A Defesa da Saude em Juizo trecho do livro para divulgação

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Andrea Lazzarini Salazar e Karina Bozola Grou A Defesa da Saúde em Juízo Teoria e Prática VERBATIM editora

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A Editora Verbatim traz a público A Defesa da Saúde em Juízo que aborda a legislação brasileira de assistência à saúde pública e privada, remetendo o leitor às questões mais atuais enfrentadas pelo Poder Judiciário. Na parte teórica, as autoras discorrem sobre a ótica constitucional e legal da saúde, com ênfase para a Lei Orgânica da Saúde, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Planos de Saúde, destacando ainda as principais objeções à defesa da saúde em Juízo e os caminhos para sua efetivação. Na parte prática, são apresentados modelos de petições iniciais para reivindicar direitos tanto em face do Poder Público, como de planos de saúde. No âmbito do SUS, há estruturas de ações para exigir medicamento em falta; medicamento não integrante das relações públicas; prótese, órtese e outros insumos; internação de urgência; e ainda modelo de ação civil pública contra ato de improbidade administrativa. Na esfera privada, são apresentados modelos para pleitear cobertura de doenças e procedimentos; cobertura de doenças preexistentes; contestar reajuste abusivo por mudança de faixa etária; solicitar manutenção do vínculo de contrato coletivo de assistência à saúde em caso de demissão e em caso de aposentadoria; anular rescisão unilateral de contrato individual e para pleitear danos materiais e morais decorrentes de erro médico. Uma última parte traz uma seleção atual de decisões judiciais relacionadas aos temas tratados, o que faz da obra A Defesa da Saúde em Juízo importante referência para estudantes e profissionais do Direito que atuam na efetivação do direito à saúde e do direito do consumidor no país.

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9!BMM@K<:XXUOSW!ISBN 978-85-61996-04-8

Andrea Lazzarini Salazar - Con-sultora Jurídica do Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e de outras organizações não-gover-namentais, pesquisadora do Labora-tório de Economia Política da Saúde - LEPS/UFRJ, autora de artigos e pu-blicações na área de saúde.

Karina Bozola Grou - Mestre em

Direito Constitucional pela PUC/SP, Gerente Jurídica do Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, consultora jurídica de organizações não-governamentais, pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde - LEPS/UFRJ, autora de artigos e publicações na área de saúde.

A Editora Verbatim traz a público A Defesa da Saúde em Juízo que aborda a legislação brasileira de assistência à saúde pública e privada, remetendo o leitor às questões mais atuais enfrentadas pelo Poder Judiciário.

Na parte teórica, as autoras discorrem sobre a ótica cons-titucional e legal da saúde, com ênfase para a Lei Orgânica da Saúde, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Planos de Saúde, destacando ainda as principais objeções à defesa da saúde em Juízo e os caminhos para sua efetivação.

Na parte prática, são apresentados modelos de petições ini-ciais para reivindicar direitos tanto em face do Poder Público, como de planos de saúde. No âmbito do SUS, há estruturas de ações para exigir medicamento em falta; medicamento não integrante das relações públicas; prótese, órtese e outros in-sumos; internação de urgência; e ainda modelo de ação civil pública contra ato de improbidade administrativa. Na esfera privada, são apresentados modelos para pleitear cobertura de doenças e procedimentos; cobertura de doenças preexistentes; contestar reajuste abusivo por mudança de faixa etária; solici-tar manutenção do vínculo de contrato coletivo de assistência à saúde em caso de demissão e em caso de aposentadoria; anu-lar rescisão unilateral de contrato individual e para pleitear danos materiais e morais decorrentes de erro médico.

Uma última parte traz uma seleção atual de decisões ju-diciais relacionadas aos temas tratados, o que faz da obra A Defesa da Saúde em Juízo importante referência para estudantes e profissionais do Direito que atuam na efetivação do direito à saúde e do direito do consumidor no país.

VERBATIMeditora

Andrea Lazzarini Salazar

e Karina Bozola Grou

A Defesa da Saúde em Juízo

Teoria e Prática

O Livro A Defesa da Saúde em Juízo traz uma visão global da legislação que cuida dos serviços de assistência à saú-de, prestados tanto pelos entes públicos como privados. Tendo como fio condu-tor a justiciabilidade do direito à saúde e sua íntima relação com a dignidade da pessoa humana, as autoras afastam as objeções e indicam caminhos para a concretização do direito à saúde. Para tanto utilizam as questões que mais se apresentam atualmente no Poder Judici-ário como os pedidos de medicamentos ao SUS – Sistema Único de Saúde, as reivindicações de coberturas negadas pe-los planos de saúde, as revisões de reajus-tes de mensalidades, entre outros.

Além da teoria, o Livro conta com 12 modelos de petições iniciais que refle-tem as mais variadas situações e é com-plementado com seleta jurisprudência.

A Defesa da Saúde em Juízo é impor-tante fonte de consulta para aqueles que desejam estudar e trabalhar para a efeti-vação do direito à saúde e do direito do consumidor no país.

