A copa do mundo de futebol, o turismo e os problemas para as pc ds

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1 A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E O TURISMO NO BRASIL: PROBLEMAS A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E O TURISMO NO BRASIL: PROBLEMAS PARA AS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA E COM DEFICIÊNCIAS PARA AS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA E COM DEFICIÊNCIAS V.1, janeiro de 2014 Autor: Fernando Zornitta 1 No Brasil como na grande maioria das cidades sul-americanas, as pessoas com deficiências ficaram invisíveis e alijadas do exercício pleno da cidadania por séculos e um dos principais problemas é que as cidades, com o crescimento desordenado e pensadas somente para as pessoas em boas condições de saúde, deixaram o legado da falta da acessibilidade física, que sedimentou-se em inúmeras barreiras 2 para esse segmento de pessoas. A crescente migração do campo, o crescimento desordenado, sem planejamento e a favelização nas cidades, são realidades que contribuem para a geração e proliferação destas barreiras. Embora os avanços das leis e dos acordos internacionais, o Brasil; sede da Copa do Mundo de Futebol em 2014, não tem conseguido oferecer a acessibilidade universal 3 ; cumprir a legislação interna 4 e nem os tratados internacionais 5 e, todas as cidades brasileiras estão sem essa condição de acessibilidade plena e restringem a vida de todos. Os mais prejudicados são segmentos dos idosos, pessoas com deficiências, obesos, gestantes; que passam por inúmeras dificuldades para exercerem os seus direitos e usufruírem dos espaços, equipamentos, edificações das cidades em condições de igualdade. 1 Arquiteto e Urbanista, Especialista em Turismo (WTO-ONU/Roma-IT); Especialista em Lazer e Recreação (ESEF-UFRGS/Porto Alegre-BR), Consultor em Acessibilidade e Membro do Fórum Permanente do Idoso e da Pessoa com Deficiência 2 As barreiras artificiais encontradas nas cidades são oriundas dos elementos de urbanização mal constituídos, mal implantados ou danificados (ex. Pavimentação inadequada, irregular ou com buracos, postes mal localizados e sinalizados, calçamento irregular – dentre outros); do mobiliário urbano mal construído, mal implantado ou danificado (ex. pontos de ônibus, telefones públicos, bancos de praças - dentre outros); de obras públicas no sistema viário (ex. para abertura de vias, saneamento, metrôs – dentre outras); do comércio e serviços ambulante e informal – que normalmente localiza-se nos espaços e vias públicas; do comércio e serviços regulares (ex. pela exposição de materiais em calçadas, pelos “containes” para venda de tudo – bancas de jornais e revistas, cartões telefônicos, sucos e lanches – dentre outros); de eventos em ambientes públicos – que normalmente ocorrem sem a devida preocupação com a acessibilidade universal; de arborização sem planejamento e nem gestão – que geram barreiras e irregularidades; dos automóveis e veículos – que ocupam calçadas e áreas impróprias como estacionamento; de materiais diversos depositados nas vias e em espaços públicos - como materiais de construção, entulho, objetos; de lixo – que não tem separação, armazenamento, coleta e destinação adequados e da população excluída – que busca moradia e que vive nas ruas, ocupa lagoas, praças e ruas. 3 Para todas as pessoas em condições de igualdade, independentemente da sua condição física e de saúde. 4 Especialmente o Decreto 5296/2004 e a NBR9050 5 Especialmente a Convenção da ONU Sobre Direito das Pessoas com Deficiências

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O Brasil receberá durante a copa da FIFA perto de um milhão de pessoas com deficiências e com mobilidade reduzida. Entretanto, encontrarão problemas de acessibilidade nas 12 cidades sede e para a visitação turística

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A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E O TURISMO NO BRASIL: PROBLEMASA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL E O TURISMO NO BRASIL: PROBLEMAS

PARA AS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA E COM DEFICIÊNCIASPARA AS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA E COM DEFICIÊNCIAS

V.1, janeiro de 2014 Autor: Fernando Zornitta1

No Brasil como na grande maioria das cidades sul-americanas, as pessoas com

deficiências ficaram invisíveis e alijadas do exercício pleno da cidadania por

séculos e um dos principais problemas é que as cidades, com o crescimento

desordenado e pensadas somente para as pessoas em boas condições de saúde,

deixaram o legado da falta da acessibilidade física, que sedimentou-se em

inúmeras barreiras2 para esse segmento de pessoas.

