A Cúpula Celac-China: Interesses estratégicos em jogo

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A Cúpula Celac-China: Interesses estratégicos em jogo Realizou-se em janeiro de 2015 a primeira Reunião Ministerial do Foro Celac- China, em Pequim, com a participação dos 33 países da América Latina e Caribe junto ao gigante asiático. A iniciativa advém da Cúpula da Celac realizada em Havana, em janeiro de 2014, tendo sido ratificada seis meses depois durante a Cúpula de Brasília. Chama a atenção o fato da República Popular da China ter sido a responsável pela iniciativa que engendrou a realização da I Reunião Ministerial, o que suscita a reflexão acerca da possibilidade do início de uma inflexão nas suas relações com a América Latina e o Caribe, transitando de um período no qual destacaram-se prioritariamente os aspectos econômicos e comerciais para uma nova fase de aproximação política, o que certamente suscitaria reações dos Estados Unidos da América, que sempre consideraram a região como “seu quintal”. É notável que a China exerce cada vez mais protagonismo no cenário internacional, tendo em vista sua pujança econômica e demográfica, no entanto Pequim vem atuando nas últimas décadas no sentido de não fomentar desconfianças por parte dos EUA com relação às suas relações com a América Latina e o Caribe. Denota-se que “O soft power é o instrumento chinês para mitigar a ideia de "ameaça chinesa", consolidando sua estratégia de "peaceful rise", termo substituído depois por "peaceful development"(BECARD, 2013). O gigante asiático vem atuando na região majoritariamente por meio do comércio e investimentos, que já a colocam como a principal parceira comercial de diversos países na região, como o Brasil e o Chile. No entanto, a iniciativa de aproximação com latino-americanos e caribenhos no âmbito da CELAC coloca em xeque esse padrão de relação, devido, principalmente, à estrutura e funcionalidade específica desse foro regional. A CELAC, cuja primeira reunião ocorreu em Caracas no ano de 2011, pode ser considerado um “spill over” do processo de aproximação regional oriundo do Grupo do Rio e da CALC (Cúpula da América Latina e Caribe para o Desenvolvimento e Integração), consolidando-se como uma iniciativa de perfil pouco institucionalizado, mas que desempenha um papel muito importante na região, por permitir o diálogo e a concertação em torno de uma agenda própria voltada ao desenvolvimento, sem a participação dos EUA e do Canadá. Justamente esse caráter autônomo da CELAC e

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O artigo sugere a inflexão na política chinesa perante América Latina e Caribe, visando consolidar-se enquanto líder do bloco emergente, e aproximando-se a uma região composta por 12 dos 22 países que reconhecem Taiwan em detrimento da RPC.André Mendes Pini é Mestre em relações internacionais pela Universidade de Brasília e professor do curso de relações internacionais do Centro Universitário SENAC-SP.Artigo Original publicado na Mundorama

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  • A Cpula Celac-China: Interesses estratgicos em jogo

    Realizou-se em janeiro de 2015 a primeira Reunio Ministerial do Foro Celac-

    China, em Pequim, com a participao dos 33 pases da Amrica Latina e Caribe junto ao

    gigante asitico. A iniciativa advm da Cpula da Celac realizada em Havana, em janeiro

    de 2014, tendo sido ratificada seis meses depois durante a Cpula de Braslia. Chama a

    ateno o fato da Repblica Popular da China ter sido a responsvel pela iniciativa que

    engendrou a realizao da I Reunio Ministerial, o que suscita a reflexo acerca da

    possibilidade do incio de uma inflexo nas suas relaes com a Amrica Latina e o

    Caribe, transitando de um perodo no qual destacaram-se prioritariamente os aspectos

    econmicos e comerciais para uma nova fase de aproximao poltica, o que certamente

    suscitaria reaes dos Estados Unidos da Amrica, que sempre consideraram a regio

    como seu quintal.

    notvel que a China exerce cada vez mais protagonismo no cenrio

    internacional, tendo em vista sua pujana econmica e demogrfica, no entanto Pequim

    vem atuando nas ltimas dcadas no sentido de no fomentar desconfianas por parte dos

    EUA com relao s suas relaes com a Amrica Latina e o Caribe. Denota-se que O

    soft power o instrumento chins para mitigar a ideia de "ameaa chinesa", consolidando

    sua estratgia de "peaceful rise", termo substitudo depois por "peaceful

    development"(BECARD, 2013). O gigante asitico vem atuando na regio

    majoritariamente por meio do comrcio e investimentos, que j a colocam como a

    principal parceira comercial de diversos pases na regio, como o Brasil e o Chile. No

    entanto, a iniciativa de aproximao com latino-americanos e caribenhos no mbito da

    CELAC coloca em xeque esse padro de relao, devido, principalmente, estrutura e

    funcionalidade especfica desse foro regional.