As autoras têm grande vivência nas matérias abordadas. Andrea Lazzarini Salazar, é advogada, consultora jurí-dica do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e de outras or-ganizações não governamentais, pes-quisadora do LEPS/UFRJ e autora de outras publicações na área de saúde. Karina Bozola Grou, também advoga-da, é Mestre em Direito Constitucio-nal pela PUC/SP, Gerente Jurídica do Idec, consultora de outras organiza-ções não governamentais, pesquisado-ra do LEPS/UFRJ e autora de outras publicações na área da saúde.VERBATIM

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ANDREA LAZZARINI SALAZAR KARINA BOZOLA GROU

A Defesa da Saúde em Juízo

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Salazar, Andrea Lazzarini

A defesa da saúde em juízo / Andrea Lazzarini Salazar, Karina Bozola Grou. -- São Paulo: Editora Verbatim, 2009.

Bibliografia

ISBN 978-85-61996-04- 8

1. Brasil - Direito constitucional 2. Direitos civis 3. Direitos fundamentais 4. Direitos sociais 5. Serviços de saúde - Brasil I. Grou, Karina Bozola II. Titulo.

09-01789 CDU-342.7

Índice para catálogo sistemático:

1. Direito à saúde: Direitos fundamentas sociais: Direitos constitucionais 342.7

Direitos reservados desta edição porEDITORA VERBATIM LTDA.

Rua Jorge Augusto, 547CEP 03645-000 – São Paulo – SP

Tel. (0xx11) 5533.0692www.editoraverbatim.com.br

e-mail: [email protected]

E: Antonio Carlos A P Serrano

C : Claudio Tito Braghini Junior

P: Antônio Carlos Alves Pinto Serrano e Sirleide Soares de Freitas

R: Diana Navas

C E: Antonio Carlos Alves Pinto Serrano (presidente), Felippe Nogueira Monteiro, Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Hélio Pereira Bicudo, Luiz Alberto David Araujo, Marcelo Sciorilli, Marilena I. Lazzarini, Motauri Ciochetti de Souza, Oswaldo Peregrina Rodrigues, Roberto Ferreira da Silva, Vanderlei Siraque e Vidal Serrano Nunes Júnior.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ...............................................................................................9

INTRODUÇÃO .......................................................................................................11

1. A JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ........................13

1.1 A SAÚDE COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL .....................14

1.1.1 A Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos fundamentais ........14

1.1.2 Os dispositivos constitucionais garantidores da vida e da saúde ..................18

1.2 A EFICÁCIA E A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: DIREITOS SOCIAIS E DIREITO À SAÚDE .............25

1.3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO À SAÚDE .........35

1.3.1 O princípio da dignidade humana .............................................................35

1.3.2 O núcleo da dignidade da pessoa humana: mínimo existencial ..................40

2. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE .......................................................................44

3. ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE ...................................................................49

3.1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DA SAÚDE DO CONSUMIDOR...................49

3.2 A LEGISLAÇÃO DE PLANOS DE SAÚDE .................................................55

3.2.1 A Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor ................................56

3.2.2 A Lei 9.656/98, a Lei de Planos de Saúde ..................................................61

4. AS PRINCIPAIS OBJEÇÕES (E SUPERAÇÃO) À JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE..........................................................................................80

4.1 TRIPARTIÇÃO DE FUNÇÕES: EXECUTIVO, JUDICIÁRIO E LEGISLATIVO ..................................................................................................80

4.2 A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ......................................84

4.3 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS ..............................................................91

4.4 RESERVA DO POSSÍVEL .............................................................................93

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4.5 A RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE CONSUMIDORES E OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE ........................................................97

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................103PARTE PRÁTICA ...................................................................................................1111. NOTAS IMPORTANTES ..................................................................................111

1.1 Sistema Único de Saúde ..................................................................................1121.2 Planos de Saúde ..............................................................................................113

2. MODELOS DE PETIÇÕES INICIAIS ..............................................................1142.1 PARA O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ....................................................115

2.1.1 Para reivindicar medicamento em falta no SUS ........................................1152.1.2 Para reivindicar medicamento não integrante das relações públicas ..........1222.1.3 Para solicitação de próteses, órteses ou outros insumos .............................1312.1.4 Para solicitar internação de urgência ........................................................1392.1.5 Ação civil pública contra ato de improbidade administrativa ....................147

2.2 PARA PLANOS DE SAÚDE .........................................................................1562.2.1 Para reivindicar cobertura anteriormente negada pela empresa .................1562.2.2 Para reivindicar cobertura anteriormente negada sob a alegação de doença ou lesão preexistente ...........................................................1642.2.3 Para contestar reajuste abusivo por variação da faixa etária .......................1722.2.4 Para reivindicar manutenção do contrato coletivo em caso de demissão sem justa causa ..............................................................................1792.2.5 Para reivindicar a manutenção do contrato coletivo em caso de aposentadoria ...1852.2.6 Para anular rescisão unilateral de contrato individual ...............................1922.2.7 Para pleitear danos morais e materiais em virtude de erro médico ............201

