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A “corujinha que rola”: uma estratégia para discutir conceitos geométricos, em sala de aula, usando origami Dora Soraia Kindel Resumo Neste relato de experiência, apresentamos as discussões feitas por alunos, do 8º ano do Ensino Fundamental, enquanto desenvolviam uma atividade com origami para identificar relações entre as medidas de ângulos em paralelas cortadas por transversais. As etapas percorridas pelos alunos podem ser resumidas em três momentos: introdução da tarefa feita oralmente pelo professor; elaboração do registro sobre as observações feitas ao se desdobrar o origami e, discussão dos resultados, com toda a turma, das observações feitas nos pequenos grupos. Na análise do tipo de registros elaborados pelos estudantes, identificamos: a que elabora textos com desenhos; textos com colagem; apenas texto e textos com colagem e desenho. Quanto ao conteúdo matemático, podemos observar que os estudantes comparam as medidas entre os ângulos, identificam a posição relativa entre as retas como aspectos fundamentais a serem apresentados no relatório. Palavras chave: origami, investigação em sala de aula, registros dos alunos. Introdução A dobradura em papel, origami, tem encantado pessoas de todas as idades em vários lugares do mundo, independentemente da língua falada ou da distância entre os continentes. No Brasil, esta forma cultural apresenta-se na construção de vários objetos, barquinho, chapéu de palhaço, gaivota entre outros, que fazem parte do universo infantil nas brincadeiras de rua e nos intervalos das aulas nas escolas, perpetuando-se no nosso imaginário como uma boa lembrança da infância. Embora o origami tenha sido praticado durante séculos como atividade lúdica e artística, só recentemente passou a ser atração acadêmica como objeto de estudos científicos. Na antiguidade era considerada uma proeza a criação de uma dobradura que apenas representasse um inseto, por exemplo. Hoje em dia a criação de insetos anatomicamente corretos é bastante corriqueira, sendo que o desafio atual consiste em criar insetos de espécies reconhecíveis. Especialistas da área perceberam que a dobradura poderia ser usada para descrever movimentos e processos na natureza e na ciência, como o batimento das asas de um pássaro ou a deformação da capota de metal de automóveis em colisões. Os estudiosos passaram, também, a desenvolver teoremas para descrever os padrões matemáticos que viam nas dobraduras. Atualmente, o origami tem sido utilizado em sala de aula (RÊGO, 2003; LEMOS, 2007) para desenvolver a capacidade motora e criativa 1

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A “corujinha que rola”: uma estratégia para discutir conceitos geométricos, em sala de aula, usando origami

Dora Soraia Kindel

Resumo Neste relato de experiência, apresentamos as

discussões feitas por alunos, do 8º ano do Ensino

Fundamental, enquanto desenvolviam uma atividade com

origami para identificar relações entre as medidas de

ângulos em paralelas cortadas por transversais. As etapas

percorridas pelos alunos podem ser resumidas em três

momentos: introdução da tarefa feita oralmente pelo

professor; elaboração do registro sobre as observações

feitas ao se desdobrar o origami e, discussão dos

resultados, com toda a turma, das observações feitas nos

pequenos grupos. Na análise do tipo de registros

elaborados pelos estudantes, identificamos: a que elabora

textos com desenhos; textos com colagem; apenas texto

e textos com colagem e desenho. Quanto ao conteúdo

matemático, podemos observar que os estudantes

comparam as medidas entre os ângulos, identificam a

posição relativa entre as retas como aspectos fundamentais a serem apresentados no relatório.

Palavras chave: origami, investigação em sala de aula,

registros dos alunos.

Introdução A dobradura em papel, origami, tem encantado pessoas de

todas as idades em vários lugares do mundo, independentemente da

língua falada ou da distância entre os continentes.

No Brasil, esta forma cultural apresenta-se na construção de vários

objetos, barquinho, chapéu de palhaço, gaivota entre outros, que

fazem parte do universo infantil nas brincadeiras de rua e nos

intervalos das aulas nas escolas, perpetuando-se no nosso imaginário

como uma boa lembrança da infância.