    A CELAC, cuja primeira reunio ocorreu em Caracas no ano de 2011, pode ser

    considerado um spill over do processo de aproximao regional oriundo do Grupo do

    Rio e da CALC (Cpula da Amrica Latina e Caribe para o Desenvolvimento e

    Integrao), consolidando-se como uma iniciativa de perfil pouco institucionalizado, mas

    que desempenha um papel muito importante na regio, por permitir o dilogo e a

    concertao em torno de uma agenda prpria voltada ao desenvolvimento, sem a

    participao dos EUA e do Canad. Justamente esse carter autnomo da CELAC e

  • excludente com relao participao norte-americana gera a reflexo acerca da natureza

    da opo chinesa por estabelecer um mecanismo de dilogo com a regio por meio da

    CELAC, evitando atuar, por exemplo, na OEA, organismo hemisfrico que inclui os

    EUA. A atuao independente da CELAC perante os interesses norte-americanos

    evidencia-se, por exemplo, na participao ativa de Cuba desde a origem do foro, tendo

    Havana inclusive sediado a Cpula de janeiro de 2014.

    Analises recentes acerca do tema argumentam que a Amrica Latina e o Caribe

    so regies que no so prioritrias na agenda bilateral EUA-China. Such issues as the

    U.S. trade deficit with the PRC, Chinese increasing military expenditure and differences

    in regional conflicts (Iran, Iraq, North Korea) are more salient in the bilateral agenda.

    (LEON-MANRIQUEZ, Jose & ALVAREZ, Luis, 2014) No entanto, os documentos

    firmados no Encontro Ministerial Celac-China podem fortalecer os setores da opinio

    pblica norte-americana que alertam acerca da ameaa que a crescente presena chinesa

    na regio representa influncia dos EUA.

    Os acordos firmados no Encontro Ministerial Celac-China apontam no somente

    para a inteno de dobrar o comrcio bilateral atingindo U$ 500 bilhes e tambm

    realizar investimentos da ordem de U$ 250 bilhes na Amrica Latina e Caribe nos

    prximos dez anos, como tambm apontam para a intensificao da cooperao sul-sul

    de Pequim com a regio - em temas como segurana, comrcio, finanas, tecnologias,

    recursos estratgicos, indstria e agricultura - formalizadas em torno do documento

    denominado Plano de Cooperao para o quadrinio 2015-2019.

    A insero internacional chinesa contempornea advm, majoritariamente, de sua

    pujana econmica, e apesar da diminuio do ritmo de crescimento nos ltimos anos, o

    pas apresenta tendncia nas prximas dcadas de tornar-se a maior economia do mundo,

    como foi durante 18 dos ltimos 20 sculos, representando de forma singular o nico pas

    em desenvolvimento no centro do poder mundial, sendo a detentora, por exemplo, de um

    assento no Conselho de Segurana da ONU (KISSINGER, 2012). A poltica externa

    chinesa atua para liderar os pases do Sul, visando a mudanas e/ou resistncia frente

    assimetrias da ordem mundial, sendo a aproximao com a Amrica Latina e o Caribe

    coerente nesse sentido, devido insero j consolidada em regies como a sia em

    que desempenha um papel poltico de extrema relevncia, principalmente no perodo

    posterior s crises de 1997 na regio, por meio de iniciativas que oferecem uma alternativa

    ao Ocidente e suas instituies na regio, como a Chiang Mai Initiative e o recm criado

  • Fundo BRICS de reserva - e a frica onde desempenha papel de generoso investidor e

    provedor de financiamentos, em troca do fornecimento de commodities, principalmente

    petrleo (PAUTASSO, 2011).

    O que no se pode perder de vista a existncia de um elemento adicional

    extremamente relevante relativo aos interesses chineses na CELAC, e que perpassa os

    elementos relacionados sua insero internacional enquanto lder dos emergentes,

    embora seja muito mais relativo sua poltica domstica. A Amrica Latina e o Caribe

    comportam 12 dos 22 pases que reconhecem Taiwan em detrimento da Repblica

    Popular da China - Panam, Paraguai, Nicargua, El Salvador, Honduras, Guatemala,

    Belize, Repblica Dominicana, Haiti, So Cristovo e Nevis, So Vicente e Granadinas

    e Santa Lucia- o que atribui regio um elemento estratgico valiosssimo para a histrica

    ambio do Partido Comunista da China de anexar Taiwan e unificar o pas.