3. JURISPRUDÊNCIA ...........................................................................................2083.1 DECISÕES ENVOLVENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ...............208

3.1.1 Fornecimento de medicamento em falta no SUS .....................................2083.1.2 Fornecimento de medicamento não incorporado pelo SUS .....................2193.1.3 Fornecimento de prótese, órtese ou outros insumos .................................2293.1.4 Internação de urgência .............................................................................2373.1.5 Improbidade Administrativa ....................................................................241

3.2 DECISÕES ENVOLVENDO PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE.............2463.2.1 Exclusão ou limitação de cobertura pelas operadoras de planos de saúde ..... 2463.2.2 Aumento por mudança de faixa etária ......................................................2563.2.3 Reajuste Anual .........................................................................................2693.2.4 Manutenção do Plano de Saúde em caso de ruptura do vínculo empregatício ...2733.2.5 Manutenção do plano de saúde em caso de aposentadoria........................2803.2.6 Cancelamento unilateral de contrato individual – falta de pagamento sem prévia notificação .....................................................................2863.2.7 Cancelamento unilateral de contrato coletivo...........................................2903.2.8 Responsabilidade da operadora de plano de saúde por erro médico ..........296

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................303

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Aos milhares de brasileiros que por meio de suas reivindica-ções diárias, sua atuação perante os órgãos administrativos e o Poder Judiciário, nas organizações da sociedade civil e

nas universidades, são decisivos para a efetivação do direito à saúde e do direito do consumidor.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os que colaboraram com este projeto, especialmente ao João Roberto Salazar Junior, marido e amigo querido, à Juliana Ferreira e à Nathalia Oliveira.

Somos especialmente gratas aos nossos queridos Mário Scheffer, Ligia Bahia, Silvia Vignola, Lynn Silver, Marilena Lazzarini que muito nos ensinaram em matéria de saúde e consumidor.

Ao professor e amigo Vidal Serrano Nunes Júnior pelas orientações seguras, pela oportunidade da convivência e de aprendizado.

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INTRODUÇÃO

O papel do Poder Judiciário na realização do direito à saúde tem ganhado cada vez maior importância, sendo alvo de debates calorosos em virtude, espe-cialmente, das inúmeras decisões favoráveis aos pleitos dos cidadãos. Entre as principais demandas levadas à Justiça, que só aumentam ao longo dos anos, estão medicamentos reivindicados ao Sistema Único de Saúde (SUS) - alguns em falta nos postos públicos, outros não integrantes das relações públicas de medicamentos -, a cobertura de doenças e procedimentos negados pelos planos de saúde - seja por estarem excluídos dos contratos, por não constarem do rol de procedimentos obrigatórios elaborado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ou sob a alegação indevida de se tratar de doença preexistente - além dos abusivos reajustes de mensalidade e outras mazelas.

No entanto, ainda hoje subsistem as discussões acerca da eficácia integral e da aplicabilidade imediata dos direitos sociais e do direito à saúde, aspecto que se relaciona com a aptidão para reivindicá-los pela via judicial. Diversas objeções à justiciabilidade do direito à saúde ainda estão presentes em discursos dos entes e estabelecimentos públicos e privados responsáveis pela prestação de serviços de saúde, no dia-a-dia daqueles que não conseguem obter o tratamento ou o medicamento do qual depende sua saúde e sua vida, e ainda nas petições e em algumas decisões judiciais.

Aqueles que se opõem ao direito subjetivo à saúde ora se apegam à dicção programática das normas que dispõem sobre saúde, reclamando a necessidade de legislação infraconstitucional a dar concretude à Constituição, ora ao dever de obediência resignada aos regulamentos e às escolhas das autoridades competentes (gestores públicos e ANS, no caso), sob pena de infração à discricionariedade administrativa. Também enfatizam a insuficiência de recursos financeiros para a

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realização de todos os direitos sociais e para solucionar a totalidade dos proble-mas de saúde da população. E especificamente quando a iniciativa privada está envolvida, o que foi permitido pela Constituição, os argumentos recaem sobre a prevalência da autonomia das partes, o pacta sunt servanda e a impossibilidade de transferência do dever do Poder Público à livre iniciativa, afinal o SUS – Sistema Único de Saúde foi criado para atender a todos.

Nessa linha, diversos secretários e gestores de saúde passaram a defender a necessidade de uma regulamentação restritiva dos pedidos judiciais, vinculando o direito àqueles medicamentos constantes das relações públicas elaboradas pela Administração. Em sua defesa, acrescentam que o montante de recursos destinados a atender as ordens judiciais provoca tratamento desigual dos cidadãos e prejudica o financiamento de outras atividades programadas na área da saúde. A prioridade que a Constituição Federal conferiu à saúde é por vezes esquecida, assim como a real possibilidade de o Estado remanejar recursos financeiros de setores menos prioritários. Além disso, o alto número de pedidos judiciais não indicaria falha(s) administrativa(s) que mereceria(m) averiguação e correção por parte do Poder Executivo ao invés da busca de meios de limitar os pedidos judiciais?

