeito de redução

e contradição teórica.

A outra perspectiva teórica surge em função de o processo de transposição didática

implicar em mobilização de saberes, em mudanças, já que não existe repasse de saber, mas

conhecimento construído em cada instância de ensino/aprendizagem. Daí se falar em saberes

diversos: curriculares, disciplinares, experienciais (TARDIF, 2002) ou acadêmicos,

científicos, técnicos, e saberes de experiência (PERRENOUD, 2002) ou de referência,

teóricos e da vivência prática (BRONCKART & GIGER, 1998). Para nós, consideramos os

saberes teóricos ou de referência com Bronckart e Giger, que equivalem aos curriculares e

disciplinares para Tardif (2002), aos científicos e técnicos para Perrenoud (2002). Mas para os

saberes práticos estamos considerando a denominação de experienciais (TARDIF, 2002), por

considerarmos que esse termo evoca, expressa melhor a idéia de que o saber não pode ser

aprendido ou talvez repassado, segundo Tardif (2002), mas experienciado pelo sujeito na sua

atuação. O mesmo ocorre com o termo vivência prática, que pelo uso também seria reduzido a

prática. Não concordamos com essa conotação de ser apenas relacionado à prática (cf. 2º

capítulo).

Assim, este estudo, ao abordar a transposição do conceito de leitor competente,

também discute questões a ele relacionadas sobre a formação do professor, ao ofício de

ensinar, à necessidade de se desenvolverem competências profissionais através da aquisição

de saberes diversos. Saberes que nos permitem refletir e repensar a formação do professor

quanto aos currículos e programas de disciplinas existentes, para que se incluam saberes

outros, necessários à experiência profissional, abrindo espaços não só para a discussão sobre o

desenvolvimento das várias competências exigidas do profissional professor (PERRENOUD,

2000b), mas aos experienciais que não são considerados como tendo valor formativo

(TARDIF, 2002, cf. 2º capítulo). A necessidade desses saberes – os experienciais – e de

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outros, na formação do professor, surge hoje diante da complexidade de nossa época, do

desenvolvimento dos vários meios de comunicação, da Internet e de outros aparatos

tecnológicos, do surgimento e da circulação dos vários gêneros textuais na sociedade, que

vem redimensionando o papel da escola e, automaticamente, do professor.

Há também a necessidade de uma formação crítico-reflexiva para que o professor

conceba o espaço da formação inicial ou continuada não só como o do ensino/aprendizagem

de teorias e métodos de ensino, mas como um lócus onde é levado a refletir sobre sua própria

atuação e a dos alunos e, nessa reflexão, proporcionar mudanças significativas em sua prática

(PERRENOUD, 2002; SCHÖN, 2000; CELANI, 2003; MAGALHÃES, 2004 - cf. 2º

capítulo). Atualmente, fala-se em competências não apenas conteudísticas como “organizar e

dirigir situações de aprendizagem”, “organizar a progressão das aprendizagens”, mas como

“trabalhar em equipe”, “participar da administração da escola”, “informar e envolver os pais”,

“utilizar novas tecnologias”, ou ainda “administrar a sua própria formação contínua”, dentre

outras (PERRENOUD, 2002), ou fala-se ainda nos saberes indispensáveis à educação do

futuro, como “ensinar a condição humana”, “ensinar a identidade terrena”, “ensinar a

compreensão”, “enfrentar as incertezas”, etc (MORIN, 2002), como também na necessidade

de formar um profissional reflexivo, (SCHÖN, 2000; PERRENOUD, 2002), assuntos, até

bem pouco tempo, não abordados na formação.

Inserindo-se nessas preocupações de nossa época, os PCN para a educação básica

(1997) trazem em seu conjunto os temas transversais (Ética, Pluralidade Cultural, Saúde,

Meio Ambiente e Educação Sexual), que são temas considerados pelo MEC de urgência

social, abrangência nacional e que favorecem a compreensão da realidade e a participação

social do aluno na sociedade. Com isso não estamos defendendo que o professor seja o super-

mestre e que está em suas mãos a resolução de todas as situações ou conflitos da educação.

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Mas, se faz mais do que urgente refletirmos sobre a formação inicial e continuada do

professor.

II. A função formadora da escola: o leitor competente

As pesquisas em educação e linguagem, nesses últimos cinqüenta anos, muito têm

avançado no sentido de compreendermos a complexidade que envolve a leitura e o como

fazer para formar leitores. Esses estudos, sem especificar autores, mostram-nos que Ler é

muito mais que decifrar, que extrair sentido (perspectiva estruturalista), que atribuir sentidos

(psicolingüística), que interagir com textos (interacionista). Ler implica, principalmente, saber

usar a tecnologia da leitura e da escrita para atender às necessidades sociais do leitor,

enquanto sujeito inserido num contexto (perspectiva do letramento) e saber interpretar o

mundo relacionando o sentido a aspectos sociais, históricos e ideológicos, dando conta das

relações que se estabelecem entre os gêneros textuais, nas esferas sociais, considerando a

enunciação com suas imbricações histórica e ideológica (visão sócio-histórica), e as

formações discursivas relacionando discursos a outros discursos através de textos (análise do

discurso). A inclusão da prática constante de leitura, nas várias instâncias sociais - leiturização

- é uma dentre tantas propostas, que permite relacionar a leitura com a própria vida do leitor e

a de outros sujeitos (FOUCAMBERT,1994). Eis o grande objetivo-desafio que a escola se

impôs ao longo dos séculos - formar leitores.

Numa sociedade letrada, fundamentada em práticas sociais de leitura e escrita, como a

nossa, é imprescindível que haja, na educação, a preocupação primordial com a formação do

leitor crítico, como afirmam os PCN-LP, do leitor competente. Diante desse fato, não

podemos conceber que, após passar oito anos no ensino fundamental (doravante EF), o aluno

saia da escola sem saber interpretar e escrever textos em vários gêneros textuais exigidos nas

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diversas situações sociais em que ele, enquanto cidadão, irá precisar utilizá-los. Sabemos que,

em geral, a escola tem fracassado na proposta de formação do leitor. São os próprios PCN que

afirmam:

Desde o início da década de 80, o ensino de Língua Portuguesa na escolatem sido o centro da discussão de melhorar a qualidade da educação no país.No ensino fundamental, no que se refere ao fracasso escolar, a questãobásica tem sido da leitura e da escrita. Sabe-se que os índices brasileiros derepetência nas séries iniciais – inaceitáveis mesmo em países pobres – estãodiretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e aescrever. (PCN, Introdução, 1997a, p. 19).

Esse documento, ao se apresentar como Parâmetros Nacionais, objetiva trazer uma

perspectiva de ensino de língua que busque suprir as deficiências atuais e que possibilite a

formação de leitores e escritores competentes, uma vez que, segundo eles, a leitura é pré-

requisito para a escrita, ela forneceria as idéias, o “material” do que escrever (visão de leitura

fundamentada nas perspectivas interacionistas e do letramento).

Atualmente, as estatísticas comprovam a ineficácia das orientações teórico-

metodológicas utilizadas na escola para a formação do leitor. São vários fatores políticos,

econômicos e educacionais que têm contribuído para essa derrocada. Dentre os muitos

problemas, que vão desde a falta de verbas para a educação à desqualificação do professor,

destacamos: a falta de políticas educacionais que propiciem e aparelhem as escolas com livros

nas bibliotecas ou mesmo com bibliotecas; a ausência de projetos educativos e culturais

envolvendo professores, alunos, escola e comunidade em atividades de leitura; a falta de

projetos interdisciplinares que incentivem a leitura em outras disciplinas; a presença na sala

de aula de métodos de ensino/aprendizagem da leitura que dão ênfase à decodificação, ou a

concepção de leitura como busca de informação para se obter nota – produzindo a leitura

apenas obrigatória; a falta de valorização do profissional-professor não se investindo na sua

formação em serviço para que ele tenha condições de ser um leitor competente, inclusive

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tendo tempo para se dedicar à leitura; dentre outros.

Sabemos que o MEC tem tomado algumas providências em torno desta questão e uma

de suas medidas para as políticas educacionais é aplicar exames que visam diagnosticar a

capacidade de leitura de alunos do EF e do ensino Médio para verificar a construção de uma

das competências centrais do letramento: a leitora. Outra providência tem sido as propostas de

cursos de formação continuada ou em serviço para professores. Para avaliar a competência

leitora temos os seguintes órgãos, no ensino básico o SAEB (Sistema de Avaliação da

Educação Básica) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ambos governamentais. Já

o PISA1 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), também muito conhecido, é

internacional. O ENEM e o SAEB aproximam-se de uma concepção discursiva de leitura,

porque além das capacidades exigidas no PISA, exigem ainda a situação de enunciação,

aspecto que corresponde às circunstâncias de produção dos discursos (sujeitos envolvidos e o

contexto histórico de produção). Por exemplo, exigir o estabelecimento de relações entre

diferentes textos e seu contexto histórico, social, político ou cultural inferindo as escolhas dos

temas, dos gêneros discursivos e recursos expressivos dos autores (ENEM) ou reconhecer

diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratem do mesmo

tema, em função das condições em que foi produzido e daquelas em que será recebido

(SAEB, 2004, p. 7, apud ROJO & MOITA-LOPES, 2004).

Embora seja o diagnóstico necessário para a identificação dos problemas, as soluções

não chegam de imediato apenas por que foram localizados. E como a competência leitora

1O PISA apresenta uma concepção cognitiva de leitura como extração e relação entre informações extraídas detextos, em diferentes gêneros e linguagens, tais como folhetos, gráficos retirados de Atlas, diagramas queconstituem práticas de leitura escolares e não escolares. Segundo Jurado (2002, p. 7, apud ROJO e MOITA-LOPES, 2004) “o programa selecionou três capacidades básicas: localização, identificação e recuperação deinformação; interpretação e reflexão subdivididas em cinco níveis, exigidas na leitura e compreensão de umadiversidade de gêneros”. Foi neste exame que em 2000, os estudantes brasileiros ficaram em último lugarmundialmente falando em nível de leitura, ou seja, neste relatório ficou comprovado que 41 % - quase a metade-dos jovens do final do Ensino Médio que foram avaliados apresentam capacidades de leitura abaixo das citadasno relatório para o nível 5, que são extremamente simples e básicas , além de exercidas em textos curtos e muitopouco complexos (Documento de avaliação crítica e propositiva dos PCNEM-PCNEM+, Rojo; Moita-Lopes,setembro/2004).

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continua sendo uma das grandes metas do ensino, os PCN não poderiam deixar de enfatizar e

apontar caminhos para que o professor conduza seu aluno à conquista dessa habilidade.

Outra medida foi a criação do programa Parâmetros em Ação (1999), que pretende

favorecer a implementação dos PCN em sala de aula, ao procurar “facilitar” para professores

do ensino fundamental a compreensão de suas teorias através de reflexões e estudos numa

proposta de formação continuada. Dessa forma, o programa PA é uma etapa da cadeia da

transposição didática (PERRENOUD, 2002) que procura dar à proposta dos PCN-LP um

caráter exeqüível ao buscar facilitar a compreensão das teorias desses Parâmetros, já que,

conforme vimos, os professores de língua portuguesa da 1ª fase do ensino fundamental

demonstraram essa dificuldade (cf. itens 1.3, 1.4. e 1.5 no 1º capítulo).

III. Situando o tipo e definindo os objetivos da pesquisa

A nossa pesquisa se situa nos estudos da Lingüística Aplicada (LA) e da Educação

como um todo. No Brasil, os estudos mais recentes em LA têm se voltado para as pesquisas

sobre formação do professor, enfatizando as práticas discursivas e a interação professor-aluno

em sala de aula, sendo ainda poucas as pesquisas sobre transposição didática do

conhecimento. Esses estudos têm como foco, não a linguagem em si mesma, mas o

conhecimento das práticas de uso e de aprendizagem da língua em instituições (KLEIMAN,

1998: 69-72).

No Brasil, esses estudos são defendidos por vários pesquisadores como Cavalcanti

(1986); Celani (1992); Kleiman (1998, 2001), dentre outros, caracterizados por Moita-Lopes

(2003) como pesquisa aplicada às ciências sociais (por seu foco se voltar para problemas de

uso da linguagem enfrentados pelos participantes do discurso num contexto social), que

focaliza a linguagem do ponto de vista processual e de natureza interdisciplinar e mediadora.

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Ou seja, no percurso da investigação, busca mediar conhecimentos teóricos advindos de

várias disciplinas, (no nosso caso, da psicologia, da educação e da linguagem), que envolve

formulação teórica – não só integra conhecimentos teóricos advindos de várias áreas, mas

pode criar seus próprios modelos. Além disso, utiliza métodos de investigação de base

interpretativista (MOITA-LOPES, 1994, 2003, p. 17-36). Desta forma, a nossa se insere nas

pesquisas qualitativas (SANTOS FILHO & GAMBOA, 1995; DEMO, 2001) em educação, de

base etnográfica2, em que, segundo André (1995, p. 100-101), o observador não pretende

comprovar teorias nem fazer generalizações estatísticas, mas compreender e descrever uma

dada situação, revelando seus múltiplos significados.

Este tipo de pesquisa, também chamada de interpretativista, busca “a interpretação em

lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, assume que fatos e valores estão

intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do pesquisador”

(ANDRÉ, 1995, p. 17). Há uma preocupação com o processo, com seus significados e não

simplesmente com resultados. Também é um estudo etnográfico, em sentido restrito, uma vez

que se utiliza de técnicas que, tradicionalmente, são associadas a esses estudos, como a

observação participante (o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação

estudada, afetando-a ou sendo por ela afetado); entrevistas para obtermos algumas

informações sobre os sujeitos, neste trabalho, as formadoras dos PA e os professores do

ensino fundamental (conforme descreveremos no capítulo de análise) e os documentos (os

PCN – Língua Portuguesa e o módulo nº 4 do PA Para formar alunos leitores e produtores de

textos) que serão analisados no primeiro capítulo. E, como etnográficos, trata-se de um caso

observacional (TURATO, 2003, p. 247; TRIVIÑOS, 1987, p. 129; ANDRÉ, 1995, p. 31 e p.

51), uma vez que descreve uma unidade bem definida, a transposição de um conceito

2 A etnografia é um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade.Etimologicamente, significa “estudos culturais” e se caracteriza por um conjunto de técnicas utilizados para secoletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social e umrelato escrito resultante do emprego dessas técnicas (André, 1995).

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abordado num programa de formação continuada de professores e seus efeitos na sala de aula,

dando ênfase ao processo, ou seja, como essa transposição se realizou.

Dentre esses estudos, os sobre a transposição didática se preocupam com a construção

de conhecimentos sobre língua no discurso escolar. Tais abordagens permitem reexaminar a

interface entre a produção teórica sobre a língua e os conteúdos a serem transpostos

didaticamente para a sala de aula, analisando as transformações que sofrem um dado saber ao

ser objeto de ensino, isto é, em uma situação de exposição didática. Na didatização não há a

preocupação em descrever o como fazer, em como se ensinar um saber em sala de aula, essa é

a ocupação das ciências didáticas (MACHADO, 1999). Os estudos sobre a transposição

didática são relevantes e vêm contribuir com respostas a questões antigas sobre o

ensino/aprendizagem de língua, sobre como a identidade profissional do professor é

construída e como ele transpõe, em sua prática, os saberes ou conteúdos recebidos na

formação inicial ou em serviço, refletindo sobre a relação teoria-prática em busca também de

uma formação reflexiva do professor de Língua Portuguesa3 (SCHÖN, 2000, PERRENOUD,

2000a, 2002). Neste trabalho, estamos denominando o processo que descreve as mudanças do

saber a ser ensinado de didatização por entendermos que essas mudanças, alterações,

reformulações ocorrem não apenas em relação aos saberes de referência (o saber a ser

ensinado), mas com os vários saberes de diversas instâncias que são mobilizados e que se

tornam outros em relação ao saber a ser ensinado em sala de aula, conceito adotado por

Magalhães (2005). A didatização considera, portanto, a mobilização dos diversos saberes a

que o saber a ser ensinado está subordinado como os saberes acadêmicos, curriculares, do

senso comum, das políticas públicas como os PCN, da instituição escolar e experienciais do

professor.

3 Conferir o Caderno de Resumos do XI Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada (INPLA – 2001), emque são apresentados 29 trabalhos sobre esse tema (KLEIMAN, 2001).

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 34

Assim, preocupada em aprofundar questões sobre a leitura e a formação do leitor,

segundo a proposta dos PCN, em seu programa de formação continuada Os Parâmetros em

Ação , esta investigação busca compreender o que acontece com um conceito, suas mudanças,

reformulações, construções e seus efeitos, em sala de aula, ou seja, a didatização, no nosso

caso, do conceito de leitor competente, desde a sua formulação teórica nos PCN-LP e no

Programa Parâmetros em Ação, passando pelas duas etapas de formação desse programa: a 1ª

(a preparação de formadores, os multiplicadores), em seguida, a 2ª etapa (a formação de

cursistas, com professores do EF) e, por último, em sala de aula (observação de aulas de

leitura de três séries do EF cujos professores fizeram a 2ª etapa).

A questão geral deste estudo é “como o conceito de leitor competente dos PCN é

didatizado nas duas instâncias de formação do PA e, em seguida, em aulas de leitura do EF?”.

Essa questão pode ser desmembrada em três outras específicas:

- Como o conceito de leitor competente dos PCN é didatizado na preparação de

formadores do PA (1ª etapa da formação) pela formadora 1?

- Como o formador 2, tendo recebido esse conceito na 1ª etapa da formação do PA,

didatiza-o, na 2ª etapa, com os professores cursistas?

- Como os professores cursistas didatizam o conceito de leitor competente, recebido na

2ª etapa da formação do PA, em aulas de leitura do EF?

Essas questões apontam como objetivo geral deste trabalho:

- Analisar a didatização do conceito de leitor competente em programa de formação

continuada (o Parâmetros em Ação - PA) com base nos PCN-LP e, em sala de aula. E, como

objetivos específicos:

- Verificar como a formadora 1 (F1), na preparação de formadores do programa PA (1ª

etapa), didatiza o conceito de leitor competente dos PCN-LP;

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 35

- Verificar como a formadora 2 (F2), após ter participado da formação inicial do PA,

didatiza o conceito de leitor competente com professores do EF, os cursistas, na 2ª etapa da

formação;

- Identificar os saberes mobilizados, pelas formadoras, na didatização do conceito de

leitor competente nas duas etapas da formação do PA;

- Verificar como professores do 1º ciclo do EF, após terem feito a formação do PA,

didatizam o conceito de leitor competente em aulas de leitura.

Devido ao objeto de análise ser um conceito didatizado em um curso de formação

continuada, em suas duas etapas de formação, e em aulas de leitura, o período de coleta de

dados, que se iniciou desde a fase de adaptação do grupo à nossa presença (19/09/2002) às

aulas de leitura do EF (20/08/2004), durou dois anos. Esses dados constituem 30 horas e 30

minutos de áudio-gravações, todas transcritas, das quais só estarão em anexo as que têm

relação direta com os tópicos da análise. Essa quantidade se apresenta, evidentemente,

reduzida se comparada às horas utilizadas para a formação de todo o módulo nas duas etapas,

em análise, e por nós acompanhado (1ª etapa – 32h e 30 min.; 2ª etapa – 21h, cf. quadro 1. 3º

cap. ), já que consideramos desnecessário gravar as leituras compartilhadas feitas pelas

formadoras, no início dos encontros, os textos apresentados nos vídeos e os momentos em que

tanto formadores quanto cursistas estão fazendo leituras silenciosas ou atividades escritas.

Apenas gravamos as discussões e comentários feitos por formadores e cursistas no grande

grupo ou em grupos menores. Assim, foram 11 horas de áudio-gravações na 1ª etapa; 12 horas

na 2ª; e 7h 30 min. de aulas em que havia a atividade de leitura, quer fossem aulas de Língua

Portuguesa ou de outras disciplinas. Nas três etapas da pesquisa, estamos contando com todas

as anotações de campo realizadas, inclusive com aulas, que foram apenas anotadas, formando

essas um total de 10 horas-aula de leitura.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 36

Na 1ª etapa, o módulo foi dado em 32 horas e 30 min. no período de 21 de novembro

de 2002 a 21 de maio de 2003 na cidade de Campina Grande, pela formadora 1, contando com

a participação de 45 formadores (cf. Quadro 2, 3º cap.); na 2ª etapa, ocorrida na cidade de

Queimadas- PB, houve uma redução para – 21 horas, no período de 15 de agosto de 2003 a

16 de abril de 2004, também contou com a participação média de 45 professores do EF (cf.

Quadro 2, 3º cap.); já o período de coleta de dados da 3ª etapa, que aconteceu no sítio Ligeiro,

em Queimadas-PB, numa Escola de Ensino Fundamental e Médio, foi de março a agosto de

2004, entre adaptação e aulas áudio-gravadas.

Em virtude de contarmos com três etapas de observação, preferimos fazer a descrição

dos sujeitos, do local e dos dados coletados quando procedermos a análise de cada uma dessas

etapas da formação dos PA (cf. 3º capítulo) e das observações em sala de aula (cf. 4º

capítulo), favorecendo, assim, a compreensão e o acompanhamento do leitor.

IV. A organização da tese

Para melhor compreensão, organizamos este estudo em cinco capítulos. O 1º capítulo

apresenta, inicialmente, a origem e formação dos PCN de Língua Portuguesa para a 1ª fase do

ensino fundamental (1997), as críticas surgidas logo após a sua publicação, principalmente

quanto à perspectiva de língua adotada (sócio-histórica), e discussões sobre as dificuldades de

compreensão por parte dos professores que cursaram a formação continuada e a visão de

formadores e professores enquanto leitores dos PCN-LP. Em seguida, situamos nosso objeto

de análise, o conceito de leitor competente, desses documentos, enquanto perspectivas

interacionistas e do letramento.

O 2º capítulo aborda a teoria da transposição didática na sua relação com os diversos

saberes (teóricos ou de referência, curriculares, disciplinares e experienciais), mobilizados no

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 37

processo de construção de conceitos por alunos e professores em sala de aula, conceituando-

os e relacionando-os à necessidade de uma formação reflexiva do professor. Após isto, são

apresentadas as primeiras tentativas de didatização dos PCN-LP e a proposta do Parâmetros

em Ação (PA), especificamente, o módulo 4 - Para formar alunos leitores e produtores de

textos. Em seguida, é analisada a visão que a preparadora de formadores, a formadora da 1ª

etapa, tem sobre a relação teoria/prática como uma das dificuldades que os multiplicadores

(os formadores da 2ª etapa) encontram para a compreensão do módulo. Fizemos assim, por

considerar que não se separa a visão do formador sobre a formação da abordagem teórico-

metodológica que ele encaminha na formação e na sua vivência em sala de aula. Ainda nesse

capítulo, justificamos por que estamos utilizando o termo didatização de saberes para nos

referirmos ao processo de transposição didática.

O 3º capítulo trata da análise da didatização do conceito de leitor competente e procura

responder às indagações que motivaram este trabalho: como as orientações teórico-

metodológicas relativas à formação do leitor competente nos PCN-LP são didatizadas na

preparação de formadores dos Parâmetros em Ação?; e como um desses formadores, tendo

recebido essa formação inicial, por sua vez, didatiza esse conceito na formação dos

professores cursistas? Tendo em vista esses questionamentos, dividimos o 3º capítulo em duas

partes. Na primeira, fizemos a contextualização de cada uma das etapas da formação, em

linhas gerais, quanto ao contexto da pesquisa, especificando o local onde ocorreram as

formações do programa do PA, sujeitos (formadoras e professores-formadores), o período e

algumas impressões sobre o grupo. Na segunda parte, tratamos da questão dos saberes

mobilizados na construção do conceito de leitura e de leitor competente desde os saberes de

referência dos PCN-LP aos experienciais do professor. Para isto, subdividimos em dois

tópicos: um aborda os saberes de referência dos PCN-LP e saberes experienciais dos

formadores ou dos cursistas, mobilizados na construção do conceito tratado, e o outro aborda

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 38

o processo de solidarização e de sobreposição de saberes, cujos conceitos mobilizados no

processo de solidarização convergem para a construção do conceito de leitor competente. E,

por último, fizemos algumas considerações parciais em torno da didatização do conceito de

leitor competente nas duas etapas da formação quanto à mobilização dos saberes enfocados.

O 4º capítulo, também de análise, trata da didatização do conceito de leitor competente

em aulas de leitura em três séries da 1ª fase do EF. Nesse capítulo, observamos os efeitos da

formação continuada do Programa PA em sala de aula a partir da análise da atuação de

professores cursistas verificando se, após vivenciarem a formação do módulo do PA,

didatizam ou não o conceito de leitor competente em sala de aula. Para isto, dividimos este

capítulo em duas partes. A primeira contextualiza essa etapa de análise descrevendo os dados,

a escola, os professores, as séries dos alunos e as aulas focalizadas. A segunda identifica a

concepção de leitura dos professores do EF, através das atividades de leitura desenvolvidas,

para verificar se esta concepção possibilita a formação do leitor competente, objetivo da

formação dos PCN-LP, ao didatizar essa proposta. Também verificaremos em que esse

conceito se assemelha ou difere do das etapas anteriores quanto aos processos de

solidarização e sobreposição de saberes.

O 5º capítulo apresenta as nossas considerações finais em torno da didatização do

conceito tratado ao passar por duas instâncias de formação e em sala de aula, além de

fazermos algumas reflexões sobre a formação do programa dos PA e dos PCN-LP. Em anexo,

estão a cópia do módulo do PA, as pautas dos encontros do Programa PA em suas duas etapas

de formação, os trechos que situam as transcrições exemplificadas na análise e alguns textos

lidos nas aulas de leitura do EF.

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1º CAPÍTULO

1. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa:

origem, críticas e perspectivas teóricas

Nenhum saber é por si mesmo formador. Os mestres nãopossuem mais saberes-mestres (filosofia, ciência positiva, doutrinareligiosa, sistema de normas e de princípios etc) cuja posse venhagarantir sua mestria; saber alguma coisa não é mais suficiente, épreciso também saber ensinar. O saber transmitido não possui, em simesmo, nenhum valor formador.

Maurice Tardif

Após a elaboração dos PCN (1997) para os 1º e 2º ciclos do EF, estudos começaram a

ser feitos com o intuito de analisá-los quanto à sua viabilidade, didatização em currículos e

em sala de aula e, principalmente quanto à sua compreensão por parte dos professores do EF.

Alguns estudiosos analisaram as perspectivas teóricas, as sugestões metodológicas e a

linguagem adotadas por esses Parâmetros; enquanto outros procuraram verificar a sua

didatização. Buscando situar os PCN para melhor compreender o nosso objeto de estudo, este

capítulo objetiva refletir sobre o impacto que os PCN de Língua Portuguesa (doravante PCN-

LP) têm causado na educação mostrando alguns trabalhos que apontam aspectos relevantes e

outros conflituosos desses documentos, como também define o conceito de leitor competente

– objeto de análise de nosso trabalho –, apresentado pelos PCN-LP. Assim, este capítulo se

divide em três partes. Na primeira, situaremos a sua elaboração no contexto histórico da

política educacional; em seguida, apresentaremos algumas críticas quanto à sua

unilateralidade teórica apontadas por Silva & Gentilli (1996); Soares (1997), Moarais (1997),

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 40

abordaremos ainda a perspectiva enunciativa de língua, base teórica dos PCN-LP. Na segunda

parte, apresentaremos críticas relativas à formação do professor leitor, apontadas por Batista

(1999), como sendo uma das causas para a incompreensão teórica dos PCN-LP e, em seguida,

analisaremos as condições dos formadores e dos professores do Programa Parâmetros em

Ação enquanto leitores dos PCN-LP. Na terceira parte, abordaremos os conceitos de leitura e

de leitor competente segundo esses Parâmetros, situando as suas bases teóricas com vistas à

formação do leitor.

1.1. Elaboração dos PCN

Os PCN constituem uma das ações4 da política educacional brasileira, que tem como

objetivo fundamental atender às metas estabelecidas para a educação, desde a criação da

Constituição de 1988 e a Conferência de Educação para Todos5 – Jomtien, Tailândia, 1990 –,

cujo relatório final sobre a educação para o século XXI, feito para a UNESCO, afirma que a

educação leva os países em desenvolvimento ao fortalecimento da economia.

Atendendo a essas ações, o MEC elaborou o Plano Decenal de Educação para todos

(1993-2003) em acordo com o estabelecido pela Constituição de 1988, que afirma a

necessidade e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros, no campo curricular,

capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-los aos

ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas (PCN, 1997a –

4 Sem pretender adentrar em discussões políticas sobre o surgimento dos PCN, queremos apenas destacar que aelaboração deste documento atende a uma visão neoliberal de educação que a vê como meio de acesso àmodernização e à diminuição dos contrastes e da exclusão social. Nessa perspectiva, os governos brasileiros têmdesenvolvido várias ações: o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003); diretrizes curriculares;parâmetros curriculares; sistema de ava liação institucionalizada para todos os níveis de ensino, como o SistemaNacional de Avaliação da Educacional Básica (SAEB, 1998); formação e capacitação continuada dosprofissionais da educação, como O programa Parâmetros em Ação (2000) e o Programa de Formação deProfessores Alfabetizadores (PROFA, 2001).5 Esta conferência, convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Nacional das Nações Unidas para oDesenvolvimento e o Banco Mundial, definiu novas metas para a educação no contexto político-econômico atuale contou com a adesão de 10 países, entre eles o Brasil.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 41

Introdução, 1997a, p. 15). Cumprindo esta orientação constitucional, a Lei de Diretrizes e

Bases para a Educação no Brasil (LDB - lei de n. 9.394, aprovada em dezembro de 1996) é

clara ao afirmar que cabe à União manter uma unidade nacional em termos de propostas de

ensino, ou seja, é necessária a criação de um documento que garanta uma unidade de ensino,

mas que atenda às diversidades regionais.

Nessa perspectiva, o MEC elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais por etapas.

Especificamente, estamos nos referindo aos PCN -LP para a 1ª fase do Ensino Fundamental.

Inicialmente, fez-se uma primeira versão a partir do estudo de propostas curriculares de

Estados e Municípios brasileiros, de currículos oficiais e de subsídios oriundos do Plano

Decenal de Educação, como também do contato com informações de pesquisas nacionais com

dados sobre desempenho de alunos no ensino fundamental e com experiências de outros

países (PCN- Introdução, 1997a, p. 17). Em seguida, essa proposta foi submetida a um

processo de avaliação nacional no período de 1995-1996 do qual participaram docentes de

universidades públicas e particulares, técnicos de secretarias estaduais e municipais de

educação, representantes de diferentes áreas de conhecimentos, especialistas e educadores.

Atendendo a alguns pareceres e críticas à primeira versão dos PCN e procurando

superar deficiências, o MEC lançou sua segunda versão em 1996, com reformulações. Mas,

segundo Suassuna (1997), mesmo tendo feito cortes de trechos problemáticos e/ou confusos

do ponto de vista teórico, inserção de índice, acréscimos de exemplos e demonstrações de

princípios, esses possíveis avanços dizem respeito mais à forma dos PCN (sua feitura,

enquanto documento) do que mesmo o seu conteúdo (perspectiva teórica e objetivos). Para

essa autora, outros pontos continuaram questionáveis, como: a falta de citação bibliográfica

de teóricos e pesquisadores renomados no país, cuja experiência e competência não se

discutem; a falta de conexão dos PCN com políticas educacionais de ensino que proponham

alternativas para se trabalhar em escolas que não dispõem de recursos como os sugeridos nos

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 42

programas de vídeos dos PCN (TV, gravadores, computadores); exame de diferentes

propostas curriculares, dados estatísticos, publicações sobre o ensino/aprendizagem de língua

e relatos de práticas pedagógicas.

Após debates e modificações, em 1997, o MEC apresentou uma versão definitiva dos

PCN-LP para a 1ª fase do ensino fundamental, também com os PCN de 5ª a 8ª séries. Em

2000, saem os PCN do Ensino Médio que, por apresentar generalidades e hermetismos em

relação a seu destinatário, tiveram uma segunda versão com o objetivo de complementá-los e

adequá-los à compreensão do professor do ensino médio PCN+Ensino Médio: orientações

educacionais complementares aos PCN 2002 (volume linguagens, códigos e tecnologias,

PCNEM+), (ROJO & MOITA LOPES, 2004).

1.2. Olhares (externos) sobre os PCN

Após o lançamento dos PCN, muito se tem discutido sobre a real necessidade de um

documento nacional cujo objetivo seja “parametrizar” o ensino, sobre o processo de sua

elaboração e se eles atendem às necessidades que se propuseram suprir.

Em geral, as críticas principais abordam desde aspectos que indicam um autoritarismo

dos PCN às que apontam a sua unilateralidade teórica. As primeiras estão relacionadas às

políticas de educação que consideram a criação dos PCN um ato de autoritarismo, prescritivo

para o ensino por ter sido elaborado pelo MEC. As outras críticas apontam a sua

unilateralidade teórica, no caso de língua portuguesa, ao defender uma perspectiva de

ensino/aprendizagem de língua com base em teorias recentes da lingüística, além de

apresentar sugestões e procedimentos metodológicos. Analisemos algumas dessas críticas.

Embora, em seu documento introdutório, os PCN especifiquem o que significa

“parametrizar” o ensino,

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 43

Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a serconcretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobreprogramas de transformação da realidade educacional empreendidos pelasautoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Nãoconfiguram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que sesobreporia à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou àautonomia de professores e equipes pedagógicas. (PCN, 1997a, p. 13).

eles não têm sido vistos como uma proposta referencial e flexível e sua aceitação não é

pacífica entre críticos e teóricos da educação. Enquanto há os que vêem nos PCN uma

proposta necessária para o ensino (MORAIS, 1997; SUASSUNA, 1999; ROJO, 2000, dentre

outros), há os que afirmam que os PCN não estariam assumindo a função de “parâmetro”, mas

uma forma de implantação de um currículo nacional único, cuja existência em vez de

proporcionar a melhoria da qualidade do ensino traria conseqüências funestas para a

educação, uma vez que desconsideram a diversidade cultural do nosso país, como apresentam

Silva & Gentilli (1996) da Faculdade de Educação do Rio Grande do Sul (UFRGS)6. Essas

críticas apontam, como aspectos negativos: o fato de a elaboração dos PCN ter ocorrido a

partir de um dispositivo constitucional (aqui já citado); a qualidade de ensino buscada através

dele; seu viés ideológico e a ausência das vozes dos professores do ensino fundamental. Do

ponto de vista político, afirma-se que a criação desse documento apenas atende às

necessidades da política neoliberal atual, ao se colocar como um currículo nacional que

ativaria mais ainda as diferenças regionais.

Entretanto, é possível compreender a criação dos PCN sob uma outra perspectiva. A

sua elaboração não se deu a partir do “nada”, ou das idéias, vontades e posturas teóricas de

seus elaboradores, para apenas cumprir com uma determinação da política neoliberal. As

críticas dão a entender que a abordagem teórico-metodológica procedeu de modo isolado de

6 Ver esta análise detalhada em SILVA, Tomaz Tadeu da & GENTILLI, Pablo, (Orgs.). Escola S.A.: quemganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996, p. 107-149.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 44

toda a realidade de discussões, pesquisas, tendências e publicações recentes dos estudos da

linguagem e mudanças em livros didáticos. Trabalhos como o de Marinho (2001) confirmam

essa expectativa:

Em resumo, do ponto de vista de um ideário pedagógico, os currículos(estaduais) e os PCN representam, em certa medida, pelas condições em queforam produzidos, uma avaliação, de natureza mais pragmática, do que sepode conceber, hoje, como um conjunto de pressupostos consideradosdesejáveis, e que constituem um discurso hegemônico sobre o ensino delíngua que atravessa práticas escolares de ensino da leitura e da escrita, quese faz presente nas vozes que demandam uma perspectiva maisuniversalizante de uma concepção de língua, de ensino e de letramento deinteresse nacional, ou nos próprios termos do discurso oficial, em favor da“cidadania”, do “direito inalienável de todos”; que estabelece relações delegitimidade também com o discurso acadêmico na área da linguagem e dapedagogia. (MARINHO, 2001, p. 21)7.

A existência dos PCN também pode ser vista não como uma busca de cultura nacional

única ou um currículo a ser cumprido, mas como uma proposta para a educação que visa

possibilitar uma base comum em que projetos pedagógicos de escolas poderiam se pautar para

proporem um ensino que atenda às especificidades de cada lugar e escola. A sua existência se

justificaria por se ter de onde partir em auxílio à elaboração de propostas de muitas escolas,

principalmente as públicas e as escolas privadas de pequeno porte, com exceções, e à

formação de professores do Ensino Fundamental, principalmente aqueles que não têm curso

de licenciatura.

A idéia de que não se deve impor um currículo nacional é consenso para a maioria de

educadores em qualquer realidade regional, entretanto, há os que defendem que não se pode

deixar para as várias realidades brasileiras a elaboração de um currículo escolar, pelo fato de,

entre outros motivos, a educação ter como metas desenvolver, no aluno, competências e

habilidades que lhe dêem condições de cidadania numa sociedade letrada. Daí a necessidade

7 Para maiores esclarecimentos ver “A oficialização de novas concepções para o ensino de Português no Brasil”em que Marildes Marinho, 2001, mostra os modos e/ou estratégias pelas quais o discurso oficial institucionalizae legitima determinadas concepções sobre as práticas de linguagem na escola.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 45

de se estabelecer conteúdos mínimos e orientações metodológicas que lhe assegurem o

desenvolvimento dessas habilidades através de práticas de letramento escolares, permitindo-

lhe uma base comum de conhecimentos necessários a cada série, em qualquer região, como,

por exemplo, em língua materna, a competência leitora (cujo conceito será explicitado no

capítulo seguinte) e a competência escritora, dentre outras indispensáveis à formação de um

cidadão crítico e atuante.

Essa base comum, embora não garanta o seu cumprimento, permite que se possa partir

dela para se formular e avaliar programas de escolas. A falta de uma orientação básica pode

propiciar e evidenciar mais ainda as divergências regionais brasileiras, uma vez que regiões

mais assessoradas pedagogicamente, tanto por terem nas Secretarias de Educação

profissionais especializados, como por receberem a assessoria de pesquisadores de

instituições de ensino superior, teriam condições de apresentarem propostas de ensino

atualizadas e adequadas, enquanto outras, por não disporem desses profissionais, nem de

assessorias, poderiam oferecer alternativas de ensino deficitárias. Junte-se a este, o fato de

haver regiões que oferecem melhores salários, despertando o interesse de profissionais mais

qualificados, que, conseqüentemente, influenciarão na melhoria do ensino.

Dessa forma, os PCN proporcionam às regiões ou aos Estados, em particular, àqueles

cuja educação caminha com muitas dificuldades8, uma orientação básica. Além disso, em caso

de transferência (já que em nosso país é comum a migração regional) possibilita aos alunos

integrarem-se mais rapidamente ao novo sistema de ensino.

Apesar de reconhecermos o valor dessas discussões gerais sobre os PCN, não nos

deteremos nelas, uma vez que o objetivo da nossa pesquisa, como já foi dito, é analisar a

didatização do conceito de leitor competente desde os PCN, passando pelos Parâmetros em

Ação (especificamente o módulo 4 - Para formar leitores e produtores de texto), pelas duas

8 Essas dificuldades são de toda ordem: professores com curso técnico equivalente ao segundo grau, graduandosde cursos de pedagogia e/ou ainda escolas sem supervisores, sem projetos pedagógicos, salários baixos, dentreoutros.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 46

etapas de formação (de formadores e de professores cursistas) até a sala de aula. De certa

forma, estaremos refletindo sobre os PCN, seus conteúdos, sua transposição (didatização)

nessas etapas e sua repercussão, principalmente, o impacto do programa Parâmetros em

Ação9 (PA) que cuida da expansão e divulgação dos PCN.

Embora as discussões sobre sua validade e aplicabilidade ao ensino continuem, fato é

que, após a sua criação, os PCN têm sido o carro-chefe para outros programas do MEC como

O programa Parâmetros em Ação e PROFA, a Escola ativa, o Pró-formação, a Educação

Fiscal, Aceleração da aprendizagem, Pais na escola, dentre outros. Também é importante

ressaltar que outros documentos como Diretrizes Curriculares Nacionais, O Plano Nacional de

educação para a formação de professores, como o órgão Conselho Nacional de Educação

foram elaborados com base nos PCN.

1.3. Os PCN de Língua Portuguesa – críticas à sua unilateralidade

teórica

Analisando, de forma resumida, críticas feitas aos PCN-LP, desde a primeira versão

(1995) à versão definitiva referente aos dois primeiros ciclos do ensino fundamental (1997),

vemos que há uma tendência a se questionar nesses PCN a presença de teorias recentes da

Lingüística e, especificamente, a perspectiva enunciativa de ensino/aprendizagem de língua,

caracterizando-se por uma unilateralidade teórica (SOARES, 1997; SILVA & GENTILLI,

9 O programa Parâmetros em Ação, lançado em 2000 e desenvolvido pela Secretaria de Educação doFundamental do MEC objetiva facilitar a compreensão dos PCN e permitir a sua aplicação em sala de aula. Estaimplementação foi encaminhada, num programa de formação continuada junto às secretarias de educação dosmunicípios e Estados, para professores do ensino fundamental. Em 2002, chegou a 2.515 municípios brasileiros.Formou 281 pólos e beneficiando 287.173 professores da rede pública (Jornal do MEC, Ano XV – Nº 16 –Brasília – DF – Março de 2002). Logo em seguida, 2001, foi lançado um programa também fundamentado nosPCN, especificamente para professores alfabetizadores, o Programa de Formação de ProfessoresAlfabetizadores (PROFA). Este tem sido adotado, inclusive por municípios, como fazendo parte do programamunicipal de educação. A Paraíba foi um dos últimos Estados da União a concluírem a formação dos módulosdos PA (novembro de 2005), especificamente o pólo de Campina Grande, acompanhado por nós, com cerca de20 municípios que continuarão a formação. A SEC do município de Queimadas não concluiu todo o programado PA, não fez os módulos de Matemática, Alfabetização e Geografia, mas implantou o Programa PROFA.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 47

1996). Além disso, segundo essas críticas, a forma como as teorias foram abordadas

demonstra que não há uma coadunação entre o possível leitor inscrito nesse documento, o

leitor virtual e o leitor real, dentre outros da área de educação, o mais específico - o professor

do ensino fundamental.

Em geral, as críticas às concepções teóricas dos PCN-LP afirmam que o problema se

desmembra em dois aspectos: a forma como os princípios teóricos são impostos,

desconsiderando outros saberes dos professores, e o direcionamento teórico-metodológico,

que, demonstrando um caráter prescritivo ao abordar os conteúdos, menospreza outras

concepções de ensino-aprendizagem.

Os argumentos apresentados pelos críticos contrários à posição teórico-metodológica

assumida pelos PCN se fundamentam na idéia de que não caberia a um documento deste porte

assumir um caráter de rigidez teórica, propondo uma única concepção para fundamentar o

ensino de língua portuguesa, nesse caso, a perspectiva enunciativa de linguagem (teoria da

enunciação e dos gêneros do discurso, conforme Bakhtin); nem um direcionamento para

determinados procedimentos didáticos, excluindo outros, como a ênfase no trabalho em grupo

e a pouca orientação ao ensino através de projetos (SOARES, 1997, p. 117). Soares também

indaga se caberia aos parâmetros curriculares sugerirem procedimentos metodológicos, uma

vez que esta seria uma atividade mais indicada para livros didáticos e manuais sobre o ensino

de língua.

Segundo Silva & Gentilli (1996), este documento deveria apresentar outras possíveis

alternativas teóricas e metodológicas para permitir aos professores tempo de se adaptar às

novas teorias, argumentando que não existe teoria única e perfeita para o ensino e,

principalmente, porque a melhoria no ensino não se dá, apenas, pela mudança de concepção

teórica.

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Outros aspectos que entram como coadjuvantes nessas críticas são a presença de textos

com definições resumidas, citações de pesquisadores estrangeiros, muitas notas de rodapé

com definições10 que requerem conhecimentos prévios para serem entendidas,

desconsiderando a realidade atual de muitos professores do ensino fundamental os quais

tiveram pouco acesso a essas informações na graduação, quando chegaram a cursá-la

(BATISTA, 1999; SOARES, 1997). Outros afirmam que esse direcionamento teórico

discrimina teorias textuais e cognitivas, desenvolvidas em outros discursos de formação da

rede pública há mais tempo (ROJO, 2000).

Entretanto, o aspecto principal em que se fundamentam as críticas negativas é o

mesmo em que, de forma contraditória, baseiam-se as críticas positivas – a presença de teorias

recentes da lingüística: a visão enunciativa de ensino/aprendizagem de língua, que dão base,

principalmente, a descrição dos gêneros discursivos. Confirmando essa visão, Suassuna

(1999) declara que:

Os PCN de Língua Portuguesa estão apoiados numa base teórica sobrelinguagem e língua sólidas e podem ser considerados de atualizada, uma vezque eles apresentam contribuições de diversos estudos lingüísticos atuais daárea da sociolingüística e psicolingüística, da análise do discurso, dasociologia e da antropologia da leitura e escrita como também da lingüísticadescritiva e textual (SUASSUNA, op. cit. p. 113).

Nesse sentido, essa autora acrescenta que o documento tem como um de seus méritos

o fato de resguardar a especificidade da Língua Portuguesa enquanto área de conhecimento,

sugerir conteúdos e objetivos de ensino relevantes e diversificados, ligados ao funcionamento

social do discurso/texto.

10 São exemplos de conceitos novos em notas de rodapé dos PCN-LP (1997b): o de letramento, nota 5, p. 23;interação verbal, nota 7, p. 25 e gênero, nota 9, p. 26, (ora analisados), em que há a citação dos pesquisadoresestrangeiros Bronckart e Schneuwly.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 49

Seguindo esse raciocínio, Morais (1997) afirma que não se pode elaborar um

documento deste porte sem “defender” uma teoria de ensino/aprendizagem e considera a

teoria sócio-construtivista, presente nos PCN, como uma das mais atuais e produtivas.

Outro aspecto que justifica a presença de perspectiva teórica em currículo, vem da

própria caracterização desse gênero que permite a presença de exposição teórica e didática das

teorias que o fundamentam. Vejamos o que dizem as teorias que abordam o gênero currículo.

Dentre elas há as denominadas de científicas, neutras, que se preocupam apenas com a

organização e o como transmitir os conteúdos por ele determinados (SANTOS, 2004, p. 24).

Essa é a perspectiva do modelo tradicional, que toma como referência as disciplinas escolares

e se caracteriza pelo conjunto de conhecimentos ou materiais a serem vencidos pelos alunos

dentro de um ciclo.

As teorias críticas e pós-críticas sobre o gênero currículo mostram não haver teoria

neutra, desinteressada e buscam compreender por que determinado conteúdo está nele, vendo

a relação entre poder, identidade e saber. Inclui-se nas teorias críticas de currículo o modelo

globalizado (oposto ao tradicional) que toma os alunos como referência para sua elaboração,

considerando o contexto em que o currículo está inserido e as dimensões que envolvem sua

produção. Enquanto o modelo tradicional privilegia as disciplinas, no segundo, o modelo

globalizado, estas (as disciplinas) são consideradas como instrumentos mediadores dos

conteúdos, buscando atender às necessidades dos alunos (ZABALA, 1998, p. 36).

Enquanto gênero, o currículo é descrito como um guia didático para professores

composto por objetivos, conteúdos, metodologias e propostas de avaliação, que visa organizar

as práticas educativas (ZABALA, 1998, p. 167). Portanto, consideramos que o currículo não

deve ser visto como isento de perspectiva teórica nem como um objeto estático, mas como

uma base passível de reformulações e adaptações à realidade escolar que influencia

diretamente a prática pedagógica. Para Sacristán (1998, p. 34), o currículo “é um projeto

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 50

seletivo cultural, social, político, administrativamente condicionado que busca preencher a

atividade escolar”. Dessa forma, ele reflete escolhas sociais, valores e crenças e está sujeito a

modificações, que a transposição didática possibilita (VEIGA-NETO, 1995; SOUZA, 1995).

E, em sendo material didático, concordamos com Santos (2004, p. 36), deve ter no seu

conteúdo proposta metodológica de utilização.

1.4. A perspectiva enunciativa de língua nos PCN-LP

Analisemos, de forma resumida, como são apresentados, nos PCN-LP, alguns

conceitos da teoria bakhtiniana que são recentes na lingüística: língua (visão sócio-histórica),

interação verbal, discurso, dialogismo e gêneros de discurso que embasam a visão de

ensino/aprendizagem de língua materna na perspectiva enunciativa. Embora seja essa uma

abordagem inovadora para o ensino/aprendizagem, os PCN-LP apresentam algumas lacunas

que podem dificultar a sua compreensão e, conseqüentemente, a sua didatização.

Especificamente, no item “Linguagem, atividade discursiva e textualidade” (PCN-LP,

1997, p. 23), os PCN abordam o ensino de língua na perspectiva bakhtiniana. Inicialmente, é

apresentado o seguinte conceito de língua:

A língua é um sistema de signos históricos e sociais, que possibilita aohomem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender nãosó as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, osmodos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam arealidade e a si mesmas.” (PCN, op. cit. p. 24).

Desse conceito se deduz que a língua se fundamenta na concepção sócio-histórica de

linguagem ao mostrar que os significados vão além das palavras, ou seja, “A linguagem, por

realizar-se na interação verbal dos interlocutores, não pode ser compreendida sem que se

considere o seu vínculo com a situação concreta de produção” (PCN-LP, op. cit. 25). Nesta

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 51

explicitação, encontramos o conceito bakhtiniano de interação verbal que é expresso numa

pequena nota de rodapé (nº 7) e sem nenhuma referência a Bakhtin:

Interação verbal aqui, (sic) é entendida como toda e qualquer comunicaçãoque se realiza pela linguagem, tanto as que acontecem na presença (física)como na ausência do interlocutor. É interação verbal tanto a conversaçãoquanto a conferência ou uma produção escrita, pois todas são dirigidas aalguém, ainda que esse alguém seja virtual (PCN, op. cit. p. 25).

A referência a Bakhtin se faz necessária para possibilitar ao interlocutor o acesso ao

saber de referência, acadêmico, no qual a proposta dos PCN-LP está se pautando, para se

fazerem aprofundamentos teóricos e se entender em que difere uma prática de língua

caracterizada pela visão sócio-histórica da prática que se faz em sala de aula. Dentre outras

interpretações, o silenciamento dessa informação pode significar que ela é desnecessária,

irrelevante para a compreensão desse conteúdo, ou porque o interlocutor já conhece essas

teorias ou porque as explicações presentes são suficientes para compreendê-la, não

necessitando que ele vá às fontes teóricas.

Quanto ao conceito de discurso, a abordagem deixa dúvidas entre esse conceito e o de

texto: “Produzir linguagem significa produzir discursos. Significa dizer alguma coisa para

alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico” (op. cit., p. 25).

Essa definição está finalizada com a afirmação de que o discurso se manifesta

lingüisticamente por meio de textos. Em seguida, apresenta-se a definição de texto na

perspectiva da lingüística textual - “É uma seqüência verbal constituída por um conjunto de

relação que se estabelece a partir da coesão e da coerência, ou seja, uma unidade significativa

global” (id. ibid.). A apresentação desse conceito, juntamente com a visão de discurso, não

especifica o que diferencia um do outro.

Na seqüência, observou-se que o conceito bakhtiniano de dialogismo embora se

apresente definido coerentemente: “a produção de discursos não acontece no vazio, ao

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 52

contrário, todo discurso se relaciona, de alguma forma, com os que já foram produzidos” (op.

cit., p. 26), não podemos considerá-lo suficiente para que um leitor leigo compreenda essa

teoria, como em geral são leigos, com honrosas exceções, a maioria dos professores do EF.

Entretanto, é importante frisar que abordar a relação entre discursos, no espaço da

interpretação, possibilita a ampliação da visão do aluno sobre o mundo que o cerca, no qual

está inserido, favorecendo à formação de um leitor crítico. Porém, sentimos falta de que fosse

mostrada a estreita relação entre os conceitos de dialogismo e gêneros de discurso, noções

básicas para a compreensão da nova proposta de ensino/aprendizagem de língua.

De modo muito resumido, explicitaremos em que se fundamenta a idéia do

dialogismo, a fim de constatarmos que apenas defini-lo não é suficiente para compreendê-lo e

de quanto não só este como outros conceitos, presentes nos PCN-LP, precisam ser refletidos e

aprofundados para que esse documento seja compreendido, o que, evidentemente, não quer

dizer que seja uma tarefa de um currículo, mas de outras instâncias de ensino.

Para Bakhtin (2000), a utilização da língua se dá através de enunciados11 (orais e

escritos) que são elaborados pelos integrantes de uma dada esfera de comunicação. Na

elaboração de um enunciado há um diálogo, não apenas com os enunciados que o precedem,

mas com os que lhe sucedem. Assim, o locutor tende a dialogar com uma resposta presumida,

a qual influirá decididamente na própria elaboração do enunciado: “Os outros não são

ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal, o enunciador espera deles

uma resposta, uma compreensão responsiva ativa” (Bakhtin, op. cit. p. 320). Ele acrescenta

que é do dialogismo que depende a composição e, sobretudo, o estilo do enunciado. Cada um

dos gêneros do discurso, em cada uma das esferas da comunicação, tem uma concepção de

destinatário e o enunciador dialoga com esse destinatário já mesmo na produção do

enunciado.

11 O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas de comunicação e éconstituído por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Bakhtin (2000, p. 279).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 53

As informações sobre discurso e dialogismo dos PCN-LP deixam lacunas que

dificultam a compreensão da visão de ensino de língua proposta. Podemos citar, como

exemplo, a noção de gênero do discurso12, considerada básica para novas práticas

metodológicas em sala de aula. Em nota de rodapé (nº 9), os PCN informam que “o termo

gênero é utilizado aqui como proposto por Bakhtin e desenvolvido por Bronckart e

Schneuwly” (PCN-LP, 1997, p. 26), sem apresentar obra, data nem esclarecimentos sobre o

que esses teóricos suíços propõem para o trabalho com gênero, além de trazer a noção de

gênero incompleta. Apenas afirmar que a noção de gêneros refere-se “a famílias de textos que

compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da

ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literalidade”

(PCN-LP, 1997, p. 26) e que existe um número quase ilimitado de gêneros não é suficiente

para explicar um assunto ainda recente nos estudos da linguagem e em livros didáticos

(estamos nos referindo ao período de leitura para a elaboração deste capítulo, 2003), inclusive

se se fizer oposição a tipos textuais, conceito proposto por pesquisadores de outras tendências

teóricas, que se distingue de “gênero”.