Embora o origami tenha sido praticado durante séculos como

atividade lúdica e artística, só recentemente passou a ser atração

acadêmica como objeto de estudos científicos. Na antiguidade era

considerada uma proeza a criação de uma dobradura que apenas

representasse um inseto, por exemplo. Hoje em dia a criação de

insetos anatomicamente corretos é bastante corriqueira, sendo que o

desafio atual consiste em criar insetos de espécies reconhecíveis.

Especialistas da área perceberam que a dobradura poderia ser usada

para descrever movimentos e processos na natureza e na ciência,

como o batimento das asas de um pássaro ou a deformação da

capota de metal de automóveis em colisões.

Os estudiosos passaram, também, a desenvolver teoremas

para descrever os padrões matemáticos que viam nas dobraduras.

Atualmente, o origami tem sido utilizado em sala de aula (RÊGO,

2003; LEMOS, 2007) para desenvolver a capacidade motora e criativa

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dos estudantes e também como um importante auxiliar no ensino de

geometria.

Para Salazar (2008, p. 4), devem ser considerados vários

aspectos para classificar os origamis, a finalidade, o tipo de papel

usado e a quantidade de peças utilizadas. Três são as classificações:

a) por Finalidade _ artístico, construções de figuras da natureza,

educativo, construção de figuras para o estudo das propriedades

geométricas; b) por Tipo de papel, que pode ser completo, pedaço

de papel em forma quadrada, retangular ou triangular e, em tiras; c)

por Quantidade de peças _ utilizando somente um pedaço de papel

tradicional ou utilizando vários pedaços de papel modular, para fazer

os módulos geralmente iguais, que se encaixam uns nos outros e

formam a figura completa.

Para o desenvolvimento da atividade aqui analisada levamos

em conta, como finalidade a construção de figuras para o estudo das

propriedades geométricas, utilizando um pedaço de papel de

rascunho de forma quadrada.

O Origami Em Sala De Aula E A Participação Ativa

De Todos Os Alunos Durante A Atividade De

Dobradura.

Nosso interesse em introduzir o origami em sala de aula,

surgiu da observação de que nesta turma fazer gaivotas era uma

constante. Procuramos então, desenvolver uma atividade em que

pudéssemos aliar o seu interesse com o conteúdo que precisávamos

abordar e desenvolver a percepção visual.

Dentre os vários tipos de objetos, animais e figuras que

existem e que apresentam orientações, foi escolhido a “a corujinha

que rola”. Esta escolha levou em conta a facilidade de sua execução

e o conteúdo tratado nos livros didáticos - paralelas cortadas por

transversais e classificação de polígonos - com o objetivo de:

“Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para transformar o mundo a sua volta percebendo o caráter de jogo intelectual (...), como aspecto que estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação.” (BRASIL, 1998, p.47).

O desafio de imaginar como e qual dobra produz determinado efeito

inspira uma ampla variedade de atividades mentais.

Para Salazar (2008),

“O origami dá ao professor uma ferramenta pedagógica que lhe permite explorar diferentes conteúdos, conceitos, procedimentos e também explora as habilidades motoras dos alunos ajudando-os a compreender outros aspectos como: visualização (plana e espacial) e a psicomotricidade. [...] Além disso, motiva os alunos a serem criativos de forma que eles podem construir o seu próprio modelo e investigar a conexão com a geometria plana e espacial. O origami não é somente divertido, mas é também um método valioso que pode auxiliar no desenvolvimento de várias habilidades básicas como: habilidades de comportamento, aprendizagem em grupo e desenvolvimento cognitivo” (apud. Lemos, 2007, p. 28).

Fazer dobraduras em papel promove o desenvolvimento de uma

série de habilidades que serão abordadas neste texto:

• A concentração - construir a corujinha passo a passo,

com todo o grupo de alunos contando a historinha, faz com que

os alunos prestem atenção no que está sendo contado e nos

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movimentos das mãos do professor. É preciso associar

comunicação e movimento.

• Ritmo - enquanto o aluno faz a dobradura, ele precisa

entrar no ritmo da turma. O interessante nas atividades realizadas

com dobraduras é que eles não se queixam em fazer a atividade

naquele momento, o que nos leva a refletir sobre o motivo pelo

qual os alunos sempre reclamam nas aulas de matemática

convencionais.