Por sua vez, as empresas privadas tentam legitimar as mais diversas exclusões contratuais e reajustes abusivos de mensalidade, entre outras práticas reprováveis, apoiando-se no risco de desequilíbrio econômico-financeiro, o que, em última análise, lesaria também o consumidor. Sem a assistência privada, ainda aquela limi-tada, prestada pelas empresas, o consumidor teria que se submeter às dificuldades do SUS, cuja imagem negativa é bastante ressaltada pelo setor privado. A ANS, por sua vez, tem prioritariamente se dedicado aos aspectos econômico-financeiros do setor, muitas vezes normatizando sérios prejuízos aos consumidores, a exemplo dos reajustes por mudança de faixa etária e da cobertura limitada de transplantes, bem como de consultas com nutricionistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapias e de outros procedimentos.

Em sentido oposto, aplaudindo as decisões judiciais que fazem valer o direito à saúde, estão aqueles que consideram inadmissível, ante o conteúdo da dignidade da pessoa humana, deixar de atender a quem precisa de um medicamento ou tra-tamento mesmo quando não incluído nas relações do SUS ou nos contratos ou no rol de procedimentos da ANS, retirando desta pessoa a possibilidade de viver com dignidade ou até mesmo de continuar viva. Incluem-se aqui os que defendem soluções administrativas que se antecipem às ações judiciais, a destinação de mais recursos para o SUS e a correção e prevenção de eventuais desvios que possam ocorrer nos pedidos judiciais. Também aqueles que ressaltam a responsabilidade das empresas privadas que decidem trabalhar com um bem tão essencial quanto à saúde das pessoas e o dever de obediência às normas constitucionais sobre saúde e consumidor.

Este livro se filia a esta corrente, defendendo não a judicialização de rei-vindicações relacionadas ao direito à saúde sem fundamento, mas a interpretação e aplicação deste direito conforme a prioridade e a relevância determinadas pela

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Constituição. Trata-se de enfocar a saúde na plenitude de sua fundamentalidade jurídica e social, o que se não for feito pelas empresas, pelo Legislativo ou pelo Executivo, pode e deve ser feito pelo Poder Judiciário.

A primeira parte se dedica ao tema da justiciabilidade do direito à saúde, o que envolve aspectos como a aplicabilidade imediata dos direitos humanos fundamentais, a relevância pública atribuída ao direito à saúde e sua ligação umbilical com o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, integrando o mínimo existencial.

O tratamento unitário do direito à saúde dado aqui se contrapõe à abordagem segmentada que normalmente se vê quando os serviços de saúde são prestados pela rede pública e quando são realizados pela iniciativa privada. A opção resulta da in-terpretação do ordenamento jurídico, na medida em que a Constituição Federal não criou dois sistemas de saúde independentes e sem comunicação, sendo perfeitamente possível e, mais do que isso, correto, o estudo da saúde como um sistema, a partir da harmonização dos subsistemas que cuidam da saúde, do consumidor e da atividade econômica realizada pela iniciativa privada. Com base nesse entendimento, foram abordadas as características do Sistema Único de Saúde, muitas vezes exemplificadas pelo acesso a medicamentos, e aquelas relativas aos planos de saúde.

Em seguida, são abordados os contornos das principais objeções à judi-cialização do direito à saúde. O conteúdo jurídico da tripartição de poderes, da discricionariedade administrativa, dos princípios orçamentários, da “reserva do possível” e da autonomia da vontade e da relação contratual são expostos, assim como está demonstrada a viabilidade jurídica de superar tais objeções quando se trata de direito à saúde.

Por fim, o livro conta com uma parte prática na qual se encontram estruturas de petições iniciais, retratando as mais variadas situações de lesão ao direito à saúde, bem como decisões judiciais que refletem o entendimento aqui defendido.

1. A JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

A justiciabilidade ou acionabilidade nada mais é do que a possibilidade de buscar a concretização e o respeito de um direito por meio do Poder Judiciário, ou seja, é a possibilidade de utilização de mecanismos jurídicos para conferir-lhe efetividade. Esta característica confere posição privilegiada aos detentores desses direitos subjetivos – públicos ou privados – justamente porque podem exigir seu cumprimento.1 Fala-se em direito subjetivo público quando a exigibilidade de

1 Segundo Luís Roberto Barroso, “singularizam o direito subjetivo, distinguindo-o de outras posições jurídicas, a presença, cumulada, das seguintes características: a) a ele corresponde sempre

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uma conduta se verifica em favor do particular em face do Estado, e em direito subjetivo privado quando a relação jurídica se dá entre particulares.

Muitas das características do direito à saúde não deixam dúvidas acerca de se tratar de um direito subjetivo. O direito à saúde é direito humano funda-mental e, portanto, se submete ao regime jurídico especial dos demais direitos desta categoria. A aplicabilidade imediata determinada pelo § 1º. do artigo 5º. da Constituição Federal de 1988 é um exemplo. A relevância pública dos serviços e ações de saúde também foi reconhecida pela Constituição (artigo 197), indicando que, sem saúde, a utilização de quaisquer outros serviços ou mesmo a prática de quaisquer atividades não pode ser exercida por completo.