A presença de termos com definições vagas como “características comuns embora

heterogêneas”, “suporte comunicativo”, dentre outros, justificaria as críticas sobre a

dificuldade em “dialogar” com a maior parte de seu interlocutor: o professor do ensino

fundamental, (SOARES, 1997). Dizemos maior parte de seu interlocutor, seguindo Marinho

(2001, p. 90) que assevera sobre o leitor real dos PCN “esse seria o seu leitor preferencial,

mas em função dos múltiplos fatores envolvidos no seu processo de produção e de circulação,

12 Partindo do pressuposto de que todas as esferas de atividades humanas utilizam-se da linguagem e de que essautilização se dá através de enunciados orais ou escritos, que emanam e refletem as condições específicas e asfinalidades de cada uma dessas esferas, Bakhtin define como gênero de discurso a utilização que cada esfera deatividade humana faz da linguagem elaborando seus tipos relativamente estáveis de enunciados. Segundo esseautor, a escolha de um gênero é determinada pelo querer-dizer do locutor numa dada esfera de comunicação. Eledivide os gêneros em primários e secundários. Os primários se constituíram em circunstâncias de comunicaçãoespontânea (são menos complexos e de maior atividade) e os secundários, resultam de circunstâncias decomunicação mais complexas, principalmente pela escrita no domínio artístico, científico e sócio-político. Elesseriam um processo de absorção e transmutação dos gêneros primários e seu uso é controlado pelas instituiçõesque os produzem (Bakhtin, 2000, p. 279 -287).

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 54

a política enunciativa desse discurso pressupõe outras funções, outros leitores e outras

leituras”. Conforme o exposto, os PCN têm também como interlocutores professores

universitários nos cursos de formação, orientadores, supervisores e administradores escolares,

pesquisadores em ensino e autores/consultores de livros didáticos, que têm acesso a muitas

teorias de ensino de língua e às pesquisas atuais e que também são formadores de opinião.

Evidentemente, o maior número de leitores dos PCN está representado pelos professores do

ensino fundamental e médio.

Entretanto, mesmo a teoria do dialogismo bakhtiniano sendo apresentada de modo

incompleto, dificultando a sua compreensão, não se pode duvidar que ela é ponto de

referência para aprofundamentos. Como afirma Brait (2002, p. 24), pesquisadora da teoria

bakhtiniana, “apesar de os PCN se afastarem da proposta deste autor, por apresentar o

trabalho com textos em modelos pré-estabelecidos, as suas indicações são, em geral,

produtivas em vários aspectos para o ensino de língua materna”.

Alguns estudos recentes já se preocupam em analisar as dificuldades de compreensão

teórica dos PCN-LP por parte de professores, como o de Silva (2001) que, após acompanhar a

leitura e discussão dos PCN feitas por professores alfabetizadores, atribuiu como causa para

as dificuldades por eles encontradas o fato de o documento simplificar, em demasia, conceitos

relevantes para a compreensão da proposta de ensino de língua. O que tem levado seus

críticos a afirmarem que esse documento está elaborado para um interlocutor atualizado em

estudos recentes de linguagem.

Outro exemplo de dificuldade de compreensão teórica seria o fato de os PCN-LP

defenderem que o ensino de língua deve se pautar numa abordagem reflexiva (ver o item

“Análise e reflexão sobre a língua” PCN-LP, 1997b, p. 78), assumindo a denominação dada

por Geraldi (PCN-LP, nota de rodapé nº 23, p. 38 e, mais adiante, nota 33, p. 78) de análise

lingüística. Essa perspectiva enfatiza a necessidade de se ensinar a língua portuguesa através

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 55

de duas atividades reflexivas: as epilingüísticas13 (reflexão voltada para o uso no próprio

interior da atividade lingüística), (PCN-LP, 1997b, p. 38), ou seja, analisar o uso da língua, e

as metalingüísticas (reflexão voltada para descrição, por meio de categorização e

sistematização dos elementos lingüísticos). Mostrando a dificuldade de compreensão dessa

proposta, Suassuna (1997, p. 128) afirma que os PCN não esclarecem como o professor deve

selecionar, distribuir e mesmo ensinar as taxionomias dos conteúdos, de categorias

gramaticais, como na orientação apresentada para o ensino do uso verbal “é possível ensinar

concordância verbal sem necessariamente falar em sujeito ou em verbo” (PCN-LP, 1997b, p.

78-91). As denominações epilingüísticas e metalingüísticas são recentes nos estudos da

linguagem, e não são usadas em gramáticas e em livros didáticos, provocando estranhamento

em muitos professores.

Já Pompílio et al. (2000, p. 93), analisando uma experiência com formação de

professores, a partir desses PCN, afirmam que a noção de texto, apesar de ser apresentada por

esse documento como unidade básica de ensino, ou seja, unidade da qual se deve sempre

partir da análise e reflexão para se ensinar o código ou sistema, (o texto) ainda é visto, em sala

de aula, apenas como pretexto para se ensinar gramática. Como também leitura e escrita ainda

são trabalhadas de forma dicotômica, sem uma relação de complementaridade. Uma prova

disto seria a quantidade de aulas de gramática (atividades metalingüísticas) superior às de

ensino do uso e reflexão sobre língua (atividades epilingüísticas).

Por outro lado, há aqueles, como nós, que consideram um avanço as orientações dos

PCN-LP para o ensino de língua materna a partir da visão discursiva, como Suassuna (1997);

Rojo (2000); dentre outros, principalmente por enfatizar a saída do dogmatismo de um ensino

13 A noção de atividade epilingüística presente nos PCN se fundamenta em Geraldi (1997) que a descreve comosendo as atividades que propiciam ao aluno refletir sobre os recursos expressivos da língua para se avaliar sedeterminado uso é apropriado para determinada ocasião, se exprime o que se deseja, ou o que é preciso silenciaretc, em oposição às atividades metalingüísticas que objetivam descrever e classificar as diversas categoriasgramaticais.

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de língua pautado no ensino de regras da gramática tradicional. Um exemplo que possibilita

mudanças no ensino de língua é a proposta do trabalho com os gêneros textuais, visto que o

professor, em geral, está acostumado a pedir ao aluno que escreva redações, textos para a

escola e não textos produzidos na escola (GERALDI, 1997). Outra proposta é o ensino da

alfabetização com textos na visão do letramento, ao invés da prática de leitura que enfatiza

apenas a decodificação; ou ainda as orientações para a revisão de textos que mostra a escrita

como um processo de editoração e não como um texto acabado. Todas essas são propostas

que abrem caminhos para reflexões e mudanças nas práticas teórico-metodológicas para o

ensino/aprendizagem de língua, estimulando para que esses sejam temas de estudos,

fomentando discussões em programas diversos desde a formação inicial à continuada. Propor

tratamento didático (PCN-LP, 1997b, p. 47) tanto para a leitura, produção e reescrita textual

como para análise lingüística é propiciar mudanças para se sair de um ensino de língua

centrado na classificação taxionômica de palavras, frases e termos para se buscar a leitura,

interpretação e aquisição de gêneros textuais.

1.5. Lacunas na formação do professor-leitor: uma das prováveis causas

para a incompreensão teórica dos PCN-LP

Abordar as dificuldades dos professores em interpretar textos de teorias recentes é

também trazer à tona os problemas não só da falta de formação acadêmica do professor, mas

de uma formação precária. Esse é mais um aspecto que converge para a idéia de que não é

imediata a compreensão teórica dos textos dos PCN-LP, precisando, por isso mesmo, ser

mediada, o que demanda não só tempo para estudo, mas material disponível, e de programas

de formação continuada, como afirma Suassuna sobre a necessidade de se investir na

formação do profissional da educação:

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Uma definição de bases curriculares deve estar atrelada a uma política demateriais e livros didáticos, como também a necessidade de se falar naspolíticas relacionadas ao magistério, pois sabemos que as melhorespropostas curriculares não podem se materializar sem que se invista naformação continuada do educador (SUASSUNA, 1997, p. 126).

Ensinar a língua numa perspectiva discursiva como propõem os PCN-LP, vendo-a em

seu funcionamento, requer do professor conhecimentos teóricos e práticos dessa perspectiva

teórica. Isso levou Rojo (2000) a afirmar que o interlocutor dos PCN precisa de outros textos

e discursos, precisa de formação permanente para fazer reflexões sobre sua prática,

construindo saberes novos, para, de forma interdiscursiva, conseguir dialogar com esse

documento e transpor (didatizar) suas propostas em sala de aula.

Para contra-argumentar a tese de que a linguagem dos PCN-LP não é dirigida ao leitor

real, ou seja, o mais usual, como já afirmamos anteriormente (professores do Ensino

Fundamental) apresentaremos a pesquisa de Batista14 (1999) que analisa o letramento de

professores do ensino fundamental em três gerações. Nessa pesquisa, o autor concluiu que o

maior problema para a implantação deste documento não se restringe, apenas, a uma questão

de linguagem e adaptação a um modo de dizer dos PCN-LP aos professores, mas que a

dificuldade de compreensão tem como causa primeira deficiências provenientes não só da

formação do professor, mas de ordem cultural.

Em seu texto, intitulado Os Parâmetros, os professores e as formas brandas de

exclusão, Batista (1999) afirma que os professores atuais fazem parte da primeira geração que

realiza uma escolarização de longa duração (a formação acadêmica) e que, mesmo assim,

ainda desenvolvem práticas de leitura muito distanciadas das relacionadas à cultura de

prestígio (revistas informativas e científicas com pesquisas na área, textos acadêmicos, dentre

outros). Em virtude disto, os professores:

14 É interessante relatar a opinião deste autor porque ele participou da equipe de elaboração dos PCN e o seu“olhar de dentro” pode nos permitir avaliar, por outro ângulo, a visão de “fora”, dos que não os elaboraram.

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Tenderiam a realizar de modo tenso, com dificuldade e hesitação e poucaautonomia, leituras que se afastariam daquelas mais caracteristicamenteescolares e a desenvolver uma auto-avaliação de suas disposições comoleitores (BATISTA, 1998a, 1998b apud BATISTA, op cit. p. 74).

Em outras palavras, os professores, principalmente os do ensino fundamental, não

estariam acostumados a interpretar textos teóricos, acadêmicos. E afirma, baseando-se em

Bourdieu & Champagne (1997, p. 483), que negar ao professor acesso a esses conteúdos ou

oferecer-lhe um curso simplificado são ações que se caracterizam como práticas de exclusão

social branda, imperceptíveis, dificilmente reconhecidas uma vez que aparentam uma

mobilidade social e democratização do ensino brasileiro. Na verdade, essas seriam antes uma

forma de exclusão do professor por não permitir-lhe o acesso às leituras, a uma formação

atualizada, à abrangência de teorias lingüísticas que o embasariam para compreender não só

os PCN-LP como outros projetos lançados pelo governo (BATISTA, 1999, p. 65).

Além desses, outros fatores, como a formação feita em período longo, geralmente à

noite, em universidades particulares com condições precárias, seriam elementos determinantes

para formações deficitárias, comprometedoras para o processo de ensino/aprendizagem.

O que Batista enfatiza é não ser possível escrever-se um documento, como os PCN-

LP, em linguagem “acessível” a professores que vêm de situação de pouco letramento

acadêmico. Segundo ele, há que se pensar em outras alternativas, como as de formação

continuada permanente, para que se trabalhem os conteúdos e as propostas de adequação dos

PCN a currículos e à sala de aula, buscando-se a melhoria e a qualidade do ensino. Uma outra

proposta para diminuir as dificuldades em entender as novas teorias abordadas nos PCN-LP

seria a produção de textos técnicos e didáticos que esclarecessem as propostas e dessem apoio

teórico aos professores sobre o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa nos programas

de formação continuada (ROJO, 2000).

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Apesar das questões apontadas não só por este autor como por outros, aqui já citados,

Batista também defende que os PCN-LP são um instrumento de melhoria de qualidade do

ensino, mas que precisam ser veiculados junto a um conjunto de medidas que combatam as

causas das formas brandas de exclusão do professor. Assim, não se trataria apenas de os PCN-

LP se adaptarem adequadamente ao leitor-professor, seu interlocutor, “selecionando recursos

lingüísticos mais eficazes para alcançá-los”. E, este fato também pressupõe uma abordagem

mais complexa sobre os processos de formação postos em prática no Brasil e sua relação com

os processos de educação e escolarização das camadas populares, portanto, as relações com os

processos de exclusão social. A nosso ver, como já é fato que os professores do EF encontram

dificuldades em compreenderem esses Parâmetros, cabe aos formadores propiciarem uma

formação em que se discutam as teorias com profundidade, visando suprir as deficiências

teóricas do professor.

Considerando ou não algumas dessas críticas apresentadas, o MEC lançou o Programa

Parâmetros em Ação (2000), cujo objetivo é a didatização dos PCN em sala de aula, conforme

será exposto no capítulo 2 (item 2. 4).

1.6. Formadores e professores do Parâmetros em Ação enquanto leitores

dos PCN-LP

O programa Parâmetros em Ação (PA) tem como objetivo primordial capacitar

professores do ensino fundamental para compreenderem a perspectiva teórico-metodológica

dos PCN de modo que passem a fundamentar suas atividades de ensino nessa perspectiva.

Esse programa se constitui numa transposição didática dos conceitos presentes nos PCN feita

através de propostas didáticas com atividades diversificadas, incluindo, desde textos

explicativos, que retomam conteúdos dos PCN-LP, a apresentação de vídeos sobre leitura e

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 60

escrita, reflexões sobre a língua, até propostas didático-metodológicas para a reescrita de

textos e a prática da leitura em sala de aula. O módulo 4, intitulado Para formar alunos

leitores e produtores de textos, é o específico de língua.

Acompanhando a preparação de cerca de 40 formadores do PA, na primeira etapa da

pesquisa, verificamos que havia mais professores15 licenciados nesta etapa do que na 2ª, e,

apesar disso, constatamos a dificuldade desses professores em entender as teorias que

fundamentam os PCN-LP. Ao acompanharmos os pequenos grupos, quando faziam atividades

do módulo 4, esses formadores nos relataram que as maiores dificuldades encontradas se

relacionavam à compreensão das teorias sobre gêneros do discurso, as abordagens

psicolingüísticas para a leitura, a visão epilingüística e metalingüística para o ensino de língua

e a dificuldade em orientar a reformulação textual.

Em relação aos 30 professores-cursistas observados por nós na segunda etapa desta

pesquisa (a formação dos PA para professores do EF 1ª fase), verificamos o mesmo

comportamento quanto à dificuldade em compreender os textos teóricos dos PCN-LP. Uma

das causas dessa dificuldade é o nível de formação desses professores. Mais de um terço

(34%) deles apenas concluíram o ensino médio, como podemos ver no gráfico nº 116, a seguir,

que demonstra, com detalhes, os níveis de formação acadêmica desses professores.

15 O município pólo não dispõe de dados estatísticos catalogados sobre a formação desses professores. Asanotações e inscrições dos educadores dos 53 municípios foram feitas em um livro que incluía grupos diferentes(alfabetização de adultos e 1ª fase e 2ª fase do EF). Em linhas gerais, identificamos a presença de três professoresuniversitários, professores graduados, alunos de Letras, Pedagogia e muitos professores com apenas o CursoPedagógico, além dos técnicos das Secretarias de Educação. Segundo F1, os municípios tinham autonomia paraindicarem os formadores, havendo desde professores com o pedagógico, equivalente ao ensino médio, a pós-graduados. Além disso, em função de esses cargos serem indicações políticas das secretarias e devido ao períodoeleitoral, houve uma certa rotatividade no grupo, chegando formador novato no decorrer do estudo do módulo.Diferentemente ocorreu na 2ª etapa, em que os professores cursistas foram os mesmos do início ao término dapesquisa.16 Esses dados nos foram cedidos pela professora formadora da segunda etapa da formação do ProgramaParâmetros em Ação ocorrida na cidade de Queimadas. São respostas dadas a um formulário de avaliação sobrea formação do módulo de Língua Portuguesa – Para formar alunos leitores e produtores de textos, (verformulário – anexo A).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 61

Gráfico 01 - A Formação acadêmica dos professores cursistas

Do universo de 30 professores que responderam ao questionário, apenas 7% é

Licenciado em Pedagogia e 7% em Geografia. Cursam Licenciatura em Pedagogia 45% e

Pedagogia em serviço, 14%. Mesmo havendo 59% dos professores cursando Pedagogia, as

dificuldades de compreensão continuam, pois, em geral, esse curso não aborda teorias

lingüísticas. Os que fazem a formação em serviço dispõem de menos tempo para estudar,

além de fazerem um curso num período menor que o da licenciatura regular.

Dessa forma, se 34% dos professores têm apenas o Ensino Médio e os graduandos não

estudam teorias lingüísticas, isso nos permite deduzir que esses professores encontrarão

muitas dificuldades para construir um novo conhecimento sobre ensino/aprendizagem de

língua. Em outras palavras, o professor-leitor sem a base de conhecimentos lingüísticos não

compreende que o que está posto nos PCN é uma abordagem, uma nova maneira de ensinar,

que é resultado de um conjunto de conhecimentos, não só lingüísticos, mas também sócio-

interacionistas e metodológicos que vêm se desenvolvendo nas pesquisas educacionais ao

longo dos anos.

34%

7%45%

14%

Ensino médio com magistério

Ensino superior completo

Ensino superior (em curso) - Pedagogia

Ensino superior (em curso) - Pedag. em serviço

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 62

Esses dados têm relação com o estudo de Batista (1999), aqui citado, sobre

professores cujas práticas de leitura são muito distanciadas daquelas presentes na cultura de

prestígio, confirmando, assim, as dificuldades de interpretação dos PCN por parte desses

professores.

Dificuldades essas também constatadas por nós, ao analisarmos o questionário de

avaliação, já citado, elaborado e aplicado pela formadora da 2ª etapa (F2) no último encontro

do módulo de língua portuguesa. Nele, verificamos que duas questões nos interessavam, uma

por indagar sobre as dificuldades dos professores em compreenderem os PCN (questão nº 10),

a outra por pedir sugestões com o intuito de melhorar a formação (questão nº 11). Ao

responderem a questão nº 10: Que dificuldades você apresenta em relação ao curso de

formação continuada (PCN)? (cf. anexo A), eles apresentaram as respostas demonstradas no

gráfico:

Gráfico 02 – Dificuldades apresentadas pelos professores cursistas

42%

23%

12%

7%

7%

5%2% 2%

Interpretação de textosFalta de tempo pra ler os textosFalta de materialLinguagem fora da realidadeNão quer fazer comentáriosMorar longeProblemas de saúdeTrabalhar com textos de alfabetização

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 63

Como demonstra o gráfico 42% deles afirmaram ter dificuldades em interpretar os

textos dos PCN. Alguns acrescentam que a linguagem não era clara. Ou seja, praticamente a

metade dos professores da formação não estava acompanhando as discussões teóricas. Se

acrescentarmos a esses dados os 34% de professores que não têm formação acadêmica

(gráfico nº 1), dificilmente terão acesso a muitas das teorias lingüísticas abordadas, além de

não estarem se exercitando em leituras de textos mais acadêmicos que poderiam favorecer a

compreensão dos textos dos PCN-LP. Outro dado que agrava essa situação é o fato de 23%

deles alegarem falta de tempo para estudar e 12% não terem o material, os PCN. Todos esses

dados juntos e outros apontados por eles, que citaremos, a seguir, demonstram que os

professores, além das dificuldades de interpretação dos textos dos PCN-LP (1.1), não

encontram condições favoráveis para o devido aproveitamento da formação. Vejamos alguns

depoimentos:

(1)

1.1: As maiores dificuldades é na interpretação dos textos dos PCN. Algunsnão oferecem uma leitura bem clara. (Formulário de Avaliação - FA - 23)

1. 2: Acho que os PCN fogem da nossa realidade e da nossa cultura. (FA - 04)

1. 3: A interpretação de certos textos, os materiais para trabalharmos que nãotemos. (FA - 18)

1. 4: Falta de tempo suficiente para uma leitura mais profunda dos temasestudados. (FA - 13)(cf. anexo A)

Outras dificuldades também foram citadas: o fato de morar longe (zona rural) - 5%, e a

capacitação ocorrer na cidade; problemas de saúde - 2%; trabalhar com textos de

alfabetização - 2%; a linguagem utilizada na formação ser fora da realidade dos professores -

7%. Isso implica dizer que ou eles não compreendem a linguagem, os conceitos abordados

pelos formadores, ou a formação não parte da realidade deles, não considerando suas

experiências, ou, ainda, que ocorrem as duas situações.

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Considerando-se no exemplo (1) os 23% referentes à falta de tempo para estudar (item

1.4), os 12%, à falta de material (item 1.3) e os 7%, à formação distanciada da realidade dos

professores ( item 1.2), esses dados17 mostram os impasses e os problemas que envolvem uma

proposta de formação continuada, evidenciando o que precisa ser feito para que ela tenha

eficácia e, ao mesmo tempo, o quanto ela se faz necessária na nossa realidade educacional.

De certa forma, essas constatações confirmam algumas críticas que afirmam ser os

PCN mais acessíveis a especialistas em lingüística, por se apresentarem num estilo acadêmico

(SOARES, 1997).

Ao responderem a questão nº 11 desse mesmo questionário (Apresente comentários

e/ou sugestões que você julgue relevantes sobre o curso e/ou coordenadores da turma

visando melhorar a qualidade/eficiência/eficácia do mesmo) os professores apontaram as

seguintes sugestões:

Gráfico 03 – Sugestões para melhorar a formação dos PA

17 Os dados da pesquisa feita pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Ação Comunitária(IDECA, 2002, p. 134) que tinha o objetivo de fazer uma avaliação externa da aceitação pelos professores eaplicabilidade do programa Parâmetros em Ação, já apontavam como dificuldades enfrentadas pelos professores:material insuficiente, pouco tempo para estudo, dificuldades em achar os títulos sugeridos para estudo, arealidade apresentada nos vídeos dos PCN ser idealizada, falta de envolvimento dos diretores de escolas,dificuldade em trazer para a realidade de sala de aula o atendimento individualizado e compreensão dosconceitos.

35%

22%

14%

14%

3%

3%3%

3% 3%

Ampliação do tempo para a formaçãoNão respondeuNão mudar nadaTrabalhar de acordo com a realidade dos professoresCompromisso por parte dos cursistasEstudo por região (dificuldades de transporte)Local inadequado e pouco tempoParticipar da semana pedagógicaTer menos teoria

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Observando o gráfico 3, vemos que 35% dos professores cursistas apontaram como

sugestão para resolver problemas da formação o aumento da carga horária de cada encontro

(de 4 para 8 horas), a fim de que eles “realmente aprendessem, tirassem as dúvidas” ; 14%

deles também sugeriram trabalhar o módulo de acordo com a realidade do professor e outros

14% alegaram a necessidade de mais compromisso com o estudo por parte deles, professores.

Vejamos como disseram:

(2)

2.1.: Mais tempo para aprofundar os estudos. Trabalhar mais na prática e termenos teoria. (FA - 28)

2.2.: Que trabalhem um pouco com nossa realidade, renovando só as coisasque tiverem ao nosso alcance. (FA - 19)

2.3.: No meu ponto de vista não ter material e o tempo que é muito curto. (FA -01)

(cf. anexo A)

Com base nas respostas do exemplo (2), podemos ver que as dificuldades em

compreender as teorias dos PCN-LP só serão sanadas se houver “mais tempo para aprofundar

os estudos (cf. item 2.1) e material (cf. 2.3), dentre outros. Também ao afirmar a necessidade

de se trabalhar vendo a realidade dos professores (cf. 2.2), este professor se refere ao fato de

haver propostas consideradas difíceis de serem transpostas para a sala de aula. Por outro lado,

essas respostas indicam ainda que a formação está refletindo pouco sobre os problemas de

ensino/aprendizagem e, possivelmente, não promove a troca de experiência entre os

professores, caracterizando-se como uma “aplicação”, “repasse” de atividades e conteúdos

dos PCN-LP.

Ainda analisando as respostas a essa questão, 22% dos professores pesquisados não se

posicionaram sobre a formação. Esse silenciamento tanto pode significar pura omissão por

indiferença, como pode demonstrar desmotivação, descrédito a programas do governo,

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conforme constatamos em depoimentos de alguns cursistas ao afirmarem que “esses

programas vem e passam sem resolverem os problemas básicos do ensino”. Também por se

tratar de uma avaliação, é compreensível que alguns professores tenham receio de registrar,

por escrito, sua opinião contrária ao programa. Embora 14% afirmem não ser preciso mudar

nada no programa, esse nível de aceitação é pequeno se o relacionarmos às dificuldades e

sugestões apresentadas.

Apesar das críticas e dificuldades apontadas, não só nesta pequena amostra como em

outros estudos (cf. 1º capítulo), os PCN-LP têm sido estudados e pesquisados e, segundo o

relatório do IDECA (2002, p. 80, citado na nota de rodapé nº 17, p. 58), 47% dos professores

informaram utilizar muitas das idéias e propostas de atividades dos PCN. Em outra questão

desse relatório, 83% dos professores afirmaram que os PCN auxiliam na elaboração de

projetos pedagógicos nas escolas.

De certa forma, a proposta dos PCN tem motivado o estudo, a discussão em grupo, o

incentivo à formação continuada, também denominada de formação em serviço, no intuito de

que o professor se capacite melhor para o exercício de sua prática profissional. Se por um lado

o professor, ao entrar em contato com esses documentos, percebe que eles abordam teorias

que não conhece, por outro, esse programa do PA e sua formação buscam conscientizá-lo da

necessidade de investir no seu aprendizado, ampliando os saberes de sua formação ao levá-lo

a ler sobre o ensino/aprendizagem na sua área de trabalho e na proposta apresentada nos

parâmetros, convocando-o a refletir sobre sua atuação em sala de aula e a compartilhar

experiências.

Assim, os PCN-LP, preocupados com a formação dos professores dessa área e

buscando superar as deficiências do ensino/aprendizagem de língua, especificamente no que

se refere à dificuldade da escola em formar leitores que utilizem a leitura e escrita para o

exercício da cidadania, defendem a proposta de formar leitores e escritores competentes

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segundo as perspectivas adotadas: a interacionista e a do letramento, conforme discutiremos a

seguir, para delimitarmos o nosso objeto de estudo.

1.7. A formação do leitor competente nos PCN-LP: conceitos e

discussões

O ato de ler tem sido objeto de muitos estudos e, devido à sua complexidade, são

várias as perspectivas teóricas que o analisam e o explicam. Os PCN-LP abordam o

ensino/aprendizagem da leitura e da escrita a partir de concepções cognitivista (PCN-LP,

1997b, p. 53), sóciointeracionista (PCN-LP, p. 53-54), e do letramento (PCN-LP, p. 23) que

serão apresentadas de forma breve para situarmos a concepção de leitor competente. Vejamos

o conceito de leitura:

Um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção dosignificado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobreo assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características dogênero, do portador (os suportes em que os textos foram impressosoriginalmente), do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente deextrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra. Trata-se deuma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual ossentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita.”Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leituraconstatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que se utilizaquando se lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias comoseleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possívelrapidez e proficiência (PCN-LP,1997b, p. 53).

Nesse conceito de leitura, os PCN-LP afirmam que o leitor constrói o sentido do texto

a partir de conhecimentos prévios, de mundo e lingüísticos que tem e que o ato de ler se

constitui não só da estratégia de decodificação, mas de várias outras. Essa conceituação se

fundamenta nas perspectivas interacionista de leitura e do letramento. Essas abordagens não

se excluem, ao contrário, se complementam e, nos PCN-LP, uma ou outra abordagem

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predomina em atividades diferenciadas. Dessa forma, a perspectiva do letramento sobressai-se

em questões mais específicas no tratamento da alfabetização, que se complementa com a

abordagem cognitivista, em qualquer ciclo do EF, para o aprendizado das estratégias de

leitura.

Apesar de os PCN-LP apresentarem as atividades de leitura e de produção textual, em

tópicos isolados, há orientação para que essas atividades sejam desenvolvidas como práticas

complementares, por estarem intrinsecamente relacionadas, uma vez que a possibilidade de

produzir textos eficazes tem origem também na prática constante de leitura (PCN-LP, 1997b,

p. 53).

O conceito de leitura, ora apresentado, se opõe à visão de leitura enquanto

decodificação18 do escrito, especificamente ao afirmar que não se trata simplesmente de

extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra. Esse modelo de leitura, que se

baseia na visão estruturalista de língua, é também chamado de ascendente, bottom-up, pelo

fato de propor que o sentido está no texto e parte deste para o leitor num movimente

ascendente, concebendo a leitura como apenas decodificação ou, mais precisamente, a

oralização do escrito. Nessa perspectiva, a leitura é vista como um processo instantâneo de

decodificação linear de letras em sons e a associação desses ao sentido, bastando ao leitor

dominar o código lingüístico para que a compreensão19 aconteça (GOUGH, 1972). Por

entender que o sentido está no texto, esse modelo concebe ainda que há interpretação única

para qualquer leitor, cuja posição diante da leitura é passiva.

As práticas pedagógicas baseadas nesse modelo prevêem um trabalho com letras,

sílabas, palavras e se caracterizam, na alfabetização, pelo uso de cartilhas, famílias silábicas

etc.

18 Embora os PCN-LP não apresentem a concepção de leitura enquanto decodificação, os dados que iremosanalisar incluem essa concepção, daí a necessidade de defini-la.19O termo compreensão será utilizado, neste trabalho, como se referindo ao processo de construção do sentido detextos por parte do leitor de forma generalizada, sem fazer oposição ao termo interpretação ou a quaisquer outrasacepções teóricas.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 69

Ao afirmar que a leitura é “um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de

construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua...”, os PCN-LP apontam para o

modelo interacionista de leitura, que surgiu a partir da junção do modelo ascendente, ora

comentado, e do modelo descendente, chamado de top-down20 . Smith (1999) apresenta esses

modelos (ascendente e descendente) como necessários para a compreensão, caracterizando a

concepção interacional de leitura, ao apontar a presença do autor como elemento importante

para se alcançar a compreensão. Chegar às intenções do autor via texto é tarefa do leitor. Há,

portanto, um deslocamento da relação leitor/texto para a relação leitor/autor através de pistas

formais e implícitos do texto. Para essa linha teórica, a interpretação é concebida como sendo

uma leitura subjetiva, pessoal do que se lê. Assim, ler é atribuir sentido ao texto impresso e

não adotar uma atitude passiva na espera de que o texto apresente um significado pronto.

Dessa maneira, através da interação dos diversos conhecimentos que entram em jogo

na compreensão, envolvendo múltiplos processos cognitivos, é que o leitor constrói o sentido

do texto. Assim, na leitura “é necessário que o aluno ponha em jogo tudo o que sabe para

descobrir o que não sabe” (PCN-LP, 1997b, p. 56), uma vez que o significado não reside

apenas nas palavras, nas sentenças, no texto, mas na visão de mundo, nas experiências do

leitor, ou seja, nas informações não-visuais (SMITH, 1978 apud KATO, 1998, p. 69).

Dentre os modelos interacionistas de leitura, o que fundamenta os PCN-LP é

desenvolvido aqui no Brasil por Kato (1987, 1998); Kleiman (1989,1992) – autora citada na

referência bibliográfica dos PCN-LP – dentre outros. Esse modelo interacionista inclui

aspectos (ou fatores) sociais no processo de compreensão ao

20 Para o modelo descendente, a ênfase do processo de compreensão está no leitor, é ele quem imprime,quem constrói o sentido que não está apenas nas informações textuais, mas na relação entre o escrito e os váriosconhecimentos prévios do leitor (lingüísticos, textuais, enciclopédicos e de mundo) sobre o assunto.,caracterizando assim o modelo construtivista que tem como referência trabalhos como os de Goodman (1970).Smith (1999) também concorda com Goodman quanto à característica da previsão em leitura, ao afirmar que “abase da compreensão é a previsão, alcançada ao se encontrar sentido naquilo que já se sabe sobre o mundo,fazendo uso da teoria de mundo” (Smith, 1999, p. 78-79). A previsão é caracterizada como o momento de fazerperguntas, a compreensão como a etapa de responder a essas perguntas.

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enfocar as intenções de significação do autor para o texto.

Kleiman (1989, 1993) focaliza o aspecto social da leitura ao mostrar que esta é uma

atividade de interação em que a compreensão se processa à distância entre leitor e autor via

texto. Cabe ao leitor buscar a presença do autor no texto através de marcas formais que atuam

como pistas, para se chegar à reconstrução do caminho de significação percorrido pelo autor

durante a produção do texto (KLEIMAN, 1989, p. 65).

No conceito de leitura dos PCN-LP, há outra característica da abordagem cognitivista

- a referência às estratégias de leitura que o leitor utiliza no processo da compreensão –

conforme constatamos nessa citação:

Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leituraconstatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que se utilizaquando se lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias comoseleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possívelrapidez e proficiência. (PCN-LP, 1997b, p. 53)

Para maior esclarecimento, os PCN-LP fornecem os conceitos de estratégias de leitura

em notas de rodapé:

Uma estratégia de leitura (visão psicolingüística) é um amplo esquema paraobter, avaliar e utilizar informação. As estratégias são recursos utilizadospara construir significado enquanto se lê. Estratégias de seleção possibilitamao leitor se ater aos índices úteis, desprezando os irrelevantes; deantecipação permitem supor o que está por vir; de inferência permitemcaptar o que não está dito no texto e de verificação tornam possível o“controle” sobre a eficácia ou não das demais estratégias. O uso dessasestratégias durante a leitura não ocorre de forma deliberada – a menos que,intencionalmente, se pretenda fazê-lo para efeito de análise do processo.(PCN-LP, 1997b, p. 53).

Não sendo linear, o modelo psicolingüístico aborda os elementos implícitos no texto,

as estratégias de leitura que, segundo Kleiman (1993), são operações regulares para abordar o

texto e compreendê-lo, denominadas de cognitivas e metacognitivas. As estratégias cognitivas

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referem-se às operações inconscientes realizadas pelo leitor para atingir algum objetivo de

leitura e desenvolvem nele habilidades verbais da língua; um exemplo dessa estratégia é fazer

o fatiamento sintático do texto para compreendê-lo. Já as estratégias metacognitivas são

operações (não regras) realizadas pelo leitor com algum objetivo específico, tendo sobre elas

controle consciente, ou seja, é capaz de dizer e explicar a sua ação, como por exemplo, ir ao

dicionário quando não entende o sentido de uma palavra ou ainda voltar e reler uma frase,

fazendo algo para vencer o obstáculo da não compreensão (KLEIMAN, 1993, p. 50).

De acordo com o modelo interativo, o ensino de leitura se caracteriza pela ação do

professor como mediador do processo de compreensão. Cabe a ele fazer questionamentos que

proporcionem ao aluno interagir com o autor via texto, permitindo-lhe trilhar o percurso de

compreensão do autor ao produzir o texto, além de lhe possibilitar a utilização das estratégias

cognitivas e metacognitivas para as atividades de compreensão textual. Com base nesse

modelo, Kato apresenta o conceito de leitor proficiente, denominado por ela de leitor maduro:

É aquele que se utiliza, de forma adequada e no momento apropriado, dosdois processos (ascendente e descendente) complementarmente. É o leitorpara quem a escolha desses processos é já uma estratégia metacognitiva. Istoé, é o leitor que tem um controle consciente e ativo de seu comportamento.(KATO, 1987, p. 41).

Já para Kleiman (1993, p. 51), o leitor proficiente apresenta como características

básicas a flexibilidade na leitura, por se utilizar de vários procedimentos para tornar o texto

inteligível quando não consegue compreendê-lo, e a busca da leitura com objetivo definido.

Dessa forma, no modelo interativo, o leitor é ativo, dinâmico, cabendo-lhe inferir o

sentido no processo de compreensão do significado daquilo que lê, ainda que o texto direcione

de uma forma ou de outra a significação. Segundo os PCN-LP, “o significado, no entanto,

constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do

conhecimento que traz para o texto” (PCN-LP, 1997b, p. 57), da relação entre textos, dos

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vários sentidos que podem se dar aos textos, validando a leitura através de elementos

discursivos, elementos que evidenciam a relação leitor-texto-autor.

Há críticas que mostram a contradição dos modelos psicolingüísticos de leitura quanto

à questão da interpretação. Se por um lado, eles defendem que a interpretação seria como uma

transação entre o leitor e o texto através de cujo processo cada leitor é um

construtor/reconstrutor de significado, dando primazia ao leitor individualizado como

negociador de sentidos, por outro, defendem a autoridade do texto sobre o leitor na apreensão

do significado ao postularem um sentido literal, pré-existente para dar conta de interpretações

semelhantes (ARROJO, 1991, p. 65; GRIGOLETTO, 1999, p. 62). A idéia de um sentido

único que independe de fatores situacionais faz com que o texto seja autônomo,

principalmente por permitir ou eliminar inferências feitas pelo leitor. Outra crítica ao modelo

interacional diz respeito à intencionalidade atribuída ao autor que o produz, afirmando ser o

discurso dependente e derivado da consciência subjetiva da autoria, pressupondo, assim, a

idéia de sujeito psicológico, individual, que tem domínio sobre a interpretação, a ponto de

supor controlá-la por intermédio de elementos lingüísticos.

Segundo as críticas, esses modelos não consideram que o sujeito social constitui-se

nas e pelas interações verbais e, ao se apropriar da linguagem, pondo-a em funcionamento,

sofre coerções da situação social de produção, do contexto e do próprio sistema da língua.

Embora a concepção psicolingüística aborde vários aspectos importantes para o

ensino/aprendizagem da leitura, como a compreensão de como o cérebro lê, o funcionamento

da memória e das estratégias de leitura que se utilizam na compreensão, enfocando fatores de

ordem social e cultural no processo da leitura ao incluir o autor, essa concepção não inclui

outros aspectos sociais que envolvem a produção e circulação de textos na sociedade, como a

relação entre as práticas sociais de leitura e escrita (o letramento) e sua aquisição, vendo-as

em seus aspectos antropológicos.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 73

Outra concepção sobre leitura e formação do leitor, de caráter predominantemente

social dos PCN-LP, é a do letramento, concepção esta que tem base em teorias sócio-políticas.

Nesses parâmetros Letramento “é entendido como produto da participação em práticas sociais

que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia (...) (PCN-LP, 1997b, p. 23). A partir

dessa perspectiva, os PCN-LP mostram que uma das funções sociais da escola é a formação

de cidadãos críticos e atuantes que sabem se utilizar das práticas sociais da leitura e da escrita.

Para tanto, a leitura deve ser concebida como atividade social básica que permite ao sujeito

atuar na sociedade ao “dominar” a linguagem (com seus gêneros e discursos), tendo, dessa

forma, acesso à linguagem do poder para nela interferir, utilizando-a em seu benefício,

(SOARES, 1986). Os parâmetros também enumeram os fatores que corroboram

conjuntamente na construção do sentido de um texto e que são importantes para a formação

de leitores: “... tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador (os

suportes em que os textos foram impressos originalmente), do sistema de escrita, etc”.

Compreende-se que este pensamento remete também à visão enunciativa de língua

(esclarecida no item anterior) e para a abordagem sobre gêneros textuais, que incluem o

ensino/aprendizagem dos usos sociais da leitura e da escrita nas diversas esferas de atividades

humanas. O conhecimento sobre gêneros textuais e os portadores em que os textos se

apresentam são especificados como condições para que a leitura não seja apenas

decodificação, mas compreensão a partir do uso dos textos nas diversas instâncias sociais. Ou

seja, o ensino/aprendizagem da leitura jamais deve ser abordado apenas em seu aspecto

cognitivo.

Desta forma, os PCN-LP orientam que tanto as atividades de leitura quanto as de

escrita devem ser vivenciadas na perspectiva do letramento. Essa preocupação aparece,

inicialmente, na primeira parte dos PCN-LP, no item “Linguagem e participação social” em

que o domínio da língua se apresenta como condição para a participação social: “cada aluno

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se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente”, de assumir a palavra

e, como cidadãos, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações” (PCN-LP, 1997b,

p. 23). Em seguida, apresenta o conceito de Letramento em nota de rodapé (nº 5, p. 23):

Letramento, aqui, é entendido como produto da participação em práticassociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticasdiscursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que àsvezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessaconcepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanasmodernas, não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível nãoparticipar, de alguma forma, de algumas dessas práticas (PCN-LP, 1997b, p.23).

Nessa perspectiva, o ensino/aprendizagem da leitura objetiva formar um leitor que

tenha participação social, isto é, que seja capaz de interpretar e produzir textos que atendam às

suas necessidades sociais, exercendo a sua cidadania. Com base nessa visão, os PCN-LP

explicitam o que é formar leitores e escritores competentes. Por escritor competente, deve-se

entender aquele que utiliza a escrita não como profissionais habilitados para utilizá-la como

instrumento de trabalho, mas como pessoas capazes de escrever com eficácia, com a

capacidade de atender às suas necessidades sociais enquanto sujeitos. Já leitor competente os

PCN-LP definem como sendo:

Alguém que, por iniciativa própria é capaz de selecionar, dentre os textosque circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidadesua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequadas para abordá-losde forma a atender a essas necessidades (PCN-LP, 1997b, p. 54).

O leitor competente é aquele que entende o que lê, não apenas decodifica, lê o que está

implícito, sabe que o texto estabelece relações intertextuais e pode ter vários sentidos,

múltiplas significações. Para tanto, os PCN-LP enfatizam a importância da prática constante

de leitura de textos na sala de aula, vendo a diversidade dos que circulam na sociedade,

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 75

envolvendo todos os alunos, inclusive os que ainda não lêem convencionalmente (PCN-LP,

op. cit., p. 54). E, assim, asseveram que formar leitor competente supõe:

(...) formar alguém que compreende o que lê; que possa aprender a lertambém o que não está escrito, identificando elementos implícitos; queestabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba quevários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar evalidar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos (PCN-LP, 1997b, p. 54).

Também é dar condições para que os alunos tenham contato com a diversidade

textual, não apenas com os textos do livro didático, pois “sem essa diversidade pode-se até

ensinar a ler, mas certamente não se formarão leitores competentes” (PCN-LP, 1997b, p. 55).

Ao falar em leitor competente e cidadania, os PCN-LP trazem reflexões sobre o

letramento, ideológico, iniciadas com Paulo Freire (1988/1997), na década de sessenta do

século XX, e em trabalhos de pesquisadores estrangeiros como os de Heath (1983), Street

(1984/1993), que abordam aspectos culturais e sócio-políticos; como os de Cook-Gumperz

(1991, p. 13) quando afirma ser a alfabetização o processo socialmente construído que vai

além de saber ler e escrever, definindo-a como “um processo social de demonstração da

capacidade de adquirir conhecimentos”. Estudos esses desenvolvidos também no Brasil com

Tfouni (1988), que distingue alfabetização de letramento; Kleiman (1993, 1995), que aborda

concepções, níveis e modelos de letramento; Rojo (1995), Terzi (1995) que estudam oralidade

escrita e letramento; Bortoni (1995) e Magalhães (1995) que se preocupam com variação

lingüística em prática de letramento escolar; Soares (1998), que defende letramento,

alfabetização e os mecanismos utilizados para medir e avaliar suas práticas; Signorini (1995),

com letamento e (in)flexibilidade comunicativa; Albuquerque (2001) com discursividade em

práticas de alfabetização de adultos; e, Rojo & Batista (2003) com letramento, livro didático e

cultura da escrita, dentre outros estudiosos.

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As preocupações dos PCN-LP com a formação do leitor competente visam superar as

deficiências de leitura demonstradas em exames que avaliam o nível de leitura de alunos

como o PISA (comentado no item anterior).

Dentre as definições mais correntes acerca do letramento, tomemos a de Soares, que se

assemelha à apresentada nos PCN-LP:

Letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e deescrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionamcom as necessidades, valores e práticas sociais, ou seja, é o conjunto depráticas sociais relacionadas à leitura e à escrita em que os indivíduos seenvolvem em seu contexto social (SOARES, 1998, p. 72).

As discussões sobre letramento surgiram de estudos antropológicos, aqui citados, que

se preocuparam em saber como os grupos sociais utilizavam a leitura e a escrita em práticas

não escolares. Essas contribuições permitiram se repensar e se ampliar o papel da

alfabetização escolar, que se restringia e ainda se restringe em muitas práticas de sala de aula,

basicamente, à aquisição do domínio da leitura enquanto decodificação e oralização do

escrito, processo individual, negligenciando a sua função de formação do sujeito para a

utilização social da leitura e da escrita.

Há pesquisadores que estabelecem a distinção entre alfabetização e letramento

(TFOUNI, 1988, 1997; KLEIMAN, 1995; SOARES, 1998, dentre outros). Por alfabetização

entende-se a aquisição do código escrito na instituição escolar e por letramento a utilização

efetiva da leitura e da escrita, em práticas sociais. Com base nisto, atualmente, já se fala,

inclusive, em alfabetizar na perspectiva do letramento. Soares (1998) apresenta duas

dimensões para o letramento: a individual e a social. A individual diz respeito à aquisição das

habilidades de decodificação e interpretação do escrito. A dimensão social está relacionada

aos usos sociais da leitura e da escrita.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 77

Atualmente, é consensual falar em níveis de letramento, uma vez que ninguém na

sociedade letrada está isolado das práticas de leitura e escrita, visto que interage com essas

práticas de alguma forma (KLEIMAN, 1995, dentre outros). Também se fala em letramento

escolar, uma vez que a escola faz uma parte desse processo (a aquisição individual do código

escrito, mesmo com deficiências) e que há práticas de letramento em outras instâncias sociais

como a igreja, a família, as agremiações de qualquer ordem etc. Na perspectiva do letramento,

a leitura inclui aspectos sócio-históricos na compreensão, portanto, não existe leitura única, os

textos são vistos como um conjunto de sentidos que “dependem” do lugar social do autor-

locutor e do leitor-interlocutor, da situação de interação entre eles em que a leitura se dá,

como também da finalidade da leitura e da esfera social de produção do texto, em outras

palavras, dos gêneros textuais.

Uma prática de leitura e escrita fundamentada no letramento enfatiza não só na

alfabetização, mas em qualquer série ou ciclo, o ensino/aprendizagem da língua que

possibilite ao aluno a aquisição, o domínio dos gêneros textuais, buscando também

desenvolver um leitor capaz de fazer leituras possíveis em um mesmo texto e que atendam às

suas necessidades enquanto cidadão.

Com essas duas visões de leitura – interacionista e do letramento –, os PCN-LP

propõem mudanças para práticas didáticas enraizadas na escola e tidas como corretas, que

enfocam a leitura como apenas decodificação. São exemplos as atividades de leitura em voz

alta para avaliar se o aluno sabe ler (entendido como pronunciar as palavras escritas) e as que

apresentam uma única leitura para o texto. Dessa forma, os PCN-LP criticam o tratamento

didático que a escola dá à leitura concebendo-a como objeto de ensino e não como objeto de

aprendizagem e propõem que a prática de leitura deve superar concepções, principalmente em

seu aprendizado inicial, de que ler é converter letra em sons, como se a compreensão fosse

conseqüência natural dessa ação (PCN-LP, 1997b, p. 55). Ao contrário, ela é prática social,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 78

por ser sempre um meio, nunca um fim, uma vez que ler é buscar sempre resposta a um

objetivo, a uma necessidade pessoal (PCN-LP, op. cit., p. 57).

Para formar leitor competente, os PCN-LP propõem o trabalho com gêneros

diversificados, através de uma prática constante de leitura que atenda a uma diversidade de

objetivos e apresenta o tratamento didático que se deve dar à leitura. Inicialmente, explica os

tipos: leitura diária feita pelo professor em sala de aula (PCN-LP, 1997b, p. 60-65); leitura

colaborativa, orientações para projetos de leitura, atividades permanentes de leitura. Em

seguida, propõem não só abordá-la como objeto de ensino, mas como objeto de

aprendizagem, isto é, desenvolvendo atividades de leitura que façam sentido para o aluno, que

respondam a objetivos de realização imediata, preservando sua natureza, complexidade, sem

descaracterizá-la. Daí, a necessidade de se trabalhar com textos diversificados, não apenas os

do livro didático; mas com os diferentes “para quês” da leitura, como resolver um problema

prático, informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou revisar o próprio texto, em função dos

diferentes objetivos e gêneros: ler buscando as informações relevantes, os significados

implícitos nas entrelinhas, ou dados para a solução de problemas (PCN-LP, 1997b, p. 54-55).

Só tendo contato com a leitura como prática social, resposta a objetivos, como necessidade

pessoal é que o aluno pode atribuir sentido maior e se envolver nessa prática.

Para que essas finalidades sejam atingidas, necessita-se de que a mediação do

professor permita outras leituras, que ele se coloque na posição de principal parceiro, como

orientador e estimulador do processo da compreensão (PCN-LP, 1997b, p. 57), superando a

perspectiva tradicional da escola, como asseveram esses parâmetros, que adota “o mito da

interpretação única” advinda do pressuposto de que o sentido está no texto. Assim, o

professor deve deixar as posturas tradicionais sobre o aprendizado inicial da leitura, uma vez

que

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 79

Fora da escola não se lê só para se aprender a ler, não se lê de uma únicaforma, não se lê palavra por palavra, não se responde a perguntas deverificação do entendimento preenchendo fichas de exaustivas, não se fazdesenho sobre o que se mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso nãosignifica que na escola não se possa eventualmente responder a perguntassobre a leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou lerem voz alta quando necessário. No entanto, uma prática constante de leituranão significa a repetição infindável dessas atividades escolares (PCN-LP,1997b, 57).

Os PCN-LP propõem à escola e ao professor a tarefa de desenvolver nos alunos muito

mais do que a capacidade de ler: o gosto e o compromisso com a leitura, fazendo-os perceber

que a leitura traz autonomia e independência ao sujeito (PCN-LP, 1997b, p. 58). Essa visão

social21 de leitura sugere que a escola tenha um procedimento didático que considere algumas

situações semelhantes às que o leitor se utiliza na sociedade quando precisa ler,

principalmente objetivando a formação da cidadania.

Com essas perspectivas teóricas, os PCN-LP avançam ao proporem a formação de

leitores que efetivamente leiam, que desenvolvam a competência leitora para fazerem uso

dessa habilidade nas diversas instâncias sociais, quando dela necessitarem – não apenas na

escola –, como também para que leiam os diversos gêneros textuais que circulam socialmente.

21 A visão de formação do leitor na perspectiva sócio-cultural e histórica parte da concepção deensino/aprendizagem de língua cuja perspectiva é confirmada também com citações nas referênciasbibliográficas dos PCN-LP de pesquisadores como Geraldi (1984); Orlandi (1985); Soares,(1986); Foucambert(1994), dentre outros.

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2º CAPÍTULO

2. Transposição didática e construção de saberes para uma

formação reflexiva

O saber docente é um saber plural, estratégico, porémdesvalorizado, sua prática integra diferentes saberes, com os quais ocorpo docente mantém diferentes relações. Pode-se definir o saberdocente como um saber plural, formado pela amálgama, mais oumenos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, desaberes disciplinares, curriculares e experienciais.

Maurice Tardif

Estudos sobre a formação de professores, seus saberes, sua atuação na sala de aula,

dentre outros aspectos fundamentais, têm sido evidenciados nas pesquisas em Lingüística

Aplicada, desde a década de 90 do séc. XX, trazendo à tona questões pouco discutidas na

educação, como transposição didática de conhecimentos, que permite refletir sobre as

mudanças ocorridas com um dado saber, quando ele passa a ser objeto de

ensino/aprendizagem. Outros estudos, também relacionados ao ofício do professor,

questionam a tradicional distinção teoria/prática. Em outras palavras, procura-se identificar

que saberes formam a base deste ofício, como aponta Giroux (1983, apud ORTENZI, 1997),

que saberes são mobilizados, em sala de aula, além dos acadêmicos. Quanto ao professor, um

foco de estudo se preocupa com a natureza de suas crenças e com os modos como elas

influenciam e moldam as experiências cotidianas que o professor tem com os alunos,

possibilitando uma maior reflexão sobre sua prática.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 81

Procurando refletir em torno de algumas dessas contribuições teóricas, como a

transposição didática, a relação teoria/prática e formação do professor reflexivo na formação

do programa Parâmetros em Ação, o presente capítulo se divide em três partes. Na primeira,

abordamos, inicialmente, o conceito de transposição didática, segundo Verret (1975, apud

BRONCKART & GIGER, 1998), Chevallard (1991), Bronckart & Giger (1998) e Perrenoud

(2002). Discutiremos ainda a formação do professor reflexivo, analisando a relação entre a

didatização e os processos de construção de saberes, indispensáveis a uma formação crítica do

professor. Na segunda parte, apresentamos as primeiras tentativas de didatização dos PCN-LP

e, em seguida, a proposta do MEC para estudar e compreender os PCN e o PA. Na terceira

parte, em função de considerarmos que as formadoras didatizam a proposta a partir dos

saberes que têm, que os mobilizam, delineando suas ações didático-metodológicas, e, por ser

a prática do professor o resultado dos vários saberes, incluindo os pedagógicos e educacionais

(PERRENOUD, 2002, cf. 2.2), optamos por analisar a visão que F1 tem da formação e em

que essa visão contribui para a compreensão da proposta do PA ou mesmo se interfere nesse

processo de didatização.

2.1. O processo de construção de saberes: as bases do ofício do

professor

Em sua obra Les Temps des études, Verret (1975) conceitua, pela primeira vez,

transposição didática como as transformações que sofrem um dado saber na exposição

didática:

Toda prática de ensino de um objeto pressupõe em efeito a transformaçãoprévia de seu objeto em objeto de ensino. Esta transformação implica que adivisão do trabalho autonomizou o processo de transmissão de saber doprocesso de sua realização e constituiu para cada prática uma prática distintade aprendizagem, [....] nesse trabalho de desligamento e de transposição,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 82

uma distância se institui necessariamente da prática de ensino à prática emque ocorre o ensino, da prática de transmissão à prática de criação, da “artede ensinar” à “arte de criar” e mesmo à “arte de expor”. (VERRET, 1975, p.140, apud BRONCKART & GIGER, 1998, p. 35)

Segundo Verret, a divisão de trabalho que caracteriza as sociedades contemporâneas

se traduz por práticas e/ou ações distintas e autônomas, práticas que se referem a objetos

diferentes e que mobilizam e/ou geram saberes específicos. A exploração desses saberes se

realiza no quadro de sub-práticas diferentes, qualificadas pelo autor de processo: de um lado,

as práticas de invenção/criação do saber e aquelas de sua realização na ação, de outro lado,

as práticas de transmissão do saber, nos procedimentos de exposição científica ou de

exposição didática. Mesmo que elas pareçam remeter a um referencial comum, essas

diferentes práticas de exploração do saber, desde que sejam autonomizadas, dão,

necessariamente, a esse saber, um aspecto e uma organização específicos: “o saber

mobilizado pela transmissão didática difere do saber mobilizado na transmissão científica ou

do saber que é inventado/criado do que é realizado”. (VERRET, 1975, apud BRONCKART &

GIGER, 1998, P. 35-36).

Sendo o campo educativo e/ou formativo constituído de práticas, e as disciplinas

escolares, por sua vez, disciplinas de ação e intervenção, Verret afirma que a disciplina da

didática das matérias escolares analisa o papel dos saberes e as condições de sua transmissão-

apropriação-transformação nos sistemas didáticos. E isto ocorre por ser atribuição da didática

se preocupar em integrar as contribuições de várias disciplinas educativas e discutir sobre que

saberes cabe aos alunos construírem e quais os meios que permitam essa realização.

Esses estudos se ampliam com as contribuições de Chevallard (1991), quando estudou

as adaptações ocorridas com as teorias matemáticas ao serem transformadas em objeto de

ensino. Ao trazer à tona a problemática da transposição, Chevallard contribui para a

reconceituação das ciências didáticas, ao tratar essencialmente da questão dos saberes e da

reflexão sobre os problemas da transposição. Para essa disciplina, a transposição é uma

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 83

ferramenta que permite refletir sobre as evidências de um conhecimento, colocando em

questão as idéias simples, desprendendo-se da familiaridade enganosa de um dado objeto de

estudo.

