A Dialética Socrática

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    Resumo

    Prope-se, como objetivo deste artigo, investigar a denominadadialtica socrtica como Paidia irnica. Parte-se do pressuposto de quedirecionar o foco da anlise dos dilogos socrticos, presentes nos escri-tos de Plato, para a relao entre ironia e processo educacional/formativo,implicaria a revitalizao do potencial pedaggico da ironia, o qual pode-ria contribuir para desenvolvimento do processo educacional/formativodos educadores e seus educandos.

    Palavras-chave: ironia; Paidia; dialtica; Scrates; Nietzsche.

    Antonio Zuin

    ESTUDOS RBEPRBEPRBEPRBEPRBEP

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 89, n. 221, p. 11-29, jan./abr. 2008.

    A dialtica socrtica

    como Paidia irnica

    Quem de vs pode, ao mesmo tempo,

    rir e sentir-se elevado?

    Nietzsche

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    Antonio Zuin

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 89, n. 221, p. 11-29, jan./abr. 2008.

    Abstract

    Socratic dialectical method as ironic Paidea

    This paper aims to investigate the so-called Socratic dialectical

    method as ironic Paidea. Proceeding from the assumption of redirecting

    the main focus of analysing the Socratic dialogues in Platos work towards

    the relation between irony and educational process, it is possible to revive

    the pedagogic potential of irony. This could help develop the educational

    process of both educators and their pupils.

    Keywords: irony; Paidea; dialectic; Socrates, Nietzsche

    Introduo

    Logo no incio de sua obra Emlio, considerada por muitos como aquelaque inaugura a chamada pedagogia moderna, Rousseau presta o seguin-te tributo a Plato e, por que no dizer, a Scrates, ao asseverar que otexto de A Repblicano se limita a ser caracterizado como obra poltica,mas se trata do mais belo tratado de educao que jamais se escreveu(Rousseau, 1992, p. 14). O elogio de Rousseau, um tanto quanto enigm-

    tico, instiga a anlise sobre quais seriam as razes de ele ter consideradoeste texto como oparadigma educacional.

    Mas a esfinge de Rousseau no oferece apenas duas alternativas,ou seja, a interpretao ou a morte do raciocnio daquele que se motiva adecifr-la; ela remete o pensamento para a investigao da foraeducacional/formativa presente nos escritos socrtico-platnicos. Tal foraeducacional no pode ser apartada do potencial irnico presente nosdilogos socrtico-platnicos, haja vista o fato de a ironia ser caracteriza-da como mola propulsora de obras filosficas e literrias, tais comoCndido, de Voltaire, e A montanha mgica, de Thomas Mann (Walser,1996, p. 77-78; Ceppa, 1983, p. 87). Dito de outra forma, a constataode Rousseau estimula o estudo do potencial pedaggico dos dilogos

    socrticos e seus respectivos avatares que foram expostos nas obras dePlato. Da o objetivo deste artigo, ou seja, a investigao da denominadadialtica socrtica como modelo de Paidia irnica, o que implica analisara condio de educador de Scrates.

    A refutao, a maiutica e a dialtica socrtica

    Na leitura de A Repblica, observa-se a importncia da consolidaodo processo formativo do rei-filsofo. De acordo com Jaeger (1995, p. 861),

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    [...] o filsofo deixara o estado de mera contemplao para abraar o

    estado de criao. Converter-se- em demiurgo e trocar a nicatarefa criadora que nas circunstncias atuais lhe dado realizar, a suaprpria formao, pela formao de caracteres humanos, tanto no campoda vida privada como no do servio pblico.

    Com efeito, o rei-filsofo deve assumir sua condio de educador eauxiliar os demais para que no permaneam to aferrados aos desatinosdos sentidos e das aparncias dos conceitos. O modelo de educador ideal,presente nos dilogos socrtico-platnicos, revelou-se no apenas umaimagem que contestou os princpios pedaggicos protagonizados pelossofistas, pois o principal alvo de tais dilogos nunca deixou de ser a toreverenciada quanto questionada Paidia homrica. Seguindo essa linhade raciocnio, Jaeger (1995, p. 861) assevera:

    Misturando as caractersticas do eternamente justo, belo, prudente, sde todas as demais virtudes e s dos traos que descobrimos no homemreal, quer dizer, misturando a idia e a experincia, aparece ao artistafilosfico j no aquela imagem semelhante aos deuses, figurada porHomero nos homens e na sua epopia, mas sim uma imagem adequadaa eles, semelhante ao homem.

    Com efeito, o poder formativo do logos, exaltado nos dilogossocrtico-platnicos, confrontava com o teor da explicao mitolgico-homrica dos caminhos e descaminhos do conhecimento humano. Areverncia a Homero, o maior poeta trgico, no pode servir paraobnubilar a constatao de que ele, na verdade, imita a aparncia da

    virtude e de outros assuntos (Plato, 1975, p. 331). Como contraponto concepo homrica da tragdia, talvez fosse oportuna a lembranada observao de Vernant (2002, p. 372) de que o dipo, de Sfocles,pudesse ser definido como o heri trgico exemplar, pois se tratava deum heri duplo, dilacerado e problemtico. Por detrs de toda a suntu-osidade projetada na figura do rei heri de Tebas que decifrou o enigmada esfinge, existia o tormento do conflito de desejos concernentes aorompimento de tabus, que no podiam ser atribudos exclusivamenteaos mandos e desmandos dos deuses, pois diziam respeito no s figura de dipo como tambm aos dilemas da prpria condio huma-na. por isso que, como bem notou Vernant (2002, p. 366), adquirecada vez mais sentido a procura de respostas de questes, tais como:

    Qual a responsabilidade dos deuses na forma como os homens agem?Qual , naquilo que chamamos de falta, a responsabilidade do indiv-duo, o que ele pode assumir totalmente, e aquela que pertence suafamlia, a uma espcie de culpabilidade arrasadora? So os esboos daconstruo da individualidade que vo sendo delineados. O ser humano,na condio de agente, gradativamente se depara com questes que oauxiliam a delimitar, de forma cada vez mais apurada, seu campo deao, de tal modo que as linhas tnues e fronteirias que definem oslimites entre o exerccio de suas aes e as imposies divinas ganhamcontornos mais definidos.

