A Crítica Do “Segundo Wittgenstein” à Concepção Essencialista Da Linguagem Humana

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Pensar-Revista Eletrônica da FAJE v.5 n.2 (2014) 237 Philo Artigo Pensar-Revista Eletrônica da FAJE v.5 n.2 (2014): 237-243 A CRÍTICA DO “SEGUNDO WITTGENSTEIN” À CONCEPÇÃO ESSENCIALISTA DA LINGUAGEM HUMANA * The "Second Wittgenstein’s" Critique to the Essentialist Conception of Human Language Daniel Ribeiro de Almeida Chacon ** Resumo A problematização do presente artigo remete a uma hodierna intriga filosófica, a saber: o problema da fundamentação metafísica da linguagem humana. O objetivo aqui proposto é dissertar acerca dos aspectos fundamentais da crítica realizada nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein à tese essencialista da linguagem. Nesse sentido, o esforço aqui despendido para traçar, em linhas gerais, o drama entre metafísica e linguagem em momento algum deve ser interpretado como uma tentativa de construir uma exaustiva análise dessa relação, nem mesmo se pretende realizar uma síntese das Investigações Filosóficas. Ainda, o método utilizado neste labor acadêmico é o da revisão bibliográfica. Palavras-Chave: Linguagem; Investigações Filosóficas; Essência. * Artigo enviado em 04/08/2014 e aprovado para publicação em 04/11/2014. ** Mestrando em Filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (bolsista pela CAPES); Especialista em Ciências da Religião e em Educação (Inspeção Escolar e Supervisão Escolar) e Licenciado em Pedagogia, ambos pela Faculdade de Educação e Tecnologia - Fetremis; Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília; Bacharelando em Filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (FATE-BH). Tem atuado como professor no Seminário Batista de Minas Gerais no curso de Bacharel em Teologia.

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A problematização do presente artigo remete a uma hodierna intriga filosófica, a saber: o problema da fundamentação metafísica da linguagem humana. O objetivo aqui proposto é dissertar acerca dos aspectos fundamentais da crítica realizada nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein à tese essencialista da linguagem. Nesse sentido, o esforço aqui despendido para traçar, em linhas gerais, o drama entre metafísica e linguagem em momento algum deve ser interpretado como uma tentativa de construir uma exaustiva análise dessa relação, nem mesmo se pretende realizar uma síntese das Investigações Filosóficas. Ainda, o método utilizado neste labor acadêmico é o da revisão bibliográfica.

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  • Pensar-Revista Eletrnica da FAJE v.5 n.2 (2014) 237

    Philo Artigo

    Pensar-Revista Eletrnica da FAJE

    v.5 n.2 (2014): 237-243

    A CRTICA DO SEGUNDO

    WITTGENSTEIN CONCEPO

    ESSENCIALISTA DA LINGUAGEM

    HUMANA*

    The "Second Wittgensteins" Critique to the Essentialist

    Conception of Human Language

    Daniel Ribeiro de Almeida Chacon**

    Resumo

    A problematizao do presente artigo remete a uma hodierna intriga

    filosfica, a saber: o problema da fundamentao metafsica da linguagem humana. O objetivo aqui proposto dissertar acerca dos

    aspectos fundamentais da crtica realizada nas Investigaes Filosficas de Wittgenstein tese essencialista da linguagem. Nesse

    sentido, o esforo aqui despendido para traar, em linhas gerais, o drama entre metafsica e linguagem em momento algum deve ser

    interpretado como uma tentativa de construir uma exaustiva anlise dessa relao, nem mesmo se pretende realizar uma sntese das

    Investigaes Filosficas. Ainda, o mtodo utilizado neste labor

    acadmico o da reviso bibliogrfica.

    Palavras-Chave: Linguagem; Investigaes Filosficas; Essncia.