A transposição didática, portanto, é o trabalho que transforma um objeto de saber a ser

ensinado em objeto de ensino. Por isso mesmo, remete ao processo por que passa um

conhecimento ao ser didatizado, mais conhecido como sendo o percurso do saber

acadêmico/científico ao saber ensinado, abordando-o ainda sobre a eventual distância

obrigatória que os separa:

Para que o ensino de um determinado elemento de saber seja meramentepossível, esse elemento deverá haver sofrido certas alterações, que o tornamapto para ser ensinado. O saber, tal como é ensinado, é necessariamentedistinto do saber inicialmente designado como o que deve ser ensinado(CHEVALLARD, 1991, p. 17). (Tradução nossa)

Da afirmação se deduz que todo saber a ser ensinado está fadado à transposição. Saber

e transposição didática estão intrinsecamente relacionados, pois quando se fala em

transposição, automaticamente se remete a um saber que passa por um processo de

“adaptação” ao ser levado a outros contextos que não o de origem. Do mesmo modo, falar em

um dado saber pressupõe a existência de um movimento de transposição (PAIS, 1999, p. 17).

Desta forma, os estudos sobre transposição didática se referem à passagem do saber

científico, também chamado de saber erudito savant ou sábio (PAIS, 1999), ao saber a ser

ensinado. Por saber científico entenda-se o saber produzido nas academias, instituições de

produção científica e que é apresentado à comunidade científica através de artigos, teses,

livros especializados e relatórios. Para Chevallard, o saber científico precisa ser didaticamente

transposto, principalmente, devido à linguagem técnica em que é redigido, que obstaculiza a

sua aprendizagem. Daí a necessidade de adequá-la à linguagem escolar, fazendo “pontes”

entre o saber científico e o saber a ser ensinado na escola. Conforme estudou na matemática,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 84

Chevallard constatou que na transposição de conceitos dessa disciplina em sala de aula ocorre

a criação de um verdadeiro modelo teórico que ultrapassa os próprios limites do saber

matemático (PAIS, 1999, p. 23). Os livros didáticos são exemplos de como se dá a

transposição do saber científico ao saber a ser ensinado; também o são os programas e

currículos escolares.

Como os estudos iniciais sobre a transposição didática se dedicaram a analisar as

mudanças ocorridas quando o saber de referência passa a ser objeto de ensino/aprendizagem,

tendeu-se a se considerar como saber todo conhecimento histórico e institucionalmente

legitimado. Como apontam Verret (1975), Chevallard (1991) e Bronckart & Giger (1998),

nesse processo de transposição, ocorre a mobilização de saberes. Entretanto, estamos

entendendo por saber não apenas os de referência, também chamado de saber científico,

savant, mas outros saberes como os experienciais (TARDIF, 2002). Nesse aspecto,

concordamos com Bronckart & Giger, que contestaram a existência apenas do saber

legitimado por considerarem que ele caracteriza o saber através da qualificação do(s) seu(s)

autor(es), remetendo a um argumento, no mínimo de autoridade. Admitem, assim, que não

são apenas as instituições legitimadas que produzem saberes, mas que diversos lugares

dotados de história, de funções sociais, de estruturas e de modalidades de funcionamento

específicos também os produzem. Por isso, os autores consideram legítimo qualificar os

saberes em função desses lugares de onde eles emanam: saberes científicos, saberes de

engenharia, saberes de experiência, saberes escolares, saberes do senso comum etc. E

referindo-se à teoria de campos sociais de Bourdieu (1970-1980) afirmam:

Como os outros campos culturais, os campos de produção de saberes sãosistemas de posições e de agentes, estruturados por relações de solidariedadee por relações de forças, e regidos por interesses e jogos sociais específicos;e esses sistemas organizam a produção de bens cognitivos em esferas deprodução (que nós qualificamos de lugares) que podem ter dimensão eimportância diversa (BRONCKART & GIGER, 1998, p. 45).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 85

Para esses autores, só em função desses lugares é que podemos denominar os saberes.

Entendendo por saber não apenas o científico e concebendo a escola como um lugar de

produção de saber, Tardif (2002, p. 60) define o saber do professor em sentido amplo e como

sendo plural, que é caracterizado por “conhecimentos, institucionalizados ou não, pelas

competências22, as habilidades (aptidões), as atitudes, que os professores mobilizam

diariamente em sala de aula, nas escolas ao realizarem concretamente as suas tarefas”,

também chamado do “saber-fazer e do saber ser”. Sua característica básica é ser, ao mesmo

tempo, social e individual, conforme explicaremos no item a seguir. Essa concepção evidencia

como é amplo o universo de saberes que envolvem o ofício do professor.

Em geral, a transposição didática nos mostra que o conteúdo de ensino (objeto a ser

ensinado) é freqüentemente muito diferente do conteúdo ensinado, chamado de saber

ensinado, aquele que, de fato, foi construído na interação em sala de aula. Quanto a essa

mudança, Chevallard (1991, p. 67) afirma que os saberes selecionados para serem ensinados

devem se caracterizar como saber intermediário entre o saber científico e outros saberes não

institucionalizados, pois não se trata de negar os saberes de referência apresentando outros

completamente distintos deles, mas de intermediá-los, já que são igualmente importantes para

a construção do conhecimento.

Uma vez que o saber escolar tem como fonte principal de conhecimento o saber

científico, vê-se que uma das prioridades da prática educativa é selecionar os conteúdos que

formam os programas escolares, os currículos. São os cientistas, professores, especialistas,

políticos, autores de livros didáticos e outros agentes educacionais, que influenciam e atuam

na seleção dos conteúdos, que deverão compor os programas escolares e que determinam todo

22 A noção de competência dada por Perrenoud (2000b, p. 15) designa a capacidade de mobilizar diversosrecursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação. Ela inclui quatro aspectos: as competências não são elasmesmas savoir-faire ou atitudes, integram, mobilizam tais recursos; essa mobilização só se dá em cada situaçãosingular; seu exercício passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamento quepermitem determinar e realizar uma ação relativamente adaptada à situação; as competências constroem-se tantona formação quanto na atuação do professor de uma situação diária de trabalho a outra.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 86

o funcionamento do processo didático. Chevallard denominou de noosfera ao conjunto dessas

fontes de influências. Nessa perspectiva, a transposição didática, ao estudar o que ocorre com

o saber escolar, pode identificar as diversas influências recebidas tanto do saber científico

quanto de outras fontes, como do saber do senso comum, da experiência do professor etc.

Para Chevallard, é na tríade – professor, aluno e o saber a ser ensinado - que se

estabelece o contrato didático, ou seja, a escolha e a transposição dos conteúdos a partir das

séries e das necessidades dos alunos. O objeto central da transposição didática se situa no

nível dos saberes mobilizados no sistema didático. Para ele, um fator que está fora deste

sistema didático e nele interfere diz respeito ao estatuto dos saberes de origem ou de

referência, que são os saberes produzidos nas instituições de produção científica.

Embora reconhecendo a importância das contribuições de Chevallard (1991),

Bronckart & Giger (1998) fazem críticas a algumas observações desse estudioso. Uma das

mais importantes se refere às fontes de empréstimo de conhecimento. Eles contestam a

afirmação de Chevallard de que todos os saberes mobilizados no ensino surgiram no campo

científico. Segundo Bronckart & Giger, os saberes poderiam advir de outros campos de

produção de conhecimento ou de lugares sociais nos quais se elaboram outros saberes

(BRONCKART & GIGER, op. cit. p. 40) que seriam, portanto, saberes de “expert”, escolares

e do senso comum. A outra crítica se refere às etapas do movimento transposicional, quando

Chevallard direciona a análise da transposição para os saberes a serem ensinados (em sua

relação com os saberes de referência, os científicos) e enfatiza que são distintos dos saberes

efetivamente ensinados. A partir desse raciocínio, Bronckart & Giger, além de outros

sucessores de Chevallard, alargaram essa análise e fizeram a distinção entre conteúdos a

serem ensinados (presentes nos programas e currículos), conteúdos efetivamente ensinados

(os que de fato foram ensinados em sala de aula); conteúdos aprendidos pelos alunos e

conteúdos de aprendizagem que são avaliados. Desse modo, evidenciam a complexidade do

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 87

movimento da transposição didática do conhecimento ao trazerem a distinção entre processo

de ensino, processo de aprendizagem e processo de avaliação (BRONCKART & GIGER, op.

cit. p. 41).

Também relevante nesse estudo é o trabalho de Rafael (2001) que, a partir das

contribuições de Bronckart & Giger (1998) identificou a existência de dois efeitos de

transposição didática a que denominou de solidarização e sobreposição. A solidarização

ocorre quando o professor utiliza-se de termos e/ou noções teóricas vindos de, no mínimo,

duas fontes de saberes de referência para analisar, por exemplo, um dado fato lingüístico (no

nosso caso o conceito de leitor competente) sem que esse procedimento incorra em “erro” ou

contradição teórica. Já a sobreposição se daria quando o professor põe, lado a lado, termos

advindos de fontes de saberes diferentes, gerando com isso uma sobreposição de termos que

não são equivalentes para se analisar o fato lingüístico em foco. A partir dessas definições,

Rafael analisou o processo de construção dos conceitos de texto e de coesão textual desde a

Lingüística textual, passando pelas obras de divulgação, à sala de aula de língua materna.

Partindo da idéia de que em toda transposição há a construção de saberes, Rafael mostra que

os professores, após receberem saberes vindos de várias instâncias (Lingüística textual e da

sua divulgação) mobilizam, em sala de aula, diferentes conhecimentos através dos recursos da

exemplificação e da referência a nomenclaturas e noções teóricas que, por sua vez, geram os

dois efeitos de transposição didática por ele definidos (solidarização e sobreposição).

Assim, o professor, ao transpor didaticamente um conceito em sala de aula, não

mobiliza apenas saberes de referência, institucionalmente legitimados, mas saberes diversos.

Sua prática lhe permite construir conceitos que já não são exatamente aqueles que vieram das

fontes originais, onde o saber foi produzido, mas que são construídos na situação de ensino ao

se juntarem a outros saberes. Todos esses saberes devem constituir o objeto de

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 88

ensino/aprendizagem da formação profissional do professor. Não há mais como negligenciar,

desconsiderar, ou mesmo negar a característica plural do saber do professor (TARDIF, 2002).

Ampliando a visão de Chevallard (1991), Perrenoud (2002, p. 74) mostra,

inicialmente, através de uma cadeia simplificada, o percurso do saber desde o momento em

que se origina na sociedade – também na comunidade erudita – passando pelos currículos

formal e real até o momento em que se torna aprendizagem efetiva dos alunos.

(PERRENOUD, 2002, p. 74)

E inquieta-se ante a probabilidade de que em cada nova etapa dessa cadeia ocorram

descontextualizações, simplificações, desperdícios, esquematizações e mesmo traições dos

conteúdos transpostos. Embora Chevallard (1991, p. 40) tenha observado o fenômeno da

noosfera (denominação dada quando um saber recebe influências de muitas instâncias), ele

não chegou a sistematizar a cadeia de transposição como propõe Perrenoud. Porém, este autor

ressalta que os saberes são transformados não porque há perversidade ou má-fé, mas devido

às conseqüências da própria elaboração e adaptações a planos e metas de formação, além da

necessidade de se gerenciar progressões de conteúdos bimestrais e anuais escolares. Tais

objetivos, necessários do ponto de vista didático, envolvem operações de corte, simplificação,

dentre outras, ante a necessidade de transferi-los para a sala de aula (PERRENOUD, 2002, p.

74).

Ao comentar sobre as distorções ocorridas na transposição dos saberes acadêmicos e

dos saberes práticos, Perrenoud (2002, p. 76) observou que nos saberes acadêmicos “as

A CADEIA DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Saberes e práticas sociais

Currículo formal, objetivos e programas

Currículo real, conteúdos do ensino

Aprendizagens efetivas e duradouras dos alunos

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 89

distorções não chegam a ser absurdas, por haver uma maior proximidade destes aos saberes de

referência”. Isto ocorre, porque tais saberes estão mais organizados e institucionalizados

socialmente pelas próprias instituições de produção, sejam universidades, centros de

pesquisas, revistas autorizadas etc. E assevera ainda que o contrário ocorre com a transposição

de saberes práticos, onde está a maior polêmica da transposição didática: primeiramente,

porque existem várias práticas pedagógicas docentes de referência, o que dificultaria a escolha

daquela que sobrepujaria as demais; em segundo lugar, porque essa questão exige que se

reflita sobre que práticas seriam formalizadas em conteúdos para serem transmitidas. Além

disso, mesmo formalizadas, as práticas poderiam ser a “assimilação puramente intelectual de

saberes práticos codificados” o que, segundo Perrenoud, não resolveria o problema da prática

pedagógica, uma vez que, na formação profissional, as práticas de referência não podem ser

transformadas em saberes sobre tais práticas por não ser possível ensiná-las de modo direto

(MARTINAND, 1986, 1994, 1995 apud PERRENOUD, op. cit., p. 77).

Todas essas discussões convergem para a conclusão de que a formação profissional

não deve constituir-se apenas de saberes acadêmicos, científicos e técnicos, mas também de

saberes específicos, próprios de cada profissão, que não se derivam da ciência nem da técnica,

mas que são indispensáveis, como os oriundos da experiência pessoal:

Portanto, no âmbito da formação inicial, é importante ensinar saberesprofissionais em seu sentido amplo, expandindo os saberes teóricos oriundosdas ciências da educação aos saberes procedimentais deles derivados,transmitidos pela cultura profissional ou estabelecidos pela formalização dossaberes de experiência até então implícitos. Atualmente, eles estão no centrodos trabalhos sobre as especialidades dos profissionais e permitemidentificar saberes que não têm nome nem status científico, mas cujavalidade parece se sustentar em sua eficácia na ação (PERRENOUD, 2002,p. 75).

Os saberes experienciais são formulados, adquiridos na própria vivência do professor

enquanto aluno e enquanto professor. Portanto, cabe à formação dar espaço para que se

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 90

compartilhem e se exercitem essas experiências. Nessa perspectiva, Perrenoud, mostrando que

os saberes acadêmicos formalizados constituem apenas uma das modalidades de saberes da

formação do professor, aponta as demais: a transmissão de saberes e sua apropriação; a

“imitação inteligente” de gestos profissionais; a construção de competências e de posturas em

função de um treinamento reflexivo; a construção do habitus profissional por meio de

interiorização de limites e da estabilização de esquemas de ação como modalidades de

transposição didática. Habitus profissional, Bourdieu (1997, p. 81) define como sendo “nosso

sistema de esquemas de pensamento, de percepção, de avaliação e de ação; é a gramática

geradora de nossas práticas”. Ante a questão das modalidades na formação, nos parece que a

transposição de saberes venha a ser a mais simples forma de apropriação do saber:

Entretanto, não devemos esquecer que o estudante só se apropria dos saberespor meio de uma atividade, orientada por condições e situações deaprendizagem. Essa perspectiva construtivista incita-nos a considerar que atransposição de saberes eruditos não se limita a uma operação sobre seusconteúdos, mas abrange também sua aplicação em uma situação concreta,por exemplo em um projeto, em uma situação-problema ou mesmo em umexercício convencional. (...) A formação não é mais transmissão deconteúdos, mas a construção de experiências formativas pela aplicação eestimulação de situações de aprendizagens (PERRENOUD, 2002, p. 77-78).

Consideramos relevante caracterizar a formação não mais como transmissão de

conteúdos, e sim como uma “experiência formativa” que articula um conjunto de saberes

experienciais e formais ainda negados aos alunos. Uma das modalidades dessa formação é a

construção de competências que surge da noção da cadeia de transposição e de sua

complexidade. Perrenoud (2002, p. 78, cf. nota 23, p. 86 deste trabalho) afirma, com base em

vários autores, que “a competência é a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos

visando agir em uma situação complexa” (PERRENOUD, 1996, 1997, 1999, 2000b, apud

PERRENOUD, 2002, p. 78). Fundamentado nessas preocupações, ele elabora uma outra

cadeia de transposição, mais detalhada, a partir de práticas que podem auxiliar na

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 91

compreensão desse processo, enfatizando a relevância dessas discussões para a formação

profissional:

TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA A PARTIR DE PRÁTICAS

(PERRENOU, 2002, p. 78)

Essa ampliação ocorre devido à multiplicação das etapas intermediárias de

transposição. Tal detalhamento permite identificar os desvios que ocorrem em cada etapa da

transposição, por exemplo, a realidade de um currículo em sala de aula (currículo real)

apresentar “desvios” em relação ao currículo prescrito (currículo formal), “de

empobrecimento, de acréscimos selvagens e de interpretações muito pessoais em qualquer

plano de formação” (PERRENOUD, op. cit., p. 79).

Em síntese, pode-se dizer que a questão da transposição se evidencia como algo

didaticamente factual, que ocorre enquanto processo natural do percurso que faz o saber desde

sua origem, nas práticas sociais, até ser aprendido pelo aluno em sala de aula. Necessário se

faz analisá-la enquanto processo de construção de conhecimentos, sabendo que não se trata de

“fabricar transposição didática”, quer para saberes teóricos, quer para saberes práticos, mas

Práticas sociais

Observação e descrição detalhada das práticas

Identificação das competências utilizadas nas práticas

Análise dos recursos cognitivos mobilizados (saberes, etc)

Hipóteses quanto ao modo de gênese das competências em situação de formação

Dispositivos, situações, conteúdos planejados da formação = currículo formal

Dispositivos, situações, conteúdos planejados da formação = currículo real

Experiência imediata dos formandos

Aprendizagens duradouras dos formandos

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 92

que é preciso desvendá-la em toda a sua complexidade, para que se compreenda a formação

profissional com mais abrangência, não apenas restrita à transposição de conteúdos

institucionalizados pela academia.

Após essas discussões, consideramos necessário retomar o que afirmamos na

introdução (item III) sobre didatização de saberes. Partimos inicialmente da compreensão de

transposição didática, especificamente como a definiu Bronckart & Giger (1998) ao afirmar

que esse processo ocorre, de modo geral, como um movimento em etapas, analisando as

transformações que sofrem um conteúdo ao ser objeto de ensino. Entretanto, neste trabalho,

estamos denominando a transposição didática, processo que descreve as mudanças do saber

de referência a ser ensinado, de didatização, por entendermos que essas mudanças,

alterações, reformulações não ocorrem apenas em relação aos saberes de referência,

acadêmicos – conforme está disseminado nos estudos sobre a transposição didática –, mas

também com os vários saberes de diversas instâncias que são mobilizados e que se tornam

outros em relação ao saber a ser ensinado em sala de aula. A didatização considera, portanto,

a mobilização dos diversos saberes a que o saber a ser ensinado estaria subordinado como os

saberes acadêmicos, curriculares, do senso comum, das políticas públicas como os PCN, da

instituição escolar, os saberes experienciais do professor etc. Conceito recentemente adotado

também por Magalhães (2005).

Assim, são importantes, para nosso trabalho, as contribuições de Perrenoud sobre

saberes, formação do professor e sobre as cadeias da transposição que nos mostram o percurso

de um dado conhecimento, desde seu surgimento nas instâncias de produção de saber,

passando pelo que dele se seleciona para se ensinar, até o conteúdo que de fato foi ensinado,

conforme especificamos nesse item. Além dessas, são relevantes as incursões teóricas de

Tardif, Gauthier, Schön, dentre outros, sobre saberes e formação do professor reflexivo os

quais comentaremos adiante. Dessa forma, consideramos o termo didatização de saberes,

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 93

mais amplo e apropriado para o que acontece com um saber ao ser objeto de

ensino/aprendizagem em sala de aula.

2.2. A didatização de saberes para uma formação profissional reflexiva

Conforme vimos nas discussões sobre a transposição didática, não há mais como

relevarmos essas reflexões sobre o ensino. Portanto, necessário se faz, trazê-las para o âmbito

da formação profissional.

Os estudos sobre o processo de didatização de saberes vêm nos mostrar que a

formação do professor, seja ela inicial ou continuada, não deve apenas ser concebida apenas

como espaço de discussão e transmissão de teorias. Uma vez que o professor didatiza saberes

em sala de aula e que não se aprende nem se ensina didatização, é preciso que o professor

esteja consciente desse processo e cumpra a sua função buscando o desenvolvimento de suas

competências, que serão adquiridas numa formação crítico-reflexiva.

Contribuições como as de Freire (1988/1997), que questiona a educação bancária e

sistematiza a pedagogia da autonomia, e de outros, citados neste trabalho, que, direta ou

indiretamente ampliam a compreensão da relação teoria/prática, e da didatização e da

construção de saberes em sala de aula, como Schön (1983); Gauthier (1998); Perrenoud

(2000a, 2000b; 2002); Tardif (2002); Rajagopalan (2003), Magalhães (2004), enfatizam a

necessidade de se formar um profissional reflexivo, capaz de exercer seu ofício com

eficiência e sendo atuante na formação da cidadania. Para isto, é imprescindível que se lhe

conceda uma formação profissional em que saberes práticos e teóricos tenham a mesma

valorização e espaço para reflexão. Dessa forma, é consensual entre esses e outros

pesquisadores que a formação de um profissional habilitado e reflexivo não requer apenas que

se ofereça ao professor informações teóricas, saberes acadêmicos da sua área profissional,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 94

prática ainda muito usual. É preciso proporcionar-lhe a vivência de situações que gerem

experiências, fazendo-o refletir sobre o fazer profissional, encontrando saídas alternativas

para os possíveis problemas das situações pedagógicas. Dentre esses estudos sobre a formação

do professor reflexivo, há uma polêmica estabelecida quanto à separação entre os saberes

considerados teóricos e os considerados práticos (TARDIF, 2002). Essa separação tem

construído profissionais inaptos ao ofício, pois não se aprende teorias sem relacioná-las e

vivenciá-las na prática. Mas, reflitamos um pouco para entendermos essa dicotomização. Essa

visão se baseia no princípio socrático de que tudo começa por uma definição, perspectiva que

consiste em considerar a teoria como sendo uma pré-condição para que a prática exista.

Entretanto, não se pode separá-los devido à relação intrínseca entre ambos - o saber teórico

certamente vem do prático e a ele se relaciona.

Segundo Rajagopalan (2003), a tendência a se fazer esta distinção, vendo-os de forma

dicotômica, deu ao saber teórico o status de primazia sobre o prático. E isto ocorreu,

principalmente, devido ao fato de o saber teórico se originar nos centros de pesquisas e de

divulgação científica.

A justificativa histórica para essa supremacia foi enfatizada, ao longo do tempo, pela

mudança da função do professor na sociedade. Nos séculos XIV e XV o professor era

caracterizado por ser o produtor do saber, dos conhecimentos teóricos, quem ensinava a

gramática era também o gramático, não havia diferença entre o produtor do saber filosófico,

físico e aquele que ministrava a aula de filosofia, física etc. A mudança ocorre no

mercantilismo (séc. XVII), devido à proposta de expandir a escola para todos, em que da

função de produtor do saber o professor passa a transmissor. Dessa forma, ele não mais

precisa produzir o saber, mas precisa saber o saber produzido, dar conta dos conhecimentos

de sua área de atuação, saber transmiti-los (GERALDI, 1997, p. 86-87). Ambas as

perspectivas caracterizam a atuação do professor como o domínio do saber teórico,

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 95

institucionalizado. A tradição escolar ajudou a cristalizar a necessidade, primeiro, da

aquisição de saberes teóricos para, depois, se adquirirem os práticos. A distribuição das

disciplinas nos cursos de licenciatura até a década de 90 do século XX, obedecia, na maioria

dos cursos, a essa sistematização. Primeiro as disciplinas teóricas, depois as práticas,

oferecidas nos últimos semestres do curso. Nesse sentido, é de muita relevância para os cursos

de Licenciatura analisar as bases que fundamentam as disciplinas de Estágio Supervisionado e

as de Prátricas de Ensino para que se oportunizem aos alunos-professores a vivência de sabres

não só teóricos, mas experienciais, in loco, além de uma formação reflexiva quanto ao

planejamento dos conteúdos a serem didatizados nas aulas.

Ainda analisando as causas históricas para a dicotomia teoria/prática, Oakeshott

(1962/1991 apud RAJAGOPALAN, 2003, p. 109) denomina essa relação de conhecimento

técnico e conhecimento prático, embora os conceba inseparáveis. Segundo este autor, ao

longo da história, houve uma supervalorização do pensamento racional que se intensificou,

especialmente, na sociedade moderna, em nome da razão e do racionalismo (inspirados no

Iluminismo, século XVIII), que gerou a ilusão de que o saber técnico é anterior e superior ao

conhecimento prático e de que o conhecimento prático está embutido, de forma latente, no

conhecimento técnico. Ilusão essa que tem raízes também na idéia de que o conhecimento

técnico, segundo Oakeshott, é auto-suficiente, autônomo, totalmente desvinculado da vida,

isolado de outros saberes, “se adquire de forma consciente, e é, em seguida, posto em prática.

É um conjunto de diretrizes padronizadas e explicitadas em fórmulas sucintas, destinadas a

serem válidas para todos os tempos, lugares e condições” (OAKESHOTT, 1991 apud

RAJAGOPALAN, 2003, p. 108). Como exemplo, cita as normas para motoristas, os

procedimentos de verificação e experimentação para a pesquisa em ciências naturais, dentre

outros.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 96

Quanto ao conhecimento prático, ele é apenas aplicado e não pode ser elaborado na

forma de regras rígidas “ele não pode ser ‘transportado’ de um lugar para outro. Não é um

saber a ser ensinado, uma vez que não é mensurável. Só pode ser adquirido através do contato

contínuo, isto se praticado por um longo período” (OAKESHOTT, op. cit. p. 108). Já o

conhecimento técnico surge como um “resumo da atividade concreta,” portanto, o

conhecimento prático não está de forma embutida no conhecimento técnico. Daí, Oakeshott

conclui que um tipo de conhecimento influencia o outro e para compreender essa vinculação é

preciso repensar a relação teoria/prática não como sendo binômio, mas como

complementaridade de uma em relação à outra, uma vez que não existe prática sem teoria,

nem teoria que não tenha surgido de uma prática.

Gauthier (1998) também defende a interrelação teoria-prática, porém seus estudos se

restringem à área de ensino. Para ele, o saber não é apenas o saber subjetivo, reduzido a

simples atividade do juízo, do raciocínio individual, mas alcança o terreno da

intersubjetividade na relação com o outro, principalmente por ser um produto social. Para

Gauthier, um dos aspectos importantes dessa relação intersubjetiva é saber argumentar. Nessa

perspectiva, a argumentação é entendida como o lugar do saber, como uma atividade

discursiva por meio da qual o sujeito tenta validar uma proposição ou uma ação sua

(GAUTHIER, 1998, p. 334). Ou seja, o saber surge como uma construção coletiva de

natureza lingüística, oriunda da troca entre os agentes professor/aluno, professor/professor,

aluno/aluno. No ensino, isto significa saber justificar as ações que se tomam quando se está na

prática. Desse modo, o saber não deve ser compreendido como uma emanação da dedução ou

da indução. Ele é, antes de tudo, o resultado de uma produção social e, por isso mesmo, está

sujeito às revisões e às reavaliações que podem ir até a sua refutação completa. Assim, o saber

não se reduz ao sujeito, aos pensamentos, nem à extração de leis contidas, mas a uma

atividade discursiva, social e intersubjetiva (GAUTHIER, op. cit. p. 339).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 97

Partindo da concepção que considera a argumentação como lugar do saber, Perelman

(1970, p. 183, apud GAUTHIER, op. cit., p. 347) divide o raciocínio em dois tipos: o

raciocínio teórico e o raciocínio prático. O primeiro se caracteriza por uma inferência que leva

a uma conclusão a partir de uma ou de várias premissas. O segundo pode ser sucintamente

entendido como o raciocínio que justifica uma decisão. Com base nessa perspectiva de

Perelman, Gauthier (1998) afirma que a prática pedagógica de sala de aula é muito complexa

para contar unicamente com saberes formalizados, saberes de referência, perspectiva

defendida também por Tardif (2002) e Perrenoud (2002). Mas é Gauthier (1998, p. 52) que

acrescenta: “...não sendo seu fim primeiro o conhecimento, mas a ação, a prática docente

procede da deliberação prática, não do raciocínio teórico, ou seja, o saber predominante na

ação do professor é um saber racional prático”. Por essa definição, vê-se que o raciocínio

prático implica em tomadas de decisões em situações de urgência em sala de aula. Também

pressupõe que as escolhas e decisões imediatas que o professor é chamado a tomar não são

totalmente arbitrárias, nem totalmente controladas, são decisões práticas que o professor toma

em função de tudo o que já sabe, de seus valores, de sua história e da situação de interação

social (a sala de aula).

Nessa mesma perspectiva de conceber a interrelação teoria/prática e analisando a

existência dos saberes que envolvem a prática dos professores, Tardif (2002, p. 11) estabelece

a articulação entre aspectos individuais e sociais desses saberes e assevera que “o saber se

assenta na idéia de que é social, embora sua existência dependa dos professores (mas não

somente deles) enquanto atores individuais empenhados numa prática”. Entretanto, o saber

dos professores está na interface entre o individual e o social e sua abordagem sobre eles foge

a duas tendências denominadas de mentalismo e sociologismo: ao mentalismo, por reduzir os

saberes a processos mentais que têm como suporte a atividade cognitiva dos indivíduos

(crenças, representações, imagens, processamentos de informações, esquemas etc); e ao

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 98

sociologismo, por essas correntes teóricas procurarem eliminar totalmente a contribuição dos

sujeitos na construção concreta do saber, como se ele fosse um mero reprodutor de ideologias,

tendências, lutas profissionais. Assim, o saber é caracterizado como social por vários

aspectos. Primeiramente, por ser partilhado por todo um grupo de agentes (os professores,

programas de disciplinas, materiais, regras do estabelecimento etc), em segundo lugar, por sua

posse e utilização repousarem sobre um sistema que garante a sua legitimidade e orienta a sua

definição e utilização pelas universidades, administração escolar, sindicatos, associações

profissionais, grupos científicos, Ministério da Educação etc; em terceiro lugar, por seus

“objetos” serem “objetos” sociais: os sujeitos, manifestando-se através de relações complexas

entre o professor e seus alunos, como afirma Tardif (2002, p. 13-14) “Ele, o professor,

trabalha com sujeitos e em função de um projeto: transformar os alunos, educá-los e instruí-

los”; em quarto lugar, o saber ainda se caracteriza como social pelo fato de ser ensinado e a

maneira de ensiná-lo também evoluir com o tempo e de acordo com as mudanças sociais; e,

por último, o saber do professor é social “por ser adquirido no contexto de uma socialização

profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos e das fases

de uma carreira” (TARDIF, op. cit., p. 13-14).

Dessa forma, a formação profissional do professor é constituída por um conjunto de

saberes diferentes, chamados de docentes, que se incluem nos seguintes grupos de saberes:

disciplinares, curriculares e experienciais, denominados de saber plural por Tardif (2002, p.

36-39). Os saberes oriundos da formação profissional (conjunto de saberes transmitidos pelas

instituições de formação de professores, escolas normais ou faculdades de ciências da

educação) são denominados de saberes disciplinares. Nesses saberes estão incluídos, também,

saberes das ciências da educação e da ideologia pedagógica que são chamados de saberes

pedagógicos porque:

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 99

(...) apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexõessobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais enormativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes derepresentação e de orientação da atividade educativa (TARDIF, op. cit. p.37).

São exemplos de saberes pedagógicos as doutrinas da “escola nova”, da pedagogia

“at iva” por apoiar-se na psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento para justificar suas

asserções normativas e que, por um lado, apresentam sempre um aspecto ideológico sobre a

profissão e, por outro, apresentam algumas formas do saber-fazer e algumas técnicas. Além

dos saberes das ciências de educação e dos pedagógicos, ao didatizar um conhecimento, o

professor mobiliza, em seu ofício, outros saberes como os disciplinares que correspondem aos

saberes dos diversos campos do conhecimento, que emergem da tradição cultural e dos grupos

produtores de saberes e se apresentam sob a forma de disciplinas no interior das instituições

de formação. Esses são também chamados de saberes científicos, eruditos ou de referência e

são adquiridos, principalmente, em contato com instituições ou cursos de caráter formador, na

formação inicial e/ou em serviço.

Outros saberes mobilizados são os saberes curriculares que correspondem àqueles

selecionados pela instituição escolar, que definem o modelo da cultura erudita e de formação

para a cultura erudita e são apresentados sob a forma de programas escolares. Já Os saberes

experienciais ou práticos são os específicos, adquiridos e desenvolvidos pelos professores no

exercício e na prática de suas funções, com base em seu trabalho cotidiano e no conhecimento

de seu meio. São constituídos pelas experiências individuais e coletivas sob a forma de

habitus e de habilidades do saber-fazer do professor.

Além desses, há, ainda, os denominados de saberes do senso comum, que tanto podem

se referir aos saberes adquiridos na observação e experiência prática, como aqueles que,

inicialmente oriundos da academia, se vulgarizaram, tornaram-se idéias generalizadas nas

práticas escolares e sociais, e, por serem aceitos como verdade, não são questionados. São

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 100

saberes que se cristalizaram, e, pelo próprio processo de didatização, geralmente, se

apresentam resumidos, incompletos em relação à teoria que os embasa, quando não

distorcidos. Um exemplo desse saber é a concepção de que para formar leitores basta que o

professor tenha o hábito da leitura, restringindo todas as práticas didático-pedagógicas de

formação do leitor a uma atitude do professor, certamente necessária, educativa, mas não a

única determinante para se formar leitores. Todos esses saberes, incluindo os culturais que

envolvem a subjetividade do professor, os saberes técnicos, os didático-pedagógicos

adquiridos nas formações acadêmicas e nas experiências enquanto aluno ou diariamente nas

salas de aula, ao longo dos anos, juntam-se e constituem o saber-fazer, as competências e as

habilidades do professor (TARDIF, 2002; PERRENOUD, 2002). De modo resumido, Tardif

(2002, p. 63) apresenta um quadro com os saberes dos professores, as fontes de aquisição e o

modo de integração desses saberes no trabalho docente:

QUADRO 1 – Os saberes dos professores

SABERES DOSPROFESSORES

FONTES SOCIAIS DEAQUISIÇÃO

MODOS DE INTEGRAÇÃONO TRABALHO DOCENTE

Saberes pessoais dosprofessores

A família, o ambiente de vida, aeducação no sentido lato, etc.

Pela história de vida e pelasocialização primária

Saberes provenientes daformação escolar anterior

A escola primária e secundária,os estudos pós-secundários nãoespecializados, etc.

Pela formação e pelasocialização pré-profissionais

Saberes provenientes daformação profissional para omagistério

Os estabelecimentos deformação de professores, osestágios, os cursos dereciclagem, etc.

Pela formação e pelasocialização profissionais nasinstituições de formação deprofessores

Saberes provenientes dosprogramas e livros didáticosusados no trabalho

A utilização das “ferramentas”dos professores: programas,livros didáticos, cadernos deexercícios, fichas, etc.

Pela utilização das“ferramentas” de trabalho, suaadaptação às tarefas

Saberes provenientes de suaprópria experiência na profissão,na sala de aula e na escola

A prática do ofício na escola ena sala de aula, a experiênciados pares, etc.

Pela prática do trabalho e pelasocialização profissional

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 101

Este quadro evidencia dois fenômenos importantes que as pesquisas, feitas por esse

autor, sobre saberes docentes revelaram: todos esses são saberes utilizados pelos professores

em sala de aula; eles são caracterizados pelo sincretismo, principalmente porque não

apresentam uma unidade teórica em seu conjunto.

Sincretismo também significa que a relação entre os saberes e o trabalho docente não

pode ser vista de forma aplicacionista da racionalidade técnica, que consiste em dar um

repertório de conhecimentos prévios para depois aplicá-los, vendo de forma dicotômica a

relação teoria/prática. E, por último, deve-se entender ainda que o ensino, a prática

profissional exige do professor a utilização de um leque de saberes que ele denomina de

compósitos (a utilização no agir de vários tipos de juízos práticos para orientar e estruturar sua

atividade profissional), por exemplo, o fato de o professor se basear em valores morais ou

normas sociais para tomar decisões (TARDIF, op. cit., p. 65-66). Acrescentando, Tardif

afirma:

Nesse sentido, o saber profissional está de um certo modo, na confluênciaentre várias fontes de saberes proveniente da história de vida individual, dasociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares deformação, etc. (TARDIF, 2002, p. 64).

Relacionando essas observações com a noção de didatização, vê-se que os professores

não contam unicamente com saberes formalizados para orientar sua ação e que todo

conhecimento teórico ao ser didatizado sofre alterações. Portanto, saber prático e teórico estão

interrelacionados.

Nessa perspectiva, Perrenoud (2002, p. 88) nos lembra que “um saber fazer não é um

saber sobre o fazer, mas uma disposição interiorizada, construída por vezes laboriosamente,

que nos dá o domínio prático da ação, um saber como fazer. Ele é o resultado de um

treinamento regular e intensivo”. E acrescenta que o saber-analisar é um savoir-faire,

entendido nesse sentido.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 102

Assim, o saber-fazer do professor não se constrói simplesmente ao se dominar um

saber teórico. Tanto Gauthier (1998), Tardif (2002) como Perrenoud (2002) concordam que é

necessária a compreensão de que saber e fazer não podem estar distanciados. Essas discussões

nos mostram o quanto se subestimou o saber prático surgido da experiência do professor e

como se supervalorizou o saber teórico, produzido nas academias. Geralmente não são

considerados como material de reflexão e de aquisição de experiência na formação

permanente do professor a sua prática construída ao longo de sua experiência, o seu saber

plural - oriundo de várias fontes como a formação profissional, os saberes disciplinares e

curriculares e os experienciais, como afirma Tardif (2002, p. 33). É preciso que a formação

profissional articule os conhecimentos produzidos pelas universidades sobre ensino e sobre os

saberes desenvolvidos pelos professores em seu trabalho cotidiano. Além de ser social, o

saber do professor também se caracteriza por ser temporal, inicialmente porque é adquirido

num contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. Isto significa dizer,

segundo Tardif (op. cit. p. 20), que “ensinar supõe aprender a ensinar, a dominar

progressivamente os saberes necessários à realização da prática docente”, o que requer tempo.

Para que a formação atinja o objetivo maior de preparar o professor é importante

somar saberes e desenvolver uma postura reflexiva. Essa reflexão permitirá ao professor

desenvolver-se, à medida que é convocado a analisar o que faz e refletir sobre as teorias que

embasam a sua prática, ao invés de apenas receber informações ou aprender técnicas de

ensino vindas de uma proposta pedagógica que se pauta em assimilar conteúdos para aplicá-

los em sala de aula. A abordagem reflexiva estuda ainda os conflitos de ensino/aprendizagem

e a construção do conhecimento em sala de aula, privilegiando a autonomia, a experiência e a

relação do professor com o conhecimento teórico e prático.

Freire (1997, p. 43) apresenta a necessidade da reflexão crítica sobre a prática, ou seja,

sobre a atuação do professor em sala de aula, como um dos saberes indispensáveis à prática

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 103

educativa. Segundo ele, ensinar exige criticidade, curiosidade como inquietação indagadora

que se apresenta como um movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Há

ainda quem defenda, por exemplo, a necessidade de uma formação teórico-crítica através da

pesquisa-ação, por entender que o professor não é um repassador de métodos de ensino ou de

conhecimentos (MOITA-LOPES, 1994, p. 329-338), e que, por isso mesmo, deve ser

orientado para que reflita sobre sua própria atuação e a dos alunos e sobre como se constrói o

saber em sala de aula, vendo-o enquanto processo produzido na interação com os alunos. A

atitude ou prática reflexiva permitirá ao professor perceber que por trás de todas as suas

decisões metodológicas, sejam elas refletidas ou não, há uma teoria.

Donald Schön (1983, p. 61-70), um dos pioneiros do estudo sobre reflexão, analisou a

ligação entre reflexão e ação, e sua contribuição maior se deu na oposição que fez entre o

modelo da racionalidade técnica e o conhecimento prático, dando ênfase a este, pois, segundo

ele, o conhecimento prático está caracterizado por três processos de reflexão: reflexão-na-

ação (que consiste no processo de pensar sobre a ação no momento em que ela ocorre);

reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação (que implicam em um

distanciamento temporal entre a ação e o momento da reflexão e se caracteriza por uma

análise que o indivíduo faz, a posteriori, sobre as características da sua própria ação). Toda

essa tendência converge para uma nova formação: a do professor crítico, que ousa decidir,

inovar, que reflete sobre sua prática e seus conhecimentos, que age com ética, procurando não

repetir modelos e propostas metodológicas, mas ao refletir sobre elas e sua atuação cria,

constrói novos conhecimentos com os alunos.

Esta posição também é enfatizada por Perrenoud (2002, p. 79-81), ao mostrar que

todos os planos da cadeia das práticas (cf. item 2.2) se referem ao profissional reflexivo nas

intenções. A postura reflexiva mobiliza saberes teóricos e metodológicos que, não se

reduzindo a eles, pertencem ao âmbito das disposições interiorizadas, como as competências,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 104

a relação reflexiva com o mundo e com o saber, a curiosidade, as atitudes e a vontade de

compreender. Entretanto, Perrenoud (2002, p. 52) afirma ser necessário o empenho do

professor, o interesse para libertar-se da preguiça intelectual e disponibilizar-se à prática

reflexiva, já que uma atividade essencial nessa conquista é a aquisição de saberes teóricos ou

de referências. Isto se faz necessário porque o conhecimento se desenvolve em rede, através

das quais se constroem campos conceituais que possibilitam fazer reflexões entre saberes,

inclusive os da prática (PERRENOUD, 2002, p. 52). Outra atitude é a utilização do diálogo

constante como método de discussão com outros profissionais, no próprio ambiente de

trabalho e/ou na formação em serviço. O professor-formador é o responsável pelo equilíbrio

nas discussões entre crenças, valores, experiências e princípios pedagógicos sobre como

ensinar, atuando de forma crítica na prática. Para isto, ele deve criar espaços para a integração

dos elementos que atuam na formação do professor e ter como uma das metas do

desenvolvimento colaborativo unir as experiências que o professor-estagiário ou em formação

traz consigo às que estão procurando se desenvolver na ação pedagógica. Nesse processo,

levam-se em conta as potencialidades do professor e suas experiências anteriores como

aprendiz da língua, seus conhecimentos e sua maneira de ensinar (LANSLEY, 1994, apud

ORTENZI, 1997, p. 627).

Assim, a prática reflexiva torna-se uma ferramenta de extrema utilidade na formação

do professor, principalmente por lhe permitir tomar consciência do processo de didatização ao

qual está inserido, de modo que ele seja o sujeito de sua ação pedagógica e não apenas mero

transmissor de conteúdos.

Diante dessas reflexões, consideramos relevante para nosso estudo, procedermos a

uma análise, mesmo que não exaustiva, sobre a proposta apresentada pelos PCN-LP com o

objetivo de compreender como os saberes desse documento, em particular, como a proposta

para o ensino de língua materna tem sido entendida por professores. Para isso, abordaremos, a

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 105

seguir, os primeiros estudos que se preocuparam em analisar a transposição didática desses

documentos.

2.3. As primeiras abordagens sobre transposição didática dos PCN-LP

Após a criação e divulgação dos PCN, alguns estudos têm se preocupado em analisar

como os conceitos da perspectiva lingüística defendida por esses Parâmetros são transpostos

didaticamente em cursos de formação e em currículos, ou ainda, como os seus interlocutores

os compreendem.

De certa forma, essa preocupação vem expressa em seu documento introdutório, que

apresenta quatro níveis de transposição, através dos quais os PCN podem dialogar com as

diversas instâncias que permitem a sua realização, orientando nas ações: a) de política

educacional em curso de formação inicial e continuada de professor, na análise de livros e de

outros materiais didáticos e na avaliação nacional; b) no âmbito das instâncias educativas

oficiais estaduais e municipais, dialogando com as propostas, documentos e experiências já

existentes para a elaboração de currículos; c) para a elaboração de projetos educativos

escolares, e d) na realização de currículo em sala de aula, incluindo planejamento de aulas,

distribuição de conteúdos, definição de orientações didáticas, seleção do material a ser

utilizado, planejamento de projetos e sua execução (PCN, Introdução, 1997, p. 36-38).

Trabalho pioneiro nos estudos da transposição didática dos PCN-LP tem sido o de

Rojo (2000), que, no grupo de estudos do LAEL/PUC – SP, vem pesquisando sobre esse

documento quanto à compreensão dos conceitos abordados no que se refere à organização de

programas de ensino, propondo também a construção de currículos plurais, a preparação e uso

de material didático e a utilização de procedimentos de sala de aula. Para essa autora, o fato

de os PCN buscarem parametrizar referências nacionais para as práticas educativas não deve

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 106

impedir que se pense sobre os currículos já em andamento em vários estados e municípios,

uma vez ser proposta dos PCN adequá-los às necessidades e características sócio-políticas e

regionais de cada Estado, devendo ser tais currículos, por isso mesmo, elaborados pelas

próprias escolas, tendo os PCN como referência. Dessa forma, uma análise sobre a

transposição didática dos PCN permitirá não só refletir sobre a prática do professor, mas

também verificar as mudanças ocorridas e as dificuldades enfrentadas por esses profissionais

na didatização dos conteúdos sugeridos.

Após analisar a organização da progressão curricular apresentada pelos PCN e a

transposição didática em sala de aula, Rojo (2000)23 aponta algumas das principais

dificuldades que envolvem a formação dos professores e se refletem na transposição desta

proposta. Dentre as dificuldades apontadas (cf. capítulo anterior, item 1.3.) está a

compreensão da teoria da enunciação, especificamente de gêneros do discurso, que embasam

a concepção de linguagem e ensino de língua dos PCN-LP, principalmente porque, segundo

essa autora, a proposta desses documentos se contrapõe e discrimina teorias textuais e

cognitivas, desenvolvidas em outros discursos de formação na rede pública há mais tempo, às

quais os professores estão, de certa forma, mais acostumados.

Como solução imediata para essas dificuldades, Rojo afirma ser necessária a

elaboração de textos de divulgação com os conteúdos a serem estudados nos programas de

formação, principalmente para se discutir com maior precisão sobre o ensino de gramática no

que se refere às atividades metalingüísticas e epilingüísticas sugeridas pelos PCN-LP, como

também sobre a descrição dos gêneros discursivos quanto à sua situação de produção, temas,

forma composicional e marcas lingüísticas.

23 Para maiores esclarecimentos ver “Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressãocurricular e projetos” In: A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs , Roxane Rojo (org.), -São Paulo:EDUC; Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 107

É importante lembrar que os estudos de Rojo (2000) apenas analisam nos PCN (1998)

e não no programa Parâmetros em Ação (1999), elaborado pelo próprio MEC para os 1º e 2º

ciclos, que visa favorecer aos professores, desse nível, a compreensão da abordagem teórico-

metodológica dos PCN e dos conteúdos transversais a serem estudados em formação em

serviço. O módulo de Língua Portuguesa do PA propõe atividades de leitura, produção

textual, reescrita de textos e análise lingüística, como demonstraremos a seguir.

2.4. A proposta de didatização dos PCN: O Programa Parâmetros em

Ação – Módulo 4: Para formar alunos leitores e produtores de

textos

Faremos, neste item, uma descrição geral da estrutura do PA, vendo-o como uma

proposta de didatização inicial dos PCN, sem nos aprofundarmos em questões teóricas, uma

vez que o capítulo anterior (cf. itens 1.3., e 1.4.) refere-se à discussão da proposta teórico-

metodológica dos PCN de Língua Portuguesa, como também apresenta algumas críticas à sua

aplicação. Nesse sentido, consideramos os PA uma didatização dos PCN principalmente

porque ele busca sensibilizar os professores para praticar os PCN através de vários saberes

apresentados nas várias sequências de atividades dos módulos.

Após a elaboração não só dos PCN (1995-1998), pela Secretaria de Ensino

Fundamental do MEC (SEF/MEC), como dos Referenciais para a Educação Indígena,

Educação Infantil, Educação de Jovens e de Adultos e Formação de Professor, gerou-se uma

discussão nacional em torno da validade e implementação desses documentos. Preocupada em

impulsionar o desenvolvimento profissional dos professores, dando-lhes condições de

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 108

implementá-los, a SEF/MEC organizou um programa que envolve um conjunto de ações24

voltadas para diferentes segmentos da comunidade educacional (professores, equipe técnica,

diretores de escolas e/ou creches) que estão sendo desenvolvidas em parceria com as

Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, escolas de formação de professores em nível

médio e superior e organizações não-governamentais - ONGs. Uma dessas ações foi a criação

do programa Parâmetros em Ação (PA), em 1999, que tomou para si a função de “facilitador”

dos PCN.

Consideramos a criação do programa Parâmetros em Ação para o primeiro e segundo

ciclos do ensino fundamental importante, principalmente, porque procurou atender a dois

objetivos para a educação após o lançamento dos PCN. Um deles é ser uma proposta de

Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado que procura desenvolver

competências pessoais e profissionais dos professores com base nos PCN, mobilizando as

Secretarias de Educação para a execução dessas ações na educação. Outro objetivo é propiciar

a didatização dos PCN enquanto proposta teórico-metodológica para a sala de aula. Para o

ensino de língua portuguesa, ele se apresenta como facilitador das teorias recentes nos estudos

da língua, linguagem e de outras áreas de saberes, muitas delas identificadas pelas críticas aos

PCN como sendo um dos maiores obstáculos à sua compreensão e, conseqüentemente, a sua

didatização (cf. 1º capítulo).

Desse modo, o PA didatizam os PCN ao incentivar o desenvolvimento profissional,

através de reflexões sobre o papel atual da escola e do professor na nossa sociedade, buscando

uma ação pedagógica voltada para a formação da cidadania. Também didatiza os conteúdos

24 As ações são: “distribuição e implementação, nos estados e nos municípios, dos Referenciais para a Formaçãode Professores; apoio às equipes técnicas das SEC para a implementação de programas de formação continuada;orientação às unidades escolares na formulação e no desenvolvimento de seus projetos educativos; elaboração denovos programas da TV Escola; realização de seminários sobre formação de formadores em parcerias com asuniversidades e outras instituições; apoio aos estados e aos municípios interessados na reformulação de planos ecarreiras; criação de pólos de apoio técnico-operacional para educação infantil e para o ensino fundamental nasdiferentes regiões do País; elaboração e divulgação de módulos orientadores de estudos dos parâmetrosreferenciais curriculares nacionais - o Parâmetros em Ação.” (PA, 1999, p. 7).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 109

desses parâmetros através de orientações teórico-metodológicas para o estudo em grupo,

trazendo princípios que norteiam o trabalho dos professores em sala de aula.

Este programa é constituído por 11 módulos, incluídos em um único caderno,

denominados: 1) Para que serve a escola?; 2) Ser professor e ser aluno; 3) A ética na vida

escolar; 4) Para formar alunos leitores e produtores de textos; 5) Novos desafios para ensinar

e aprender Matemática; 6) Fazer arte na escola; 7) O ensino de Geografia e o conhecimento

do mundo; 8) Ensino e aprendizagem de História nas séries iniciais; 9) Ciências: criança

curiosa é criança sabida; 10) A educação Física é para todos; e 11) O grupo-classe: seu tempo,

seu espaço. Há módulos de 16h e de 12h formando um total de 140h, podendo ser ampliadas,

dependendo das necessidades dos grupos de estudo.

A implementação do PA pelas Secretarias de Educação atende à solicitação do MEC,

que, ao mesmo tempo, exige a implementação do Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (RCNEI) em suas instituições. Ou seja, para que as SEC recebam “o pacote

de formação” do PA, devem “optar” pelo RCNEI, o que deixa os municípios sem opções de

escolha, no dizer de Cerisara (2002, p. 342-343).

Embora essa medida do MEC favoreça a implantação de uma política de formação em

serviço nos municípios, não há muitas perspectivas de que essa formação avance e continue

por muitos anos, principalmente por serem poucos os recursos destinados a esses programas,

(o que exige das SEC disponibilizarem seus parcos recursos para esse fim) e por essa

formação não proporcionar mudanças de carreira e salários, desestimulando a participação

dos profissionais da educação.

Ao participarmos do I Encontro Estadual de Avaliação do Programa Parâmetros em

Ação da PB, constatamos que os objetivos apresentados pelos representantes do PA nesse

Estado mais se relacionavam a políticas de implementação de formação continuada pelas SEC

do que a didatização de conteúdos dos PCN. Definiu-se, como objetivo geral para o programa

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 110

PA, impulsionar a criação de políticas de desenvolvimento profissional permanente nos

sistemas de ensino e, como objetivos específicos25:

1. Impulsionar nos sistemas de ensino o início de novas práticas deplanejamento e de gerenciamento de seus recursos humanos e materiaispara a formação de professores na perspectiva de formação profissionalpermanente;

2. Incentivar a articulação entre as SEC valorizando a capacidade de ação emobilização dos municípios pequenos para promover a formação dosprofessores;

3. Fortalecer a atuação dos sistemas de ensino para que superem a tradiçãode descontinuidade das ações de formação provocadas pelas mudançasadministrativas;

4. Conscientizar sobre a necessidade de valorização da profissão deprofessor já que traz condições de trabalho e de rever planos de carreirasalarial;

5. Implementar uma cultura de formação continuada nas secretarias e nasescolas e de grupos de estudo, criar uma cultura de formação continuada;

6. Mobilizar o interesse de instituições formadoras, principalmente deuniversidades e das secretarias para o desenvolvimento de práticasarticuladas de formação (as parcerias);

7. Valorizar e propor o uso da leitura como instrumento dedesenvolvimento profissional;

8. Valorizar a escrita e criar situações para o seu uso como instrumento dedesenvolvimento profissional do professor;

9. Valorizar o trabalho coletivo e propor experiências que favoreçam acompreensão da importância dessa prática no cotidiano institucional;

10. Possibilitar a vivência de processos ativos de aprendizagem de modo queos professores possam transferi-la para a atuação junto aos alunos.

De modo geral, os seis primeiros objetivos incidem na organização e implementação

de formação permanente pelas próprias secretarias, os demais na didatização de conteúdos da

formação do PA. Segundo os representantes do Programa, estes objetivos foram se delineando

na própria prática de andamento do PA e a sua implementação, pelos municípios, foi se dando

por adesão. Cada município preenchia um termo de adesão que explicava o andamento da

implantação e as ações das SEC.

25 Estes dados foram expostos pelas formadoras do programa Parâmetros em Ação do Estado da Paraíba no IEncontro Estadual de Avaliação do PA, na cidade de Lagoa Seca, de 30 a 31 de outubro de 2002. Consideramosde muito valor a iniciativa da SEC do Estado em promover esse evento, pelo nível de discussões sobre o ensino,informações sobre a implementação do PA, em quase todo o Estado e, principalmente pela decisão tomada decontinuar o programa mesmo que o novo governo – 2003 (atual governo Lula) decidisse não financiá-lo mais.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 111

Já os objetivos apresentados no PA, na Parte 1 (p. 09), caracterizam-se mais pela

preocupação com a didatização dos PCN para que sejam, de fato, parâmetros para o ensino.