Apesar de os direitos sociais, como é o caso da saúde, estarem normal-mente abrigados em normas ditas programáticas, o que, por si só, não afasta a outorga de direitos subjetivos, a saúde recebe tratamento privilegiado de vários autores que reconhecem a sua fundamentalidade jurídica e social. A saúde se liga umbilicalmente ao direito à vida, vida digna, integrando o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana. A este núcleo, mínimo existencial, é atribuída eficácia integral e aplicabilidade imediata.

Abaixo, esses aspectos que colocam luzes na justiciabilidade inegável do direito à saúde apresentam-se mais detidamente desenvolvidos.

1.1 A S

1.1.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

A Constituição de 1988 privilegiou de forma inédita os direitos humanos fundamentais.2 Logo no artigo 1º. a dignidade da pessoa humana, vetor dos di-

um dever jurídico; b) ele é violável, ou seja, existe a possibilidade de que a parte contrária deixe de cumprir o seu dever; c) a ordem jurídica coloca à disposição de seu titular um meio jurídico – que é a ação judicial – para exigir-lhe o cumprimento deflagrando os mecanismos coercitivos e sancio-natórios do Estado” (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, cit., p. 99-100).

2 A grande maioria dos doutrinadores que se dedica ao tema divide os direitos fundamentais em três gerações ou dimensões, como preferem alguns (Ver GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p. 40). Alguns au-tores já apontam o surgimento, ainda embrionário, de uma quarta dimensão de direitos humanos fundamentais. Além da integridade do patrimônio genético, aparecem como direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. (Cf. BONAVI-DES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 571).

A primeira geração dos direitos humanos fundamentais surge no século XVIII como reação aos excessos do regime absolutista. Ganha força a reivindicação por freios às ações estatais, o que tornou latente a necessidade de reconhecimento formal, por parte do Estado, de direitos inerentes ao homem. O não atuar do Estado era entendido como liberdade à atuação dos

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reitos humanos fundamentais, foi erigida a um dos princípios fundamentais da República (inciso III).

Também, pela primeira vez, os direitos sociais3 passaram a integrar expres-samente o rol de direitos e garantias fundamentais (Capítulo II, do Título II), ao lado dos direitos e garantias individuais (Capítulo I, do Título II). Com esta aco-lhida, os direitos sociais, que no passado vinham positivados no capítulo da ordem

indivíduos e garantia das liberdades-resistência, tanto desejadas, especialmente pela burguesia, patrona da Revolução Francesa e, pode-se dizer, importante propulsora do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais de primeira geração. No rol desses direitos, chamados de direitos civis e políticos, podem-se citar os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei.

Todavia, as liberdades formais passam a não ser suficientes para atender as necessidades da classe operária, que ganharam contornos a partir da revolução industrial iniciada na segunda metade do século XIX. De nada adiantava haver direitos de liberdade e igualdade abstratamente garantidos, se, na prática, grande parte dos indivíduos não possuía os meios para exercê-los. Diante desse cenário, passa a ser exigida uma postura intervencionista do Estado, que assume um papel pro-vedor, objetivando assegurar condições necessárias à vida digna dos indivíduos. Surge a segunda geração de direitos humanos fundamentais, os direitos econômicos, sociais e culturais – tendo como exemplos: assistência social, saúde, educação, trabalho, cultura, entre outros.

Os novos direitos reconhecidos conferem nova roupagem aos antigos. O direito à vida, por exem-plo, tem sua extensão ampliada e cada vez mais ligada à dignidade da pessoa humana. A proteção e a garantia da vida digna é objeto último do direito à saúde, ao trabalho, à educação etc.

Foi no plano do direito internacional que se desenvolveu a terceira geração de direitos funda-mentais, também chamados de direitos de solidariedade ou fraternidade. Entre eles, pode-se apontar o direito à paz, ao desenvolvimento, o direito ao patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos e o direito ao meio ambiente. A internacionalização dos direitos humanos fundamentais foi motivada pelos entraves do período entre guerras. As dificuldades dos Estados em concretizar os direitos então consagrados nos textos de suas Constituições e a repulsa aos regimes nazista e fascista levaram à necessidade de reafirmação dos direitos funda-mentais em âmbito internacional. A Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948, é o documento mais comentado pela doutrina.

3 Os direitos de segunda geração ou dimensão caracterizam-se, então, por outorgarem aos indivíduos o direito a prestações positivas do Estado como assistência social, saúde, educação, trabalho, cultura, entre outros. Especificamente sobre os direitos sociais, onde se encaixa o direito à saúde, esclarece José Afonso da Silva: “Como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo de direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 286 e 287.