    * Artigo enviado em 04/08/2014 e aprovado para publicao em 04/11/2014. ** Mestrando em Filosofia na Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia (bolsista pela CAPES); Especialista em Cincias da Religio e em Educao (Inspeo Escolar e Superviso Escolar) e Licenciado em Pedagogia, ambos pela Faculdade de Educao e Tecnologia - Fetremis; Licenciado em Filosofia pela Universidade Catlica de Braslia; Bacharelando em Filosofia na Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia e Bacharel em Teologia pelo Centro Universitrio Metodista Izabela Hendrix (FATE-BH). Tem atuado como professor no Seminrio Batista de Minas Gerais no curso de Bacharel em Teologia.

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    Abstract

    The questioning of this article refers to a present-day philosophical intrigue, namely: the problem of the metaphysical foundation of

    human language. The proposed objective here is to write about the fundamental aspects of the critique held in the Philosophical

    Investigations of Wittgenstein to the essentialist thesis of language. In this sense, the effort expended here to draw, in general lines, the

    drama between Metaphysics and Language should not, at any time, be interpreted as an attempt to build a comprehensive analysis of this

    relationship, nor is there an intention to create a synthesis of Philosophical Investigations. Still, the method used in this work is a

    review of academic literature.

    Keywords: Language; Philosophical Investigations; Essence.

    Introduo

    De maneira proficiente, o segundo Wittgenstein,

    especialmente nas Investigaes Filosficas, questiona a tese

    essencialista da linguagem, isto , a tese que prope uma

    fundamentao ontolgica como condio de possibilidade da

    linguagem humana. Para ele, a significao das palavras ocorre no

    contexto scio-prtico em que so utilizadas. Por conseguinte,

    qualquer esforo de sustentar uma essncia que transcenda aos

    signos lingusticos , segundo Wittgenstein, problemtico.

    Com efeito, o presente artigo em momento algum deve ser

    interpretado como uma tentativa de construir uma exaustiva anlise

    crtica das relaes entre metafsica e linguagem, nem mesmo

    pretende-se, aqui, realizar uma sntese das Investigaes Filosficas.

    A pretenso dessa investigao se reduz a uma abordagem

    introdutria da crtica de Wittgenstein ao problema da relao direta

    entre linguagem e ontologia. Ainda, o mtodo utilizado neste labor

    acadmico o da reviso bibliogrfica.

    A crtica concepo essencialista da linguagem

    Nas Investigaes Filosficas, Wittgenstein questiona os

    pressupostos epistemolgicos da concepo essencialista da

    linguagem, em especial, a ideia de um mundo em si, de uma essncia

    que prescinda da linguagem e que, apenas posteriormente, seria por

    ela captado.

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    Segundo esta concepo essencialista, a inteligibilidade

    presente na comunicao humana pressupe um fundamento

    objetivo. Esse fundamento o que proporcionaria a possibilidade

    para a unidade de sentido das palavras. Ora, o fundamento objetivo

    da linguagem que garantiria esta unidade de sentido seria, conforme

    esta concepo, a essncia1.

    Com efeito, a anlise da estrutura da linguagem estaria

    associada a uma investigao ontolgica como condio de

    possibilidade para a comunicao humana. Nesse sentido, as relaes

    estabelecidas no plano discursivo seriam semelhantes s relaes que

    ocorrem na esfera ontolgica.

    Para o segundo Wittgenstein, a linguagem no um mero

    instrumento da comunicao de contedos previamente adquiridos,

    antes a linguagem se constitui como a condio de possibilidade do

    prprio conhecimento humano. Ainda, nas Investigaes Filosficas,

    Wittgenstein questiona o modelo ideal de exatido da linguagem, ou

    seja, a correspondncia objetiva entre linguagem e mundo. Tal

    interpretao , segundo essa obra, inverossmil, pois um ideal de

    exatido, desvinculado das situaes concretas do uso da linguagem,

    no possui sentido.

    Contrariando a compreenso de que a linguagem

    caracterizada por uma identidade estrutural entre o mundo dos fatos

    e o mundo do pensamento2, Wittgenstein, agora, postula que as

    regras da linguagem no possuem uma relao pari passu entre a

    estrutura do pensamento e a estrutura do mundo.