Vejamos:

1. Apresentar alternativas de estudo dos Referenciais CurricularesNacionais a grupos de professores e a especialistas em educação, demodo que possam servir de instrumentos para o desenvolvimentoprofissional desses educadores;

2. Analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais (Educação Infantil eEnsino Fundamental) elaboradas pelo Conselho Nacional de educação,norteadoras do trabalho das escolas;

3. Contribuir para o debate e a reflexão sobre o papel da escola e doprofessor na perspectiva do desenvolvimento de uma prática deencontros para estudar e trocar experiências e trabalho coletivo nasescolas;

4. Criar espaços de aprendizagem coletiva, incentivando a prática deencontros para estudar e trocar experiências e trabalho coletivo nasescolas;

5. Identificar as idéias nucleares presentes nos Referenciais Curriculares efazer as adaptações locais necessárias, atendendo às demandasidentificadas no âmbito do estado/ município ou da própria escola;

6. Potencializar o uso de materiais produzidos pelo MEC;7. Incentivar o uso da TV Escola como suporte para ações de formação de

professores (PA, 1999, p. 9)

Ao afirmarem “apresentar alternativas de estudo...”, “ analisar as diretrizes....”;

contribuir para o debate...”; identificar idéias....; fazer adaptações....”, encaminham ações que

definem os PA como o propulsor da didatização dos PCN. Isto é, essas orientações permitem

sua adaptação a currrículos e projetos pedagógicos. Como atividades metodológicas, foram

especificadas, nos itens 6 e 7, “potencializar o uso de materiais produzidos pelo MEC” e “o

uso da TV escola”.

Embora o progama PA oriente e estimule a elaboração de projetos pedagógicos,

verificamos que na formação do programa, por nós acompanhada, predominaram ações com

objetivos teórico-metodológicos, ou seja, a preocupação com a didatização dos conteúdos

desse programa com vistas à segunda etapa de formação (com os professores cursistas).

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 112

Foram poucas as atividades vivenciadas que permitiram fazerem-se reflexões sobre a

elaboração de programas e projetos pedagógicos escolares.

Quanto ao público-alvo, o PA se direciona a professores que atuam no primeiro e

segundo ciclos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e a especialistas em educação, como os

diretores de escolas, assistentes de direção, coordenadores pedagógicos ou de área,

supervisores de ensino, técnicos das equipes pedagógicas das secretarias, dentre outros.

Esse documento apresenta, em sua estrutura interna, orientações quanto ao uso do

módulo e atribuições do formador: a apresentação dos tópicos dos módulos; as funções dos

coordenadores gerais e de grupo; além de explicitar sua organização geral. Cada módulo

apresenta seu tempo de duração (variável dependendo do acompanhamento do grupo),

finalidade, expectativa de aprendizagem, os conteúdos, material necessário, textos

complementares e a seqüência de atividades para abordar o seu conteúdo.

O módulo Para formar alunos leitores e produtores de textos, cuja formação será por

nós estudada neste trabalho, segue as orientações teórico-metodológicas dos PCN-LP, que

fundamentam o ensino na perspectiva sócio-histórica (BAKHTIN, 2000) e a leitura na

perspectiva do modelo interacional e do letramento (detalhadas no capítulo anterior).

Todo o módulo de língua é constituído por quatro seqüências gerais de atividades,

cada uma com uma média de 8 atividades, as quais são agrupadas tendo em vista os conteúdos

abordados: seqüência 1 – A relação entre ensino de língua e formação dos alunos; 2 - Para

formar alunos produtores de textos; 3- Para formar alunos leitores; e 4 - O trabalho com a

diversidade textual - condições para formar alunos leitores e produtores de textos. Também

acompanham o módulo, orientações e apresentações de vídeos da TV Escola abordando

alguns conteúdos tratados. Algumas dessas seqüências serão estudadas nos capítulos de

análise.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 113

Dentre as críticas dirigidas por educadores a programas de formação continuada

implementados pelo MEC, uma das principais é a que aponta como falha a formação

caracterizar-se como repasse de conteúdos e métodos de ensino. Se a preocupação de um

programa de formação centrar-se no “aplicar” técnicas e métodos de ensino, a prática

pedagógica desse formador e a formação não se caracterizarão por uma abordagem reflexiva,

pela troca de experiências, mas pelo explicar e repassar, pelo apenas dizer “o como se faz”

das atividades. É necessário que se compreendam as teorias que as embasam, que

caracterizam a nova abordagem, para que se saiba em que esta difere da anterior e por que

mudá-la. A prática do “repasse, do aplicar teorias” tem sua base na concepção dicotômica de

teoria e prática, por fazerem parte de instâncias diferentes: os que produzem o saber, os

conhecimentos teóricos (cientistas e pesquisadores) e os que divulgam, que aplicam as teorias,

no caso da educação, os professores, os práticos (cf. item 2.3).

Outra crítica de ordem estrutural diz respeito à ausência de uma política de

implementação que permita a mudança de quadro e carreira profissional para que os

professores tenham interesse em continuar nesses programas (SOARES, 1997; SILVA &

GENTILLI, 1996).

Em parte, essas críticas procedem, uma vez que alguns desses programas aparecem

com prazos delimitados para serem executados, como se mudanças de perspectivas teórico-

práticas de ensino/aprendizagem ocorressem de forma rápida e imediata. Em geral, não há

uma preocupação para que a formação em serviço seja permanente, predominando a

concepção metodológica de que basta se ter acesso aos conhecimentos propostos nesses

programas e a como se aplicam as estratégias de formação, para que as mudanças objetivadas

no ensino aconteçam.

Entretanto, se entendemos a didatização não como uma simples transferência

automática de conhecimentos, veremos ser necessária uma formação crítico-reflexiva do

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 114

professor, para que ele conceba esse espaço da formação tanto como o do

ensino/aprendizagem de teorias e métodos de ensino, quanto como um lócus onde é levado a

refletir sobre sua própria atuação e a dos alunos. Assim, desenvolverá as competências

profissionais através da aquisição de saberes diversos, na interação teoria/prática, incluindo os

saberes práticos que são construídos em sala de aula.

Em linhas gerais, podemos resumir afirmando que o programa Parâmetros em Ação,

através de uma proposta de formação em serviço, busca possibilitar a compreensão dos

professores sobre os PCN, faz uma reflexão sistematizada sobre práticas de

ensino/aprendizagem, trazendo novas abordagens de ensino à luz dos PCN, e favorece o

desenvolvimento profissional por meio do estudo em grupo.

Após as considerações sobre o programa PA, abordaremos as perspectivas teórico-

metodológicas encaminhadas pelas formadoras em relação à visão da formação continuada do

PA e seu reflexo no ensino/aprendizagem do módulo em estudo Para formar alunos leitores e

produtores de textos. Ou seja, verificaremos a concepção das formadoras sobre a relação

teoria/prática na didatização do módulo.

2.5. Saberes indispensáveis à formação: a relação teoria/prática na

atuação do formador

Os saberes pedagógicos, a visão de educação e os saberes experienciais de cada

formador, dos professores-formadores e cursistas se somam aos saberes de referência

constituindo todos o universo de saberes da formação, mobilizados no processo de didatização

do módulo do PA, em estudo. Dentre esses saberes, consideramos relevante verificar o

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 115

conceito de “formação” em que se fundamenta o formador do PA26 (em nossos dados, F1),

sua concepção sobre a relação teoria/prática nesse programa de estudo, que visa à construção

de uma nova perspectiva de ensino/aprendizagem de língua dos PCN-LP, ao propor mudanças

nas práticas pedagógicas da leitura e da escrita em sala de aula. Em princípio, por ser,

institucionalmente, dada ao formador a tarefa de mediar o processo de ensino/aprendizagem

do módulo, espera-se que suas ações e reflexões possibilitem esse processo. Logo, a visão de

F1 sobre essa relação (teoria/prática) pode ser determinante na construção dos conceitos,

principalmente, por ser esse formador o responsável direto, o porta-voz da proposta dos PCN

que pretende, ainda, com a formação do PA, preparar professores para reduzir o número dos

analfabetos funcionais em nosso país, à medida que aumenta o número de leitores e escritores

competentes.

Apesar de considerarmos necessário analisar o conceito de “formação” em que se

fundamenta o formador, sabemos que os resultados satisfatórios de qualquer formação só

repercutirão na sala de aula a partir de um conjunto de ações e saberes que se somam, uma

vez que

A profissionalização é uma transformação estrutural que ninguém podedominar sozinho. Por isso, ela não se decreta, mesmo que as leis, osestatutos, as políticas da educação possam facilitar ou frear o processo. Oque significa que a profissionalização de um ofício é uma aventura coletiva,mas que se desenrola também, largamente, através das opções pessoais dosprofessores, de seus projetos, de suas estratégias de formação. Tal é acomplexidade das mudanças sociais: elas não são a simples soma deiniciativas individuais, nem a simples conseqüência de uma políticacentralizada (PERRENOUD, 2000b, p. 178).

Embora reconheçamos as limitações de um programa de formação quanto à

contribuição de saberes para a formação profissional, não podemos negar que a visão do

formador tem, evidentemente, sua parcela de influência. Vale salientar que não discutiremos,

26 A formação do programa PA ocorreu em duas etapas, conforme as detalharemos no item 3.1, próximocapítulo. Para a análise que ora fazemos, é importante informar que a primeira etapa é, por nós, denominada depreparação de professores-formadores por serem estes os multiplicadores desse programa. Isto é, os professoresdesta 1ª etapa foram preparados pela formadora 1 (doravante F1) para serem os formadores da 2ª etapa,denominada de formação de professores cursistas, a que capacita professores da 1ª fase do ensino fundamental.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 116

nessa análise, a validade e adequação das propostas metodológicas do programa PA, apenas

analisamos as atuações de F1 para verificar em que sua visão de formação contribuiu ou não

para que o programa atingisse seu objetivo, uma vez que F1, em várias de suas explanações

sobre o módulo 4, sustentou uma perspectiva teórica que distingue o momento de discussão

teórica da vivência prática. Em alguns comentários feitos ao encaminhar as atividades e

discutir teorias do programa, F1 apresenta uma visão dicotômica sobre a relação teoria/prática

nas duas etapas da formação, que a impede, por isso mesmo, de realizar algumas atividades

do módulo na 1ª etapa, dificultando a compreensão dos professores-formadores. Embora haja

no PA propostas de atividades que relacionam teoria e prática, F1 adota a dicotomia

teoria/prática como metodologia da formação. Analisemos o exemplo, a seguir, em que F1

comentava sobre a seguinte atividade teórica com os professores: “Identifique na seqüência de

atividades, quais as que se caracterizam por identificar conhecimentos prévios dos

professores, quais as que pedem a ampliação ou o aprofundamento de conteúdos e quais as

atividades que visam avaliá-los”. F1 afirmava ainda ser essa uma atividade para ser feita por

eles, professores-formadores, e não pelos cursistas:

(3)

F1: Quando vocês forem trabalhar lá não vão trabalhar como a gente táfazendo aqui/ porque aqui a gente tá na perspectiva de formador/ lá nasala de aula/ vocês estarão na perspectiva de trabalho com o... /professor/ então essa aí é uma seqüência de ampliação/ de conhecimento /de conhecimento/ então/ vocês têm que estar lembrados que tárelacionada a essa primeira aqui/ eles primeiro disseram/ que a gentesabe que não vai sair essas respostas/ não vão sair essas outras...(2º enc., 27/02/03 – Anexo E, trecho I).

A atividade feita pelos professores-formadores, à qual F1 se refere, objetivava

identificar, em cada questão, noções da visão interacionista de leitura sobre os conhecimentos

prévios. F1 afirma que eles não devem “trabalhar lá (na 2ª etapa) como a gente tá fazendo

aqui/ porque aqui a gente tá na perspectiva do formador”. Ao aconselhar os professores-

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 117

formadores a não exigirem dos cursistas o aprofundamento dessas teorias, F1 estabelece um

espaço divisor entre o momento de se discutir e dominar as teorias, (1ª etapa), do momento

em que se “aplica”, vivencia as atividades do módulo (2ª etapa). Essa perspectiva também

pode ser expemplificada com as próprias palavras dessa formadora ao ser perguntada por nós,

em uma entrevista, sobre o seu papel, sua função na formação dos professores-formadores:

(4)

I: Como é que você vê sua tarefa/ o seu papel na formação dessesformadores dos parâmetros? Qual é mesmo a sua função?

F1: minha função basicamente é trabalhar metodologia e as estratégias deformação/ não existe uma preocupação muito embora eu tenha que ter umdomínio não tenho que ter uma preocupação com o conteúdo/ eu tenhoque tá preparando esses formadores / pra que eles possam atuar junto aosprofessores numa perspectiva de formação que não é aquela tradicional/onde ele tem que corrigir os trabalhos dos professores/ onde ele se colocana condição de uma pessoa que está ensinando/ que o foco saia doformador que ensina pra um formador que interage com o grupo quepossa tá trocando de experiência/ então ele necessariamente não tem queter o domínio do conteúdo/ ele precisa ter o domíni das estratégias/ terclareza da metodologia/ ter clareza que deve tematizar a prática criar aassituações de ensino/aprendizagem/ então meu papel é esse é tá dando essaassessoria/

(....)

E: Você não vai está discutindo os conteúdos?F1: Eu tenho que tá dando oportunidade pra que eles fluam e pra que eles

sejam discutidos e estudados e aprofundados mas que isso não aconteceno momento que em que eu tou trabalhando com eles porque até porque otempo muito restrito pra discutir várias questões porque o que a genteoferece nesse momento é bibliografia/ recursos/ agora uma coisa que ficaclaro/ que tem que tá claro pro grupo que lá no grupo deles/ quando elestiverem um problema/ um formador que tiverem um problema de conteúdoele deve buscar/ alguém que possa dar esse suporte/ que não sou eu quenão vou tá perto deles buscando/ apoio de universidades/ apoio de alguémna cidade que tenha domínio desse conteúdo/ agora ele não acontece nomomento em que eu enquanto coordenadora do seguimento/ tou com ogrupo/ o que eu ofereço são suportes/ assim por outro caminho/ pra queeles possam buscar isso/

(Entrevista com F1, em 08/07/04, na SEC de C. Grande/PB)

Dessa forma, a base da dicotomia ocorre porque F1 estabelece perspectivas teórico-

metodológicas diferentes para cada etapa da formação. E, de certa forma, contraditórias. Para

ela, enquanto formadora, deveria priorizar “trabalhar metodologia e as estratégias de

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 118

formação”, entretanto, cabe ao professor-formador, nessa mesma etapa, dominar os

conteúdos. Dentre as várias explanações de F1, identificamos o que ela considera relevante

para a aplicação do módulo, em estudo, na visão que ela denomina perspectiva do formador

(1ª etapa): selecionar e aplicar atividades teóricas do módulo 4 consideradas fundamentais

para a compreensão da nova abordagem; tirar dúvidas sobre questões teóricas desse módulo;

aprender a formular questões significativas; planejar as pausas dos vídeos; orientar a produção

escrita dos professores; discutir estratégias metodológicas para a vivência de atividades do

módulo para a 2ª etapa. Evidentemente, algumas dessas atividades são específicas da

preparação de formadores (1ª etapa), mas estamos nos referindo às discussões teóricas e

vivenciais do módulo que não deveriam ser diferentes nas duas etapas da formação.

Assim, F1 conduz a formação separando o momento que se aprende, se tem o domínio

da teoria, para depois aplicá-la. Isso demonstra saber que é responsabilidade do formador

dominar a teoria e saber vivenciá-la na formação, mas que esse domínio pode ser ampliado,

adquirido conjubtamente com F1 no momento dessa etapa da formação. Não devendo ser

responsabilidade apenas do professor-formador como aponta o comentário a seguir:

(5)

F1: (...) aí a gente precisa lembrar.../ que quando eu disse hoje no início / deia bibliografia/ que vocês terão que estudar / pra poder ficar com essesuporte teórico/ pra tá trabalhando com os professores / que se não vai serrepasse/ e no repasse não fica nada.../

PF: nada...

F1: nada/ nada/ nada/ então vamos lembrar disso/ o outro pressuposto.../

(2º enc., 27/02/03 – Anexo E, trecho I)

Embora sejam relevantes os esclarecimentos de F1, em (5), sobre o fato de que

entender a teoria é condição para o PF não fazer “repasse” de atividades, apenas aplicando-as,

F1 deixa implícito, ainda, que primeiro se aprende a teoria para depois poder praticá-la.

Entretanto, no processo de ensino/aprendizagem não se aprende teorias sem relacioná-las à

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 119

prática, isto é, através de atividades que conduzirão à compreensão das teorias. Dessa forma,

o conceito de formação de F1 prioriza, em vários momentos, o domínio do conteúdo,

preocupada mais com a transmissão de conhecimentos. Ao estabelecer uma relação

dicotômica para as etapas de formação, possivelmente justificando-se pelo pouco tempo dado

para a formação inicial, F1 pode, de certa forma, impedir que os professores avancem na

compreensão do programa. Isto porque o fazer as atividades do módulo, o expor às dúvidas e

o participar de discussões teóricas são atividades essenciais para o professor formar sua

experiência prática pautada na concepção dos PCN-LP, uma vez que muitos professores,

mesmo os graduados, desconhecem a perspectiva de ensino de língua abordada nesses

documentos.

Certamente, esses procedimentos metodológicos de formação têm a sua relevância,

tanto na preparação de formadores como na dos professores cursistas. Porém, a nossa reflexão

é sobre a ênfase dada, nessa etapa de formação, ao domínio das teorias como se o saber-fazer,

o vivenciar as atividades (em síntese, didatizar o módulo), estivesse distanciado de uma

concepção teórica. Entretanto, em outros momentos verificamos a preocupação por parte de

F1 de que a formação não seja apenas um repasse de teorias:

(6)F1: Está acompanhando?/ caiu a ficha?/ quem tá chegando hoje pela primeira

vez entrando em contato com os parâmetros tá entendendo o que eu tôdizendo? Porque isso que tá no livro aí é um receituário pra você fazerna sala/ porém/ se você não entende estratégias/ não entende seqüênciadidática/ e não compreende o que cada tarefa dessa tá querendo? Aí vocêentra em parafuso/ vai ser só um repasse mesmo/ então vai ficar algumaresposta dessa lá e outras diferenças / porque eu não tenho um grupohomogêneo/ tenho? Aqui é homogêneo?

PF: não/ ((respondem em coro))(2º enc., 27/02/03 – Anexo E, trecho II)

Além disso, ao afirmar em (6) “porque isso que está no livro aí é um receituário pra

você fazer na sala...”, apresenta a sua visão sobre os próprios PCN - “um receituário”. E se o

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 120

formador não entende “as estratégias/ não entende seqüência didática/ e não compreende o

que cada tarefa dessa tá querendo/” o módulo será “repasse”. Isso demonstra a sua

preocupação com a parte “prática” da formação ao apontar como condição para não ser

repasse o fato de o PF compreender as estratégias metodológicas da formação. Mas, como

compreender o módulo sem vivenciá-lo?

Assim, em (6), também fica evidente a responsabilidade dada ao professor-formador a

necessidade de compreender as bases de sustentação teórico-metodológica do módulo e seus

questionamentos. Entretanto, sabemos que não se muda todo um habitus27 do professor

apenas porque o formador lhe ensinou a “aplicar” algumas práticas metodológicas na

formação. Sendo o processo de didatização caracterizado por mudanças, uma vez que lhe é

intrínseca a construção e a relação entre saberes, essa construção não significa repassar

conteúdos e/ou metodologias, ela se dá com a “cor local”, o habitus do professor, como já foi

explicado, através de saberes, permitindo que se construa o novo saber dessa didatização. Daí,

não podermos separar conhecimentos teóricos de conhecimentos práticos e vivenciais do

professor, uma vez que eles se interligam.

Portanto, há necessidade dos professores-formadores em aprofundar as teorias que

fundamentam os PCN-LP, em vivenciar atividades (não necessariamente todas), inclusive as

de leituras teóricas desses documentos para fazerem discussões nessa etapa de formação,

justamente para que o professor, de fato, didatize os conteúdos do módulo na 2ª etapa da

formação. Assim, a visão de formação de F1 caracteriza-se por separar o momento de se

vivenciar todas as atividades do módulo (2ª etapa), do momento de compreender a

organização, o funcionamento, de apresentar o domínio da teoria (1ª etapa).

27 Habitus – conceito utilizado inicialmente por Bourdieu (1972) e retomado por Tardif como sendo certasdisposições adquiridas na e pela prática, que podem transformar-se num estilo de ensino e até mesmo em traçosda “personalidade profissional”: manifestam-se através de um saber-ser e de um saber-fazer pessoais eprofissionais validados pelo trabalho cotidiano. (TARDIF, 2002, p. 49).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 121

Outra ação pedagógica que dificulta o aprofundamento dos professores nas teorias,

ainda nessa etapa de formação, é a proposta de se fazer leituras de textos dos PCN-LP em

casa, reduzindo as que deveriam ser feitas nos encontros da formação, justificadas pelo pouco

tempo para estudo do módulo e pelo fato de o espaço da preparação de formadores ser apenas

para as discussões e não para as leituras cujos conteúdos os professores-formadores já

deveriam dominar. F1 tenta insistir nessa perspectiva metodológica de não vivenciar o

módulo integralmente para discutir as teorias. Ao mesmo tempo, continua responsabilizando o

professor-formador em dominar as teorias para poder formar os cursistas.

(7)

F1: Ah/ eu tenho uma coisa pra falar que vai doer um pouco/PF: Vamos a facada/

F1: Vocês comecem a me perdoar desde a hora que eu pensei/ o discurso doprofessor vai ser aquele/ a gente já viu que a formação é importante/ agente já viu que/ a partir do momento que realmente ele tiver/ no processode formação/ vai ajudar na postura/ mas a gente também viu/ que/ nósestamos querendo/ muito dos professores/ mas será que nós estamostambém dando/ a partir do momento que eu saio da minha cidade/ venhopra cá / tive trinta dias pra ler o material/ e eu fiz uma pesquisa hojeaqui/ e pouquíssimos tinham lido o material que foi sugerido pra vocêestá se preparando/ gente/ olha/ pra vocês estarem se preparando prafazer as intervenções / vão ficar justamente no nível dúbio/ material/ nonível de algumas questões que já deveriam tá ultrapassada pra gente/ pranós que temos a responsabilidade/ de/ formar professor/....

(3º enc., 27/03/03 – Anexo E, trecho III)

Em (7), F1 se refere à pergunta que fez aos professores-formadores, no início do

encontro, sobre quantos teriam lido, em casa, o texto “Prática de leitura” (PCN-LP, 1997b, p.

54-55) e assistido aos vídeos a serem discutidos. De uma assembléia de 38, apenas três

fizeram a leitura e nenhum deles tinha visto o vídeo. Evidentemente, se as leituras em casa

estivessem ocorrendo muitas questões teóricas teriam sido esclarecidas, fato que não justifica

a não retomada das leituras em sala de aula por parte de F1. Mais adiante, ainda nesse

encontro, F1 faz uma questão pertinente: “se vocês não compreenderem a teoria proposta no

módulo como é que vão fazer questões significativas, tirar dúvidas?”. Mesmo fazendo

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 122

algumas leituras nos pequenos grupos (cf. pauta – Anexo C), F1 não defende que se façam

todas as atividades de leitura dos textos dos PCN-LP, nessa etapa de formação.

No exemplo (8), a seguir, F1 enfatiza a necessidade de os professores dominarem

conteúdos da formação para saberem formular questões significativas e, através desse

domínio, propiciarem mudanças reais para que os cursistas não se apropriem apenas dos

discursos da formação, mas reflitam sobre as mudanças na prática:

(8)F1: aí ele ((o professor)) vai precisar esse fogo e preparar suas intervenções/

mas nenhum de nós terá condições de preparar essa intervenção/ se agente não tiver suporte teórico/ se a gente não tiver estudado muito/ se agente não tiver refletido/ sobre esses pressupostos/ então vai ser choverno molhado/ você se apropriou do discurso/ o professor se apropria doseu/ e na prática/ esse não se reflete/ então/ primeiro nós que vamostrabalhar com os professores/ teremos que ter estudado bastante/ terclareza do que é que a gente tá fazendo pra poder não apagar o fogo/...

(2º enc., 27/02/03 – Anexo E, trecho IV)

. Mais uma vez F1 apresenta o domínio da teoria como condição para se mudar a

prática. Ao afirmar “você se apropriou do discurso/ o professor se apropria do seu/ e na

prática/ esse não se reflete/” nos mostra a visão dicotômica de que a teoria é anterior à prática

como também a idéia de que se pode dominar uma teoria, sem se estar convencido a vivenciá-

la na prática. Evidentemente, não estamos questionando a necessidade do domínio de

conteúdos, nem a importância das leituras anteriores aos encontros, mas consideramos que

são vários os fatores que contribuirão para que os professores-formadores dominem os

conteúdos a as práticas metodológicas da formação. E que a vivência do módulo, em seu

aspecto teórico-metodológico proporcionaria aos professores-formadores sua maior

compreensão. Agir assim é reconhecer como se constroem saberes e como eles se relacionam

para formar ao longo do tempo o habitus do professor.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 123

Nessa perspectiva de formação, há uma contradição gerada na metodologia utilizada.

Não se dá espaço para se estudar, de modo mais sistemático, a teoria com os formadores, mas

afirma-se que é responsabilidade deles esse domínio, que lhes cabe preparar suas intervenções

e elaborar questões significativas. Ao afirmar “nós teremos que estudar bastante/ ter clareza

do que é que a gente tá fazendo pra poder não apagar o fogo” há também uma preocupação

de F1 com a relação teoria/prática, apesar da ênfase à teoria espressa em “estudar bastante”.

Para F1, se o formador não sabe a teoria, não fará sua formação com conhecimento e

desestimulará (apagará o fogo) a vontade de aprender dos professores. Entretanto, não se lhes

dão espaços, na formação, para aprofundamentos teóricos, reflexões e trocas de experiências

entre eles. Dessa forma, como o professor-formador construirá um novo habitus de ensino se

não compreende a nova abordagem teórica, se não a vivenciou em atividades?

Sabemos que a não compreensão de um conteúdo compromete a sua didatização,

chegando mesmo a negá-lo, como afirma Perrenoud (2002). Concordamos que há necessidade

do domínio dos conteúdos da formação, porém não numa visão dicotômica. Nos exemplos

analisados, há dois aspectos que reforçam a dicotomia: a) só se muda a prática a partir do

domínio das teorias novas e esse domínio é exigido do professor; e b) não há espaços para a

reflexão sobre a prática, para a troca de experiência dos professores no grupo, o saber

acadêmico tem supremacia sobre outros saberes como os experienciais e do senso comum,

ausência que consideramos prejudicial na obtenção de bons resultados com a formação

continuada.

F1 transfere para o professor-formador a responsabilidade de dominar o conteúdo da

formação e, de modo indireto, também a culpa caso os professores cursistas não venham a

aprender a proposta dos PCN-LP, ao afirmar que eles não devem “apagar o fogo, a vontade

de aprender” (Ex. 8) os saberes do PA. Ou seja, os professores-formadores poderão

desestimulá-los a aprender o módulo. Se isto ocorrer será pelo fato de esse formador não ter

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 124

se aprofundado, como ela mesma questiona “se a gente não leu como é que vamos fazer

isso?”. Por outro lado, ao exigir que muitas leituras sejam feitas em casa, acreditamos ainda

que elas não seriam suficientes para suprir as dificuldades de compreensão das teorias de base

dos PCN-LP por parte desses professores.

A postura de F1 em dicotomizar as etapas da formação do PA fez com que os

professores-formadores reivindicassem “a vivência”, a resolução de atividades do módulo,

para que fazendo-as, refletissem mais sobre as teorias que as embasavam. F1, após se

convencer das dificuldades de compreensão desses professores-formadores, decidiu mudar a

proposta metodológica. Concluída a vivência de algumas seqüências didáticas do PA que

foram apresentadas ao grande grupo no final daquele encontro, os professores-formadores

avaliaram o dia de estudo e deram o seguinte depoimento:

(9)F1: acho que a gente aproveitou/ o tempo bem legal de manhã num foi?

PF1: que às vezes a gente vai até as cinco/ e não é tão discutido/ é tão assimtrabalhado como o de hoje/

PF2: as questões foram bem colocadas/ bem entendidas/ acho que pra todomundo/ esse módulo foi bem produtivo... /

F1: a questão de .. / de fazer a transposição pra formação né?que a minha preocupação era da gente não vivenciar o módulo aí naperspectiva de que nós fôssemos professores/ por que se não quando agente chegasse lá/ não ia dar outra base/ então eu tive essa preocupaçãode tá levantando questões pra gente/... / vendo na perspectiva doformador.(2º enc.,27/02/03 – Anexo E, trecho V)

F1, conforme demonstra o exemplo (9), tenta se justificar pela nova decisão tomada, e,

mais uma vez, afirma que não pretendia trabalhar na perspectiva do cursista que sua “...

preocupação era da gente não vivenciar o módulo aí na perspectiva de que nós fôssemos

professores...”. Entretanto, esse depoimento confirma as dificuldades dos professores-

formadores e as suas necessidade de vivenciarem o módulo como se fossem os cursistas, para

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 125

que dominem a teoria dos PCN-LP, para que compreendam algumas atividades quanto à

“correção”, ao acompanhamento, e à mediação. Ao “fazer” as atividades, esses formadores

estariam desenvolvendo habilidades necessárias ao formador, o que nos induz a concluir que

esses formadores não estavam apenas querendo saber “aplicar” o módulo, mas didatizá-lo.

A visão de formação como sendo a aplicação do programa (o módulo 4) é fruto das

tendências tecnicistas da década de 70 do século XX, que viam o professor como sendo

técnico de ensino, portanto, aplicavam conhecimentos produzidos por especialistas (os

pesquisadores universitários, os peritos em currículo, os funcionários do ministério da

educação etc.). Nessa tendência tecnicista, os professores não são vistos enquanto sujeitos que

constroem seus conhecimentos, o seu saber-fazer, suas competências e habilidades que

servem de base ao seu trabalho (cf. capítulo anterior). A visão tecnicista retira do professor

seus saberes e, portanto, os poderes decorrentes do uso desse saber, além de sujeitar os

professores, por um lado, aos saberes dos peritos e, por outro, aos saberes dos especialistas

das ciências sociais sem questioná-los (TARDIF, 2002, p. 229).

Não permitir que os professores vivenciem todo o módulo, trocando experiências,

refletindo sobre sua prática, analisando o que os PCN e o PA sugerem e o como didatizá-lo

em sala de aula é não entender os conflitos e os impasses da profissão do professor e o que

significa a didatização de saberes em sala de aula. A preocupação excessiva em enfatizar a

diferença entre a visão de formador e a visão do professor cursista prepara apenas o formador

para saber aplicar/repassar as atividades do módulo, marcar as pausas dos vídeos, saber o que

os professores falarão ou apontarão como dificuldades, mas não lhes permitirá aprofundar as

discussões, trocar experiências, construir uma nova prática e ter ciência do porquê das

mudanças sugeridas nos PCN-LP.

Diferentemente da 1ª etapa, F2 não dicotomizou a relação teoria/prática.

Provavelmente, em função de F2 ter sido orientada para vivenciar todas as atividades do

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 126

módulo com os cursistas, não encontramos pronunciamentos nem práticas dessa formadora

que se refiram a essa visão dicotômica. Ao contrário, F2 fazia, a cada encontro, atividades de

leituras e procurava explicar as teorias dos PCN-LP aos cursistas, embora esses professores

apresentassem mais dificuldades de compreensão em relação aos da 1ª etapa e os encontros

tivessem uma duração menor (cf. pautas - Anexos C e D).

Vejamos o exemplo, a seguir, em que F2 discute com os cursistas não só teorias dos

PCN-LP (após lerem sobre diversidade textual, trecho p. 35-36, e discutirem sobre leitura e

formação da cidadania), mas as dificuldades dos professores em didatizá-las, em fazer as

mudanças de perspectivas teórico-metodológicas. Ou seja, as discussões sobre a prática

ocorrem neste caso de modo simultâneo à discussão de teorias:

(10)

C1: Oh/ G./ que nós estávamos falando sobre a apresentação do texto sobrediversidade de texto/ às vezes acontece que a gente leva um texto/ proaluno e às vezes ele não concorda/ na aceitação/ dependendo assim/ dametodologia do professor/ que às vezes muda/ cada um/ tem umametodologia/ a gente/ cada professor tem a sua metodologia diferente/né!/ aí então/ tem mudança/ e às vezes/ acontece o seguinte né!/ a gente játá tão acostumado com a metodologia/ que quando a gente muda/ já vem /os próprios alunos sentem choque e não se adaptam/

F2: nenhum professor se sente seguro/ pra inovar essas novas técnicas né!/

C1: Exatamente/F2: Há insegurança/ é/ muito difícil mudar/

C1: Às vezer por causa de conhecimentos/ alguém chega e só usa o materialmas não vai.../

C2: Baseado no depoimento da menina ((se referindo a outra colegaprofessora))/ ela falou sobre a forma/ ***de trabalhar na novametodologia/ mas até que ponto o professor foi induzido.../

PC1: [a trabalhar]

C2: Até que ponto ele recebeu a orientação/ para trabalhar com essa forma/***de ensinar para que a gente possa mudar a nossa metodologia/ a gentetem que ter a contribuição de alguém/ que conhece/ ((incomprenensível))

C1: Exatamente/C3: E a gente fala o seguinte/ eu aprendi dessa forma/ eu aprendi por que é

que os outros não aprendem!/ Porque o problema está justamente noseguinte/ fala-se em mudança/ num é? Fala-se no que é preciso se mudar/mas não se fala como mudar/ como/

C1: [Exatamente/ como fazer]

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 127

C3: Mas não tem quem nos oriente / na / como conduzir a essa mudança/ comomudar/ o que usar/ como usar/ num é?/

C1: fala-se na mudança, mas não se dá condição pra que ela seja feita/C3: É/ o maior problema é esse aí/ a falta de condição pra que se assuma/ a

gente sabe que é bom trabalhar assim/

C1: Exatamente/ mas como se fazer/C3: Aí só na boca não ajuda nada/

((risos))

C1: E vamos dizer assim/ vamos mudar a metodologia/ vamos ver a realidade/vamos ver/ analisar/ pra gente aprender como é a metodologia/ Pra genteaprender como é a metodologia/ É muito bom trabalhar o concreto com oaluno/ mas às vezes numa sala/ a metodologia não dá certo/ nem umapagador num tem/ a gente usa papel higiênico pra apagar o quadro/muitas vezes a escola não dispõe nem de uma folha de papel jornal/ aícomo é que quer/...

F2: Agora tem um momento/ em que não se oferece nada/ mas às vezesacontece também o seguinte/ tem professores que têm livros/ que até temlá na metodologia/ porque sempre nos livros de Português num vem/ querdizer tem professor que não se preocupa nem de ler aquilo ali/ que tem ali/ocorre isso tambem né?/

C4: acomodação/

F2: Né/ né/ a gente sabe que existe/ num é acomodação/ que eu disse/ é de nãoter a orientação e não procurar ir atrás/ em alguma fonte/ qualquer coisa/e muitas vezes procuram, mas por ser tão inseguro/

C1: É que tem muita gente / nem estímulo tem/aí é falta de estímulo né?

F2: Mas aí a gente só sabe tentando/ num é? Aí você vai partir prolaboratório/ você tenta porque se você nunca tentou/ você se((incomprensível)) você tenta/ daquilo ali que você fizer você vai ver o quedeu certo/ o que não deu/ dá próxima vez que você for fazer já vaicorrigindo/ o que não deu certo você já vai eliminando/ e vai propondo oque/ e vai colocando em prática o que deu certo/ e daí você vaiaprimorando/(3º enc., 10/10/03 – Anexo E, trecho XV)

Embora haja muitos aspectos que poderiam ser discutidos nesse exemplo, nos

deteremos apenas em alguns sobre a relação teoria/prática. Assim, em (10), tanto F2 como os

PC discutem sobre as dificuldades em didatizar a proposta dos PCN-LP, em fazer mudanças

significativas, em não apenas ouvir as propostas, mas na necessidade de, enquanto

professores, serem melhor orientados para poderem mudar. Nos dois primeiros enunciados

desse exemplo, os cursistas abordam o estranhamento dos alunos quando o professor traz uma

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 128

nova metodologia para a sala de aula e a insegurança do professor ao envidá-la. Confirmadas

por F2 ao afirmar “nenhum professor se sente seguro/ pra inovar essas novas técnicas”.

Mais relevantes são os comentários feitos, por esses cursistas, sobre a relação

teoria/prática ao mostrarem que não se muda uma prática metodológica apenas falando sobre

os conteúdos e suas mudanças, mas ao se buscar saber o como fazer. Não deixa de ser uma

crítica à própria formação, ao seu caráter mais teórico que prático, devido ao pouco tempo

dado para as discussões e vivências de atividades, especificamente quando C1 afirma: “fala-se

em mudança/ num é? fala-se no que é preciso se mudar/ mas não se fala como mudar/ como/”

e, também quando C3 comenta: “É/ o maior problema é esse aí/ a falta de condição pra que

se assuma/ a gente sabe que é bom trabalhar assim/”.

Vê-se que C3 aborda a necessidade de se ter condições para que se trabalhe, para que

se assuma a nova proposta. O ter condições implica em não só compreendê-la, mas em saber

fazê-la, didatizá-la. Outras respostas são apresentadas como coadjuvantes das dificuldades de

mudanças: acomodação dos professores, desconhecimento da proposta, falta de material nas

escolas, falta de estímulo dos professores para buscarem respostas ou para lerem as propostas

dos livros didáticos. Nessa etapa, as discussões sobre os problemas de sala de aula são mais

freqüentes. E, por último, F2 ciente do seu papel de formadora, convoca os cursistas para

tentar fazer, em sala de aula, o que estão aprendendo na formação, mostrando que se aprende

fazendo, retomando o que se fez, mudando a cada tentativa, aprimorando o que deu certo,

construindo o seu aprendizado na vivência. Ao agir assim, F2, de certa forma, esclarece o que

significa o processo de didatização.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 129

3° CAPÍTULO

3. A didatização do conceito de leitor competente:

mobilizando saberes para a formação do professor

A formação na prática reflexiva não é o único trunfo, mas éuma condição necessária. Para assumir sua autonomia e reivindicá-la,a fortiori, é preciso poder dizer: “Em algum momento terei de tomardecisões difíceis e não poderei me esconder atrás das autoridades oudos especialistas. Mas sei que vou conseguir, ainda que nem imagineatualmente o que vou fazer, pois acho que domino os meios deanalisar a situação e de escolher o caminho correto”. Nenhumprofissional está protegido da dúvida, do fantasma do erro fatal; elesabe que não é infalível; contudo, sua confiança em seu discernimentoé suficiente para enfrentar o risco com mais satisfação do que commedo.

Philippe Perrenoud

A partir das contribuições teóricas apresentadas no item anterior, nos propomos, neste

capítulo, discutir e analisar como as formadoras didatizam os conceitos de leitura e de leitor

competente a partir de saberes de referência dos PCN-LP e/ou de outras fontes de saberes (cf.

cap. anterior) a eles relacionados, nas duas etapas da formação continuada do programa PA,

observando que saberes são mobilizados na ação do professor, como esse processo ocorre e os

efeitos da didatização para o ensino/aprendizagem de língua. Observaremos ainda se os

saberes referenciais se solidarizam ou se sobrepõem, segundo as contribuições de Rafael

(2001) a partir de definições de Bronckart & Giger (1998).

Dividimos o presente capítulo em duas partes. Na primeira, faremos a

contextualização de cada uma das etapas da formação do PA. Na segunda parte, trataremos da

questão dos saberes mobilizados na construção do conceito de leitura e de leitor competente,

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 130

os saberes de referência dos PCN-LP e os saberes experienciais mobilizados tanto pelas

formadoras, quanto pelos professores-formadores e cursistas. Para isto, subdividiremos essa

parte em dois tópicos: um analisará a referência, na formação, aos saberes teóricos dos PCN-

LP sobre o conceito de leitor competente e aos saberes experienciais; o outro tópico

descreverá os processos de solidarização e sobreposição de saberes na formação do conceito

tratado em cada uma das etapas da formação, tecendo considerações em torno da didatização

desse conceito quanto à mobilização dos saberes enfocados.

3.1. Contextualizando a formação continuada do Programa Parâmetros

em Ação

A formação do programa PA, especificamente do módulo 4 de Língua Portuguesa,

Para formar alunos leitores e produtores de textos (cf. item 2.4), ocorreu em duas etapas. A

1ª etapa, a preparação de professores-formadores, transcorreu no período de 5 meses (de

novembro de 2002 a maio de 2003, cf. Anexo C) em Campina Grande-PB – cidade pólo que

coordenava mais de 50 municípios do Estado –, no auditório do Centro Educacional Severino

Loureiro. Os encontros mensais, organizados por uma equipe de professores pedagogos da

Secretaria de Educação e Cultura (SEC), desta cidade, aconteciam das 8h 30 min. às 11h 30

min. e das 13h às 16h 30 min. Participavam dessa formação cerca de 45 professores de

diversas cidades do interior do Estado da Paraíba.

A formadora dessa etapa (F1) fazia parte da equipe pedagógica da SEC de C. Grande –

PB e era uma das coordenadoras do programa Parâmetros em Ação desde 2001. Essa

formadora participou de uma preparação inicial, dada por representantes do MEC, para poder

encaminhar esse programa, tem formação em Pedagogia, é especialista em cognição pela

UFPE e ensina há 12 anos neste município.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 131

Já a segunda etapa da formação do PA, a formação de professores cursistas, destinada

a professores da alfabetização à 1ª fase do Ensino Fundamental (EF), teve a duração de nove

meses - agosto de 2003 a abril de 2004. Essa formação aconteceu na Creche Beatriz Ernesto,

na cidade de Queimadas - PB, com um encontro mensal28 , no intervalo das 7h 30 min. às 11h.

Acompanhamos a formação dos professores da 1ª fase do EF, cuja formadora havia sido

selecionada por nós como sujeito dessa pesquisa, na 1ª etapa da formação, com base em

alguns critérios que estabelecemos: participação em todos os encontros do módulo em estudo

e empenho no desenvolvimento das tarefas, interesse em colaborar com esta pesquisa e a

proximidade de sua cidade em relação à nossa, para facilitar a coleta de dados.

A maioria dos professores desse grupo lecionava na zona rural, em turmas do 1º ou 2º

ciclos do EF; outros, na alfabetização infantil ou em salas multisseriadas. Participavam desses

encontros 28 a 45 professores. No grupo, apenas dois eram do sexo masculino. Todos os

professores eram dispensados de sala de aula para participarem da formação, que acontecia na

segunda sexta-feira de cada mês.

A formadora dessa etapa (F2) é pedagoga, professora do Estado em classe de 2ª série

do EF e, na época da formação, estava cursando Especialização em Educação pela

Universidade Estadual da Paraíba. Iniciou sua atuação no PA em 2002, fazia parte da

Secretaria de Educação do Município de Queimadas, como Coordenadora Pedagógica, e há

doze anos atuava em sala de aula. Essa formadora não dispunha das fitas de vídeo do

programa PA, cuja aquisição dependia da SEC desse município, que deveria providenciar as

cópias para essa formação. F2 não fazia parte de outros programas do MEC, como Programa

de Formação para Professores Alfabetizadores (PROFA).

O grupo de professores cursistas, em geral, demonstrava bastante interesse em estudar,

apesar de apresentar muitas dificuldades em compreender os textos dos PCN. Alguns

28 O período dos encontros foi reduzido para um expediente num acordo entre a Secretaria de Educação doMunicípio e os professores, devido à falta de verbas para oferecer almoço aos professores, já que a maioriamorava na zona rural.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 132

professores participavam das discussões questionando, exemplificando, outros permaneciam

calados. Entretanto, a maioria apresentava muitas dúvidas, que nem sempre eram bem

esclarecidas pela formadora. Vários professores não dispunham do texto dos PCN, o que, em

parte, justificava a não realização das tarefas, principalmente, as leituras para casa, que, em

geral, não faziam. Apesar das dificuldades de compreensão dos conteúdos do módulo, o grupo

não era resistente às mudanças, avesso a propostas inovadoras, nem se mostrava

completamente desmotivado para aprender num curso de formação continuada. Mas nem

todos do grupo se motivavam na hora de realizar tarefas escritas.

O quadro 2 abaixo resume a descrição feita de cada uma das etapas da formação e de

seus participantes (professores e formadoras).

QUADRO 2 – Descrição das etapas de formação do PA e de seus participantes

1ª ETAPA – PREPARAÇÃO DEFORMADORES

2ª ETAPA- FORMAÇÃO DEPROFESSORES - CURSISTAS

LocalCentro Educacional SeverinoLoureiro - Campina Grande- PB

Creche Beatriz ErnestoQueimadas - PB

Horário8h 30min. às 11h 30 min.13h 30 min. às 16h 30 min.

7h 30 min. às 11h

Período Novembro de 2002 a maio de 2003- 5 meses (32h 30 min.)

Agosto de 2003 a abril de 2004 - 9 meses(21h)

Nº de professoresInscritos

05 - masculino40 - feminino

02 - masculino43 - feminino

Nº de professorespor encontro Variando entre 40 - 45 professores 28 - 45 professores

Ocupação dosprofessores

Coordenadores de grupos do PA;professores do ensino fundamentale médio, supervisores, orientadorespedagógicos das SEC e de Escolas,professores universitários (02).

Professores da alfabetização, 1º e 2º ciclose salas multisseriadas do ensinofundamental.

Qualificação dosformadores

Licenciatura em Pedagogia,especialista em Educação pelaUFPE. (Formadora 1 – F1)

Licenciatura em Pedagogia na UEPB,cursando Especialização em Educação naUEPB. (Formadora 2 – F2)

Material do PA edos PCN

Todos tinham os dois. 70% tinham os PCN.Todos tinham o módulo do PA.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 133

Embora a 2ª etapa tenha ocorrido durante 9 meses, seu período de duração foi inferior

à etapa anterior, em termos de horas de estudo, por ter ocorrido em apenas um expediente.

Tanto na 1ª quanto na 2ª etapas, os encontros apresentavam, em geral, a mesma

organização global de uma aula, que, segundo Matêncio (1999: 86), pode ser descrita por

agrupamentos de seqüências com base em suas funções didático-discursivas. Em cada

encontro, essas funções são desencadeadas em cinco etapas principais caracterizadas pelas

seguintes atividades: a abertura – constituída pela apresentação da pauta das atividades do

encontro, informes gerais e a leitura de um texto cuja escolha é feita por F1 e F2, em cada

uma das etapas, e justificada à turma, após serem feitos alguns comentários (atividade

denominada de leitura compartilhada, orientada pelo PA); a preparação – constituída pela

explicação do objetivo da atividade a ser realizada no encontro, delimitação do tempo,

organização dos grupos, distribuição de material etc; o desenvolvimento da atividade –

momento de vivência das atividades propostas no módulo do PA, geralmente em grupo, que

pode incluir a exibição de vídeo (atividade menos freqüente), o planejamento ou a escolha de

atividades a serem didatizadas na 2ª etapa da formação e/ou leitura de textos dos PCN-LP (no

caso da 1ª etapa), ou a vivência de atividades do módulo na 2ª etapa; a conclusão – discussão

no grande grupo, geralmente com a apresentação das atividades feitas pelos pequenos grupos,

comentando-as e/ou acrescentando informações; e o encerramento – atividade meramente

formal, fechamento do encontro de formação, definição ou apresentação da data do encontro

seguinte e do conteúdo a ser estudado (cf. as pautas nos anexos C e D).

Após as considerações sobre a contextualização dessas etapas e da organização geral

dos encontros, abordaremos o recurso da referenciação aos saberes teóricos dos PCN-LP

utilizados pelas formadoras e professores sobre leitura com o objetivo de analisarmos a

didatização do conceito de leitor competente desses documentos.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 134

3.2. O recurso da referenciação a saberes dos PCN-LP: da leitura como

não decodificação à proposta do letramento

Podemos afirmar que os PCN, enquanto gênero, se enquadram num discurso de

divulgação, uma vez que didatizam conceitos e noções teórico-metodológicas de saberes

chamados de referência, teóricos, eruditos ou acadêmicos – aqui denominados de saberes

teóricos - objetivando uma nova abordagem para o ensino de língua. Quando analisamos os

PCN-LP, especificamente quanto à sua proposta para a formação do leitor competente (cf.

1.7), apresentamos os saberes teóricos dos PCN-LP ou em livros especializados em que esses

documentos fundamentam o conceito de leitura e os comentamos, explicitando suas fontes

(alguns dos autores e obras citados ou a que esses conceitos estavam diretamente

relacionados).

Com base nessas análises teóricas, verificamos que as formadoras dos PA didatizam o

conceito de leitor competente, em ambas as etapas desse programa, utilizando-se do recurso

da referenciação a conceitos e noções dos PCN-LP, conforme demonstraremos neste capítulo.

Embora seja o foco de análise deste capítulo a utilização de saberes teóricos dos PCN-

LP, uma vez que objetivamos analisar a didatização do conceito de leitor competente,

consideramos relevante exemplificar a utilização que as formadoras fazem de saberes

experienciais. Fazemos assim, primeiramente, por sabermos que o professor mobiliza saberes

diversos em sala de aula, desde os teóricos – os mais recorrentes - aos experienciais (cf. 2.2),

aqui entendidos como ações e/ou recursos mobilizados na didatização de um conceito ou

noção teórica; em segundo lugar, porque sua utilização (dos experienciais) desempenha um

papel na compreensão do conceito tratado: são mobilizados com o objetivo de resolver uma

situação de impasse teórico, já que se trata da análise de um conceito. Assim, os saberes

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 135

experienciais são acionados para complementar uma explicação teórica ou para substituí-la.

Vejamos o exemplo (11), a seguir, em que uma professora-formadora, na 1ª etapa, ao resolver

uma atividade que consistia em classificar e selecionar no PA atividades que se

caracterizavam por “trabalhar” os conhecimentos prévios, dentre outros, relata uma

experiência feita, após constatar que seus professores não liam com atenção. O objetivo dessa

professora-formadora (PF) era de mostrar aos seus professores que eles apenas

decodificavam, não liam compreendendo, não interpretavam. E como não aceitavam a

situação, essa PF relata a atividade que fez, para convencê-los:

(11)

PF .11: Sabe o que a gente fez com os professores da gente? a gente que nãoprestavam atenção a menor atenção na leitura../ então resolvemos aplicaruma atividade que exigia atenção na leitura para mostrar que eles liam opoema e não estavam prestando atenção/ aí / aí / no papel tinha váriassituações/ aí numa era escreva seu nome neste quadrado / só que não erao quadrado / era um redondo.../

PF.8: Eu sei qual é...PF .11: aí tinha quantas... quantos animais Moisés teve que colocar na arca? aí

não é Moisés é Noé... aí só que faltava um casal de cada / sabe? Você estánuma corrida / você está no terceiro lugar.../ ultrapassou o segundo / emque posição você ficou? E todo mundo o primeiro / só que você ficou nosegundo / em ordem o que era ? / era a chuva... ((incompreensível)) / apraia/ era pra dizer o nome...

PF.8: aí no final.../

I .11: é no final a gente observou que.../ fazendo um levantamento... a gente iaobservar como o leitor.../ eles estavam assim lendo/ decodificando / nãoestavam prestando atenção...

(1º enc., 21/11/02 – Anexo E, trecho VI)

Com o relato dessa atividade, que mais se assemelha a uma “pegadinha” (um teste de

atenção que apresenta informações semelhantes para confundir), a PF demonstra estar

preocupada em fazer os professores compreenderem o que significa apenas decodificar,

levando-os a perceber sua inabilidade para interpretar, para desenvolver a competência leitora.

Outro recurso que se insere no âmbito dos saberes experienciais é a reflexão em torno

da ação do professor. Como afirma Perrenoud (2002, p. 77), o saber reflexivo constitui-se

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 136

como um recurso propiciador da construção de competências e posturas do professor que

possibilita a compreensão dos conteúdos por parte dos alunos. No exemplo, a seguir, as PF

discutiam sobre o que o professor pensa que o aluno não sabe ou não tem condição de

aprender e, em função disso, não ensina, ou ainda sobre as próprias dificuldades do professor

em entender determinadas atividades. O relato surge quando uma professora-formadora

“confessa” que essas dificuldades não são apenas dos alunos, mas delas também, que mesmo

sendo PF tinham dificuldades em interpretar. Relatou uma experiência ao fazer uma atividade

de leitura que consistia em interpretar um texto televisivo (que fazia pela primeira vez)

solicitado por uma professora em um curso de especialização. Vejamos:

(12)PF1: Então é/ se o professor/ eu acho que esse estudo seu leva a gente a

repensar sobre nós/ professores em sala de aula/ sobre a nossametodologia/ num é o que ensinar/ como ensinar/ o que reflete isso otempo todo/

PF2: o que também eu acho o seguinte/ o problema é do professor/ ele erramuito em achar / de achar que meu aluno não é capaz/ e o conhecimentodele ((do professor)) é pouco/ por isso ele não é capaz de ensinar o quevem no livro didático/ não trabalha porque muitos não têm conhecimento/

PF3: acha que não vai passar que o aluno não vai entender/

PF4: agora se o professor tivesse aquela postura/ que eu não tenho mas devobuscar/ aí ele aprenderia com/ ele aprenderia com o aluno/ porque eleestaria aberto pra também ver o que o aluno sabe/ daquilo ali que ele nãotem/

PF5: não tem conhecimento como nós mesmos diante do nosso professor/ assimcomo se acha num patamar mais elevado/ ((incompreensível)) Masquantos de nós não já passamos por situações/ semelhantes/ eu jáformadora/ especialista/ não querendo me considerar acima de outro/ masveja bem/ eu estava participando até de um curso com aquela professoraque faz livro de pano/

PF1: Albanita Guerra/

PF5: E nós estávamos numa aula e em determinada atividade ela disse assim/gostaria que vocês fizessem uma leitura.../ e eu fiquei assim/ eu quero quevocês façam uma leitura desse vídeo/ naquele momento ali / eu não sabiao que fazer/ foi preciso / que ela desse as orientações pra poder ver o queera que ela queria que eu fizesse/ porque senão eu não saberia/ como éque eu vou ler uma coisa que eu nunca fiz/ né?

(4º enc., 24/04/03 – Anexo E, trecho VII)

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 137

Na segunda etapa da formação do PA, F2 também faz reflexão com os cursistas sobre

a pouca quantidade de atividades de leitura em sala de aula. Para isto, ela pediu aos

professores que elaborassem uma rotina semanal, em que eles deveriam colocar todas as

atividades das disciplinas durante a semana. Após a execução, F2 faz a seguinte indagação:

(13)F2: Agora eu gostaria que vocês olhassem pra esses cartazes/ contassem o

número de aulas/ fizessem uma estimativa de quanto tempo foi gasto comleitura/ é houve muito tempo pra/ trabalharmos com gêneros textuais?/diversidade de textos?/ houve isso na rotina?/ a diversidade de texto foibem explorada?/ e o tempo dedicado à leitura / a leitura mesmo sem serdo livro didático / a leitura com outros textos /qual a produção detexto?/...

