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A (con)vivência da família com o escolar em controle da doença oncológica: Perspectivas para a Enfermagem Pediátrica Leila Leontina Couto Rio de Janeiro Dezembro/2004

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A (con)vivência da família com o escolar em controle da

doença oncológica: Perspectivas para a Enfermagem

Pediátrica

Leila Leontina Couto

Rio de Janeiro

Dezembro/2004

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A (con)vivência da família com o escolar em controle da doença

oncológica: Perspectivas para a Enfermagem Pediátrica.

Leila Leontina Couto

Dissertação de Mestrado apresentada à

Banca Examinadora da Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do

título de Mestre em Enfermagem.

Orientadora: Professora Doutora Isabel

Cristina dos Santos Oliveira.

Rio de Janeiro

Dezembro/2004

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A (con)vivência da família com o escolar em controle da doença

oncológica: Perspectivas para a Enfermagem Pediátrica.

LEILA LEONTINA COUTO

Prof .a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira

Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora da Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ,

como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre.

Aprovado por:

_____________________________________________ Presidente, Prof.a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira – EEAN/ UFRJ.

_____________________________________________ Dr.a Teresa Caldas Camargo – INCA / MS. 1a Examinadora

_____________________________________________ Prof.a Dr.a Ivone Evangelista Cabral – EEAN/ UFRJ. 2a Examinadora

_____________________________________________ Prof.a Dr.a Vera Lúcia Miranda Abrantes – FE/ UERJ. 1a Suplente _____________________________________________ Prof.a Dr.a Rosângela da Silva Santos – EEAN/ UFRJ. 2a Suplente

Rio de Janeiro

Dezembro/2004

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Couto, Leila Leontina A (Con)vivência da Família com o Escolar em Controle de Doença Oncológico: Perspectivas para a Enfermagem./ Leila Leontina Couto.- Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2004. xi, 134f.: il.; 31cm. Orientadora: Isabel Cristina dos Santos Oliveira Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Universidade Federal do Rio de Janeiro/ EEAN, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, 2004. Referências bibliográficas: f. 117-127. 1. Enfermagem. 2. Oncologia Pediátrica. 3. Família. I. Oliveira, Isabel Cristina dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery. III. Título.

CDD 610.73

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EPÍGRAFE

Um dia em que Deus estava a dormir E o Espirito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na Cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

Fernando Pessoa

(Ficções do Interlúdio/Poemas Completos de A. Caeiro; Fernando Pessoa – Obra Poética – Nova Aguilar, 1977)

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DEDICATÓRIA

À minha família.

A Amandinha, Isabelinha e Oswaldinho, os amores da

minha vida.

A Oswaldo, meu esposo, amigo e companheiro que

compartilha comigo todos os momentos da nossa família e

que eu amo.

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AGRADECIMENTOS

-A Deus, que todos os dias se revela através dos milagres de vida no meu trabalho e na minha vida. -Ao mundo invisível, que me cerca e que eu percebo como apoio e luz. -Ao Oswaldo Esteves Barcia, meu esposo, pelo que ele é, por reconhecer os encantos da profissão de enfermeira e me estimular a sair da superficialidade e mergulhar no conhecimento e na pesquisa. -Aos meus queridos filhos, que me escolheram como mãe. Obrigado pelo carinho, amor e confiança. -Ao meu pai (In memoriam), Manuel Alves do Couto pela sua honestidade, luta e amor. Um exemplo a ser seguido e que me fez ser o que eu sou. -Ao meu avô (In memorium), Manoel da Natividade, pelo seu exemplo de vida e me confidenciar o seu orgulho de eu ser enfermeira. -À minha mãe, Guilhermina Natividade Couto, e à minha sogra Idalina Esteves Barcia, pela presença, carinho e ajuda constante, substituindo-me nas minhas ausências. -À minha irmã, Claudia Couto Melo, ao meu cunhado, César Melo, e aos meus sobrinhos Cezinha e Heloísa, por suas visitas rápidas com muitos abraços e beijinhos tão necessários. -Ao meu irmão Marcos Tadeu Couto, à minha cunhada, Lúcia, e ao meu sobrinho, Artur, pelo apoio. -À minha amiga de vida Lúcia Martins, pelo apoio, incentivo e troca em todos os momentos. -Às minhas meninas do Ambulatório de Pediatria: Elza, Tecla, Isaurina e Luzia Sandra que me ajudaram na realização deste estudo com o incentivo, força e presença. Vocês foram parte importante deste processo de construção, adoro vocês! -Às amigas e companheiras de trabalho Rosângela Finóquio e Gabriela Santana, pela presença de todas as horas. -À instituição, por me possibilitar o desenvolvimento deste estudo, meu acréscimo profissional e pessoal.

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-A equipe multiprofissional e aos enfermeiros do Hospital do Câncer I, pelo apoio, em especial aos amigos da pediatria, Daise Mary, Marcos Aleixo, Tamara, Ana Rodrigues e Elizabeth, que dedicam o seu conhecimento às crianças e suas famílias. -À Divisão de Enfermagem e a Chefia de Enfermagem da Pediatria por me permitirem desenvolver este estudo. -À Maria Cristina Fréres, pelo incentivo e apoio. -Aos médicos do Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I, pelo apoio. -À equipe da Secretaria Acadêmica da Coordenação de Pós-Graduação e da Biblioteca Setorial de Pós- Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ. -Aos colegas da turma de mestrado, pela troca de experiência e incentivo, em especial à Sônia Regina de Souza, pelo carinho, atenção e reflexão sobre a criança oncológica. -Aos colegas e professores do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança.

-À Prof.a Dr.a Ivone Evangelista Cabral, pela atenção e valiosas contribuições no desenvolvimento do estudo. -Às famílias e às crianças do Ambulatório de Pediatria, pela luta diária, pela esperança e pela fé na vida. Por disporem do seu tempo e prestarem sua generosa colaboração durante a coleta de dados.

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RESUMO

A (con)vivência da família com o escolar em controle de doença oncológica:

Perspectivas para a enfermagem pediátrica brasileira.

Leila Leontina Couto

Prof .a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida a Banca Examinadora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem.

O estudo tem como objeto a (con)vivência da família com o escolar em controle

de doença oncológica. Os objetivos são descrever as estratégias da família no (con)vívio com o escolar em controle de doença oncológica; analisar as interações da família com o escolar e discutir a (con)vivência da família com o escolar. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, tipo estudo de caso, envolvendo entrevista não diretiva em grupo com familiares e consulta em prontuário através de formulário. O cenário do estudo é o Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I, localizado na cidade do Rio de Janeiro/ Brasil. O referencial teórico está vinculado ao conceito de família saudável. (Elsen et al., 1994) Com base na análise, constata-se que uma das estratégias da família é de preservar a saúde do escolar, controlando a doença em casa através da identificação de sinais e sintomas. Nas interações, destaca-se a rede de apoio que se constrói dentro da família para superar as dificuldades como o diagnóstico de câncer e o tratamento do escolar. Evidencia-se que o apoio não se restringe às pessoas da casa, elas fazem parte de um grupo de amigos e de uma comunidade, compartilhando os momentos difíceis. Na (con)vivência da família, destacam-se as questões visíveis para a mesma e invisíveis para as pessoas da comunidade, como a crença em Deus, o medo da morte e da recidiva tumoral. Outros aspectos relevantes são as seqüelas deixadas, o desejo pela alta hospitalar e a aceitação do escolar como uma criança normal pela sociedade, apesar de ser encarada sob a ótica familiar como especial. Conclui-se que a família é membro importante e aliada à equipe como controladora de sinais e sintomas e durante o controle da doença oncológica, ela continua o seu papel de vigilância em casa, onde familiares, vizinhos, escola são envolvidos em uma rede de ajuda à instituição para manter o “controle” do estado de saúde da criança.

Palavras-chave: Enfermagem - Oncologia pediátrica - Família.

Rio de Janeiro Dezembro/2004

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ABSTRACT

A family vividity with the school age child in cancer diseasi control:

Perspectives for Brazilian Pediatric Nursing

Leila Leontina Couto

Prof a Dra Isabel Cristina dos Santos Oliveira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida a Banca Examinadora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Enfermagem.

A family vividity with school age in cancer control was investigated in this study, whose purposes were follows: describing, analysing and discussing family strategies, interactions and vividity. It is a qualitative research developed by case study, in which 10 people were interviewed in a non-directive group interview and gathering informations from chart registered in a form. The study scenery was a Pediatric out patient setting of Cancer Hospital I ( Hospital do Câncer-I), Rio de Janeiro, Brazil. The theoretical reference was based on healthy family concept.(Elsen. et al, 1994) Data analisis showed that family tried to preserve child’s health by identifying cancer signals and symptons, a strategy in controling disease. We could evidence that family interactions belong to network support in light of overcoming difficulties with cancer diagnosis and management. Such support included family, significant others and community members; all of them shared hard moments relating to surviver cancer child. Besides, visible and invisible issues associated with religious beliefs, fear death and tumoral recidive risk were manifested by each one. Other relevant aspects were sequels left in child body, the wish of being, discharge from follow-up and his/her acceptarice by society, what outlined that child with special healthcare needs under family standpoint. We concluded that family behaived as na important ally of health care providers in child’s follow-up. Then, they kept surveinling him/her at home with significant other helpers, neighbors and school members. All constituted a networking support in mantaining cancer survivor child’s health under control.

Palavras chaves: Nursing – Pediatric Oncology - Family.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À Professora Doutora Isabel Cristina dos Santos Oliveira, orientadora desta

Dissertação de Mestrado, meu especial agradecimento em compartilhar o seu

conhecimento comigo e a me guiar nestes passos tão árduos da busca do conhecimento.

Com satisfação chego ao final desta caminhada graças a sua atenção, seriedade,

dedicação, paciência, disponibilidade e incentivo. Não só os momentos de estudos

ficarão eternizados, a sua (con)vivência comigo faz parte da minha trajetória.

Saiba que sentirei falta das nossas conversas/ encontros/orientações.

Muito obrigada !

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Índice Pág.

I – Introdução -------------------------------------------------------------------------------------1

• Questões Norteadoras ----------------------------------------------------------------10

• Objeto e Objetivos do Estudo -------------------------------------------------------11

• Contribuição do Estudo --------------------------------------------------------------12

II – Abordagem Teórico-Metodológica ------------------------------------------------------14

• Bases Conceituais: Uma breve abordagem acerca da família-------------------14

• Considerações Metodológicas ------------------------------------------------------19

III – O Cenário do Estudo ----------------------------------------------------------------------30

IV – A Política de Combate ao Câncer -------------------------------------------------------34

• Breve Histórico -----------------------------------------------------------------------34

• A Criança no Hospital do Câncer I-------------------------------------------------38

V – O Escolar e sua Família: Particularidades no contexto do Hospital do Câncer I --44

VI – A (Re)descoberta da Convivência Familiar -------------------------------------------50

• Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e Conhecimentos Acerca

da Doença Oncológica -----------------------------------------------------------------50

• Interações da Família: Diferentes Faces de (Con)viver com o escolar --------77

• A (Con)vivência da Família: Questão do (In)visível-----------------------------97

VII – Considerações Finais -------------------------------------------------------------------112

Referências --------------------------------------------------------------------------------------117

Anexos --------------------------------------------------------------------------------------------------------------128

I – Formulário --------------------------------------------------------------------------129

II – Aprovação do Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa ------------------130

III- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido --------------------------------131

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I – Introdução

A minha opção profissional pela área de pediatria iniciou-se antes mesmo do

término do curso de graduação, em 1985, quando fiz o estágio no setor infantil do

Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da Universidade Federal Fluminense-

UFF, como bolsista acadêmica de enfermagem. Na enfermaria de pediatria, através do

contato com crianças internadas, comecei o meu caminho profissional, e o fascínio pela

área foi crescendo dia a dia.

Após o término do curso de graduação, fui aprovada em concurso público da

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, iniciando minhas atividades no Hospital

Municipal Salles Netto. O ingresso nesse hospital especializado em pediatria veio ao

encontro do meu interesse em desenvolver as minhas atividades de enfermeira nessa

área.

O referido hospital pediátrico tem ambulatório, emergência e unidades de

internação. Durante o período em que desenvolvi minhas atividades profissionais nesse

hospital, participei dos programas e campanhas de vacinação, da implantação do

Programa de Terapia de Reidratação Oral e de suplementação alimentar, estímulo ao

aleitamento materno, além de assistir a criança hospitalizada.

Após 11 anos em tais atividades, ingressei, em 1995, também por concurso

público, no Instituto Nacional de Câncer–INCA1, iniciando minha atividade profissional

na enfermaria de oncologia pediátrica do Hospital do Câncer I. Essas atividades

profissionais exigiram a aquisição de conhecimentos técnico-científicos específicos,

inicialmente com crianças portadoras de tumores sólidos e posteriormente com crianças

com neoplasia hematológica. No início, esse cenário causou-me muitas dúvidas,

incertezas e medos, pois, apesar de ser uma clientela infantil, as circunstâncias e as

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exigências desse cuidar eram muito diversas e complexas. Os elementos vida e morte

estavam a todo momento presentes, um cenário muito diverso daquele em que atuei

anteriormente, onde as patologias não eram crônicas, mas relacionadas às condições de

vida das crianças, como desnutrição, desidratação, doenças infecto-contagiosas, entre

outras.

Através de treinamento formal, aprendizagem e busca de respostas no contato do

dia-a-dia com as crianças e seus familiares, consegui suplantar as dificuldades básicas

que se apresentam na área oncológica.

Atualmente, exerço a atividade assistencial no Ambulatório de Pediatria do

Hospital do Câncer I – HC-I. O Serviço de Pediatria expandiu-se nos últimos anos,

devido ao aumento de especialidades nessa clínica e ao número crescente de crianças

matriculadas. O serviço ocupa dois andares do HC-I, e a união da clínica hematológica

infantil com a oncológica pediátrica assegurou um atendimento especializado na área

infantil e a organização de um espaço físico adequado para a internação da criança com

o seu familiar.

Essa fusão também ocorreu em nível ambulatorial, onde o Setor de

Quimioterapia tornou-se exclusivamente infantil, bem como a sala de cateter venoso

central, a odontologia e a clínica oncológica pediátrica. O atendimento infantil foi

centralizado, assegurando uma assistência diferenciada dos outros setores do hospital

com capacitação de profissionais na área de pediatria.

Das principais atividades desenvolvidas pela enfermeira2 no Ambulatório de

Pediatria, está a consulta de enfermagem de primeira vez,3 na qual atende a criança e

seus familiares antes da definição do diagnóstico, orienta sobre a rotina do hospital, bem

1 O Instituto Nacional de Câncer - INCA é uma instituição do Ministério da Saúde, constituída por 4 unidades hospitalares, HC-I – Hospital do Câncer I; HC-II - Hospital do Câncer II; HC-III - Hospital do Câncer III ; HC- IV – Hospital do Câncer IV e CEMO-Centro de Transplante de Medula Óssea. 2 Utilizou-se o termo enfermeira devido à predominância do sexo feminino e a concepção acerca do trabalho de enfermagem.

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como passa a conhecer a organização da família, suas dificuldades emocionais,

socioeconômicas e culturais.

Essa relação de confiança e comunicação, entre a enfermeira e a família, é

descrita por Françoso (1996) e Dorociaki e Dyniewicz (2000) como características de

interação/comunicação/educação da enfermeira pediatra oncológica no exercício de suas

atividades mediadoras de cada atividade desenvolvida por ela. A relação de

confiança/empatia entre a enfermeira, a criança e a família percorrem todo o processo

do diagnóstico, tratamento e controle, com períodos de maior ou menor aproximação.

O cuidado de enfermagem para essas crianças e suas famílias abrange

orientações simples sobre dúvidas da rotina hospitalar, curativos complexos de

procedimentos cirúrgicos e/ou pela presença de tumores avançados, muitas vezes

deformantes, casos emergenciais, até solicitações para simplesmente serem ouvidos.

Essa necessidade de contatos freqüentes dos profissionais do serviço com essa clientela

é ressaltada por Dousset (1999, p.38): “O câncer é geralmente apreendido por etapas...

Após cada tratamento, o doente está em evolução”, esta “evolução” diz respeito à novas

etapas de tratamento, conforme a resposta obtida e avaliada através de exames

rotineiros, com uma nova programação de tratamento (protocolos), por isso a

necessidade de contatos freqüentes da criança e da família com a enfermeira e a equipe

multiprofissional.

Enfocando o cenário do ambulatório, observam-se várias situações cotidianas

vivenciadas por cada família que acompanha a sua criança na instituição. Nesse espaço,

encontram-se crianças em situações diversas: algumas que estão se matriculando, outras

em diagnóstico, muitas em tratamento quimioterápico e/ou radioterápico e/ou cirúrgico,

3 A consulta de enfermagem de primeira vez é parte de uma rotina no Ambulatório de Pediatria, e tem a função de conhecer, receber, orientar e acolher as famílias no serviço. É a entrada da família na instituição.

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casos emergenciais que necessitam de internação imediata por complicações do

tratamento, crianças em fase de controle da doença e algumas em fase terminal.

A presença de sucesso e fracasso, vida e morte no hospital também é enfocada

por Cibreiros e Oliveira (2001, p. 111): “O hospital é um local de tratamento e cura de

doenças, mas também é um lugar onde as pessoas podem morrer”.

A enfermeira que presta cuidado no ambulatório passa a envolver-se nesse

cenário e fazer parte de toda a “caminhada de tratamento” da criança junto com a

família, participando, assim, tanto tecnicamente quanto emocionalmente, dessa jornada.

Segundo Boff (2000, p. 91):

O cuidado somente surge quando a existência de alguém

tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele;

disponho-me a participar de seu destino de suas buscas, de seus

sofrimentos e de seus sucessos, enfim de sua vida.

Dentro desse universo do Ambulatório de Pediatria, o grupo de crianças e

familiares selecionado para o estudo são as crianças em idade escolar em fase de

controle oncológico. Considerando a ausência de doença oncológica do escolar, a

obrigatoriedade da família em continuar a freqüentar o hospital vai cumprindo uma

rotina delimitada pela instituição e prevista nos protocolos adotados pelo Serviço de

Pediatria. Essa denominação de crianças em fase de controle oncológico adotado pelo

serviço, ou follow up4, termo proveniente do inglês que se traduz como seguimento,

acompanhamento ou mesmo controle clínico descrito em Rodrigues (1994), se

caracteriza dentro da instituição.

Esse acompanhamento é necessário para controlar, mas também para prevenir e

detectar os efeitos tardios do tratamento, principalmente alterações no crescimento e

4 Na instituição, cenário da pesquisa, o termo “criança de controle” é referente a follow up. Após o término do tratamento, sem evidência de doença ou progressão, a criança é incluída no grupo de controle.

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desenvolvimento infantil, disfunções endócrinas, neurológicas, ortopédicas e

emocionais, controle de seqüelas, detecção de recidiva ou o surgimento de um tumor

secundário relacionado ao tratamento. Este tipo de acompanhamento pós-tratamento é

rotineiro em serviços internacionais de pediatria oncológica, tendo atualmente uma

grande relevância para a equipe multiprofissional do Serviço de Pediatria do Hospital do

Câncer, uma vez que se observa um número crescente de crianças consideradas curadas/

sobreviventes no serviço, confirmando assim os números internacionais de 70% de cura

no câncer infantil.(D’ANGIO et al., 1995)

No caso das crianças consideradas curadas ou sobreviventes, a denominação

científica é oriunda também do inglês - surviver, que corresponde à “alguém que

sobreviveu a uma catástrofe” (LONGMAN,1995), e somente após cinco anos em

controle da doença oncológica este termo de cura se aplica, como descrevem D’Angio et

al. (1995) e Clark e Mc Gee (1997). Quanto à cura oncológica infantil, Meadows apud

D’Angio et al. (1995, p. 245) conceituam:

crianças com câncer estarão curadas se elas não tiverem

nenhuma evidência da doença por pelo menos 5 anos e estejam

fora de tratamento por 2 anos. Estes critérios são utilizados para

encaminhar os pacientes para a clínica de pacientes de

acompanhamento a longo prazo.

Por outro lado, o conceito de cura descrito pela cirurgia é um pouco diferenciado

da clínica, Segundo Murad e Katz (1996, p. 70),

A cura de um tumor pela cirurgia depende, sobretudo, do

diagnóstico precoce e do tratamento correto. É fundamental a

remoção da neoplasia primária com margens de segurança e a

cadeia linfática regional, se houver indicação.

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Em nosso país, os dados epidemiológicos relativos ao número de casos de

crianças portadoras de doenças neoplásicas são incipientes. A dificuldade em se

encontrar registros oficiais de câncer infantil está relacionada à baixa ocorrência da

doença nessa faixa etária, quando comparada com a incidência em adultos, e a

utilização de modelos de registro que são utilizados na população de adulto, levando a

um subregistro de casos na infância, como aponta a publicação do MS – INCA

(BRASIL, 2002a).

Vale ressaltar que, em alguns países ou regiões, já existem modelos mais

apropriados para a avaliação estatística do câncer da criança (op.cit, p. 46).

Aliado a essa problemática de uma inadequação de registros infantis, a realidade

da assistência à saúde dos países de primeiro mundo é muito diversa dos países em

desenvolvimento, tanto em relação ao diagnóstico de câncer, bastante precoce na sua

maioria, quanto ao acesso aos serviços de saúde.

A dependência tecnológica, a qualidade de vida da população de um modo geral

(BRASIL, 2002. D’Angio et al., 1995) e uma realidade bem diversa da internacional

leva a um comprometimento da veracidade dos registros nacionais, uma detecção tardia

dos casos existentes e um número maior de óbitos nessa faixa etária durante o

tratamento.

A incidência de neoplasias na infância não é tão alta se comparada aos números

de casos na idade adulta, porém, dentro do universo infantil encontra-se no grupo das

doenças de causa desconhecida com um percentual significativo. Levando em conta que

a maior freqüência dessas neoplasias está compreendida em um grupo de faixa etária de

1 a 5 anos, a sua predominância constitui um problema de saúde pública (LIMA, 1995).

É importante salientar que o câncer infantil se divide em:

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- Tumores sólidos, tais como tumor de sistema nervoso central, tumor de Wilms,

rabdomiossarcoma, retinoblastoma, neuroblastoma, tumores de células germinativas e

hepatoblastoma, com predominância na fase de lactência, pré-escolar e escolar, e os

osteossarcomas e sarcoma de Ewing no final da fase escolar e na adolescência.

- Grupo das neoplasias hematológicas, onde temos as leucemias linfática aguda,

mielóide aguda, mielóide crônica e os linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin. O pico de

incidência no primeiro caso é na fase pré-escolar, o segundo na fase escolar, o terceira

na juventude ou adolescência, apesar de ser rara, e no caso dos linfomas também na

adolescência (D’ANGIO et al., 1995; MURAD e KATZ, 1996; HOROWITZ e PIZZO,

1991; PIZZO e POPLACK, 2003; NOVAKOVIC, 1994; FERREIRA e ROCHA, 2004).

Quando se aborda a temática de casos de sobreviventes de câncer ou em

controle, esbarra-se na problemática, citada anteriormente, de forma mais acentuada,

pois conta-se com dados inadequados de registros do número de casos de doença

neoplásica infantil e a existência do número de casos de controle oncológico e

sobreviventes. Isso é algo imperceptível no registro epidemiológico e, inevitavelmente,

apoia-se em números internacionais, como os dados americanos ou europeus, para se ter

um registro da realidade nacional aproximado.

Apesar desta dificuldade de dados nacionais sobre o câncer infantil, o Serviço de

Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer I – INCA reconhece a existência crescente

dessa clientela infantil e busca cada vez mais o aprimoramento e o reconhecimento da

mesma dentro e fora da instituição.

Os profissionais envolvidos no atendimento da criança e da família devem ter

em mente que o “conhecimento objetivo nunca está terminado, todo ensino científico, se

for vivo, estará sujeito ao fluxo e refluxo” (BACHELARD, 2001, p.302), e a cada

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momento surgem objetos novos trazendo elementos à discussão e ao diálogo,

especialmente para a área de enfermagem.

Os questionamentos do escolar e dos familiares sobre detalhes do tratamento são

freqüentes, pois o desejo de qualquer familiar é entrar para o grupo de controle e

freqüentar menos o Hospital do Câncer I.

Quando os familiares se deparam com a notícia de ter chegado ao término do

tratamento, com regressão tumoral e ausência da doença, suas reações são de medo,

insegurança e alegria. A possibilidade do afastamento do hospital causa um “frio na

espinha” devido à insegurança, segundo verbalizações de alguns familiares. Um dos

relatos mais surpreendentes foi quando uma mãe me perguntou se não existia uma

quimioterapia para ser feita por toda a vida da criança, para assegurar o não retorno da

leucemia. Esta mesma mãe, relatou-me suas noites de vigília junto ao seu filho, como se

Deus concedesse poderes para ela enxergar, no escuro da noite, a aproximação da

doença. Apesar de todo o controle através de exames, consultas e orientações, a dúvida

quanto à ausência de doença oncológica na criança fica em suspense para os familiares.