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    A defesa socrtico-platnica da hegemonia do logosna composio

    tanto da identidade quanto das intervenes humanas tem comopressuposto fundamental a realizao de um processo educacional/formativo que capacite ao filsofo se aproximar cada vez da sapincia,do domnio e da aplicao das essncias dos conceitos. Nesse sentido,o poder metafrico do mito da caverna, referente ao gradativo proces-so de ascenso do esprito que se desvencilha do sortilgio dos senti-dos at chegar dimenso da Idia, consolida a fora da intervenoarvorada no logosem detrimento do poder divino na construo dodestino humano.

    E se o foco da investigao dos dilogos socrticos, presentesnos escritos de Plato, for direcionado para a dimenso pedaggicada ironia, nota-se a importncia deste conceito para o desenvolvi-

    mento de tal processo ascendente. Mas, diga-se de imediato, h umadiferena decisiva entre a ocasio na qual a dimenso crtico-emancipatria da ironia se afirma como hegemnica nas relaesdialgicas entre os agentes educacionais e quando tal dimenso seinstrumentaliza e flerta com o sarcasmo. No caso do sarcasmo, sola-pa-se a possibilidade de desenvolvimento do processo educacional/formativo, pois o interlocutor obrigado a ingerir, de forma humi-lhante, determinado significado do conceito que se transforma numapalavra de ordem.

    O destaque formativo da ironia pode ser vislumbrado nos dilogosestabelecidos entre Scrates e Trasmaco, quando ambos refletem so-bre a essncia do conceito de justia em A Repblica. A ironia socrtica

    revela seu potencial formativo quando demole as certezas sobre deter-minados conceitos, na medida em que as essncias de tais conceitosno se restringem ao modo como eles aparecem. As aparncias, queso equivocadamente consideradas como os pontos finais das defini-es conceituais, so, na verdade, os pontos de partida dos jogos que seestabelecem entre significantes e significados. O irritante, na leiturados dilogos socrticos, se refere contnua observao de que somosdemasiadamente humanos, para usar expresso de Nietzsche, e nocorrespondemos ao modelo idealizado de que detnhamos as prerroga-tivas da verdade na elaborao dos conceitos e, portanto, do modo comoeles so objetivados na realidade. Trasmaco aprende o significado des-ta relao de no correspondncia, principalmente quando desafia

    Scrates a contest-lo de que o justo no seno a vantagem do maisforte (Plato, 1975, p. 19).

    Ao invs de ser aplaudido, tal como desejara, Trasmaco questionado por Scrates da seguinte forma: se justo obedecer aosgovernantes, os quais so os mais fortes e que elaboram as leis quelhes so mais vantajosas, podem ocorrer situaes em que estes mes-mos governantes se enganem, j que so falveis, e promulguem leisque lhes sejam desfavorveis, as quais devem ser obedecidas pelos go-vernados. Conseqentemente, no faz sentido afirmar que o justo no nada mais do que a vantagem do mais forte.

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    Contudo, Trasmaco no se conforma com a desconstruo de seu

    raciocnio e argumenta que o governante nunca se engana quando elaborasuas leis, da mesma forma que o mdico nunca comete algum erro quandotrata de seus pacientes. Ambos s se equivocam quando deixam de serrespectivamente governante e mdico, e apenas por uma questo dehbito que se afirma que o governante e/ou o mdico erraram. NovamenteScrates lhe interroga sobre o objetivo do mdico: ganhar dinheiro outratar dos doentes? Trasmaco lhe responde que ele objetiva tratar dedoentes, e, aps uma srie de outros exemplos, Scrates conclui que aarte da medicina implica a vantagem do indivduo a que se aplica, demodo que, analogamente,

    [...] nenhum chefe, seja qual for a natureza da sua autoridade, na medida

    em que chefe, no se prope e no ordena a sua prpria vantagem,mas a do indivduo que governa e para quem exerce a sua arte; comvista ao que vantajoso e conveniente para esse indivduo que diztudo que diz e faz tudo o que faz (Plato, 1975, p. 25).

    Trasmaco no se d por vencido e argumenta que, da mesma formaque os pastores e os criadores de gado engordam seus animais objetivandoreceber as devidas vantagens de tal ato, os governantes tambm olhampara seus sditos como se fossem carneiros e se propem, deste modo,obter dos governados algum lucro pessoal. A deduo necessria seria ade que os que reprovam a injustia no temem comet-la e nem deixarde louv-la, mas sim receiam ser vtima dela caso no as cometam.Scrates lhe diz que mesmo assim no est convencido de que se deva

    preferir a injustia justia, e Trasmaco lhe responde sarcasticamenteque no ter alternativa a no ser enterrar seus argumentos na cabeade Scrates.

    Mas Scrates questiona Trasmaco da seguinte maneira: as benessesobtidas pelos mdicos, por exemplo, no provariam que ningum aceitaexercer os outros cargos por eles mesmos, que, pelo contrrio, se exigeuma retribuio, porque no ao prprio que o seu exerccio aproveita,mas aos governados? (Plato, 1975, p. 29). Com certo custo, Trasmacoconcorda com o raciocnio socrtico de que nenhuma arte e nenhumcomando prov ao seu prprio benefcio, mas [...] assegura e prescreve odo governado, tendo em vista a vantagem do mais fraco e no do maisforte (Plato, 1975, p. 30).

    Aps a contestao da argumentao de Trasmaco de que o justono seno a vantagem do mais forte, Scrates menciona a relevncia dese objetar a asseverao trasmica de que a vida do homem injusto superior do justo. Para Trasmaco, os injustos so sbios e bons e,portanto, virtuosos. Scrates se espanta com tal concluso e reinicia seudilogo com Trasmaco observando que o justo no prevalece sobre seusemelhante, j o injusto prevalece sobre seu semelhante e o seu contrrio,com o que Trasmaco concorda. Logo em seguida, Scrates pergunta aTrasmaco se um msico sbio na sua arte em comparao com aqueleque no msico. Trasmaco lhe diz que sim. J Scrates questiona

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    Trasmaco se o msico desejar prevalecer sobre aquele que ignora a

    msica e no sobre o seu igual. Trasmaco corrobora o raciocnio de queo msico, enquanto sbio, desejar se tornar hegemnico sobre aqueleque ignora a msica e no sobre o seu semelhante.