A crescente migração do campo, o crescimento desordenado, sem

planejamento e a favelização nas cidades, são realidades que contribuem para

a geração e proliferação destas barreiras.

Embora os avanços das leis e dos acordos internacionais, o Brasil; sede da

Copa do Mundo de Futebol em 2014, não tem conseguido oferecer a

acessibilidade universal3; cumprir a legislação interna4 e nem os tratados

internacionais5 e, todas as cidades brasileiras estão sem essa condição de

acessibilidade plena e restringem a vida de todos. Os mais prejudicados são

segmentos dos idosos, pessoas com deficiências, obesos, gestantes; que passam

por inúmeras dificuldades para exercerem os seus direitos e usufruírem dos

espaços, equipamentos, edificações das cidades em condições de igualdade.

1 Arquiteto e Urbanista, Especialista em Turismo (WTO-ONU/Roma-IT); Especialista em Lazer e Recreação (ESEF-UFRGS/Porto

Alegre-BR), Consultor em Acessibilidade e Membro do Fórum Permanente do Idoso e da Pessoa com Deficiência

2 As barreiras artificiais encontradas nas cidades são oriundas dos elementos de urbanização mal constituídos, mal implantados ou

danificados (ex. Pavimentação inadequada, irregular ou com buracos, postes mal localizados e sinalizados, calçamento irregular –

dentre outros); do mobiliário urbano mal construído, mal implantado ou danificado (ex. pontos de ônibus, telefones públicos, bancos

de praças - dentre outros); de obras públicas no sistema viário (ex. para abertura de vias, saneamento, metrôs – dentre outras); do

comércio e serviços ambulante e informal – que normalmente localiza-se nos espaços e vias públicas; do comércio e serviços

regulares (ex. pela exposição de materiais em calçadas, pelos “containes” para venda de tudo – bancas de jornais e revistas, cartões

telefônicos, sucos e lanches – dentre outros); de eventos em ambientes públicos – que normalmente ocorrem sem a devida

preocupação com a acessibilidade universal; de arborização sem planejamento e nem gestão – que geram barreiras e irregularidades;

dos automóveis e veículos – que ocupam calçadas e áreas impróprias como estacionamento; de materiais diversos depositados nas

vias e em espaços públicos - como materiais de construção, entulho, objetos; de lixo – que não tem separação, armazenamento, coleta

e destinação adequados e da população excluída – que busca moradia e que vive nas ruas, ocupa lagoas, praças e ruas.

3 Para todas as pessoas em condições de igualdade, independentemente da sua condição física e de saúde.

4 Especialmente o Decreto 5296/2004 e a NBR9050

5 Especialmente a Convenção da ONU Sobre Direito das Pessoas com Deficiências

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Segundo o Relatório Mundial Sobre Deficiência da OMS/ONU e Banco Mundial

de 2011, o número das PCDs no planeta é de mais de um bilhão de pessoas -

perto de 15% da população mundial – 80% destas vivendo em países em

desenvolvimento, mas no Brasil é de 23,9% – 45,6 milhões de pessoas têm

algum tipo de deficiência; destes 38,5 milhões vivendo nas cidades e 67,2% do

total de idosos, com mais de 65 anos. No nordeste o índice é de 26,% da

população; no Ceará 27,7% - 2.340.000 de pessoas; um dos maiores índices

do país e, na cidade de Fortaleza é de mais de 25% do conjunto da população;

perto de 700 mil pessoas; segundo o senso de 2010 do IBGE6.

As 12 cidades brasileiras que serão sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA

preocuparam-se com a mobilidade urbana e abriram os caminhos dos

aeroportos aos hotéis e destes aos estádios; mas não se prepararam para

oferecer as condições mínimas para que o amplo espectro das cidades, das

regiões e para que o turismo se viabilizasse de formas a atender também esses

segmentos de pessoas.

Os centros de comércio e serviços das cidades brasileiras são o exemplo da

falta de acessibilidade, onde as barreiras7 impedem da livre circulação e

representam perigo para os transeuntes. Embora essa condição possa existir

em algumas, o retardado esforço para a promoção da acessibilidade e

eliminação destas barreiras, ainda prevalece a cultura do desrespeito, da falta

de urbanidade e as cidades, seus espaços e edificações continuam sendo

priorizadas para as pessoas normais e sem deficiências.

É uma questão cultural arraigada que precisa de ações perenes; projetos e

programas por parte do poder público, da sociedade e das suas instituições

para que a médio e longo prazo tenhamos nossas cidades em condições de

acessibilidade universal; boa para o residente e para o visitante.