    Assim, pois, voc diz que o acordo entre os homens

    decide o que correto e o que falso? Correto e falso

    o que os homens dizem, e na linguagem os homens

    esto de acordo. No um acordo sobre as opinies,

    mas sobre o modo de vida3.

    Nessa segunda fase do pensamento de Wittgenstein no

    existem fronteiras definitivas no uso das palavras, ou seja, a

    significao das palavras no possui um sentido nico4. Para

    Wittgenstein a significao das palavras ocorre no contexto scio-

    prtico em que so utilizadas.

    1 Cf. OLIVEIRA, 1996, p.119-122. 2 TLP 4.01 3 IF 241 4 Mesmo o significado de conceitos caractersticos das Investigaes Filosficas, tais como jogo de linguagem e gramtica, por via, so imprecisos e vagos. Somente o contexto em que so utilizados capaz de esclarec-los. Cf. SPANIOL, 1989, p. 83.

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    Pode-se, para uma grande classe de casos de utilizao

    da palavra significao se no para todos os casos de

    sua utilizao explica-la assim: A significao de uma

    palavra seu uso na linguagem5.

    A significao das palavras ocorre na situao concreta da vida

    em que os homens se comunicam, em outros termos, a linguagem

    uma forma de expresso da ao comunicativa interpessoal. No

    segundo Wittgenstein, portanto, a linguagem forma de vida do

    homem.

    A estreita relao entre uso e significao marca o aspecto

    fundamental da reviravolta lingustico-pragmtica nas Investigaes

    Filosficas6. Apenas em meio ao contexto scio-prtico que se

    estabelece a significao de uma palavra. Com efeito, a anlise das

    significaes das palavras no prescinde do contexto global da vida,

    dos mltiplos contextos do uso das palavras.

    Situaes diversas, isto , formas de vida diversas podem gerar

    significaes das mais variadas a uma mesma palavra. Assim, o

    contexto vital o sistema de referncia para o uso e significao

    das palavras. Por conseguinte, Wittgenstein condiciona as

    significaes lingusticas ao fenmeno social, rompendo, assim, com

    a clssica concepo de uma significao essencialista das palavras.

    Dessa forma, o autor questiona a concepo essencialista que

    atribui ao conceito de significao uma fundamentao ontolgica, ou

    seja, segundo as Investigaes Filosficas qualquer esforo de

    sustentar uma essncia que transcenda aos signos lingusticos

    inautntico7 .

    Quando os filsofos usam uma palavra saber, ser,

    objeto, eu, proposio, nome e procuram

    apreender a essncia da coisa, deve-se sempre

    perguntar: essa palavra usada de fato desse modo na

    linguagem que ela existe? Ns reconduzimos as

    palavras do seu emprego metafsico para seu emprego

    cotidiano.8

    A linguagem no possui uma essncia que possa ser

    desenvolvida em termos de uma teoria unitria9. Ao contrrio,

    Wittgenstein compreende a linguagem enquanto uma complexa

    atividade de vida. Nesse sentido, ele utiliza a expresso jogo de

    5 IF 43 6 Cf. COND, 1998, p. 88-89 7 Cf. COND, 1998, p. 43 8 IF 116. 9 Cf. GRAYLING, 2002, p. 96.

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    linguagem 10 para acentuar que nas diferentes situaes concretas

    da vida, apresentam-se diferentes regras. Com efeito, a partir da

    situao concreta da vida que se estabelece os sentidos das

    construes lingusticas11:O termo jogo de linguagem deve aqui

    salientar que o falar da linguagem uma parte de uma atividade ou

    de uma forma de vida12.

    A compreenso da linguagem enquanto jogo no visa velar as

    diferenas entre ambos, antes destaca as numerosas e considerveis

    semelhanas latentes entre jogos e linguagem:

    Observe p. ex., os processos a que chamamos jogos.