((após uma pausa, volta a comentar))F2: Então a gente ainda tá muito apegado ao livro didático / ao texto

informativo / mas tem outra assim/ pelo que a gente tem exposto aqui/ qualo tempo dado pra leitura ?/ pra gostar de ler?/ qual desses textos aqui /vai nos levar a estimular o aluno a ler/ entender a leitura/ a gostar/ aquerer ler?/(5º enc. 19/03/2004 – Anexo E, trecho VIII)

A reflexão que a formadora fez em torno da constatação do pouco tempo destinado a

se formar leitores competentes retoma as discussões sobre a necessidade de uma abordagem

pautada na diversidade de gêneros textuais mais relacionados a uma prática metodológica da

alfabetização com textos (que serão explicitados no item a seguir). Seu questionamento deixa

implícito que não se formam leitores sem se deixar espaço para a leitura, proporcionando-lhes

maior contato com textos diversos, como ela mesma diz, para gostar de ler.

Embora os PF e cursistas tenham se utilizado de saberes experienciais, foram os

teóricos os mais recorrentes na didatização do conceito de leitor competente. Observemos

como esses saberes são referidos, inicialmente, na 1ª etapa:

(14)F1: ... eles ((os PCN-LP)) disseram que observaram uma certa mudança

relevante na forma de.../ ser alfabetizado/ então o que tá posto aí nessepressuposto é.../ o modelo de alfabetização diferente/ do modelo que leva

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 138

o aluno/ a decodificar/ ao invés da decodificação propõe um outromodelo/ que seria uma alfabetização com texto que tem como suporte prosujeito aprender/ não só decodificação mas as outras estratégias deleitura/

PF : a decodificação é apenas uma das estratégias de leitura/ não énecessariamente...

F1: Isso/ é isso que tá na base desse pressuposto/ é uma concepção dealfabetização/ né? tá propondo uma mudança/ naquele modelo dealfabetização/ que/ parte só da decodificação/ propondo o modelo dealfabetização com texto/

(2º enc., 27/02/ 03 – Anexo E, trecho I)

Apesar de os PCN-LP adotarem uma perspectiva de leitura fundamentada nas

abordagens interacionista e do letramento (cf. 1º cap., item 1.7), observamos que, em (14), a

referência ao conceito de leitura desses documentos, feita por F1, é indireta por não

apresentar, textualmente, a definição que exprime a noção de leitura. Em nenhum momento

dos cinco encontros dessa etapa (cf. anexo C), F1 lê ou pede aos professores que leiam o

conceito para comentá-lo e discuti-lo com todo o grupo, não se referindo à abordagem que o

fundamenta, apesar de terem sido feitas atividades de leitura de textos dos PCN-LP nos

estudos em pequenos grupos, que apresentam conceitos, caracterização e orientações didático-

metodológicas para a prática de leitura e formação do leitor na escola. A referência ao

conceito em estudo também ocorre de modo simplificado, reduzido, já que em todas às vezes

que se discute sobre leitura, a base da definição desse conceito se fundamenta,

principalmente, em uma estratégia: a decodificação – ler não é decodificar. Entretanto, essa

estratégia surge em função de se discutirem outros conteúdos de ensino de língua,

especificamente, associados à alfabetização (explicitaremos melhor essa ocorrência quando

analisarmos os processos de solidarização e sobreposição de conceitos, ainda neste capítulo).

Dessa forma, como as referências à concepção de leitura são feitas de modo indireto,

tivemos que deduzir esse conceito a partir das atividades escolhidas do módulo e de outras

trazidas por F1 para serem vivenciadas na formação ou, ainda, através de comentários sobre

os conteúdos discutidos após a exibição de algum vídeo.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 139

Com esse objetivo, analisamos a atividade que deu início ao módulo, intitulada de

Ping-pong Verbal29 (cf. Anexo E, trecho IX). Essa atividade não fazia parte das orientações

metodológicas do PA - provavelmente F1 traz esse saber de suas experiências como

professora-formadora. Ao propor essa atividade F1 pretendia partir do conhecimento do PF

para poder ampliá-lo e aprofundá-lo na formação, conforme F1 explica:

(15)

F1: Espere só um instantinho.../ a gente precisa ver o que é que vocês/ sabem eo que é que vocês não sabem.../quais são as dúvidas/ quais são osequívocos.../ o que é/ que.../ vocês já tão bem demais.../ entendeu?/ que agente não precise tá entrando.../ que esse módulo não vai dar conta de serconcluído hoje.../ a gente vai.../ a gente não vai concluí-lo hoje/ então combase nisso a gente vai vendo/ o que vocês sabem e o que não sabem/ ok?(1º enc., 21/11/02 – Anexo E, trecho IX)

Assim, F1 inicia essa atividade com a seguinte frase:

(16)

F1: “Para formar alunos leitores e produtores de textos...”

Após esta, os professores-formadores fizeram a seguinte produção oralizadacoletiva:

(A) É necessário ser também um bom leitor e produtor de texto...(B) Para que ele (professor) possa ser um mediador e passar suas

experiências de leitor...

(C) Considerar a criatividade do aluno sem impor regras gramaticais...(D) Oportunizar momentos de leitura em sala de aula...

(E) Oportunizá-lo a criar e recriar histórias de leitor...(F) Mas para que isto seja feito, o aluno deve ter o incentivo do professor...

29 Para a execução da atividade do Ping-pong Verbal, produção oralizada com característica de texto escrito(MARCUSCHI, 2001), F1 formou dois grupos (A e B), cada um com seis professores colocados um diante dooutro. A atividade teve início quando F1 elaborou a frase inicial, que foi completada por um professor do grupoA. Em seguida, um professor do grupo B formulou outra frase, completando-a e, assim, deu-se continuidade, atéque os 12 participantes elaboraram cada um a sua frase, construindo um texto oralizado, já que apresentacaracterísticas do texto escrito: planejamento, organização por parte dos elaboradores, além de obedecer a umasequenciação, a uma continuidade de idéias. Os números no texto equivalem à ordem de elaboração de cadafrase por cada professor. À medida que ouvia as frases, F1 as anotava, às vezes, mudando uma ou outra palavra,reestruturando-as, sem alterar-lhe o conteúdo.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 140

(G) E é essencial que as leituras tenham um embasamento teórico doassunto do qual se quer produzir os textos...

(H) Para uma boa produção devemos estar sempre lendo...(I) Acreditando que o aluno pode produzir textos sem estar alfabetizado...

(J) Entretanto, não podemos esquecer que para ser um bom produtor detextos é preciso ser um bom leitor...

(L) E para ser um bom leitor de textos é necessário compreender a funçãosocial da escrita, sendo necessário que o educador ofereça as condiçõesao aluno, apresentando os vários portadores de textos...

(M) Fazendo com que o aluno possa partir do seu conhecimento prévio...

(N) É necessário que o professor proponha várias versões para uma produçãode textos...

(O) Versões essas que acreditamos que iremos recebê-las neste encontro.

(1º enc.,21/11/02 – Anexo E, trecho IX)

A atividade se insere na perspectiva interacionista de leitura dos PCN-LP, por ter a

finalidade de fazer o levantamento de conhecimentos prévios sobre o que os professores-

formadores identificavam ser preciso para que eles mesmos formassem alunos leitores e

produtores de textos (cf. pauta - Anexo C), como F1 afirmou:

(17)

F1: Nós vamos fazer uma produção de texto coletivo/ sobre tudo que vocêssouberem/ euh.../ a respeito de língua portuguesa.../ envolvendobasicamente aquela história da produção/ de textos/ e da formação doleitor/ certo? Então a gente.../ uma pessoa vai começar o texto.../ outrapessoa vai continuar.../

(1º enc., 21/11/02 – Anexo E, trecho IX)

Apesar desse objetivo, não identificamos, nos encontros seguintes, a retomada dessa

atividade para se fazer a ampliação das discussões ou de conceitos incompletos formulados

pelos professores-formadores, uma vez que F1 pretendia com essa atividade saber o que eles

já sabiam sobre o conteúdo do módulo. Também não foi reformulada coletivamente,

conforme prevê esse tipo de proposta.

Contudo, analisando o conceito de leitura abordado nessa produção, vemos que,

embora a formação do módulo de língua Portuguesa estivesse apenas começando, os PF

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 141

fazem referência a saberes dos PCN-LP ao estabelecer a relação entre o conceito tratado e

outros conhecimentos lingüísticos.

Observando os trechos retirados dessa produção,

(A) É necessário ser também um bom leitor e produtor de texto...

(D) Oportunizar momentos de leitura em sala de aula...

(E) Oportunizá-los a criar e recriar histórias de leitor....(G) E é essencial que as leituras tenham um embasamento teórico do assunto

do qual se quer produzir os textos...

(H) Para uma boa produção devemos estar sempre lendo..(J) Entretanto, não podemos esquecer que para ser um bom produtor de

textos é preciso ser um bom leitor...

(L) E para ser um bom leitor de textos é necessário compreender a funçãosocial da escrita, sendo necessário que o educador ofereça as condiçõesao aluno, apresentando os vários portadores de textos...

vemos que o conceito de leitura é evidenciado a partir da associação que os professores-

formadores fazem entre os seguintes conhecimentos: ser um bom leitor para se construir

leitores (A), leitura e produção textual (D), (E), (G), (H) e (J) e a compreensão da função

social da escrita como necessária para ser um bom leitor (L). Esses itens também indicam que

a prática da leitura precede e é condição para se formarem leitores e que há uma relação entre

leitura e produção textual, referência esta a saberes dos PCN-LP (1997b, p. 53), confirmada

em “... a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de leitura” e “a

leitura nos fornece a matéria prima para a escrita”. A perspectiva desses parâmetros é de que a

leitura é a base para a produção escrita, enfatizando que há uma relação intrínseca entre a

formação de leitores e de escritores competentes, embora essa relação não seja obrigatória,

como apresentada no item (L). São ainda os PCN-LP que anunciam: “A relação que se

estabelece entre leitor e escritor não é mecânica: alguém que lê bem não é automaticamente

alguém que escreve bem” (PCN-LP, op. cit, p. 52). E acrescentam quanto à inter-relação entre

leitura e produção textual:

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 142

O trabalho com a leitura tem como finalidade a formação de leitorescompetentes e, conseqüentemente, a formação de escritores, pois apossibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática deleitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referênciasmodelizadoras. A leitura, por outro lado, nos fornece a matéria primapara a escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a constituição demodelos: como escrever (PCN-LP, 1997b, p. 53, grifo nosso).

Outro saber teórico dos PCN-LP mobilizado, nessa atividade, diz respeito à função

Social da escrita exemplificada no item (L) do exemplo (16):

(L) E para ser um bom leitor de textos é necessário compreender a funçãosocial da escrita, sendo necessário que o educador ofereça as condiçõesao aluno, apresentando os vários portadores de textos.

Quando o professor-formador afirma em (L) ser a “compreensão da função social da

escrita” condição para formar um bom leitor de texto, faz referência, de modo indireto – sem

citação do conceito – ao letramento, abordagem defendida pelos PCN-LP. Para esses

Parâmetros, o ensino de língua deve propiciar ao aluno a compreensão das práticas sociais que

utilizam a leitura e a escrita, como também torná-las objeto de ensino/aprendizagem na

escola, a fim de desenvolver as competências leitora e escritora dos alunos. Proposta expressa

nos PCN-LP ao definirem letramento como sendo o “produto da participação em práticas

sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia” (cf. esse conceito no item 1.7

do 1º capítulo), como também ao afirmarem que “A leitura, como prática social, é sempre um

meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal” (PCN-LP, op.

cit., p. 57), devendo o professor ampliá-la através do contato do aluno com muitos portadores

de textos. Para esses documentos, é na interação com diversos escritos, que os alunos

testemunham a utilização que os já leitores fazem deles, além de participarem de atos de

leitura de fato, vivenciando-a enquanto prática social. Sobre isto os PCN-LP acrescentam: “É

preciso, portanto, oferecer aos alunos os textos do mundo: não se formam bons leitores

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 143

solicitando-lhes que leiam apenas durante as atividades na sala de aula” (PCN-LP op. cit., p.

56).

Podemos observar, nesse mesmo item “L” (ex. 16), que o professor-formador aponta

duas ações pedagógicas imprescindíveis para que o aluno seja leitor: uma inclui o aluno e o

professor – compreender a função social da leitura - e a outra é específica do professor - dar

ao aluno acesso aos vários portadores de texto para que ele seja leitor, referindo-se à prática

metodológica de dar ao aluno acesso a outros textos (não apenas os dos livros didáticos) e de

conhecê-los onde são, de fato, publicados. Ter acesso ao portador também implica em

proporcionar a diversidade textual que é enfocada como estratégia tanto para se alfabetizar

quanto para se ensinar a língua materna em qualquer série. Na definição de leitura que ora

apresentamos, os PCN-LP citam os portadores como um dos conhecimentos que ampliam e

contribuem para a compreensão e exercício da função social de leitura (cf. 1.7).

Um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção dosignificado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobreo assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características dogênero, do portador, do sistema de escrita etc. Prática de leitura (PCN-LP,1997b, p. 53, grifo nosso).

Esse conhecimento, portanto, é necessário também para se compreender a função dos

textos em cada uma das esferas sociais onde são produzidos e divulgados. O termo portador

aparece ainda definido em nota de rodapé como “...utilizado para referir-se a livros, revistas,

jornais, e outros objetos que usualmente portam textos, isto é, os suportes em que os textos

foram impressos originalmente” (PCN-LP, op. cit. p, 53). Assim, a presença do termo

portador em “L”, remete à proposta dos PCN-LP, apresentando-se como um dos meios de

conhecimentos dos usos de textos na sociedade que o professor deve utilizar em sala de aula

para formar um leitor competente.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 144

Dos itens elaborados pelos professores nessa “produção”, exemplo (16), cinco

estabelecem a relação entre leitura e produção textual, especificamente nos itens (A) e (J);

também apontam para a necessidade de o professor ser antes um bom leitor e produtor de

texto para poder ensinar os alunos a sê-lo. Confirmando essa preocupação, os PCN-LP, dentre

outras orientações, chamam a atenção para a importância da função do professor, enquanto

leitor para formar leitores:

Organize momentos de leitura livre em que o professor também leia. Para osalunos não acostumados com a participação em atos de leitura, que nãoconhecem o valor que possui, é fundamental ver seu professor envolvidocom a leitura e com o que conquista por meio dela. Ver alguém seduzidopelo que faz pode despertar o desejo de fazer também (PCN-LP, 1997b,p. 58, grifo nosso).

Após a análise dessa “produção”, vemos que os professores-formadores, mesmo

estando no início do estudo do módulo 4, fazem referência ao conceito de leitura dos PCN-LP

de forma indireta, como em (16), sem citar os termos interacionismo em leitura ou letramento.

Essa referência, mesmo indireta, indica que há, por parte desses professores-formadores, o

conhecimento de alguma noção teórica dos PCN-LP. Uma das causas para esta ocorrência é o

fato de esses formadores já terem estudado o módulo do Programa de Formação Profissional

Continuada / Alfabetização, (2000, p. 21-135), elaborados a partir dos PCN-LP, cujo objetivo

é demonstrar que é possível e mais produtivo se alfabetizar com textos e subsidiar os

professores nesse sentido.

Analisando a 2ª etapa da formação, vemos que F2 mobiliza, praticamente, os mesmos

saberes teóricos dos PCN-LP da 1ª etapa. Entretanto, essa mesma atividade de “Ping-pong

verbal”, anteriormente analisada (ex. 17), ao ser vivenciada na 2ª etapa da formação do PA

(cf. anexo E, trecho X), não apresenta saberes teóricos dos PCN-LP, isto é, os cursistas

(professores do EF) não fazem referência a esses saberes. Em outras palavras, a atividade não

demonstrou os mesmos resultados da realizada na 1ª etapa (com isto não estamos afirmando

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 145

que deveria se referir aos mesmos saberes dos PCN-LP). Os professores cursistas, nessa

atividade, mobilizam outra concepção de leitura, que pode ter vindo de sua formação

acadêmica, de suas experiências como professores e/ou da tradição escolar. Vejamos a

“produção” final dessa atividade na seqüência que foi elaborada pelos cursistas:

(18)

F2: Olhe/ para formar alunos leitores e produtores de texto precisam...

(a) ler / pensar...(b) interpretar...

(c) compreender / analisar...

(d) desenvolver / participar das atividades na sala de aula...

(e) incentivar e dialogar com os alunos...(f) prestar atenção / saber ouvir...

(g) organizar as idéias e refletir...(h) respeitar as pessoas e incentivar o aluno a ler o que gosta...

(i) ser criativo...

(j) oi /ler o que não gosta...(2ª etapa, 1º enc., 15/08/2003 – Anexo E, trecho X)

Em (18), os cursistas fazem um texto do gênero lista e alguns deles não compreendem

o objetivo da atividade (afirmar o que é preciso para formar alunos leitores e produtores de

textos), uma vez que citam, de forma confusa, atitudes comportamentais dos alunos como

“prestar atenção, saber ouvir, participar das atividades da sala de aula, respeitar as pessoas”, e

o papel do professor: “incentivar o diálogo com os alunos,” “incentivar o aluno a ler o que

gosta...”. Dessa atividade se deduz que a concepção de leitura dos cursistas, no início do

módulo, é predominantemente cognitivista, principalmente quando afirmam: “organizar as

idéias, compreender, interpretar, analisar, desenvolver...” e se fundamenta na definição de que

ler é compreender o que está escrito, segundo a visão do modelo descendente de leitura

(GOODMAN, 1967; cf.1.7), para o qual o sentido se constrói na relação leitor/texto através

das atividades de compreensão, de organização das idéias, de interpretação. Portanto, não é a

concepção teórica dos PCN-LP sobre leitura, que se apresenta, conforme já apresentamos.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 146

Embora em (18) se evidenciem aspectos que dizem respeito à necessidade da reflexão

como condição para ser um leitor e produtor de texto “ler/refletir, analisar ser criativo”, não

podemos afirmar, categoricamente, que há referência a saberes dos PCN-LP sobre a proposta

da construção da cidadania – letramento – nem da concepção interacionista de leitura que

também se preocupa com o desenvolvimento das habilidades do raciocínio, visto que os itens

formulados se apresentam vagos.

Comparando a realização dessa atividade nessa 2ª etapa com a realização na 1ª, vemos

que ela sofreu algumas alterações, confirmando a preocupação de Perrenoud (2002) quanto às

deturpações possíveis na cadeia da didatização de saberes. Foram várias as reduções de

informações que F2 fez ao dar as orientações de como os cursistas deveriam realizá-la (cf. a

descrição no anexo E, trecho X), como por exemplo, não lhes pedir que reformulassem as

frases quando não as produzissem conforme combinado. Possivelmente, a redução na

explicação e a condução na realização dessa atividade foram fatores que contribuíram para a

inadequação da produção final em relação ao seu objetivo: construir um texto coletivo sobre o

assunto especificado. Isso nos permite considerar que F2 apenas “aplica”, “repassa” essa

atividade vivenciada na 1ª etapa, parecendo mais uma dinâmica de grupo, uma brincadeira

entre cursistas, já que não a retoma para fazer reformulações coletiva, nem serve de base para

outras discussões, metodologia essa também negligenciada na 1ª etapa.

Entretanto, se nessa primeira atividade os cursistas não antecipam ou mesmo não se

referem ao conceito de leitura dos PCN-LP, no 3º encontro do módulo em análise, há a

utilização da referenciação a esse conceito dos Parâmetros. Após a leitura do texto intitulado

“O texto como unidade de ensino” (PCN-LP, 1997b, p. 35-36), F2 perguntou a esses

professores o que consideraram importante na leitura. Dois cursistas (C1) e (C2)30

comentaram:

30 A abreviação C1 ou C2, em cada exemplo, não se refere aos mesmos interlocutores, mas às seqüências de falados professores cursistas que se pronunciaram em um determinado contexto.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 147

(19)

C1: Eu acho que é assim/ contra o analfabetismo funcional/ mesmo sabendoler sozinho todo o texto / ler não é decodificar né?/ muitas pessoas sabemler/ decodificar né?/ quando se pergunta sobre a função que o autor dotexto quer dizer.... /

C 2: É num sabe interpretar/ e também utilizar na vida mesmo / se comunicaratravés da escrita/ né?/ pra não ter dificuldade/ num pequeno bilhete/ da /como é que eu posso iniciar/ como é que eu posso dizer?/(2ª etapa, 3º enc., 10/10/2003 – Anexo E, techo XI)

Nesse exemplo (19), vemos que os cursistas retomam as duas concepções de leitura

em que os PCN-LP se fundamentam: a visão interacionista e do letramento. Inicialmente, C1

aborda o conceito de que ler não é decodificar dos PCN-LP, conforme comentamos no Ex.

(14), se referindo, ainda, à preocupação desses documentos com o analfabetismo funcional,

apresentando-o como conseqüência de o aluno apenas decodificar. De modo que, ao mesmo

tempo em que conceituam leitura, afirmando o que não é (decodificação), apresentam uma

característica da perspectiva interacionista, também de modo indireto, ao abordarem a função

do autor do texto, reportando-se à visão de leitura que considera as intenções do autor ao

produzir o texto, perspectiva interacionista: leitor/autor via texto (KLEIMAN, 1989, 1993;

KATO, 1998, cf. 1.7). Nessa visão, a condição para se ler é saber interpretar – a decodificação

é apenas uma das estratégias que conduz à compreensão do escrito. C2 também utiliza-se do

recurso da referenciação indireta, ao abordar a visão social da leitura nos PCN-LP, o

letramento, que se caracteriza não só pelo fato de o aluno saber escrever, mas por saber

utilizar-se da escrita para atender às suas necessidades de sujeito, de cidadão. Idéia que

podemos relacionar ao fato de o aluno saber escrever um bilhete – dizemos relacioná-la, pois

saber fazer um bilhete não é suficiente para caracterizar a concepção de letramento.

Referência ao letramento também se encontra em “saber comunicar-se através da escrita” ,

estabelecida pelos Parâmetros entre leitura e escrita, aqui já comentados.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 148

A outra forma de se referir aos saberes teóricos dos PCN-LP sobre leitura ocorre

quando F2 comenta sobre a dificuldade de se ensinar a ler na perspectiva da contextualização

(equivale a alfabetização com textos):

(20)F2: Agora só que a gente sabe que também que tem essa dificuldade/ ensinar

sem contextualidade/ a gente tá formando alunos analfabetos funcionais/né?/ o problema é esse aí/ a gente ensina a ler/ a ter a idéia que ensinou aler/ e escrever mas que tipo de leitura?/ até que ponto aquela leitura queele tá fazendo vai ser relevante pra ele lá na frente?/

C1: Isso/ como aquela cartilha que o menino tava/ ninguém toma café/ pegueia xícara de café/ Paulo dá café num sei pra quem/ isso aí que que o alunovai refletir/ é só/

F2: E você viu a diferença quando ele leu a cartilha e foi ler na revista/ adificuldade a letra da cartilha é uma/ toda/ né?/ quando ele pegou arevista que foi ler/ a palavra que ele leu na cartilha muito/ quando chegouque foi ler muito/ aí a gente vê esse tipo de coisa também/ e não é aquelaleitura da cartilha que ele vai utilizar pra vida dele/ o papel da luz/ opapel da água/ e da ficha de cadastro/

C2: É uma leitura que não adianta/ é uma decodificação/(2ª etapa, 3º enc. 10/10/2003 – Anexo E, techo XI)

Em (20) vemos que tanto F2 quanto a cursita concordam que a alfabetização pelo

método da cartilha, “ensinar sem contextualidade”, produz analfabetos funcionais. Ambas

questionam o ensino da leitura que se faz na escola e o tipo de leitor que se está construindo,

em geral, não ensinando a ler os textos socialmente utilizados, perspectivas já analisadas no

exemplo (19).

Não só esses exemplos, como outros, demonstram que tanto as formadoras, os

professores-formadores, quanto os cursistas fazem referência a saberes dos PCN-LP de modo

indireto e incompleto, apenas sugerindo as teorias ou abordando alguns aspectos da

concepção referida. Nesse exemplo da 2ª etapa, há mais detalhamento de aspectos da

concepção de leitura, pois há referência ao analfabetismo funcional e à presença das intenções

do autor.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 149

Em função de essas formadoras dominarem, parcialmente, o discurso da formação dos

PCN-LP, inclusive por serem novas essas teorias de ensino de língua para elas, a referência à

teoria se caracteriza por uma visão superficial da concepção de leitura que se resume à idéia

de que ler não é decodificar. Porém, na 2ª etapa, há algumas referências que parecem ser mais

diretas com relação a saberes dos PCN, possivelmente, porque foram realizadas leituras em

sala, oralmente, com todo o grupo, e, em seguida, comentadas, especificamente, as referências

exemplificadas em (19) e (20), quando abordam analfabetismo funcional e letramento. Para

suprir a falta de aprofundamento dos conceitos tratados na formação, nesse caso, do de leitura,

formadoras e cursistas mobilizam outras noções teóricas relacionadas à prática da leitura,

solidarizando-as ou sobrepondo-as para explicar o que pretendem, conforme veremos a

seguir.

3.3. Os processos de solidarização e de sobreposição: como formar

leitores competentes

A utilização de conceitos e de noções teóricas, feitas por formadoras, professores-

formadores e cursistas, nas duas etapas da formação do PA, remetem a saberes de referência

dos PCN-LP e podem ser agrupados em dois saberes diferentes: um mais caracterizado por

noções teóricas específicas, cujo conceito básico de leitura é o de que “ler não é apenas

decodificar”, e o outro saber caracterizado não mais por um conceito específico, mas por

integrar noções teóricas relacionadas à prática metodológica da alfabetização, ora chamada de

“alfabetização contextualizada, com textos, ou alfabetização que trabalha a diversidade

textual”, cujo objetivo é formar leitor competente. Apesar de virem de campos teóricos

diferentes (visão interacionista de leitura e o outro da perspectiva do letramento), esses

saberes se solidarizam por estarem interligados na perspectiva do conceito de leitura que está

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 150

sendo construído (leitor que não apenas decodifica, mas compreende o que lê): um explica o

outro, convergindo para a compreensão da visão sobre formação de leitor desses documentos

(cf. 1.7). Também analisaremos a sobreposição de saberes, que consiste em juntar conceitos

e/ou noções teóricas que não se equivalem, para explicar um dado conteúdo, resultando num

efeito de redução do conceito tratado.

3.3.1. A solidarização de saberes

Inicialmente, observaremos exemplos das duas etapas da formação do PA, em que há

o processo de solidarização desses dois tipos de saberes – ler não é apenas decodificar e

alfabetização contextualizada –, em cuja análise mostra-se que não se formam leitores

competentes apenas ensinando-lhes a decodificar, mas através da alfabetização com textos.

Desse modo, essa metodologia evidencia uma relação intrínseca entre prática de alfabetização

e formação do leitor.

O exemplo que ora analisaremos ocorreu na vivência de uma atividade cujos objetivos

eram ler e discutir um texto dos Parâmetros: O ensino da língua e a formação dos alunos

(PCN-LP, p. 62-63), que apresenta pressupostos31 básicos para o ensino de língua. Para isto,

retomaremos o exemplo (14), renumerado agora de (21), para analisar o que F1 comentava

sobre um desses pressupostos: “É mais significativo, mais produtivo e mais eficaz aprender a

ler e a escrever por meio de textos”:

31 Como exemplo citaremos alguns desses pressupostos que se relacionam à prática da leitura: “Saber decodificarletras em sons e codificar sons em letras não significa ser capaz de utilizar a língua; a capacidade de uso éequivalente à possibilidade de falar, escutar, escrever e ler em diferentes contextos de comunicação”; “É possíveller sem saber ler”; “É mais significativo, mais produtivo e mais eficaz aprender a ler e escrever por meio detextos”; “O interesse e a dedicação à leitura dependem de se ter acesso, desde pequeno, a textos interessantes,instigantes, intrigantes, emocionantes... Os textos simplificados, destinados principalmente a focalizar algunspadrões silábicos que se deseja ensinar, em geral não seduzem as crianças nem prendem a sua atenção” (PCN-LP, op. cit. p. 62-63).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 151

(21)F1: ... eles ((os PCN-LP)) disseram que observaram uma certa mudança

relevante na forma de.../ ser alfabetizado/ então o que tá posto aí nessepressuposto é.../ o modelo de alfabetização diferente/ do modelo que levao aluno/ a decodificar/ ao invés da decodificação propõe um outromodelo/ que seria uma alfabetização com texto que tem como suporte prosujeito aprender/ não só decodificação mas as outras estratégias deleitura/

PF : a decodificação é apenas uma das estratégias de leitura/ não énecessariamente...

F1: Isso/ é isso que tá na base desse pressuposto/ é uma concepção dealfabetização/ né? tá propondo uma mudança/ naquele modelo dealfabetização/ que/ parte só da decodificação/ propondo o modelo dealfabetização com texto/

(2º encontro – 27/02/ 03 – ANEXO E, trecho I)

Ao discutir esse pressuposto, F1 afirma que o método da alfabetização da cartilha

ensina apenas a decodificar, porque não ensina a ler através de textos, e que, por isso mesmo,

não desenvolve a competência leitora dos alunos, ao contrário da alfabetização com textos,

que desenvolve outras estratégias de leitura. Embora F1 não faça citação ou referências

diretas lendo essas observações nos documentos oficiais e não explique as outras estratégias,

ela didatiza o conceito de leitura, solidarizando os conceitos de que ler não é só decodificação

e de alfabetização com textos para que se compreenda o novo conceito de leitura que

implicará numa nova metodologia da alfabetização que se constitui, por extensão, na proposta

de ensino de língua dos PCN-LP capaz de formar leitores competentes. O ensino das demais

estratégias de leitura (perspectiva interacionista) só será possível através da alfabetização com

textos (proposta do letramento - ensinar a ler e escrever através das práticas sociais da leitura

e da escrita). Ao afirmar “... eles disseram que...” F1 se refere ao discurso dos PCN-LP sobre

as mudanças verificadas em quem é alfabetizado através de textos. Coerentemente, F1 retira,

do saber de referência, a idéia base para a formação do leitor: ir além da capacidade de

decodificar sobre a qual os Parâmetros asseveram “não se trata simplesmente de extrair

informação da escrita, decodificando-a letra por letra... Qualquer leitor experiente sabe que a

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 152

decodificação32 é apenas um dos procedimentos que se usa quando se lê” (PCN-LP,1997b, p.

53). E, citando outras estratégias (seleção, antecipação, inferência e verificação), mostra que

sem elas não seria possível rapidez e proficiência na leitura, seguindo o que afirma a

perspectiva interacionista para esse conceito.

A perspectiva de que ler não é apenas decodificar se apresenta de forma enfática

nesses documentos quando esclerecem o aprendizado inicial da leitura:

É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura.A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converterletras em som, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Porconta dessa concepção equivocada, a escola vem produzindo leitorescapazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldadespara compreender o que tentam ler (PCN-LP, p. 55).

O processo de solidarização, no exemplo a seguir, baseia-se na mesma concepção de

formação de leitor, porém apresenta-se mais definida, quando F1 distingue o método de

alfabetização com a cartilha, que ela denomina de método da decodificação, do método da

alfabetização com textos, o aprender a ler lendo. Vejamos:

(22)

F1: Ele vai construindo né ? /

PF.: Então o tema deve ser a metodologia da alfabetização/ o modelo real /então a cartilha na verdade o que ela quer analisar é uma realidadeporque os professores estão muito presos às cartilhas ainda estão /trabalhando e acreditando nas cartilhas.

F1: Têm duas questões aí a serem refletidas / a primeira diz respeito ao uso ounão da cartilha / a segunda diz respeito à metodologia de alfabetização /porque a cartilha ela pode até ser usada / depende do objetivo que vocêtenha do uso da cartilha / agora o que tá sendo posto aqui / na / pelomenos na que eu entendi na fala da prof.ª M. / é a questão de uma

32 Ao afirmar que “ler não é simplesmente decodificar” os PCN-LP procuram combater um dos grandesproblemas apontados pelas pesquisas em leitura: o analfabetismo funcional. São muitos os alunos que saem da 1ªfase do ensino fundamental sem entender o que lêem, apenas decodificando letras em som. Os exames deavaliação das capacidades leitoras do ensino básico (Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB) e doensino médio (Exame Nacional do Ensino Médio –ENEM), ambos encaminhados pelo MEC, têm mostrado obaixo nível de leitura de nossos alunos, principalmente com dificuldades para interpretar, inferir informaçõestextuais, fazer relações intertextuais, dentre outras habilidades da competência leitora. A preocupação dos PCN-LP com a formação do leitor objetiva evitar essas deficiências.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 153

metodologia de alfabetização / que o que o programa propõe é que ascrianças sejam / que as crianças aprendam a ler lendo / é uma proposta /a outra é a proposta de decodificação / no aprender a ler lendo /((incompreensível)) a criança estaria usando outras estratégias para ler equem sabe essas estratégias / seriam os textos / no caso / da proposta daprof.ª M. / seria mesmo a unidade / né? / trabalharia com unidade edessa unidade menor / ia formando uma outra / até chegar no texto essapressupõe uma concepção de ensino / e a / aprendizagem da leitura /com o texto pressupõe uma outra concepção de ensino / então / R. ((umoutro professor defende que se pode fazer um uso adequado da cartilha. Adiscussão continua))

(27/03/03 – Anexo E, trecho XII)

F1, em sua intervenção, utiliza-se dos conceitos das noções teóricas de decodificação e

da alfabetização com textos, diferenciando de (21), por remeter ao saber da tradição

gramatical e ao dos PCN-LP que vem do letramento. A tradição gramatical defende que o

aprendizado inicial de língua deve começar pelo conhecimento das unidades menores, letras e

sons, para se chegar à palavra e, por último ao texto, expresso em:

“... a unidade / né? / trabalharia com unidade e dessa unidade menor / ia formando

uma outra / até chegar no texto essa pressupõe uma concepção de ensino/”

Segundo as teorias de letramento (cf. 1.7) não se aprende a ler isoladamente letras e

palavras, mas exercitando-as em textos, lendo-as e sendo orientado a refletir sobre o que se lê.

Portanto, ao mobilizar os conceitos de que ler não é apenas decodificar (concepção

interacionista) e alfabetização deve ser realizada com textos (concepção atual da lingüística,

do letramento), F1 solidariza-os possibilitando a compreensão da perspectiva teórico-

metodológica de ensino de língua através da alfabetização com textos.

Dessa forma, F1 apresenta a proposta dos PCN-LP: para se alfabetizar – “o que o

programa propõe é que as crianças aprendam a ler lendo”, contrapondo-o ao método

tradicional das cartilhas, que ela denomina de a “proposta da decodificação” –. Entretanto, ela

não esclarece como se alfabetiza no aprender a ler lendo. Mas contrapondo o aprender a ler

lendo ao método da decodificação em leitura, comprende-se que só no contato com os textos

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 154

que circulam na sociedade, os alunos, além da decodificação, exercitarão outras estratégias de

leitura que são mobilizadas quando se está tentando ler “textos de verdade”.

Assim, vemos que em (22), diante da constatação de que ainda há credibilidade no uso

da cartilha na alfabetização, principalmente por professores da zona rural, F1 repete a

explicação dada no encontro anterior de que esse método de alfabetizar prioriza apenas a

utilização da estratégia de decodificação em leitura, método que se fundamenta na perspectiva

teórica do modelo ascendente de leitura (cf. 1.7).

Igualmente ao exemplo (21), em (22) F1 defende a proposta de se ensinar a língua

através de textos, referindo-se diretamente à abordagem dos Parâmetros “...o que o programa

propõe...” para a qual formar leitores e produtores de textos implica um trabalho de linguagem

na perspectiva sócio-interacionista de língua, segundo a qual se concebe que “produzir

linguagem é produzir discursos e que o discurso, quando produzido, manifesta-se

lingüisticamente por meio de textos” (PCN-LP, p. 25). Portanto, formar leitor implica em

ensinar os alunos a lerem e produzirem textos.

Após F2 ter participado da 1ª etapa da formação, verificamos como essa formadora

didatiza o conceito de leitor competente na 2ª. Nessa etapa, observamos que houve os dois

processos: solidarização e sobreposição de conceitos e/ou noções teóricas dos PCN-LP.

Igualmente como na 1ª etapa, F2 também se utiliza do processo da solidarização de conceitos

e o faz mobilizando os mesmos saberes da etapa anterior. Vejamos o exemplo, a seguir, em

que F2 discutia com os cursistas sobre contextualização:

(23)

C1: porque é contextualizar no meu entender seria/ refletir de acordo com oconhecimento do aluno/ contextualizar a escrita/ o conhecimento que oaluno já tem sobre o texto / de leitura/

F2: todo mundo concorda? /C2: aqui também entra o que foi lido, né?/ e a língua se realiza com o uso das

práticas sociais/

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 155

F2: Você não vai trabalhar uma coisa isolada né? / (mas) contextualizando/buscando/ a vivência / aproveitando os conhecimentos do aluno/ eh/substituição da cartilha por um único texto/ por uma diversidade de texto/num é? / é porque tem coisas que a gente aproveita/ tem tudo aqui/ porexemplo/ você eh/ você constrói um conhecimento/ com/ quando vocêtrabalha/ construindo um conhecimento contando com a diversidade detexto/ você já tá / indo além da cartilha/ num é? /

(2º enc., 12/09/03 – Anexo E, trecho XIII)

Os cursistas apresentam visões diferentes sobre o conceito de ”contextualizar”,

entendendo-o num sentido vago. Enquanto para C1 essa prática se refere ao valorizar os

conhecimentos prévios dos alunos, C2 une escrita e leitura, expresso em “a visão de leitura e

escrita como práticas sociais”. Resumindo o que as cursistas dizem, F2 solidariza dois saberes

de campos teóricos diferentes que, inicialmente, poderiam não se juntar, não se corresponder:

os conceitos de conhecimentos prévios dos alunos (perspectiva interacionista de leitura) e de

diversidade textual (visão sócio-interacionista e do letramento para o ensino de língua), para

explicar o que é trabalhar na perspectiva da contextualização. F2 junta esses saberes opondo-

os ao uso das cartilhas, evidenciando que essa prática de ensino de língua, por não trabalhar

com textos, não considera, não permite uma prática de leitura que parta dos conhecimentos

dos alunos, além de não lhes propiciar o contato com textos diferentes que ampliariam a visão

de mundo deles. Dessa forma, o que poderia parecer inadequado, a junção que F2 estabelece

entre esses conceitos, principalmente, por serem saberes diferentes, favorecem a compreensão

sobre contextualização, uma vez que, solidarizam-se, não se negam, não se excluem.

Assim, da mesma maneira que F1 na 1ª etapa da formação, nessa 2ª, F2 também

didatiza o conceito de leitura dos PCN-LP, defendendo-o através de uma prática de ensino de

língua pautada na diversidade textual.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 156

3.3.2. A sobreposição de saberes

Apenas encontramos exemplos do processo de sobreposição de saberes – que consiste

em juntar conceitos e/ou noções teóricas que não se equivalem, para explicar um dado

conteúdo –, na 2ª etapa da formação do PA.

Em um outro encontro, em que a discussão sobre contextualização ou o ensino

contextualizado foi retomada, vamos encontrar a ocorrência da sopreposição de termos ou

noções teóricas. Isto ocorreu quando F2 respondeu a pergunta de uma cursista sobre a

possibilidade de se ensinar a divisão silábica ou silabação na proposta da alfabetização com

texto.

(24)F2: O que se fala atualmente em matéria de ensino de aprender a ler/ que seja

contextualizado né?/ a gente pode estudar/ agora desde que a palavracafé esteja assim/ fazendo parte de alguma coisa/ por exemplo/ a palavrapare/ eh/ mais na frente tem uma placa no sinal/ a menina disse quequando começou a ler ela lia pare/ pare/ pare/ em todo canto/ é só apalavra pare/ mas ali tinha um sentido né?/ tinha uma função que era demandar a pessoa parar porque estava no trânsito/ agora você usar apalavra pare/ numa cartilha/

C1: na escrita/F2: sem ser contextualizada/ solta fica sem sentido/ deixa eu mandar pegar o

vídeo/ quando a criança/ quando aprende a falar/ nem uma mãe épreparada para ensinar o seu filho a falar/ ela vai se preparando/ como éque ela fala/ ela fala ouvindo/ as outras pessoas falarem/ num é?/ se amãe fala errado ela acompanha/ né?/ se a mãe fala certo ela acompanha/do mesmo jeito é a leitura/ ele vai aprender a ler lendo/ e é mais fácil apessoa ensinar a ler/ é muito mais fácil você ensinar/

(2ª etapa, 3º enc. 10/10/2003 – Anexo E, trecho XI).

F2 utilizando-se dos termos contextualizada e aprender a ler lendo – usados nos PCN-

LP várias vezes, termos chaves para a compreensão da proposta que visa formar leitores

competentes – defende a proposta de formação de leitor desses documentos: o aluno aprende

a ler através da leitura contextualizada, e (respondendo a questão da professora cursista)

admite que a silabação de palavra pode ser trabalhada desde que em contexto. Entretanto, ao

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 157

mostrar a importância, o significado do que é a contextualização (já exemplificado com a

palavra PARE), para o aprendizado da leitura, F2 associa contextualização a aprender a ler

lendo, comparando-o à aquisição da linguagem oral. Fazendo isso, F2 utiliza-se do processo

da sobreposição de termos ou de noções teóricas, uma vez que os termos não se solidarizam,

ampliando a noção em estudo, ao contrário, eles produzem um efeito de redução,

simplificação do sentido do termo em análise – aprender a ler lendo. Primeiramente, porque o

termo contextualizada nos PCN-LP se refere à característica primordial da produção da

linguagem em que se considera seu vínculo com a situação de produção. Nessa perspectiva, a

leitura e produção de textos/discursos não devem ocorrer de forma aleatória, vejamos o que

dizem esses parâmetros sobre linguagem:

A linguagem, por realizar-se na interação verbal dos interlocutores, não podeser compreendida sem que se considere o seu vínculo com a situaçãoconcreta de produção. É no interior do funcionamento da linguagem que épossível compreender o modo desse funcionamento. Produzindo linguagem,aprende-se linguagem. Produzir linguagem significa produzir discurso.Significa dizer alguma coisa para alguém, de uma determinada forma,num determinado contexto histórico. Isso significa que as escolhas feitasao dizer, ao produzir um discurso, não são aleatórias – ainda quepossam ser inconscientes, mas decorrentes das condições em que essediscurso é realizado. (Grifo nosso, PCN-LP, 1997b, p. 25).

Assim, a redução do termo contextualizada ocorre por apenas associá-lo à prática

pedagógica da alfabetização com texto, e não se refere, em nenhum momento, às condições

concretas de produção e aos interlocutores. Em segundo lugar, porque a associação

estabelecida entre as noções teóricas de contextualização e aprender a ler lendo, no exemplo

em análise e a noção teórica de como a criança aprende a falar - ouvindo, em contato com a

fala - não se equivalem, mas se sobrepõem. Inicialmente, porque essa informação não faz

referência aos PCN-LP quando trata sobre aquisição de linguagem oral ao mostrar que o

tratamento dado à oralidade na escola tem outras especificidades, não pode ser “comparado” à

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 158

aquisição “natural” da língua feita pelo sujeito no contato com os grupos sociais. Sobre isso,

esses Parâmetros acrescentam em Língua oral, usos e formas:

Não basta deixar que as crianças falem; apenas o falar cotidiano e aexposição ao falar alheio não garantem a aprendizagem necessária. É precisoque as atividades de uso e as de reflexão sobre a língua oral estejamcontextualizadas em projetos de estudo, quer sejam da área de LínguaPortuguesa, quer sejam das demais áreas do conhecimento (PCN-LP, 1997b,p. 50).

Do mesmo modo que o aprendizado da fala, o aprendizado da escrita precisa ser

orientado, sistematizado. A simplificação do significado do termo aprender a ler lendo

ocorre, principalmente, porque não se trata de proporcionar ao aluno o contato com textos

numa vivência “espontaneísta”, apenas oferecendo-lhe textos para serem lidos ou permitindo-

lhe que ouça leituras. Essas são práticas que precisam ser mediadas pelo professor e que

apresentem objetivos definidos de aprendizagem a serem cumpridos. Uma prática pedagógica

de alfabetização que se paute na contextualização e no aprender a ler lendo implica num

trabalho que requer orientações e reflexões sistematizadas para que o aprendizado da leitura

seja efetivado e se construa, se forme o leitor competente, embora seja necessário o ensino do

código como a própria F2 afirma: “Não pode só ensinar o código / mas tem que ensinar /

porque sem o código também não há leitura / né?/“ (6º enc., 17/04/2004). Vejamos o que

esses documentos consideram Sobre o aprender a ler lendo:

O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leituraindica que não se deve ensinar a ler por meio de práticas centradas nadecodificação. Ao contrário, é preciso oferecer aos alunos inúmerasoportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que os bonsleitores utilizam. É preciso que antecipem, que façam inferências a partir docontexto ou do conhecimento prévio que possuem, que verifiquem suassuposições – tanto em relação à escrita, propriamente, quanto ao significado.É disso que se está falando quando se diz que é preciso “aprender a ler,lendo”: de adquirir o conhecimento da correspondência fonográfica, decompreender a natureza e o funcionamento do sistema alfabético, dentro deuma prática ampla de leitura. Para aprender a ler é preciso que o aluno se

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 159

defronte com os escritos que utilizaria se soubesse mesmo ler – com ostextos de verdade, portanto. (PCN-LP, 1997b, p. 56).

Retomando as características interacionistas da concepção de leitura, a citação desses

PCN-LP afirma que no aprender a ler lendo, ou seja, no contato “com os textos de verdade”,

tenta-se e aprende-se a lê-los, sem precisar da fase preparatória que precede a leitura de textos

tão usual nas cartilhas (idéia também apresentada no vídeo assistido por elas), explicitando

em que consiste essa proposta metodológica. Entretanto, F2 não enumera nenhuma das

explicações ou práticas metodológicas citadas nesses Parâmetros.

A partir dos exemplos analisados, podemos afirmar que a compreensão da nova

concepção de leitura que forma leitores competentes implica numa prática de alfabetização

com textos, e, para explicá-la as formadoras mobilizam outros conceitos, solidarizando-os. A

preocupação das formadoras é fazer com que professores-formadores e cursistas entendam a

nova perspectiva de ensino de leitura e, conseqüentemente, de ensino de língua que tem como

base também uma prática pautada na diversidade textual. Em função disso, há momentos em

que o conceito de diversidade textual é trabalhado isoladamente, sem solidarizar-se com

outros, com o intuito de construir a concepção de ensino de língua. Nesses momentos, os

cursistas, ao descreverem a realidade de trabalho, apresentam outras dificuldades que os

impedem de porem em prática a proposta dos PCN-LP de formar leitores competentes.

Analisemos o exemplo em que F2 pergunta a uma cursista como ela trabalha fundamentando-

se na diversidade textual:

(25)

F2: Aí/ como é que você trabalha?/ com diversidade de texto?/C: Assim textos de propaganda/ de rótulos né?/ e a história deles mesmo/ a

realidade / contando a historinha deles mesmo/ a realidade / e procurandoo tipo de texto e diversos/ tipos de textos no livro né?/ é porque têm textosque/ não são fáceis de leitura/ esses textos desse livro mesmo que veioagora/ de língua portuguesa/ é um texto muito difícil/ pra ser sincera/ nósque somos professores/ nem todos sabem/ nós não sabemos dessetexto/((incompreensível)) completamente/ é um texto que a pessoa pra/

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 160

interpretar esse texto/ ele tem que ler/ e pra nós trabalhar em sala de aulade aula com ele/ vai ser muito difícil/ magina/ tem professor que nem elepróprio sabe interpretar o texto/ quanto mais uma criança?/ e se nós nãose aprofundar numa leitura de texto/ não pegar o conhecimento total/como é que esse aluno vai ter um bom desenvolvimento?/

(4º enc. 21/02/04 – Anexo E, trecho XIV).

Ao abordar, de modo superficial, em (25), o trabalho com a diversidade textual apenas

citando os vários “tipos de textos” que utiliza - propaganda, rótulos, história de vida, livros de

literatura –, a cursista demonstra não só a sua dificuldade em entender essa proposta, mas

revela a sua condição e a condição de professores do EF, enquanto leitores, que não

conseguem, não sabem interpretar textos literários da coleção distribuída aos alunos pelo

programa do MEC “Coleção literatura em casa”, quando afirma “... é porque tem texto que

não são fáceis de leitura/ esses textos desse livro mesmo que veio agora/ de língua portuguesa/

é um texto muito difícil.../”. Constatação essa, constrangedora, visto que o professor sabe que

não sabe, tem o material (os livros de literatura), mas não pode usá-los, porque não interpreta

o que lê. Se não entende, não tem condições de trabalhá-los com os alunos. Ele, igualmente

com o aluno, decodifica textos cujas informações básicas do tipo onde, o quê, quando, quem,

como e porque são fáceis de identificar. Textos literários, além de exigirem tempo para a

leitura, requerem mais conhecimentos, vivência de leitura para a interpretação das figuras de

linguagem, além do domínio de outras estratégias de leitura, como a inferência, para serem

interpretados. Isso nos leva a afirmar que o professor, nessas condições, seria um analfabeto

funcional por não ter o domínio de habilidades exigidas pela profissão e estar, em seu

trabalho, possivelmente “fingindo que ensina” aos alunos.

A dificuldade em didatizar os conceitos decorre, principalmente, da presença de

conteúdos novos nos PCN-LP, como diversidade textual (gêneros textuais), que têm gerado

muitos questionamentos. Sobre essa diversidade, os PCN esclarecem que cabe à escola “a

constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem a partir da diversidade

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 161

de textos que circulam socialmente”, como também, ensinar a produzi-los e interpretá-los

(PCN, 1997b, p. 30). A relevância dessa abordagem está proposta também em “Tratamento

didático”, quando os Parâmetros resumem: “Eis a primeira e talvez a mais importante

estratégia didática para a prática de leitura: o trabalho com a diversidade textual. Sem ela

pode-se até ensinar a ler, mas certamente não se formarão leitores” (PCN, op. cit., p. 55). Na

proposta de trabalhar a língua através da diversidade textual, o aluno terá contato com os mais

variados gêneros textuais que pertencem às diversas esferas sociais, não só para compreendê-

los, mas para produzi-los quando deles necessitar.

Após essa análise, podemos afirmar que F2 didatiza o conceito de leitura mobilizando

basicamente os mesmos saberes que predominam na etapa anterior, conforme explicitado:

conceitos e noções teóricas sobre leitura - ler não é decodificar - exemplos F2 (19) e F2 (20) e

os relativos à prática metodológica da alfabetização com textos - leitura contextualizada -, F2

(23) e F2 (24), especificamente como no exemplo de F1 (21); na noção teórica do aprender a

ler lendo como em F1 (22); e sobre a importância da diversidade textual em F2 (25).

Demonstraremos, a seguir, em um quadro síntese, os saberes de referência dos PCN-

LP mobilizados na didatização dos conceitos de leitura e de leitor nas duas etapas de

formação do PA, para que se verifique com mais precisão a presença desses saberes nos

exemplos de solidarização e sobreposição.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 162

QUADRO 3 - CONCEITOS MOBILIZADOS NA PRIMEIRA ETAPA DO PARÂMETROS EM AÇÃO

SABERES DE REFERÊCIA – PCN-LP DITADITAZÃO DOS CONCEITOSCONCEITOSMOBILIZADOS INTERACIONISMO LETRAMENTO MÊTODO FÔNICO SOLIDARIZAÇÃO

LEITURA

LEITOR

- Um processo no qual o leitorrealiza um trabalho ativo deconstrução do significado dotexto, a partir dos seus objetivos,do seu conhecimento sobre oassunto, sobre o autor, de tudoque sabe sobre a língua:característica do gênero, doportador, (os suportes em que ostextos foram impressosoriginalmente), do sistema deescrita, etc. Não se tratasimplesmente de extrairinformação da escrita,decodificando-a letra por letra.Trata-se de uma atividade queimplica, necessariamente,compreensão na qual ossentidos começam a serconstituídos antes da leiturapropriamente dita.” Qualquerleitor experiente que conseguiranalisar sua própria leituraconstatará que a decodificação éapenas um dos procedimentosque se utiliza quando se lê: aleitura fluente envolve uma sériede outras estratégias, comoseleção, antecipação, inferênciae verificação, sem as quais nãoé possível rapidez e proficiência(PCN-LP,1997, p. 53).- Uma estratégia de leitura (visãopsicolingüística) é um amploesquema para obter, avaliar eutilizar informação. Asestratégias são recursosutilizados para construirsignificado enquanto se lê.Estratégias de seleçãopossibilitam ao leitor se ater aosíndices úteis, desprezando osirrelevantes; de antecipaçãopermitem supor o que está porvir; de inferência permitemcaptar o que não está dito notexto e de verificação tornampossível o “controle” sobre aeficácia ou não das demaisestratégias. O uso dessasestratégias durante a leitura nãoocorre de forma deliberada – amenos que, intencionalmente, sepretenda fazê- lo para efeito deanálise do processo (PCN, op.cit: 53).

- Alguém que, por iniciativaprópria é capaz de selecionar,dentre os textos que circulamsocialmente, aqueles que podematender a uma necessidade sua.Que consegue utilizarestratégias de leitura adequadaspara abordá-los de forma aatender a essas necessidades(PCN, op. cit., p. 54).

{...}formar alguém quecompreende o que lê; que possaaprender a ler também o quenão está escrito, identificandoelementos implícitos; queestabeleça relações entre o textoque lê e outros textos já lidos;que saiba que vários sentidospodem ser atribuídos a um texto;que consiga justificar e validar asua leitura a partir da localizaçãode elementos discursivos (PCN-LP, op. cit. p. 54).

- Letramento, aqui, éentendido como produtoda participação empráticas sociais queusam a escrita comosistema simbólico etecnologia. São práticasdiscursivas queprecisam da escrita paratorná- las significativas,ainda que às vezes nãoenvolvam as atividadesespecí ficas de ler ouescrever. Dessaconcepção decorre oentendimento de que,nas sociedades urbanasmodernas, não existegrau zero de letramento,pois nelas é impossívelnão participar, dealguma forma, dealgumas dessas práticas(PCN-LP, p. 23).

- Letramento é o que aspessoas fazem com ashabilidades de leitura ede escrita, em umcontexto específico, ecomo essas habilidadesse relacionam com asnecessidades, valores epráticas sociais, ou seja,é o conjunto de práticassociais relacionadas àleitura e à escrita emque os indivíduos seenvolvem em seucontexto social(SOARES, 1998, p. 72).

- Se o objetivo é queo aluno aprenda aproduzir e ainterpretar textos, nãoé possível tomarcomo unidade básicade ensino nem aletra, nem a sílaba,nem a palavra, nem afrase, quedescontextualizadas,pouco tem a ver coma competênciadiscurs iva que équestão central.Dentro desse marco,a unidade básica deensino só pode ser otexto, mas isso nãosignifica que não seenfoquem as palavraou frases nassituações didáticasespecíficas que oexijam (PCN-LP, p.36).

Ex. 22F1: Ele vai construindo né ?/ PF.:Então o tema deve ser ametodologia da alfabetização/ omodelo real / então a cartilha naverdade o que ela quer analisar éuma realidade porque osprofessores estão muito presos àscartilhas ainda estão / trabalhandoe acreditando nas cartilhas.