    J o ignorante no desejar prevalecer sobre todos, ou seja, tantoem relao a seu igual quanto em relao ao sbio? Trasmaco no temalternativa a no ser concordar e, se ele mesmo afirmara que os injustosso sbios e bons, como podem ser ao mesmo tempo sapientes e bondosos,uma vez que se o sbio for bom ele no vai querer prevalecer sobre seusemelhante, mas sim sobre o seu contrrio? Assim, se o injusto desejaprevalecer sobre seu contrrio e seu semelhante, como que ele podeser sbio?

    A concluso da dana destes silogismos socrticos a de que o justo

    revela-se-nos, portanto, bom e sbio e o injusto ignorante e mau (Plato,1975, p. 33-35). difcil sintetizar as argumentaes de Scrates e Trasmaco,tamanha a comunho da pungncia e da sutileza de tais dilogos. Mesmoassim, importante observar, nestas passagens dialgicas que foram desta-cadas sobre o conceito de justia, as voltas e reviravoltas que Scrates elabo-ra na refutao do raciocnio de Trasmaco. No se trata apenas da demo-lio pura e simplesmente dos alicerces lgicos de seu interlocutor, mas simda aparncia de verdade que a definio de Trasmaco portava sobre o con-ceito da justia e de seu oposto, a injustia. Para Reale e Antiseri (1990, p.98), a dialtica socrtica era composta por dois momentos fundamentais nosquais se desenrolava a fiao do novelo irnico: a refutao e a maiutica.A refutao se caracterizava da seguinte maneira:

    [...] o momento em que Scrates levava o interlocutor a reconhecer asua prpria ignorncia: Primeiro ele forava uma definio do assuntosobre o qual se centrava a investigao; depois, escavava de vriosmodos a definio fornecida, explicitava e destacava as carncias econtradies que implicava; ento exortava o interlocutor a tentar umanova definio, criticando-a e refutando-a com o mesmo procedimento;e assim continuava procedendo, at o momento em que o interlocutorse declarava ignorante.

    Mas a metodologia socrtica no fora, em muitas ocasies, facilmenteacatada pelos seus interlocutores. Trasmaco, por exemplo, assevera sar-casticamente o seguinte: Essa a sabedoria de Scrates: recusar-se aensinar, ir instruir-se junto com os outros e no se mostrar reconhecido

    por isso! (Plato, 1975, p. 19). De certa forma, talvez Trasmaco tivesserazo, sobretudo no que diz respeito recusa socrtica de ensinar e deapresentar de antemo a sua definio sobre as essncias dos conceitospostos em questo. Os estudiosos dos dilogos socrticos, tais como Realee Antiseri (1990, p. 99), destacaram o papel do educador Scrates comocondutor do processo educacional/formativo, de tal modo que sua funose assemelharia a uma espcie de parteiro espiritual que estimularia ointerlocutor a parir o conhecimento que lhe era inerente. Desta forma, amaiutica socrtica consistiria neste ato de auxiliar a alma, a psych,a rememorar os contedos de verdade dos conceitos.

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    O prprio Kierkegaard observou que justamente a realizao da

    maiutica, cuja nuana imanentemente irnica, que permite a reflexode que o fenmeno no a essncia. Atravs das relaes dialgicas entreo mestre e o discpulo, observa-se a manuteno da tenso entre a palavrae a inteno velada, a qual, ao mesmo tempo em que se torna manifestaatravs da deduo, suscita novas formas de interpretao. No obra doacaso que a ironia anseia pela liberdade subjetiva, ou seja, aquela liberda-de que anuncia a possibilidade da construo de novos incios. E se talraciocnio for aplicado com maior nfase na interpretao das questespedaggicas, nota-se que estes novos incios so incentivados pelo educa-dor que faz uso da dimenso emancipatria da ironia quando no apresen-ta um raciocnio conclusivo ao aluno, mas sim o estimula para que reflita arespeito da temtica discutida e expresse suas prprias dedues.

    Este foi o esprito predominante nos dilogos que Scrates estabeleceucom seus interlocutores, embora tais jogos conceituais no deixassem deexpressar, em muitas ocasies, a substituio da ironia socrtica em sarcasmotanto por parte de Scrates quanto por parte de seus adversrios. Nestaperspectiva de anlise, destaca-se a observao de Impara (2000, p. 40) deque a etimologia do termo ironia tenha, aps Scrates, amealhado umaconotao positiva, de estmulo elaborao de novos significados, emborano tenha desaparecido nos dilogos socrticos a associao do conceito deironia com a de um tipo de gracejo que poderia se tornar uma zombaria.

    Talvez as contendas ocorridas entre Scrates e seus interlocutorestenham atingido o seu pice justamente nos dilogos travados entreScrates e Protgoras, os quais tiveram o mrito de colocar frente a frente

    as idiossincrasias das denominadas Paidias socrtica e sofstica,respectivamente. A principal questo que se coloca no texto Protgorasera de saber se a virtude poderia ou no ser ensinada. O grande sofistaProtgoras se vangloriava de ser um educador capaz de ensinar aprudncia e de formar, conseqentemente, bons cidados (Plato, 1945,p. 28). Diante da objeo socrtica de que a virtude no poderia ser ensi-nada, eles elaboram uma srie de dilogos que conduzem a uma incrvelreviravolta das respectivas linhas argumentativas. Scrates rev sua po-sio inicial de que a virtude seria uma espcie de dom concedido pelosdeuses e defende a idia de que ela , essencialmente, um saber, pois seos indivduos optam por escolher aquilo que lhes agrada e evitar o desa-gradvel, evidentemente ningum escolher, de s conscincia, trilhar

    as vias que conduzem para a infelicidade. Aquele que possui a faculdadede avaliar, de mensurar os prs e contras de suas aes tem, portanto,mais chances de poder ser feliz. As habilidades deste indivduo virtuososo assim definidas por Scrates:

    Quando se peca, peca-se por falta de cincia na escolha dos prazeres edos desgostos, isto , dos bens e dos males e no simplesmente porfalta de cincia, mas por falta desta cincia que h pouco reconhecestesser a cincia das medidas. Ora, toda a ao culposa por falta de cincia,bem o sabeis, praticada por ignorncia, de sorte que ser vencido peloprazer a pior da ignorncia (Plato, 1945, p. 92).