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econômica e social, ficaram livres de quaisquer dúvidas acerca de sua condição de autênticos direitos humanos fundamentais. Desse modo, estão assegurados nos artigos 6º. e 7º., apenas para citar alguns exemplos, o direito à educação, à saúde, à moradia, o direito ao salário mínimo, a proteção à maternidade e à infância e a licença-maternidade sem prejuízo do emprego e do salário.

O § 1º. do artigo 5º.4 determinou aplicabilidade imediata às normas que abrigam direitos humanos fundamentais, vinculando de modo imediato os Poderes Públicos, entidades públicas e privadas.

A abertura do catálogo dos direitos humanos fundamentais, assegurada por meio da disposição do artigo 5º. , § 2º.,5 trouxe o entendimento de que, para além daqueles estampados no Texto Constitucional, há outros direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais e, inclusive não escritos, decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição.

Recentemente, a Emenda Constitucional n. 45, de 18 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3º. ao artigo 5º., o qual estabeleceu que os tratados de direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Tratam-se dos requisitos atuais aptos a conferir funda-mentalidade formal aos tratados.

Ainda persistem os debates doutrinários acerca do alcance dos §§ 1º. e 2º. do artigo 5º., e, mais atualmente, do § 3º. Todavia, o esgotamento dessas divergências é prescindível aqui, uma vez que o direito à saúde está assegurado na Constituição Federal e já foi inserido em leis ordinárias, embora também esteja refletido em tratados internacionais.6

Por fim, os direitos humanos fundamentais passaram a integrar o núcleo protegido pela cláusula pétrea, condição até então exclusiva de algumas normas atinentes à organização política do Estado.7

4 Art. 5º., § 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

5 Art. 5º., § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros de-correntes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

6 Sobre os referidos debates doutrinários, verificar Flávia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito

Constitucional Internacional, cit.), Ingo Wolfgang Sarlet (A Eficácia dos Direitos Fundamentais,

cit.), e Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Direitos Humanos Fundamentais, cit.).

7 Cumpre lembrar que a expressão direitos e garantias individuais do § 4º. do artigo 60 da Constituição Federal de 1988 suscita discussões doutrinárias. O emprego desta expressão pretendeu abranger pela petrificação todos os direitos constantes do Título II (artigos 5º a 17)? Ou a utilização do vocábulo ‘individuais’ demonstra intenção de excluir da imutabilidade os direitos coletivos e sociais? Sobre o tema, cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os

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A interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais trazem o entendimento de que “um certo direito não alcança a eficácia plena sem a realização simultânea de alguns ou de todos os outros direitos humanos”.8 Ao se afirmar que os direitos humanos são indivisíveis “se está a dizer que não existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos previstos no Direito Internacional dos Direitos Humanos estiverem sendo respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais”.9

A Constituição Federal também reconheceu a indivisibilidade e interde-pendência dos direitos humanos fundamentais. Basta lembrar, como mencio-nado anteriormente, a topografia consagrada pela Carta de 1988. Os direitos sociais (Capítulo II) foram dispostos logo em seguida aos direitos e garantias individuais (Capítulo I), todos no Título dedicado aos direitos e garantias fundamentais. Sobre a integração das categorias de direitos fundamentais, José Afonso da Silva ensina:

A Constituição, agora, fundamenta o entendimento de que as catego-rias de direitos fundamentais, nela previstos, integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais, consubstanciados no seu art. 5º, estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que a previsão dos direitos sociais, entre eles, e os direitos de nacionalidade e políticos, lhes quebra o formalismo e o sentido abstrato. [...]

O certo é que a Constituição assumiu, na sua essência, a doutrina segun-do a qual há de se verificar a integração harmônica entre todas as categorias dos direitos fundamentais do homem sob o influxo precisamente dos direitos sociais, que não mais poderiam ser tidos como uma categoria contingente.10

direitos fundamentais. Problemas jurídicos, particularmente em face da Constituição Brasileira de

1988, cit., p. 9. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 144 e 400 e ss.; PIOVESAN, Flávia e VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos Direitos Sociais e Econômicos no Brasil: Desafios e Perspectivas. Araucaria - Revista Iberoamericana de

Filosofia, Política y Humanidades. Ano 8, n. 15, 2007. Disponível em http://www.institucional.us.es/araucaria, acesso em 15 de setembro de 2007; MENDES, Gilmar Ferreira. Os limites da

revisão constitucional, cit., p. 85; VELLOSO, Carlos Mário. Reforma constitucional, cláusulas pétreas, especialmente a dos direitos fundamentais e a reforma tributária. Revista de Direito

Tributário n. 69, 1996; GARCIA, Maria. Mas, quais são os direitos fundamentais? Revista de

Direito Constitucional e Internacional, v. 10, n. 39, abr./jun. 2002.