F1: Têm duas questões aí a seremrefletidas / a primeira diz respeitoao uso ou não da cartilha / asegunda diz respeito àmetodologia de alfabetização /porque a cartilha ela pode até serusada / depende do objetivo quevocê tenha do uso da cartilha /agora o que tá sendo posto aqui /na / pelo menos na que euentendi na fala da prof.ª M. / é aquestão de uma metodologia dealfabetização / que o que oprograma propõe é que ascrianças sejam / que as criançasaprendam a ler lendo / é umaproposta / a outra é a propostade decodificação / no aprender aler lendo / ((incompreensível)) acriança estaria usando outrasestratégias para ler e quem sabeessas estratégias / seriam ostextos / no caso / da proposta daprof.ª M. / seria mesmo aunidade / né? / trabalharia comunidade e dessa unidade menor/ ia formando uma outra / atéchegar no texto essa pressupõeuma concepção de ensino / e a/ aprendizagem da leitura / como texto pressupõe uma outraconcepção de ensino / então /((um outro professor defende quese pode fazer um uso adequadoda cartilha. A discussão continua))(Anexo E, trecho XII - 27/03/03).

Ex. 21F1: ... eles ((os PCN-LP))disseram que observaram umacerta mudança relevante na formade.../ ser alfabetizado/ então o quetá posto aí nesse pressuposto é.../o modelo de alfabetizaçãodiferente/ do modelo que leva oaluno/ a decodificar/ ao invés dadecodificação propõe um outromodelo/ que seria umaalfabetização com texto que temcomo suporte pro sujeitoaprender/ não só decodificaçãomas as outras estratégias deleitura/PF : a decodificação é apenasuma das estratégias de leitura/não é necessáriamente...F1: Isso/ é isso que tá na basedesse pressuposto/ é umaconcepção de alfabetização/ né?tá propondo uma mudança/naquele modelo dealfabetização/ que/ parte só dadecodificação/ propondo omodelo de alfabetização comtexto/ (Anexo E, trecho I -27/02/0300).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 163

QUADRO 4 - CONCEITOS MOBILIZADOS NA SEGUNDA ETAPA DO PARÂMETROS EM AÇÃO

SABERES DE REFERÊCIA – PCN-LP DITADITAZÃO DOS CONCEITOSCONCEI-TOS

MOBILI-ZADOS

CONCEPCÃODE

LINGUAGEMINTERACIONISMO LETRA-

MENTOMÊTODOFÔNICO

SOLIDARI-ZAÇÃO

SOBREPO-SIÇÃO

LEITURA

LEITOR

- A linguagem,por realizar-se nainteração verbaldosinterlocutores,não pode sercompreendidasem que seconsidere o seuvínculo com asituação concretade produção. Éno interior dofuncionamentoda linguagemque é possívelcompreender omodo dessefuncionamento.Produzindolinguagem,aprende-selinguagem (PCN-LP, p. 25).- Produzirlinguagemsignifica produzirdiscurso.Significa dizeralguma coisapara alguém, deuma determinadaforma, numdeterminadocontextohistórico. Issosignifica que asescolhas feitasao dizer, aoproduzir umdiscurso, não sãoaleatórias –ainda quepossam serinconscientes,mas decorrentesdas condiçõesem que essediscurso érealizado (PCN-LP, p. 25).

- Não bastadeixar que ascrianças falem;apenas o falarcotidiano e aexposição aofalar alheio nãogarantem aaprendizagemnecessária. Épreciso que asatividades de usoe as de reflexãosobre a línguaoral estejamcontextualizadasem projetos deestudo, quersejam da área deLínguaPortuguesa, quersejam dasdemais áreas doconhecimento(PCN-LP, op. cit.p. 50).

- Um processo no qual o leitorrealiza um trabalho ativo deconstrução do significado do texto,a partir dos seus objetivos, do seuconhecimento sobre o assunto,sobre o autor, de tudo que sabesobre a língua: característica dogênero, do portador, (os suportesem que os textos foram impressosoriginalmente), do sistema deescrita etc. Não se tratasimplesmente de extrairinformação da escrita,decodificando-a letra por letra.Trata-se de uma atividade queimplica, necessariamente,compreensão na qual os sentidoscomeçam a ser constituídos antesda leitura propriamente dita.”Qualquer leitor experiente queconseguir analisar sua próprialeitura constatará que adecodificação é apenas um dosprocedimentos que se utilizaquando se lê: a leitura fluenteenvolve uma série de outrasestratégias como seleção,antecipação, inferência everificação, sem as quais não épossível rapidez e proficiência(PCN-LP,1997, p. 53).- Uma estratégia de leitura (visãopsicolingüística) é um amploesquema para obter, avaliar eutilizar informação. As estratégiassão recursos utilizados paraconstruir significado enquanto selê. Estratégias de seleçãopossibilitam ao leitor se ater aosíndices úteis, desprezando osirrelevantes; de antecipaçãopermitem supor o que está por vir;de inferência permitem captar oque não está dito no texto e deverificação tornam possível o“controle” sobre a eficácia ou nãodas demais estratégias. O usodessas estratégias durante aleitura não ocorre de formadeliberada – a menos que,intencionalmente, se pretendafazê- lo para efeito de análise doprocesso (PCN, op. cit: 53).

- Alguém que, por iniciativaprópria é capaz de selecionar,dentre os textos que circulamsocialmente, aqueles que podematender a uma necessidade sua.Que consegue utilizar estratégiasde leitura adequadas para abordá-los de forma a atender a essasnecess idades (PCN, op. cit., p.54).

{...}formar alguém quecompreende o que lê; que possaaprender a ler também o que nãoestá escrito, identificandoelementos implícitos; queestabeleça relações entre o textoque lê e outros textos já lidos; quesaiba que vários sentidos podemser atribuídos a um texto; queconsiga justificar e validar a sualeitura a partir da localização deelementos discursivos (PCN-LP,op. cit. p. 54) .

- Letramento,aqui, éentendidocomo produtoda participaçãoem práticassociais queusam a escritacomo sistemasimbólico etecnologia.São práticasdiscursivasque precisamda escrita paratorná- lassignificativas,ainda que àsvezes nãoenvolvam asatividadesespecíficas deler ouescrever.Dessaconcepçãodecorre oentendimentode que, nassociedadesurbanasmodernas, nãoexiste grauzero deletramento,pois nelas éimpossível nãoparticipar, dealguma forma,de algumasdessaspráticas (PCN-LP, p. 23).- Letramento éo que aspessoas fazemcom ashabilidades deleitura e deescrita, em umcontextoespecífico, ecomo essashabilidades serelacionamcom asnecessidades,valores epráticassociais, ouseja, é oconjunto depráticas sociaisrelacionadas àleitura e àescrita em queos indivíduosse envolvemem seucontexto social(SOARES,1998, p. 72).

- Se o objetivoé que o alunoaprenda aproduzir e ainterpretartextos, não épossível tomarcomo unidadebásica deensino nem aletra, nem asílaba, nem apalavra, nem afrase, quedescontextualizadas, poucotêm a ver coma competênciadiscursiva queé questãocentral. Dentrodesse marco,a unidadebásica deensino só podeser o texto,mas isso nãosignifica quenão seenfoquem aspalavra oufrases nassituaçõesdidáticasespecíficasque o exijam(PCN-LP, p.36).

Ex.: 23C1: porque écontextualizarno meuentender seria/refletir deacordo com oconhecimentodo aluno/contextualizara escrita/ oconhecimentoque o aluno játem sobre otexto / deleitura/

F2: todomundoconcorda? /

C2: aquitambém entrao que foi lido,né?/ e a línguase realiza como uso dasprática sociais/

F2: Você nãovai trabalharuma coisaisolada n? /(mas)contextualizando/ buscando/a vivência /aproveitandoosconhecimentosdo aluno/ eh/substituição dacartilha por umúnico texto/por umadiversidade detexto/ num é? /é porque temcoisas que agenteaproveita/ temtudo aqui/ porexemplo/ vocêeh/ vocêconstrói umconhecimento/com/ quandovocê trabalha/construindo umconhecimentocontando coma diversidadede texto/ vocêjá tá / indoalém dacartilha/ numé? (Anexo E,trecho XIII -12/09/03).

Ex: 24F2:O que se falaatualmente emmatéria de ensinode aprender a ler/que sejacontextualizadoné?/ a gentepode estudar/agora desde quea palavra caféesteja assim/fazendo parte dealguma coisa/ porexemplo/ apalavra pare/ eh/mais na frentetem uma placa nosinal/ a meninadisse que quandocomeçou a ler elalia pare/ pare/pare/ em todocanto/ é só apalavra pare/mas ali tinha umsentido né?/ tinhauma função queera de mandar apessoa pararporque estava notrânsito/ agoravocê usar apalavra pare/numa cartilha/C1: na escrita/F2: sem sercontextualizada/solta fica semsentido/ deixa eumandar pegar ovídeo/ quando acriança/ quandoaprende a falar/nem uma mãe épreparada paraensinar o seufilho a falar/ elavai sepreparando/como é que elafala/ ela falaouvindo/ asoutras pessoasfalarem/ num é?/se a mãe falaerrado elaacompanha/ né?/se a mãe falacerto elaacompanha/ domesmo jeito é aleitura/ ele vaiaprender a lerlendo/ e é maisfácil a pessoaensinar a ler/ émuito mais fácilvocê ensinar/(Anexo E, trechoXI - 10/10/2003).

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 164

Nas colunas iniciais são apresentados os saberes de referência dos PCN-LP que foram

mobilizados nos exemplos em que há os processos de solidarização ou de sobreposição.

Conforme vimos na análise, os saberes apresentados no quadro nos permitem verificar o que

foi omitido, simplificado ou mesmo deturpado na didatização dos conceitos em estudo.

Observando o quadro, vamos encontrar exemplos que estão diretamente relacionados ao

conceito de leitura ou de leitor. Entretanto, na formação, esses conceitos não ocorrem de

modo iso lado, mas numa interação em que um remete ao outro convergindo para buscar a

compreensão da proposta de formar leitor competente.

Conforme o quadro, constatamos que formadoras e cursistas didatizam o conceito de

leitura e a proposta para formar leitor competente dos PCN-LP, basicamente, mobilizando as

mesmas noções teóricas, utilizando-se, principalmente, do processo de solidarização de

saberes referenciais de campos teóricos diferentes: um sobre a leitura, abordagem das

estratégias pautada na concepção interacionista – sintetizada em ler não é apenas decodificar

– outro referente ao método da alfabetização a partir da diversidade de textos e de uma prática

pedagógica em que a leitura é contextualizada, pautados na abordagem do letramento e na

perspectiva sócio-interacionista (conforme especificados no 1º capítulo). Embora menos

freqüente, a sobreposição também ocorreu, porém na 2ª etapa da formação, quando F2 associa

noções teóricas que não se recobrem, como o aprender a ler lendo (perspectiva da

alfabetização com textos), à aquisição da linguagem oral, simplificando, assim, a noção

teórica dos PCN-LP para o aprendizado da leitura, conforme comentado. De modo geral, no

processo de solidarização, as noções teóricas mobilizadas convergem para a visão de ensino

de língua, cujo objetivo é formar leitores que compreendem o que lêem e que sabem utilizar-

se da língua para atender as suas necessidades enquanto sujeito. Certamente, outros saberes

foram mobilizados nas duas etapas, mas em relação à didatização do conceito de leitura, os

teóricos foram os que se evidenciaram.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 165

Neste trabalho, verificaremos, na seqüência da análise, no próximo capítulo, os efeitos

da formação do PA nas aulas de leitura dos cursistas. Ou seja, analisaremos aulas de leitura de

três séries do EF, cujos professores cursistas participaram da 2ª etapa da formação do PA,

com o objetivo de verificar se a concepção de leitor competente dos PCN-LP, apresentada na

formação desse programa, é didatizada pelo professor em sala de aula, e se possibilitou

mudança no ensino.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 166

4º CAPÍTULO

4. O conceito de leitura no Ensino Fundamental: que leitor a

escola está formando?

Tornar-se leitor significa ter acesso aos escritos sociaissabendo encontrá-los onde eles estão. Significa, pois, ser usuário dosequipamentos coletivos. O leitor não é aquele que lê o livro que lhe éproposto, mas aquele que cria seus próprios meios de escolher oslivros que irá ler, que pratica uma atividade “metaléxica” nascolunas dos jornais, nas livrarias, na biblioteca; é aquele queconhece os meios para encontrar e diversificar os textos ligados aosseus interesses.

Jean Foucambert (1994, p. 135)

Tendo como base o objetivo deste trabalho, que é analisar a didatização (cf. 2.1) do

conceito de leitor competente dos PCN-LP, após ser veiculado na formação do Programa PA,

este capítulo procura verificar como esse conceito é didatizado em aulas de leitura do EF

cujos professores fizeram a formação do PA. Observaremos como o professor faz referência a

saberes dos PCN-LP sobre a formação do leitor, como os interpreta, transforma ou se os

ignora, mobilizando apenas saberes da tradição escolar. Assim, a análise da 3ª etapa desta

pesquisa retoma os conceitos de leitura, vistos nos capítulos anteriores, relacionando-os com

os dos professores para verificar se, os dessa etapa, possibilitam a formação do leitor

competente. Com isso, refletiremos ainda sobre os efeitos dos cursos de formação continuada

em sala de aula. Nosso foco de observação são aulas de língua materna em que se objetivava

o ensino/aprendizagem da leitura em salas de 2ª, 3ª e 4ª séries do EF, ou em que a leitura era

um instrumento necessário para a compreensão de conteúdos de outras disciplinas.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 167

Para desenvolvermos esse estudo, o capítulo está dividido em duas partes.

Inicialmente, faremos a contextualização desta etapa de análise, descrevendo os sujeitos

(alunos e professores), a escola e as aulas observadas, para que o leitor compreenda o

contexto em que se analisa a didatização do conceito em estudo, e possa situar as observações

feitas. Em segundo lugar, identificaremos o conceito de leitura através das atividades

desenvolvidas por professores de 2ª, 3ª e 4ª séries do EF para verificarmos se esse conceito é

ou não uma didatização da proposta dos PCN-LP e se ele possibilita a formação do leitor

competente, objetivo da formação do PA com base nos Parâmetros. Observaremos ainda em

que esse conceito se assemelha ou difere do conceito presente nas etapas anteriores do PA

quanto aos processos de solidarização e sobreposição de saberes.

4.1. Contextualizando as aulas de ensino/aprendizagem de leitura no

Ensino Fundamental

A 3ª etapa desta pesquisa, que consistiu em observar aulas em três séries do EF em

que a atividade de leitura era vivenciada, o que implicava, de alguma forma, seu

ensino/aprendizagem, ocorreu em uma escola pública de ensino fundamental e médio, que se

localiza no município de Queimadas - PB. Essa escola funcionava em dois prédios diferentes,

situados em ruas paralelas. No turno da manhã, horário em que freqüentamos a escola, eram

oferecidas quatro turmas de EF1 (uma 2ª série, duas 3ª s e uma 4ª série) e duas outras do EF2

(uma 5ª e uma 6ª série). A escola dispõe de uma biblioteca, que se encontrava fechada durante

todo o período de nossa pesquisa.

A escolha dessa escola se deu pelo fato de que as professoras das 2ª, 3ª e 4ª séries

participaram da 2ª etapa da formação do PA e se prontificaram a colaborar com a nossa

pesquisa. Não observamos aulas da 1ª série (que funcionava à tarde), porque sua professora

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 168

estava em licença médica e a que fazia a substituição temporária era a mesma da 2ª série do

turno da manhã, cujas aulas já havíamos decidido observar.

Quanto às professoras, a da 2ª série, no período da coleta de dados, tinha 22 anos,

morava no sítio Ligeiro, local da escola, e já ensinava há cinco anos em turmas de 1ª e 2ª

séries. À tarde, ela substituía a professora da 1ª série, conforme informamos. Cursava

Pedagogia na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), à noite. A professora da 3ª série

tinha 46 anos, morava também no Ligeiro e lecionava há 16. Havia cursado apenas o ensino

médio com magistério (antes denominado de pedagógico). Essa professora nos afirmou não

poder continuar os estudos devido a impedimentos de saúde e de ordem familiar. Já a

professora da 4ª série tinha 34 anos, residia num sítio, em Queimadas, e lecionava há 12 anos.

Cursava Pedagogia na UEPB, à noite, e à tarde ensinava a 3ª série, em uma escola particular.

Dentre as professoras, apenas esta dispunha do material dos PCN-LP para fazer seus estudos.

Todas eram assíduas aos encontros da formação do PA. O quadro 2, a seguir, resume o perfil

das professoras.

QUADRO 5 – Caracterizando as professoras do ensino fundamental

Iniciais dosprofessores /ano de nasc.

Formaçãoacadêmica

Séries em quelecionam

Tempo demagistério

Outrasatividades

Material dosPCN-LP

M. N. S.(1982)

Cursando Pedagogiana UEPB 2ª série 5 anos Alfabetização

(1ª série) Não tem

J. D. M.(1958)

Concluiu apenas oensino médio commagistério

3ª série 16 anos ------------------ Não tem

R. S.(1970)

Cursando Pedagogiana UEPB 4ª série 12 anos 3ª série Tem

A turma da 2ª série era composta de 35 alunos, dos quais 18 a 21 freqüentavam. A

turma da 3ª série contava com 26 alunos, freqüentando geralmente 20, e a da 4ª série tinha 23

alunos, estando presentes, em geral 18.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 169

Estamos considerando como aula de leitura não só as aulas de LP, mas as de outras

disciplinas cujas atividades envolveram a prática de leitura e que, por isso mesmo, poderiam

desenvolver a competência leitora nos alunos. Essas aulas equivaliam a 1h 30min., espaço de

tempo que, nessa escola, é dado para cada disciplina do EF. As aulas ocorrem das 7h30min às

11h30min., com o intervalo para lanche das 9h às 9h30min. Duas disciplinas são estudadas

por dia: uma antes do intervalo e a outra após.

Inicialmente, assistimos a 8 aulas, apenas com o objetivo de que alunos e professoras

se adaptassem à nossa presença, sem fazermos gravações; depois, gravando alguns momentos

das aulas de Língua Portuguesa, Ciências, Religião e História. Em geral, os alunos não

demonstravam estranhar a nossa presença, portando-se, segundo as professoras, praticamente

do mesmo modo como quando não estávamos em sala, ou seja, como elas mesmas os

descreviam: fazendo muito barulho e agindo com indisciplina.

As aulas de Língua Portuguesa ocorriam no intervalo de 7h 30 min. às 9h, e nelas

desenvolviam-se atividades de leitura, produção de texto e gramática; as demais disciplinas

ocorriam no segundo horário. Contamos com 7h 30 min. de aulas de leitura gravadas e

anotadas, e com 12h de aulas de leitura que constam apenas em anotações de campo, o que

faz um total de 19h 30 min. O quadro 3, a seguir, descreve as aulas analisadas, apresentando

informações sobre as séries observadas: o dia das aulas, o número de alunos por aula, os

instrumentos de coleta de dados, os conteúdos ministrados e/ou atividades desenvolvidas, as

fontes dos textos trabalhados e as disciplinas das aulas analisadas.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 170

QUADRO 3 – AS AULAS DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE LEITURA NO ENSINOFUNDAMENTAL

Série Data Nº.Alunos Duração Inst. de

coletaAtividades desenvolvidas e/ou conteúdos

abordadosFontes dos

textos Disciplina

2ª 16/07/04 14 1h30min Anot. decampo

- Leitura de cartazes com corações dediferentes cores para associá-los à condutahumana quanto à pureza de coração.- Atividade de interpretação.

Outra fonte Religião

2ª 27/07/04 16 1h30min Anot. decampo

- Leitura em voz alta de textos diferentesescolhidos pelos alunos.- Leitura e interpretação do texto “O planetasujão”, de Francis Rodrigues.

L.didático

L.didáticoCiências

2ª 18/08/04 20 1h30min Anot. decampo

- Leitura em voz alta do texto “Curupira”;- Canto de várias músicas folclóricas. Outra fonte História

2ª 20/08/04 31 3 horasGrav. eanot.de campo

- Leitura em voz alta do texto “Vestidinhovermelho” de Maurício de Souza.- Atividade de leitura e interpretação do texto“A escolinha do mar”.

L.didático(p. 183)

L.didático

L.Portug.

2ª 27/08/04 30 1h30minGrav. eanot. decampo

- Leitura e interpretação oral de lendas dofolclore: iara, curupira, sacy, caipora,lobisomem.

Outra fonte História

3ª 26/07/04 19 1h30minAnot. decampo

- Texto: “Itabira - a cidade deDrummond”. Objetivo: comparar a cidade dopoeta com o sítio Ligeiro (local da escola),para identificar o que seria necessário paratransformá-lo em município.

L.didático História

3ª 30/07/04 14 1h30min Anot. decampo

- Leitura em voz alta e interpretação oral dotexto: “Duas versões de contos de fadas”, emO fantástico mundo de Feiurinha, de PedroBandeira.- Atividade de gramática: classificação dossubstantivos concretos e abstratos.

L.didático(p. 70-71)

Exercíciono quadro

L.Portug.

3ª 06/08/04 16 1h30minGrav. eanot. decampo

- Leitura em voz alta e interpretação do texto:“Meu querido, meu velho, meu amigo”, deRoberto e Erasmo Carlos.- Atividade de gramática: identificação desubstantivos e verbos no texto.

Outra fonte

Exercíciono quadro

L.Portug.

3ª 10/08/04 18 1h30minGrav. eanot.de campo

- Continuação da atividade de interpretaçãodo texto “Meu querido, meu velho, meuamigo”.- Conteúdo gramatical com atividade escrita:encontro vocálico e substantivos coletivos.

Outra fonte

Exercíciono quadro

L.Portug.

4ª 08/03/04 16 1h30min Anot. decampo

- Leitura compartilhada do texto: “O homeme a mulher”, de Victor Hugo.- Interpretação da música: “Mulher”, deErasmo Carlos.- Exercício sobre prefixos e sufixos.

Outra fonte

Exercíciono quadro

L.Portug.

4ª 15/03/04 16 1h30min Anot. decampo

- Atividade de gramática: pontuar um textoproposto no LD.- Leitura em voz alta feita pelos alunos dotexto pontuado.- Leitura do texto “Se eu fosse um super-herói?”- Produção textual: o que você faria se fosseum super-herói?

L.didático

L.didático(p. 22)

L.Portug.

4ª 17/03/04 15 1h30min Anot. decampo

- Leitura compartilhada do texto “Deusmanda contar o povo de Israel”, do livro Abíblia em uma história para cada dia do ano:da criação à ressurreição.- Leitura em voz alta do texto “O uniformeescolar: sim ou não?”, de AngiolinaBragança e Isabelle Carpaneda.

Outra fonte

L.didático(p. 123)

L.Portug.

4ª 10/03/04 16 1h30min Anot. decampo

- Leitura em voz alta e atividade deinterpretação do texto “Vovó comprou umacasa” de Laís Carr Ribeiro, no LD.- Encontro vocálico.- Aplicação de exercício.

L.didático(p. 25)

L.didático(p. 13)

L.Portug.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 171

Embora a escola adote e distribua LD, as professoras, principalmente da 2ª e da 3ª

séries, apresentavam, vez por outra, textos de outras fontes, justificando que os utilizavam

porque os alunos consideram a maioria dos textos do LD extensos e difíceis de ler. No

período de observação, a coleção utilizada era “Bem te li”, de Angeolina Bragança e Isabella

Carpaneda, da Editora FTD, indicado pelo PNLD, em 2004, tipo M.

Os alunos, em geral, faziam muito barulho, e só silenciavam um pouco ao copiarem

atividades do quadro ou nos momentos em que respondiam a questões por escrito. As

professoras demonstravam dificuldades em manter “o controle de classe33”, de modo que

muito tempo da aula era também utilizado para pedir silêncio. O barulho e a indisciplina em

sala de aula ocasionaram gravações inaudíveis, impossibilitando-nos de transcrever diversos

trechos gravados. Essa desatenção e balbúrdia nos levaram a considerar que o domínio de

classe é uma das competências cuja discussão é necessária na formação do professor, e que há

carência de estudos urgentes e de caráter atual para dar-lhe suporte.

Considerando a postura das professoras nas salas de aula, constatamos que a da 4ª

série conseguia, com sermões e advertências, uma maior participação dos alunos. Já as da 2ª e

da 3ª séries, por serem mais tímidas, não chegavam a controlar a classe. Uma estratégia

utilizada por elas, para mantê-los relativamente silenciosos, era a de fazê-los copiar nos

33 O controle de classe implica em ações encaminhadas pelo professor com a finalidade de conseguiruma certa adesão e disciplina dos alunos durante as aulas. Atualmente é considerado como uma dascompetências do professor. Perrenoud (2000), no livro 10 Novas competências para ensinar, inclui no capítulo 9– “Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão” a discussão dessa competência ao abordar temas como:“Participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação daconduta (p. 149); analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula (p. 151)”, mostrando queo professor, hoje, necessita dessa competência para ensinar. Esses e outros estudos nos mostram que a disciplinaem sala de aula está inserida em dois dos quatro pilares que a educação atual deve buscar (aprender a viverjuntos e aprender a ser), que foram apontados pelo Relatório sobre a Educação para o século XXI, elaborado pelaComissão De Lors, a convite da UNESCO: aprender a aprender (adquirir os mecanismos de compreensão deum amplo conhecimento geral com a oportunidade de conhecer em profundidade uma pequena quantidade deáreas), aprender a fazer (ser capaz não somente de adquirir o conhecimento técnico em uma área específica,mas de lidar com diferentes situações de maneira criativa e positiva), aprender a viver juntos (pelodesenvolvimento da compreensão das diferenças e dos valores do outro, pela cooperação e pela busca da paz), eaprender a ser (desenvolver na personalidade as potencialidades sem desconsiderar nenhum aspecto do ser:memória, razão, capacidades físicas, emocionais e espirituais). Esses quatro pilares merecem estudos de váriasáreas e a sua inclusão como conteúdo também da formação profissional docente. Uma das conseqüências da faltadessa competência já se observa na interação em sala de aula, através da atitude indisciplinada, insatisfeita, dosalunos e no seu baixo nível de aprendizagem e no despreparo e emocional do professor em sala de aula para lidarcom essa situação (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1998).

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 172

cadernos atividades que estavam no quadro de giz. Esse comportamento resultava em pouco

aproveitamento do tempo de aula. Num período de 1h e meia era comum realizarem-se apenas

duas atividades: leitura oral e a escrita, nos cadernos, de um exercício copiado do quadro.

4.2. A concepção de leitor subjacente às atividades de leitura no EF

Retomo aqui, para apoiar a análise, os conceitos de leitura e de leitor competente

propostos pelos PCN-LP (1º cap.), que se fundamentam nas perspectivas teóricas

interacionista e do letramento, e que foram didatizados nas duas etapas da formação do PA (3º

cap.), quando estabeleceu-se o conceito de que ler não é apenas decodificar, explicitado

através do método da alfabetização com textos, da prática da leitura contextualizada e de uma

abordagem de ensino/aprendizagem de língua que privilegia a diversidade textual. E,

considera como leitor competente, o indivíduo que não só decodifica, mas que compreende o

que lê, sabe os implícitos do texto, estabelece relações de intertextualidade e utiliza-se da

leitura, socialmente, para atender às suas necessidades (cf. 1.7).

Observando a atuação das professoras em atividades em que a leitura era utilizada,

verificamos que apenas uma delas fez referência a saberes dos PCN-LP, mesmo assim, o

conceito de leitura implícito que fundamentou essas atividades caracterizou-se pela

perspectiva estruturalista – modelo ascendente de leitura, em que predomina a ênfase na

decodificação –, diferentemente do que propõem os PCN-LP de acordo com o que já

discutimos (cf. 1.7, 1º capítulo). Vale lembrar que a concepção estruturalista vem sendo

suplantada por vários estudos que demonstram ser a leitura uma atividade complexa que

ultrapassa os limites da decodificação, embora precise desta estratégia para efetivar-se. Isto,

constatamos, principalmente, em duas atividades muito freqüentes: o exercício ou treino de

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 173

leitura em voz alta e a interpretação34 de textos, especificamente na ênfase dada às questões

objetivas.

Analisemos a concepção de leitura, através dos exercícios de leitura em voz alta. Esses

exercícios eram freqüentes, ocorriam sempre no início das aulas e consistiam em se fazer um

“treino oral” de leitura de textos escolhidos pelos alunos ou indicados pela professora. São

exemplos de textos lidos em voz alta:

(26)2ª série:

1. “Vestidinho Vermelho”, de Maurício de Souza, LD de Português, p. 183,(20/08/04, cf. Quadro 3).

2. “O planeta sujão”, de Francis Rodrigues, LD de Ciências (27/08/04, cf.Quadro 3).

3ª série:1. “Duas versões de contos de fadas”, de Pedro Bandeira, LD de Português,

(30/07/04, cf. Quadro 3).2. “Meu querido, meu velho, meu amigo” de Roberto e Erasmo Carlos,

(30/08/04, cf. Quadro 3).

4ª série:

1. “O uniforme escolar: sim ou não?”, de Angiolina Bragança e IsabelleCarpaneda. LD, p. 123 (17/03/04, cf. Quadro 3).

2. “Vovó comprou uma casa”, de Laís Carr Ribeiro, LD de Português, p. 25(17/03/04, cf. Quadro 3).

Na 2ª série, o texto citado no item “1” foi escolhido e lido por um grupo de alunos; o

texto citado em “2” foi indicado pela professora e lido pelos outros alunos da turma. Nas três

séries, cada aluno lia um parágrafo à medida que a professora o indicava, sem que tivesse tido

a oportunidade de fazer uma leitura silenciosa para inteirar-se do texto. Dos textos da 2ª série,

apenas o “Planeta sujão” foi comentado, precisamente na aula de Ciências do mesmo dia. Já

34 Estamos assim considerando todas as atividades que objetivam a compreensão e interpretação de textos feitasem sala de aula, oral ou por escrito, sem nos atermos às distinções que os teóricos da área como Zilberman &Silva (1991); Orlandi (1991, 1996a, 1996b, 1998ª, 1998b); Terzi (1995); Marcuschi (2001); Kleiman (1989,1993) dentre outros, apresentam para esses conceitos.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 174

nas 3ª e 4ª séries, os textos lidos, para “treinar” a leitura, eram sempre aqueles que seriam

interpretados na aula.

As duas atividades de leitura em voz alta – leitura de um texto qualquer ou do texto a

ser interpretado na aula –, se caracterizam pela concepção de leitura enquanto decodificação

por se apresentar como um trabalho, eminentemente mecânico, que apenas exercita a

habilidade de pronunciar em voz alta as palavras de textos escritos, numa decodificação de

letras e palavras em som.

A prática de leitura em voz alta é aconselhada pelos Parâmetros, desde que atenda aos

seguintes cuidados: “Toda proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da

atividade na qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto silenciosamente, com

antecedência – uma ou várias vezes” (PCN, 1997b, p. 60). Essas recomendações não foram

consideradas, pois em ambas as atividades de leitura, além de não haver uma finalidade

comunicativa, os alunos não tiveram tempo para proceder à leitura silenciosa. As professoras

apenas avaliavam a pronúncia de palavras e a entonação indicada pela pontuação, observando

as dificuldades dos alunos em lê-las. Automaticamente, as professoras faziam correções ou

antecipavam a leitura de alguma palavra quando o aluno hesitava ao pronunciá-la, não os

motivando a tentarem acertá-la. Vejamos como ocorrem antecipações e correções por parte

das professoras:

(27)

(...)A: Esses/ seus/ cabelos [kabElos] brãcos/

P: Bonitos

A: Bonitos/ esses/ olhos/ can/ sa/ do/ pro/ fun/ do [do] / me [mE] dizendo[dEzEndo] / co/ co

P: coisas/

A: co/ coisas/ um/ grito/(...) ((mais adiante com outro aluno))

A: seu/ pas/ sa/ do/me/ vi/ ve/ pre/ pre/ sen/ te/ na/ ex/ pe/ ri/ en/ ci/P: Experiência/

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 175

A: Na / experiência/ con/ ti/ das/ pe/ lo/ nossa/ nesse/ coração/ cons/ ciP: Consciente

((aula de leitura da música “Meu querido, meu velho, meu amigo))

(3ª série, 06/08/2004, Anexo E – trecho XVI)

Após cada leitura, as professoras faziam uma breve avaliação, dando um feedback

sobre a atuação dos alunos: um “muito bem”, para os poucos que leram fluentemente, ou

correções imediatas, conforme visto em (27) para os que apresentavam leitura inadequada.

O exemplo, a seguir, uma avaliação da leitura dos alunos da 3ª série, também

caracteriza a concepção de leitura como decodificação:

(28)

(...) Gente pelo amor de Deus/ vocês são crianças pré-adolescentes/ então/têm consciência das coisas que vocês estão fazendo/ como é que vocês vãoaprender a fazer uma leitura/ realmente correta/ se vocês não prestamatenção/ não fazem o acompanhamento/ fica difícil/ vocês estão lendo/mas não tão lendo bem ainda não/ não tão respeitando a pontuaçãocorreta/ onde deveria obedecer/ fazer ênfase onde realmente / precisafazer uma interrogação/ tudo isso / e vocês estão pra aprender direito/ lerpartindo os pedacinhos das palavras / vamos ver se dá pra nós cantarmosagora!/ (3ª série, 06/08/04, Anexo E – trecho XVI).

Em (28) fica evidente a concepção de leitor que lê bem – aquele que respeita a

pontuação correta.

Essa mesma concepção de leitor é apresentada pela professora da 4ª série que a

expressa também num momento de avaliação, após a leitura dos alunos:

(29)

P: “Vocês estão lendo bem/ mas estão colocando uma vírgula em todapalavra”(Anotações de campo, 4ª série, 15/03/04 – Anexo E, trecho XVIII).

Há uma contradição no comentário da professora - como pode o aluno estar “lendo

bem” se faz tanta pausa? Evidentemente, ela se refere ao fato de que eles decodificam “bem”

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 176

as palavras, mas falta-lhes o domínio da entonação, que contribui para a expressão de um

sentido para o texto. A professora separa o que por natureza está junto. Não se lê bem

palavras de um texto isoladas do contexto textual da pontuação. Por ser mecânico, a ênfase no

ensino da leitura está na habilidade de pronúncia do aprendiz, ou seja, na apreensão do som,

do ritmo, da entonação. Esse método isolado de exercícios constantes de compreensão do

texto dificulta o desenvolvimento da competência leitora. Uma prova disto é que, apesar da

freqüência dessa atividade, a maioria dos alunos das três séries ainda lia devagar, quase

silabando e sem fazer a entonação sugerida pela pontuação. Certamente sabemos da

necessidade, principalmente do leitor iniciante, em fazer não apenas uma, mas outras leituras

– silenciosas ou em voz alta –, como um dos procedimentos que contribuem para a

compreensão do texto, bem como, que apenas o ato mecânico da leitura em voz alta não lhe

garante chegar à significação e à fluência em leitura.

Enfatizando essa prática, os professores demonstram desconhecer que a competência

leitora dos alunos não será desenvolvida apenas com exercícios automáticos e repetitivos de

ler em voz alta, mas também e principalmente no convívio com a compreensão e construção

de sentidos e em contato com gêneros textuais diversos em sala de aula. Portanto, essa

atividade, tal como foi vivenciada, não faz referência a saberes dos PCN-LP, e se caracteriza

pela repetição, sem reflexão, de um saber fixado, enraizado na tradição escolar em que a

maioria dos professores do EF ainda se situa acreditando ser essa prática – da leitura em voz

alta – um recurso para a formação de leitores.

Além dessa ocorrência, a concepção de leitura como decodificação também

caracterizou as atividades de interpretação de textos. Nas três séries, observamos que muitas

questões propostas aos alunos abordavam, em sua maioria, informações explícitas, de fácil

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 177

identificação no texto, através das questões objetivas35 (MARCUSCHI, 2001): as que

indagam sobre conteúdos objetivamente inscritos no texto (o que, quem, quando, como,

onde...) caracterizando-se como um exercício de decodificação em leitura.

Na 2ª série, a professora, após ler o texto “A escolinha do mar” numa aula de Língua

Portuguesa, propôs a seguinte atividade de interpretação:

(30)

1. Quando aconteceu a excursão?2. Quando foram os preparativos para a viagem?

3. Que meio de transporte usaram?

4. Assinale a melhor alternativa.A) Dona Ostra é uma professora moderna significa que ela é:

( ) Autoritária.

( ) Atualizada.( ) Antiquada.

B)”As mães faziam recomendações”, significa que as mães:

( ) Davam orientações aos filhos.( ) Cativavam os filhos.

( ) Estavam tristes com a viagem.

(20/08/04, cf. Quadro 3)

O conjunto de perguntas elaboradas em (30) é suficiente para identificar que a

concepção de leitura é estruturalista, distanciada da concepção interacionista dos PCN-LP

proposta na 1ª e 2ª etapas da formação do PA. Um outro exemplo é a atividade de

interpretação feita oralmente, com os alunos, sobre a música de Roberto e Erasmo Carlos Meu

querido, meu velho, meu amigo, (3ª série, 06/08/2004), trabalhada na semana do dia dos pais:

(31)

P: É um pouco difícil de cantar / é preciso ter voz pra cantar música/ masmesmo assim deu pra sair/ então/ vamos fazer uma interpretação oral/

35 Marcuschi (2001), em “Compreensão de texto: algumas reflexões”, propõe uma tipologia das perguntas decompreensão em LD de Português que são: a cor do cavalo branco de Napoleão, cópias, objetivas, inferenciais.,globais, subjetivas, vale-tudo, impossíveis, e meta-linguísticas.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 178

bem rapidinho/ nessa música/ aliás nessa letra que Roberto falou aqui/escreveu com Erasmo Carlos/ ele tá falando sobre...?/

A1: o pai/P: o pai/ tá dizendo o quê?/

A1: o paiiii/

P: o pai/ mas que pai?/

A2: o pai do céu/A3: O pai da terra/

A4: O pai de Deus/P: De quem era o pai de quem escreveu?/

A3: Da terra/

A5: Pai de Jesus/P: Será que não foi para o pai da gente que escreveu essa música hein?/

A4: Foi de Deus/

A5: Foi de Jesus/A6: Foi do Cristo/

A7: Roberto Carlos/

P: Quando Roberto e Erasmo compuseram / quando eles tavam escrevendo((alunos conversam entre si)) Ele fez essa música para o pai dele/ só quetambém/ só que a gente vai oferecer pra nossos pais/ que também dámesmo certo né?/ quando ele se refere nesta afirmativa aqui/ que tipo defigura/ o pai aqui/ Roberto está falando aqui! / como é?/ é moço?/ bemjovenzinho?/

A7: É velho/P: Quais são as características que Roberto Carlos faz dele?/

A7: É velho/P: Hein!/ cabelos brancos/ que mais?/ nos cabelos brancos que bonitos/ que

mais?/

A8: Olhar profundo/P: Olhar bem profundo/ que mais?/ quais são as características que Roberto

deu definindo o pai dele nessa música?/

A8: Meu querido, meu pai, meu amigo/(3ª série, 06/08/04 – Anexo E, trecho XVI)

Nessa interação, as questões formuladas para interpretação oral do texto se restringem

a identificar informações explícitas no texto sobre quem a música fala e sobre as

características do pai homenageado.

A concepção estruturalista é também reforçada quando as professoras das três séries

mobilizam saberes da gramática tradicional através de freqüentes questões sobre taxionomias

gramaticais no mesmo exercício de interpretação de texto. Identificamos essa ocorrência não

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 179

só nessa mesma atividade, citada a seguir, em (32), conforme analisaremos, como em

atividades nas outras séries em estudo. Observemos:

(32)Interpretação do texto:1) Sobre quem a música fala?2) Qual é a mensagem da música?3) Qual a estrofe que fala sobre a vida do pai?4) Grife os encontros vocálicos no texto.5) Circule todos os verbos que aparecem no texto.6) Escreva com suas palavras uma mensagem para seu pai.(06/08/04, cf. Quadro 3)

Ao se utilizar desse procedimento, o professor traz saberes da tradição escolar sobre o

que ele entende que seja ensinar e aprender a língua – dar conta de conceitos da gramática

normativa e saber responder a questões objetivas. Ou seja, aprender a língua é aprender

gramática. As atividades sobre taxionomias gramaticais – identificar encontros vocálicos e

verbos –, dentre outras, requerem uma abordagem separada da interpretação de texto, por

apresentarem especificidades e objetivos de ensino lingüísticos diferentes. Inclusive nos PCN-

LP são vistas na pespectiva do uso, de uma reflexão sobre o uso para que, em seguida, o aluno

exercite-as, usando-as em situações de produção oral e/ou escrita.

Embora tenha se dado em uma única ocorrência, encontramos uma outra concepção de

leitura subjacente às atividades de interpretação, e que se deu quando a professora tentou

explicar para os alunos, em (33), como deveriam responder a questão 2 – trechos em negrito:

(33)

P: A mensagem tá nela toda/ você vai dizer com suas palavras/ qual amensagem que a música passa pra nós/ o que a música tá dizendo pra nós/que mensagem ela deixa?!/((incompreensível))

(...)

((explicando a outro aluno também com dúvida))P: Eu consegui ler a história todinha e vocês ainda não tiraram a mensagem

do texto/

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 180

A1: Que mensagem?P: O que ele passou pra você?/ o que foi que o cantor Roberto Carlos passou

pra você?/ deixou essa mensagem aqui/ sobre o pai/ como ele fala meuquerido/ meu velho/ meu amigo/ é uma mensagem simples/ O que foi queele deixou?/ dessa música pra você?/ Aí onde é que tá/ não tá escrito aíno papelzinho?/ você vai tirar daqui ((apontando para sua própriacabeça)) / a mensagem é essa que fala sobre isso/ isso/ isso/ com suaspalavras

A2: SimP: É com suas palavras que você vai dar sua mensagem/ tirando a mensagem

da música/

A2: Tirando a mensagem da música ((incompreensível))P: É/ mas não tá escrito aqui não/ a mensagem é essa/ a mensagem é esse

assim não/ a mensagem tá no todo/ no texto todo/ entendeu?/ não tá noespecífico no verso/ na estrofe não/ tá bom?/(3ª série, 08/08/04/, Anexo E – trecho XVI).

Inicialmente, a professora se refere a saberes de uma abordagem interacionista em que

se chega ao sentido do texto ao compreendê-lo como um todo, relacionando informações.

Nessa perspectiva, leitura não implica mais em decodificar, localizar informações

especificadas no texto, mas em saber produzir uma resposta em que as idéias centrais,

provavelmente argumentos e pontos de vistas do autor, de fato, se evidenciem, se apresentem.

Conforme está elaborada, a questão pede aos alunos que façam uma síntese das idéias do

texto quanto à homenagem feita “ao pai” pelo compositor, resumindo o que este dissera sobre

aquele.

Entretanto, mostrando que na sala de aula há o entrecruzar de teorias, o conflito entre

saberes da tradição escolar e os da formação, no caso do Programa PA, a professora, embora

tenha, inicialmente, dado uma explicação de base interacionista para a resposta que os alunos

deveriam dar a questão: “Qual seria a mensagem da música?”, ao corrigi-la, encaminha

orientações numa concepção de base estruturalista, a qual está vinculada ao ensino da tradição

escolar – apenas cursou o ensino médio com magistério –. A professora encaminhou

orientações que se dão a uma questão objetiva, especificamente quando perguntou aos alunos

sobre detalhes sobre as características “do pai” presentes no texto, vejamos:

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 181

(34)P: Outra pessoa do grupo aqui/ qual foi a mensagem que vocês chegaram?/

que mensagem a música falou?/ o que vocês entenderam da música?/A1: Meu querido/ meu velho/ meu amigo/

P: todo mundo só entendeu que a mensagem da música era meu querido/ meuvelho/ meu amigo?/ só isso?/

A1: Só/

P: Quem respondeu diferente da resposta aqui da amiga?/ leia pra mim/

A2: Ela copiou num foi?/P: Marcela qual foi a mensagem que você chegou?/ Mas será que não dava

para ter melhorado um pouquinho essa resposta da mensagem?/ Numdava pra ter melhorado não?/((muito barulho, incompreensível))

P: (...) Eu já expliquei pra vocês/ quando a gente vai fazer um texto oumesmo né um pequeno/ de um texto/ um bilhete/ um pouquinho né desabedoria/ pra gente entender a mensagem/ ((incompreensível)) toda amúsica fala sobre quem?/

A1: Sobre o pai/P: Sobre o pai/ mostra a figura do pai né isso?/ nessa figura de pai/

((incompreensível))/ ele mostrou como foi que ele escreveu/ essa figura depai/ que ele tem?/ ((pausa))

P: Como foi que ele descreveu minha gente?/

((incompreensível))

P: Ele fala do pai/ o pai é o quê?/ tá.../ um pouco velho/ já idoso/ que tem oquê!/ cabelos brancos/ o que mais?/

A3: Rugas/P: Tem rugas/ o que mais?/ cansado/ Durante a vida toda o que foi que ele

adquiriu?/

A4: O quarto/P: Cadê o texto de vocês porque não bota na mesa pra ver/ desde

pequenininho/ adolescente começou a trabalhar/ tudo/ até chegou naadolescência o que foi que ele adquiriu?/((pausa para resposta))

P: Ex- pe-/

A5: Esperança/P: Experiências vividas/ que ele já tem passado/ vocês estão adquirindo

agora a experiência/ que vocês estão começando agora na adolescência/((incompreensível))

P: Ele conta uma vida cheia de história/ (***da amizade que ele tem com opai)/ ou vocês não tem os pais de vocês como amigos?/

A6: Eu tenho/P: O melhor amigo é o nosso pai/ a nossa melhor amiga é a nossa/

A7: Mãe/((as discussões continuam em relação a questão seguinte))

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 182

P: A terceira pergunta/ é a pergunta aí/ Qual a estrofe que fala sobre a vidado pai?/ Que conta mais sobre a vida do pai dele?/ Aonde é que elemostrou mais?/ (3ª série, 08/08/04, Anexo E – trecho XVI).

Retomando as características do “pai”, a professora tentou conduzir os alunos a darem

uma resposta que fosse o resumo do que ela considerou como importante para responder a

questão 2, e, após descrever “o pai”, fez indagações sobre suas conquistas, a amizade entre o

pai e o filho, e o que este havia aprendido com aquele. Mesmo assim, as orientações e

sugestões de resposta, dadas por ela, foram as que se dão a questões objetivas: respostas sobre

as características do pai com palavras isoladas, retiradas do texto, não se constituindo

enquanto texto. Agindo dessa forma, a professora deixou predominar a concepção

estruturalista de formação de leitor. E, considerando as respostas dos alunos à questão 2, Meu

querido, meu velho, meu amigo, podemos afirmar que eles ainda não sabem responder a

questões que extrapolem a estratégia de decodificação em leitura – transcrição de palavras e

frases do texto.

Outra ocorrência que enfatiza a concepção estruturalista se deu quando a professora da

4ª série vivenciou uma proposta de atividade de leitura sugerida pelos Parâmetros, com vistas

à formação do leitor competente: a leitura compartilhada. Entretanto, ao encaminhá-la, a

professora não a fez com a perspectiva teórica dos PCN-LP, mas dando-lhe outro objetivo,

conforme demonstraremos. Embora essa atividade de leitura compartilhada tenha sido

vivenciada pelas três professoras em cada encontro da 2ª etapa da formação do PA, conforme

mostram as pautas (cf. anexo D), apenas a da 4ª série tentou vivenciá-la em sala de aula.

Foram exemplos da atividade de leitura compartilhada em aulas de LP, os seguintes

textos:

(35)(...)

1) “O homem e a mulher” de Victor Hugo, em comemoração ao DiaInternacional da mulher (08/03/04, cf. Quadro 3).

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 183

2) “Deus manda contar o povo de Israel”, do livro A Bíblia em uma históriapara cada dia do ano: da criação à ressurreição.

(17/03/2004, cf. Quadro 3)

Segundo a professora da 4ª série, as leituras mais freqüentes dessa atividade era a de

episódios bíblicos retirados do livro citado no item 2, seguidos de alguns comentários feitos

por ela.

Embora a professora tenha o mérito de buscar didatizar a proposta dos PCN-LP

visando a formação do leitor, a descaracterização teórica desta atividade em relação ao que

sugerem esses Parâmetros está demonstrada em dois aspectos: na finalidade que a professora

atribuiu à leitura do livro bíblico – doutrinar os alunos –, e na abordagem da leitura única.

Inicialmente, ela nos informou que, por não dispor de livros diversos, nem de tempo

para procurá-los noutros lugares e em função de a biblioteca da escola estar sempre fechada,

selecionara e comprara esse livro que narra episódios bíblicos, e que, porque se preocupava

com a educação religiosa dos alunos, pretendia, através do livro, falar de Deus como um meio

de acalmá-los e discipliná-los em sala de aula. Apesar de ser um livro histórico importante da

tradição judaico-cristã e interessante de ser conhecido, ao agir dessa forma, a professora

descaracteriza a atividade por atribuir-lhe um caráter moralista, ao invés de utilizá-lo como

um procedimento para a formação de leitor, na perspectiva teórica dos Parâmetros, ao orientar

que se formem leitores através do contato com textos de gêneros diversos e de boa qualidade

(PCN, 1997b, p. 64).

A atividade de Leitura compartilhada está inserida nas orientações gerais sobre leitura

diária recomendada pelos PCN-LP ao apresentarem como a leitura, em geral, deve ser

abordada: “de forma silenciosa, individualmente; em voz alta (individualmente ou em grupo)

quando fizer sentido dentro da atividade; e pela escuta de alguém que lê” (PCN, op. cit., p.

60). Essa última orientação caracteriza a leitura compartilhada. Outro objetivo visado é o

professor levar o aluno a ouvir textos selecionados e comentados a fim de conhecê-lo

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 184

enquanto leitor de outros textos e não apenas dos do LD. Assim, quanto à prática da leitura

compartilhada, os PCN-LP afirmam:

Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas peloprofessor há as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É ocaso da leitura compartilhada de livros em capítulos, que possibilita aosalunos o acesso a textos bastante longos (e às vezes difíceis) que, por suaqualidade e beleza, podem vir a encantá-los ainda que nem sempre sejamcapazes de lê-los sozinhos (PCN, op. cit., p. 64).

O outro aspecto observado que também descaracteriza essa atividade em relação à

orientação dos PCN-LP é a abordagem da leitura única, quando ao interpretar um texto a

professora direciona a significação textual para a sua visão. Abordagem essa de base

estruturalista de leitura para a qual o sentido é único, está no texto e o leitor faz apenas

apreendê-lo, diferentemente do que propõe a perspectiva interacionista, conforme orienta os

Parâmetros para a leitura compartilhada. Vejamos um exemplo em que a professora apresenta

sua visão sobre o feminismo e a impõe aos alunos:

(36)

((A professora, após expor várias gravuras com mulheres, no quadro, falaaos alunos em comemoração ao dia internacional da mulher))

(...)

P: Vocês que são machistas, não recebem nada da mulher?/A1: Recebo peia!/

A2: Eu recebo amor/

P: Sabe porque eu não libero os homens?/ porque eles precisam valorizar amulher/ essas mulheres conseguiram alguma coisa?/((A professora apontapara os cartazes no quadro))

A2: A fama/P: Se eu fosse do sexo masculino ficaria com medo/ vocês são preguiçosos e

não gostam de estudar / as mulheres estão tomando conta/ estão emconsultórios/ supermercados lojas/ até motoristas já são/ a mulher estáconquistando espaço e ai de vocês homens/ vou fazer uma leitura paratrabalhar a audição ((Ela se refere à atividade de leitura compartilhada))/Vou ler e vocês vão concordar ou discordar/

((a professora lê para a classe o texto “O homem e a mulher”, de VictorHugo, e, após a leitura, comenta-o))

P: E porque vocês não fazem a mesma coisa/ valorizar a mulher?/ vocês quechegam aqui na sala e não valorizam a mulher! / Quem ensinou a andar?/as primeiras palavras?/ quem deu os primeiros alimentos?/

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 185

A3: A mãe/((Direcionando-se para o aluno que mais atrapalha a aula e lhedesrespeita, a professora continua))

P: Fulano/ quantas vezes seu pai veio pra reunião dos pais?/

A1: Ele trabalha/

P: Quem fez a matrícula de vocês?/

A1: Papai/P: Você é muito machista A./ tem que mudar/ Nesse texto que eu li, vocês

viram alguma coisa que agradou?/ Que chamou a atenção?/((Os alunos não respondem))

P: A mulher é uma pessoa amável/ doce/ compreensiva/

A1: Minha mãe não é legal/ bota de castigo/P: Quando ela faz isso/ você está rezando?/

A1: Não/

P: Então pronto...((A aula segue, a professora copia no quadro a música “Mulher”, deErasmo Carlos, e, depois canta com eles))(anotações de campo, 4ª série, 08/03/04, cf. Anexo E, trecho XIX)

Analisando os comentários feitos pela professora, vimos que ela interpreta as ações de

indisciplina do aluno não só como um “desrespeito à sua autoridade” na classe, mas,

principalmente, como uma desvalorização da mulher. A sua interpretação é imposta aos

alunos do sexo masculino, que são todos considerados machistas. A indignação da professora

se expressa através de um feminismo exacerbado, ao apresentar a superioridade da mulher na

capacidade biológica de gerar filhos e nos primeiros cuidados que lhes dá. Mesmo fazendo

perguntas avaliativas (“Nesse texto que eu li vocês viram alguma coisa que agradou? Que

chamou a atenção?”), seus comentários foram direcionados para uma única leitura: a de que a

mulher é superior ao homem e de que todos os meninos de 10, 11 e 12 anos da sua classe são

machistas. Em síntese, suas idéias sobre o assunto foram apresentadas como verdades

absolutas.

Com base no exposto, podemos afirmar que a professora apenas “aplica” a atividade,

mas não didatiza a concepção de leitor dos PCN-LP. A proposta nova continua com a

concepção que ela tem de formação de leitor. Dessa forma, a professora aplica a proposta de

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 186

leitura compartilhada conforme vivenciou na 2ª etapa da formação do PA, apenas ouvindo a

cada encontro a leitura de um texto sem conhecer as razões teóricas da atividade ou como

conduzi-la. Entretanto, os PCN-LP pretendem com essa atividade que ela faculte ao aluno,

além do conhecimento, o prazer de ler e de conhecer textos em gêneros diversos e

considerados de boa qualidade, não enfatizando mais um gênero que outros, no caso, os textos

bíblicos. Essa prática tem fundamento ainda no pressuposto de que não se formam leitores

sem desenvolver neles a capacidade de refletir, argumentar, se posicionar e sem ter contato

com os diversos gêneros textuais. Além disso, é importante considerar a motivação para ler,

para buscar também a fruição em leitura, o prazer que surge quando se lê sem a obrigação de

aprender algo e depois ter que “prestar contas” através da resolução de atividades orais ou

escritas.