Essa reação presenciada por toda a equipe é justificada por Brun (1996, p. 8):

”Curando-se, a criança transgride uma lei tácita, torna-se exceção a uma regra: a do “ter

de morrer”, da qual, no espirito dos seus próximos, só provisoriamente estava isenta.”

Este período do controle da doença me desperta muita curiosidade, pois a

própria mudança da rotina de freqüentar a instituição e o escolar passando para o grupo

de controle são mudanças significativas tanto para a família quanto para o escolar.

Muitas vezes parece incompreensível como conviver com uma criança que se encontra

sem doença, e ter que freqüentar o hospital? Mesmo as pessoas do convívio familiar

questionam esta situação, afinal essa criança pode ou não desempenhar atividades

normais como outras crianças de sua idade.

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É comum alguém da família, principalmente a pessoa que acompanhou todo o

tratamento da criança, procurar os profissionais da equipe para tirar dúvidas sobre como

conduzir sua vida social junto às outras crianças da mesma faixa etária.

Para a família, esse período é composto de sentimentos de alívio e tensão, e a

cada retorno ao hospital o medo de detecção da recaída da doença ameaça a todos,

conforme destacam Arraes e Araújo (1999).

Ao mesmo tempo, algumas incoerências entre ser curado e portador de seqüelas

levam os familiares e até mesmo os profissionais de saúde, a questionar essa definição

de fase de controle e cura do câncer, uma vez que, o sujeito desse tratamento, o escolar,

pode apresentar seqüelas irreversíveis levando a difícil socialização e vínculo

indeterminado com a tecnologia hospitalar.

Muitas dessas crianças são portadoras de algum tipo de seqüela, tais como

bexiga neurogênica, paraplegia, hemiparesias, amputações diversas, próteses de

membros inferiores ou oculares que necessitam de ajustes devido ao crescimento e

desenvolvimento, dependências medicamentosas ou nenhuma alteração aparente,

apenas relatos de dificuldades de adaptação social.

Sobre essa temática, Cunha (2001, p. 7) ressalta: “apresentam algum tipo de

comprometimento, que pode ser físico, de desenvolvimento e de comportamento,

requerendo, algumas vezes, o uso de tecnologias mais sofisticadas”.

Para a família que traz a criança à instituição para atender as seqüelas deixadas

pelo tratamento ou pelo câncer que foi tratado, esse controle vai ser longo, freqüente e

sem data para terminar, pois a dependência de aparelhos e materiais hospitalares vai

obrigar a família a freqüentar mais vezes a instituição, mesmo que o escolar já esteja no

grupo de controle oncológico.

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Outra dificuldade descrita pelos familiares é a de acompanhar a criança em outro

serviço pediátrico, pois a mesma é rotulada como “ex-paciente de câncer”, e nem

mesmo uma carta de encaminhamento e o resumo do tratamento lhe garante uma

assistência num serviço comum de pediatria. Muitas das vezes essas crianças são até

atendidas, mas com o aparecimento de qualquer problema, como uma simples febre, são

encaminhadas outra vez para o Hospital do Câncer I. O fantasma do retorno da doença,

passa a assombrar a criança e a família, mesmo que o quadro assustador seja a

confirmação de um simples quadro gripal.

Infelizmente, os escolares em controle oncológico passam a fazer parte do

“grupo de crianças com necessidades especiais de saúde”, como afirma Wong (1999),

no qual o acompanhamento regular à instituição passa a ser eternizado, devido à

dificuldade de acesso a outros serviços de saúde, a obrigatoriedade em se acompanhar o

desenvolvimento e crescimento dessa criança até a fase adulta e o controle de

complicações do tratamento.

Com todos estes sentimentos contraditórios e visão da realidade, a criança e a

família sonham juntas, desejam um futuro cheios de planos dentro de suas realidades, e

o apelo religioso que foi gratificado com a notícia do desaparecimento do tumor é

divulgado como um milagre. O desejo de grandes planos para a criança em cumprir uma

trajetória de vida surpreendente, já que conseguiu vencer o câncer, é verbalizado pelos

pais ou familiares. Concomitante a isso, a dificuldade de se ajustar na escola, de

isolamento, não ter amigos, as brigas com os irmãos dentro de casa, familiares que se

afastam achando que a criança ainda tem câncer e pode “pegar”, denotam um

sentimento de tristeza e desencanto, declarado pelas crianças ao freqüentar o

ambulatório.

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Qual seria o entendimento de “escolar em controle” para a família? Como os

familiares (con)vivem com a criança em idade escolar ? Apesar de o profissional de

saúde dizer que não tem mais doença neoplásica, para que continuar a freqüentar o

hospital? Como os familiares interagem com o escolar em casa, dentro do grupo

familiar e na comunidade?

Esses questionamentos muitas vezes aparecem velados por sorrisos do

reencontro entre a equipe e os familiares. As decepções são muitas vezes deixadas para

o final dos relatos, como forma de não serem valorizadas ou disfarçarem a pouca

importância para a família.

O comportamento em dividir problemas, ouvir os familiares, compartilhar

tristezas e alegrias sempre estiveram presentes na atuação da enfermagem na área de

pediatria. O cuidado centrado na família não é um elemento novo na assistência de

enfermagem à criança, como apontam Nascimento e Rocha (2002) e Bond et al. (1994),

pois é o familiar que observa, estimula, presta cuidados domiciliares e acolhe a criança.

Para Wernet e Ângelo (2003), diante do profissional de saúde, o familiar relata o

comportamento incomum da criança, destacando que ela esteve “molinha” durante todo

o dia e os episódios de febre até a chegada ao hospital.

Essas particularidades não são diferentes no cuidado de enfermagem à criança

com doença oncológica, já que, durante os períodos de tratamento e de controle

oncológico, a família dará continuidade à observação no domicílio, trazendo a criança

para o controle ambulatorial e sendo responsável em inseri-la na comunidade, na escola

e na sociedade.

Com base nos argumentos citados, delimito como objeto do estudo - a

(con)vivência da família com o escolar em controle da doença oncológica.

Os objetivos são:

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• Descrever as estratégias da família no convívio com o escolar em controle da

doença oncológica.

•Analisar as interações da família no convívio com o escolar.

• Discutir a (con)vivência da família com o escolar em controle da doença

oncológica.

•••• Contribuição do Estudo

Atualmente, as estatísticas internacionais do índice de cura associado ao câncer

infantil mostram um número em torno de 70% (D’ANGIO et al., 1995; PIZZO e

POPLACK, 2001). Embora no Brasil exista de forma insuficiente uma estatística

específica detalhada para a faixa etária infantil, tem sido observado, ao longo dos último

anos, no HC-I Serviço de Pediatria, um aumento significativo dos casos de cura.

Associado com o crescimento dos casos de cura, tem-se verificado um aumento do

número de crianças em controle oncológico. Nessas circunstâncias, torna-se necessário

uma adequação na estrutura do serviço de pediatria, de forma a atender e acompanhar

esse público infantil crescente dentro do INCA. A diversidade de conhecimento sobre

como a família pode ser envolvida no cuidado de saúde das crianças, em controle

oncológico, irá contribuir para essa adequação. Deve-se destacar que essa é uma

tendência internacional, infelizmente ainda não valorizada em instituições que tratam de

câncer infantil em nível nacional, mas numa crescente realidade dentro do INCA.

No caso específico da atuação da enfermagem oncológica pediátrica, acredito

que este estudo possa contribuir para a assistência de enfermagem à família do escolar

durante o diagnóstico, tratamento e controle da doença oncológica, com a valorização

do cliente como um todo e não apenas a preocupação com a sua patologia. Em função

da sua especificidade profissional, a ação do cuidar em enfermagem vai além da

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capacidade técnica, e o cuidado do paciente oncológico, principalmente a criança e a

família, exige uma interação emocional permeada de sensibilidade, conhecimento

técnico-científico e disponibilidade de ouvir o outro. Essa interação não pode ser

mensurada, mas contribui para que o atendimento a esse grupo dentro de um hospital do

câncer ocorra de maneira holística.

O estudo possibilitará o conhecimento das estratégias utilizadas pelas famílias

dos escolares, proporcionando subsídios que apontem a necessidade de criação de uma

equipe para atender especialmente o escolar em controle oncológico, bem como seus

familiares dentro e fora da instituição.

Com base neste estudo que foi desenvolvido no HC-I, e tendo em vista que o

Instituto Nacional de Câncer é o gestor de normas para o atendimento do cliente

oncológico no país, acredito que esse tipo de atendimento possa ser implantado, em

nível nacional, em serviços de pediatria oncológica.

Para o ensino, esta pesquisa contribuirá como elemento de reflexão sobre a

enfermeira que presta cuidados de enfermagem, principalmente durante o tratamento

oncológico, e o início de sua participação na adaptação social e familiar do escolar, após

o término do tratamento da doença oncológica.

No campo da pesquisa, o estudo oferecerá subsídios para entender as estratégias

utilizadas pelas famílias para enfrentarem essa nova realidade, ou seja, ter um filho em

controle da doença oncológica, bem como um suporte de assistência de enfermagem

direcionada para a possibilidade de acompanhamento a longo prazo do escolar e sua

família. Assim sendo, mais uma face dessa família será conhecida, remetendo a um

melhor entendimento desse grupo tão complexo, que é alvo de estudos do Núcleo de

Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança do Departamento de Enfermagem

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Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery - Universidade Federal do Rio

de Janeiro, bem como no cenário do estudo- HC-I do Instituto Nacional de Câncer.

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II - Abordagem Teórico-Metodológica

•••• Bases Conceituais: Uma breve abordagem acerca da família

Buscar uma conceituação sobre família tornou-se uma tarefa bastante difícil,

pois além de todas as organizações familiares com que se tem contato nas atividades

profissionais da enfermeira, imagina-se que o rigor da necessidade de uma conceituação

obriga a restringir as formas familiares que ainda não se teve oportunidade de ter

contato, ou que neste exato momento estejam surgindo por necessidades internas e/ou

externas dessas próprias organizações, no mundo contemporâneo. Além dessa

insegurança conceitual, não se pode esquecer da imagem de organização familiar que

faz parte da vida de cada um, formação como pessoa, profissional e investigadora. Pois

no contexto familiar, a visão de mundo da pesquisadora, como elemento pertencente a

um grupo familiar, de um todo complexo, contraditório e único de cada organização,

remete como participante, algumas vezes ativa nesse processo de direcionamento de

conceito/ referencial teórico, como elemento relevante apontado por Elsen et al. (1994).

O conceito de família que se relaciona com a temática e com as minhas

experiências está direcionado para os estudos de Nitschke e Elsen (2000). Quanto à

diversidade das relações, as autoras (op.cit, p. 40) que analisam a evolução da

organização familiar no mundo atual e suas adaptações ao mundo moderno ressaltam

que,

Vivemos num emaranhado cada vez mais complexo de

objetos, de signos, de imagens, entre sonho e realidade,

prisioneiros sem cadeia, de um universo simbólico de

significações misteriosas, remetendo a um conjunto entendido

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enquanto mundo imaginal. Isto tudo coloca em relevo todo um

mundo imaginal, no qual as famílias estão imersas.

Este mundo imaginal descrito pelas autoras (op. cit) nos faz refletir sobre a

grande diversidade que um determinado enfoque pode nos trazer, dependendo da

cultura, interações sociais, crenças, educação e tantas outras relações inexploradas que

irão delinear a organização familiar dos grupos, refletindo, assim, dentro da instituição,

a realidade externa. Ainda refletindo com as autoras (op.cit, p. 43), “percebe-se a

conjunção, a complementariedade, a interdependência deste mundo, ao mesmo tempo

simples e complexo, que se mostra a partir das suas interações, e como tal no ser

família, e ao se trabalhar com saúde da família”.

No texto citado, a própria família não é estática e nem definitiva, encontra-se em

constante movimento, ação, construção-desconstrução, semelhante a um redemoinho

que capta objetos e descarta ao mesmo tempo.

Do consenso de 551 profissionais que trabalham com famílias e membros do

Grupo de Assistência, Pesquisa e Educação na Área de Saúde da Família (GAPEFAM),

formado também por enfermeiros, uma das características mais freqüentes dos estudos

foi de citar a família saudável, descrito por Elsen et al.(1994, p. 67):

Família saudável é uma unidade que se auto-estima

positivamente, onde os membros convivem e se percebem

mutuamente como família. Tem uma estrutura e organização para

definir objetivos e prover os meios para o crescimento,

desenvolvimento, saúde e bem de seus membros. A família

saudável se une por laços de afetividade exteriorizados por amor e

carinho, tem liberdade de expor sentimentos e dúvidas,

compartilha crenças, valores e conhecimentos. Aceita a

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individualidade de seus membros, possui capacidade de conhecer

e usufruir seus diretos, enfrenta crises, conflitos e contradições,

pedindo e dando apoio a seus membros e ás pessoas

significativas.

A imagem sobre família que chega ao meu pensamento é a própria experiência

de vida de cada um, do conhecimento pessoal que é passado desde a infância, e a

criança se apropria de uma forma primitiva, vai experimentando no seu dia a dia e

elaborando imagens através do pensamento. Essa imagem sofre influência religiosa, do

grupo social ao qual pertence, da organização familiar que temos convívio, seus

ensinamentos ao longo da vida, do significado das pessoas mais velhas dentro desse

grupo e dos ensinamentos passados.

Segundo Elsen et al. (1994, p. 69),

Todos sabem o quanto uma hospitalização ou uma doença

grave pode alterar a dinâmica familiar. Os papéis precisam ser

redimencionados e o estresse permeia as relações interpessoais,

gerando, inclusive, uma situação de crise na unidade familiar.

Com o primeiro contato da enfermeira do ambulatório, com alguns

familiares que trazem a criança à instituição, vão se desenhando as características dessa

família e seus problemas legais, econômicos, sociais e psicológicos. Na maioria das

vezes, o sexo feminino é o que prevalece no primeiro contato, a mãe e a avó ou uma

amiga da família estão presentes; esse acompanhante vai mudando conforme a evolução

do diagnóstico e tratamento proposto. Freqüentemente, a figura feminina é quem traz a

criança à instituição, de acordo com divisão de papéis dentro da família, como o cuidar

da saúde das crianças. Em raras situações, o pai ou o avô estão presentes, a atenção e o

cuidado não são diferentes para com a criança. A presença do pai, se houver algum laço

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com a criança, geralmente se dá nas consultas subseqüentes ou dependendo do seu papel

na família, ele aparecerá ou não.

Dependendo da organização familiar, a pessoa que se responsabiliza pela criança

será a avó materna ou paterna, substituta da mãe que trabalha para o sustento de todos,

ou já constituiu outra família, tendo pouco ou nenhum contato com a criança. Ainda

pode-se encontrar crianças sendo criadas por tios, e que perderam os pais, na violência

urbana, ou encontram-se foragidos ou presos.

Elsen et al. (1992) ressaltam que existe a família nuclear, extensa ou ramificada,

com várias gerações presentes, e que algumas famílias vão incluindo pessoas que não

têm consangüinidade, mas laços afetivos que os fazem ser reconhecidos como

pertencentes ao grupo ou simplesmente amigos íntimos.

Essa diversidade pode ser observada no comportamento das crianças, quando,

em época de férias da escola, muitos irmãos, primos e até mesmo amigos comparecem

ao hospital para acompanhar o escolar em tratamento ou controle, e algumas vezes

várias pessoas da família.

Um fato interessante observado é a criança percorrendo as dependências do

ambulatório fazendo uma espécie de turismo, mostrando a utilidade de cada lugar e o

nome das pessoas do setor.

Ainda temos uns poucos casos de crianças institucionalizadas, que comparecem

ao hospital acompanhadas do conselho tutelar; neste caso, temos muitas dificuldades,

pois na maioria das vezes, não temos acesso a uma história familiar dessa criança.

Dificuldades de sobrevivência, falta de dinheiro para vir ao hospital e a negação

da doença da criança são fatores presentes que interferem na vinda da família à

instituição, principalmente entre a confirmação do diagnóstico e o início do tratamento.

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Independente da organização familiar de que essa criança faça parte, a

confirmação do diagnóstico de câncer vai levar ao desespero todos os familiares, ou

seja, “uma situação de crise na unidade familiar”, conforme apontam Elsen et al. (1994,

p. 69).

Nesse processo de desestruturação/estruturação, desorganização/organização,

com o vislumbre da criança com doença oncológica, as mais variadas formas de se

inserir nessa nova realidade são experimentadas no cenário multifacetado onde se

encontra a família. Observa-se a maior presença da família com mais cumplicidade no

enfrentamento de situações difíceis, a divisão de responsabilidades entre os pessoas

amigas que mesmo de longe vivenciam o drama dos familiares; o apoio de vizinhos que

vigiam a casa e cuidam dos animais domésticos.

Por outro lado, muitas vezes, a crise familiar é tão intensa e a imagem da doença

tão agressiva que se observa o abandono do lar pelo pai ao saber do diagnóstico do

filho; a desagregação familiar; a invasão da casa fechada pelos grupos de comando do

narcotráfico nos centros urbanos, quando a criança necessita ficar internada por longo

tempo no hospital; e o abandono da residência quando a criança e o familiar são de

outra cidade ou mesmo estado.

O adoecimento vai ser vivenciado das mais variadas formas e a rotina hospitalar

para o tratamento tem que ser cumprida, aliada aos problemas emocionais e socio-

econômicos que, na maioria das vezes, são desconhecidos pela equipe de saúde.

A família que chega à etapa de controle traz lembranças dos efeitos do

tratamento tanto físico, como biológico, emocional, social e familiar. Nesse período, vai

reconstruindo o que ficou perdido do período anterior e determinando novos caminhos,

assim como o escolar que retorna ao seu ritmo de vida, escola, amigos, família e

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comunidade. Nesse caso, a família do escolar em controle transcende as orientações

profissionais e assume a responsabilidade de cuidar de seus membros.

Para o entendimento das diferentes etapas da cura/sobrevivência da criança com

doença oncológica, elaborei um esquema a seguir:

Tratamento Oncológico.Quimioterapia.

Cirurgia.Radioterapia.

Controle Clínico da DoençaSem evidência de células neoplásicas

"Follow up"

Sobrevivente de Câncer.Após 5 anos de controle clínico.

Do término do tratamento até 5 anos.

• Considerações Metodológicas

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, tipo estudo de caso. Segundo Minayo

(2004, p. 10), as abordagens qualitativas

são aquelas capazes de incorporar a questão do significado

e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e as

estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu

advento quanto na sua transformação, como construções humanas

significativas.

Concordando com a afirmação da autora (op.cit), quando esta ainda sinaliza a

inclusão nesta esfera de complexidade, do sentido de saúde e doença, no qual existe a

questão individual, mas também os significados sociais., que permeiam as condições de

vida, classe social, história do grupo, crença religiosa, formação política, formação

familiar e a interação/articulação de todas as partes que formam um todo social, que

compõe o imaginário social/familiar/individual. Uma pequena fração do mundo social

que os sujeitos representam, em forma de significado aparente, velado e em constante

movimentação.

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Ainda, Minayo (2004, p. 22) enfoca que “o objeto das ciências sociais é

complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação”, que a realidade

vai além dos nossos orgãos de percepção e que os dados subjetivos transparentes e não-

ditos também fazem parte do mundo real. A complexidade de inter-relações de

significados, sentimentos e atos torna-se relevante para a abordagem qualitativa deste

estudo.

Vale destacar a tendência da enfermagem oncológica internacional e do Instituto

Nacional de Câncer que apontam na direção de pesquisas de natureza qualitativa, como

ressaltam Camargo e Souza (2003, p. 159):

a pesquisa de Enfermagem no INCA, acompanhando uma

tendência mundial da profissão, está mais concentrada na área da

pesquisa qualitativa, que está aí para refletir, apontar soluções e

promover mudanças a partir da compreensão de vivências,

emoções, sentimentos e comportamentos humanos.

O estudo de caso é a forma de abordagem que evidencia, com clareza, a

diversidade do (con)vívio das famílias dos escolares. De acordo com Goode e Hatt apud

Lüdke e André (1986, p. 17),

o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de

um sistema mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo que

ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente

venham a ficar evidentes certas semelhanças com outros casos ou

situações.

O cenário do estudo é o Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I,

localizado na cidade do Rio de Janeiro e de referência nacional no controle do câncer,

que as famílias freqüentam para o cumprimento da rotina de exames e investigação para

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o controle clínico da criança, bem como para detecção de possíveis efeitos tardios do

trata mento e recidiva da doença.

Vale ressaltar que a instituição foi estruturada para atender uma clientela de

adultos, e que devido à necessidade de atender o público infantil, tornou-se necessário a

adequação de horários, formação de equipes que se relacionem melhor com crianças e

estrutura, ou seja, horários e agendamentos diferenciados, para atender a clientela de

pediatria.

Os sujeitos são os familiares que acompanham os escolares no referido

ambulatório, que estão em controle da doença oncológica. Para uma melhor delimitação

do grupo de familiares pesquisados, foi determinado que os escolares estejam com um

mínimo de dois anos5 de término de tratamento oncológico.

Os (10) dez familiares foram divididos em dois grupos: grupo I – A e B; grupo II

– D, E, F, G e H, com uma reunião para cada grupo, conforme a descrição no quadro a

seguir. Cabe ressaltar que as famílias e seus membros foram identificados com

pseudônimos para garantir o anonimato dos participantes. A escolha da palavra coração

está relacionada aos diversos sentimentos expressos pelos familiares. No segundo

grupo, solicitei a escolha de um nome para a denominação, e os familiares escolheram a

palavra estrela.

No caso dos nomes das crianças que foram mencionados pelos familiares,

utilizei a primeira letra do nome, e como existiu repetição, utilizei uma letra do segundo

nome.

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Quadro- Caracterização dos sujeitos da pesquisa.

Famílias

Caracterização-

Parentesco

Data de

nascimento

da criança

Data da

matrícula

Doença

neoplásica da

criança.

Término do

tratamento.

A Pai-Coração

tranqüilo.

31/12/1996

18/11/1997

Hepatoblastoma

02/1998

Mãe-Coração

ansioso

5 Este período foi determinado por observar-se um menor número de recaídas durante o controle da doença oncológica.

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B Mãe-Coração

sofrido

Tia-Coração

vigilante

01/08/1994

11/05/2000

Nefroblastoma

ou Tumor de

Wilms

04/2002

C Não

compareceu

D Mãe-Estrela

lutadora

04/08/1995

14/03/2000

Meduloblas-

toma de baixo

grau

08/2000

E Mãe-Estrela

isolada

09/04/1996

04/06/2001

Linfoma de

Hodgkin

11/2001

F Mãe- Estrela

inconformada

Pai- Estrela

silencioso

28/04/1994

30/03/1995

Retinoblastoma-

bilateral

10/1996

G Mãe-Estrela

agradecida

26/02/1992

24/11/1998

Rabdomiossar-

coma

parameníngeo

02/2001

H Mãe-Estrela

vencedora

28/01/1994

24/03/1997

Rabdomiossar-

coma

parameníngeo

10/1998

A família A foi a primeira a chegar, às 8 horas, a família B chegou com meia

hora de atraso, justificando-se devido ao trânsito e distância da moradia, e a família C

não compareceu e nem fez contato posteriormente.

As famílias D, E, F, G e H participaram do segundo grupo; o pai da família F no

início da reunião, teve que se ausentar porque o escolar que ficou na sala de recreação

solicitou a sua presença, e a voluntária veio avisá-lo. Durante a entrevista, esse familiar

permaneceu no grupo somente durante meia hora, e considerei a sua presença pelo

apoio à esposa.

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Outras crianças também vieram para a reunião acompanhando os familiares e

permaneceram na recreação conforme as orientações. No início da reunião foi relatado a

liberdade dos familiares em saírem da reunião caso a criança necessitasse.

Os procedimentos metodológicos foram a entrevista não-diretiva em grupo e a

consulta em prontuário através de formulário (Anexo I). Lüdke e André (1986)

descrevem como não-estruturada ou não-padronizada, que permite uma maior

flexibilidade na condução da entrevista, o diálogo entre o pesquisador e os sujeitos e a

exploração de dados de natureza qualitativa. Para Minayo (2004), essa entrevista está

baseada em discurso livre do entrevistado, permitindo se conhecer a opinião de

determinada pessoa ou grupo acerca de uma temática de maneira aprofundada.

Segundo Carvalho (2000, p. 31),

O entrevistador se utiliza de um guia da entrevista

contendo a seleção, a definição e a formulação dos temas a serem

pesquisados, nos quais o entrevistador, dentro de hipóteses,

descreve a sua experiência pessoal a respeito do assunto

investigado.