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    E ser no discernimento da proximidade entre a valentia e a sabedoria

    que Scrates demonstrar a Protgoras e, surpreendentemente, a siprprio, que a virtude pode ser ensinada, diferentemente daquilo quepensara no incio dos dilogos. J Protgoras reconhecer, por conta dodesenvolvimento de seu prprio raciocnio, que a virtude no pode serensinada, ou seja, exatamente o oposto do que a princpio afirmara. Estaaparentemente inusitada inverso de raciocnios ser conseqncia dacontestao de Scrates ao argumento de Protgoras de que homensmpios e ignorantes demonstravam tambm ser valentes. Protgoras con-corda com Scrates quando ele define os covardes como aqueles que tmreceios vergonhosos e audcias indignas, e o motivo de tais receios eaudcias no pode ser outro a no ser a falta de conhecimento e a igno-rncia das coisas que temem. E se estes indivduos so covardes devido a

    esta ignorncia, isto significa que a covardia passa a ser definida comoa ignorncia das coisas que so para recear e das coisas que no o so(Plato, 1945, p. 98). Do mesmo modo, a valentia se torna a cincia dascoisas a temer e das que no o so (Plato, 1945, p. 98). O xeque-matede Scrates sarcasticamente admitido pelo atnito Protgoras, que enfimreconhece o equvoco de sua perspectiva inicial de que homens ignoran-tes seriam tambm valentes: Tu teimas, Scrates, segundo me parece,em que seja eu a responder; dar-te-ei, pois, este prazer e confessar-te-eique, depois dos princpios em que assentamos, isso [m homem ignoranteser valente] me parece impossvel (Plato, 1945, p. 98).

    O prazer concedido por Protgoras de reconhecer a razo de Scratescorrobora, concomitantemente, a veracidade do argumento socrtico de

    que aquele que se deixa arrastar pelo desejo de ser o dono da verdaderecrudesce sua fraqueza moral, uma vez que desconhece as conseqnciasnefastas que o abandono irrefletido a tal prazer acarreta. Ora, Scratesse notabilizou, entre outras coisas, pelos questionamentos aos movimentosprofessorais e catedrticos daqueles que partiam da premissa de estartotalmente seguros da solidez de seus argumentos (Adorno, 1999, p. 86).A questo moral, portanto, se revela, prioritariamente, uma questo desaber. E, no mesmo movimento deste raciocnio, Scrates comprova quea virtude pode ser ensinada, pois depende da aplicao da cincia dasmedidas, que, ao ser utilizada, proporciona as condies do exerccio dobom julgamento e, no que diz respeito a nosso exemplo da valentia, aconscincia daquilo que se deve ou no temer.

    interessante observar que tanto Protgoras quanto Scratesterminam por, digamos, descer do lugar de destaque do pedestal em quese situavam no incio dos dilogos, pois ambos refletiram sobre asincongruncias de suas linhas iniciais de argumentao. Mas h umadiferena crucial entre os dois, pois, ao contrrio de Protgoras, Scratesdesejoudescer. E foi o desejo de tentar aprofundar o significado inicial doque seria a virtude, e se ela poderia ser ou no ensinada, que o impulsionoua realizar a sua auto-reflexo crtica.

    A despeito das mais diferentes exegeses metafsicas, o movimentode Scrates em direo deste exerccio de auto-reflexo ecoa, no final do

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    sculo18, nos dizeres do imperativo categrico kantiano contido no clebre

    texto Resposta pergunta: que o esclarecimento?Para Kant (2005, p.63), o indivduo deveria contribuir, com sua ao, para sair do seu estadode menoridade, de ser tutelado por outrem, e, para tanto, deveria ousarsaber. como se Kant revitalizasse, neste imperativo categrico, o anseiosocrtico de que o virtuoso aquele que no amaina seu mpeto na buscado verdadeiro conhecimento, pois tal procura porta consigo tambm umaprimoramento moral que no pode ser dissociado desta ao. Balizando-se no ousar saber como condio do aperfeioamento moral, Kant (1996,p. 34) elabora uma questo central e ainda atualssima para a pedagogia:como estimular a observncia das leis e, ao mesmo tempo, promover aliberdade?

    Evidentemente, tais leis tendem a ser respeitadas se os indivduos

    que as acatam tiveram a liberdade necessria para poder se reconhecercomo interventores na sua construo e na sua difuso. Os costumes,fundamentados metafisicamente por Kant, so decorrentes de imperativoscategricos que universalizam e legitimam as normas dos contratossociais. Mas para tanto se torna decisiva a realizao do ouse saber, mes-mo que para isto as fortificaes das certezas anteriormente irredutveisapresentem os sinais das primeiras fissuras.

    J a frustrao diante das fendas do seu raciocnio aparentementeinconteste conduz Protgoras a no ter outra alternativa a no ser refe-rendar as concluses de Scrates, cujo espanto final decorrente da ob-servao de que a virtude pode ser ensinada revela, paradoxalmente,tanto a condio humana de que ningum detm irremediavelmente a

    verdade quanto a possibilidade de que o indivduo, por conta de sua fali-bilidade, tem a faculdade de poder continuar, corajosamente, a eternabusca do que a verdade significa. Jaeger enfatizou o fato de que Scratesse esforou para demonstrar que a virtude passvel de ser ensinada eque , portanto, uma forma de saber. E que Protgoras se esmerou nadefesa de que a virtude no seria um saber, sendo, deste modo, incerta apossibilidade de ensin-la. O grande intrprete do conceito de Paidiaafirmou o seguinte sobre esta contradio:

    O drama finda com o espanto mostrado por Scrates em face desteresultado aparentemente contraditrio; mas o espanto, neste como emtodos os casos, evidentemente a fonte de toda a filosofia, para Plato,e o leitor fica com a certeza de que a tese socrtica que reduz a virtude

    ao conhecimento dos verdadeiros valores deve constituir a pedra angularde toda a educao (Jaeger, 1995, p. 644).