• Atenção e previsão - para fazer uma determinada dobra

é preciso cuidado, delicadeza e precisão para obter um resultado

esperado.

Neste sentido, vale ressaltar que para Brenelli, em toda conduta

humana o aspecto cognitivo é inseparável do aspecto afetivo,

compreendido como a energia da ação que permeia a motivação, o

interesse e o desejo (apud ALVES, 2001, p.28).

Procedimentos Metodológicos

Esta atividade foi realizada com uma turma regular, 40 alunos

do 8º ano de uma escola pública do Rio de Janeiro. O trabalho foi

realizado numa aula de geometria de duas horas.

Para fazer origami foram usadas folhas de rascunho de papel

sulfite cortado em quadrados. A atenção para o tipo de papel usado

para o origami é recomendável. Existem papéis que são difíceis de

serem dobrados por serem muito rígidos (papel-cartão, papelão,

cartolina), outros são muito flexíveis (papel de pipa, crepom), pois

não adquirem boa sustentação. Para o trabalho em sala de aula pode

ser usado papel sulfite, folhas de revistas, jornal ou papel específico

para origami, que já vem cortado em quadrados, encontrado em lojas

de produtos japoneses.

Para destacar as dobras, além de colorir, é necessário usar

lápis de cera.

A realização da atividade em sala de aula se deu basicamente

em seis etapas:

1) Construir a dobradura em conjunto, com ajuda da

professora, enquanto esta conta uma história;

2) Construir outra corujinha individualmente, tendo como

suporte a história (1) contada anteriormente;

3) Desdobrar uma das corujinhas para analisar as dobras;

4) Discutir conceitos geométricos observados na análise das

dobras em grupos pequenos;

5) Representar no caderno, num quadrado de 4 cm por 4 cm

de lados (ou em outra medida qualquer, diferente do

tamanho com o qual foi feito a corujinha) as dobras que

aparecem no origami e elaborar um texto síntese com as

descobertas feitas;

6) Apresentar ao grande grupo as observações feitas dando

destaque para os diferentes etapas do processo.

A atividade deve levar em conta o momento para a descrição

oral sobre as dobras e figuras obtidas; as análises feitas nos

pequenos grupos; a discussão sobre os diferentes pontos de vista.

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Para ilustrar (2) apresentaremos um dos registros (Tabela 1)

elaborados pelos alunos e as convenções usadas nos livros de

origami.

--------- dobrar

Direção da dobra

Tabela 1 – Passo a passo das dobras associada com a história

contada pela professora

A história As dobras O procedimento

Era uma vez uma

pilha de papel que

estava guardada

num armário.

Observe a pilha de papel.

Um dia uma delas

resolveu sair de lá e

conhecer o mundo.

Pegue uma folha de papel.

Ela queria voar.

E corte-a de forma a virar

um quadrado.

Dobre-a ao meio,

longitudinalmente, conforme

a figura ao lado

A pilha de papel

estava num armário.

Desdobre. Em seguida leve

a lateral para o meio,

dobrando, conforme

desenho. Estas dobras

formarão o armário.

Este armário era sua

casa.

Dobre conforme o esquema,

para formar a casa

Como a corujinha era

japonesa, para todos

que chegavam à sua

casa ela inclinava a

cabeça para

cumprimentar:

cumprimen tando

uma vez, duas vezes.

uma vez

duas vezes

Dobre o papel de forma a

levar os vértices A e B ao

centro do quadrado,

formando assim o telhado

da casa.

Gera retas paralelas.

Batia suas asinhas

Dobre o cantinho inferior

para formar as asinhas.

Com suas asas

dava um abraço

bem apertado.

Reforce as dobras já feitas,

conforme marca ].

E demonstrava sua

alegria...

Assim...

Coloque-a de pé sobre uma

superfície plana, mesa.

Abra um pouco a última

dobra e solte-a. Veja o que

acontece.

A B

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Algumas Reflexões Sobre A Atividade E Avaliação

Dos Resultados

Apresentamos a seguir um comentário sobre a forma como a

atividade foi proposta em sala de aula e uma síntese das respostas

dadas pelos estudantes no texto que elaboraram individualmente ao

final da atividade.