Ainda, acrescenta o autor (op.cit) que a entrevista não-diretiva oferece ao

entrevistador a liberdade de explorar questões que surjam durante a entrevista, além de

permitir esclarecimento de aspectos sem formulação prévia. Essa condução de

esclarecimento de idéias exige do pesquisador “habilidade e perspicácia no

encaminhamento da entrevista”.

Os temas que subsidiaram a entrevista não-diretiva foram os seguintes: o

entendimento da família quanto à expressão “em controle da doença oncológica”;

estratégias de convivência após a entrada no grupo de controle; atendimento do escolar

no ambulatório de pediatria oncológica.

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Após a entrevista com o primeiro grupo de familiares, houve necessidade de se

ajustar o segundo tema, para a melhor compreensão acerca do convívio com o escolar

em controle de doença oncológica. Assim sendo, o segundo tema foi modificado para

“Como é o convívio da família com o escolar após a entrada no grupo de controle”.

A coleta de dados foi desenvolvida pela própria pesquisadora, após aprovação e

liberação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa – (Resolução 196/1996, do

Conselho Nacional de Saúde), da instituição (Anexo II).

O contato inicial com os familiares foi aleatório e de diferentes formas a saber:

quando algum familiar comparecia ao ambulatório para marcar a consulta de controle,

ou comparecia ao atendimento médico de rotina com o escolar, e ainda no levantamento

nos prontuários.

Inicialmente, planejei contato com os familiares através do telefone. Mediante o

relato do primeiro familiar, uma tia que veio marcar consulta, a metodologia foi

modificada. A tia destacou que o primeiro contato da pesquisadora com os familiares

deveria ser pessoalmente, pois o contato telefônico para uma entrevista poderia suscitar

medo de alguma notícia ruim sobre os exames da criança. Diante desse relato, decidi

fazer o primeiro contato com o familiar que comparecia ao ambulatório para marcar

consulta médica, agendamento de exames no hospital ou no próprio dia de atendimento.

Quando o familiar era convidado a participar da entrevista em grupo, a

pesquisadora relatava os objetivos, os temas que seriam abordados, alguns itens do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a livre participação, o anonimato dos

sujeitos, a importância do estudo para a pesquisadora e a instituição, bem como para o

Serviço de Pediatria do HC-I.

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Uma reação bastante surpreendente observada pela pesquisadora foi a ansiedade

do familiar convidado; após o relato dos objetivos da entrevistas, estes já começavam os

seus relatos bastante emocionados, contando suas experiências.

Foi explicado que os familiares que participariam da entrevista em grupo seriam

os membros que participaram do tratamento da criança e da fase de controle da doença,

comparecendo à instituição. Cabe destacar que os próprios familiares elegeram os

membros que seriam importantes participar da entrevista, uma forma de conhecer o

contorno da família, conforme recomendação de Wright e Leahey (2002) quando se

entrevista famílias. Algumas dessas pessoas não compareceram, por impedimentos

como: horário de trabalho, questões econômicas ou cuidado com outros familiares com

problemas de saúde.

Foi relatado que não seria necessária a presença do escolar na entrevista em

grupo, mas que a sala de recreação estaria disponível, caso fosse necessário a vinda da

criança. Na segunda entrevista, três famílias trouxeram as crianças, que permaneceram

na sala de recreação.

Após o contato inicial com os familiares, foi realizada a consulta ao prontuário

dos escolares, para a obtenção de dados do formulário (Anexo I). Os dados relacionados

à patologia da criança e o tipo de tratamento que recebeu foram de grande importância

para compreender particularidades dos depoimentos dos familiares durante a entrevista.

Lüdke e André (1986) ressaltam a importância das informações complementares

na análise de documentos, permitindo um maior entendimento dos dados obtidos e uma

maior interação dos sujeitos com o pesquisador.

Após a consulta ao prontuário, os familiares foram contactados por telefone para

marcar o dia, a hora e o local da entrevista, agendado com duas semanas de

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antecedência, com o objetivo de os membros das famílias justificarem o atraso nos

locais de trabalho.

A entrevista, seria na sala da classe hospitalar localizada no 15o andar do

Hospital do Câncer. Após avaliação da localização, nível de ruído e a facilidade de

acesso, e ainda, levando-se em consideração que os pais estão habituados a encontrar a

pesquisadora no décimo primeiro andar, optou-se pela sala de reunião do Ambulatório

de Pediatria para a realização das entrevistas.

No dia agendado para a entrevista em grupo, a sala de reunião foi organizada

para proporcionar conforto e receptividade , como descrevem Wright e Leahey ( 2002).

Para o desenvolvimento de uma entrevista em grupo, algumas questões

operacionais são de total relevância, como: respeito pelo entrevistado; local da reunião,

que deve ser numa sala que não iniba os entrevistados, de preferência já conhecida pelos

mesmos e que acomode todos adequadamente; data e horário agendados. É relevante o

respeito pelo universo dos sujeitos que fornecem impressões, opiniões, valores e o

conteúdo das informações, que são o corpo da pesquisa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

Os funcionários do setor foram informados da ocupação da sala de reunião, com

o objetivo de evitar interrupções inesperadas e prejudicar a entrevista. O telefone da sala

foi desligado. As cadeiras foram dispostas em semicírculo, para facilitar a leitura dos

temas da entrevista, que foram afixados na parede em tiras de cartolina.

Com o objetivo de entrosamento e diminuição da ansiedade dos familiares, um

café da manhã foi planejado pela pesquisadora, como estratégia de se trabalhar em

grupo, conforme dinâmica descrita por Berkenbrock (2003).

Após a segunda entrevista, o horário da reunião foi mudado para o período da

tarde, por solicitação dos familiares. O resultado foi mais satisfatório, e o lanche foi

transformado em café da tarde, pois não existiu a preocupação de horários de trabalho e

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da escola das crianças que ficaram em casa. Segundo um dos familiares, o serviço de

casa foi adiantado para ter mais tranqüilidade em comparecer à reunião.

Além disso, o primeiro nome dos familiares foi escrito em um crachá, e

oferecido quando o familiar entrava na sala de reunião.

No início da entrevista, foi explicado e lido, pela pesquisadora, para as famílias

que compareceram à entrevista, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

conforme a Resolução 196/1996 (Anexo III), que eles assinaram após esclarecimentos.

Os familiares foram apresentados pela pesquisadora e avisados sobre a

possibilidade de falarem livremente, sem preocupação com respostas corretas. As

entrevistas tiveram a duração média de 90 minutos, e foram gravadas em fitas

magnéticas e transcritas integralmente.

Após o termino da entrevista, as crianças que estavam na sala de recreação

foram chamadas e participaram também do café da tarde, leram as tiras na parede,

perguntaram sobre o que foi falado na reunião e alguns familiares responderam, o clima

com as crianças foi bastante descontraído e alegre; suponho que as crianças se sentiram

incluídas no grupo.

A análise temática foi o caminho escolhido para analisar os depoimentos e os

dados do prontuário, conforme descreve Minayo (2004, p. 209) “qualitativamente a

presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de

comportamento presentes no discurso”. Ainda, para a autora (op.cit), este método

permite ao pesquisador um meio de se estudar as “comunicações” entre os homens com

a valorização dos relatos e a descobrir núcleos de sentido que estejam presentes na

comunicação.

Após a transcrição na íntegra dos relatos das entrevistas, iniciou-se a aplicação

dos passos previstos pela análise temática.

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Após leitura exaustiva das entrevistas, observaram-se alguns temas marcantes

nos relatos dos familiares. Conforme Minayo (2004), a aplicação da análise temática se

divide em três etapas distintas: a) Pré-análise, consiste na seleção dos documentos,

relacionando-os aos objetivos propostos pela pesquisa inicialmente, muitas vezes, com

ajustes diante do material coletado. Através da leitura flutuante, o pesquisador inicia o

contato exaustivo com o material, sempre relacionando o conteúdo às questões iniciais,

ao surgimento de novas questões e aliando ao conteúdo do referencial teórico. Cabe

ressaltar que, nesta etapa, aparecem os trechos coincidentes e divergentes das

mensagens; b) Na exploração do material, busca-se a compreensão do texto através da

exploração do material bruto que sofre uma codificação. As unidades temáticas são

evidenciadas no texto, classificadas, agrupadas em forma de dados, selecionando os

temas; c)Tratamento dos resultados obtidos e a interpretação, a análise permite opiniões

próprias do pesquisador e interpretações referenciadas pelo conteúdo teórico abordado,

e ainda permite o vislumbre de novas abordagens apontadas pelo próprio conteúdo do

material.

As unidades temáticas que emergiram dos depoimentos foram: sinais e sintomas

antes da constatação da doença oncológica, freqüência hospitalar, tratamento

oncológico, cura da doença, controle da doença oncológica, mudança de vida, apoio

escolar/familiar/comunidade, criança sob uma ótica particular, crença em Deus,

presença da morte, medo da recidiva tumoral, seqüelas, encaminhamento a serviços

especializados e a alta hospitalar.

As unidades temáticas: sinais e sintomas antes da constatação da doença

oncológica, freqüência ao hospital, tratamento oncológico, cura, controle da doença

oncológica e mudança de vida foram agrupadas com o título (1o tópico da análise) –

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Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e Conhecimentos da Doença

Oncológica.

As unidades temáticas: apoio familiar, das pessoas externas ao núcleo familiar e

no ambiente hospitalar, a criança sob uma ótica particular, foram agrupados com o título

(2o tópico da análise) – Interações da Família: Diferentes Faces do (Con)viver com o

escolar.

As unidades temáticas: crença em Deus, medo da recidiva tumoral, seqüelas,

encaminhamentos a serviços especializados, alta hospitalar e acesso aos serviços de

saúde foram agrupados com o título (3 o tópico da análise) – A (Con)vivência da

Família: Questão do (In)visível.

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III – O Cenário do Estudo

O Ambulatório de Pediatria, onde o estudo foi desenvolvido, encontra-se no

décimo primeiro andar do Hospital do Câncer- I, localizado na Praça da Cruz Vermelha,

centro da cidade do Rio de Janeiro. É um setor recente, inaugurado em 1999, que foi

planejado devido ao crescente aumento da clientela infantil dentro da instituição e a

necessidade de se atender as crianças do Serviço de Pediatria e de Hematologia. Na

história da instituição, a criança vai ocupando os espaços e exigindo novos

planejamentos e rotinas (SOUZA, 2002).

A porta de entrada do Serviço de Pediatria é o ambulatório. Tem doze salas,

sendo duas de Cateter Venoso Central de Longa Permanência, uma do consultório

dentário, uma sala de procedimentos, uma de atendimento pré-consulta (medidas

antropométricas e sinais vitais), uma de consulta de enfermagem e as restantes de

consultório médico.

No salão de espera existe uma sala de recreação mantida pelo Serviço de

Voluntariado - INCA Voluntário, que permite à criança ter atividades recreativas

enquanto espera o atendimento.

O primeiro setor do HC-I onde a criança e a família são atendidas é o

ambulatório. A rotina do hospital exige que os encaminhamentos para o HC-I sejam

com diagnóstico definido e somente para a confirmação no caso dos clientes adultos.

Para a faixa etária de até 15 anos, não é necessário um diagnóstico definido,

basta apenas um simples Rx de tórax ou a evidência clínica de alguma alteração física

que a criança é recebida, avaliada e o prontuário aberto. O acesso da criança ao serviço

é mais facilitado, mesmo para os casos de doença avançada.

A recepção agenda consultas para médicos, dentistas, assistente social,

nutricionista, psicóloga, enfermeira e sala de Cateter Venoso Central de Longa

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Permanência. O Setor de Quimioterapia Infantil tem agendamento próprio, pois

necessita de uma planilha diferenciada, com planejamento antecipado para a diluição do

quimioterápico.

Na rotina do ambulatório, recebe-se crianças para diagnóstico, tratamento,

emergências infantis, controle de doença oncológica e casos terminais, contando com

uma média de atendimento mensal, aproximada, de 1000 a 1300 crianças. As consultas

são agendadas previamente conforme indicação do próprio médico ou outro

profissional.

Todas as crianças são pesadas e medidas a cada consulta, possibilitando assim a

detecção de baixo peso, perda ponderal durante o tratamento, parada no crescimento e

alteração nos sinais vitais. Cabe ressaltar que alguns tumores infantis podem causar

alterações nos sinais vitais, principalmente na pressão arterial, necessitando vigilância e

intervenção. Além disso, a aferição do peso e da altura vai auxiliar diretamente no

cálculo da dose exata da quimioterapia, pois este cálculo é feito conforme a área de

superfície corporal da criança. Este procedimento de rotina é desenvolvido por

auxiliares de enfermagem e supervisionado pela enfermeira do ambulatório.

A enfermeira atende as consultas de primeira vez, quando a família chega à

instituição onde é feita a consulta de enfermagem, obtendo as primeiras informações

sobre o adoecimento, a organização familiar e o estado atual da criança, além de se

iniciar a entrada da família na instituição com as orientações sobre a rotina de exames, o

diagnóstico e os possíveis tratamentos. A etapa de tratamento pode ser abordada ou não,

pois a enfermeira vai avaliando a situação familiar para compreender as necessidades

das orientações.

As consultas subseqüentes de enfermagem são para os casos encaminhados por

outros profissionais, dúvidas dos familiares sobre o tratamento e casos que necessitam

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de avaliação e orientação de algum procedimento, principalmente os que são feitos em

domicílio por familiares.

A triagem e avaliação dos casos emergenciais são atendidos com a intervenção

imediata de procedimentos e/ou orientações, conforme a necessidade do caso. As

internações também são executadas através deste setor, tanto as eletivas quanto as

emergenciais. Ainda crianças são atendidas para determinadas medicações ou

hidratação e coleta de exames, dando ao setor também um aspecto de hospital dia.

Apesar de existir um atendimento para as crianças em controle da doença

oncológica, feito por oncologista, hematologista e endocrinologista, para a enfermagem

ainda não existe uma sistematização deste atendimento. Salvo algumas vezes quando

existe a procura do profissional para determinadas orientações ou esclarecimento de

problemas relacionados á vida da criança, mas ainda não faz parte da política

institucional.

As crianças Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais (F.P.T.A.) e terminais

também são atendidas neste serviço, oferecendo-se suporte terapêutico, principalmente

a assistência de enfermagem no cuidado a complicações pelo avanço da doença, bem

como conforto físico e psicológico para a criança e familiares e ,principalmente, a

prevenção da dor.

É importante ressaltar que a criança e/ou o familiar são atendidos pela

enfermeira mesmo que o atendimento não seja agendado, facilitando assim a interação

da criança, da família e enfermeira.

A sala de cateter venoso central de longa permanência tem uma grande

rotatividade, com aproximadamente 6006 atendimentos mensais. De acordo com a rotina

da instituição, somente enfermeiros têm permissão para manusear este dispositivo, e

6 Estatística da sala de cateter venoso central de longa permanência infantil (levantamento da sala).

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todos passam por uma rotina de treinamento rigorosa e atualizada. O espaço físico da

sala de cateter foi adequado à clientela infantil e é de responsabilidade da enfermeira.

O setor de quimioterapia infantil tem um salão com capacidade para 12 lugares,

divididos em 6 cadeiras automáticas, 2 berços e 2 camas. O espaço foi planejado com

motivos infantis e acomodação para o acompanhante da criança durante a aplicação de

quimioterapia. O setor conta com uma média de atendimento de 600 a 7007 aplicações

mensais de quimioterápicos, onde enfermeiros são responsáveis pela aplicação, controle

e manutenção da infusão, além do controle de reações adversas durante a permanência

da criança no setor. As quimioterapias necessitam de agendamento prévio para

possibilitar a diluição do medicamento e o espaço físico para acomodar a criança e o

acompanhante. Recebe crianças do ambulatório e do setor de internação.

Em síntese, a enfermeira atua no ambulatório, desenvolvendo sua prática

profissional em diferentes momentos: sala de cateter, quimioterapia, consulta de

enfermagem de primeira vez e subseqüentes.

7 Estatística do serviço de quimioterapia do HCI. (levantamento do setor infantil).

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IV – A Política de Combate ao Câncer

•••• Um Breve Histórico

Para entender a ação do Instituto Nacional de Câncer - INCA, no contexto

político e social e a organização do setor de pediatria dentro deste cenário, torna-se

necessário descrever alguns marcos históricos.

Para melhor situar o panorama epidemiológico, inicio com a transição do

controle da tuberculose e o “fortalecimento das ações de combate ao câncer no início do

século XX”, devido ao crescimento da incidência de casos de óbito por câncer nessa

época (SOUZA, 2002, p. 27; BRASIL, 2002b).

Sontag (1984, p. 65) aponta essa mudança de foco de atenção quando compara a

tuberculose ao câncer,

Geralmente o câncer é tido como uma doença inadequada

a uma personalidade romântica, em contraste com a tuberculose,

talvez porque a depressão, que não é nada romântica, superou a

noção de melancolia, e o câncer era sempre associado à

sentimentos dolorosos.

Através de alianças políticas e estruturação da Política Nacional de Saúde, aos

poucos, a ação de combate ao câncer foi ganhando força dentro do panorama política do

país na década de 30, culminando com a inauguração de um pavilhão para o Centro de

Cancerologia, no Hospital Estácio de Sá (atual Hospital da Polícia Militar), sendo

inaugurado em maio de 1938 (GUIZZARDI e GUIMARÃES, 2000)

Na década de 40, o Instituto do Câncer é transferido para o Hospital Gaffrée e

Guinle, situado na Tijuca, contando com melhores instalações com serviços de

Laboratório, Anatomia Patológica e 120 leitos.

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Segundo Souza (2002), em 1946, o Instituto do Câncer passava a possuir sede

própria, situada na Praça Cruz Vermelha, doado pela Prefeitura do Distrito Federal.

Em 1957, é inaugurada a nova sede do Instituto de Câncer, contando com 11

andares e 350 leitos, pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek de

Oliveira.

Oliveira (1996) ressalta que no panorama nacional observava-se um crescente

desenvolvimento da indústria químico-farmacêutica, aquisição de equipamentos

hospitalares e a necessidade de treinamento de profissionais, com a valorização da área

hospitalar.

Cabe acrescentar que, nos anos 50, o Rio de Janeiro se situava em 3o lugar nas

causas de óbitos por neoplasia maligna.

Em 1961, através de Decreto 50.251/01, de 28 de janeiro de 1961, são atribuídas

novas competências para a denominação de Instituto de Câncer para a Campanha

Nacional de Combate ao Câncer - (CNCC), que foi implementada em 1967, segundo

registro no M.S.- INCA (2002b). Esse novo orgão teria o objetivo de intensificar e

coordenar em território nacional, sua ação na área de combate ao câncer, em instituições

privadas e públicas, atuando no campo da prevenção, diagnóstico, assistência, pesquisa,

formação técnica e reabilitação (BODSTEIN apud SOUZA, 2002; PIRES,

CARVALHO e GUIMARÃES ,2002).

Apesar da abrangência das ações de combate ao câncer e uma maior

flexibilidade financeira e administrativa, a falta de recursos financeiros era conferida,

pois neste recorte histórico ocorreu uma crescente redução orçamentária do Ministério

da Saúde, refletindo diretamente em uma quase paralisação dos serviços de saúde

pública (BRASIL, 2002b)

Em 1970, o Ministério da Saúde/ INCA (2002b) informa que

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há a alteração na organização do Ministério da Saúde,

sendo o Serviço Nacional de Câncer transformado em Divisão

Nacional de Câncer, responsável pela elaboração do Plano

Nacional de Combate ao Câncer (PNCC - 1972-1976). O plano

defendia a organização dos Serviços de Cancerologia por meio da

integração das diversas instituições federais, estaduais e

municipais, autárquicas e privadas, buscando a regionalização e

hierarquização destes serviços.

Em 1980, como meio de se solucionar uma maior crise financeira no M.S.,

transferiu-se os hospitais e os serviços assistenciais para o Ministério da Previdência e

Assistência Social (INPS), como também o INCA.

A partir dessa nova organização, evidencia-se um maior desenvolvimento e

valorização de uma política nacional de combate ao câncer, com ação de âmbito

individual separada de ações coletivas, sem nenhuma repercussão na mortalidade de

câncer no Brasil.

Em 1991, através de Decreto Presidencial no 109, de 2 de maio de1991, as

Campanhas de Saúde Pública são extintas, onde se encontra inserida a CNCC, e no

Artigo 14 confere ao INCA novas competências e atribuições como: assistir o Ministro

do Estado na formulação de política nacional de prevenção; diagnóstico e tratamento do

câncer; planejar, organizar, executar, dirigir, controlar e supervisionar planos,

programas, projetos e atividades, em âmbito nacional, relacionados á prevenção,

diagnóstico e tratamento das neoplasias malignas e afecções correlatas; exercer

atividades de formação, treinamento e aperfeiçoamento de recursos humanos em todos

os níveis, na área de cancerologia; coordenar, programar e realizar pesquisas clínicas,

epidemiológicas e experimentais em cancerologia e prestar serviços médico-

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assistenciais aos portadores de neoplasias malignas e afecções correlatas (BRASIL,

2002a, p. 164).

Em 1998, por Decreto Presidencial no 2477, dá ao Instituto Nacional de Câncer a

competência de apoiar o Ministério da Saúde, na coordenação de ações nacionais no

controle do câncer e ser agente de referência para a prestação de serviços oncológicos

no Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, o INCA vem expandindo suas políticas, através de atividades de

parcerias com os governos estaduais e municipais, com o objetivo de promover e

implantar alguns programas como os Centros de Alta Complexidade em Oncologia

(CACON) em todo território nacional, Viva Mulher, Tabagismo e o Programa de

Integração Docente Assistencial na Área de Câncer (P.I.D.A.A.C.) (BRASIL, 2002b).

Todos esses programas são desenvolvidos com o objetivo de ampliar a área de

detecção precoce, tratamento e, principalmente, interferir de forma decisiva na

diminuição dos índices de mortalidade por câncer em todo o território nacional.

Como pode-se observar, o câncer tem o seu alvo no público adulto (3a maior

causa de óbito no Brasil), a criança com doença oncológica ainda necessita de uma

atenção diferenciada, uma política pública própria com um direcionamento específico

para o seu atendimento e para um real panorama do número de óbitos por essa doença.

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•••• A Criança no Hospital do Câncer I

Com a evolução do atendimento hospitalar e os dados estatísticos começou-se a

observar a presença do público infantil no Hospital do Câncer. No período de 1952 a

1956, foram atendidos 136 pacientes de 0 a 9 anos e 210 de 10 a 19 anos, que ficavam

internados em enfermarias femininas pela falta de um serviço de pediatria

(MARSILLAC e SCORZELLI JUNIOR, 1959).

Em 1961, inicia-se a organização de uma Unidade de Câncer Infantil, idealizada

e organizada pelos pediatras Lourival Perri Chefally e Ary Caruso, conforme portaria no

09 em março de 1958, “com o propósito de tratar os casos de tumores sólidos e linfomas

que ocorriam com freqüência na infância, e criar condições de atendimento e

convivência social” (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002, p. 277).

Em 1962, com a finalização das obras e a oficialização em Decreto no 50.251,

foi inaugurada a Unidade de Câncer na Infância Denise Goulart e João Vicente

Goulart, com a presença do Presidente da República e Ministro de Estado da Saúde.

Com este movimento de construção de um espaço físico direcionado para o atendimento

de crianças, necessitou-se de “especialização em Enfermagem Pediátrica, com base na

prática médica especializada” (SOUZA, 2002).

Em 1981, os médicos com formação em oncologia pediátrica, Dr.a Regina M.

Ferreira (1986-1995) e o cirurgião oncológico pediátrico, Dr. Pedro Luiz Fernandes

(1987-1994), foram admitidos pela Campanha Nacional de Combate ao Câncer e, ao

mesmo tempo, o setor de hematologia também avançava, organizando-se para atender

crianças com leucemias, linfomas e histiocitose, mas no mesmo espaço físico do público

adulto (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002, p. 277).

Em 1987, foi criado o serviço de Cirurgia Pediátrica, através do Dr. Pedro L.

Fernandes, e a contratação de um 2o cirurgião pediátrico para o serviço, Dr. Alberto R.

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Gonçalves, que seriam responsáveis por alguns procedimentos cirúrgicos e

diagnósticos, no setor infantil.

A construção do saber da enfermagem pediátrica oncológica foi elaborada

através da necessidade da prática médica, sendo que a cada diagnóstico era necessária

uma assistência específica e um tratamento direcionado à clientela infantil. Esse

movimento é apontado por Oliveira (1996), ressaltando que se iniciou na década de 50,

com a construção de hospitais especializados na área de pediatria.

Em 1986, foi criada a residência de enfermagem oncológica, através da Portaria

0032/86, do Ministério da Saúde, pertencente à Divisão de Doenças Crônico-

Degenerativas (DNDCD), para a formação de profissionais de enfermagem, através da

Divisão de Ensino e Pesquisa. Os enfermeiros incorporam conhecimentos gerais de

oncologia e de pediatria oncológica, estagiando em todos os setores do INCA.