8 WEISS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 118.

9 WEISS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos, cit., p. 118.

10 Curso de Direito Constitucional Positivo, cit., p. 184-185.

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A interdependência e a indivisibilidade reforçam a exigibilidade e a acionabilidade de todos os direitos humanos fundamentais, conforme agrega Flávia Piovesan:

[...] em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitiva-mente afastada a equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos di-reitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer observância. Sob a ótica normativa internacio-nal, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A idéia da não acionabilidade dos direitos é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis e exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão.11

Tem-se, portanto, que a violação dos direitos econômicos, sociais e cultu-rais acaba acarretando a violação dos direitos civis e políticos e vice-versa. Nesse sentido, a vulnerabilidade do direito social à saúde está íntima e diretamente re-lacionada com a vulnerabilidade do direito à vida e à liberdade, entendida como possibilidade de cura ou convivência com a doença, de modo que permita, em alguma medida, o exercício da autodeterminação e da consecução de um projeto de vida.

1.1.2 O

A proteção constitucional do direto à saúde, corolário do direito à vida, se inicia logo no artigo 1º. da Carta de 1988, que elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme supra-citado. O artigo 3º. complementa, constituindo como objetivo desta República a promoção do bem de todos. Por sua vez, o artigo 5º. assegura a inviolabilidade do direito à vida; e, no dispositivo seguinte, artigo 6º., o direito à saúde é expres-samente garantido dentre os direitos sociais.12

11 Direitos sociais, econômicos, culturais e direitos civis e políticos, cit., p. 62.

12 Também o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n. 592/1992, deixa claro a estreita dependência entre o direito à vida e o direito à saúde. Seu artigo 6º assegura o direito à vida, afirmando que “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deve ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de vida”. O artigo seguinte determina que “ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Ao interpretar e especificar a extensão deste artigo, o Comitê de Direitos Humanos, cuja competência é fiscalizar e fomentar

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Mais especificamente no artigo 196, a Constituição de 1988 prescreve a saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando ao Poder Público o caminho para assegurá-lo: mediante políticas sociais e econômicas que visem à redu-ção do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Outras disposições constitucionais determinam que o dever de cuidar da saúde e da assistência pública é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 23, II) e delimitam a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (artigo 24, XII).

Os serviços e ações de saúde são serviços públicos, conforme determina-ção do já referido inciso II do artigo 23 da Constituição. Esta característica já indica: (i) a responsabilidade do Estado por prestá-los, o que também pode ser feito por quem lhe faça as vezes; (ii) a aplicação do regime jurídico de direito público em sua prestação; (iii) a incidência da supremacia do interesse público e de restrições especiais neste regime jurídico, justamente por ser regido pelos interesses públicos; (iv) a finalidade de satisfação da coletividade.13

Cuidar da saúde é competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme o artigo 23, inciso II, da Cons-tituição Federal. Na mesma acepção, o artigo 30, ao tratar da competência dos Municípios, estabelece que a prestação dos serviços de atendimento à saúde da população deve ser feita com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado (inciso VII). Desse modo, atuar em saúde é tarefa que cabe a todos os entes públicos, sendo aos Municípios conferida a função de principal prestador dos serviços públicos de atenção à saúde.

A competência comum, como assevera Raul Machado Horta, “opera a listagem de obrigações e deveres indeclináveis do Poder Público em relação às instituições”.14 Pelas matérias especificadas no artigo 23 da Constituição de

o cumprimento deste Pacto, em sua Observação Geral n. 6, deixa claro que o direito à vida não deve ser entendido de uma maneira restritiva, pois sua proteção requer que os Estados adotem medidas positivas. (AGUILAR, Carlos; KWEITEL, Juana (Coord.). Guia Prático sobre a OMC

e Outros Acordos Comerciais para Defensores dos Direitos Humanos. 3DTHREE – Trade Human Rights – Equitable Economy e Conectas Direitos Humanos, 2006, p. 52).

13 Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 634).

14 Direito Constitucional, cit., p. 354.

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1988, percebe-se que o chamamento de todos os Poderes é feito “em função do interesse público existente na preservação de certos bens (alguns particularmente ameaçados) e no cumprimento de certas metas de alcance social, a demandar uma soma de esforços”,15 completa Fernanda Dias Menezes de Almeida.

Ainda Fernanda Dias Menezes de Almeida ressalta que o desejo do cons-tituinte é que os Poderes Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e objetivos enunciados. Trata-se, portanto, de responsabilidade solidária em ma-térias de grande relevância social, como é o caso da saúde, cuja implementação não pode ser prejudicada por questões de conflitos de competência. “Convocam-se, portanto, todos os entes federados para uma ação conjunta e permanente. São eles, por assim dizer, chamados à responsabilidade diante de obrigações que cabem a todos.”16 Anna Cândida da Cunha Ferraz também registra o caráter pedagógico extraído no modo de enunciar essas competências (“zelar”, “cuidar”, “proteger”), bem como no tom imperativo evidenciado. O texto faz questão de lembrar que cada esfera de Poder Público tem deveres a cumprir para concretizar as atribuições e competências que lhes foram dadas pelo constituinte federal.17

No que se refere à saúde, a lógica acima tem certamente razão de ser. Ao invés da faculdade prevista no parágrafo único do artigo 23, a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios é uma imposição constitucional. Marlon Weichert bem resume:

De qualquer forma, todos os entes federativos têm o dever de atuar na prestação dos serviços públicos de saúde. Faz bem a Constituição em assim prescrever. Isso porque o campo das competências comuns é especialmente recomendável para satisfazer a demanda por serviços na-quelas áreas mais carentes de prestações positivas do Estado. A saúde, em especial, foi privilegiada não só com a sua inclusão no rol das matérias de competência comum, mas também pela consagração da prestação dos serviços concernentes de forma ordenada e otimizada, através do Sistema Único de Saúde.