    Tenho em mente os jogos de tabuleiro, os jogos de

    cartas, o jogo de bola, os jogos de combate, etc. O que

    comum a todos estes jogos? No: tem que haver

    algo que lhes seja comum, do contrrio no se

    chamariam jogos mas olhe se h algo que seja

    comum a todos. Porque, quando olh-los, voc no

    ver algo que seria comum a todo, mas ver

    semelhanas, parentescos, alis, uma boa quantidade

    deles... E o resultado dessa observao : vemos uma

    complicada rede de semelhanas que se sobrepe umas

    s outras e se entrecruzam... No posso caracterizar

    melhor essas semelhanas do que por meio das

    palavras semelhanas de famlia; pois assim se

    sobrepe e se entrecruzam as vrias semelhanas que

    existem entre os membros de uma famlia: estaturas,

    traos fisionmicos, cor dos olhos, andar,

    temperamento etc. E eu direi: os jogos formam uma

    famlia.13

    As relaes entre linguagem e jogo buscam evidenciar a

    autonomia prpria da linguagem. Semelhante arte que traduz a si

    mesma, a expresso jogo de linguagem ilustra a ideia de que tudo

    se decide no prprio mbito da linguagem.

    Destarte, nas Investigaes Filosficas, a linguagem irrompe

    como um complexo e ambguo fenmeno histrico e social fruto da

    liberdade criativa do ser humano. vista disso, a linguagem no se

    reduz a um mero correlato sensvel de um ato projetivo da mente,

    nem sequer tem seu escopo na comunicao do pensamento para

    outras mentes, nem poderia ser considerada como um mero produto

    10O conceito de linguagem enquanto jogo, que ganhou notoriedade nas Investigaes Filosficas, no uma propriedade exclusiva dessa obra, antes j se encontrara presente na obra The Blue and Brown Books (1933-1995). Cf. SIMES, 2008, p. 116-117. 11Chamarei tambm de jogos de linguagem o conjunto da linguagem e das atividades com as quais est ligada. IF 7. 12 IF 23. 13 IF 66-67.

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    de um determinado raciocnio, antes, ela interpretada como parte

    da prpria histria natural e social do ser humano.

    Consideraes finais

    O conhecimento verdadeiro foi, por vezes, associado captao

    da estrutura ontolgica da realidade que, posteriormente, era

    comunicada na linguagem. A anlise da linguagem, em ltima

    instncia, dependeria, singularmente, da estrutura ontolgica da

    prpria realidade, de sorte que, a relao pari passu entre linguagem

    e ontologia se fixaria como a condio de possibilidade da linguagem

    humana.

    O segundo Wittgenstein, especialmente nas Investigaes

    Filosficas, questionou a tese essencialista da linguagem. Nessa

    obra, a significao de uma palavra est diretamente vinculada sua

    utilizao nas diversas situaes e contextos da vida. Por

    conseguinte, a linguagem um complexo e ambguo fenmeno

    histrico e social.

    Destarte, para o segundo Wittgenstein, qualquer esforo de

    sustentar uma essncia que transcenda os signos lingusticos e o

    contexto em que esto situados seria produto de uma mera iluso

    metafsica.

    Referncias Bibliogrficas

    COND, Mauro Lcio. Wittgenstein linguagens e mundo. So Paulo:

    Annablume, 1996.

    ______. As teias da Razo: Wittgenstein e a crise da racionalidade

    moderna. Belo Horizonte: Argumentum: 2004.

    GRAYLING, A. C. Wittgenstein. So Paulo: Edies Loyola, 2002.

    OLIVEIRA, Manfredo A, de. Reviravolta lingustico-pragmtica na

    filosofia contempornea. 3ed. So Paulo: Edies Loyola, 1996.

    SIMES, Eduardo. Wittgenstein e o problema da linguagem. Belo

    Horizonte: Argumentum: 2008.

    SPANIOL, Werner. Filosofia e mtodo no segundo Wittgenstein. So

    Paulo: Edies Loyola, 1989.

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    WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigaes Filosficas, Coleo Os

    Pensadores, So Paulo: Abril Cultural, 1979.

    ______. Tractatus Logico-Philosophicus. 3ed. So Paulo: EDUSP,

    2001.