Em 1998, foi criado dentro da instituição o primeiro Curso de Especialização de

Enfermagem para o Controle e Prevenção de Câncer do país, uma parceria do INCA

com a Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro-

UFRJ, com a prioridade de formação para a clientela de professores e enfermeiros que

atuam em oncologia. Inicialmente, parte das vagas foi ocupada por profissionais da

instituição do INCA, como forma de capacitar os enfermeiros, e algumas vagas para o

público externo. O conteúdo programático inclui a temática da criança com problemas

oncológicos. Esse curso funciona até o presente momento, oferecendo vagas para todo o

território nacional.

Em março de 1999, é inaugurado o Centro de Oncologia Pediátrica, um espaço

exclusivo para o atendimento de crianças e adolescentes no Hospital de Câncer (HC-I)

com área física adequada ao público infantil, com a participação de enfermeiras como

parte da equipe de estruturação e implantação. Trata-se de um setor ambulatorial

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localizado no 11o andar, reunindo diversas clínicas em um mesmo espaço, com uma

equipe multiprofissional especializada e uma área de recreação mantida por voluntários.

Nesse mesmo espaço, foi construído o Setor de Quimioterapia Infantil onde

atuam enfermeiras na administração de quimioterápicos. A sala de cateter venoso

central de longa permanência (CVCLP), onde somente enfermeiras e/ou residentes de

enfermagem manuseiam os cateteres, uma sala de emergência de pediatria com uma

equipe de médicos e enfermeira. Anualmente, são matriculadas, em média, 250

crianças.8

Em julho de 1999, é inaugurada a brinquedoteca da enfermaria infantil,

localizada no 5o andar. Um projeto oferecido pelo Laboratório Sanofi com o objetivo de

criar um espaço de brincar dentro da enfermaria. Em 2000, a sala começou a funcionar

com uma funcionária transferida do HC-III, que tinha formação em recreação infantil e

aperfeiçoamento no curso de psicomotricidade da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro-UERJ. Esse espaço funciona até o momento na enfermaria de pediatria, com

desenvolvimento de projetos de música, oficinas para mães e atividades lúdicas.

(BRASIL, 2001).

Em 2000, a capacitação dos profissionais continuou, desta vez em nível técnico,

criando-se o primeiro Curso de Especialização de Técnicos de Enfermagem para o

Controle e Prevenção de Câncer, que mantém suas atividades até o momento, mas

somente para o público interno do INCA.

Em julho de 2000, foi inaugurada a Classe Hospitalar, um projeto desenvolvido

na Pediatria com apoio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que assegura a

continuidade de atividades escolares à criança hospitalizada em tratamento (BRASIL,

1999a).

8 Estas informações foram levantadas do Informe-INCA, folheto interno da instituição, que tem sua publicação quinzenal.

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Em agosto de 2000, foi inaugurado o consultório odontológico infantil, com

verba doada pelo jogador de futebol Ronaldo Luiz Nazario de Lima (Ronaldinho),

localizado no 11o andar, complementando a idéia de atendimento infantil integral e

humanizado (BRASIL, 1999b e 2000).

Em 2001, por solicitação da equipe de pediatria com o argumento que criança

deve ser atendida em um espaço próprio, o Setor de Hematologia Infantil deixa o 7o

andar (enfermaria de adultos) e se junta à pediatria, no 5o andar, ocupando todo um

andar, “o andar da criança” (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002). A

equipe de enfermagem da hematologia teve a oportunidade de escolher a clientela que

gostaria de prestar cuidados. Os profissionais que optaram pela pediatria fizeram o

treinamento com conteúdo direcionado para oncologia infantil.

Como descrevem Ferman, Gonçalves e Guimarães. (2002, p.278) “as equipes

médicas compunham-se das respectivas equipes de enfermagem e melhor se

estruturavam as instalações para o atendimento de crianças e adolescentes.” e através de

regimento do Ministério da Saúde, por Decreto Presidencial 3.496, de 10/06/2000, as

Seções de Pediatria Clínica e de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Câncer I passaram

para a Seção de Oncologia Pediátrica e Seção de Cirurgia Oncológica Pediátrica.

Em 2002, após várias campanhas para arrecadação de fundos, é inaugurada a

Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (U.T.I.P.) no HC-I, localizada no 5o andar. A

equipe de saúde da U.T.I.P. é formada por profissionais especializados em terapia

intensiva e treinados na área oncológica. A U.T.I.P. tem 6 leitos e atende todas as

crianças matriculadas no HC-I, que necessitem de cuidados intensivos, incluindo o

Centro de Transplante de Medula Óssea –CEMO (BRASIL, 2002a).

O espaço para a clientela infantil foi se desenhando dentro da instituição, muitas

vezes com necessidades justificadas pelo número de matrículas de crianças dentro de

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um hospital de adultos. Vale destacar que o HC-I atende clientes com doenças

oncológicas, constituído de adultos e crianças que são provenientes de todo o Estado e

de localidades distantes do país. Por ser uma instituição de referência nacional, além de

tratar da doença neoplásica, é responsável por todas as políticas de prevenção,

educação, tratamento e pesquisa do câncer.

A faixa etária atendida no Serviço de Pediatria Oncológica está compreendida

entre 0 a 15 anos, com uma média de tempo de internação em torno de 7 dias, para

procedimentos cirúrgicos, tratamento e complicações clínicas, conforme levantamento

estatístico do setor.

As crianças internadas na enfermaria do 5o andar do hospital são provenientes do

ambulatório de onco-pediatria ou do setor de emergência. Os motivos da internação são

os mais diversos, tais como: procedimentos cirúrgicos; tratamento quimioterápico que

necessitem de um melhor acompanhamento; alterações hematológicas decorrentes do

tratamento; infecções e necessidade de diagnósticos rápidos que envolvam risco de vida.

A clientela que freqüenta o Ambulatório de Pediatria é constituída de crianças

em tratamento, terminais ou em controle da doença (neste caso essas crianças não tem

mais câncer), e são rotineiramente acompanhadas por algum familiar, principalmente a

mãe, personagem que vivenciou toda a trajetória do tratamento. As consultas são

agendadas com antecedência para o médico, que acompanhou todo o tratamento. A

média do número de consultas por dia está em torno de 60, o número de casos novos

que abrem matrícula, só neste setor do hospital, está em torno de 8 casos semanais,

conforme levantamento mensal do setor.

A característica da clientela que chega ao Serviço de Pediatria, na maioria das

vezes, apresenta doença oncológica avançada, devido ao longo caminho entre o início

dos sinais e sintomas e a suspeita diagnóstica. Os relatos dos familiares são a

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confirmação da triste realidade da dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a falta de

treinamento dos profissionais na detecção precoce do câncer infantil e a dificuldade de

realizar exames de imagem. Além do quadro descrito, a suspeita de câncer em criança é

sempre deixada como última possibilidade diagnóstica, como apontam Damião e

Angelo (2001), atrasando ainda mais o processo de diagnóstico e favorecendo o avanço

tumoral.

As famílias, na maioria dos casos, são do Estado do Rio de Janeiro, e menos

freqüentemente de outros estados do Brasil. Um grande percentual é de baixa renda,

com condições precárias de moradia, baixo nível de instrução, e algumas vezes

analfabeta, conforme observo na consulta de enfermagem de primeira vez. O

desemprego está presente em grande número dos relatos dos familiares, e a preocupação

e dificuldade em conseguir cumprir a rotina do tratamento estão presentes na vida das

famílias.

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V – O Escolar e sua Família: Particularidades no Contexto do

Hospital do Câncer I

A fase escolar está compreendida entre a idade de 6 a 12 anos aproximadamente,

segundo Wong (1999). É a fase de desenvolvimento em que a criança abandona as

características de ser dependente dos pais emocionalmente e começa a dominar o

espaço, ter amigos, a comunicar-se livremente, sem necessitar da ajuda de um adulto

para algumas tarefas mais complicadas, como escolher a roupa e se vestir, ter

preferências alimentares e verbalizá-las, ter liderança dentro de um grupo e muitas

vezes impor sua vontade com defesa do seu ponto de vista. Nessa fase da idade, o

familiar que acompanha a criança relata muitas vezes a dificuldade em vir ao hospital,

pois a criança não entende a necessidade de fazer exames de controle, levando o

relacionamento familiar à uma crise.

Por volta de 6 a 8 anos, o desenvolvimento físico é mais acelerado, o corpo com

características de pré-escolar evolui para características mais desenvolvidas, a estrutura

muscular cria formas mais definidas, pelas ações próprias que as crianças realizam com

os jogos e brincadeiras coletivas de correr e de disputar. Essa fase é ressaltada como de

maior significado no desenvolvimento intelectual da criança, no qual se alia a fala com

a ação, levando a uma função psicológica complexa, conforme aponta Vigotski (2002) e

Rego (2000). O crescimento intelectual é percebido através de construções elaboradas

em trabalhos na escola, em que o raciocínio se alia à destreza manual, gerando

produções concretas do imaginado (VIGOTSKI, 2000).

A idéia de organização do ambiente em que vive ou que conhece encontra-se

presente nessa fase, por volta dos 7 ou 8 anos. O desejo de colecionar objetos,

classificá-los e compará-los entre si tem seu espaço nessa idade, inicialmente de forma

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desorganizada e posteriormente de forma organizada, conforme o seu desenvolvimento

psicológico.

Quando relato tais características da fase escolar lembro-me de uma criança de 8

anos que freqüentava o ambulatório de pediatria e morava em outro município. Chegava

ao hospital antes das 7 horas. Quando eu chegava, já estava me esperando com uma lista

na mão com todos os problemas do serviço anotados em um papelzinho. Esse

acontecimento me leva a refletir sobre o seu domínio do ambiente, a sua capacidade de

observação e a sua inteligência em compreender e fazer anotações. A facilidade de ler e

escrever são habilidades adquiridas na escola e aplicadas ao cotidiano da criança.

É comum nessa fase a criança começar a perceber o adoecimento e a fazer

questionamentos sobre o seu estado geral ou de seus amigos, como uma espécie de

comparação. Muitas vezes o escolar precisa de uma pessoa de sua inteira confiança para

verbalizar as suas dúvidas, que dependendo do seu amadurecimento, são claras ou não.

A sua noção sobre o corpo inicialmente é muito singular, com o avanço da idade, a

complementação de informações na escola e o seu senso de observação irá levá-lo a

refletir sobre a sua condição de criança e as mudanças que podem ocorrer no seu corpo

com o crescimento (WONG, 1999).

A família do escolar começa a perceber grandes mudanças de comportamento,

quando a criança ingressa na fase de escolarização. Por outro lado, conforme ressaltam

Cibreiros e Oliveira (2001), as exigências econômicas e sociais levam muitas crianças a

ingressar precocemente na escola. Enquanto os escolares em controle levam as mães a

refletirem as vantagens e desvantagens em ingressar na escola. Sinais de independência

e autonomia despertam surpresa, muitas vezes, nos pais quando estes percebem que a

criança está deixando de ser pequenino, ou seja, “sai da fase do egocentrismo e avança

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para a fase socializada” descrita em Vigotski (2000, p. 18), desenvolvendo algumas

atividades com desembaraço, o que não acontecia anteriormente.

Dependendo da condição socioeconômica da criança, ela adquire mais

responsabilidade dentro da família cuidando dos irmãos menores para os pais

trabalharem, saindo de casa para pedir dinheiro no sinal ou se responsabilizando por

tarefas como cozinhar, lavar roupa e cuidar de pessoas idosas, deixando de ser criança.

Com a comunicação verbal mais desenvolvida, adquirem a capacidade de serem

locutores de recados, facilitando o sucesso das atividades desempenhadas.

Dentro do ambiente familiar, o escolar vai seguindo e acompanhando as regras

culturais, sociais e econômicas do grupo familiar a que pertence. O contorno da sua

família determina o seu pensamento, linguagem e opiniões que vão se expandindo e

sendo relacionadas com o mundo, muitas vezes diverso, e até mesmo oposto do que ele

conhece.

Muitas vezes, a família entra como mediadora dessas duas realidades e consegue

apontar similaridades ou diferenças desses dois mundos, levando o escolar a

compreender essas realidades e se socializar, apesar das diferenças, como aponta

Humphreys (2000).

Uma das funções importantes da família para o escolar é a capacidade de

contribuir para o desenvolvimento da criança quanto ao aspectos emocionais; todas as

influências e estímulos irão contribuir para a formação da personalidade (op.cit., 2000)

Dentro do cenário hospitalar, essas crianças não diferem de outras crianças, são

espertas, questionadoras e aperfeiçoam uma visão crítica da sua condição de portadoras

de câncer, e passam a dominar a linguagem dos profissionais de uma forma natural. Isso

pode ser relacionado à teoria de pensamento e linguagem, como destaca Vigotski (2000,

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p. 28): “O fato da fala ser mais egocêntrica ou mais social depende não só da idade da

criança, mas também das condições que a cercam”.

Observa-se que o escolar, como sujeito participante deste processo de

adoecimento, torna a sua linguagem diferenciada, bem como suas reações diante dos

fatos vivenciados, demonstrando uma grande influência e participação do novo cenário.

Os estímulos recebidos pela criança do mundo que a cerca justifica a sua esperteza para

a idade, identificada por todos que a cercam e respaldada por Vigotski (2000).

A observação de fatos novos; a convivência com uma realidade diferenciada da

anterior; as alterações repentinas tanto na família quanto nos indivíduos que a

compõem; as alterações físicas vivenciadas em si como criança, é um mundo novo com

signos e códigos novos que são apreendidos pelo universo infantil, como forma de se

incluir e fazer parte dele.

Durante a assistência de enfermagem, observa-se o domínio da linguagem e o

entendimento básico do processo em questão, os escolares verbalizam o modo que

querem a atadura do curativo, o melhor material que os deixem brincar com maior

facilidade, a escolha do local da punção venosa e a escolha da enfermeira que “tem a

mão mais leve”. Ainda, reforçando essa observação da prática, Vigotski (2000, p. 104)

ressalta que:

Quando uma palavra nova é aprendida pela criança, o seu

desenvolvimento mal começou: a palavra é primeiramente uma

generalização do tipo mais primitivo; a medida que o intelecto da criança

se desenvolve, é substituído por generalizações de um tipo mais elevado-

processo este que acaba por levar à formação dos verdadeiros conceitos.

O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras,

pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção

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deliberada, memória lógica, abstração, capacidade de comparar e

diferenciar.

Esse escolar, quando entra em controle, freqüenta o ambulatório regularmente,

depois suas consultas vão se distanciando até chegarem a uma vez ao ano. Essas

consultas menos freqüentes são bastantes demoradas, pois os escolares encontram os

profissionais que participaram do seu tratamento, contam as novidades alegres e tristes

da escola, falam de seus novos amigos do bairro e novidades do dia-a-dia, como, por

exemplo, o celular que ganharam, questionam se há na enfermaria um computador mais

rápido e quando vai ser a próxima festa.

Esses momentos também são pontuados com a presença da família que muitas

vezes descrevem este escolar diferente das crianças da sua idade, de uma maneira

positiva, com sinais de esperteza; que são comunicativos e fazem amizade, como afirma

Rego (2000), ou de forma negativa, com problemas de aprendizado, dificuldade de

comunicação e uma certa problemática em ter um círculo de amizade na escola e na

vizinhança.

Algumas vezes essas crianças podem ser rejeitadas, apontadas, sofrer agressões

físicas e morais na escola por seus próprios colegas, obrigando os familiares, em

situações extremas, a trocar de escola ou a procurar uma mais “adequada”. Este último

evento, freqüentemente, pode estar relacionado à alguma deficiência deixada pelo

tratamento oncológica ou pela doença que foi tratada, conforme descreve Wong (1999)

sobre crianças com necessidades especiais.

Nesses casos, o papel da família como elemento de proteção e apoio para essa

criança, é fator determinante para a percepção de segurança/proteção da mesma, como

facilitadora da inclusão social e do próprio desenvolvimento como cidadão.

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A família do escolar em controle vivencia situações, muitas vezes, conflitantes, a

satisfação do filho ter sobrevivido ao câncer e a dificuldade de sua aceitação na

sociedade, e até mesmo no círculo familiar.

Por outro lado, a necessidade de consciência dos pais sobre os limites do filho e

a valorização de aspectos positivos da criança dentro da família proporcionam

encorajamento/apoio à criança “deficiente”, e diminui a sobrecarga emocional dos pais

quanto às possibilidades da criança.

Para o conhecimento dessa problemática enfrentada pela família da criança em

controle oncológico, o primordial é reconhecer que ela existe dentro da instituição e da

sociedade de um modo geral, e que os profissionais de enfermagem necessitam

construir uma assistência voltada para esse grupo específico de famílias que cuidam

dessas crianças ( WERNET, 2000; NITSCHKE e ELSEN, 2000; NITSCHKE et al,

1992).

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VI – (Re)descoberta da Convivência Familiar

Este capítulo enfoca a (con)vivência dos familiares com o escolar em controle da

doença oncológica, descrevendo seus sentimentos, experiências e dificuldades no

contexto da família e o apoio de pessoas externas ao núcleo familiar.

• Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e

Conhecimentos acerca da Doença Oncológica.

Este tópico aborda os aspectos relacionados aos sinais e sintomas antes da

constatação da doença oncológica e a freqüência ao hospital. Quanto à constatação da

doença oncológica, a família busca resposta acerca dos sintomas apresentados pelos

escolares nos serviços de saúde, como pode ser evidenciado nos depoimentos:

“A minha, levei ao pediatra e ela falou : - Isso aí pode ser um bolo de

verme! Então eu falei: - Você tem que resolver, eu não estou entendendo, se vai

operar para tirar este verme. Aí eu falei: - Se você diz que tem conhecimento em

outro hospital, porque não é dor de verme não, é outro tipo de dor. Nós só

ficamos sabendo depois que ela operou, não existiu a biopsia. Primeiro ela

operou, ficou bem da cirurgia para depois saber o que foi, que era um câncer.”

(Coração ansioso)

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“E ele se localizou atrás do rim, até para qualquer tipo de imagem, lá

fora não se visualiza...Mas lá fora, infelizmente, existem muitos médicos ainda

leigos. A (escolar)... passava mal de ficar gelada...e de febre...-Ah! Isso é febre

nutricional. Isso desde os três anos de idade ...Colocar pelo menos um médico

que tivesse um entendimento da parte oncológica, porque é difícil a gente

chegar, fechar um diagnóstico... Olha eu e minha irmã ficamos três dias

andando com uma criança no colo, com uma hematúria de sair coágulos!”

(Coração vigilante)

“A gente levou no pediatra! E a gente rodando, rodando! Dia e noite,

dia e noite rodando! Um pesadelo! (Coração

sofrido)

“Ele passou a dizer assim: - Não mexe comigo, eu estou muito

estressadinho! Quer dizer, ele já vinha sentindo o estresse da doença. E quando

eu descobri a doença dele, eu estava dando banho para ir para a escola, eu

descobri o caroço. Aí eu não levei na escola, levei no médico. Muito depois que

veio o resultado...

(Estrela solitária)

“Eu fui passar férias no Ceará...quando foi quatro horas da manhã o

meu filho começou a revirar os olhos com quarenta e dois graus de febre, levei

ao médico, ele ligou o ventilador e falou que era infecção de garganta. Voltei

para o Rio...aí fui deixando, nunca imaginei que meu filho tivesse essa doença

maldita...”

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(Estrela

vencedora)

“Ela dormiu um dia bem, com nove meses e acordou chorando. Internou

na clínica, quatro dias depois: -Ela tem câncer nos dois olhos. Dormir com a

filha bem e acordar com a filha já doente e ser câncer: -Olha ela tem que tirar o

olho se não vai morrer. Foi encaminhada!” (Estrela

inconformada)

Através desses relatos constata-se a dificuldade do acesso aos serviços públicos,

bem como a dificuldade de diagnóstico do câncer infantil. Mesmo diante de situações

drásticas como hemorragia, considerada uma urgência pediátrica, existe a dificuldade de

atendimento, exames e diagnóstico.

A angústia dos familiares em conseguir um serviço para atender esta criança é

concreta, apesar de a cidade do Rio de Janeiro ter uma das maiores redes de serviços de

saúde, em relação a outras cidades do Brasil. Este contraponto é evidenciado pelos

casos que chegam à instituição, na maioria das vezes, caminhos longos até o serviço de

saúde, vários enganos de diagnósticos e avaliações conflitantes, evidenciando quadros

de tumor avançado.

Um dos relatos menciona a necessidade de interferência de conhecidos da área

de saúde, que pode ser um fator essencial no desfecho do diagnóstico, remetendo ao

pensamento da fragilidade do acesso aos serviços e o questionamento sobre a sua

democratização.

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Esse quadro é constatado na instituição, onde os estadiamentos das doenças

oncológicas são avançados, além do desgaste emocional dos familiares frente a uma

indefinição ou um mau presságio de alguns profissionais de saúde sobre a doença do

filho.

Somando-se a isso, existe a dificuldade de encaminhamento para um hospital de

referência especializado, principalmente se a criança mora distante de um centro urbano

(SANTOS, 2002).

Constata-se que o adoecimento por câncer infantil não tem uma diferenciação de

outro tipo de doença da infância, chegando até mesmo a ser confundido. Pode acometer

qualquer criança em qualquer família, salvo nos tipos de câncer hereditário, e mesmo

estes ainda estão sendo identificados e pesquisados pela ciência (FERREIRA e

ROCHA, 2004).

A freqüência ao hospital está subdividida em dois momentos distintos e,

algumas vezes, opostos. O primeiro refere-se à chegada do escolar com os familiares à

instituição, com a forte probabilidade de diagnóstico de câncer e o segundo, quando os

escolares estão em controle da doença oncológica.

Dessa forma, os familiares relatam sentimentos de perplexidade e medo quando

chegam ao Hospital do Câncer, conforme os depoimentos:

“Mas quando eu cheguei ao hospital e mandaram para o Instituto

Nacional de Câncer, alguma coisa muito grave está acontecendo com a minha

sobrinha... eu passava aqui na porta e já tinha aquela visão do INCA”.

(Coração vigilante)

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“Então aconteceu isso, a gente veio na triagem do INCA, ficaram

doidinhos”. (Coração

sofrido)

“Quando a gente entra aqui a gente leva um choque, um baque”

(Estrela

agradecida)

“...no dia que eu cheguei aqui, eu parei na calçada para

atravessar a rua e falei: - Meu Deus me dá força...eu sei que vou

conseguir. De tão covarde que o meu marido foi, ele estava sentado ali

na praça, ele não conseguiu subir...”

(Estrela isolada)

“...na segunda-feira eu já estava aqui sendo atendida pelo médico, fez os

exames é câncer, aí eu falei: -Eu posso perguntar? Eu posso levar em outro

hospital para ver se é isso mesmo?” (Estrela

inconformada)

Os sentimentos de perplexidade e medo ao chegar à instituição estão

estreitamente relacionados à vivência da família quanto à suspeita e confirmação

diagnóstica do câncer.

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Pode-se supor que esses sentimentos são vividos por todas as famílias que

chegam à instituição, tendo em vista que o câncer e a morte estão juntos no imaginário

dos indivíduos e na sociedade.

O Hospital do Câncer carrega consigo um simbólico, tanto em seu nome, quanto

na imponência de seu prédio, de uma doença mortal ou/e deformante, que vai

destruindo o indivíduo, silenciosamente, até a morte.

Muitos desses aspectos são confirmados quando se observam os pacientes que

chegam à instituição. São pessoas que freqüentam o hospital para confirmação

diagnóstica, muitas vezes com a tumoração aparente e/ou com sinais físicos da presença

da doença. Outros casos são de pessoas em tratamento, com todos os efeitos colaterais,

como palidez intensa, alopécia, dispositivos artificiais e emagrecimento geral. E ainda,

existem os casos avançados de câncer, onde a caquexia, o avanço tumoral e a má

aparência são evidentes. Todas as crianças são atendidas nas dependências da

instituição, bem como no Ambulatório de Pediatria.

De acordo com Pitta (2003) o hospital é um “espaço mítico”, onde existem

problemas emocionais ocasionados pelos doentes, a doença e suas relações sociais, que

devem ser reconhecidos e administrados como elementos associados, que fazem parte

do ambiente hospitalar.

Além disso, Dousset (1999) descreve o ambiente hospitalar como um espaço

cheio de regras, proibições, horários, de ritmo próprio e, muitas vezes, dissociado das

regras sociais, onde o paciente e seu familiar necessitam se adaptar.

No caso do diagnóstico da doença oncológica, Garcia et al. apud Murad e Katz

(1996) associam o impacto da doença com uma espécie de “síndrome do câncer”, em

que a pessoa acometida e todos que a cercam se reportam a casos de parentes ou

conhecidos que, após o diagnóstico de câncer, sofreram muito, até a morte.