O turismo esportivo é uma, entre as dezenas de motivações humanas que dão

o start para a atividade turística e, aqueles que nos visitarão para assistirem

aos jogos, circularão pelas cidades sedes durante a copa e utilizar-se-ão da

6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

7 Em estudo do autor, com bases em 8 mil registros fotográficos, realizado na cidade de Fortaleza/Brasil, publicado

em texto intitulado CIDADE ACESSIVEL, EM BUSCA DOS CAMINHOS DA URBANIDADE E DO DIREITO

UNIVERSAL e como um dos resultados – a Segmentação das Barreiras – comprovou a tipologia das principais

barreiras encontradas nesta e em todas as cidades, comparativamente aos registros fotográficos também obtidos em

várias outras cidades.

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infra e da superestrutura turística, da estrutura complementar e de animação

e dos serviços; tanto do turismo interno como externo; entretanto as pessoas

com deficiências não poderão vivenciar e interagir no contexto turístico e

cultural da grande parte das localidades e das cidades das regiões pela falta de

acessibilidade.

O turismo é uma atividade que promove efeitos regionais; que atrai por

motivações específicas e paisagens diferenciadas, o qual poderia levar benefícios

econômicos, sociais e do intercâmbio sociocultural que o turismo oportuniza,

pela interação do visitante com o habitante e, também, para a região, mas a

grande maioria das cidades não se preparou para tal e nem oferecem as

condições mínimas para tal.

As estimativas indicam que perto de 1 milhão de PCDs estarão circulando

para assistirem aos jogos e conhecer o país, mas a grande maioria das cidades

estarão impedidas de acolher bem estes segmentos de pessoas pela falta das

condições de acessibilidade, principalmente as com mobilidade reduzida e com

deficiências. E não foi por falta de tempo para oferecer tal condição, desde que

o Brasil foi escolhido para esse mega evento.

O Brasil avança na sua economia e como receptor do turismo internacional,

mas tarda em adaptar-se e em promover uma mudança do padrão cultural

da sua população, das instituições e empreendedores, para que se ofereça a

acessibilidade universal - em condições de igualdade para todas as pessoas,

independentemente da sua condição física e de saúde.

O país receberá também os Jogos Olímpicos em 2106 no Rio de Janeiro;

cidade mais preparada para o turismo, mas esta também abunda em

problemas de todas as ordens. Para o Rio, e há 4 anos do evento, ainda há

tempo de fazer-se ver bem na foto e oferecer a acessibilidade universal; mas

na Copa do Mundo de Futebol, nos desculpem os torcedores idosos, com

deficiências ou com mobilidade reduzida, não temos mais tempo para

oferecer-lhes essa imprescindível condição para qualquer ser humano e para o

conforto, segurança e autonomia dos nossos ilustres visitantes, que se

depararão com esse problema.

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O esporte, que não é só para a paz - como afirmou Nelson Mandela; ele pode

ajudar na evolução da humanidade e do homem e deixar importantes legados,

enquanto contribui para a melhoria das condições físicas, ambientais e da

saúde humana; para a melhoria da qualidade de vida das populações onde ele

é praticado e onde os eventos ocorrem.

A Copa da FIFA poderia ter sido o catalisador da acessibilidade, mas por total

insensibilidade e omissão das administrações municipais, das outras instâncias

governamentais e de toda a sociedade, não serão. Minimamente existirá só

para assistência aos jogos.

Serviços básicos e imprescindíveis ao turista, como de táxis adaptados; de

infraestrutura complementar e de animação do contexto turístico; do

comércio e serviços, estarão em muito deficientes e aquém da expectativa da

grandiosidade do evento e do país, além de não proporcionarem as condições

para uma significativa parcela dos visitantes.

Perderá o turismo, perderá o Brasil, que se mostrará ao mundo sem o

respeito que todas as pessoas merecem, independentemente das suas condições

físicas e de saúde.

Isso não aparecerá nas telas durante o maior espetáculo da Terra; que, no

ufanismo do grande circo da bola e para não desagradar ao promotor – a

FIFA - e aos seus patrocinadores, só o lado bom será mostrado e escondida a

sujeira em baixo do tapete.

Mas quem tem algum problema de mobilidade física ou deficiência e vier, verá

e sentirá essa realidade.

O autor permite a publicação em qualquer meio e veículo; do todo ou parte do texto.

Contato: fzornitta @hotmail.com

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