    Este aspecto educacional/formativo da Paidia socrtica precisa ser,a meu ver, necessariamente adjudicado verve irnica que explode comtoda a sua fora nos dilogos socrticos e que, algumas vezes, resvala nolimite da tnue linha que separa a ironia do sarcasmo, ora exposto porScrates, ora, com maior freqncia, por Protgoras. nessa perspectivade anlise que a ironia socrtica tanto pode suscitar os novos princpiosque se desvelam no jogo da alteridade entre significantes e significados

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    das palavras quanto pode ceder espao fala sarcstica que consagra a

    vontade de poder daquele que destri a argumentao do outro por meioda humilhao e do destrato.

    Porm, exatamente nesta situao-limite que se tornam maisdiscernveis as nuanas entre a ironia e o sarcasmo, as quais, a meu ver,s podem ser compreendidas por meio de uma anlise crtica do educadorconcebido em seu modelo ideal. E foi Scrates aquele que tanto criticoutal modelo, ao questionar a pretenso dos sofistas de serem identificadoscomo os conhecedores da essncia da virtude, quanto se metamorfoseounuma espcie de paradigma de educador de uma Paidia, de um processoeducacional/formativo ideal.

    O educador Scrates e a Paidia ideal

    Para que se possa analisar a figura de Scrates como educador ideal preciso compreender as caractersticas do processo educacional/formativo que foram expostas no movimento de ascenso da alma nofamoso livro VII de A Repblica. Com efeito, o mito de caverna detm aprerrogativa de, metaforicamente, narrar o modo como o prisioneiro dacaverna rompe os grilhes de suas iluses e, num processo ascendente,se aproxima gradativamente da luz do sol e, portanto, do mundo inteligvele da Idia do bem.

    Aquele que teve a oportunidade de verdadeiramente se deparar como conhecimento das essncias dos conceitos no consegue mais voltar

    condio heternoma que ocupava anteriormente como escravo dasiluses, principalmente das iluses promovidas por meio da chamadaditadura dos sentidos. No por acaso Scrates define a educao destamaneira:

    A educao , pois, a arte que se prope este objetivo, a converso daalma, e que procura os meios mais fceis e mais eficazes de o conse-guir; no consiste em dar vista ao rgo da alma, visto que j a tem,mas como est mal orientado e no olha para onde deveria, ela esfor-a-se por encaminh-lo na boa direo (Plato, 1975, p. 234).

    Tal como foi observado anteriormente, o mtodo empregado porScrates para poder orientar adequadamente o rgo da alma o dialtico.

    Para Scrates,

    [...] o mtodo dialtico , portanto, o nico que, rejeitando as hipte-ses, se eleva at ao prprio princpio para estabelecer solidamente assuas concluses e que realmente afasta, pouco a pouco, o olhar daalma da lama grosseira em que est mergulhado e o eleva para a re-gio superior (Plato, 1975, p. 252).

    A alma que se encontra mergulhada na lama grosseira aquela quese rende ao sortilgio dos sentidos e, portanto, ao mundo das aparncias.Cabe verdadeira educao espicaar o seu processo de converso, de

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    tal modo que se assenhoreie do controle dos sentidos e, por que no

    dizer, das coisas relativas ao prprio mundo fenomnico. Contudo, o fil-sofo que obtm o privilgio de banhar seu rosto com os raios do sol e dese tornar conhecedor da essncia do conceito tem o dever, mesmo queseja contra sua vontade, de iluminar, com suas palavras, as trevas nasquais se encontra a grande massa dos cidados. O filsofo cumpre comsua funo de educador quando auxilia o cego que pensa que tudo sabee v a discernir a natureza de cada imagem e de que objeto ela imagem.Na anlise da metafsica da Paidia socrtico-platnica, Jaeger (1995, p.79) observa que sua meta educacional/formativa fica alm do mundodos fenmenos diretamente dado e est oculta ao olhar do homemsensorial por um mltiplo invlucro. Romper estes invlucros impeditivos primeiro passo que se tem que dar para que a luz do Bem jorre no olhar

    da alma e lhe faa ver o mundo da verdade.De fato, se aquele que se eleva s alturas, a ponto de sua intelign-

    cia se tornar hegemnica em relao sua opinio, tende a desistir dascoisas humanas, uma vez que sua alma aspira a instalar-se em tais altu-ras, Scrates o recorda de sua tarefa de ajudar a maioria dos homens, agrande tarefa do rei-filsofo, a se libertar dos grilhes que os aprisionam seduo das imagens deformadas e que so geradas na esfera de dom-nio dos sentidos.

    Sculos depois, Hlderlin (1994, p. 110) expressou tal anseio na frasepotica de que entendia a mansido do ter e no a linguagem dos homens.Mas para Scrates o filsofo no pode se aferrar linguagem do etreopor mais saborosa que ela possa ser. O conhecimento da linguagem do

    ter condio fundamental para o conhecimento da linguagem doshomens. E o processo educacional dialtico aquele que pode e devecontribuir para que a cincia das medidas prevalea sobre o desejodesmesurado cotidianamente presente nas aes humanas.

    Ao ser acusado de atesmo em relao aos deuses e de corromper ajuventude com o ensino do mtodo dialtico, Scrates mencionou a dificul-dade daqueles que o acusavam de reconhecer sua prpria presuno dosaber, pois, na verdade, nada sabiam. Para tais pessoas, seria inconcebvelo raciocnio socrtico da necessidade de se permanecer nem sbio da prpriasabedoria e nem ignorante da prpria ignorncia. De acordo com Scrates,o reconhecimento dos prprios limites seria o fulcro central da possibilidadede o intelecto predominar sobre a opinio, pois sobre ele que se susten-

    tam os alicerces do edifcio do mtodo dialtico, cujas caractersticas foramexpostas anteriormente.