    A importncia histrica do Caribe na poltica mundial consolidou-se enquanto rota

    comercial que liga o Oceano Atlntico ao Pacfico, e os recentes projetos de reforma e

    ampliao do Canal do Panam, assim como a construo de um novo Canal na Nicargua

    com robustos capitais chineses tendem a aumentar o grau de importncia da regio.

    O que se pode afirmar, no entanto, que a regio agora palco de uma disputa por

    influncia tambm poltica. Os recentes esforos norte-americanos de viabilizar uma

    reaproximao com Cuba, na inteno de ambos os pases em retomar suas relaes

    diplomticas, representam uma inflexo histrica na diplomacia norte-americana e

    evidenciam sua preocupao em estabelecer um novo padro de relao e dilogo com a

    regio. O foro Celac-China, por sua vez, complementa o vigoroso suporte econmico e

    financeiro que Pequim vem oferecendo regio nos ltimos anos principalmente aos

    pases que a reconhecem - e a contrapartida poltica chinesa nesse sentido, dando

    sequncia aproximao estabelecida anteriormente pela visita de Xi Jinping a Brasil,

    Argentina, Venezuela e Cuba em julho de 2014.

    A disputa por influncia na Amrica Latina e Caribe claramente benfica para a

    regio, pois oferece margem de manobra para balancear a histrica dependncia dos EUA

    e se insere em um contexto mais amplo de transio sistmica, caracterizado pelo

    rearranjo de foras no sistema internacional, o que se desdobra justamente na abertura de

    espaos para pases emergentes (PAUTASSO, 2011). Com relao China, os pases da

    Celac certamente tm a inteno de balancear as relaes comerciais assimtricas que

    ostentam com o gigante asitico, tanto na pauta de exportaes que evidencia uma

  • dinmica de relacionamento padro norte-sul, com a China exportando manufaturados e

    importando commodities quanto no abismo que representa a importncia relativa que

    os pases da regio representam comercialmente para os chineses e vice-versa o caso

    do Brasil emblemtico nesse sentido, pois o pas tem a China como seu principal

    parceiro comercial, enquanto oscila entre a oitava e a dcima posio para Pequim

    (RIBEIRO & JUNIOR, 2013) somado a isso vem o fato de que a demanda chinesa por

    commodities vem declinando na medida em que a poltica interna chinesa definiu no seu

    ltimo Plano Quinquenal polticas que priorizam o crescimento do mercado interno, o

    que torna a Amrica Latina e o Caribe ainda menos importante na pauta comercial chinesa

    (VADEL, 2011; FERCHEN, 2011).

    guisa de concluso, denota-se que embora seja passvel de argumentaes em

    contrrio, a atual conjuntura internacional sugere uma transio na poltica chinesa

    perante a Amrica Latina e Caribe, com a ampliao dos laos consolidados na esfera

    comercial e financeira, para iniciativas no mbito poltico sob a bandeira da cooperao

    sul-sul, como os documentos firmados no Encontro Ministerial Celac-China sugerem.

    Essa inflexo na poltica chinesa se insere em dois mbitos distintos, a crescente ambio

    chinesa de estabelecer vnculos com os pases do sul e se consolidar como lder desse

    bloco emergente, medida que segue rumo posio de maior economia global; assim

    como o projeto interno de unificao da China, com a aproximao e cooptao de mais

    da metade dos pases que ainda mantm internacionalmente o reconhecimento de Taiwan

    em detrimento da RPC.

    Referncias

    BECARD, Danielly Ramos; CASTRO, Aline Contti. As relaes China-ASEAN e a

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    China: Uma relao em processo de afirmao. Revista Carta Internacional, vol 8, n 1.

    Braslia, 2013.

    VADEL, Javier. A China na Amrica do Sul e as implicaes geopolticas do Consenso

    do Pacfico. Revista de Sociologia e Poltica, v 19, n. suplementar, p 57-79. Curitiba,

    2011

  • Resumo

    O artigo sugere a inflexo na poltica chinesa perante Amrica Latina e Caribe,

    visando consolidar-se enquanto lder do bloco emergente, e aproximando-se a uma regio

    composta por 12 dos 22 pases que reconhecem Taiwan em detrimento da RPC.

    Andr Mendes Pini Mestre em relaes internacionais pela Universidade de Braslia e

    professor do curso de relaes internacionais do Centro Universitrio SENAC-SP.