Fazer o origami da “corujinha” duas vezes considerou a

necessidade de se desdobrar uma delas para fazer a observação e

análise das dobras obtidas. Nesta etapa, a história, contada

anteriormente pelo professor enquanto ensina as dobras, serve como

recurso e aliado para refazer a segunda “corujinha” pois cada passo

da dobra está diretamente relacionada com a história.

Para visualizar melhor e analisar as dobras da “corujinha” foi

sugerido, aos estudantes, que usassem um pedaço de giz de cera.

Cada aluno é convidado a observar as dobras verificando a existência

de figuras geométricas, ângulos, retas, e verificar as medidas dos

ângulos, posições relativas das retas, congruência e semelhança

entre as figuras anotando tudo o que vê no seu caderno. Também é

solicitado que reproduza as dobras da “corujinha” num quadrado cujo

lado deve ser diferente do quadro usado para fazer o origami. Ao

desdobrar o que vê no papel, observa-se um esquema como o da

figura abaixo.

Figura 1: Dobras visíveis no origami depois de aberto.

Pretendíamos a partir desta análise identificar as medidas dos

ângulos opostos pelos vértices, ângulos colaterais internos e

externos, ângulos alternos internos e externos. Essa discussão,

também evidenciou outros pontos de vista sobre o que é externo e

interno, ou seja, que esses conceitos dependem do referencial que

está sendo considerado pelo observador.

Ao refletir sobre o movimento e o resultado obtido pelo

movimento, o aluno reproduz a dobra do papel várias vezes, este

fazer e desfazer a atividade evidencia uma certa dependência entre o

conceito e o procedimento além de proporcionar a ele a oportunidade

para discutir com o seu colega as justificativas.

Este processo de argumentação e discussão é importante, pois

evidencia o que já se sabe e propicia a construção de novas

concepções na medida em que estas vão sendo adaptadas, ou novas

sendo construídas. A busca dos argumentos plausíveis para explicar

esta conexão proporciona o desenvolvimento do raciocínio dedutivo.

A conscientização de que se “isso” então “aquilo” é fundamental para

refinar seus argumentos e desenvolver seu raciocínio lógico.

A argumentação de que “se a dobra do papel não for dobrada

então as novas dobras obtidas são paralelas às dobras anteriores”

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visa o plausível, enquanto a demonstração de que “duas retas são

paralelas” tem por objetivo a prova dentro de um referencial

assumido. A argumentação acima é regida pela coerência entre o

fazer e o ver, e é dada pelas leis de coerência da língua materna,

onde a força das frases condicionais expressa e justifica a ação.

E nesse sentido, concordamos com Rabello quando afirma

que,

“O objeto do conhecimento é constituído na relação entre os indivíduos não fazendo sentido falar em ação direta do sujeito sobre o objeto. A ação do sujeito sobre o objeto passa necessariamente pela relação entre os sujeitos. O conhecimento é sempre o conhecimento de algo que compartilha com outros”. (GEPEM – 31, p. 60).

Para alunos nessa faixa etária é necessário que sejam

apresentadas situações onde possam ampliar sua capacidade de

estabelecer inferências e conexões lógicas na tomada de decisões e

abstração de significados, podendo argumentar sobre seus pontos de

vista com maior clareza ou que sejam aceitos pelo grupo do qual

fazem parte. É o olhar do outro sobre o que se diz que dá a

importância ao que se diz. Poder mostrar concretamente o que

afirmam é um passo importante neste momento. E neste sentido, o

professor pode contribuir criando momentos e situações onde os

alunos possam pesquisar e confrontar o que pensam, tanto do ponto

de vista da argumentação, quanto da experimentação. No caso da

dobradura, podem-se procurar relações entre procedimento para

fazer a dobra e a posição relativa entre duas retas e, em seguida,

explorar o uso do par de esquadros para traçar paralelas. O

questionamento acerca do movimento realizado ao dobrar o papel e o

tipo de movimento usado para traçar, com par de esquadros, retas

paralelas e não paralelas desenvolve outros aspectos cognitivos e a

visualização, um dos aspectos importantes para o desenvolvimento

do pensamento geométrico. Ou seja, perguntas do tipo “como se

pode relacionar o movimento do esquadro e a dobra?” instigam a

curiosidade dos estudantes, oportunizam uma reflexão sobre suas

ações durante o processo do fazer algo e criam oportunidade de

surgirem novas questões, como: Qual o tamanho do tombo da

corujinha? De onde e até onde percorre a corujinha que rola? Em

síntese, é possível relacionar o deslocamento com a dobra feita para

obtê-la. Basta acompanhar o movimento feito pela dobradura ao se

movimentar após colocá-la de pé conforme a Figura 2.