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Pode-se supor que existe, realmente, a associação de câncer ao fim da vida e

morte, como se observa na prática, e que a chegada ao hospital e a confirmação do

diagnóstico de câncer ocasiona uma verdadeira revolução na vida e nos sentimentos das

pessoas envolvidas, ressaltado também por Angelo (1997).

Por outro lado, somente um dos familiares não verbalizou perplexidade e medo

ao ser encaminhado, relatando a melhora da criança quando chegou na instituição.

“Então depois que ela veio para cá, para o INCA, o dia a dia com a

equipe, para a gente, dava uma idéia sempre de melhora.”

(Coração tranqüilo)

Pode-se supor que o familiar frente ao diagnóstico acreditou na melhora do

estado da filha com o tratamento a que a mesma estava sendo submetida no Hospital do

Câncer.

Considerando a família atuante como unidade de saúde, elemento importante no

cuidado do escolar e participante ativo no período de tratamento oncológico, a posição

desse familiar facilita o entrosamento da equipe com a família (ELSEN et al., 1994).

No que diz respeito ao segundo momento- o controle da doença oncológica,

constatou-se que os familiares destacam a satisfação e a alegria em freqüentar o

hospital, sentimentos opostos à chegada, tanto na visão do escolar em controle quanto

dos familiares, reforçado pelo resultado satisfatório do tratamento do escolar, o que foi

verbalizado nos depoimentos:

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“Para a gente passou a ser até uma festa, o dia em que se fala para

B.(escolar) que precisa ir ao hospital ela grita “eu vou ao Inca! Que bom!” ela

acha ótimo, a gente vem naturalmente... Hoje a gente vem ao hospital até com

satisfação, porque a gente teve um retorno tão satisfatório...Ela adora entrar na

salinha ficar desenhando...” (Coração

ansioso)

“É como se a gente tivesse chegando em uma cidade... E parece que

vocês aqui sabem o que é bom para as crianças, tem as festas, comemorações,

isto é importante para ela, tem a sala com os voluntários, isto agrada muito!

Então vir aqui no Inca é como se fosse um passeio, para ela e para a gente

também. É uma satisfação!... A gente passa e pensa que vai ter o mesmo

caminho que a nossa filha tem...”

(Coração tranqüilo)

“Eu acho aqui normal, normal como qualquer outro hospital. Porque eu

vou a outro hospital e vejo pessoas quebradas, esfaqueadas...O meu gosta de

vir, hoje mesmo eu falei da reunião, ele queria vir..”

(Estrela isolada)

“Eu acho normal, não acho nada de horrível.” (Estrela

agradecida)

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“Hoje em dia ela não tem referência nenhuma do hospital, ela pergunta:

-O onze está aberto? Ela vem brincar, ela vem passear.” (Estrela

inconformada)

“ ...ele pede para deixar ele dormir, quando chega aqui ele muda, vai

para a recreação” (Estrela

vencedora)

A criança que continua viva até o final do tratamento consegue concretizar o

desejo dos familiares, demonstra o sucesso do tratamento e o “bom” trabalho da equipe

envolvida, passando a ser um “troféu humano”, que passeia nas dependências da

instituição. A sua vinda ao hospital é comemorada, pois representa o sucesso da

medicina e dos profissionais sobre o câncer, uma doença mortal. Talvez represente uma

vitória compartilhada, que precisa ser divulgada.

Apesar dessa satisfação em comparecer ao hospital, Brun (1996) aponta que os

familiares se alegram diante da cura da criança , mas caem em lamúrias, com as

dificuldades, a curto prazo, como aprendizado, socialização, adaptação na residência, e

dificuldades a longo prazo relacionadas ao futuro da criança, como o aparecimento de

seqüelas tardias, a constituição de uma família, a entrada no mercado de trabalho, ou

seja, a qualidade de vida.

Aliado à satisfação em freqüentar a instituição e de relatarem um “clima de

festa”, os familiares verbalizam reações de medo, desconforto e insatisfação diante dos

resultados dos exames e do comparecimento ao hospital, conforme os relatos:

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“A gente fica nervosa, ... quando vem fazer os exames. Cada vez que eu

venho aqui para bater uma chapa de pulmão... ela fala “vou pedir outro

exame”, eu já pergunto - Está tudo bem?”

(Coração sofrido)

“E nós vimos e vemos toda esta família Inca, como uma grande família,

até porque as pessoas daqui, eu digo sempre, existe realmente amor, todos

trabalham com amor... quando eu falo que tem que vir ao hospital, ela fala, “eu

tenho que avisar as minhas tias que eu tenho que ir ao hospital”, quer dizer, ela

gosta de estudar, ela vem satisfeita aqui no Inca... Mas cada exame é aquilo!”

(Coração

vigilante)

“Ele não reclama de vir ao hospital. O meu filho se não precisar vir, se

eu puder vir sozinha e resolver, ele prefere ficar em casa.” (Estrela

agradecida)

“Ele diz: -Mãe quer que eu diga a verdade, eu não gosto daquele

hospital. Você viu o que eu passei naquele hospital ? Então agora eu quero

viver a minha vida aqui fora....”

(Estrela vencedora)

Analisando os depoimentos, constata-se a presença de sentimentos opostos que

se complementam, a alegria em voltar ao local onde ocorreu o tratamento com a vitória

nas mãos, e o medo do fracasso, de a criança voltar à condição anterior, de ser paciente

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de câncer. Esta última, mais impactante, é considerada um fracasso da luta e a perda de

tudo que foi conquistado, com desdobramentos para os que participaram desse processo.

Então, pensar em um exame com alguma alteração imprevisível é um elemento de

tortura dos familiares, que freqüentam o hospital para o controle da doença oncológica

no escolar.

Além disso, observa-se também a insatisfação de alguns escolares em freqüentar

o hospital, pois o seu contato com um ambiente fora do hospital passa a ser a prioridade

na vida dessas crianças.

No caso dos escolares que freqüentam o hospital de 6 em 6 meses ou

anualmente, o comparecimento à instituição tem influência e conotação revelados e

transmitidos pelos familiares. O escolar é um membro participante ativo da família e a

sua idade permite a avaliação do que está acontecendo no seu entorno, com a elaboração

de idéias complexas que levam à formação de conceitos relacionados à situação

vivenciada, como ressalta Vigotski (2000).

Para as crianças em idade escolar, as notícias giram em torno da escola, dos

amigos e atividades de lazer, dificilmente eles relatam sentimentos sobre o tratamento,

uma vez que durante esse período tiveram o convívio social limitado, sofreram

mudanças na rotina de vida e muitas vezes foram afastados da escola (VIEIRA e LIMA,

2002).

No período de controle da doença, a freqüência é cada vez menor ao ambiente

hospitalar e, em contrapartida, o retorno à vida em família, amigos, comunidade e

escola. Com isso, a vinda ao hospital traz notícias e novidades do mundo da criança.

Pode-se supor que a vinda ao hospital tem dois lados, o da satisfação em ser

acolhido tanto pelo ambiente físico como pelos profissionais, e um lado negativo e

estressante, o enfrentamento dos resultados dos exames. Conforme enfocam Vieira e

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Lima (opcit, p.11), “a doença altera o ritmo de vida da criança...uma vez que se vê

privado das atividades cotidianas”. O resultados dos exames, então, podem determinar a

continuação no controle oncológico ou a volta ao tratamento. A linha tênue entre saúde

e doença é constatada nessas vindas à instituição, de acordo com o que a família

construiu e constrói para esse momento.

Aliado a esses sentimentos, muitas vezes, os familiares, como forma de reação e

proteção da influência do ambiente, se alienam dos casos desagradáveis ou permanecem

em silêncio, sem ter contato com os outros familiares. As aproximações somente

ocorrem entre as crianças com o escolar em controle, movimento inverso entre os

familiares.

Acredito que esse comportamento pode ser justificado por Nitschke (1999, p.

50) quando descreve que o mundo imaginal: “É todo este mundo de significados, de

idéias, de fantasias, de evocação de figuras já percebidas ou não percebidas, de crenças,

de valores,... onde o ser humano está mergulhado.”

Aproximando essas noções de mundo imaginal com a realidade observada, os

familiares durante todo o tratamento do escolar recolhem dados observados, vividos e

sentidos, elaborando em seus corações conceitos conforme o seu entendimento, estilo de

vida, condição social e conceitos pré- existentes, que lhes estruturam um sentido próprio

dentro da família. Um mundo em movimento constante, com a elaboração de uma

imagem própria, que vai se refletir nos seus sentimentos e comportamentos ao

freqüentar a instituição.

Através dos relatos, constata-se que, apesar de as experiências serem iguais no

contexto, nos procedimentos e na rotina, elas são conflituosas, contraditórias e opostas.

Elas se desenvolvem dentro de um ciclo familiar, onde cada experiência tem uma

conotação diferente para cada membro, mas que se completam no entorno familiar. As

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inter-relações adquirem movimentos particulares, até mesmo o familiar que participou

de forma distanciada se envolve por esses significados e faz parte desse mundo

imaginal, que se encontra religado ao todo, como destacam Nitschke e Elsen (2000) e

Nitschke et al. (1992).

Conforme as autoras (opcit, p. 39), “a imagem é um concentrado do mundo”,

assim sendo, vê-se o ambiente hospitalar através de uma lente própria do observador

que é ligado à família, à comunidade e ao mundo, justificando assim as várias formas de

se enxergar esse mundo real.

Outro elemento importante ao freqüentar o hospital é o contato dos familiares da

criança em controle, com crianças em tratamento e/ou terminais. Esse convívio, mesmo

por um pequeno espaço de tempo, possibilita sentimentos de angústia e medo, sendo o

mundo imaginal construído em torno da condição de controle da doença oncológica do

escolar ameaçado durante a verificação dos exames no consultório médico, com a

possível detecção de recidiva da doença.

Quanto ao tratamento oncológico, esse aspecto foi destacado por todos os

familiares de forma detalhada, em alguns casos com a descrição de horários, os efeitos

colaterais e os tipos de tratamentos prescritos para os escolares:

“Só se percebia que ela tinha aquelas coisas, aquelas borrachinhas, os

soros, era só o que fazia com que a gente percebesse que ela estava fazendo um

tratamento.” (Coração

tranqüilo)

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“... a minha filha fez quatro ciclos de quimioterapia...marcou a

colocação do cateter, no dia onze ela começou a quimioterapia... quando

chegava em casa a gente fazia assim, gente, não caía um fio!... Eu já

ficava preparada toda vez que ela fazia a quimioterapia... A

quimioterapia dela era de oito da manhã até cinco da tarde...As mães

falavam assim : se a criança vomitar é porque tem câncer aí, se a

criança sentir dor de cabeça na hora que estiver fazendo a

quimioterapia, é porque tem câncer aí...”

(Coração ansioso)

“... ela foi direto para a cirurgia, já foi retirando o tumor..., daí

veio a biopsia, é câncer?... E foi seguindo todo o controle quimioterápico

e radioterápico.... A (escolar) vai cair o cabelo, mas se lavar todo dia, é

que nem capim, cresce de novo! ... Se A (escolar) estava fazendo

quimioterapia, com o fator imunológico baixo, usando máscara...”

(Coração vigilante)

“...você tem que perceber que teu filho está doente e que você tem que

fazer quinhentas coisas novas, tudo! Quando eu comecei a chorar foi na

primeira quimioterapia, chorava ela e chorava eu...na primeira e na segunda foi

assim...fez dez aplicações.” (Estrela

inconformada)

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“...ele fez cinqüenta e pouca coisa de radioterapia, tudo sem anestesia,

só a primeira vez, depois foi direto. Ia fazer a quimioterapia, o tratamento, se

caso não diminuísse o tumor, ia passar por outra cirurgia.”

(Estrela vencedora)

“...eu passei aqui quarenta e oito dias na enfermaria e dezesseis dias na

UTI. Tinha dias de eu estar no décimo andar e descer a escada correndo e ir na

medica e falar:- Meu filho está grave!...veio o tratamento, ele ficou trinta dias

fazendo hemodiálise...” (Estrela

lutadora)

“Ele fez a quimioterapia, fez quatro blocos. Eu vejo tanta criança

sofrendo com tantas quimioterapia, com tantos blocos. Ele fez só quatro e doze

radioterapias. O D..(escolar) fez a quimioterapia...O meu passou a ter horror da

sala de quimioterapia...então todos os dias que ele vinha tinha que ser furado,

era um horror.”

(Estrela isolada)

“Eu saía com os braços todos mordidos na quimioterapia, toda

machucada. Internado era pior. O meu ficou aqui, eu acho que dois anos e onze

meses, quase três anos. Ele só ficou quatro meses com o cateter, foi todo furado.

O meu filho já esteve na UTI, já esteve desenganado pelo médico...”

(Estrela agradecida)

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Constata-se que o tratamento foi vivenciado por todos os membros do grupo

estudado, dando idéia de como esses momentos ficaram registrados no coração de cada

um e dentro da vida familiar. Os tratamentos relatados pelos familiares foram a

quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia.

O vocabulário entremeado de termos técnicos está presente nos depoimentos;

aliando nomes de procedimentos tecnológicos com a vivência dos familiares, a cultura,

o mundo social e a herança familiar, eles adquiriram uma forma de conhecimento

próprio para entender o tratamento oncológico e transmitir este conhecimento dentro e

fora do ciclo familiar.

A vivência do adoecimento foi e continua sendo elemento marcante na vida

destas pessoas, pois o sofrimento foi relatado e demonstrado através de vozes

embargadas e lágrimas, durante a entrevista. É o coração da família que sentiu e que

relembra os difíceis momentos durante o tratamento.

Apesar da quantidade de sentimentos que assolam o coração de cada um,

deixando todos sem fôlego e força, a família necessita ajudar a criança a transpor as

situações de sofrimento causadas pela doença, pela dor física e emocional e o

afastamento do ciclo de vida.

Concomitante ao aparecimento do câncer que quebra a rotina familiar, ele

ocasiona uma avalanche de perdas, em que todos os corações são arrastados.

Conforme descrevem Angelo (1997), Melo e Valle (1999), Oliveira (2002) e

Murad e Katz (1996), a confirmação diagnóstica e o adoecimento por câncer pode

causar um efeito devastador na família.

Além disso, Valle (1997) ressalta que após o impacto do diagnóstico de câncer

no filho, se inicia a dura carga de conviver com a realidade da doença, na qual

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sentimentos de insegurança, solidão, medo e desespero são constantes na vida familiar,

e a sombra da morte aparece a cada momento durante o tratamento.

Françoso (1996) ressalta que normalmente ocorre um processo de idealização

que envolve a infância, fase de vida que é fonte de expectativas positivas e prazerosas,

planejamento de futuros próximos e distantes, uma espécie de “corporificação da vida”.

Com a confirmação diagnóstica, essa idealização é minada de dúvidas, quanto ao futuro

da criança com câncer e a revelação da possibilidade da morte, denotando uma perda, às

vezes, irreparável de sonhos e possibilidades. Uma espécie de paralisia diante da

realidade.

O tratamento obriga a uma nova rotina de vida, em que a criança e a família

devem seguir logo após o ciclo de quimioterapia ou radioterapia. Os quadros febris

como sinal de infecção e risco de vida, hematomas, sangramentos, plaquetopenia ou

pancitopenia, controle constante de possível reposição sangüínea, manuseio do cateter

de longa permanência, internações de emergência e outras particularidades (MURAD e

KATZ,1996; PIZZO e POPLACK 2001; e KOWALSKI et al., 1996).

Cada momento exige atenção, entendimento, disposição, destreza e força por

parte do familiar, para enfrentar o dia-a-dia de um tratamento de câncer.

Além disso, são observadas as modificações da aparência da criança, com as

cicatrizes deixadas pela biopsia; os dispositivos artificiais para facilitar o tratamento; a

melhora ou piora do estado geral; a palidez cutânea; a perda de peso e, muitas vezes, o

atraso no desenvolvimento infantil.

Segundo Alby apud Valle(1997), a quimioterapia como uma segunda doença

ocasionada pela equipe de saúde, a qual apesar de ser uma modalidade de tecnologia

avançada do tratamento oncológico, a criança que faz esse tratamento passa a sentir

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vários desconfortos em seu estado geral, deixando os familiares na dúvida quanto aos

resultados do tratamento.

Para o familiar que acompanha a criança no seu dia a dia, conseguir seguir o

tratamento, ele e a criança vão necessitar de apoio dos membros familiares, amigos,

vizinhos e até mesmo de desconhecidos. Muitas vezes, essa rede de apoio é invisível ao

olhar dos profissionais, mas presente no cotidiano dessas pessoas, mesmo à distância.

Sobre esta relação do apoio familiar, Elsen et al., 1994, destacam que nas

famílias saudáveis os membros se apóiam, principalmente nos momentos difíceis e se

adaptam às mudanças que ocorrem, permitindo, assim, aos membros dessa família

manterem aderência aos tratamentos e estimulando a recuperação da saúde.

Ainda, a autora (op.cit.) ressalta que, sendo a família uma unidade de saúde, os

seus membros acabam desenvolvendo todo um processo de cuidar, no qual se evidencia

um movimento de observação das condições de saúde, a identificação de problemas,

definição da situação, tomada de decisão e solicitação de ajuda. Vale destacar que esse

processo é muito identificado na instituição, cenário do estudo, durante o tratamento do

escolar com câncer.

Outro aspecto abordado é a cura da doença, relatada por todos os familiares:

“... eu queria falar isso para muita gente, para que as pessoas

acreditassem que existe a cura... E quando ele viu a B (escolar) , no decorrer do

tratamento melhorar, ele já não acreditava que ela tinha tido isso! Na cabeça

dele, não foi câncer que ela teve... A médica falou – Olha eu não vou mais fazer

com ela quimioterapia, sua filha está curada, ela não tem nada!...”

(Coração ansioso)

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“Está curada, está! Mas qualquer coisa que aquela criança sente!... Está

curada, eu tenho certeza. Eu acredito... Porque todos nós buscamos a cura...

Mas lá dentro de nós, fica aquele sinalzinho de alerta. Aquela reticência...”

(Coração

vigilante)

“Mas agora estão felizes! Está tudo bem... A cura da A (escolar)”

(Coração

sofrido)

“... para eles a criança está curada. Para os tios, os avós, os vizinhos, os

amigos, para eles está curada. Para nós tem alguma diferença, nós temos

aqueles pensamentos ainda!... sempre temos que ter o pensamento voltado para

o tratamento... Até o dia em que disserem para você, a criança está totalmente

curada...” (Coração

tranqüilo)

“...tem muita gente que vê que o filho está curado, mas que tem uma

deficiência...” (Estrela

inconformada)

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“Porque o meu filho está curado, eu tenho certeza, mas ficou aquilo lá

trás, que eu queria resgatar...Não, ele não é mais doente, ele foi, mas ele é

curado Esta doença para mim nele é morta, é morta.”

(Estrela isolada)

“Mas aqui todo mundo é curado, você já percebeu?” (Estrela

agradecida)

“Todos os casos daqui desta sala são de crianças curadas...Mas venci,

hoje em dia meu filho está curado...” (Estrela

vencedora)

“...eu gosto de passar para as pessoas que eu estou bem, meu filho está

feliz, está bem!” (Estrela

lutadora)

A cura aparece em todos os relatos dos familiares. Embora esta assuma diversas

conotações, observa-se de modo geral que, apesar de ser dito que a criança está curada,

a dúvida persiste. Estar curado, nesse caso, é muito mais um desejo do que uma certeza.

Isso provavelmente decorre do fato que o câncer, normalmente, remete a uma doença

incurável.

Esta necessidade que um dos familiares tem em divulgar sucesso no tratamento

do câncer está intimamente ligada à incredulidade das pessoas quanto à cura do câncer.

Apesar de os relatos destacarem a cura, observa-se o viés da dúvida, como um

reflexo do pensamento comum da população. Deve-se levar em consideração que esta

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família faz parte de um todo, cercado pela comunidade, que faz parte de um grupo, que

tem uma cultura própria e que não está dissociada do mundo, mas é parte integrante e

ativa do mesmo, sendo difícil ter um sentimento e opinião tão dissociada do todo. Essa

diversidade e complexidade de pensamentos e sentidos, nos quais a família está imersa,

é apontada por Nitschke (1999) quando descreve em seu estudo “As Tribos da Lagoa”,

as influências/ relações/ trocas que essas famílias compartilham.

Segundo D’Angio et al. (1995, p. 245), “as crianças curadas de câncer infantil,

são as que não tiverem nenhuma evidência de doença por 5 anos e estejam fora de

tratamento por 2 anos”, e esses critérios, na maioria das vezes, não são compreendidos

pelos familiares.

Geralmente, crianças curadas do câncer são portadoras de deficiências físicas,

interna e externa; comprometimentos cardíacos, auditivos ou visuais; com cicatrizes

deformantes; distúrbios de aprendizado; alterações emocionais; subfertilidade em ambos

os sexos a longo prazo; distúrbios endócrinos; desajustes sociais, entre outros.

É importante ressaltar que a última complicação, o desajuste social, está

relacionada ao estigma social, que poderá interferir na aceitação em planos de saúde, em

determinadas instituições ou atividades de determinados empregos, “o preconceito em

relação ao paciente que teve câncer, no nosso meio, é visível” (D’ANGIO et al., 1995,

p. 254).

Esse emblema de curado muitas vezes inverte o seu significado, reforçando o

estigma de ser paciente sobrevivente de câncer, com necessidades especiais de saúde e

portadores de doença crônica (CAMARGO e LOPES, 2000).

Em outra abordagem, sentimentos de insegurança quanto ao estado de estar

curado é descrito por Lacaz (2003) quando relata que a cura é algo difícil de se

conseguir e que os familiares sempre a buscam e a desejam.

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Apesar de a autora (op.cit.) ter restringido o seu estudo ao período de tratamento,

descrevendo os sentimentos de insegurança, alegria e esperança que acompanham os

familiares, observa-se a presença dos mesmos sentimentos de maneira mais sutil e

discreta também durante o controle oncológico.

Avançando mais nessa questão, pode-se abordar a cura sob a ótica de Boff

(2000) que a descreve de forma integral, na qual existe dentro de um processo global,

envolvendo o ser humano total e não apenas a parte enferma.

A partir dessa ótica, tão diferenciada da visão da medicina ocidental, a qual

divide o ser humano por órgãos ou sistemas, pode-se considerar um significado

diferente de cura. Essa visão pode ser a dos familiares que convivem com a criança na

sua totalidade, e não de maneira desarticulada.

Outro aspecto destacado pelos familiares foi o entendimento de controle da

doença oncológica:

“O entendimento de criança de controle para mim, é criança curada...

Realmente, a gente vem cumprir uma tarefa que tem que fazer, mesmo que seja

a vida inteira, tendo que vir uma vez por ano. Com certeza a gente vai vir, como

o coração tranqüilo estava falando, naturalmente. Não existe mais aquele

trauma, aquele bicho papão. Meu Deus, isto acabou!... você vai ter que

continuar vindo mês a mês. E nós viemos aqui assiduamente! ”

(Coração ansioso)

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“Ela (escolar) entrou no controle e permaneceu um período com o

cateter, como sinal de alerta... controle não quer dizer que você está totalmente

curada!... toca a vida dela agora normal... A A (escolar)... lá no fundinho tem

medo de levar um tombo e reiniciar o tratamento... Daí vem o diagnóstico, é

recidiva tumoral, já não é mais em um só lugar... Minha filha, seja muito forte, o

controle é isto! É começar e recomeçar... você passa á viver em neurose, você

fica até um pouco neurótica”

(Coração vigilante)

“... ela precisa seguir os passos, seguir, então se os passos fossem para

controlar seria continuar com o tratamento, então era assim... Então sabemos

que temos o dever de manter o controle... E este é o controle que nós devemos

seguir sempre, botar na cabeça! Até o dia em que disserem à você: a criança

está realmente curada, não há necessidade de controle. (Coração

tranqüilo)

“Eu entendo assim que ele fez o tratamento e agora está sendo

controlado, está sendo visto, fazendo os exames de rotina para ver se realmente

aquela doença não vai mais voltar.”

(Estrela lutadora)

“E o entendimento de controle é isso que eu falei, que meu filho teve uma

doença brava mesmo, e graças á Deus agora não existe mais, e ele precisa de

acompanhamento de 6 em 6 meses, fazer os exames, saber se a doença voltou.”

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(Estrela

agradecida)

“Agora não, tem que vir mesmo porque está fazendo o controle, para

saber como é que ele está. O controle é isso...Eu não, eu venho e faço tudo que

eles pedem de exames. ” (Estrela

vencedora)

“Ter que fazer exames na M (escolar) para mim era um suplício, eu

vinha com o coração na mão. Até que um dia arranjei um médico fora do

hospital, aí eu não vim mais no controle, tomografia tem que fazer de 6 em 6

meses, nunca mais eu fiz...Muita gente não entende, como a senhora que

controle é isso...voltar para casa, voltar á trabalhar, educar o monstrinho que

você fabricou no hospital, isto é o controle, é você saber que é o seu filho, que

mãe você vai ser...”