Assim, a concretização da competência material por cada ente deverá se dar em conformidade com as regras próprias do SUS, afastando-se a aplicação do parágrafo único do artigo 23, que prevê a edição de lei complementar para regular a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no desempenho das competências comuns.18

15 Competências na Constituição Federal de 1988, cit., p. 131.

16 Competências na Constituição Brasileira de 1988, cit., p. 130.

17 União, estados e municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal, cit., p. 67.

18 Saúde e Federação na Constituição Brasileira, cit., p. 138-139.

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A obrigatoriedade de todos os entes federativos integrarem o sistema de saúde é o principal aspecto da unidade deste sistema. E esta cooperação imposta está estruturada pela legislação federal, por meio da qual Municípios, Estados e Distrito Federal estão subordinados à gestão nacional.19

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou inúmeras vezes reconhecen-do a responsabilidade solidária de todos os entes públicos por cuidar da saúde, fornecendo a prestação necessária. A ementa abaixo, que também indica outros julgados no mesmo sentido, ilustra o posicionamento da Corte Suprema:

EMENTA: PACIENTE PORTADOR DE OSTEOMIELITE CRÔ-NICA. PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. DEVER CONSTITUCIONAL DO ES-TADO (CF. ARTS. 5º., “CAPUT”, E 196). PRECEDENTES (STF). RECONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO: O presente recurso extraordinário busca reformar decisão proferida pela E. Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais - Seção Judiciária de Minas Gerais, consubs-tanciada em acórdão assim ementado (fls. 157): “JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICA-MENTO. COMPETÊNCIA. LEGITIMIDADE. UNIÃO FEDERAL E ESTADO DE MINAS GERAIS. RECURSOS DESPROVIDOS. 1 - A sentença julgou procedente o pedido, determinando à União Federal, Estado de Minas Gerais e Município de Poços de Caldas que forneçam

19 Esta obrigatoriedade confere ao SUS uma unidade externa, de ser o único e exclusivo siste-ma público de saúde admitido pela Constituição. Além da obrigatoriedade de integrar o SUS, a unidade deste sistema impõe o planejamento participativo, de modo que se os entes locais estão subordinados à coordenação do ente central devem ter oportunidade de participar do planejamento e da execução do SUS. Outro aspecto da formulação do SUS, que diz respeito à unidade, é o custeio federal. A União tem a competência tributária exclusiva para instituir contribuições de seguridade social, parte das quais está vinculada ao financiamento das ações e serviços de saúde. Ao orçamento da seguridade social somam-se recursos orçamentários próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigos 195 e 198, parágrafo primeiro). E, por fim, a unidade do SUS traz a possibilidade de mútuo controle da atividade dos entes. Como o vetor de execução dos serviços aponta para a direção dos Municípios, e em virtude do expressivo financiamento federal das atividades de saúde, o vetor de controle aponta para a União. Ou seja, a União tem maior poder de controle e fiscalização da atuação dos demais entes, o que não exclui a possibilidade dos Estados e Municípios se controlarem mutuamente e exigir da União a implementação de suas obrigações. Cf. WEICHTER, Marlon. Saúde e Federação na Constituição Brasileira, cit., p. 185 e ss.

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o medicamento necessário, clindamicina - 600mg, ao recorrido para o tratamento de osteomelite crônica, decorrente de fratura exposta ocorrida em setembro de 1992. [...]

3 - ‘’O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsa-bilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, quaisquer dessas entidades têm legitimidade ‘’ad causam’’ para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.’’ (REsp 704067/SC - Ministra ELIANA CALMON - SEGUNDA TURMA - DJ 23.05.2005 p. 240) [...]

4 – [...] Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. [...] Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucio-nal consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadim-plemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. [...] Todas essas considerações - que ressaltam o caráter incensurável da decisão emanada da E. Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais - Seção Judiciária de Minas Gerais - levam-me a repelir, por inacolhível, a pretensão recursal deduzida pela parte recorrente, espe-cialmente se se considerar a relevantíssima circunstância de que o acórdão ora questionado ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no exame da matéria (RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 198.263/RS, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 237.367/RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 242.859/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 246.242/RS, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 279.519/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM, v.g.): [...]20

20 RE 557548/MG, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 08/11/2007, publicação no DJe 155, em 05/12/2007, grifos nossos. Entre outros, ainda pode-se citar como exem-plos: AI 597141/RS, Relatora Ministra Carmen Lúcia, julgado em 11/06/2007, publicação

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