Figura 2: A corujinha pronta apoiada sobre a mesa antes de

soltá-la para que se movimente.

Ao trabalhar sobre estas afirmações e justificativas, é possível

buscar o refinamento das argumentações, de tal forma que os

princípios da lógica formal sejam assimilados gradativamente,

possibilitando demonstrações. Entretanto, deve-se ter clareza de que

argumentação não é demonstração.

Pode-se ainda solicitar que os alunos meçam o comprimento

das linhas que estão na posição inclinada em relação à base do

quadrado, e compará-lo com a medida da diagonal do quadrado dado

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ou com o próprio lado. Quando compara a medida do segmento

sugerido com o lado, o aluno pode identificar que não é possível uma

medida “exata”, sendo este um momento de tomada de consciência

da existência de outros tipos de números que não aqueles do seu

domínio de conhecimento.

O uso de dobradura em sala de aula impulsionou naturalmente a

disciplina e facilitou o aprendizado, uma vez que a motivação dos

alunos foi grande. Nesta atividade, foi possível desenvolver a

integração intergrupo e entre os diferentes desenvolvendo e

estimulando aspectos psico-sociais. Do ponto de vista individual, cada

aluno pode ativar a percepção visual, refletir sobre os movimentos

das mãos–no ato da criação - e da “corujinha” – ao “rolar”.

Além de seus aspectos técnicos, o caráter especulativo da atividade

propiciou ao aluno verificar a presença da matemática em outros

contextos, particularmente em jogos e brincadeiras.

O registro feito pelos alunos apresentou uma grande variedade

de estratégias para descrever os passos da dobradura, dentre elas

destacam-se: textos e desenho; textos e colagem; apenas texto;

colagem e desenho e, finalmente, a que mistura os três.

A análise das dobras da corujinha evidenciou uma diversidade

de observações pois, enquanto uns viam apenas a dobra, outros viam

objetos criados pelas dobras. Dentre os que percebem as formas,

existem aqueles que procuram ver o maior número possível de uma

mesma forma, que pode ser, assim, categorizada: a) a que identifica

retas em diferentes posições; neste caso valem ainda as posições

relativas entre duas ou mais retas; b) a que identifica a existência de

diferentes figuras e; c) a que quantifica um mesmo tipo de figura.

Propor que os alunos estabeleçam relações entre o movimento

e a dobra possibilitou que eles elaborassem uma série de conjecturas

que, se por um lado não foi possível provar, por outro serviram para

fomentar discussões entre os elementos do grupo surgindo, assim,

um grande debate em sala de aula. Participar do debate em sala de

aula de matemática propiciou-lhes a certeza de que também se pode

falar sobre a matemática e a geometria, e que pontos de vista

distintos podem surgir sobre uma mesma atividade. Os comentários,

feitos por alguns dos alunos da turma ilustram bem os momentos

vividos por eles e a contribuição que este tipo de atividade pode

propiciar em sala de aula de matemática.

A- Nunca imaginei que pudesse conversar sobre coisas de

matemática.

B- Nossa! Nunca pensei que pudesse ter ponto de vista

diferente e que pudéssemos debater matemática. É bem

estranho... mas, gostei.

C- A aula de hoje pareceu uma mistura de português com

história.

Sobre o comentário mistura de português com história, o

aluno C se referia à elaboração de um texto, redação presente nas

aulas de português e ao debate, normalmente promovidas pelos

professores de história.