(Estrela inconformada)

Como foi mencionado sobre cura, o controle da doença oncológica tem várias

interpretações, com base no olhar de cada pessoa que integra o grupo familiar. Cabe

ressaltar que apenas um dos familiares não se manifestou sobre o assunto e outro

familiar não tem nenhum entendimento de controle de doença:

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“Eu não sei, eu acho assim que era doente e agora está lá. Eu não

entendo direito o que é isso...Eu não entendo o que é controle. O que é controle?

Eu não entendo...Eu não entendo por isso, porque o D (escolar) não faz exame

nenhum. Então eu não entendo o porque do controle, o controle da doença.”

(Estrela isolada)

Supõe-se que a evolução do diagnóstico e as várias formas de enfrentar as

adversidades ao longo do tratamento determinam o foco em que cada familiar vai se

deter para enfrentar o controle da doença oncológica.

Inicialmente, um dos familiares associa controle a tratamento, que logo após vai

se modificando e sendo encarado como a fase de término do mesmo. Alguns encaram

essa etapa como uma fase de necessidade de vigilância e de cumprir a rotina de ir ao

hospital, apesar da ausência da doença.

Constata-se, tanto no concreto quanto no imaginário, a fragilidade desse estado e

o medo da possibilidade de recidiva tumoral; os sinais e sintomas da síndrome de

Damocles9 e o medo do resultado dos exames, apontados por Clark e McGee (1997).

O acompanhamento de crianças em controle oncológico, folow up, consultas de

revisão ou de sobreviventes à longo prazo são condutas bastante recentes em nosso país,

como aponta Meadows apud D’Angio et al. (1995).O autor, ainda, descreve que essa

clínica tem o objetivo de detecção dos efeitos tardios da doença e terapia e preservar a

saúde da criança, em vez de enfocar a recidiva da doença.

Quanto a esta última afirmação, o temor e a obrigatoriedade em comparecer à

consulta de controle, pode estar intimamente ligada á idéia de recidiva, já que alguns

9 Efeito psicossocial em ex-pacientes de câncer e seus familiares. Medo eterno da recidiva da doença.

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casos foram detectados nesse tipo de consulta, ficando quase impossível não se associar

a consulta à recidiva da doença.

Murad e Katz (1996) ao abordarem sobreviventes de câncer, descrevem o

complexo processo de reestruturação física, psicológica ou social proveniente de

preocupações e desafios que as pessoas enfrentam, e neste caso do estudo, o escolar e

seus familiares, são quem merece atenção dos especialistas.

Leigh apud Clark e McGee (1997), na definição de sobreviventes de câncer,

incluem todas as pessoas afetadas direta e indiretamente pela doença, como os membros

da família, pessoas significativas para a criança, amigos, colegas de escola, profissionais

de saúde e todas as pessoas de convívio social. Sob essa ótica, constata-se que todos os

familiares, sujeitos do estudo, são sobreviventes de câncer e que todos encontram-se em

controle como o escolar.

Vale destacar que os profissionais de enfermagem incluídos nesta situação

extrapolam o cuidar técnico, e eles passam a fazer parte da vida do paciente e, talvez,

conforme enfoca Boff (2000), da trajetória de vida daquela família.

Os familiares também relatam a maneira de fazer o controle da doença em casa,

como a palpação do local, onde se localizou a doença; sinais e sintomas relacionados ao

aparecimento da tumoração, além de poupar a criança de situações estressantes

desnecessárias e até atenuando as cicatrizes, substituindo para algo como uma marca

especial na criança:

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“... lá no fundinho tem medo de levar um tombo e reiniciar o

tratamento... Ela tem bicicleta, sabe que vai pedalar, vai correr e pode cair...

A... não aceita este tipo de brincadeira... Ela vem assustada, coitada!... Eu

abraço ela, mas apalpando, tá me entendendo? Porque eu sei que é uma massa,

então eu procuro... Eu a beijo, vejo se está com temperatura... Gente vigia esta

menina, olha ela está quentinha! Sinal de alerta, febre é sinal de alerta!... lá

dentro não está funcionando... vigia vinte e quatro horas, porque o câncer é

assim, é sinal de alerta!”

(Coração vigilante)

“É, ela está sempre de olho, um tombinho, lá vai ela! Até no banheiro...

Ela briga comigo para eu olhar, até se a A... vai ao banheiro, ela vai...”

(Coração

sofrido)

“... Mas é uma coisa que faz a gente aprender a conviver, de uma outra

forma com a doença... Sabe ela diz (tia): Tadinha, ela sofreu tanto!... Então todo

mundo passa a mão na cabeça dela (escolar), a gente trata tão normal que... Aí

eu falei: -Isso aqui é uma marca que o papai do céu te deu!”

(Coração ansioso)

“o irmão comprou caneleira e falou: - Olha você não pode se machucar,

senão a médica vai brigar contigo, vai zangar com a mamãe, você vai ficar todo

roxo. Uns dias desses apareceu de novo (machucado), a minha irmã falou: -

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Apareceu de novo pode ser a doença! Eu falei:- Não tem nada, ele está

resfriado...” (Estrela

isolada)

“As professoras perceberam que ele perdeu a visão, chegaram para mim

e falaram, eu expliquei a situação. O médico não sabia que o B.S...(escolar)

tinha perdido a visão, ele veio saber porque eu falei, porque eu descobri em

casa.” (Estrela

agradecida)

“Nós estamos tentando conversar com o D.M. (escolar) para ele poder

ficar mais alerta, mais esperto. Ás vezes está conversando deve fazer a leitura

labial. Eu por fora conversei com um otorrino... que pudesse ver o tipo de perda

do D.M. (escolar), da audição.”

(Estrela lutadora)

“Mas quando começa a febre, ele fala: - Mãe pára com isso, eu não

estou doente não, você está ficando doida!” (Estrela

vencedora)

Constatam-se as diferentes formas de preservar a saúde do escolar e ter o

controle próprio, ou seja, feito pelos familiares.

Pode-se supor que esse tipo de controle é paralelo ao do hospital, e desconhecido

pelos profissionais de saúde da instituição. Acredito que seja uma forma de confirmar a

cura da doença todos os dias, e formas de investigação e preservação diferentes, dentro

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de cada experiência; um controle silencioso, que muitas vezes não é identificado pelo

próprio escolar. Os familiares procuram sinais e sintomas relacionados ao início dos

sintomas da doença, como forma de detectar alguma anormalidade. Constata-se que não

só os familiares fazem este controle, mas também os vizinhos, e até mesmo a escola.

Essa estratégia aparece silenciosa até mesmo na literatura, apenas apontada

como enfrentamentos psicológicos, como medo da recidiva tumoral ou a transição do

status de paciente para indivíduo saudável. Murad e Katz (1996); Clark e McGee (1997)

justificaram de forma superficial este evento marcante no controle da doença oncológica

infantil.

Alguns familiares relataram a mudança de vida depois da convivência da família

com o escolar com doença oncológica:

“ Eu era uma pessoa como se diz, materialista. Eu só queria saber de

comprar roupa, sapato, calçado, boneca...o Inca é uma lição de vida... muitas

pessoas lá fora são hipócritas, acham que elas são tudo, e no fundo aqui é uma

lição de vida. Você percebe que não é nada! Você é passível à tudo como todo

mundo, de manhã cedo você é um, de tarde você é outro.” (Coração

ansioso)

“...a maioria que passou por isso fica incapaz de sorrir, eles não sabem a

importância que um sorriso tem. Eu digo mesmo a nossa vida nunca mais é a

mesma...eu queria um dia poder fazer uma coisa do tipo coração aberto.

Quando precisarem de mim, me chamem porque eu gosto de falar muito.”

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(Coração

vigilante)

“...eu tinha vontade de vir para trabalhar como voluntária.”

(Estrela

isolada)

“...eu tenho vontade de tratar com as pessoas que estão chegando aqui.

Hoje mesmo eu estive conversando com uma mãe que chegou...Eu mudei, eu

fiquei mais amorosa, mais amiga das pessoas, pelo menos a minha passagem

por aqui serviu para isso.”

(Estrela lutadora)

Constata-se a mudança de vida dos familiares em relação à essência da vida, dos

valores, entre outras, e não às mudanças materiais ou rotinas e adaptações frente à

doença. O olhar que via o mundo anteriormente mudou, adquiriu novas experiências,

pode-se dizer até diferentes conhecimentos, e começa a ver além do que as pessoas

percebem, é a mudança interior, que muitas vezes acontece como resultado de muito

sofrimento vivido ou presenciado.

Segundo Boff (2001, p.105) a tragédia leva ao aumento da capacidade de sentir

compaixão, ela ensina a compaixão, e torna todas as pessoas sensíveis a ponto de serem

tocadas e envolvidas com a infelicidade do outro, em todos os tempos e sob todas as

formas.

Os planos para o futuro têm um “que” de vitória e muitas vezes o próximo

incluído, mesmo que não se concretizem, pois o que importa é poder planejar com todos

bem unidos, apesar das dificuldades passadas e presentes (op.cit., 2001).

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Mesmo que a família tenha sofrido modificações, alguns familiares se

distanciaram, outros deixaram de ser família, mas o pensamento estará sempre voltado

para a (re)novação.

• Interações da Família: Diferentes Faces do (Con)viver com o

Escolar

Este tópico aborda o apoio que a família recebeu de seus familiares e também

das pessoas externas ao núcleo familiar, bem como a importância da presença da família

para enfrentar dificuldades durante a caminhada do diagnóstico até o controle da doença

oncológica.

Umas das principais formas de apoio é o acolhimento, dedicação, orientação,

preocupação e até mesmo a paciência que o familiar acompanhante tem com o escolar,

tanto no período do tratamento como no controle da doença.

“Ela reagiu assim, reagiu lá no cantinho dela, ela estava

desanimada...É difícil para a cabeça de uma criança encarar tudo

isso...porque eu não queria que ela sofresse. Mas eu tinha que explicar

alguma coisa para aquela criança, ela estava tão desesperada quanto

eu...eu procuro não esconder, porque ela tem condição de entender.”

(Coração

vigilante)

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“Aí eu expliquei: -Sabe o que aconteceu com você? Você teve

uma doença muito grave, que ia morrer. O médico foi abriu a tua

barriga e tirou o que estava podre , de uma vez, o que estava ruim. Por

isso que você tem esta cicatriz...”

(Coração ansioso)

“Eu tapei os ouvidos dele e entrei correndo para ele não ouvir a

gritaria (tia do escolar). Deitei na cama e cobri eu e ele para não

escutar, não preciso disso, preciso de apoio... O meu filho me batia, me

avançava...mãe não é carrasco, a mãe vai dar a injeção no filho para ele

ficar bom. Mas eu iria me abalar, eu me preocupando, ele se preocupa.”

(Estrela

isolada)

“Falei com ele da doença porque ele vem me perguntando sobre

o câncer e o Instituto Nacional de Câncer, então eu falei com ele, tive

que explicar a doença que ele teve, como foi, o nome do tumor, o tipo do

tumor, apesar dele ser pequeno ele me cobriu de perguntas, foi

conversado com ele.”

(Estrela lutadora)

“Ele quase arrancou o pedaço da mão da enfermeira. Mordeu a

enfermeira da noite e ela falou: - Eu não vou botar a mão neste garoto

porque ele morde e vai me beliscar... eu estourei,... internado era pior.

Ele xingava na quimioterapia. O meu queria morder, eu falava: -Morde

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a mim.” (Estrela

agradecida)

“... ou eu paro de chorar e converso com esta criança ou então

ela não vai conseguir...Fui lá e conversei com ela, expliquei que tinha

que fazer o remédio, que não tinha jeito, que era assim. Claro que é uma

criança que não enxerga, está num lugar estranho que ela não conhece

ninguém...ela está em um lugar que faz barulho, ela tem medo.”

(Estrela inconformada)

Os familiares que acompanham o escolar durante o tratamento e o controle

passam a ter um papel importante de apoio à criança nessa nova realidade a ser

enfrentada, tendo em vista que as reações dos escolares são agressivas frente às

dificuldades do tratamento.

Outro aspecto importante é os movimentos de acordos na família com uma

pessoa ou duas, que ficam responsáveis em acompanhar a criança ao hospital e são

eleitas pelo próprio grupo familiar, como Lacaz (2003) identificou em seu estudo. Essas

pessoas cumprem uma rotina de vida dedicada ao tratamento do escolar, privando-se

muitas vezes de vida própria. Tudo gira em torno da criança e da rotina hospitalar.

Os indivíduos do gênero feminino estão mais presentes durante o período de

tratamento, por razões descritas por Beck (2002), que analisa o papel da mulher como a

cuidadora responsável pela saúde da criança, é o membro da família a que assume como

dever permanecer com a criança no hospital. No entanto, observa-se em certos núcleos

familiares a presença da figura masculina durante o tratamento. Na maioria das vezes,

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essa presença está associada ao desemprego desse familiar, à disponibilidade do horário

de trabalho, gestação avançada da mulher ou uma outra criança doente em casa.

Uma das funções mais importantes do familiar é servir como meio de

comunicação para o escolar, nas horas difíceis de angústia, agressividade e o medo.

Dessa forma, é essencial ter um colo, uma palavra de atenção e tranqüilidade ,

facilitando a passagem de informações necessárias do procedimento em questão e a

cooperação da criança.

É comum ao familiar se sentir impotente diante das reações da criança, que sofre

durante o tratamento como punção venosa, exames invasivos e procedimentos, que

causem dor, como ressalta Valle (1997).

Outra importância do familiar que acompanha o escolar é a sua facilidade de

comunicação e entendimento da criança, pois os dois sendo do mesmo grupo familiar,

os códigos, signos e sinais são bem mais compreendidos.

Vigotski (2000) aponta que a criança inicia cedo a utilização das palavras e tenta

estabelecer uma compreensão mútua com os adultos, ainda que esta forma de

pensamento não esteja tão evoluída.

Para o familiar que acompanha o escolar no hospital, estar ao lado nos

momentos difíceis é uma forma de estender a mão e oferecer apoio, mesmo com a

distância física. Isso pode ser evidenciado nos relatos a seguir:

“Essa minha irmã não me largava hora nenhuma, em momento

algum... Então ela tinha que suprir todas as necessidades da minha outra

filha, a falta do pai, da mãe e da irmã... essa minha irmã não existe,

gente, ela ficava, ela chorava, chorava... quando nós chegávamos em

casa, ela abria um sorriso para você.... É a minha irmã que toma conta

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delas desde que elas nasceram, porque eu trabalho.”

(Coração ansioso)

“Nós da nossa família não vemos como deixar a A (escolar),

tivemos que deixar a nossa vida, todos tiveram que deixar a sua vida

pessoal de lado, não teve esse negócio de egoísmo, e todo mundo foi á

luta... Às vezes, ela estava passando mal, tinha que vir de carro, o outro

vizinho se oferecia para ser o motorista, meus irmãos, meus cunhados

chegavam juntos com os horários deles... Reúne a família, A participava

das reuniões e a gente explicava... Eu sou uma tia muito presente.”

(Coração vigilante)

“Todo mundo queria ajudar!... Quando ela(escolar) foi para

casa, a gente fez uma festinha para ela... Uma festa de boas vindas para

ela. Uma coisa linda, muito linda... Esta aqui é a mãe da minha filha... A

A (escolar)... então agora é tratada pelos irmãos com um carinho

maior... minhas irmãs, acho que ninguém fez igual... Se eu precisasse

delas todos os dias, com a minha filha, elas vinham... Eu moro num

quintalzinho com a minha mãe, com as minhas irmãs... Nossa, se não

fossem elas, as minhas irmãs, minha mãe, minha família, eu não sei o

que seria de mim.”

(Coração sofrido)

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“...porque ela tem um irmão que é um ano mais velho que ela,

que sempre ajudou muito esta criança. Era irmão dela, quer dizer, ele

não percebeu que a irmã estava cega,...continuou a brincar...”

(Estrela

inconformada)

“A nossa família, a minha família, a minha mãe, o meu irmão, o

meu sogro, a nossa família ligava para saber como ele estava, ligava

para saber se podia vir ao hospital e quando podia ir. Minha tia é

católica então fez promessa. Mas na época o meu marido me

acompanhou para todo tipo de tratamento...”

(Estrela lutadora)

“Quando eu descobri que ele estava com câncer a minha irmã

chorava, chorava...A minha irmã que mora em Casimiro de Abreu foi lá

em casa, hoje eu moro com ela...” (Estrela

isolada)

Os familiares relataram sua experiência sobre o apoio da família, e apenas um

dos participantes não verbalizou seu depoimento. Acredito que sua presença representa

o apoio, uma vez que ele é o pai de uma das crianças e veio junto com a esposa

participar da entrevista. Considero a sua presença e participação como apoio familiar.

Constata-se a rede de apoio que se constrói dentro da família para superar

dificuldades como o diagnóstico de câncer e o tratamento do escolar. Os cuidados se

estendem para outros membros da família que ficaram em casa, principalmente crianças

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e idosos, como uma forma de apoio à distância para continuar o tratamento, a vinda ao

hospital, as dificuldades, principalmente, relacionadas às questões econômicas e à

distância da residência, e tantas outras situações que a equipe de saúde desconhece e,

muitas vezes, não avalia (MARTIN e ANGELO, 1999).

Vinculando os relatos de apoio da família com a definição de família descrita

por Elsen et al. (1994), a família é um mundo complexo, com um processo de viver

único, porém compartilhado com outras famílias e outros grupos sociais. Diante de uma

necessidade individual de seus membros, a família volta-se internamente para atender

suas necessidades, como ressalta O’Brien (2001) sobre a manutenção do funcionamento

da estrutura familiar.

Por outro lado, existem famílias que se sentiram sem apoio de familiares e foram

buscar apoio com outras pessoas.

“Lá fora eu não tenho família...O pai chegava aqui às cinco, cinco e

trinta da tarde, quando vinha fazer visita. O tempo todinho era eu e Deus”

(Estrela

agradecida)

“Depois que ele começou com a doença, pronto , nem o pai dele. Teve o

filho e não quis assumir, eu aqui sozinha, ninguém vinha me render de dia ou de

noite...Só quem vinha me visitar era a madrinha dele com quem eu morava.”

(Estrela

vencedora)

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“...a falta de amor da minha família, uma falta de amor muito grande.

Eu não tive apoio da minha mãe, do meu irmão. A minha irmã , eu passava na

porta da casa dela...eu passei quando vim do hospital a primeira vez, ela nem

foi lá em casa me ver”

(Estrela isolada)

“A minha sogra se jogava no chão, a minha irmã passava mal, minha

mãe chorava, o meu marido queria se suicidar. Meu marido não me

abandonou... Ele não foi embora, mas ficou do meu lado bebendo.”

(Estrela inconformada)

Constato os familiares sozinhos e com sentimento de abandono frente à situação

de adoecimento do escolar. Cabe destacar que, apesar de três familiares terem alguém

por perto, não se sentiram apoiados, seguros com a presença dessa pessoa. Acredito que,

nesse caso, não se pode considerar somente uma presença, mas o significado dessa

pessoa para a família, e principalmente para o escolar e quem o acompanha.

Além disso, algumas famílias não têm pessoa alguma para participar dessa

caminhada, e acabam buscando apoio nos funcionários do Serviço do HC-I, com

voluntários da sala de recreação ou da Casa Ronald. Algumas mães que acompanham

seus filhos se apóiam mutuamente formando uma outra família, e mantêm esse contato

fora das dependências da instituição.

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Uma das situações preocupantes das relações entre familiares dentro da

instituição é quando ocorre o agravamento de uma das crianças ou quando a mesma

vem a morrer, ocasionando um sentimento de medo e perda de todos os envolvidos,

ameaça ao estado de saúde do filho e o medo de que ele pode ser o próximo. Tais

relações são muito freqüentes durante o tratamento, mas observa-se também nos casos

do escolar em controle oncológico.

Ainda, Elsen et al. (1994) ressaltam que a saúde da família e de seus membros

está relacionada não só a recursos internos, mas também de outras famílias, amigos,

comunidade e serviços de saúde e seus profissionais. Uma rede de apoio que ultrapassa

os limites da vida familiar e busca novas relações, até mesmo dissociada do mundo

social/cultural da família, que se estendem até o limite necessário para receber apoio

diante de uma necessidade.

Alguns membros da família relatam que pessoas fora do ambiente familiar se

fazem presente apoiando, ajudando e auxiliando a família à enfrentar momentos

difíceis:

“Os amigos ligavam para mim e falavam... A madrinha dela um dia

falou para mim: -Tem um senhor aqui, que ele é muito, muito espiritualizado, eu

queria levar ele na sua casa, queria saber se eu posso... eles chegaram, ela, a

mãe dela e o senhor...”

(Coração ansioso)

“Tivemos vizinhos para oferecer o carro... Nós passamos á abandonar a

nossa família... nós ligamos o telefone, nós passamos a conviver ali, passamos a

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ter uma outra família, que era um tio e uma tia emprestada.” (Coração

vigilante)

“Quando estava carequinha, as coleguinhas ficavam beijando. Ela

ficava internada e mandavam cartinha todos os dias.”

(Coração sofrido)

“Quando eu fui convidada para participar da reunião, ele (escolar) citou

dois nomes que me ajudaram, a mãe de um ex-namorado da minha filha e a mãe

do noivo da minha sobrinha.”

(Estrela isolada)

“Nós conseguimos uma pessoa que deu o aparelho para ele. A empresa

em que o meu marido trabalha ajudou, o presidente da empresa também ajudou,

forneceu dinheiro que ele deu e não cobrou nada, não fez custo de nada...depois

ele falou: - Esquece esta dívida, esta dívida não é mais sua, é minha!”

(Estrela

lutadora)

As interações acontecem com os telefonemas, visitas, cartas e apoio emocional.

Constata-se que o apoio à família não se restringe às pessoas de dentro de casa, e essas

famílias não viveram e nem vivem isoladas, elas fazem parte de um grupo de amigos e

de uma comunidade, compartilhando os momentos difíceis com pessoas que oferecem

ajuda. A presença de amigos ou pessoas consideradas como família são importantes

nessa trajetória difícil, a de (con)viver com o escolar com câncer.

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Essas interações feitas pela família são ressaltadas por Nitschke (1999). Elas

podem suprir necessidades materiais, emocionais e até mesmo espirituais. É uma teia de

relações pelas quais tudo se articula, a criança, a família que vai ao hospital, os amigos

que mandam cartas, as visitas, os meio parentes e até mesmo os sinais expressos ou não

de carinho. Tudo faz parte desse mundo englobado por uma estrutura macro que

envolve tudo e todos interligados.

A interação dos familiares com a equipe de saúde está presente nos relatos dos

familiares, pois a comunicação, a troca de informações e o conhecimento do que

acontece com a criança ocorre entre o familiar e o profissional:

“Então por ser nosso amigo, o médico encaminhou ... Ela (escolar)

adora entrar na salinha ficar desenhando,.. Aí, eu falei: - Se você tem

conhecimento em outro hospital.... é porque ele era marido de uma amiga

minha, era um médico conhecido. E aí ele falou: - Olha só, a minha esposa

falou que eu tinha que falar com você de qualquer maneira, se não quando eu

chegasse em casa, ela ia me bater! Então ela falou para eu falar o seguinte: -

Olha eu estou com você!”

(Coração ansioso)

“Aqui quando nós chegamos, sempre existe um profissional... Aí eu me

desesperei, infelizmente!... a enfermeira estava lá, o meu anjo estava lá, me deu

uma força e apoio... Quando eu entrei tinha outro profissional para explicar

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passo a passo, o que era quimioterapia... A tia do cateter é muito boa e as

meninas da quimioterapia também... isso aqui é uma família.”

(Coração vigilante)

“Então eu não gostava de conversar,... não gostava de ouvir conselhos.

A médica me deu conselho: - Então não conversa com as outras mães!...

vivíamos nós três, eu, ele (marido) e minha filha,.. o tempo todo ali!”

(Coração ansioso)

“Me lembro até hoje de uma palavra que um guarda me falou lá

embaixo: -Mãe não desiste, luta até o ultimo momento, enquanto há vida, há

esperança...atenção dos médicos, das enfermeiras, que eles é que foram a minha

família aqui dentro do hospital. Gente isto aqui é uma casa, nós somos uma

família” (Estrela

agradecida)

“Isto eu não posso dizer porque a equipe sempre esteve do meu lado. A

médica...eu recebi este apoio. Já estive no quarto andar desolada, sentada,

pensando e teve uma doutora que passou me deu a mão e me deu um abraço, eu

precisava de um abraço naquele dia. Eu posso falar, dizer isso, porque eu

recebi apoio.” (Estrela

lutadora)

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“Teve um dia que para eu não ficar na rua tive que pedir a assistente

social uma ambulância para ir embora, e ela me deu. Eu não tenho o que

reclamar da minha parte e da parte do meu filho. Dos médicos, enfermeiros, dos

atendentes, eu não tenho de quem reclamar. Sempre trataram a gente super

bem...a equipe também é solidária com a gente.”