    O jogo de significados e significantes que se estabelece nos avataresde tal mtodo no pode ser apartado da relao entre a ironia e o sarcasmoque podem ser observados nos dilogos socrticos. Seguindo esta linhade raciocnio, no se pode desconsiderar o fato de que a ironia tem umacarga afetiva, cuja interveno decisiva tanto para a difuso de suadimenso emancipatria quanto para sua substituio pelo sarcasmo. Deacordo com Hutcheon (2000, p. 33), existe uma carga afetiva na ironiaque no pode ser ignorada e que no pode ser separada de sua poltica de

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    uso se ela for dar conta da gama de respostas emocionais (de raiva a

    deleite) e os vrios graus de motivao e proximidade. difcil encontrar uma passagem mais significativa da presena desta

    carga afetiva da ironia do que no momento em que Scrates contestaMeleto, na Apologia de Scrates, sobre a acusao que lhe fora feita deno acreditar nos deuses respeitados pelos cidados atenienses. QuandoScrates indaga a Meleto se seria possvel algum acreditar nas coisasdemonacas e, ao mesmo tempo, desacreditar a existncia de demnios eMeleto lhe responde que isto seria impossvel, Scrates lhe afirma o se-guinte: Oh! como estou contente que tenhas respondido de m vontade,constrangido pelos outros (Plato, 1999, p. 59).

    O sarcasmo na resposta de Scrates pode ser explicado como umareao contundente daquele que se encontra bem prximo da morte e

    que reage violentamente ante um dos seus acusadores. De todo modo,no h como negar a presena notria da carga afetivana expresso deScrates de que estava contente por causa da resposta de Meleto. Mas esta mesma fora apaixonada da ironia que motiva Scrates a recupe-rar o poder de simbolizao de seu raciocnio ao demonstrar a incoernciada argumentao de Meleto, pois como Scrates poderia ser acusado denegar a existncia dos deuses e dos demnios se, de acordo com Meleto,ele ensinava coisas demonacas? Novamente, a ironia socrtica afrouxaos espartilhos nos quais as certezas aparentemente irredutveis seenfeixam e que sufocam a produo de novos significados.

    A meu ver, exatamente esta carga afetiva que determina aperpetuao e difuso da dimenso crtico-emancipatria da ironia, bem

    como a sua substituio pelo sarcasmo que estilhaa a fora de simbolizaodo jogo irnico e impe, de forma humilhante, a atribuio de umsignifi-cado ao conceito em questo. Mas se tal raciocnio for verdadeiro, como sepoderia, a partir do uso das categorias socrticas, tais como refutao,maiutica e dialtica, refletir sobre o potencial pedaggico da ironia, umavez que a razo deveria prevalecer sobre a sensibilidade? No haveria umaespcie de contradio silogstica nesta linha de argumentao? E mais,como seria possvel a realizao do jogo irnico de significantes e significadostravado entre Scrates e seus discpulos e, por que no dizer, entre oeducador e seus alunos?

    So questes como estas que nos direcionam ao encontro da leitura edo dilogo com os textos de Nietzsche e suas ponderaes, afetivamente

    carregadas, sobre a proposta socrtica de que a educao teria como esco-po principal afastar o olhar da alma do lodo dos sentidos e da aparncia dascoisas. No livro O nascimento da tragdia ou helenismo e pessimismo,Nietzsche (2001, p. 14) elabora o seguinte questionamento, que no deixade ser tambm uma provocao: teria sido toda a cientificidade socrticaapenas uma reao ao temor e uma escapatria ao pessimismo? Tal ode razo no seria uma sutil legtima defesa contra a verdade e, portanto, umato de covardia e falsidade? No seria uma astcia amoral? Nas palavrasexageradas de Nietzsche: Scrates, Scrates, foi este porventura o teusegredo? Ironista misterioso, foi esta, porventura, a tua ironia?

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    exatamente esta ironia de Nietzsche que permite refletir sobre a

    carga afetiva que se pode observar nos caminhos e descaminhos dadialtica socrtica, pois como a ironia poderia sobreviver sem uma dosede exagero? (Dttmann, 2004, p. 71). Ora, no so desconhecidos osbices apresentados por Scrates, no livro X de A Repblica, quanto influncia desconcertante que a poesia pode exercer sobre o esprito quese esfora para desviar o olho da alma do lamaal do sensrio. Scratesafirma a Glucon a importncia de se criticar a poesia e o legado dosbelos poetas trgicos, em especial Homero, pois estes se aferraram aoreino das aparncias desconsiderando as essncias dos conceitos apre-sentados em obras tais como a Odissia. Scrates no nega que se senteprazer quando vemos Homero ou qualquer outro poeta trgico imitarum heri na dor, que, no meio dos seus lamentos, se estende numa longa

    tirada ou canta ou bate no peito (Plato, 1975, p. 338).Mas, em nome da razo, necessrio reprimir o desejo de identificao

    com os infortnios de tais heris, pois seno corre-se o risco de se parecercom aquilo que se deve repugnar, ou seja, o comportamento desmedido edescontrolado. As paixes da alma, tais como o amor e a clera, as quais sosuscitadas pela imitao potica, devem ser afastadas de nossas aes:Alimenta-as [as paixes] regando-as, quando conviria sec-las, f-las reinarsobre ns, quando deveramos reinar sobre elas, para nos tornarmos melhorese mais felizes, em vez de sermos viciosos e miserveis (Plato, 1975, p.339). A concordncia de Glucon com o julgamento socrtico sobre a poesiatrgica representa tambm a vitria do processo educacional/formativo dadialtica de Scrates sobre a chamada Paidia homrica.

    Diferentemente da Odissia, na qual a vitria do astucioso Ulissesfora determinada tambm pela ajuda providencial dos deuses olmpicos,a leitura do contedo metafrico do mito da caverna, tal como foi obser-vado anteriormente, reafirma a interveno humana como determinantenas conquistas obtidas pela alma daquele que gradativamente se afastada seduo das paixes e dos sentidos at alcanar o cume da dimensoda Idia do bem. Tudo pareceria perfeito no fosse um pequeno detalhe:a alma que educada para abandonar o lamaal no qual se encontravano cessa de olhar, ainda que de soslaio, para este mesmo lodo dossentidos, das paixes e, por que no dizer, dos instintos humanos. Masque tipo de fora impulsionaria a avidez com a qual Scrates defendeu aprimazia da razo sobre o prazer a no ser o prprio prazer? Se referen-

    darmos o raciocnio de Nietzsche de que Scrates inverteria a lgicanatural de que o instinto seria a fora afirmativo-criativa e a conscinciase conduziria de maneira crtica, de tal modo que, socraticamente falando,o instinto se metamorfosearia em crtico e a conscincia em criador, entofaz cada vez mais sentido a assero nietzscheana de que

    [...] o impulso lgico que aparece em Scrates estava inteiramente proi-bido de voltar-se contra si prprio; nesse fluir desenfreado mostra eleuma fora da natureza, como s encontramos, para nosso horrorizadoespanto, nas maiores de todas as foras instintivas [...] Que ele prprio,porm, tinha um certo pressentimento desta circunstncia algo que

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    se exprime na maravilhosa seriedade com que fez valer, em toda parte

    e at perante seus juzes, a sua divina vocao. Era to impossvel, nofundo, refut-lo a esse respeito quanto dar por boa a sua influnciadissolvente sobre os instintos (Nietzsche, 2001, p. 86).