No trabalho final, quando todas as observações são

apresentadas à turma completa e registradas no quadro-negro ou em

transparência, o momento de debate sobre as diferentes

representações e observações é muito importante para a troca de

experiências e reflexão sobre o trabalho realizado. Essa fase deverá

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permitir também a sistematização das principais idéias. Os alunos

percebem que não importa se sua resposta é boa ou ruim, e sim a

justificativa que apresenta para a sua estratégia de raciocínio, assim

como é importante que perceber as diferenças entre as estratégias

usadas pelos integrantes do grupo para resolver o problema dando

um novo significado a conceitos trabalhados anteriormente.

A análise e o registro servem como estratégias para

desenvolver a visualização espacial; estabelecer conexões

matemáticas; perceber que existe uma relação estreita entre ação e

reação, isto é, o fazer e o obter a dobra; poder perceber que pela

composição de movimentos é possível transformar uma figura em

outra, através do surgimento de uma nova dobra.

As etapas percorridas por esta atividade podem ser resumidas

em três momentos: introdução da tarefa, em que o professor fez a

proposta à turma oralmente; a realização das observações, em

pequenos grupos; e discussão dos resultados, momento em que os

alunos relatam aos colegas as observações feitas nos pequenos

grupos. Estes momentos foram fundamentais para a matematização

da atividade, que pode ser concretizada de muitas maneiras. Vale

lembrar que em atividades com estas características pode-se sempre

programar o modo de começar, mas nunca se sabe como ela irá

acabar. A variedade de caminhos que os alunos seguem, seus

avanços e recuos, as divergências entre eles, o modo como a turma

reage às intervenções do professor são elementos largamente

imprevisíveis.

E finalmente, esta atividade fez parte de um projeto maior,

desenvolver a escrita matemática dos alunos, desenvolvido na escola.

Bibliografia

ALVES, E. M. S. A ludicidade e o ensino de matemática. São Paulo:

Papirus, 2001.

BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos

temas transversais/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:

MEC/SEF, 1998. 436 p.

LEMOS, W. G. Dobraduras para o trabalho com poliedros estrelados

no ensino médio.2007, 60f. Monografia (final de curso) – Licenciatura

em Matemática. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,

Seropédica.

RABELLO M.; FRANT, J.. Argumentação e Educação Matemática.

Boletim GEPEM, Rio de Janeiro, n. 40, p. 53 – 61, 2002.

REGO, R. G; RÊGO, R. M.; GAUDÊNCIO JUNIOR, S. A.. Geometria

do Origami: Atividades de ensino através de dobraduras. João

Pessoa: Editora Universitária UFPB/ INEP, 2003.

SALAZAR, J. V. F. “El Origami Como Recurso Didactico para la

Enseñanza de la Geometrí”. Disponível em:

www.iberomat.uji.es/carpeta/posters/jesus_flores.doc. Acesso em:

15 mar. 2008.

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Notas:

(1) História de autor desconhecido, apresentada por Janete B.

Frant e Paulo Colonese, na década de 80, no Museu da Vida,

Rio de Janeiro.

(2) Desenhos elaborados por Rogério Galvão – aluno arquitetura

UFT.

Sobre o Autor:

Dora Soraia Kindel. Minha área de interesse são os procedimentos

relacionados ao ensino e aprendizagem da disciplina de matemática

nos diferentes níveis, dedicando-me especialmente aos aspectos

cognitivos. Atualmente sou professora do Ensino Superior, mas atuei

durante 15 anos nos outros dois níveis. Formada em matemática, sou

mestre e doutoranda em Educação Matemática. Email

[email protected]

ABSTRACT

In this report we present the arguments made by 8th year

elementary school students while developing an activity with origami

with the objective to identify the relationships between

measurements of the angles formed between parallels cross-cut by

transversals in the paper. The steps followed by students can be

summarized into three stages: introduction of the task made orally by

the teacher, preparing the record on the comments made to unfold

the origami and the discussion of results of the observations made in

small groups with the entire class. The analysis of the students´

records identified the following patterns: one that produces a text

with drawings, another that presents collage with text, only text and

the last ones presenting texts with collage and drawings. As for the

mathematical content, we can observe that students compare angle

measurements and identify the relative position between the lines as

the key issues that will be presented in this report.

Key words: origami, research in the classroom, students' records.

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