(Estrela isolada)

“O médico dele me aturou muito, todos os enfermeiros da enfermaria e

do ambulatório e os voluntários também. Os voluntários me apoiaram muito. A

assistente social muitas vezes me ofereceu para ir para a Casa Ronald, para não

ter que vir de São João10 sacrificando ele. Eu também me dou bem com todos,

com toda a equipe.” (Estrela

vencedora)

Constata-se nos relatos a necessidade de interação dos familiares com a equipe

de saúde de um modo geral, tanto com profissionais fora da instituição como da mesma.

Essa articulação pode estar relacionada à necessidade de informações da rotina da

instituição; uma forma de cumprir “corretamente” o tratamento, o apoio emocional nos

momentos mais difíceis, como um porto de segurança/ confiança e até mesmo a

socialização natural entre as pessoas.

Além disso, constata-se a visão da equipe como família, fato que pode ser

interpretado como a necessidade de apoio que essas famílias têm quando estão

afastadas, principalmente pela distância do seu núcleo familiar, ou simplesmente por

não terem realmente familiares, consideram-se “sozinhas no mundo”.

10 Município do Estado do Rio de Janeiro denominado São João de Merití.

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Outra posição apontada por Oliveira (2002) e Ahmann (1994) é a necessidade

que a família tem em ser um membro colaborativo na equipe multidisciplinar na tomada

de decisões, defender direitos e posições em determinadas situações e principalmente

contribuir para detecção precoce de complicações do tratamento e do controle.

Por outro lado, os familiares relataram a dificuldade de articulação e de apoio da

equipe de saúde:

“Mas assim cada um tem sua personalidade, eu fui bem tratada por um ,

não fui bem recebida por outro.” (Estrela

lutadora)

“A enfermeira tinha raiva de mim. A enfermeira olhava para mim, toda

vez que eu chegava aqui e falava: - Mãe está chorando, por quê? Eu não falava,

só chorava!” (Coração

ansioso)

“A gente fala mal da enfermeira, a enfermeira cuida da gente, mas

mesmo assim a gente fala e reclama” (Coração

inconformado)

Algumas mães se sentiram sem apoio por parte da equipe de saúde, apesar do

cuidado ou atenção prestados, o significado do apoio não foi compreendido ou mal

interpretado, podendo levar a algum ressentimento ou isolamento dos dois lados,

dificultando e até mesmo impedindo uma comunicação/interação entre equipe e família.

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Segundo Wong (1999), a família que não consegue interação com a equipe de

saúde pode estar na fase do diagnóstico em estágio de choque, ajustamento ou

reintegração e aceitação, sentimentos permeados de raiva, negação e insegurança que

irão se refletir no convívio da família com a equipe de saúde, diante da confirmação de

se ter um filho com câncer.

A posição do familiar na tentativa de se proteger do que acontece na rotina do

tratamento. O sucesso e o fracasso convivem juntos no mesmo espaço. O isolamento,

muitas vezes, pode ser uma opção da família tanto intra como extra-hospital, podendo

denotar sentimentos de vergonha, fracasso, proteção ou culpa de o filho ser portador de

câncer.

Para Valle (1997), a família tenta se proteger, evitando não tomar conhecimento

das condições de outras crianças que estão mais graves que a sua, e a equipe deve estar

preparada para prevenir seqüelas psicossociais e propiciar uma melhor qualidade de

vida para a criança e a família durante o tratamento e após o mesmo.

A maioria dos familiares relatam o comportamento do escolar e seu

relacionamento na escola:

“A ...(Escolar) se reintegrou bem na escola. Está na escola, está

brincando na escola com os amiguinhos, na rua.” (Coração

vigilante)

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“...na escola o pessoal nem sabia. Porque se eu tiver que falar eu falo,

mas não houve necessidade de falar, eu não falei nada.... Então na escola, todo

mundo gosta da B.(escolar). Mas não é gostar por saber que ela teve a doença,

é porque realmente...Algumas sabem, outras não. Só para a direção da escola,

não para os outros. Ela entrou no meio da turma e dançou junto.”

(Coração ansioso)

“...o meu vinha, o meu se não estudava fora estudava aqui dentro, na

quimioterapia, na enfermaria lá embaixo. Ele não gosta de faltar à aula. Estuda

na escola pública.” (Estrela

agradecida)

“Um dia desses ele falou para o médico: -Não marca as consultas no dia

em que tem aula não, marca no dia de sábado ou domingo, que não tem

aula....ele começou a ignorar a professora, ela falava com ele e ele fazia

ignorância. Mas aí a psicóloga do colégio começou a conversar....ele estuda em

colégio particular... Ele respeita a professora quando ela fala, agora, ele fala

muito, sem parar.”

(Estrela vencedora)

“Eles têm personalidade, tem sede de estudar, de não perder tempo. O

meu ficou afastado...O meu tinha horror a estudar...O meu está em escola

pública e muito bem.”

(Estrela isolada)

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“Ele na escola, ele não está se integrando bem ao grupo...Eu não sei se é

isso que está acontecendo na escola, e ele não está se integrando muito com os

coleguinhas, porque ele não ouve direito. Ele continua indo na

escola...Conversamos na escola, falei do tipo de perda que ele tinha na audição.

A professora me chamou com ele na frente de todo mundo: -Mãe, o seu filho

está agressivo, está batendo, está implicando, ele implica com todo mundo que

passa. São dezenove alunos que tem na sala dele, o D.M. fica aquele monstro,

tudo é ele. O meu está em escola pública.”

(Estrela lutadora)

“Ninguém nunca me falou para levar ela ao Instituto Bejamim Constant.

Fui perguntando onde tinha uma escola que a minha filha que não enxerga

podia ir...hoje em dia a prefeitura aceita, mas há pouco tempo atrás ela não

aceitava criança com deficiência. Criança nesta idade adora o colégio...a

professora não é Deus, também erra.”

(Estrela inconformada)

Todos os escolares freqüentam uma escola , mesmo as crianças com algum tipo

de deficiência freqüentam uma instituição educacional.

Apesar da vitória e satisfação em retornar ás atividades escolares, a família e a

criança podem se deparar com alguns impedimentos passageiros ou permanentes.

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Constata-se que algumas crianças e familiares têm algum tipo de dificuldade de

adaptação na escola, principalmente ao retornarem, quando entram no controle, e muitas

vezes família e escola trabalham juntas para a inclusão dessa criança nesse ambiente.

No ambiente da escola, a criança tem contato com outras crianças de sua idade e

as diferenças de desenvolvimento são mais evidentes, uma vez que a mesma percebe ou

é comparada com outras crianças, levando a família a grandes abalos emocionais.

As reações de isolamento na escola ou até mesmo o horror da criança descrito

por um familiar é ressaltado por Wong (1999) como fobia escolar. Esse comportamento

pode estar relacionado à insegurança da criança em se afastar da família, do

desconhecimento do ambiente ou até mesmo da discriminação e preconceito dos amigos

de turma diante de alguma incapacidade física. Para a criança que se encontra em

controle oncológico, esses fatores podem estar mais exacerbados devido a sua história

de enfrentamento do tratamento de câncer.

Nesses casos, é importante a presença do familiar na escola para esclarecer,

incentivar e aproximar a criança do ambiente da escola, aproveitando a escola como

elemento de inclusão social e apoio à criança e sua família.

Os familiares descrevem a criança sob uma ótica particular:

“Graças a Deus, eu não tenho o que falar dos meus filhos, eles são a

coisa mais importante na minha vida... agora é tratada pelos irmãos com um

carinho maior... Eu não bato, só falo: - A (escolar).larga isso! Ela obedece.

Nunca apanhou, nunca apanhou... Ela é muito inteligente.”

(Coração sofrido)

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“... eu sou um problema como mãe, eu não brigo, eu aceito porque eu

vivi... – B (escolar) não faz isso. – Tá bom! – B não faz isso! – Eu faço!... Vou

fazer! Ela é terrível!... A minha tem sete anos, ela está na segunda série... Então

é uma criança normal, muito inteligente, observadora, observa tudo,... a minha

filha realmente é uma criança muito abençoada, ela veio mesmo para sacudir a

gente, unir a família...”

(Coração ansioso)

“Então eu nunca vi a A (escolar) como outras crianças, esquiva, num

cantinho... É o que eu peço para o pessoal lá em casa, a gente tem que tratar a

A... de igualdade... então eu falo: Gente não trate a A muito diferente. Ela é

especial, a gente sabe que ela é especial, mas cobra nas horas certas... Ela é

atenciosa, obedece! ...toca a vida dela agora, como normal... o tratamento deixa

a criança mais madura... sabe até a localidade, às vezes você passou por um

determinado apartamento, ela sabe se localizar.

(Coração vigilante)

“Mas ele é um garoto excelente na escola, em casa não me dá trabalho

em nada...é muito inteligente, está na quinta série, só está tirando MB e O,

tempo todo...É um dos melhores da sala, todo mundo fica bobo com ele, que ele

só tem uma vista. Isto é para dar inveja a qualquer mãe, uma criança que só tem

uma visão e já teve o problema que ele teve” (Estrela

agradecida)

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“Ele é muito amadurecido, ele sabe das coisas, ele entende de tudo, tudo

que passa a volta dele ele capta. Ele percebe tudo, inclusive na minha

casa...Tudo o meu filho entende, sabe de tudo. É uma criança especial, eu trata

ele dou palmada, brigo e tudo, mas eu trato ele com um mimo maior...ele é um

rei em casa, nós tratamos ele com dureza quando precisa, com rigidez, mas a

gente trata ele como um rei.”

(Estrela isolada)

“Então hoje o meu filho está aí, lindo e maravilhoso, fez a comunhão, é

pimentinha...vai terminar o primário. A gente fala com ele, ele fala que não é

mais criança, ele diz que já tem 10 anos e é um rapaz...O médico falou que ia

ser difícil botar ele normal, fazer ele ficar bom...hoje ele está aí pedindo

camisinha. ... ele olha para as pessoas que xingam ele, ele xinga de volta...E não

tem medo. Mas todo mundo aqui no hospital adora ele. Ele é uma criança muito

inteligente, ele ganhou bolsa desde o jardim III.”

(Estrela vencedora)

“A médica falou para mim: - Ela vai demorar a andar, ela vai ter medo

de um monte de coisas! Mas não foi isso que aconteceu com ela...hoje ela é uma

criança de 10 anos maravilhosa...” (Estrela

inconformada)

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Constata-se que a família (con)vive com o escolar em controle como uma

criança considerada especial, talvez pelo fato de ter sobrevivido a uma doença

oncológica ou ainda ter sua saúde ameaçada pela volta da doença.

Os fatos relacionados ao desenvolvimento inerente à faixa etária do escolar são

encarados como excepcionais e extraordinários no escolar em controle. Ele é descrito

como inteligente, esperto e fora do comum. Aliado a esse fato, a criança é perdoada se

comete alguns deslizes, sendo tratada “diferente”, apesar da presença da palavra normal

estar presente nos relatos. O termo “especial” pode estar aliado a alguém sobrevivente

de câncer ou uma criança frágil que deve ser poupada das dificuldades da vida, do

estigma da doença e até mesmo do isolamento social.

Valle (1993, p.78) ressalta que o sentimento de angústia dos pais gerado pelo

sofrimento durante o tratamento pode “transformar a criança em tirana, cheia de manhas

e vontades, egoísta e ciumenta” pela superproteção, refletindo sobre o desenvolvimento

infantil de maneira prejudicial, como também na estrutura familiar. Os pais podem se

sentir culpados pelo descontrole da criança, os irmãos preteridos pela preferência do

irmão que “foi doente”, podendo sentir ciúmes, raiva e inveja, e serem agressivos com

os pais, e estes podem se sentir perdidos diante de tantas transformações no ambiente

familiar.

Horowitz e Pizzo (1991) apontam para problemas dessas crianças relacionados

aos irmãos, pois os mesmos podem se sentir inadequados ou inferiores, principalmente

se forem portadores de alguma deficiência decorrente da doença ou tratamento.

Outro aspecto relevante enfocado pelos autores (op.cit) é a presença de efeitos

psicossociais enfrentados por crianças sobreviventes de câncer, como a diminuição do

desempenho intelectual, ocasionando atraso escolar, problemas nas relações com

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colegas, desestímulo para freqüentar a escola, levando à desistência e à diminuição da

auto-estima.

Ainda, Hollen (2001) adverte que crianças sobreviventes de câncer, na

adolescência, necessitam de acompanhamento educacional relacionado à tomada de

decisão e desenvolvimento cognitivo, podendo ser considerada uma população

vulnerável, pois, além dos efeitos da terapia recebidos, soma-se a predisposição de

serem fumantes, alcoólatras, consumidores de drogas e até mesmo se envolver na

marginalidade.

Cabe ressaltar que a criança com a idade entre 7 e 8 anos é ativa, participa de

brincadeiras na escola e em grupo. Apresenta questionamentos relacionados às

conversas dos adultos e, muitas vezes, começam a perguntar sobre o que aconteceu em

um determinado período de tempo, sobre a doença, a hospitalização ou a assuntos

relacionados à morte, de maneira mais profunda e concreta (WONG, 1999).

Dependendo do posicionamento dos familiares, estes vão responder

detalhadamente os referidos questionamentos, irão omitir ou criar uma história

fantasiosa para a criança. As várias maneiras de se comunicar com o escolar merecem

ser estimuladas pela enfermeira, apoiada na realidade vivenciada pela família, evitando-

se informações fantasiosas ou mentirosas para a criança (op.cit, 1999).

A forma como a família descreve a criança como especial não é a mesma

descrita pela literatura; Wong (1998), Cabral (2003), Cunha (2001) e O’Brien (2001)

enfocam essa condição de especial relacionado a portadores de doenças crônicas e

dependentes de tecnologia, denominação que inclui os escolares portadores de doença

oncológica.

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Mas sob a ótica da família, essa denominação “especial” pode ter um lado

mágico, como aponta Valle (1997); as crianças adquirem um sentido de valor, de

vitória, de diferente, de maduro e de coragem, por terem conseguido vencer o câncer.

•••• A (Con)vivência da Família: Questão do (In)visível

Este tópico aborda as questões que as famílias consideram muitas vezes visíveis

para os olhos delas próprias e invisíveis para as pessoas de fora do convívio, ou ao

contrário.

No relato dos familiares, a crença em Deus esteve presente durante toda a

entrevista, muitas vezes como agradecimento, justiça e apoio:

“A gente não tem esse poder de questionar não, a gente tem que aceitar

com dignidade, aceitar...Eu pegava a bíblia e lia, e procurava saber o

fundamento daquilo. Eu falava assim: - Meu Deus, porque não deu em mim?

Pelo menos eu vivi! ...era gente fazendo oração. Olha eu fui à macumba, fazer

cirurgia invisível. Eu fui a tudo que você possa imaginar...está falando do

mesmo Deus, do Deus de amor? Então vamos lá, eu estou lá.”

(Coração ansioso)

“Eu virei e falei:- Minha filha está entregue a Deus, seja feita a vontade

Dele, a Dele é que tem que ser feita, não a minha e nem a sua. Para mim eu

quero a minha viva.” (Coração

sofrido)

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“Eu questionava, sem querer eu questionava, sem querer! Tipo assim,

meu Deus, porque isso veio para mim? Não faz assim para mim...Achei que

Deus nos abençoou muito ao abrir a porta do hospital...Eu, graças a Deus,

agradeço todo dia a Deus, peço todo dia pelas pessoas. Eles iam lá em

casa...Deus se apresenta de todas as formas.”

(Coração vigilante)

“...eu lutei durante o tratamento dele, eu enfrentei isto sozinha, eu e

Deus...parece que Deus botou a mão nele e falou: -Vai para frente!...Graças a

Deus não voltou e nem vai voltar. A mão de Deus pesa, eu não desejo para

ninguém, mas Deus existe.” (Estrela

agradecida)

“...só Deus para apagar. Acho que só Deus para apagar isto que eu

sinto. - Meu Deus é por tua vontade que meu filho entre aí e saia...Ele virou

para mim e disse: - Mamãe Jesus me curou agora! Eu falei:- Que os anjos

tenham dito amém!”

(Estrela

isolada)

“os médicos estão aí, não só os médicos daqui de baixo, os médicos

daquele lá de cima também. -O médico dos médicos vai curar o teu filho... mas

eu já pegava aquele papel que já guardava dentro da bíblia e na hora da oração

abria e apresentava a Deus com o nome de todo mundo...”

(Estrela vencedora)

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Constata-se que não existe a evidência de determinada religião, o que permeia

nos relatos é a forte crença em Deus, ora em forma de força divina, ora como

companheiro da difícil caminhada ou como protetor.

Desde o início dos sintomas até a fase de controle da doença, constata-se o

pensamento em Deus, ressaltado nos períodos mais críticos e de ameaça à integridade

do escolar. Alguns familiares mencionaram determinadas religiões, não como uma

única forma de devoção, apenas como uma opção religiosa. Essa facilidade de aceitação

das mais variadas religiões pode estar relacionada à própria cultura brasileira e sua

maleabilidade em aceitar as diferentes crenças religiosas; o momento de desespero dos

familiares na busca de um milagre e/ ou um sentimento maior, onde todas as religiões

falam em Deus.

Boff (2000,p. 151) ressalta que o ser humano se refere a Deus por vários nomes,

dependendo da fase histórica, região, língua, cultura e até mesmo religião; “Sente que

Ele arde em seu interior na forma de uma presença que o acompanha e o ajuda a

discernir o bem e o mal.” Esta certeza da Sua presença impulsiona as pessoas a crescer,

a trabalhar, a suplantar dificuldades, alcançar objetivos e ter esperança de vida. Quando

o ser humano cultiva um espaço de diálogo com o Divino, confia o destino de sua vida e

encontra o sentido da morte, faz surgir a espiritualidade.

Quando os dois familiares solicitam a Deus a substituição do sofrimento do filho

para sí, este sentimento é descrito por Boff ( 2001, p.41) como bondade e amor, em que

a “mãe” está pronta para “dar a sua vida pela segurança, pela proteção e pelo bem de

seu filho”. Nesse caso, um dos familiares não é propriamente a mãe do escolar, mas um

parente que sempre esteve presente acompanhando a criança, reforçando assim o

conceito de Elsen et al. (1994) sobre família saudável.

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Outro aspecto abordado pelos familiares é a presença da morte desde o início da

doença até o controle da doença oncológica:

“Eu tenho um cunhado que ele mesmo falava para mim, que pessoa com

câncer é pessoa com atestado de óbito sem data. E ele quando viu a B...no

decorrer do tratamento melhorar, ele já não acreditava que ela tinha tido isso.

Na cabeça dele não foi câncer que ela teve, porque todo mundo que tem câncer

morre...Até porque eu tinha passado a noite em casa, a minha filha podia ter

morrido durante a noite... eu expliquei: - Você teve uma doença muito grave,

que você ia morrer... a gente acreditou que a minha mãe faleceu com câncer, o

meu sobrinho de dezenove anos teve, a minha filha, quer dizer! ”

(Coração ansioso)

“Ver a minha filha assim com câncer, nem imaginava. Foi até um senhor

que falou assim para mim:- Todo mundo que tem câncer não vive, morre!”

(Coração

sofrido)

“É uma situação em que a pessoa fica super dividida entre a vida e a

morte, a gente vê estas duas...” (Coração

vigilante)

“Quando ele adoeceu o meu pai tinha falecido, quando eu descobri a

doença dele em um dia, dois dias depois meu pai faleceu da doença....na minha

família tem o tio, o avô, o pai, muitas pessoas já se foram...” (Estrela

isolada)

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“Crianças que entraram com o meu, muitos já se foram e o meu está aí.

O médico disse que ia fazer de tudo para salvar ele.” (Estrela

vencedora)

Morte e câncer são palavras quase associadas no pensamento popular, conforme

apontado anteriormente, e quase todas as pessoas quando contam suas histórias sempre

lembram de algum familiar que morreu ou está morrendo de câncer, fato justificado por

ser a segunda causa de morte no panorama nacional.

A ameaça de morte na clínica de pediatria oncológica se inicia no momento da

suspeita de câncer, vai cerceando todo o tratamento e chegando à fase do controle

oncológico, um elemento invisível, em que algumas vezes se torna visível. Em cada

uma dessas fases com maior aproximação ou distanciamento, e em alguns casos

deixando de ser uma ameaça e tornando-se uma certeza concreta na vida da família.

A família que freqüenta o hospital, no acompanhamento do tratamento e

controle da criança, e convive com casos de crianças em controle e sobreviventes de

câncer, os familiares/parentes que não têm contato com esses casos acabam

influenciando essa imagem, levando muitas vezes a mãe, o pai ou o acompanhante a

acreditar que o esforço do tratamento é em vão, pois relaciona o câncer à morte.

Observa-se um verdadeiro abismo entre o pensamento popular e a realidade

dentro das instituições especializadas no tratamento do câncer infantil, visto que devido

aos avanços terapêuticos, se convive com um crescente número de casos de

sobreviventes a longo prazo (CAMARGO e LOPES, 2000).

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Muitas das vezes esse temor da morte pode aparecer velado nos relatos ou

substituído por uma vigilância e proteção exacerbada na vida da criança, como descreve

Valle (1997), podendo continuar mesmo na fase de controle oncológico.

Observo que, no HC-I, a notícia de morte de uma criança na enfermaria,

localizada no quinto andar, tem uma ligação direta com o ambulatório de pediatria,

localizado no décimo primeiro andar, bem como o sentimento de ameaça, tristeza e

medo da morte, e acaba influenciando todos: famílias em tratamento ou em controle,

crianças e equipe de saúde.

Através de linguagem verbal ou não verbal simbólica, como descreve Kübler-

Ross (2003), as reações diante da notícia da morte vão se desenhando no ambulatório,

as crianças por ouvirem os sussurros dos adultos caem no silêncio e os adultos de forma

mais “resguardada”, e não valorizando a percepção aguçada das crianças, buscam mais

detalhes da criança que faleceu. Enquanto os profissionais de saúde, dependendo do

grau de afinidade com a família e a criança que faleceu, entram em uma espécie de

tristeza/ luto e tentam lembrar a última vez que a criança esteve no ambulatório, e como

a sua doença era tão grave e agressiva.

Leigh e Miles (2002) ressaltam que toda família ou pessoas significativas para o

doente se tornam sobreviventes de câncer após a morte do mesmo.

Para a enfermeira do ambulatório que convive com a criança em fase terminal

através de consultas freqüentes, prestando cuidados e orientando os familiares, a notícia

da morte da criança, apesar de racionalmente ser inevitável, ainda causa desconforto,

desequilíbrio emocional e sentimento de luto no profissional. Apesar de ter sido

preparado no curso de graduação sobre situações de morte (SANTOS, 1996) e se

deparar durante toda a vida profissional com esse quadro, a morte de uma criança ainda

afeta o profissional, mesmo numa instituição especializada em oncologia.

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Os familiares também mencionam o medo da recidiva tumoral no período do

controle da doença oncológica, conforme os relatos a seguir:

“...dá nervoso quando vem fazer os exames... Eu sou muito molenga,

tenho muito medo. Cada vez que eu venho aqui para bater uma chapa de

pulmão...”

(Coração sofrido)

“...ela teve recidiva tumoral foi um quadro muito difícil... nódulos

pulmonares também, quer dizer não era mais um lugar que era visualizado. Mas

cada exame é aquilo...eu sei que esta doença, infelizmente, ela pode ter recidiva,

então a gente não pode dizer para uma criança assim, que nunca vai ter a

doença, que nunca mais vai fazer tratamento... Então você tem que estar

colocando que há uma possibilidade, nem que seja de 1%, mas ela existe, isso é

real...

(Coração vigilante)

“Mas sempre ela vai ter que ir para ver se está tudo bem, se não tem

nenhuma mudança dentro da barriga dela. Se esta doença não voltou!”

(Coração

ansioso)

“procedimentos do tratamento... ele tem consciência que precisa vir ao

hospital, porque ele teve uma doença que pode acontecer de voltar e há

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necessidade de vir aqui.” (Estrela

lutadora)

“Fazer os exames, saber se a doença voltou, se não voltou. Graças à

Deus não voltou e nem vai voltar.” (Estrela

agradecida)

“Ter que fazer exame na M (escolar) era um suplício. E tem gente que

fica amedrontada, como eu fiquei por um bom tempo A criança não pode se

machucar, com uma mordida de mosquito, a pessoa já pensa que a criança está

doente de novo...mas eu explico para ela que ela pode um dia ficar doente de

novo. Como uma menina que estava no controle desde 1995 e recidivou.”