A análise dessas atividades nos mostrou que, para essas professoras, a concepção de

leitor competente predominante é de um leitor que apenas decodifica, pronuncia corretamente

as palavras e localiza informações explícitas no texto. Ou seja, formar leitor implica em

formar alguém que sabe ler placas, letreiros de ônibus, rótulos, anúncios e outros gêneros que

contenham informações simples, curtas. Por extensão, quanto à escrita sabe, apenas assinar o

nome, fazer listas, escrever bilhetes e cartas. O que nos permite considerar que o saber da

tradição escolar (ritual da leitura em voz alta e da leitura que retira informações objetivas no

texto) é ainda o que embasa as atividades de leitura em sala de aula, nos casos aqui

analisados.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 187

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos realizados neste trabalho nos permitiram tecer considerações sobre duas

áreas de pesquisas em ensino de língua: Lingüística Aplicada e Educação. Inicialmente, nos

possibilitaram refletir sobre os PCN, especificamente o de Língua Portuguesa, e sobre o

programa elaborado para divulgá-lo junto ao professor: “Programa de formação continuada

Parâmetros em Ação” – módulo: Para formar alunos leitores e produtores de textos.

Consideramos relevante a proposta dos PCN-LP, conforme já especificamos neste trabalho,

porque acreditamos que ela possibilitá, ao longo do tempo, mudanças no ensino/aprendizagem

de língua materna baseadas numa perspectiva sócio-histórica, e também porque consideramos

ser consensual o seu objetivo primeiro de orientar a elaboração de currículos, programa e

projetos político-pedagógicos das escolas.

Mesmo reconhecendo a importância desses Parâmetros, concordamos, em parte, com

algumas das críticas feitas no que concerne à compreensão das teorias lingüísticas abordadas

nos PCN-LP por parte dos professores do EF. Após a observação e o acompanhamento das

duas etapas da formação do Programa Parâmetros em Ação, constatamos que, dentre as

dificuldades enfrentadas, não só por formadores, mas principalmente pelos cursistas, uma

delas era a incompreensão da nova abordagem de ensino/aprendizagem de língua.

Consequentemente, uma das causas para a sua não didatização em sala de aula.

Quanto ao objeto de análise desta pesquisa, a didatização do conceito de leitor

competente dos PCN-LP, constatamos que, em linhas gerais, houve redução de informações

na proposta teórico-metodológica desses Parâmetros, à medida que esse conceito foi sendo

didatizado nas duas etapas da formação do programa em estudo, e, por último, esse conceito

não se apresentou nas aulas de leitura em sala de aula. Ou seja, nesse último ponto da

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 188

seqüência analisada (formação 1, formação 2 e sala de aula) não se concretizou a didatização

do conceito de leitor proposto nos PCN-LP.

Na 1ª etapa da formação, F1 fez predominar mais as orientações gerais do

funcionamento do programa do que o fazer compreender aos formadores a proposta teórico-

metodológica dos PCN-LP e o funcionamento da formação. Deixou para segundo plano as

discussões teóricas as quais não eram aprofundadas, como, por exemplo, o estudo das teorias

de leitura e formação de leitor e produção textual que fundamentam os PCN-LP. Essa tarefa

foi atribuída por F1 ao formador da 2ª etapa (F2) que didatizou alguns conceitos dos

Parâmetros, de forma en passant, em temas cruciais de ensino/aprendizagem de língua, como

ensinar a partir da proposta de gêneros textuais e alfabetizar com textos, assim vistos por esse

formador na 1ª etapa.

Tendo como base as reflexões de Rafael (2001), sobre os processos de solidarização e

sobreposição de saberes, constatamos que tanto F1 quanto F2 tentaram solidarizar os mesmos

saberes de referência dos PCN-LP ao didatizarem o conceito de leitor. Entretanto, isto não

significa que os efeitos dessa aprendizagem tenham sido os mesmos para professores-

formadores e cursistas. Conforme sabemos, o professor constrói seu habitus, suas

competências, seu savoir-faire ao longo da experiência em sala de aula e no intercâmbio com

seus colegas, através dos diversos saberes a que teve acesso.

Assim, o processo de solidarização de saberes ocorre, especificamente, quando as

formadoras juntam saberes diferentes referentes a duas concepções de leitura: a perspectiva

interacionista e a proposta do letramento, para explicar que só se constrói o leitor que não

apenas decodifica, através do método da alfabetização com textos. Embora sejam diferentes,

esses saberes não se excluem e possibilitam a compreensão do conceito tratado.

Entretanto, apenas F2 mobilizou o processo da sobreposição de saberes que implica na

redução do conceito do qual se está tratando ao juntar saberes que se opõem. Isto ocorreu

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 189

quando F2 associou o termo alfabetização contextualizada à prática pedagógica da

alfabetização com textos, sem se referir, em nenhum momento, às condições concretas de

produção dos textos e aos interlocutores envolvidos. Reduziu, dessa forma, o termo em foco

(contextualizada) ao apresentar o alfabetizar com textos em oposição ao alfabetizar com

cartilhas, isto é, a simples presença de textos em sala de aula.

Apesar de F1 e F2 terem feito referências a saberes dos PCN-LP durante a formação

do PA, quanto à leitura, essas referências não foram suficientes para que as professoras das

três séries do EF didatizassem a perspectiva interacionista de leitura desses Parâmetros em

sala de aula, após a formação continuada.

Assim, após as análises das aulas de leitura do EF, constatamos que a concepção de

leitura em sala de aula ainda está essencialmente caracterizada pela decodificação. O saber

construído pelo professor na formação do programa em estudo, não foi um saber reflexivo

(SCHÖN, 2002), que lhe permitisse analisar e redimensionar sua prática, apresentando

situações-problema de sala de aula, tirando dúvidas quanto às teorias lidas, planejando

atividades conjuntamente. A formação do PA caracterizou-se mais por leituras e pela

aplicação de atividades do módulo em estudo e, como as dificuldades dos professores são de

várias ordens (cf.1.6), a 2ª etapa pouco ou nada contribuiu para que as professoras

apresentassem uma prática de leitura fundamentada na perspectiva teórica dos PCN-LP com

vistas à formação do leitor competente. Evidentemente, sabemos que são muitos os fatores

que propiciariam essas mudanças, e que a força da tradição em ensino, ainda pesa muito nas

decisões do professor em sala de aula. Mesmo assim, o que se espera de um curso de

formação continuada é que ele comece a produzir algumas mudanças, mesmo que poucas. Em

geral, não foi o que constatamos. Na prática dessas professoras ainda predomina o saber da

tradição escolar para a formação do leitor e para o ensino de língua caracterizados pelas

seguintes ações: leitura em voz alta, maior incidência de questões objetivas em atividades de

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 190

compreensão textual, exercícios de taxionomia gramatical, além da predominância do

discurso do professor ao direcionar sua interpretação textual como leitura única.

Apesar de essas professoras terem visto na formação do PA que ler não é apenas

decodificar (cf. exemplos no 3º capítulo: 1ª etapa, ex. 14; e 2ª etapa, ex. 19), os saberes da

tradição escolar foram os que predominaram na atuação desses profissionais em sala de aula.

E, mesmo quando uma das professoras procurou vivenciar uma proposta dos PCN-LP que

objetivava didatizar o conceito de leitor – a atividade de leitura compartilhada –, na 4ª série,

apenas “aplica” essa proposta, uma vez que não a embasa com a perspectiva teórica dos

Parâmetros e não procura diversificar o gênero textual, apresentando aos alunos um único

gênero, o texto bíblico, e com o objetivo de discipliná-los. Essas verificações nos permitem

concluir que as professoras não didatizaram a concepção de leitor competente dos PCN-LP

em sala de aula.

Desse modo, ficou constatado ainda que a distância teórica apresentada pelo formador

inicial, pelo professor-formador ou pelo professor cursista, em relação à proposta dos PCN-

LP, foi aumentando até culminar na existência de um fosso, que separa a perspectiva de

leitura de sala de aula daquela que os Parâmetros propõem. Assim, embora seja inegável a

contribuição da proposta teórico-metodológica dos PCN-LP com vistas à formação do leitor

competente, também é igualmente inegável o distanciamento entre essa proposta e a realidade

das práticas de leitura nas aulas observadas.

Embora seja a didatização um processo que envolve saberes, certamente o saber

referencial, veiculado na formação do Programa PA, sobre leitura e formação do leitor, não

encontrou ainda eco na atuação das professoras e, como causas para essa ocorrência,

apontamos a falta de formação acadêmica das professoras e a atuação das formadoras nas

duas etapas da formação do PA ao não fazerem reflexões teórico-metodológicas mais

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 191

aprofundadas relacionando-as com a experiência dos professores que fizessem predominar as

perspectivas interacionistas e do letramento nas aulas de leitura.

Essas constatações nos induzem a repensar os caminhos traçados não só para a

formação docente como também para a formação básica e, certamente, para os programas de

formação continuada. Precisamos questionar as metas traçadas para o ensino/aprendizagem da

formação básica, principalmente quanto à aquisição das competências leitora e escritora.

Vimos como é complexa a atuação do professor através dos saberes que mobiliza no

universo de sala de aula e como ainda são insignificantes os efeitos dos programas de

formação continuada na atuação do professor, apesar do interesse e da vontade de aprender

demonstrada pela maioria deles. Disto não se conclua que não se deva investir nesse tipo de

formação. Certamente outras realidades de formadores em outros contextos de formação

alcançaram progresso em relação às mudanças propostas para o ensino, o que não invalida as

questões ora apresentadas, que são realidade na escola rural observada.

Mas, como o processo de mudanças em educação é muito lento, necessário se faz que

as formações sejam permanentes, com profissionais especializados e invista-se na formação

de profissionais reflexivos (SHÖN, 2002; PERRENOUD, 2000, 2002a, 2002b), levando-se

em consideração outros saberes que possibilitem uma prática pedagógica que, de fato, forme

leitores e escritores competentes. Assim, as necessidades urgentes da educação e as lacunas

deixadas pela formação inicial do professor poderão ser sanadas com uma formação

continuada permanente. O professor precisa do espaço constante para reflexão e avaliação

sobre o fazer pedagógico, sobre o cotidiano escolar, pois quando se trata de formação do

profissional em educação não existe um tempo de aprender e um tempo de ensinar, é preciso

continuar estudando sempre e esse espaço deveria ser assegurado aos profissionais dessa área

como incluído em seu trabalho.

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 192

Com este estudo, esperamos contribuir para a compreensão e reflexão sobre a relação

entre o professor e os saberes que ele mobiliza em sala de aula, como também sobre a

complexidade do que significa o ensino/aprendizagem de língua e, em particular, ao seu

compromisso com a formação do leitor. Esperamos também que seja estímulo a pesquisas de

intervenção em sala de aula, a fim de que o processo de didatização de saberes possa ser

também investigado, em sua complexidade, à medida que pesquisador e professores atuam em

sala de aula conjuntamente.

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 193

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ANEXOS

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ANEXO A - Questionário

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN

Caro professor, as suas considerações manifestadas nesta avaliação, serão cuidadosamente analisadas etransformadas em contribuições para os nossos objetivos de melhoria de nosso curso.

1 – Identificaçãoa) Nome completo:b) Data de nascimento:c) Endereço completo (Rua, av., n.º, bairro, distrito, município)d) Telefone:e) Estado Civil: Solteiro ( ) Casado ( ) Outro ( )

2 – Formação acadêmica( ) Ensino fundamental incompleto( ) Ensino Fundamental Completo( ) Ensino médio com magistério ( ) Logos ( ) Professor ( ) Esc. Normal( ) Ensino médio sem magistério( ) Ensino Superior Completo c/ licenciatura:_________________________( ) Ensino Superior incompleto c/ licenciatura:________________________

3 – Situações Contratual ou de vínculo( ) Regência em sala de aula ( efetivo)( ) Regência em sala de aula ( prestador de serviço)( ) Coordenação( ) Direção

4 – Níveis de modalidades de ensino em que atuam:( ) Creche ( ) Fund. 1ª à 4ª Série( ) Pré – escola ( ) Fund. 5ª à 8 Série( ) Alfabetização ( ) Médio( ) Educação de jovens e adultos

5 – Tempo de Magistério:_______________________

6 – Seu conceito em relação a formação continuada PCNs.( ) Excelente ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( ) PéssimoPorque:____________________________________________________

7 – Contribuição dos PCNs para a sua prática pedagógica (Justifique e exemplifique suaresposta)___________________________________________

( ) Sim ( ) Não

8 – Relevância dos conteúdos estudados:( ) Excelente ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( ) PéssimoPorque:_____________________________________________________

9 – Grau de satisfação em relação ao coordenador da turma:( ) Excelente ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim ( ) PéssimoPorque:_____________________________________________________

10 – Que dificuldades você apresenta em relação ao curso de formação continuada (PCNs)?

11 – Comentários e sugestões que você julga relevantes sobre o curso e/ou coordenadores de turma visandomelhorar a qualidade/eficiência/eficácia do mesmo.

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ANEXO B - Parâmetros em Ação – Módulo 4 – Para formar alunos leitores e

produtores de textos

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ANEXO C - Pautas da 1ª etapa da formação dos Parâmetros em Ação:

preparação de formadores

1º encontro – 21 de novembro de 2002Pauta:

1. Acolhida;2. Leitura compartilhada -“As aventuras de Pedro Malasartes” de Ernani Nonato;3. Produção de texto coletivo (atividade denominada “Ping-pong verbal” em que se

produz um texto coletivo sobre produção textual);4. Simulação - escolher 4 atividades de uma das seqüências do módulo de Língua

Portuguesa para fazer planejamento e apresentação;5. Retomada do módulo Ética; (não foi feita)6. Avaliação feita muito rapidamente, alguns professores já haviam saído, poucos

participaram).

2º encontro – 27 de fevereiro de 2003Pauta:

1. Acolhida2. Leitura compartilhada;3. Seqüência de atividade 1- Tendências atuais do ensino de língua;4. Leitura e discussão de síntese feita dos PCN, anexo 1 dos PA, p. 62;5. Leitura e discussão PCN sobre “Diversidade textual e ensino de língua portuguesa”, p.

41-42; (não foi concluída)6. Avaliação.

3º encontro – 27 de março de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada -“Para Sara, Raquel, Lia e para todas as crianças”, CarlosDrummond de Andrade;

2. Exibição de vídeos para planejar as pausas e as intervenções;Vídeo 1 - “Não basta ser aprendiz, tem que participar”Vídeo 2 - “Deixai entrar os textos na escola”3. Leitura e discussão dos PCN, texto “O texto como unidade de ensino”, p. 35;4. Leitura e discussão dos PCN, “Deixai entrar os textos na escola”, p. 55;5. Atividade em grupo - seqüência de atividade 1 dos PA (não deu tempo ser concluída);6. Avaliação.

4º encontro – 24 de abril de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada - “A bola” de Luís Fernando Veríssimo;2. Seqüência de atividades 2 dos PA;

-Critérios de seleção, organização, seqüenciação e tratamento metodológicospropostos pelos PCN – Língua Portuguesa, p. 43-45;

-O processo de produção de textos e o processo de escrita de textos;-A leitura como fator decisivo na produção de textos;-Análise de textos de alunos com diferentes níveis de competência textual;-Proposta didática para uma prática continuada com textos – atividade com vídeo; (não

foi feita)-Avaliação. (não foi feita)

5º encontro – 22 de maio de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada - “Quase” de Luís Fernando Veríssimo;2. Produção e leitura de texto escrito, individual, sobre o texto “Quase”;3. Atividade de simulação com as seqüências 2, 3 e 4 dos PA;4. Apresentação da simulação;5. Avaliação (muito rápida, superficial)

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ANEXO D - Pautas da 2ª etapa da formação dos professores cursistas dos

Parâmetros em Ação

1º encontro – 15 de agosto de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada -“Felicidade clandestina” de Clarice Lispector;2. Dinâmica do Ping-pong verbal sobre produção textual;3. Divisão dos grupos;4. Estudo do módulo dos PCN de língua Portuguesa;5. Socialização das respostas dos grupos à questão proposta: “Ultimamente mudanças

têm sido propostas para o ensino da L. P. nas séries iniciais – Quais são as mudançasque vocês identificam como relevantes e necessárias?”

6. Avaliação do encontro.

2º encontro – 12 de setembro de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada -“O frio que vem de dentro”;2. Retomada dos questionamentos do encontro anterior (item 5);3. Identificação de tendências pedagógicas;4. Leitura e discussão dos PCN- Língua Portuguesa, p. 23 - 27;5. Tarefa para casa:leitura de um paradidático seguido de resumo com crítica pessoal.

3º encontro – 10 de outubro de 2003Pauta:

1. Leitura compartilhada -“Só se educa com paixão” de Hildeberto Barbosa Filho;2. Divisão dos grupos para leitura dos PCN, p. 35 - 36. Resposta à grande questão:“Ninguém ousaria duvidar que o ensino de Língua Portuguesa é muito importante para

Por quê?”;3. Socialização das respostas no grande grupo;4. Tarefa para casa - Leitura dos PCN – Língua Portuguesa p. 30-31 e 40-41. Cada

professor deve pensar na contribuição que o ensino da Língua Portuguesa temoferecido para a formação dos seus alunos e sintetizar em uma frase sua opinião(escrever no caderno).

4º encontro – 20 de fevereiro de 2004Pauta:

1. Leitura e análise do esquema;2. Socialização da leitura realizada;3. Análise de textos produzidos por crianças, envolvendo as seguintes questões:- O que os textos dessas crianças mostram sobre o que elas sabem?- Que experiências com histórias e com demais textos escritos os textos delas apresentam?- O que se pode deduzir sobre o que seus professores (ou outros adultos) liam para elas naépoca em que produziram esses textos?- Qual deles o grupo considera o pior e o melhor, ou seja, qual deles tem o pior enredo?Por quê?4. Tarefa para casa - Leitura dos PCN – “Que escrita cabe à escola ensinar?”, p. 32-35 e

“Prática e produção de textos”, p. 65-67. Registre em seu caderno quais foram as maiorescontribuições que você obteve para o seu trabalho pedagógico em função das leituras e dasdiscussões realizadas até então.

5º encontro – 19 de março de 2004Pauta:

1. Acolhida;

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2. Elaboração de uma rotina semanal com atividades de leitura e escrita para se trabalharem sala de aula (divisão da turma em grupos por série);

3. Socialização dos trabalhos realizados;4. Debate;5. Leitura de um texto literário pelo coordenador; (não foi feita)6. Leitura do anexo 7 dos PA “Condições gerais a serem garantidas nas situações em que

o professor lê para os alunos”, p. 71 -72;7. Leitura de textos variados com base nas orientações do anexo 7;8. Atividade para casa - avaliação do módulo de Língua Portuguesa: 1) Que

contribuições teve os estudos dos PCN de L. Portuguesa para o seu trabalho em salade aula?; 2) Quais as mudanças constatadas em sala de aula com estudo dos PCN deL. Portuguesa?; 3)Sentiu dificuldades durante o estudo? Quais?; 4) Na sua opinião, oque faltou para que o estudo desse módulo fosse melhor realizado? Obs: apenas 10alunos entregaram esta avaliação no encontro seguinte.

6º encontro – 16 de abril de 2004Pauta:

1. Leitura compartilhada -“Cap. XXI de O pequeno Príncipe – O diálogo do pequenopríncipe com a raposa”;

2. Leitura dos PCN p. 52 - 65;3. Socialização da leitura realizada;4. Escrita dos pontos a serem observados no vídeo “O que acontece quando lemos”; (não

foi feita)5. Exibição do vídeo “O que acontece quando lemos”;6. Discussão do programa do vídeo apresentado;7. Análise e comparação da rotina semanal elaborada (esta atividade não foi feita, ficou

para ser realizada no encontro pedagógico da SEC em Queimadas, por ser aorientadora pedagógica a mesma coordenadora dos PA).

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ANEXO E - Transcrições dos dados

Trecho:

(I)I.: A capacidade de uso é equivalente a possibilidade de falar / escutar / escrever e ler / em

diferentes contextos de comunicação /I.1.: E o que é que tá tratando esse pressuposto? ((a leitora fica em silêncio)) / explica aí o grupão

/I.: Aí é a questão da / da / como é concebida a questão da língua, né? / a questão do fonema / a

questão dosom / ((incompreensível)) e hoje a gente vê que a língua / ela não é só isso / ela não é a respeito da

fala / mas sim / ela trata de compreender a representação / ((incompreensível))I.1.: Diga /I. : ((incompreensível)) mas meu pai é assim ele chega/ ai ele diz leia aqui essa noticia do jornal

que eu quero discutir/ que eu quero saber/ mas meu pai o senhor nem sabe ler/ ler e nãoentende/ pode ler o jornal/ eu não entendo nada e ai ele pedia pra gente ler((incompreensível)) ele era um analfabeto funcional/

I.1: Ok/ gente vamos pensar aqui/

I. : Isso é questão de alfabetização/

I.1: Oh! Isso era isso que eu tava querendo chamar atenção/ a gente tava tratando essa seqüêncianum a continuação da anterior (?)

I. : Isso

I. 1: <EX. 03 – INICIO> Quando vocês forem trabalhar não vão trabalhar como a gente táfazendo aqui/ porque aqui a gente tá na perspectiva de formador/ lá na sala/ vocêsestarão na perspectiva de trabalho com o.../ professor/ então essa ia é uma seqüência deampliação/ de conhecimento/ então/ vocês tem que tá lembrando que tá relacionada aessa primeira aqui/ eles primeiros disseram/ que a gente sabe que não vai sair essasrespostas/ não vão sair essas outras/ <EX. 03 – FIM> <EX. 14 e 21 – INCÍCIO> eles ((osPCN-LP)) disseram que observaram uma certa mudança relevante na forma de.../alfabetizado/ então o que tá posto aí nesse pressuposto é.../ o modelo de alfabetizaçãodiferente/ do modelo que leva o aluno/ a decodificar/ ao invés da decodificação propõeum outro modelo/ que seria uma alfabetização com texto que tem como suportes pra osujeito aprender/ não só decodificação mas as outras estratégias de leitura/

I. : a decodificação é apenas uma das estratégias de leitura/ não é necessariamente

I. 1: Isso/ é isso que tá na base desse pressuposto/ é uma concepção de alfabetização/ né (?)tá propondo uma mudança/ naquele modelo de alfabetização/ e/ parte só dadecodificação/ propondo modelo de alfabetização com texto/ <EX. 14 e 21 – FIM> e queesses textos têm a ver com o pressuposto anterior/ lembra lá/ a finalidade que se descobre otrabalho com a língua portuguesa na escola/ é a formação de usuários/ competentes nalinguagem/ e mais acima/ tem o.../ deixe-me ver outro/ a língua realiza-se no uso e naspraticas sócias/ então é um pressuposto relacionado ao outro/ <EX. 05 – INÍCIO> aí a genteprecisa.../ lembra quando eu disse hoje no inicio/ dei a bibliografia/ que vocês terão queestudar/ pra poder ficar com esse suporte teórico/ pra trabalhando com os professores/que senão vai ser repasse/ e no repasse não fica nada.../

I.: nadaI.1.: nada / nada / nada / então vamos lembrar disso / o outro/ pressuposto.../ <EX. 05 –

FIM>

I.: a escola ((incompreensível)) a problemática / ((incompreensível)) das práticas sociais e usoda linguagem /

I.1.: isso tá diretamente relacionada aos conteúdos, né? Principalmente a língua realiza-se nouso... / nas práticas sociais / próximo /

(27/02/03, f3, p. 12-14)

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(II)(...)

I.1: então/ é o primeiro ponto pra gente analisar/ então.../ se eles não derem essas respostas/ ou sederem mas se a gente duvidar delas o que é que nós vamos fazer pra/ que o professor cheguenum outro caminho/ em (?) vamos pensar agora aqui (( )) isso que a gente tá fazendo/refletir/ porque é lá/ lá é que nó vai apertar/ você vai tá sozinho lá/ com teu grupo deprofessores/ você tem o momento de aprender/ a lidar com essa situação é aqui/ agora/ cominteração/ com a participação de todos/ primeiro/ pergunta é/ será que eles vão dar essasrespostas(?) se eles não vão/ o que é que eu tenho que fazer (?) qual será a resposta que elevai dar (?) isso é o papel de formador/ é.../ antecipar a resposta que o professor vai dar/ asprobabilidades de respostas/ tá (?) então eu pergunto a vocês agora/ quais seriam as repostasdos nossos professores eu já sei algumas/ que eu já convivo com eles/ que no tempo do paidele e da mãe ele aprendia mesmo/ que era com gramática normativa/ e ate hoje eles sabem/e que muitos deles vão dizer/ nossa/ que essas mudanças veio bagunçar/ e no fim o que é quenós vamos fazer (?) nós em quanto formadores/ num é (?) então vamos pensar aqui juntos/todos nós/ quais seriam as possíveis respostas desses professores/ e quais as intervenções quenós faríamos.../ <EX. 06 – INÍCIO> está acompanhando(?) caiu a ficha (?) quem tachegando hoje pela primeira vez entrando em contato com os parâmetros táentendendo o que eu tou dizendo(?) porque isso que ta no livro ai é um receituário pravocê fazer na sala/ porém/ se você não entende estratégias/ não entende seqüênciadidática/e não compreende o que cada tarefa dessa tá querendo(?)ai você entrar emparafuso/ vai ser só um repasse mesmo/ então vai ficar alguma resposta dessa lá eoutras diferenças/ porque eu não tenho um grupo homogêneo/ tenho(?) aqui éhomogêneo(?)

I.: não/ ((respondem em coro)) <EX. 06 – FIM>

I.1: aqui tem gente que sabe mais/ outras que sabem menos nessa área/ né(?) lá na sala eutambém vou ter um grupo heterogêneo/ né(?) não vai ser homogêneo/ então vai ter saberes efazeres diferentes/ que é que eu faço com esse saberes e com esse fazeres(?)

I.: eu acho que uma primeira coisa seria perguntar de que forma eles estão fazendo(?)

I.: isso/ então/

I.: segundo saber... / ta surtindo efeito(?) se por exemplo o professor disse eu dou aula degramática dessa forma/ ou eu trabalho a produção desse texto dessa forma/então/ vocês vãome dizer agora tá surtindo efeito(?) vocês acham que os alunos de vocês estão aprendendo(?)da forma que vocês estão trabalhando.../ ou não(?)

I.1.: Quais são as dificuldades?... /I.: quais são as dificuldades /

I.1.: que vocês estão encontrando / uma outra / uma outra / na perspectiva de alguém dá aseguinte resposta então / eu vou continuar / eu acho que essas mudanças veio bagunçar oensino / eu vou continuar trabalhando como eu sempre trabalhei / que intervenção nosfaríamos aí / qual seria? Maria do Carmo já encaminhou uma intervenção?

I.: ((incompreensível)) porque um aluno da quinta série vive reclamando que não sabe escrever/

I.1.: entenderam agora / que / que /I.: não sabem escrever / não sabem ler ((incompreensível))

I.1.: por que é que hoje a gente ainda tá mostrando / a gente tem tantos analfabetos funcionais /uma outra questão / vocês se acham bons leitores? / vocês se acham bons leitores? O que éque são leitores proficientes? Você se acha um bom produtor de texto? Então essa forma quevocê está ensinando produz um bom leitor? Traz pra sociedade um bom leitor? Um bomprodutor de texto? Você tem facilidade de escrever? Por exemplo um texto informativo?Qual é a tua? / Então que nós temos que exercitar aqui /(27/02/03, f2, p. 2-4)

(III)

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 226

I. 1: Realmente tem essas coisas / agora você /I. : ((incompreensível)) agora a gente tem que ver uma forma de ajudar os professores quando é

para ajudar alguém se esse alguém quer ser ajudado / e enquanto os nossos professoresestiverem pensando na questão salarial estiverem pensando na questão de ser reconhecidoscomo um profissional / ((incompreensível)) a gente até reconhece que a gente é um casoseparado ((incompreensível)) como a menina que sugeriu ((incompreensível)) quando agente quer / a gente pode morar no pé da serra / pode morar na cidade / ((incompreensível))quando a gente quer a gente vai desenvolvendo / a gente não sabe / mas a gente vai buscandoa luta / vai perguntando / ((incompreensível)) mas outros problemas ((incompreensível)) comrelação até a questão da nossa realidade quando a gente ((incompreensível)) Ah / porque aquinão tem isso ou aquilo outro / ah / porque eu não posso ter o mesmo material / porque o queganho não dá nem pra uso / ((incompreensível))

I. 1: Ah! / Eu tenho uma coisa pra falar que vai dar doer um pouco /

I. 7: vamos a facada / ((Risos))I. 1: <EX. 07 – INÍCIO> Vocês comecem a me perdoar desde da hora que eu pensei / o

discurso do professor vai ser aquele / a gente já viu que a formação é importante / agente já viu que / a partir do momento que realmente ele tiver / no processo deformação / vai ajudar a postura / mas a gente também viu / que nós estamos querendo /muito dos professores / mas será que nós estamos também dando / a partir do momentoque eu saiu da minha cidade / venho pra cá / tive trinta dias para ler o material / e eu fizuma pesquisa hoje aqui / e pouquíssimo tinham lido o material que foi sugerido paravocê estás e preparando / gente / olha / pra vocês estarem se preparando pra fazer asintervenções / vão ficar justamente no nível dúbio / material / no nível de algumasquestões que já deveriam tá ultrapassadas pra gente / pra nós que temos aresponsabilidade / de / formar professor / <EX. 07 – FIM> porque ele não tem culpa / elenão tem culpa de apresentar essas falhas / isso é reflexo de uma aprendizagem / de um tipode aprendizagem dele / ele não tem culpa / porém nós estamos com a responsabilidade namão de tá formando esse professor e nós estamos cobrando que ele / fez PROFA / fez PCN /fez aquilo mas o que parece é um faz de conta / porque se ele não mudou de postura / foi um/ aquela história / eu brinco de ensinar / e o aluno brinca de aprender / agora nós enquantoformadores como é que nós estamos / eu não tou acusando ninguém / tou levando um lequepra gente pensar / nós enquanto formadores que deveríamos hoje está aqui com as questõesdebatendo / debatendo essas questões / já pra tirar nossas dúvidas / o que é que nós estamosfazendo voltando pro módulo / e vendo seqüências / certo / então infelizmente / vai que agente possa fazer o trabalho com o professor a gente tem que avaliar o nosso / foram –se 30dias / e o elementar poucos leram / poucos virão este vídeo / poucos lerão o material / e aímas uma vez/ vai ficar na desculpa do material / não tinha material / não tinha material / eunão tive tempo / é o mesmo discurso do professor / e quem somos nós somos autoridades pracobrar que ele mude / não tá na hora da ente fazer uma avaliação / diga

I : ao secretário ele ficou de buscar lá em casa / quer dizer até a diária / ((incompreensível))I. 1: Mas eu acho que tem um material elementar que você tem ele na mão / todo mundo aqui /

tem / qual é o material que todos vocês têm ? / na mão ? /

I. 7: O encarte / O PCNI. 1: Oh! e eu fiz um levantamento hoje aqui de quem tinha lido / e poucos tinham lido

infelizmente / um material de TV escola / que tem / quer dizer o que vocês têm na mão / seagente só tem esse / vamos trabalhar pelo menos com esse / o que / que autoridade eu vou terminha gente pra intervir pra quando o professor vier falar em material / Ok / então me perdoe/ não se magoem / porque eu acho importante a gente refletir sobre isso / se o professor temque querer nós também temos que ter / certo ? /

(27/03/03, f2, p. 26-28)

(IV)I.: o trabalho com a diversidade de textos / que circulam socialmente / e / que é necessário

desde a educação infantil /I.1.: tá / aí tá posto uma concepção de alfabetização / que não começa aos sete anos não / gente /

porque a visão que se tinha é que a alfabetização começava com os sete anos / inclusive a

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 227

constituição brasileira / a LDB / previa isso / a criança deveria entrar na escola / eraobrigação dos pais / e obrigação do Estado / que a criança entrasse aos sete anos / então / aipor trás dessa lei / tá posto assim / que o sujeito vai começar a aprender a ler e a escrevercom sete anos de idade / aqui a gente apresenta / uma prespectiva de que? Alfabetizaçãocomeça desde a hora qua a gente nasce / depende das formas como é... / esse sujeito interagecom o objeto de conhecimento / no caso a alfabetização / com situações de alfabetização /com o ambiente alfabetizador / que seria ambiente alfabetizador? Um ambiente cheio deletras / de palavras / de rótulos / alguém que tivesse sempre que tivesse dado oportunidade deleitura pra ela / si dá não uma alfabetização aos sete anos de idade / então esse pressuposto /é mais ou menos explicando isso / que a concepção de alfabetização que tá posta aqui é umaalfabetização que se dá como processo / um processo / o outro... /

I.: ((incompreensível)) então o aluno que tem essa diversidade /I.: <EX. 08 – INÍCIO> ai ele ((professor)) vai precisar esse fogo vai pegar e/ você enquanto

formador já vai prever este fogo/ e preparar suas intervenções/ mas nenhum de nósterá condição de preparar essa intervenção/ se a gente não tiver como suporte técnico/se a gente não tiver estudado muito/ se a gente não tiver refletido/ sobre essepressupostos/ então vai ser chover no molhando/ você se apropriou do discurso/ oprofessor se apropria do seu/ e na pratica/ isso não se reflete/ então primeiro nós quevamos trabalhar com os professores/ teremos que ter estudado bastante / ter clareza doque é que a gente tá/ é.../ fazendo pra poder é.../ na apagar o fogo/ <EX. 08 – FIM> queeu acho que o fogo é salutar.../ a gente num diz que a o sujeito aprende em desequilíbrio (?)/né (?)/ então se tá tudo calmaria na tem desequilíbrio/ ele tá aprendendo/ então o fogo ésalutar/ essas indagações/ as inquietações do professor é salutar/ ai você é que vai precisar.../fazer suas intervenções.../ é.../ apresentar caminhos/ apresentar situações de aprendizagempra que ele possa.../ sair desse estado.../ de chamas/ de fogo/ e entrar num outro estado.../ opróximo/

I. : É possível produzir texto sem saber ler e escrever/I. 1: Tá fazendo uma pergunta (?)/

I. : NãoI. 1: Tá afirmando/

I. : ((incompreensível))I. 1: Ok/ tá afirmando que é possível/ ok/ e nesse módulo não vamos aprender que vamos

trabalhar com nosso professor / que é possível produzir texto / sem saber escrever / ok /próximo... /

I.: é possível ler sem saber ler /I.1.: também / se é possível escrever sem saber escrever / e é possível ler sem saber ler / então a

gente fica até... / a principio meu deus do céu / ((incompreensível)) tentando entender / maisuma vez eu vou voltar pro PROFA que é o mais próximo da gente / da alfabetização.

(27/02/03, f4, p. 15-17)

(V)I.1.: ok / então vamos agora à avaliação... / uma proposta para o próximo encontro /

I.: ((incompreensível))I.1.: como é que vocês viram / hoje?

I.: pra terminar nesse horário foi muito bomI.1.: oi?

I.: pra terminar nesse horários de três horas foi bem aproveitado /F1: <EX. 09 – INÍCIO> acho que a gente aproveitou/ o tempo bem legal de manhã num foi?PF1: que às vezes a gente vai até as cinco/ e não é tão discutido/ é tão assim trabalhado como

o de hoje/

PF2: as questões foram bem colocadas/ bem entendidas/ acho que pra todo mundo/ essemódulo foi bem produtivo... /

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 228

F1: a questão de .. / de fazer a transposição pra formação né? ((incompreensível)) que aminha preocupação era da gente não vivenciar o módulo aí na perspectiva de que nósfôssemos professores/ por que se não quando a gente chegasse lá/ não ia dar outra base/então eu tive essa preocupação de tá levantando questões pra gente/... / vendo naperspectiva do formador. <EX. 09 – FIM>

I.: olha /

I.1.: diga /I.: um outro dia que eu até achei como sugestão / você não deu o material de apoio que a gente

trabalhou nas intervenções?

I.1.: sim /I.: apois a gente fazia isso com o grupo / depois que você discutiu no outro encontro / foi no

encontro anterior / a gente colocou aquele material pra elas fazerem / assim / uma discussãoa partir daqui /

I.1.: aquele material que eu sugeri nun foi?I.: e foi assim / as discussões foram riquíssimas / a questão saiu muita coisa / que era / em sala

de aula / que era a partir dali / os ((incompreensível)) discutir né? Se eles concordavam / seeles tinham alguma coisa a acrescentar / e foi muito bom as discussões / feita a partir /

I.1.: eu vou trazer aquele material pra todo mundoI.: foi muito bom /

I.1.: foi né?

I.: contribuiu bastante /I.1.: então / no próximo encontro eu vou trazer pra todos / que eu tinha dado só pro grupo simular

a situação / então não ficou socializado / pra todo mundo / mas eu prometo trazer pra todomundo / ok? O que mais?

(22/02/03, f4, p. 37-38)

(VI)(...)((a formadora e os professores discutem sobre a comemoração de final de ano e o reiníciodos estudos no ano seguinte. Em seguida, os professores retomam as atividades que estavamfazendo: selecionar atividades do módulo para vivenciá-las com os cursistas))

I .7: qui assim.../ a gente tá sentindo falta nessas reuniões exatamente isso.../ que a gente.../quando planeja.../ então a gente já tem a ajuda dessas dificuldades / que agente encontra/

I .1: Hum/ aqui hoje nessa simulação vão sair doze atividades/ então / quase metade do módulo /já sai meio que digerido/ vocês já vão ver onde o grupo falhou/ onde é que vocês precisamjá/ e levando em conta que aqui é um grupo diferente / do que vocês vão encontrar lá/

I .7: Mas para o trabalho da gente como coordenador / já é muito / ah /I .1: qui vai tá ajudando né (?)

I .7: Já ajuda muito / então / aí a gente faz as coisas e não sabe até que ponto acertou/I .1: é/

I .7: né onde a gente errou / tem que ser uma avaliação muito ((incompreensível))I .1: É/

I .8: fica faltando o feedback nem é isso (?)I .7: É/ tá faltando / é / pra gente ter certeza / que aquilo [que a gente tá fazendo/]I .8: [pra ver ] ela tá falando do retorno.

I .7: [isso aqui / escrito/]((incompreensível))I .8: [do aplicar e trazer] pra ser discutido / com relação às dificuldades/

I .7: É/I .1: Mas é / mais ou menos esse encaminhamento que a gente tem dado nos últimos módulos /

no.../ último / não no penúltimo.../ vocês já avaliaram o módulo anterior né?/ aí / eu acho

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 229

que no próximo / eu não sei se no próximo / eu não sei / se a gente vai ta abrindo pra avaliarética / e já / ver o planejamento desse.../(...)

PF.3: Por que aqui você... nos anexos tem um monte de sugestão/

PF. 11: É/I .3: A gente podia pegar essa atividade e tentar vivenciar com eles

PF.11: Hum /((Há barulho na sala, diversos grupos falam ao mesmo tempo. Incompreensível captar suasfalas)).

PF .8: escolhe uma.../ né?PF.3: Olha esse aqui... Oh/ esse três/ quatro/ cinco pontinho/ dê uma lida nele...

PF .11: <EX. 11 – INÍCIO> Sabe o que a gente fez com os professores da gente? a gente notouque não prestavam atenção a menor atenção na leitura../ então resolvemos aplicar umaatividade que exigia atenção na leitura para mostrar que eles liam o poema e nãoestavam prestando atenção/ ai / ai / no papel tinha várias situações/ ai numa era escrevaseu nome neste quadrado / só que não era o quadrado / era um redondo.../

PF.8: Eu sei qual é...

PF .11: ai tinha quantas... quantos animais Moises teve que colocar na arca? ai não é Moises éNoé... ai só que faltava um casal de cada sab? Você está numa corrida / você está noterceiro lugar.../ ultrapassou o segundo / em que posição você ficou? E todo mundo oprimeiro / só que você ficou no segundo / em ordem o que era ? era a chuva.../ a praia/era pra dizer o nome...

PF.8: ai no final.../I .11: é no final a gente observou que.../ fazendo um levantamento... a gente ia observar como

o leitor.../ eles estavam assim lendo/ decodificando / não estavam prestando atenção...<EX. 11 – FIM>

PF .3: só em contato com o que tava escrito lá né ?PF.8: entende (?) muito boa/ muito interessante/PF.3: é bem interessante

((alguém pergunta alguma coisa))PF.3: [Eu tenho uma reportagem]

PF.9: tinha mais... assim...faltou uma palavra

PF.3: [uma brincadeira entendeu]PF.11: [Só tem um testinho né?]

PF.3: é... uma série de perguntas / um teste de cinco minutos / eu não sei se você já ouviu falar/PF. 8: Eu acho que eu sei qual é/

PF.3: sabe qual é/PF. 8: E no final diz né ?

PF.3: É / ai /... /PF .8: Eu não devia ter respondido isso/PF .3: a primeira questão leia com atenção./

PF .8: todas as questões...PF.3: todas as questões abaixo

PF .8: antes de responder/PF .3: antes de responder / ai/

PF .8: essa eu sei como é

PF .3: ai / ai eles vão lendoPF .8: Essa eu conheço /

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 230

PF .3: respondendo / ai / eles vão lendo e respondendo / lendo e respondendo /PF 11: respondendo

PF.3: deixa que eu entendo dele / lendo e respondendo /PF .8: [lendo e respondendo / ai no final.../ Eu queria depois uma copia desse]PF .3: a ultima questão era pra não responder a nenhuma pergunta / ai tem situação assim / bem...

bem engraçadas né?

PF.11: Subir na cadeira / pularPF .3: Subir na cadeira / gritar seu nome / sabe?

PF.8: Já pensou /PF.3: agora também / tem assim para gente observar o comportamento das pessoas também / na

questão de você se expor ao ridículo / porque pra mim / muita gente / você tá no auditórioassim... / cheio... uma pessoa sentar e... né ?levantar e gritar o nome dele né?

PF .9: que dizer pra apresentar aqui.../ isso aqui não veria mais / nos temos num é ? nós podemoscolocar aqui ((incompreensível )) na situação ((incompreensível))

PF.3: Olha a gente sempre... traz essa questão aqui de conhecimento prévio / a gente sempretrabalha assim / cada seqüência num tem um titulozinho aqui né(?)

PF.8: HumI .3: oh / essa é / eu trabalho com a diversidade textual / condição de formar alunos leitores e

produtores de texto / então a gente já vai puxar conhecimentos delas encima desse tituloaqui.../

(VII)I.: principalmente nos interiores / assim você trabalha uma proposta / então o professor

geralmente não trabalha o texto porque o aluno da gente não conhece totalmente é / rural / dazona rural /

I.: quando vai pra cidade não sabe de nada / não lê nada /I.: é a questão da diversidade textutal que você leva o aluno a ter uma outra visão textual /

atentar nesse aluno / não só no instante agora mas / no amanhã / pra lhe dar cidadania /

I.: numa hora que ele chega na cidade ele não vai saber se guiar / que é massacrado pela própriaignorância /

I.1.: o que eu coloco muito aqui / a questão da televisão / quem trabalha nas novelas /((incompreensível)) essa violência / no trânsito / a questão ((incompreensível))

I.: esse ((incompreensível))I.: tem que saber fazer inferência

I.1.: ((incompreensível)) a oportunidade / é / de sair de sala de aula / de criança do interior / quevem de zona rural / ((incompreensível)) de outro município / e o professor falando sobrecoisas atuais / de comunicação e ele lá um coitadinho / lá da zona rural do pé de serra / tinhaInternet / eu assim fiquei surpresa pela ignorância do professor / em ((incompreensível)) deentender que você nunca vai saber que é Internet / você vai saber o que é computador / vocênunca vai ter / poderia não saber como usar /

I.: mais ele pode ver na televisão / ((incompreensível))

I.: até porque mesmo na zona rural tem uma antena parabólica em algum lugar / mas ela sabetem livro /

PF: <EX. 12 – INÍCIO> Então é/ se o professor/ eu acho que esse estudo seu leva a gente arepensar sobre nós/ professores em sala de aula/ sobre a nossa metodologia/ num é oque ensinar/ como ensinar/ o que reflete isso o tempo todo/

PF: ((outra professora)) o que também eu acho o seguinte/ o problema é do professor/ eleerra muito em achar / de achar que meu aluno não é capaz/ e o conhecimento dele ((doprofessor)) é pouco/ por isso ele não é capaz de ensinar o que vem no livro didático/ nãotrabalha porque muitos não têm conhecimento/

PF: ((outra professora)) acha que não vai passar que o aluno não vai entender/

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 231

PF: ((outra professora)) agora se o professor tivesse aquela postura/ que eu não tenho masdevo buscar/ aí ele aprenderia com/ ele aprenderia com o aluno/ porque ele estariaaberto pra também ver o que o aluno sabe/ daquilo ali que ele não tem/

PF: ((outra professora)) não tem conhecimento como nós mesmos diante do nosso professor/assim como se acha num patamar mais elevado/ ((incompreensível))

PF: Mas quantos de nós não já passamos por situações/ semelhantes/ eu já formadora/especialista/ não querendo me considerar acima de outro/ mas veja bem/ eu estavaparticipando até de um curso com aquela professora que faz livro de pano/

PF: Albanita Guerra/

PF: E nós estávamos numa aula e em determinada atividade ela disse assim/ gostaria quevocês fizessem uma leitura.../ e eu fiquei assim/ eu quero que vocês façam uma leituradesse vídeo/ naquele momento ali / eu não sabia o que fazer/ foi preciso / que ela desseas orientações pra poder ver o que era que ela queria que eu fizesse/ porque senão eunão saberia/ como é que eu vou ler uma coisa que eu nunca fiz/ nê? <EX. 12 – FIM>

I.1.: a televisão como a gente citou hoje aqui né? / como se tem pra trabalhar a televisão / paraque jovem seja mais crítico / avalie melhor / formar valores / ((incompreensível)) pra gentenão ((incompreensível))(24/04/03, f1, p. 04-05)

(VIII)(...)

F2: E sexta-feira trabalhamos consciência / a água / então conscientizar o aluno sobre aimportância da água para sua sobrevivência / por tema citado / por exemplo / falamos sobre aágua / se todo mundo sabe pra que serve a água / a utilidade da água / então dentro dessecontexto água / então ele vai produzir um texto / então terminou a aula /((Após os professores apresentarem as rotinas semanais, elaboradas em grupos, F2 analisa)):

F2: <EX. 13 – INÍCIO> Agora eu gostaria que vocês olhassem pra esses cartazes/contassem o número de aulas/ fizessem uma estimativa de quanto tempo foi gasto comleitura/ é houve muito tempo pra/ trabalharmos com gêneros textuais?/ diversidade detextos?/ houve isso na rotina?/ a diversidade de texto foi bem explorada?/ e o tempodedicado à leitura / a leitura mesmo sem ser do livro didático / a leitura com outrostextos /qual a produção de texto?/...

((após uma pausa, volta a comentar))F2: Então a gente ainda tá muito apegado ao livro didático / ao texto informativo / mas tem

outra assim/ pelo que a gente tem exposto aqui/ qual o tempo dado pra leitura ?/ pragostar de ler?/ qual desses textos aqui / vai nos levar a estimular o aluno a ler/ entendera leitura/ a gostar/ a querer ler?/ <EX. 13 – FIM>

I.: nenhum /

I.: mas sabe como é música / ((incompreensível)) música dá uma aula legal / como eu trabalheicom música essa semana / mas na hora do papel / oh /((risos))

I.: a gente tá muito preso ao conteúdo /I.1.: quando nós falamos aí / leitura compartilhada / a gente trabalha a parte de texto / a gente

trabalha bastante /

I.: aí o livro didático / eu deixei porque eu ia dá só texto / se tem uma música interessante((incompreensível)) / principalmente se for uma música que eu não sei cantar / tem quetrabalhar com texto /

F2: eu quero chamar atenção pra gente / a gente nota que a gente tá muito preso ao texto / aotexto didático / e assim ao conteúdo / ao estudo da gramática / e assim aquela leituracompartilhada a gente dá pro aluno / a gente / tá /

(2ª etapa, 5º enc., 19/03/2004, f1, p. 31-33)

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 232

(IX)Atividade do Ping-Pong Verbal(....)

F.1: <EX. 17 – INÍCIO> Nós vamos fazer uma produção de texto coletivo/ sobre tudo quevocês souberem/ euh.../ a respeito de língua portuguesa.../ envolvendo basicamenteaquela história da produção/ de textos/ e da formação do leitor certo? Então a gente.../uma pessoa vai começar o texto.../ <EX. 17 – FIM> uma pessoa vai começar e apresentarmais ou menos assim.../ é o lado A/ Esse grupo aqui num é o lado A? Lado /Esse grupo aquié o lado B/ então ela começa/ uma frase/ que tem a ver com o módulo/ que tem e que tenha aver com a formação do leitor.../ que tem a ver com formação do leitor.../ você ter umtempinho /pra vocês.../ pra você começar a frase.../ quando você começar.../ quem vaicontinuar com a sua frase/ vai ser ela.../ ((a F1 aponta para a professora que está do ladooposto)) ela do grupo B/ Quando você terminar de formar / vai ser ela.../ depois que vocêterminar.../ vem pra cá/ entendeu? e assim sucessivamente/ por isso que a atividade échamada de ping-pong verbal/ Na verdade a gente quer/ que venha nesse texto/ à tona/ é/ oque é.../ quais os conhecimentos/ o que é que vocês pensam a respeito/ do módulo/ certo?/alguém já deve ter dado uma folheada/ nada ) Já deve ter, então.../

I. 4: A frase deve ter no mínimo quatro palavras/ artigos não vale palavra/ uma frase segue outrafrase/ que tenha um fio condutor ((fala outra formadora da SEC que estava ajudando a F1nesse encontro))

F.1: Hum/I. 4: E que tenha no mínimo quatro palavras/ seria interessante.../ eu não sei se você poderia

copiar.../I. 8: [o texto?]

I. 4: [em forma de cópia ] ((incompreensível))I. 8: eu posso gravar..../ ((eu me prontifico a ajudar))

F.1: Mas a gente não precisa copiar/ ((há muitas conversas paralelas)) ((incompreensível))I. 11: Mas será que dá tempo.../ gravar?... euh..../ posso tentar.../ tentar gravar né?.../ copiar

F.1: [ toda essa/...][ou a gente]

I. 8: é.../I. 7: a gente/ uma vai copiando/ se não der não dar/ ((incompreensível))

F.1: certo /oh!/ gente, pode usar artigo/ só que não conta como a referência/ deve ter no mínimo 4palavras exceto artigo.../ certo?/ olhe o desafio/ a frase deve ser continuada/ deve semprefazer sentido/ em cada jogador/ quando chegar a sua vez/ deve falar definindo quatropalavras/ sem contar /sem contar com os artigos/ quanto ao jogador.../ o jogador demorar afalar.../ gaguejar/ ou falar alto/ sem seguir a seqüência/ seu time perde um ponto.../((conversas paralelas, incompreensível)) deve dar continuidade/ ao jogo.../ iniciando umanova fase.../ porque o primeiro que acumular/ dez pontos/ perde o jogo.../perde o jogo.../pode-se/ começar tudo novamente.../

F.1: Olhe o desafio/ a frase deve ser continuada/ deve sempre fazer sentido/ em cada jogador/quando chegar a sua vez/ deve falar definindo quatro palavras/ sem contar com os antigosfaltar./ Quanto ao jogador/ o jogador demorar falar.../ gaguejar/ ou falar alto/ sem seguir aseqüência/ seu time perde um ponto.../ ((Conversas paralelas - incompreensível)) deve darcontinuidade / ao jogo.../ iniciando uma nova fase.../ porque primeiro acumular/ dez pontos/perde o jogo.../ pode-se/ começar tudo novamente.../

F.1: – Tá/ então veja.../ terminou lela? / então, veja.../ ((a F 1 fala com a outra formadoraajudante))

I.4: Não/ ainda tenho outras coisas.../ ((risos dos informantes)) Pode continuar um pouquinho.../F.1: O módulo é.../ para formar alunos leitores e produtores de texto/ então.../ com base no que

vocês conhecem/ a respeito desse tema aqui.../ para formar alunos leitores que vão produzirtextos/ certo?.../ Então vocês vão começar.../ e o grupão vai dizer/ tudo o que souber arespeito.../ Do assunto/

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 233

F.1: a gente quer depois analisar essa atividade ((incompreensível)).../ E ver todos os/ as tomadasde turnos por outra pessoa para / em cima desse texto.../ em cima desse texto a gente vaianalisar/ se há algum equívoco/ se não há... se tem algum comentário/ que é preciso fazer/para tirar dúvida.../ certo?

I.7: Não eu queria começar com o módulo.../

F.1: Hum! Quer dizer que você./ ((Conversas paralelas:incompreensível)) então a gente grava.../ edepois.../ ela me dá.../ ((Conversas paralelas: incompreensível)) Vocês querem ensaiar/((Conversas paralelas: incompreensível))/ Então vamos ouvir as idéias aqui.../ diga.../

I.2: Eu acho assim.../ seria mais assim.../ por não ter nem muito conhecimento do módulo/ seriamais.../

F.1: Só um instantinho.../ o objetivo da gente fazer levantamento/ de conhecimentos prévios./I.7: Olhe / Veja bem/

F.1: <EX. 15 – INÍCIO> Espere só um instantinho.../ a gente precisa ver o que é que vocês/sabem e o que é que vocês não sabem.../ quais são as dúvidas/ quais são os equívocos.../o que é/ que.../ vocês já tão bem demais.../ entendeu?/ que a gente não precise táentrando.../ que esse módulo não vai dar conta de ser concluído hoje.../ a gente vai.../ agente não vai concluí-lo/ hoje/ então com base nisso a gente vai vendo/ o que vocêssabem e o que não sabem.../ ok?

I.4: Poderia dar o tema/ alguns exemplos pra vocês/ e depois/ a gente começaria com omódulo.../ uma das variações.../ um texto.../ uma frase pra quem quer trabalhar matemáticané?/ Aí, um texto de uma frase com esse mesmo jogador/ pode ser feito/ esse mesmo jogo/pode ser feito tendo por base a matemática.../ onde cada jogador deve fazer uma soma ousubtração/ e propor ao segundo jogador um número a ser somado ou subtraído/ exemplo...primeiro jogador A/ três mais quatro são.../ prime.../ euh.../ o grupo A/ primeiro jogador dogrupo B... sete mais cinco são.../ aí você.../ doze mais seis são.../

I.5: dezoito

I.4: Aí/ já/ ia ((incompreensível)) trabalhando da maneira/ que/ ((risos))/ cada vez que algumjogador decorar/ para responder ou errar essa ((incompreensível)) é rápida((incompreensível))/ o grupo que primeiro acumular dez ponto perde o jogo.../ euh.../ outracaracterística desse / jogo é a utilização/

I.5: ((incompreensível)) é necessário...F.1: Você vai passando a bola pra ela.../I.7: ((incompreensível)) necessário ser um bom leitor e um bom produtor de texto...

F.1: é necessário o quê? você disse.../I. 7: ((incompreensível))

F.1: Hum/ ser também... / um bom leitor.../

I.7: e produtor de texto/F.1: Ok/já pode passar a bola.../

I. 9: Posso dizer? / Um mediador e passar por diferentes níveis de leitura/I.10: Lembre-se ((incompreensível)) é um texto/ tá?

F.1: ((escreve no quadro)) um bom leitor.../I. 9: Mediador/

F.1: ME-DI-A-DOR/I.9: e através de suas experiências/F.1: Através de suas experiências.../ continuando.../

I. 2: considerar a criatividade do aluno sem impor regras gramaticais.../F.1: sem impor regras gramaticais.../ ok/

I.3: ((incompreensível)) níveis de leitura em sala de aula/F.1: o que mais ?

I. 11: oportunizá-lo (sic) a criar e recriar histórias.../

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 234

F.1: como é oportunizá-lo.../I. 11: a criar histórias....