    Defrontamo-nos com um estranho paradoxo, pois a carga afetiva daironia que Scrates tanto se esmerou em arrefecer foi a mola propulsorada lgica de sua argumentao e de sua argumentao lgica. Ademais,caso se reflita a respeito da dimenso pedaggica da ironia tendo comopressuposto bsico o reconhecimento de sua carga afetiva, ento secompreende a contradio aparente de Scrates, pois ele defendehumildemente a permanncia da necessidade de nem ser sbio de suasabedoria e nem ignorante de sua ignorncia e, concomitantemente, seauto-intitula pai ou irmo mais velho, ou seja, uma espcie de modelo

    ideal de uma Paidia (Plato, 1999, p. 68). preciso reconhecer que ahumildade de Scrates se metamorfoseia, em algumas ocasies, em so-berba intelectual. E se as paixes e os desejos humanos exercem notoria-mente um fascnio muitas vezes irresistvel, a ponto de os espectadoresdas tragdias gregas se identificarem mimeticamente com os dramasdos heris e se emocionarem de forma descontrolada, a dialtica socrtica,como expresso metodolgica mais desenvolvida do raciocnio silogstico,tambm seduz seu praticante a, digamos, exercer sua vontade de poder.No livro de sugestivo ttulo Crepsculo dos dolos, Nietzsche (2000, p.20-21) aquele que novamente aponta para a ferida de que a carga afetivada ironia no pode ser desconsiderada, seno vejamos:

    A ironia de Scrates uma expresso de revolta? De ressentimento daplebe? Ele goza enquanto oprimido de sua prpria ferocidade nasestocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? medidaque se um dialtico, tem-se um instrumento impiedoso nas mos.Com ele podemos cunhar tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos.O dialtico lega ao seu adversrio a necessidade de demonstrar queno um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo desamparado.O dialtico despotencializa o intelecto de seu adversrio. Como?A dialtica apenas uma forma de vingana em Scrates?

    Seria mesmo a dialtica apenas uma forma de vingana socrtica?Se, por um lado, o exagero irnico de Nietzsche tem o mrito de iluminaras faces obscuras do afeto que potencializa a construo do jogodialgico-irnico socrtico e, neste sentido, pode-se identificar uma teoria

    da ironia nos escritos nietzscheanos (Bohrer, 2000, p. 283), por outrolado esta mesma exorbitncia despotencializa o prprio reconhecimentode Nietzsche de que o impulso lgico socrtico continha, na sua imannciairnica, uma dimenso emancipatria. Caso contrrio, no faria sentidoScrates criticar os adolescentes que se deleitavam sarcasticamente coma dialtica, haja vista o fato de que (...) sentem prazer, como jovens ces,em assediar e dilacerar pelo raciocnio todos os que deles se aproximam(Plato, 1975, p. 259).

    Neste caso, no poderia haver melhor escolha do que o verbodilacerar, uma vez que sarcasmo etimologicamente significa arrancar

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    carne. Nota-se um componente sadomasoquista na utilizao sarcstica

    da dialtica, pois o prazer sdico de tais jovens certamente tem relaocom as humilhaes masoquistamente reprimidas, as quais encontra-vam vazo no dilaceramento do argumento alheio, to logo estes domi-nassem os elementos da dialtica. Mas, e Scrates? Ser que ele, mesmosendo ciente desta possibilidade de uso da dialtica, se encontrava com-pletamente eqidistante do risco de cair em tentao e de se favorecersarcasticamente do uso instrumental do jogo irnico-dialtico?

    Concluso

    No foram poucas, ou mesmo menores, as objees feitas a Scrates.

    um embaraado Kierkegaard que lembra as palavras de Ast de que aauto-humilhao de Scrates teve o objetivo consciente de se exaltardiante dos pobres de esprito que so dominados pela opinio e pensam,equivocadamente, que so os senhores das essncias dos conceitos.Porm, o prprio Kierkegaard (1991, p. 189) reconhece que

    [...] este justamente o fino jogo de msculos da ironia. A circunstnciade que ele [Scrates] sabe que nada sabe o alegra e o deixa infinitamenteleve por causa disto, enquanto os outros se matam por seus tostes [...]Quanto mais ele se alegra por causa deste nada, no como resultadomas como infinita liberdade, tanto mais profunda a ironia.

    A alegria de Scrates concerne justamente fora da ironia em

    produzir novos significados aos conceitos discutidos. Foi de extrema feli-cidade a percepo de Kierkegaard do reconhecimento de Scrates dofato de que no ser nem sbio de sua sabedoria e nem ignorante de suaignorncia o deixava infinitamente mais leve. Sua capacidade de autocrticao eximia de se identificar e de ser identificado como o senhor absolutodos conceitos, ao mesmo tempo em que tal constatao o habilitava aenveredar novamente pelos caminhos e descaminhos do conhecimento. nesta perspectiva que a ironia se revela como uma tentativa dediscursividade (Verspralichung) do mundo. A este respeito, a ironiaremete ao mundo real, mas ela uma tentativa de palavrao do mundona forma de uma rplica simultnea. E assim ela se refere aos mundospossveis (Japp, 1983, p. 18).