(Estrela inconformada)

“Se sente qualquer coisa, quer dizer, o câncer é aqui (aponta a

localização), mas qualquer coisa que ele sente, não quer dizer que vai voltar,

para mim eu penso que é alguma coisa da doença, então eu corro para cá.”

(Estrela

vencedora)

O medo que permeia a realização e os resultados dos exames ou alguma

alteração no estado de saúde da criança, na maioria das vezes, está associado ao retorno

da doença. Constata-se que um dos escolares apresentou a recidiva tumoral no período

do controle da doença, deixando de ser um problema invisível para se tornar um fato

concreto na vida dos familiares.

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A obrigatoriedade de comparecer à instituição anualmente para fazer os exames

é cumprida por todos os familiares, como uma forma de vigilância sobre o estado de

saúde da criança, e existe a consciência da necessidade de investigação sobre a

possibilidade do retorno da doença- a recidiva tumoral.

Além disso, os exames também auxiliam na detecção do aparecimento de um

segundo tumor decorrente do tratamento, a médio e longo prazo, uma outra realidade a

ser enfrentada pelos familiares (ESPÍNDOLA e VALLE, 2002).

Segundo Lopes e Bianchi apud Camargo e Lopes (2000), uma das finalidades

das consultas, após o término do tratamento, é a remissão da doença e a avaliação das

seqüelas do tratamento. Além disso, a vigilância dos efeitos tardios do tratamento de

acordo com a faixa etária é outra preocupação da equipe oncológica, que deve ser

transmitida aos familiares.

As pessoas que trataram de câncer na infância apresentam de 10 a 20 vezes

maior probabilidade de desenvolver um segundo câncer em relação à população

comum, com um tempo ainda indefinido, mas com uma probabilidade de 3 a 12% nos

primeiros vinte anos (op cit, 2000).

Além desse aspecto descrito, a literatura internacional se preocupa

prioritariamente com a qualidade de vida dessas crianças, e enfoca a sua conduta de

acompanhamento na inserção do indivíduo como membro de uma sociedade.

Devido às dificuldades estruturais do sistema de saúde e à falta de uma política

direcionada para crianças com câncer em nosso país, os serviços de oncologia infantil

são preparados para o diagnóstico, o tratamento e recentemente no controle das crianças

até a fase adulta. Este último enfoque, recente no panorama nacional, obriga os serviços

a buscarem uma abrangência cada vez maior e complexa, como forma de manter a

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dignidade de vida desses cidadãos e a saúde dos indivíduos que fizeram tratamento

oncológico.

Outro aspecto relatado foram as seqüelas físicas, cognitivas e emocionais

resultantes do câncer na criança e na família:

“O meu segundo filho só tem um rim. Aí veio a irmã, também só tem um

rim” (Coração

sofrido)

“Eu me ajoelhei no chão e pedi: -Então se for para deixar a minha filha

com seqüelas, pode levar! Uma criança seqüelada, minha filha , você não vive

mais! Isso aqui é uma marca que o papai do céu me deu! E a colega virou e

falou: - Mentira, isso aí é uma cicatriz!”

(Coração ansioso)

“Então eu não sei se é da deficiência que ele tem, da deficiência que ele

adquiriu por causa do tratamento. No caso do meu filho ele ficou deficiente

auditivo, ele precisa escutar mais alto...deve fazer a leitura labial. ...eu fui

encaminhada para o meu filho colocar prótese auditiva.” (Estrela

lutadora)

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“A minha é deficiente visual...Tem gente que a criança não tem mais

câncer, mas vai ser doente pelo resto da vida...” (Estrela

inconformada)

“O meu filho está aí... perdeu a visão.” (Estrela

agradecida)

“...eu disse:- Eu não quero ele com seqüela. Você falou que o seu filho

ficou com seqüela, o meu filho não ficou com seqüela nenhuma, mas ele tem

dificuldades, não se relaciona...meu filho não teve seqüela, mas ficou seqüela

em meu coração”

(Estrela isolada)

“ porque a doença já tinha comido este osso (refere à face).Ele está

precisando vir para o dentista e para o crescimento (endocrinologista).”

(Estrela

vencedora)

Constato que todas as crianças apresentam algum tipo de seqüela, aparente para

todos, como a cegueira, surdez ou alguma deformidade física ou hipoplasia por

radioterapia; aparente somente para a família, como a tristeza das crianças, o isolamento

ou as seqüelas do coração; e as invisíveis para a família e aparentes para todos, como as

cicatrizes, as deformidades que são veladas e nem sempre relatadas, como o retardo do

crescimento e desenvolvimento.

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Vale acrescentar que muitas mães, ao iniciarem seus relatos sobre os problemas

que as crianças tinham, se mantiveram em silêncio, ou por não visualizar realmente a

deficiência da criança ou por evitar a exposição da sua história.

Quanto à definição de deficiência, Wong (1999), Barsa (2003) e Pizzo e Poplack

(2001) apontam como uma incapacidade do desenvolvimento, perda permanente de uma

capacidade física ou sensorial, tais como dificuldade de aprendizado, retardo mental ou

distúrbio do comportamento.

Vieira e Lima (2002) ainda descrevem o afastamento como forma de proteger a

criança que tem limitações devido à doença. O contato do escolar, que tem doença

crônica, com crianças saudáveis, pode proporcionar risco na sua integridade física, pois

as brincadeiras dessa faixa etária são de luta, corridas, andar de bicicleta ou jogar

futebol. A supervisão dos familiares nas brincadeiras dos escolares obriga-os a

selecionar atividades recreativas que não ponham em risco a criança, propiciando o

isolamento social.

Vale ressaltar que nenhum familiar relatou, em qualquer momento, alguma

dificuldade de aprendizado, mas foi destacado anteriormente que alguns escolares

submeteram-se à radioterapia. D’Angio et al. (1995) ressaltam que o referido tratamento

ocasiona déficit de aprendizagem a médio e longo prazo.

Os familiares destacam também a necessidade de encaminhamento aos serviços

especializados, principalmente para as crianças que apresentavam alguma seqüela:

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“Eu por fora conversei com um otorrino, porque aqui no hospital, não

tinha um otorrino que pudesse ver o tipo de perda do D.M. (escolar), da

audição. A médica sempre esteve à par... eu que me desmembrei daqui. Posso

andar com as minhas próprias pernas...coloquei ele na natação com deficientes

auditivos..., tem fono e psicóloga. Eles estão preparados para trabalhar com

câncer e não com deficiente auditivo. Eu com a médica: -Eu gostaria que ele

fosse encaminhado para o Hospital de Bonsucesso, porque lá tem aquela equipe

de nefrologistas que tem cuidado dele. Ela fez o pedido. ”

(Estrela lutadora)

“Eu quebrei a cabeça e consegui sozinha uma escola para ela...mas se

hospital cuida de câncer, ele fez alguém ficar deficiente, se ele não sabe cuidar

ele tem que encaminhar, ele não pode botar a família no mundo com um filho

que ela não sabe cuidar. Tem gente que a criança não tem câncer, mas vai ser

doente pelo resto da vida..se tivesse um estudo sobre criança deficiente para

orientar...”

(Estrela inconformada)

“Ele está fazendo tratamento no dente, vai ter que operar, vai ter que

arrancar, eles acham que ele tem que fazer anestesia geral...Eu também não

recebi nenhuma orientação do hospital.” (Estrela

agradecida)

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Constato que alguns familiares procuram por conta própria um serviço

especializado ou solicitaram encaminhamento para o médico, escolhendo o local onde

gostariam de ser atendidos. Ainda, outros permanecem na instituição, se a mesma

necessita de um serviço especializado como o atendimento de odontologia, prótese

ocular, fisioterapia e endocrinologia.

Através do relato de uma das mães, constata-se que essa prática ainda não inclui

todas as crianças, talvez por falta de serviços para que esses escolares possam ser

atendidos.

A necessidade de encaminhamento dos escolares é uma forma de oferecer a essa

família uma assistência de saúde depois do tratamento, com o objetivo de melhorar a

qualidade de vida das crianças (CAMARGO e LOPES, 2000).

Alguns familiares relatam o desejo pela alta hospitalar, muitas vezes como um

sonho ou uma inexistência (aspecto invisível para os familiares):

“As pessoas me perguntam: - A B(Escolar) nunca mais vai deixar de ir

ao Inca?...Não existe isso aí.”

(Coração ansioso)

“Até o dia em que disserem para você: -...não há necessidade deste

controle como este aí!”

(Coração silencioso)

“Mas eu não quero ficar muito tempo, eu queria saltar fora daqui. Igual

ela falou, eu queria ir embora logo. Um dia ela (médica) falou para mim: - Mãe

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eu vou te dizer, eu não posso dar alta para ele, porque de repente acontece

qualquer coisa, torna-se difícil voltar ao hospital”

(Estrela isolada)

“...eu nunca mais colocaria os pés aqui. O meu está de alta, não ele não

está de alta diretamente, ele está no controle. Alta para mim é quando eles

falarem: - Não precisa vir nunca mais aqui no hospital, acabou.”

(Estrela

vencedora)

Constata-se que a alta é algo desejado pela família, seria a libertação da

freqüência ao hospital. A alta hospitalar acontece quando não existem mais sinais da

doença inicial.

No caso da doença oncológica, principalmente infantil, a alta leva a reticências e

interrogações, pois a dificuldade em dar esse passo está intimamente ligado a uma

posição ética de responsabilidade sobre a saúde e vida da criança (CABRAL, 2003), a

noção da realidade, a qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população e o

estigma do paciente de câncer que esta criança vai carregar pelo resto da vida.

Além disso, em literatura principalmente internacional, a denominação de

sobrevivente faz toda uma mudança no direcionamento do acompanhamento da

criança/adolescente/ adulto jovem, em que programas especiais são direcionados a esse

público pela presença de uma política de saúde bem estruturada (CAMARGO e LOPES,

2000; EVERS, 2002). Em nosso país, os serviços de oncologia pediátrica ainda estão se

estruturando ou iniciando os seus passos para esse tipo de assistência.

Outro aspecto mencionado pelos familiares foi o direito de o escolar ser atendido

em qualquer serviço de saúde:

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“ A médica fala: -Deus me livre, eu não boto nem a mão. Aí lá vem a

mãe se despencando com a criança com dor...tem que ter um médico lá no posto

de saúde que um dia tenha vindo aqui ver, estudar” (Estrela

inconformada)

“Eu levei o meu filho no dentista perto de casa para ver o dente. Eu falei

com a doutora, ela já estava falando com outro dentista, quando eu falei em

Inca, ela falou: - Não, eu não vou por a mão, pode levar lá para o hospital.”

(Estrela

agradecida)

“E aí eu falo assim: - Ele fez trinta dias de hemodiálise, eles não querem

passar medicação. Eles ficam apavorados. Quando eles sabem que a criança é

daqui eles ficam apavorados.” (Estrela

lutadora)

“Porque aqui é só para tratamento de controle, agora um resfriado, uma

dor de garganta e uma dor de ouvido poderia ser tratado no posto de saúde.”

(Estrela

vencedora)

Constata-se a dificuldade que o escolar e a família têm em receber atendimento

de outros profissionais de saúde, pois o símbolo do INCA e a história do tratamento de

câncer acompanham o escolar, impedindo o direito de acesso aos serviços de saúde.

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Essa dificuldade de acesso a outros serviços exige que o Ambulatório de

Pediatria Oncológica atenda também crianças com diversas patologias da infância e que

os profissionais tenham um campo maior de conhecimentos de pediatria. Com isso, um

grande número de casos atendidos não estão relacionados à oncologia.

Cabe destacar que a Constituição Federal, a Lei Orgânica de Saúde e o Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA) asseguram que “saúde é um direito de todos e dever

do Estado”, reforçado por Cabral et al. (2002), na realidade direito não garantido para

esses escolares.

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VII – Considerações Finais

O estudo permitiu discutir a (con)vivência dos familiares com o escolar,

possibilitando o entendimento do que ocorre com os mesmos durante o tratamento

oncológico e, principalmente, após essa fase – o controle oncológico do escolar.

A abordagem metodológica veio ao encontro da proposta do estudo, e assim a

entrevista não-diretiva em grupo foi de grande importância para a caracterização dos

sujeitos e obtenção de dados permitindo dar voz ativa às famílias, como também a troca

de experiências entre seus membros.

A família do escolar atendida no ambulatório de pediatria tem características e

organizações internas próprias do grupo social a que pertence, e devem ser entendidas e

respeitadas, e não rotuladas ou julgadas.

A participação dos familiares no tratamento e controle fortalece aquele que

acompanha a criança e oferece apoio, solidariedade, espaço físico e emocional, que

devem ser valorizados e expandidos dentro da instituição.

Através dos relatos, constata-se que as famílias se sentem sozinhas e

abandonadas durante o tratamento e, principalmente, no controle da doença, e o mais

surpreendente, os profissionais da instituição passam a ser considerados como família

para essas pessoas, através dos procedimentos básicos inerentes à profissão, como o

atendimento/orientação/educação, entre outros. As palavras de consolo embalam os

indivíduos que se denominaram como solitários.

Acredito que essas características de dedicação, atenção e até mesmo momentos

de reflexão com os familiares são características importantes que devem fazer parte de

um serviço que atende crianças e seus familiares. A patologia deve ser visualizada como

pertencente a uma criança, e que a mesma é parte integrante de uma família, que se

encontra em uma situação de fragilidade. Cuidar do escolar através da atenção à sua

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família é ponto importante e relevante deste estudo, pois o que a criança sente, sofre ou

percebe é também vivido pela família, e o objetivo da enfermeira pediatra oncológica é

manter a integridade desse núcleo de atenção.

O estudo evidenciou também que o adoecimento por câncer causa desespero e

insegurança, bem como foi identificado outro momento de insegurança e medo da

família, quando o escolar passa a fazer parte do grupo de controle oncológico. Momento

que necessita, como o anterior, de um preparo dos familiares e da criança, pois existem

as dificuldades de adaptação do escolar na escola e na comunidade, o convívio com

seqüelas (in)visíveis, o reconhecimento de dificuldades físicas, cognitivas e

psicossociais do escolar e o medo constante da ameaça do retorno da doença – a

recidiva, que merecem uma maior atenção por parte dos profissionais de saúde.

Um ponto importante identificado neste estudo é a característica de especial dada pela

família ao escolar em controle de doença oncológica; ele passa a ser enaltecido dentro

de casa e na comunidade, como uma criança com características surpreendentes, mesmo

sendo portador de alguma seqüela aparente ou não.

Outro ponto importante é o excesso de proteção e vigilância do escolar, que pode

acarretar prejuízo no desenvolvimento infantil e impedir a criança de desfrutar a sua

infância livremente, destacando que existe uma forma particularizada de (con)viver com

o escolar em controle oncológico, que vai além do conhecimento dos profissionais de

saúde, talvez devido a todas as questões de insegurança que acompanham essa família.

O estudo permite concluir a necessidade de se repensar a assistência prestada aos

escolares em controle da doença oncológica e suas famílias pela equipe

multiprofissional do ambulatório de pediatria, com uma assistência voltada para o

preparo dessa família e da criança para retornar à sociedade.

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Alguns familiares relatam o desejo pela alta hospitalar e, ao mesmo tempo, a

insegurança em se afastar do INCA, pois o tratamento recebido na rede pública, quando

estas famílias levam seus filhos por alguma necessidade, gera medo, insegurança e

insatisfação, e a ameaça do desligamento da instituição é identificada como um desejo e

um martírio. As famílias que foram encaminhadas para outros serviços para acompanhar

determinadas necessidades do escolar, pela falta de disponibilidade do serviço na

instituição, relatam a satisfação em continuar com seu vínculo ao hospital, talvez por

dependência afetiva, segurança do serviço e receptividade das instalações físicas (sala

de recreação, ambientação infantil das instalações, festas comemorativas, presentes,

entre outros), pois, afinal, foi esta instituição que respondeu as primeiras dúvidas sobre

o adoecimento da criança, fez o diagnóstico da mesma e continua acolhendo o escolar e

a sua família no controle oncológico.

Conclui-se que a etapa do adoecimento se inicia bem antes da chegada ao INCA,

quando as famílias percorrem um longo caminho até a chegada à instituição, mesmo

sem o diagnóstico da doença. A chegada à instituição é impactante para a família,

gerando transtorno em todos os seus membros pelo diagnóstico de câncer estar

associado à morte. Mesmo assim, a família somente se sente incluída no sistema de

saúde quando chega ao INCA e consegue entender porque foi encaminhada para a

instituição.

No tratamento em que a família é membro importante e aliada à equipe como

controladora de sinais e sintomas e durante o controle da doença oncológica, ela

continua o seu papel de vigilância em casa, onde familiares, vizinhos, escola são

envolvidos em uma rede de ajuda à instituição para manter o “controle” do estado de

saúde da criança. Nesse caso, é interessante como as orientações do hospital transpõem

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o muro institucional e vão se expandindo dentro da família e comunidade, passando a

ser mais valorizadas, uma vez que foram enfatizadas durante a permanência no hospital.

No cenário hospitalar, a família identifica o controle oncológico como parte integrante

do tratamento e vê a alta hospitalar como algo inalcançável, conforme o quadro a

seguir:

Período anterior àchegada a instituição

Tratamento oncológico=

Controle clínico da doença

Acompanhamento eternizado.Desejo da alta hospitalar?

Visão da família sobre o adoecimento da criança

Outro aspecto importante evidenciado é o vínculo que a família cria com o

hospital, devido à falta de uma política pública para esse grupo infantil, obrigando a

instituição, alicerçada por critérios ético- legais, a não dar alta hospitalar aos escolares

ao término do tratamento e controle; o que seria uma evolução esperada dentro do

tratamento e cura de uma doença.

O estudo traz uma forma diferente de repensar o câncer infantil, não como uma

doença letal, mas uma doença com chances de cura e com índices crescentes.

Considerando as contribuições deste estudo a respeito do (con)vívio da família

com o escolar em controle oncológico, acredito que se torna premente o

desenvolvimento dessa temática, utilizando outros cenários, outras faixas etárias,

visando o aprofundamento das dificuldades e demandas da família e do escolar.

A enfermagem é uma profissão nova e singular, em constante crescimento, que

necessita fundamentar suas intervenções com pesquisas, em especial na área de

enfermagem da família e de oncologia pediátrica. Com base nas pesquisas aliada à

prática profissional, a enfermeira terá como refletir, fundamentar e encaminhar a sua

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atuação profissional, contribuindo cada vez mais para a construção do conhecimento da

profissão enfermagem.

Finalizando, gostaria de deixar registrado que este estudo permitiu o meu avanço

profissional e intelectual, não só na área de enfermagem pediatrica oncológica, mas

como indivíduo, que descobriu mais particularidades, detalhes imperceptíveis e imagens

invisíveis do mundo que me cerca. A busca do conhecimento no campo da prática da

enfermagem oncológica proporcionou-me um aprimoramento das minhas indagações,

que resultaram em respostas parciais e muitas vezes incompletas.

Assim como no nascimento de um filho, a dor e o prazer convivem juntos como

na construção de um estudo. O sentimento ao final desta caminhada é de conforto e

extenuação. A certeza de outras caminhadas para o conhecimento é o sinal do inacabado

de um estudo, da busca de novas descobertas e de estudos que já existem e

complementam o que está por vir.

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VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem.3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 5 a ed. São Paulo: Martins Fontes,

2002.

WERNET, M. Enfermagem e família- investindo no primeiro passo. Rev. Bras. de

Enfermagem, Brasília, V. 53, no especial, p 87-89, dez. 2000.

WERNET, M.; ÂNGELO, M. Mobilizando-se para a família: dando um novo sentido à

família e ao cuidar. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, V. 37, no 1, p.19-25, mar.

2003.

WONG, D. L. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva.

Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.

WRIGHT, L. M.; LEAHEY, M. Enfermeiras e famílias: um guia para a avaliação e

intervenção na família, São Paulo: Roca, 2002.

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ANEXOS

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Anexo I

Formulário

I – Identificação

Nome do escolar:

__________________________________________________________

No do Prontuário: ____________________ Data de Nascimento:

____________________

Idade: ______________ Diagnóstico:

__________________________________________

Tratamentos:

______________________________________________________________

Alguma seqüela:

___________________________________________________________

Tempo de controle da doença:

________________________________________________

Freqüenta a escola:

_________________________________________________________

II – Identificação dos Familiares

Nome do(s) familiar(es) que convive(m) com a criança:

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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III – Contato inicial: agendamento da entrevista.

Data: ___________________________

Horário de início: _________________

Horário final: ____________________

Local: __________________________

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Anexo II

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Anexo III

Universidade Federal do Rio de Janeiro–UFRJ

Escola de Enfermagem Anna Nery–EEAN

Instituto Nacional de Câncer–INCA–HCI

Rio de Janeiro, de de 2004.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezados Pais e Responsáveis,

Você está sendo convidado(a) a participar, voluntariamente, de um depoimento

oral a ser prestado á enfermeira Leila Leontina Couto, para a construção da pesquisa

relativa á dissertação de mestrado, junto ao programa de Pós- Graduação do Núcleo de

Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança do Departamento Materno- Infantil da

Escola de Enfermagem Anna Nery- Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Antes de formalizar seu consentimento, solicito que leia as seguintes

informações:

1 – A pesquisa tem como objetivo geral: Estudar a (con)vivência da família com

a criança em idade escolar em fase de controle da doença oncológica. Além disso, a

pesquisa pretende: Descrever as estratégias da família no convívio da criança em idade

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escolar em fase de controle da doença oncológica, a partir do discurso dos familiares;

Analisar as interações e estratégias adotadas pela família para conviver com as crianças

em idade escolar; Discutir a convivência da família com a criança em idade escolar em

controle da doença oncológica. Este estudo busca contribuir para o conhecimento das

interações da família com a criança em idade escolar em fase de controle oncológico, o

seu entendimento sobre “controle da doença oncológica” e suas estratégias de inserir

esta criança dentro do sua própria família, na comunidade, na escola e na sociedade,

levando a um fortalecimento do ambulatório de crianças em controle oncológico.

2 – A presente pesquisa não oferece riscos, seja do ponto de vista físico ou

psicológico, já que os assuntos abordados na entrevista fazem parte do cotidiano dos

familiares e da criança em fase de controle da doença oncológica que freqüentam o

ambulatório de pediatria do Hospital do Câncer.

3 – A sua participação é voluntária, podendo o entrevistado/familiar fazer as

perguntas que desejar antes, durante e após a coleta do depoimento. A metodologia da

pesquisa será explicada antes e durante a coleta de dados, e tantas vezes quanto for

necessário.

4 – A entrevista será feita em data pré-determinada de acordo com a

disponibilidade dos familiares. Os temas utilizados serão: O entendimento da família

sobre “criança em fase de controle da doença oncológica”; O motivo em continuar a

freqüentar o hospital; Como é ter uma criança em idade escolar na família em controle

oncológico ; Como a família se relaciona com a criança em idade escolar em casa, no

grupo familiar, na comunidade e na escola.

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5 – A entrevista será em grupo com outros familiares que freqüentam o

ambulatório de pediatria oncológica, será gravada, podendo ser interrompida a qualquer

momento, o seu depoimento poderá ser modificado, você poderá solicitar cópia ou

original da gravação, solicitar que sejam retirados trechos que considerar não desejáveis

e, finalmente, impedir sua divulgação, sem que isso represente qualquer prejuízo para o

acompanhamento da sua criança no serviço de pediatria, Hospital do Câncer I- Instituto

Nacional de Câncer.

6 – Será garantido o sigilo sobre o que for falado á pesquisadora em qualquer

momento, mesmo que não tenha sido gravado.

7 – A sua identidade será mantida como informação confidencial. Os resultados

serão publicados e/ou divulgados sob forma de publicação ou oralmente em eventos

científicos, sem a revelação da identidade do entrevistado/ familiar e das pessoas a eles

relacionadas e que porventura sejam citados.

8 – Ter liberdade de recusar a participar da pesquisa em qualquer etapa ou de

retirar o Consentimento sem qualquer penalidade para as partes envolvidas.

Eu,

______________________________________________________________________

(Nome do entrevistado/ familiar)

autorizo a gravação desta entrevista e sua posterior análise para a pesquisa e sua

divulgação, desde que resguardado o anonimato de meu depoimento, cedendo os

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direitos autorais para a pesquisa: “A convivência da família com a criança em idade

escolar em controle da doença oncológica e as perspectivas para a enfermagem

pediátrica: O caso do INCA.” Declaro que li e entendi todas as informações que me

foram prestadas e que todas as minhas perguntas foram satisfatoriamente respondidas

pela pesquisadora responsável. Receberei uma cópia deste Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

______________________________________________________________________

Assinatura do familiar

______________________________________________________________________

Assinatura da pesquisadora.

Enfermeira Leila Leontina Couto

Tel. Res. (021) 2504-2453.

Trabalho: (021)2506-6528.

Orientadora da Pesquisa: Prof.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira.

Trabalho: (021) 2598-8098- R.115