F.1: a outra...I. 12: Mas para que isso seja feito...F.1: Hum/

I. : o aluno tenha o incentivo do professor.../I. 3: ((incompeensível)) tenha uma base teórica sobre o assunto/

F.1: tenha.../

I. 3: uma base teórica sobre o assunto.../F.1: sobre o qual se quer.../

I. 3: produzir...F.1: próximo.../

I. 13: para a boa produção deve estar sempre/((incompreensível))I. 8: o início como foi?

F.1: tou esperando.../I. 13: ((incompreensível)) capaz de produzir texto quando está conversando...F.1: acreditando que o aluno.../

I. 13: aluno pode produzir um texto...F.1: é capaz...

I.8: acreditando que o aluno...?/

I.13: pode produzir um texto.../I.8: Pode produzir ((escreve nas suas anotações))

F.1: o que mais ?.../I.6: Entretanto.../ não podemos esquecer.../ o prazer ((incompreensível))

((outros informantes falam ao mesmo tempo))F.1: O texto../ Só um minutinho...((incompreensível)) / Precisa ser um bom leitor né ?

I.6: Isso sei um bom produtor de texto.../F.1: Ok/ a outra../I.14: É preciso compreender a função social da escrita/ oportunizando aos alunos fazer resultado

((incompreensível))/

F.1: e parecer um bom../leitor../I.14: É necessário compreender a função social da escrita.../ sendo necessário.../ o educador utiliza

essa diversidade de texto num é ?

F.1: Para ser um bom leitor/ é necessário que ele dê a função social da escrita.../I.14: o leitor ((incompreensível)) é necessário que o educador favoreça para oportunizar a...as

condições..no caso / portadores de texto / a leitura de vários portadores de textos ((uminformante fala no fundo da sala: incompreensível))

F.1: a outra.../I.3: fazendo com que o aluno possa partir do conhecimento prévio...((a informante 1 escreve a

frase no quadro))

F.1: terminou ?I.3: É/

F.1: é necessário ((incompreensível))...F.1: Proponha várias situações.../I.23: várias versões... /

F.1: Várias versões.../

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 235

I. 3: para a produção de texto.../F.1: Encerrou?

I.3: não.../ ((incompreensível))F.1: e acreditamos.../I.3: ((incompreensível: fala baixo))

F.1: receber?I.3: recebê-la /

F.1: recebê-la ou receber?

I.3: recebê-la.../F.1: recebê-las.../

I.3: neste ponto.../F.1: neste ponto ok/ foi a última?

((incompreensível))F.1: Veja/ qual é o encaminhamento que a gente vai dar? você lê o texto pra vocês.../ quer

continuar? Eu vou ler o texto para vocês/ depois nós vamos fazer um levantamento/ de todasas questões aqui / que a gente acha que deve ser trabalhadas.../ MAS/ eu também proponho/eu não sei se vai dar tempo pra hoje.../ se não der tempo pra hoje.../ o próximo encontro agente fazer/ coletivamente a reescritura.../ desse texto... certo? então eu vou ler pra vocêscomo/ ficou o texto.../ dizer.../ eu queria dizer exatamente isso.../((o texto foi lido por uma pessoa que falava muito baixo, mas o transcrevemos a partir dasfalas das professoras e de nossas anotações de campo))

<EX. 16 – INÍCIO> ((Uma das formadoras começa com a seguinte frase:“Para formaralunos leitores e produtores de textos... “ e os professores-formadores acrescentaram)):

(1) É necessário ser também um bom leitor e produtor de texto...(2) Para que ele (professor) possa ser um mediador e passar suas experiências de leitor...

(3) Considerar a criatividade do aluno sem impor regras gramaticais...(4) Oportunizar momentos de leitura em sala de aula...

(5) oportunizá-lo a criar e recriar histórias de leitor...(6) Mas para que isto seja feito, o aluno deve ter o incentivo do professor..

(7) E é essencial que as leituras tenham um embasamento teórico do assunto do qual sequer produzir os textos...

(8) Para uma boa produção devemos estar sempre lendo...(9) Acreditando que o aluno pode produzir textos sem estar alfabetizado...

(10) Entretanto, não podemos esquecer que para ser um bom produtor de textos é precisoser um bom leitor...

(11) E para ser um bom leitor de textos é necessário compreender a função social da escritasendo necessário que o educador ofereça as condições ao aluno apresentando os váriosportadores de textos...

(12) Fazendo com que o aluno possa partir do seu conhecimento prévio...

(13) É necessário que o professor proponha várias versões para uma produção de textos...(14) Versões essas que acreditamos que iremos recebê-las neste encontro. <EX. 16 – FIM>

(1ª etapa, 1º enc., 21/11/02, F1, p.

(X)F2 : Nós iremos fazer uma atividade com o conteúdo do nosso módulo / que nós estamos

começando a estudar hoje / para formar alunos leitores e produtores de texto / certo? / então /esse ping-pong / essa brincadeira do ping-pong consiste no seguinte no seguinte / eh / eu voucomeçar / aí eu passo pra ela / aí ela passa pra ela / nós vamos fazer um texto / em cima disso

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 236

aqui / para formar alunos leitores e produtores de texto / então eu passo pra Socorro / eucomeço... aí paro / aí Socorro continua / e nós vamos formando assim um texto / só que temalgumas regras / não pode dizer mais de cinco palavras / certo? / aquele lado que demorarmuito / viu? / ou não quiser falar vai perder um ponto / ganha o lado / que não perdeunenhum ponto certo? /isso aqui também pode ser feito com jogos de matemática / comoperações de matemática / com outros temas / viu? / agente vai fazer aqui / porque vai serum levantamento de conhecimento né? / mas vocês na escola podem formar um texto com osalunos de vocês / lançar um tema / por exemplo folclore / e tentar ver o que é que eles sabemsobre o folclore / fazer esse ping-pong certo? / então / eu vou começar com isto aqui / paraformar alunos leitores e produtores de texto / vocês devem completar ((incompreensível))pêra ai / agora se puder dizer mais de uma palavra / ate cinco palavras (risos)

I: começa só com uma? /I: ler / e pensa/

I: participar das atividades da sala de aula /I: organizar as idéias

F2: o que mais? / organizar as idéias /

I: bem refletir /I: ((incompreensível))

F2: termina / tá faltando uma pessoa / aí você não tava nem prestando atenção no outro /incentivar /

I: ((incompreensível))

I: posso responder logo? /F2: vamos

I: compreender ((incompreensível))

F2: aqui já tem compreender/I: refletir entender/

F2: entender também já tem /I: ser criativo /

I: ter atenção/F2: já tem atenção/

I: ((incompreensível))I: aqui já tem /F2: olhe para formar aluno leitores e produtores de texto precisam ler / pensar / interpretar /

compreender analisar / desenvolver / participar das atividades na sala de aula incentivar edialogar / com os alunos / prestar atenção / saber ouvir / organizar as idéias e refletir /respeitar as pessoas e incentivar o aluno a ler e goste / ser criativo / á / ler o que não gosta /eh / tufo isso aqui / que a gente falou aqui / tudo é realmente feito em sala de aula?/

I: o resultado é satisfatório / mas ((incompreensível))

I: o resultado é satisfatório/I: fazer as criaturas ouvir /F2: é uma das partes fundamentais e muito difícil /

I: fundamental /F2: falar / tem gente que a diz eu tenho que fazer eles falarem / que tem menino bom engasgado

né? / mas eu acho que fazer ouvir é pior ainda /

F2: <EX. 18 – INÍCIO> Olhe/ gente o texto final ficou/ para formar alunos leitores eprodutores de texto precisam...(a) ler / pensar...(b) interpretar...

(c) compreender / analisar...

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 237

(d) desenvolver / participar das atividades na sala de aula...(e) incentivar e dialogar com os alunos...

(f) prestar atenção / saber ouvir...(g) organizar as idéias e refletir...

(h) respeitar as pessoas e incentivar o aluno a ler o que gosta...(i) ser criativo...

(j) oi /ler o que não gosta... <EX. 18 – FIM>(2ª etapa, 1º enc., 15/08/2003, f1, p. 11)

(XI)F2: Chega mais pra cá / aí esse pessoal aí / organiza ali /

((assistem a um vídeo sobre leitura e começa o debate sobre o vídeo assistido))C1.: Ele fala do mundo que por muito tempo / ((incompreensível)) né? Há muito tempo que isso

ainda acontece / e o problema é o seguinte / é que a gente não está apto pra trabalhar texto naalfabetização / pra gente trabalhar com ((incompreensível))

F2: Quem mais observou algum ponto? / outra coisa que vocês observaram aqui / que eu achoque vale a pena / é o seguinte

C2: <EX. 19 – INICIO> Eu acho que é assim/ contra o analfabetismo funcional/ mesmosabendo ler sozinho todo o texto / ler não é decodificar né?/ muitas pessoas sabem ler/decodificar né?/ quando se pergunta sobre a função que o autor do texto quer dizer.... /

C3: É num sabe interpretar/ e também utilizar na vida mesmo / se comunicar através daescrita/ né?/ pra não ter dificuldade/ num pequeno bilhete/ da / como é que eu possoiniciar/ como é que eu posso dizer?/ <EX. 19 – FIM>

C4: É / e até a / eh / quando a gente estuda um texto / quer dar alguma opinião / expressar suaopnião através da escrita / aí a gente eu sei falar / mas não sei como é que escreve / quando épra botar no papel né? / a gente sente dificuldade / eh / vocês observaram que / eu tambémfiquei assim / a diversidade de texto né gente? / que a gente primeiro estudou com mapa /teve professora / com jornais / música / gibis / que mais teve? / rótulos / teve também / eh /aquela escrita que o menino / no livro de história / dos escravos né? / tinha outra menina quetá lendo a... /

F2: Nota de compra né? / aquela sobre a física quântica uma leitura já bem aprimorada / o... / equando ela tava passando a cartilha / aquela lição da cartilha / que é que vocês observaramali? /

C5: sim / oh / G. / no caso de que assim trabalhar com bola / a palavra / eh / vamos pegar umrótulo de a palavra café / eh / pra se trabalhar a palavra assim / aí a sílaba assim / eh / esse éum método / é antigo / ou pode ser trabalhado dessa maneira / como a palavra café / a sílabaCA / pode ser trabalhada com CA / com FÉ / pode ser num pode? / como a palavra chavepode? /

F2: o que esse / método...C5: o que não to entendendo é isso aí /

F2: <EX. 24 – INÍCIO> O que se fala atualmente em matéria de ensino de aprender a ler/que seja contextualizado né?/ a gente pode estudar/ agora desde que a palavra caféesteja assim/ fazendo parte de alguma coisa/ por exemplo/ a palavra pare/ eh/ mais nafrente tem uma placa no sinal/ a menina disse que quando começou a ler ela lia pare/pare/ pare/ em todo canto/ é só a palavra pare/ mas ali tinha um sentido né?/ tinha umafunção que era de mandar a pessoa parar porque estava no trânsito/ agora você usar apalavra pare/ numa cartilha/

C5: na escrita/

F2: sem ser contextualizada/ solta fica sem sentido/ deixa eu mandar pegar o vídeo/ quandoa criança/ quando aprende a falar/ nem uma mãe é preparada para ensinar o seu filhoa falar/ ela vai se preparando/ como é que ela fala/ ela fala ouvindo/ as outras pessoasfalarem/ num é?/ se a mãe fala errado ela acompanha/ né?/ se a mãe fala certo ela

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acompanha/ do mesmo jeito é a leitura/ ele vai aprender a ler lendo/ e é mais fácil apessoa ensinar a ler/ é muito mais fácil você ensinar/ <EX. 24 – FIM>

C5: às vezes assim G. / que tem metodologia / que às vezes a gente fica / até sem saber assimaplicar em sala de aula / porque também fica na dúvida também / isso acontece com oprofessor / porque a gente tem uma metodologia / ((incompreensível)) às vezes o aluno / né?/ eu tenho o conhecimento na classe assim de primeira série / cada aluno tem o conhecimento/ né / diferente / aí tem determinada metodologia que a gente deixa até de aplicar em sala deaula / porque fica naquela dúvida / se deve ou não / se há colaboração /

I.: mas isso não é culpa da gente não / porque nós fomos educados assim / a nossa formação foiassim / num é? /

I.: foi uma quebra de mudança / né? /I.: ((incompreensível)) nos adaptar né? / e até a gente internalizar / e ensinar a alfabetizar / com

textos /I.: exatamente /

I.: pelo menos na alfabetização / pra /I.: E /

I.: Pra muita gente / é / é uma dificuldade /I.: É / exatamente / meu lado assim a minha pessoa como professor / então eu sinto / tem essa

quebra / que sempre tem a gente que avaliar / a gente tem que aplicar aquela metodologia /na sala de aula / pra que não complique o aprendizado deles pra não também / num fiqueaquilo né? /

I.: Tem / uma professora / que ela disse que não sabia de gente nenhum / isso na faculdade né /quando a gente tava falando / que não sabia ensinar pelo método da silabação / né? / e aí aoutra professora olhou e disse / vocês ensinam o método que tá dando certo /

I.: É /

F2: <EX. 20 – INÍCIO> Agora só que a gente sabe que também que tem essa dificuldade/ensinar sem contextualidade/ a gente tá formando alunos analfabetos funcionais/ né?/ oproblema é esse aí/ a gente ensina a ler/ a ter a idéia que ensinou a ler/ e escrever masque tipo de leitura?/ até que ponto aquela leitura que ele tá fazendo vai ser relevantepra ele lá na frente?/

C1: Isso/ como aquela cartilha que o menino tava/ ninguém toma café/ peguei a xícara decafé/ Paulo dá café num sei pra quem/ isso aí que que o aluno vai refletir/ é só/

I.: É isso mesmo /I.: É só ela ficar /

I.: É /F2: E você viu a diferença quando ele leu a cartilha e foi ler na revista/ a dificuldade a letra

da cartilha é uma/ toda/ né?/ quando ele pegou a revista que foi ler/ a palavra que eleleu na cartilha muito/ quando chegou que foi ler muito/ aí a gente vê esse tipo de coisatambém/ e não é aquela leitura da cartilha que ele vai utilizar pra vida dele/ o papel daluz/ o papel da água/ e da ficha de cadastro/ <EX. 20 – FIM>

I.: Às vezes ele ler no livro a palavra café / mas se ele vê no rótulo ele não sabe que / que leu láa palavra café / sabe identificar a palavra /

I.: E trabalhar com rótulo é um trabalho /I.: Mas se assim

I.: eu trabalhei / posso trabalhar né? / e eu acho muito gratificante trabalhar o texto / porque agente pega o próprio texto na sala de aula / o aluno nem / a partir dali / a gente vai trabalharas disciplina / matemática / ciência né? / vai trabalhar tudo como a menina citou aqui apalavra café / se eu peço eu gosto de pedir né? Pra eles trazer os rótulos pra sala de aula / eh /pra gente trabalhar a inicial do nome deles né / trabalhar com alfabetização e a partir daí elesvão descobrir as letrinhas do nome dele / e o exemplo da palavra café que a menina deu oexemplo aí / eh / quando ele tá vendo lá o rótulo / e eu apresento a palavra café no quadro eele já vai identificar que a aquela palavra café através do rótulo / e fazer a leitura também /né? / que ele tá conhecendo /

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 239

I.: ((incompreensível)) trabalhar a palavra do rótulo /F2: tá contextualizando a palavra café no rótulo / você pode trazer livros que falem sobre eh / as

coisas boas que o café traz / as coisas negativas / trabalhar a escravidão / já partir pra históriado tempo que os escravos trabalhavam com o café / que irrigaram / entende? Contextualizar /contar uma história / não trabalhar isoladamente / não é? / o que a gente / assim que / quandoa gente traz / quando a gente fala alfabetizar com textos / a gente acha que tem que trazer umtexto que o aluno vai ter que ler / não / você pode ir lendo com os alunos / pode ler com osalunos / né? / fazer eles entender o texto e dali vocês tirarem as palavras / num é? / é porqueé diferente /(2ª etapa, 3º enc. 10/10/2003, p. 1-7).

(XII)I.1.: Agora o que eu estou questionando / o que eu tou questionando e gostaria de ouvir opinião

dos outros é em relação a sua fala final / a questão do uso da palavra e as sílaba / é isso queeu queria voltar aqui a fala de Telma / sobre o que o vídeo tá tratando em rever a tua fala /enquanto isso Rosângela /

I.: Olhe eu acho o seguinte se a nossa escola ((incompreensível)) agora vai depender doprofessor que tá trabalhando / como é que ele vai acompanhar / o planejamento / o que é queele vai aproveitar daquela cartilha por que? / porque a gente sabe que a maioria não temcontato com o vídeo / com escrita / ouviu Ana? /

I.1.: Eu acho que é a pilha / só um instantinho / eu gostaria que vocês revissem essa fala de Telma/ Quando você se referiu a letra / frase / ((incompreensível))

I.: A escrita porque aí a linguagem verbal ((incompreensível)) na escrita Rosângela comoorganizar essas palavras em frase / a bola é bonita / o que foi que você quer dizer com a bolaé bonita / ((incompreensível)). Então começaram a extrair algumas perguntas / aproblematizar / ate que ele mesmo disse / ((incompreensível)) e vai falando várias situaçõesda aprendizagem depois que formaram várias situações / então da ((incompreensível)) /

I.1: Para um texto / então você começaria da unidade / a palavra / a frase e o texto / gostaria de /as garotas / Vamos bem juntinhos /

I.: Se pode mudar esse desafio ((incompreensível)) de escolher então você manda((incompreensível)) está uma droga / então até que ponto ((incompreensível)) que está aí /até ponto também na prática ((incompreensível)) eu acredito o seguinte ((incompreensível))dos textos / primeiramente você tem que mudar a prática a questão do método / pra ir numaconcepção de uma linha construtivista que vai / o aprendiz vai interagindo / convivendo comesse texto /

F1: <EX. 22 – INÍCIO> Ele vai construindo né ? /PF.: Então o tema deve ser a metodologia da alfabetização/ o modelo real / então a cartilha

na verdade o que ela quer analisar é uma realidade porque os professores estão muitopresos às cartilhas ainda estão / trabalhando e acreditando nas cartilhas.

F1: Têm duas questões aí a serem refletidas / a primeira diz respeito ao uso ou não dacartilha / a segunda diz respeito à metodologia de alfabetização / porque a cartilha elapode até ser usada / depende do objetivo que você tenha do uso da cartilha / agora oque tá sendo posto aqui / na / pelo menos na que eu entendi na fala da prof.ª M. / é aquestão de uma metodologia de alfabetização / que o que o programa propõe é que ascrianças sejam / que as crianças aprendam a ler lendo / é uma proposta / a outra é aproposta de decodificação / no aprender a ler lendo / ((incompreensível)) a criançaestaria usando outras estratégias para ler e quem sabe essas estratégias / seriam ostextos / no caso / da proposta da prof.ª M. / seria mesmo a unidade / né? / trabalhariacom unidade e dessa unidade menor / ia formando uma outra / até chegar no texto essapressupõe uma concepção de ensino / e a / aprendizagem da leitura / com o textopressupõe uma outra concepção de ensino / então / R. ((um outro professor defende quese pode fazer um uso adequado da cartilha. A discussão continua))

I: Olhe essa concepção que você tá falando / eu acho / que todo professor / e a cartilha / temque ser mudado / ((incompreensível)) com método humano e a gente tem que aproveitar /planejar / ter um planejamento em cima dessa cartilha / e aproveitar / ((incompreensível)) seé a fala dele / agora / aquele / quer dizer / coloca / agora / como é que a gente pode trabalhar

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((incompreensível)) pegar um texto / formar um pequeno texto / se eles sabem / escrevervamos fazer uma pesquisa na cartilha / será que tem alguma palavra que tá ligada / que é quevocês encontram / então vejam / eu acho que isso aí vai depender de quem tá trabalhando /na prática do educador / num é?/ eu acho /

I.1: Bom interrompendo ((incompreensível))

I: Se bem que tem que aproveitar / a gente não pode / é deixar dinheiro / que tá deixado aÍ / asprofessoras se referem aos materiais didáticos destruindo as escolas

I.1: Em nenhum momento / em nenhum momento tá colocado / não se deve usar / a cartilha / quea gente tá colocando e questionando / é alguma concepção de ensino / e um processo / umaanálise / uma reflexão / a cerca de como é que se aprende a ler / como é que se aprende aescrever /(27/03/03, f2, p. 34-37)

(XIII)F2: Eh / produção de texto também é envolver interação no aluno / todo mundo concorda que

esse aqui / produção de texto / para o desenvolvimento do aluno /C1: É porque também tá falando a ((incompreensível)) /

F2: Todo mundo concorda que tá aqui dentro? / quando você tá trabalhando pra que ponto oaluno / ((incompreensível)) diversos? / olhe aqui / oh / aprendizagem se dá na ação doaprendiz sobre o que o objeto de conhecimento / quando você trabalha com / música ediversidade de texto / não tá sendo um ambiente favoráveis / se encaixa mais ali / não?

C1: qual é a sugestão G. / eh / o aluno / eh / trabalhar também com a diversidade de textos /jornais / rótulos / música e etc em ambas as mudanças / ocorrendo por necessidadesrelevantes /

C2: necessidade não é o cognitivismo não? /C3: É / ((incompreensível))

C4: Isso /F2: porque o objetivo é com o aluno / ele é sujeito da sua própria ação / o uso do diálogo /

atividade infantil / atividade em parceria / com os pares ensinar e aprender / ser cidadãoconsciente e crítico / trabalhar contextualizando /

C5: ser cidadão consciente e crítico porque? /C6: como forma de leitura /

F2: Trabalhar contextualizadamente / já foi respondido já? /C7: Trabalhar contextualizadamente

C8: Que eu me perdiC9: Não /C10: Não / sim /

C1: <EX. 23 – INÍCIO> ((incompreensível)) porque no / é contextualizar no meu entenderseria/ refletir de acordo com o conhecimento do aluno/ contextualizar a escrita/ oconhecimento que o aluno já tem sobre o texto / de leitura/

F2: todo mundo concorda? /

C2: aqui também entra o que foi lido, né?/ e a língua se realiza com o uso das práticassociais/

F2: Você não vai trabalhar uma coisa isolada né? / (mas) contextualizando/ buscando/ avivência / aproveitando os conhecimentos do aluno/ eh/ substituição da cartilha por umúnico texto/ por uma diversidade de texto/ num é? / é porque tem coisas que a genteaproveita/ tem tudo aqui/ por exemplo/ você eh/ você constrói um conhecimento/ com/quando você trabalha/ construindo um conhecimento contando com a diversidade detexto/ você já tá / indo além da cartilha/ num é? / <EX. 23 – FIM> ao mesmo tempo táestudando / obras variadas / com parceiro / que você já tá / praticando uma forma deavaliação contínua / quando é que isso ocorre? / forma de avaliação contínua / o que você tá

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levando em conta que o aluno / tá desenvolvendo / sem / dá apenas uma avaliação mensuradasem medir conhecimento / né /((entra outra formadora e pede fadesiva emprestado))

F2: gente vamos agora dividir os grupos? / pra gente ler /

(2ª etapa, 2º enc., 12/09/03, f1, p. 3-4)

(XIV)F2: Quando diz aqui em / diferentes linguagens / quer dizer que pode / em qualquer lugar do

mundo que você está / em qualquer instante de sua vida / você pode / eh / usar / e formar umtexto / ou seja lá o que for / eh / produzir um texto /

C: quando diz aqui produzir um texto não é só um produzir texto de sala de aula / um texto numé? / esse produzir texto / englobando várias linguagens / quer dizer uma carta / é um texto /um ofício / num é? / um requerimento / num é? /

C: Uma propaganda /

C: Uma propaganda num é? /F2: Tudo é ((incompreensível)) dentro do texto / quer dizer que são diferentes linguagens /C: Esses objetivos aqui / que aponta a necessidade / por exemplo de / trabalho com a

diversidade textual / ((incompreensível)) diversidade textual? /

C: Sempre o livro não oferece tudo o que têm de trabalhar com diversidade de texto / fica muitodifícil a aprendizagem nesse termpo? /

F2: <EX. 25 – INÍCIO> Aí/ como é que você trabalha?/ com diversidade de texto?/

C: Assim textos de propaganda/ de rótulos né?/ e a história deles mesmo/ a realidade /contando a historinha deles mesmo/ a realidade / e procurando o tipo de texto ediversos/ tipos de textos no livro né?/ é porque têm textos que/ não são fáceis de leitura/esses textos desse livro mesmo que veio agora/ de língua portuguesa/ é um texto muitodifícil/ pra ser sincera/ nós que somos professores/ nem todos sabem/ nós não sabemosdesse texto/((incompreensível)) completamente/ é um texto que a pessoa pra/interpretar esse texto/ ele tem que ler/ e pra nós trabalhar em sala de aula de aula comele/ vai ser muito difícil/ imagina/ tem professor que nem ele próprio sabe interpretar otexto/ quanto mais uma criança?/ e se nós não se aprofundar numa leitura de texto/ nãopegar o conhecimento total/ como é que esse aluno vai ter um bom desenvolvimento?/<EX. 25 – FIM> que no treinamento passado F.D. / ela ((incompreensível)) 4ª série / aí elatava explicando / ela lia / lia / muito tempo que nós fomos discutindo um pouquinho / nós /imagina / uma criança em sala de aula? / então o que é que vai ((incompreensível)) / achoque nós / si mesmos tem que produzir texto / com a realidade da criança / trazer pra dentro dasala de aula / procurar o conhecimento dele / e produzir com suas próprias palavras / pradepois chegar dentro do / texto / do texto didático /(2º etapa, 4º enc., 02/02/04, p. 2-4).

(XV)F2: É / sobre a leitura do / da página 35 e 36 o que é que vocês acharam? /

C: A diversidade /F2: Da forma que você fez / ((incompreensível)) não contribui totalmente para a formação do

cidadão crítico / ((incompreensível)) do texto encontrado aqui / não é total / se ele trabalhaum monte de coisa isolada / cada conteúdo né? / só trabalhar a palavra não traz a realidade /como vive o aluno em sala de aula / trabalha de forma isolada / a gramática / a ortografia / sótrabalha isolada / não traz a realidade((a discussão foi interrompida para que uma pessoa desse um recado))

C1: <EX. 10 – INÍCIO> Oh/ G./ que nós estávamos falando sobre a apresentação do textosobre diversidade de texto/ às vezes acontece que a gente leva um texto/ pro aluno e àsvezes ele não concorda/ na aceitação/ dependendo assim/ da metodologia do professor/que às vezes muda/ cada um/ tem uma metodologia/ a gente/ cada professor tem a suametodologia diferente/ né!/ aí então/ tem mudança/ e às vezes/ acontece o seguinte né!/ a

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gente já tá tão acostumado com a metodologia/ que quando a gente muda/ já vem / ospróprios alunos sentem choque e não se adaptam/

F2: nenhum professor se sente seguro/ pra inovar essas novas técnicas né!/

C1: Exatamente/

F2: Há insegurança/ é/ muito difícil mudar/C1: Às vezer por causa de conhecimentos/ alguém chega e só usa o material mas não vai.../

C2: Baseado no depoimento da menina ((se referindo a outra colega professora))/ ela falousobre a forma/ ***de trabalhar na nova metodologia/ mas até que ponto o professor foiinduzido.../

PC1: [a trabalhar]

C2: Até que ponto ele recebeu a orientação/ para trabalhar com essa forma/ ***de ensinarpara que a gente possa mudar a nossa metodologia/ a gente tem que ter a contribuiçãode alguém/ que conhece/ ((incomprenensível))

C1: Exatamente/

C3: E a gente fala o seguinte/ eu aprendi dessa forma/ eu aprendi por que é que os outrosnão aprendem!/ Porque o problema está justamente no seguinte/ fala-se em mudança/num é? Fala-se no que é preciso se mudar/ mas não se fala como mudar/ como/

C1: [Exatamente/ como fazer]

C3: Mas não tem quem nos oriente / na / como conduzir a essa mudança/ como mudar/ oque usar/ como usar/ num é?/

C1: fala-se na mudança, mas não se dá condição pra que ela seja feita/

C3: É/ o maior problema é esse aí/ a falta de condição pra que se assuma/ a gente sabe que ébom trabalhar assim/

C1: Exatamente/ mas como se fazer/

C3: Aí só na boca não ajuda nada/((risos))

C1: E vamos dizer assim/ vamos mudar a metodologia/ vamos ver a realidade/ vamos ver/analisar/ pra gente aprender como é a metodologia/ Pra gente aprender como é ametodologia/ É muito bom trabalhar o concreto com o aluno/ mas às vezes numa sala/ ametodologia não dá certo/ nem um apagador num tem/ a gente usa papel higiênico praapagar o quadro/ muitas vezes a escola não dispõe nem de uma folha de papel jornal/ aícomo é que quer/...

F2: Agora tem um momento/ em que não se oferece nada/ mas às vezes acontece também oseguinte/ tem professores que têm livros/ que até tem lá na metodologia/ porque semprenos livros de Português num vem/ quer dizer tem professor que não se preocupa nemde ler aquilo ali/ que tem ali/ ocorre isso também né?/

C4: acomodação/F2: Né/ né/ a gente sabe que existe/ num é acomodação/ que eu disse/ é de não ter a

orientação e não procurar ir atrás/ em alguma fonte/ qualquer coisa/ e muitas vezesprocuram, mas por ser tão inseguro/

C1: É que tem muita gente / nem estímulo tem/aí é falta de estímulo né?

F2: Mas aí a gente só sabe tentando/ num é? Aí você vai partir pro laboratório/ você tentaporque se você nunca tentou/ você se ((incompreensível)) você tenta/ daquilo ali quevocê fizer você vai ver o que deu certo/ o que não deu/ dá próxima vez que você forfazer já vai corrigindo/ o que não deu certo você já vai eliminando/ e vai propondo oque/ e vai colocando em prática o que deu certo/ e daí você vai aprimorando/ <EX. 10 –FIM> como escrever / a gente se vê no escrever / mas se a gente tudo que a gente / se agente fizesse um diálogo / tudo do que a gente vivenciasse todo dia / a gente escrevia / procomeço / pelo menos em uma semana / se você botar pra registrar tudo o que acontece comvocê durante uma semana / você começa na segunda-feira / na sexta-feira você já vai vê quehouve mudança na maneira como você escreveu na sexta e a maneira como você escreveu nasegunda /

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C: É / dá licença / aqui no que você tá falando tá se encaixando bem aqui / porque nós távamoscomentando sobre a falta de recurso na escola / mas aqui tem materiais que dá / que possaajudar o professor / mas como é difícil / tá sendo difícil / eu acho que vai continuar assim /ser difícil / aí nós távamos propondo aqui que o professor tinha que ser criativo / mesmo sesentir todas as dificuldades e procurar é solucionar os problemas pra que esses alunos nãovenham se prejudicar futuramente / entendeu porque nós num tamos vivendo num mundoglobalizado né? / cheio de conhecimento né? / nóis cidadão / em cima disso também / porquenão vamos só condenar a escola / somente porque não tem material didático / mas tira os((incompreensível)) a nossa parte pro professor / é difícil /

(2ª etapa, 3º enc., 10/10/03, p. 31-34)

(XVI)A: <EX. 27 – INÍCIO> esses / seus / cabelos [kabelos] brancos /P: bonitos

A: bonitos / esse / olhos / can / sa / do [do] / pro / fun / do [do] / me [me] dizendo [desindo]co/ co /

P: coisas /A: Co / coisas / um / gri / to /

A: ((outro aluno )) / meu / en / si / na / do / tan / to / da / do / me [mi] / meu / é / es / te / pas /sos / len / tos / de / a / go / ra / ca / mi / nhan / do / sem / pre / co / mi / go / já / cor / re /ram [korrerrão] / tan / to / na / vida / meu / querido [karidu]

P: meu querido

A: meu querido / meu / ve / lho / meu / amigo /A: vai Carlos tu /

A: Aqui? /P: Sim /

A: Sua vida / cheia / de [de] histórias / e [e] essas rugas / marcadas pelo [pelo] / tempo /lembrança de [de] antigas / histórias / ou lágrimas choradas ao vento / sua voz / [Hau!]

A: ((outro aluno)) / suas lagrimas choradas / ao vento / sua voz macia / me acalma / e mediz / muito mais / do que eu digo / me calando no fundo da alma / meu querido / meuvelho / meu amigo /

A: ((outro aluno)) / seu / pas / sa / do / me / vi / ve / pre / pré / sen / te / na / ex / pe / ri / en /ci /

P: Experiência /

A: Na experiência / con / ti / das / pe / lo / nossa / nesse / coração / cons / ci /P: consciente / <EX. 27 – FIM>A: seu sor / ri / so / seu sorriso / franco [facõ] me / [meu] a / ni / ma / seu / conselho [kosec]

certo [seuto] me / ensina / [me ~esima] / be / i / jo / su / a / mão / e / lhe [ere] / digo / meu /que / ri / do / me / u / a / mi / go /

P: você já leu? /A: ((outro aluno)) eu já lhe falei / de [de] / tudo mas tudo isso é pouco diante do que eu sinto /

olhando seus cabelos tão bonitos / beijo sua mão e [e] digo / meu querido meu velho meuamigo /

P: Olha crianças / quando eu faço leitura aqui eu já falei / tem que respeitar a vez do colega /quando vocês estavam lendo desse lado aqui / aquele lado ali fez silêncio / mas / já vocês /quando terminaram de ler / fizeram zoada / que tava até difícil / pra nós ouvirmos / a leiturado colega de vocês / além de Socorro tá gravando a voz de vocês / que ela mais pediusilêncio / e não arrastar as cadeiras / vieram pro quadro / metade estava no quadro / <EX. 28– INÍCIO> gente / pelo amor de deus / vocês são crianças pré-adolescentes / então / têmconsciência das coisas que vocês estão fazendo / como é que vocês vão aprender a fazeruma leitura / realmente correta / se vocês não prestam atenção / ((incompreensível)) noacompanhamento / fica difícil / vocês estão lendo / mas não ta lendo bem ainda não /

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Maria do Socorro Paz e Albuquerque 244

num tão respeitando a pontuação correta / onde deveriam obedecer / fazer ênfase onderealmente / precisa fazer uma interrogação / uma exclamação / tudo isso / e vocês estãopra aprender direito / ler partindo os pedacinhos das palavras / vamos ver se dá pranós cantarmos agora? / <EX. 28 – FIM>

A: Tia / pera / ai / pera / ai /

P: Olha eu não sei cantar bem essa música não / certo? / eu ia ver se conseguia o CD de Roberto/ pra cantar / não consegui / nem eu tenho também / mas vamos cantar / vocês já viram numjá / essa música ? /

A: Já ((a turma toda canta com a professora ))

P: <EX. 31 – INÍCIO> É um pouco difícil de cantar / é preciso ter voz pra cantar música /mas mesmo assim deu pra sair / então / vamos fazer uma interpretação oral / bemrapidinho / nessa música / aliás / nessa letra que Roberto falou aqui / escreveu comErasmo ((incompreensível)) ele tá falando sobre...? /

A: o pai /

P: o pai / tá dizendo o quê?A: o pai i i /

P: o pai / mas que pai? /A: o pai do céu /

A: o pai da terra /A: o pai de deus

P: de quem era o pai de quem escreveu? /A: da terra /

A: pai de Jesus /P: Será que não foi o pai da gente que escreveu essa música em? /

A.: Foi Deus /A.: Foi Jesus /

A.: Foi Cristo/A.: Roberto Carlos/

P. : Quando Roberto e Erasmo compuseram essa música/ quando eles tavam escrevendo/A.: Pará / ((falando com o colega))

P. : Ele fez essa música para o pai dele/ só que também / só que a gente vai pra nossos pais /que também da mesmo certo né?/ quando ele se refere nesta afirmativa aqui / que tipode figura / o pai aqui / Roberto está falando aqui? / como é?/ é o moço / bem jovenzinho/

A.: É velho/P. : Quais são as características que Roberto Carlos faz dele?/

A.: É velho/P. : Hein?/ cabelos brancos / que mais? / nos cabelos brancos que são bonitos / que mais?/

A.: Olhar profundoP. : Olhar bem profundo / que mais / quais são as características que Roberto deu definindo

o pai dele nessa música/A.: Meu querido / meu pai / meu amigo / <EX. 31 – FIM>P. : Nós lemos o texto / por favor coopere /

A.: Meu velho amigoP. : Segunda estrofe / ele diz uma coisa que realmente... he?/

((um aluno canta na sala enquanto a professora explica))

A.: Eu te amo ((cantando))P. : marca ((incomp. – as crianças falam ao mesmo tempo)) A segunda que são marcadas pelo.../

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A Didatização do Conceito de Leitor Competente: dos PCN-LP ao Leitor Construído em Aulas de Leitura 245

A.: Pelo tempo/P. : Aí também tem o quê

A.: (( os alunos falam ao mesmo tempo))P. : Carlos desse jeito você ta cooperando nada viu?/ Então a gente vê aqui que ele fala num é

isso?/ sobre o pai dele que já é velho / que já tem muitas ruquinhas já marcadas pelo tempo /né?/ que ele já viveu / que já sofreu né isto?/ mas também tem a parte boa da vida né?/ asantigas vitórias / lembranças boas / ((incomp. )) as conquistas que ele teve né isso?/ falatambém né?/ que ele tem um coração consciente / mas também um sorriso franco / uma coisarealmente que anima né isso?/ os conselhos dele que muito ensina / né?/ o que os nossos paisrealmente passam para nós / Carlos pode ter condições de eu e você falarmos ao mesmotempo?/

A.: Não /P. : Então vamos copiando aí ?

(3ª série, 06/08/04)

(XVII)P. : .../ pra você ver que mensagem ele passou / o que é que ele quis dizer com essa música / toda

aqui?/ quis dizer o quê?/A.: Tia

A.: Professora/

P. : pra ficar em grupo / quem participar.../A.: Dona Carla /

((as crianças conversam))P. : Vocês discutem pra chegar a um.../

((alguém grita na sala))P. : Menina?/

A.: Tia/A.: Oh / tia /A.: Professora ((aluno fanho))

P. : Olha gente não vamos confundir / olhe é a reflexão aqui em baixo não é a mensagem damúsica não / certo?/ a mensagem da música vocês vão tirar com as próprias palavras devocês e vão dizer ((incomp. /as crianças falam ao mesmo tempo)) e vai dizer com as suaspalavras / qual é a mensagem /

A.: Ô tia / eu não sei fazer a mensagem não/

P. : <EX. 33 – INÍCIO> A mensagem tá nela toda / você vai dizer com suas palavras / quala mensagem que a música passa pra nós / o que a música ta dizendo pra nós / quemensagem ela deixa?/((incompreensível))

(...)A.: Meu é um?/

((outro grupo))I.: Ta fazendo só / achou alguma coisa?

A.: Oh / ela copiando de nós /I: Responda a segunda / qual é a mensagem da música?/A: É.../

I: Leiam aí depois vocês respondem /A: Já /

I: Já?/A: É de cabelos longos /

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I: Qual é a mensagem?/A: A mensagem?/

I: Sim /A: Meu pai / meu amigo /A: Meu querido / meu pai / meu amigo /

I: Qual é a mensagem?/A: Meu querido / meu velho / meu amigo /

A: Sua vida cheia de.../

I: E o teu grupo botou o quê?/ qual a mensagem da música?/A: Esse aqui?/

I: Sim /A: Eu botei sua mensagem aqui /

I: Não é o dois / qual é a mensagem da música?/A: Meu querido / meu.../

I: Meu querido / meu velho / meu amigo / só?/((outro grupo))

A: Meu querido / meu velho /... /

I: Vocês escreveram? Qual é a mensagem da música?/A: Não/

I: Não?/ quando responder me chame tá certo?

((outro grupo))A: A gente ainda não.../

P: <EX. 33 – CONTINUAÇÃO> Eu consegui ler a história todinha e vocês ainda nãotiraram a mensagem do texto/

A1: Que mensagem?P: O que ele passou pra você / o que foi que o cantor Roberto Carlos passou pra você?/

deixou essa mensagem aqui / sobre o pai / como ele fale meu querido / meu velho / meuamigo / é uma mensagem simples / o que foi que ele deixou?/ dessa música pra você?/ aíonde é que ta / não ta escrito aí no papelzinho / você vai tirar daqui / a mensagem é essaque fala sobre isso / isso / isso / com suas palavras /

A: Sim /P: É com suas palavras que você vai dar sua mensagem / tirando a mensagem da música /

A: Tirando a mensagem da música /((incompreensível))

P: É / mas não ta escrito aqui não a mensagem é essa / a mensagem é assim não / amensagem tá no todo / no texto todo / entendeu / não tá so especificado no verso / naestrofe não / tá bom?/ <EX. 33 – FIM>

A: Tia tá chamando /P: Quem?/

((outro grupo))I: Já sabem qual é?/ sente lá e vá fazer / vocês têm que se concentrarem no trabalho de vocês /

vocês estão saindo /

A: ((incompreensível))(...)

P: <EX. 34 – INÍCIO> Outra pessoa do grupo aqui / qual foi a mensagem que vocêschegaram?/ que mensagem a música falou?/ o que vocês entenderam da música?/

A: Meu querido / meu velho / meu amigo /

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P: Todo mundo só entendeu que a mensagem da música era meu querido / meu velho /meu amigo / só isso?/

A: SóP: Quem respondeu diferente da resposta aqui da amiga?/ leia pra mim /

A: Ela copiou num foi?/P: Marcela qual foi a mensagem que você chegou?/ mas será que não dava para ela ter

melhorado um pouquinho essa resposta da mensagem?/ num dava pra ter melhoradonão?/

((incompreensível))P: Vocês ouviram o que Socorro pediu / a colaboração de vocês por que ela ta gravando /

senão vai ficar difícil / eu já expliquei pra vocês / quando a gente vai fazer um texto oumesmo né um pequeno / de um texto / um bilhete / um pouquinho né de sabedoria / pragente entender a mensagem / toda a música fala sobre quem?/

A: Sobre o pai /

P: Sobre o pai / mostra a figura do pai né isso?/ nessa figura do pai / que ele tem?/((pausa))

P: como foi que ele descreveu minha gente?/A: ((incompreensível))

P: Ele fala do pai / o pai é o quê?/ ta.../ um pouco velho / já idoso / que tem o quê?/ cabelosbrancos / o que mais?/

A: RugasP: Tem rugas / o que mais?/ cansado / durante a vida toda o que foi que ele adquiriu?/

A: O quartoP: Cadê o texto de vocês porque não bota na mesa pra ver / desde pequenininho /

adolescente começou a trabalhar / tudo / até chegou na adolescência o que foi que eleadquiriu?/

((pausa para resposta))P: Ex-pe- /

A: Esperança /P: Experiências vividas / que ele já tem passado / vocês estão adquirindo agora a

experiência / que vocês estão começando agora na adolescência /((incompreensível))

P: Ele conta uma vida cheia de história / ((incompreensível)) / ou vocês não tem os pais devocês como amigos?/

A: Eu tenho /P: O melhor amigo é nosso pai / a nossa melhor amiga é nossa /

A: Mãe /P: A terceira pergunta / é a pergunta aí / qual a estrofe que fala sobre a vida do pai?/

quem conta mais sobre a vida do pai dele?/ a onde é que ele mostrou mais?/ <EX. 34 –FIM>

A: A primeira e a segunda /

P: Aonde é que fala mais?/

A: A segundaP: A onde?/ a segunda / que mais?/

A: Aqui oh /P: Mas vamos ver se é a segunda ou a terceira /

A: Meu velho / meu amigo /P: Sua vida cheia de histórias / e essas rugas marcadas pelo tempo / lembranças de antigas

vitórias / com lágrimas choradas ao vento / sua voz macia me acalma / e me diz muito mais

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do que eu digo / me calando no fundo da alma / meu querido / meu velho / meu amigo / aterceira estrofe é / seu passado vive presente / nas experiências contidas / nesse coração /consciente da beleza das coisas da vida / seu sorriso franco me anima / seu conselho certo meensina / beijo suas mãos e lhe digo meu querido / meu velho / meu amigo / então dessas /duas estrofes / qual é a que fala mais onde mostra aqui o pai realmente / viveu / conta todasua vida / qual é?/ a segunda ou a terceira?/

A: SegundaP: Todo mundo concorda com a segunda?/A: Eu concordo /

A: Eu também /P: Certo / mas fala muito pouco né?/ a meu ver / aonde fala mais / é a terceira / ao meu ver /

tanto a segunda quanto a terceira fala sobre a vida do papai / seu passado vive presente / assuas experiências vividas / esse coração consciente / ta mostrando realmente como era o paidele / ali estava presente /

((incompreensível))(3ª série, 08/08/06, f1).

(XVIII)((A professora apresentou um texto do LD sem pontuação e pediu para que os alunos lessemum parágrafo todo, em seguida, perguntou-lhes se eles entenderam))

P: Vocês entenderam o texto?/A: Sim/ ((muitos alunos responderam))

P: Mas deu pra vocês entenderem?/sem pontuação?A: Sim/

((Realmente dava para entender porque se tratava de assunto de fácil compreensão))

P: Então vamos ler e ver como vocês vão pontuar/((Depois de algum tempo, os alunos leram a sua proposta de pontuação. Quando um alunoerrava os colegas riam. A professora reclamou e depois pediu aos desatentos que prestassematenção à leitura; a 1ª aluna leu com uma certa fluência; um aluno deixou o relógio noalarme, os colegas reclamaram, a professora pediu para que ele desligasse e lhe deu lição demoral; a 2ª aluna leu com menos fluência, fazendo pausas nas palavras; então a professorafez a seguinte observação: <EX. 29 – INÍCIO> vocês estão lendo bem, mas estãocolocando uma vírgula em toda palavra; <EX. 29 – FIM> a 3ª aluna fez uma leitura commais dificuldades que a anterior, sem a entonação dos sinais de pontuação: interrogação,exclamação e vírgula; a 4ª aluna leu bem com entonação correta, apesar de lenta ás vezes; aprofessora avaliou com um muito bem; 5ª aluno leu fazendo quebras, mas fez a entonação dosinal de exclamação; 6ª aluno, o X, leu baixo, com muita dificuldade, dizendo as palavras demodo entrecortado, sem nenhuma fluência ; a professora corrige a leitura dos alunos, dando aentonação adequada dos sinais, em vez de ajudá-los a descobrirem a entonação adequada.Depois afirmou que quando falamos nos utilizamos da entonação. A 7ª aluna leu comfluência, fazendo entonação; a professora avaliou novamente com um muito bem. Emseguida, a professora passa para os alunos fazerem uma atividade do LD de Português.

Atividade de produção textual: fazer um texto dizendo o que você faria se fosse um super-herói.

P: Se vocês fossem um Super-herói o que é que vocês queriam resolver em casa, na escola../.

Se eu fosse um super-herói (super-heroína)((Os alunos conversam, fazem barulho.)) A professora afirmou que não queria nada dolivro))

P: o que vocês iriam fazer se fossem super-herói?/A: Eu iria comer muito/

A: Eu daria uma casa pra minha mãe/A: Eu ajudaria a todo mundo/

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A: Eu prenderia todo ladrão/A: Eu acabaria com a fome/

A: Eu iria passear bem muito/((Depois os alunos começam a escrever seus textos))(anotações de campo, 4ª série, 15/03/04)

(XIX)((A professora corrige uma atividade da aula anterior sobre prefixos e sufixos))

P: Da palavra feliz vamos fazer outra palavra/ acrescente outra palavra para formar outra/ ((Aprofessora insiste em que os alunos descubram a palavra “mente” e a acrescente a palavrafeliz para formar a palavra FELIZMENTE)).

P: vocês nunca mentem vocês sempre dizem a verdade? /

A: Eu digo/A: Eu também/

P: Quando eu uso a cabeça/ eu posso dizer que eu uso a..A: a menteP: Tente Juntar uma palavra a palavra feliz pra formar outra/

A: Infelicidade/P: Não/ não é esta palavra/ esta não dá certo, porque a palavra muda/ eu quero outra palavra que

acrescente a feliz/ Qual é a palavra que vocês devem acrescentar?/

A: Muito feliz/P: Vocês não vão acertar/ A palavra é MENTE/ pra formar a palavra FELIZMENTE/

((Alguns alunos não prestam atenção, riem com as brincadeiras de um colega, a quem eu voudenominar de X, a professora reclama))

P: Os professores são palhaços?/ quando os palhaços falam as crianças fazem o quê?A: Riem/ ((a turma toda ri))

P: Prestem atenção!/<EX. 36 – INÍCIO> ((A professora passa a outra atividade e, após expor váriasgravuras com mulheres, no quadro, fala aos alunos em comemoração ao diainternacional das mulheres))

P: Vocês que são machistas não recebem nada da mulher?AX: Recebo peia /

A: Eu recebo amor/P: Sabe por que eu não libero os homens?/ Porque eles precisam valorizar a mulher/ Essas

mulheres conseguiram alguma coisa?/ ((A professora aponta para os cartazes noquadro))

A: A fama/P: Se eu fosse do sexo masculino ficaria com medo / vocês são preguiçosos e não gostam de

estudar/ as mulheres estão tomando conta/ estão em consultório/ supermercados/ lojas/até motorista elas já são/ A mulher está conquistando espaço e ai de vocês homens?/Vou fazer uma leitura para trabalhar a audição / ((Ela se refere à leituracompartilhada)) vou lê e vocês vão concordar ou discordar /

((A professora lê para a classe o texto: “O Homem e a Mulher”, de Victor Hugo e, apósa leitura, comenta-o))

P: E porque vocês não fazem a mesma coisa?/ Valorizam a mulher!/ Vocês que chegamaqui na sala e não valorizam a mulher! / Quem ensinou a andar?/ As primeiraspalavras/ Quem deu os primeiros alimentos?/

A: A mãe/ ((alguns alunos respondem em coro))

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((e se dirigindo para o aluno X que está sempre atrapalhando as aulas e mais lhedesrespeita continua))

P: Quantas vezes seu pai veio pra as reuniões dos pais? /AX: Ele trabalha/

P: Quem fez a matrícula de vocês?/AX: Papai /

P: Você é muito machista X / tem que mudar / Nesse texto que eu li/ vocês viram algumacoisa que agradou? / que chamou a atenção? /

((os alunos não respondem))P: A mulher é uma pessoa amável/ doce/ compreensiva.../

AX: Minha mãe não é legal / bota de castigo /P: Quando ela faz isso você está rezando?/

AX: Não /P: Então pronto/ <EX. 36 – FIM> Agora vamos copiar uma música que fala sobre a mulher

que mostra que ela é muito importante /

Mulher (Erasmo Carlos)

Dizem que a mulher é o sexo frágil,Mas que mentira absurda!Eu que faço parte da rotina de uma delasSei que a força está com elas.

Vejam como é forteA que eu conheço, sua sapiência não tem preço;Satisfaz meu egoSe fazendo submissa,Mas no fundo me enfeitiça.

Quando chego em casa, à noitinha,Quero uma mulher só minha.Mas pra quem deu a luzNão tem mais jeito.Porque o filho quer seu peito.O outro já reclama sua mãe.O outro quer o amor que ela teve.Quatro homens dependentes e carentesDa força da mulher.

Mulher, mulher!Na escola onde você foi ensinada,Jamais tirei um dez!Sou forte, mas não chego a seus pés...((a professora começa a cantar a música com os alunos))(anotações de campo, 4ª série, 08/03/04)

(XX)A professora pediu desculpas pelo atraso, chegou às 7h e 35min porque estava doente.Em seguida, fez a Leitura compartilhada do texto “Deus manda cantar o povo de Israel”, dolivro A bíblia em uma história para cada dia do ano: da criação à ressurreição. Apesar dosilêncio, uns sete alunos dos 15 não prestam atenção. Um aluno mastiga chiclete, aprofessora reclama e lembra as regras da escola que diz não poder chupar chiclete em sala deaula pelos seguintes motivos: primeiro, porque não suja as carteiras e não prega em cabelosdas crianças; segundo porque dá cárie nos dentes; e, terceiro, prejudica o estômago porqueele se prepara para receber alimentação devido à mastigação e como não recebe, libera osuco gástrico que é produzido em excesso, prejudicando as paredes do estômago.

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Em seguida, a professora passou a fazer a correção da atividade de casa: colocar a pontuaçãodo texto “Se eu fosse um super-herói”, LD de Português, p.25.

Leitura de um aluno: Quando Tomé começava a pensar, nem conseguia por fim a tanta idéia.Lia todos os gibis, via todos os filmes de super-heróis, às vezes quando estava sozinho atédizia:- Super-homem se você tem mesmo super-audição, me ouça e me transforme num super-herói igual a você!

Alguém chegou na sala, os alunos conversavam. Um aluno pediu para a professoracontinuar. Um outro aluno “A” discute com outro colega, diz que vai dar na boca deleporque ele pegou seu livro; “A” continua desafiando, a professora reclamou e pediu para oaluno sentar noutro local.

A professora apresenta a página que introduz o texto “Vovó comprou um carro” de Laís CarrRibeiro, LD de Português, p.24 em que há uma gravura de uma menina ao telefone olhandopara a página de classificados de um jornal. A professora fez perguntas sobre a gravura. Oaluno “A” voltou a atrapalhar, a professora falou sobre o pouco tempo da aula, que é pouco,e da necessidade de cada um cuidar de si. Porém sempre há 5 ou 6 alunos que não prestamatenção à explicação. A professora explicou também fez a diferença entre vovó (título dotexto, com acento agudo, som aberto; e vovô – circunflexo (som fechado); dar exemplo comas palavras Ipê e pé.

Após isto, orientou sobre a estrutura textual – início com letra maiúscula; a estrutura dosparágrafos. Começaram a fazer a leitura, depois que a professora pediu: “Uma pessoa lê umpedacinho outra lê o outro”. Os alunos queriam ler, se ofereciam para ler. Porque os alunosliam baixo, a professora comentou:P: As pessoas que falam alto na sala, na hora da leitura falam baixo; façam silêncio paracomeçar a leitura. Silêncio, prestem atenção! Os alunos começaram a leitura. Os trêsprimeiros leram devagar, mas fizeram boa leitura.

“C” lê com fluência; só se atrapalhou ao ler a palavra Calálogo;“F” leu devagar, razoável;

“A” lê com muita dificuldade, entrecortando as palavras;“M” fez uma boa leitura, mas ainda devagar;

“L” leu devagar, fazendo pausa;“J” leu com muita dificuldade, silabando, sem conseguir dizer uma palavra de formaadequada, os colegas se apressam em corrigi-lo, a ponto de não deixa-lo ler. Irritado “J”comenta: “eu não vou lê não, vocês não vão me deixar ler não, deixa eu lê rapaz!/

A professora não diz nada sobre o que o aluno disse, mas comenta:P: <EX. 37 – INÍCIO> ler/ não é só ler a palavra/ é entender/ e ler o texto só uma vez épouco, para compreendê-lo.((após a leitura de alguns alunos, a professora mostra-lhes que eles precisam ler commais atenção)) <EX. 37 – FIM>Depois, a professora leu o texto sozinho, com uma entonação apropriada.

Em seguida, trabalhou as informações do texto e comentou que não se deve comprar umimóvel apenas olhando para sua apresentação no Calálogo, devendo-se antes vê-lo no local.(anotações de campo, 4ª série, 1703/04)

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ANEXO F – Textos utilizados nas aulas de leitura

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