    Mas novamente Nietzsche aquele que observa indcios da vontadede poder socrtica que se jacta de ser a nica que domina a prpria igno-rncia, ao passo que todos os outros sucumbem ao poder da iluso e dafalta de compreenso. De acordo com Nietzsche (2001, p. 85), Scrates

    julgou que deveria corrigir a existncia: ele, s ele, entra com ar demenosprezo e de superioridade, como precursor de uma cultura, arte emoral totalmente distintas, em um mundo tal que seria por ns conside-rado a maior felicidade agarrar-lhe a fmbria com todo o respeito. Aspalavras de Nietzsche so tanto verdadeiramente impiedosas quanto ab-solutamente equivocadas? Ora, h sarcasmo em algumas respostas de

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    Scrates a Trasmaco em A Repblica(Plato, 1975, p. 36) ou na Apologia,

    quando Scrates afirma estar contente na ocasio em que Meleto lheresponde com m vontade (Plato, 1999, p. 59). Porm, se ele procedeudesta forma em algumas ocasies, o mesmo Scrates que tem a humil-dade de rever sua definio inicial no Protgorase concluir que a virtudepoderia sim ser ensinada.

    O jogo irnico-dialtico socrtico, enquanto produo do conhecimentohumano, no pode se crisalizar, ou seja, se encapsular a ponto de sedirimir as cargas afetivas que lhe so imanentes. Quando isto acontece,ento predomina a carga afetiva sarcstica que dilacera os argumentosalheios por meio da soberba intelectual daquele que no admite se equivo-car no domnio dos conceitos discutidos. Na esfera educacional/formativa,tal mestre poderia ser caracterizado como um antizaratustra.

    Diferentemente daquele que se aferra com todas as foras ao pedestal quejulga ser-lhe de direito, Zaratustra provocou seus discpulos da seguintemaneira: Retribui-se mal um mestre quando se permanece sempre e so-mente discpulo. E porque no quereis arrancar folhas da minha coroa?(Nietzsche, 2005, p. 105). A autoridade pedaggica que cnscia de suasforas e, principalmente, de suas limitaes, pode contribuir para que istoocorra, pois se est envolvida numa relao de poder com seus alunos,tambm tem cincia de que sua superioridade contingencial ao portarem si sua superao. H uma superao da autoridade que no significasua eliminao, uma vez que a interveno do educador se conserva modi-ficada no raciocnio elaborado pelo aluno, o qual se sente respeitado comopartcipe do processo de ensino-aprendizagem.

    Teria o Scrates educador concordado com a indagao de Zaratustra?Penso que a resposta deva ser afirmativa, sobretudo se considerarmos oprprio raciocnio nietzscheano de que a fora motriz da lgica socrtica sereferia aos instintos que foram to insistentemente combatidos porScrates, os quais aliceraram no s a falibilidade como tambm a altivezde sua condio humana. Foram estes mesmos instintos os responsveispela fora da amizade estabelecida entre discpulo e mestre, e que foi tocara a Scrates, aquele que tratava seus discpulos como seus amigos:

    Esta expresso (a amizade nota do Autor), oriunda do crculo socrtico,incorpora-se na prpria terminologia das escolas filosficas da Academiae do Liceu [...]. Esta palavra tem para Scrates um significado pleno. Odiscpulo est continuamente diante de seus olhos como um homem

    completo, e para Scrates, a quem repugnava tudo o que fosse elogiara si prprio, o melhoramento da juventude, de que os sofistas segabavam, era o sentido profundo e real de todo o seu trato amigvelcom os homens (Jaeger, 1995, p. 556).

    Assim, a paixo socrtica pela busca do conhecimento verdadeironecessita tambm do conhecimento da paixo, ou melhor, do entendi-mento do modo como os vnculos afetivos estabelecidos entre os discpulose os mestres so decisivos para o desenvolvimento do processoeducacional/formativo. A amizade se destaca, portanto, na condio deliame afetuoso entre os agentes educacionais que se preocupam efetiva

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    e carinhosamente, e no de forma instrumentalizada e interesseira, com

    os avatares de tal processo. Ao destacar a importncia do erosna paidiasocrtico-platnica, Marrou (1975, p. 58) afirma o seguinte:

    A ligao amorosa (entre discpulo e mestre nota do Autor)acompanha-se, pois, de um trabalho de formao, de um lado, e dematurao, do outro, matizado ali de condescendncia paternal, aquide docilidade e de venerao; exercido livremente, pelo convvio co-tidiano, o contato e o exemplo, a conversao, a vida comum, a inicia-o progressiva do mais jovem nas atividades sociais do mais velho: oclube, o ginsio, o banquete.

    Se esta linha argumentativa estiver correta, adquire cada vez maissentido o elogio de Rousseau (1992, p. 14) de que Plato, por meio dosdilogos socrticos de A Repblica, no fez seno depurar o corao dohomem. O iluminista hertico Rousseau, para usar uma expresso deReale e Antiseri, sabia que o corao depurado no significaria sua des-truio, mas sim o seu controle, pois o conhecimento da virtude implicariao aceite de que as paixes humanas no deveriam ser destrudas, massim controladas, na medida do possvel, pela razo que se nutriria daseiva destas mesmas paixes. Ora, quem que consegue rir e elevar-seao mesmo tempo? Provavelmente o educador que capaz de rir, irnicae pedagogicamente, de si, ao reconhecer suas prprias limitaes, temmais chances de alcanar tal feito que, antes de ser feito divino, se faz atohumano, demasiadamente humano.

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    Antonio Zuin

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    Antonio A. S. Zuin, professor associado do Departamento de Educa-o e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Fe-deral de So Carlos (UFSCar). Doutor em Educao pela Unicamp, combolsa-sanduche, mediante convnio Capes-Daad, na UniversidadeJohann Wolfgang Goethe, em Frankfurt, Alemanha. Ps-doutor em Filo-sofia da Educao pela Universidade de Leipzig, Alemanha. Assessor daFundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp) e pes-

    quisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico eTecnolgico (CNPq 1D). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa:Teoria Crtica e Educao da UFSCar.

    [email protected]

    Recebido em 16 de julho de 2007.Aprovado em 20 de fevereiro de 2008.

    WALSER, Martin. Selbstbewusstsein und Ironie. Frankfurt am Main:

    Suhrkamp Verlag, 1996. 195 p.

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