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A (con)vivência da família com o escolar em controle da
doença oncológica: Perspectivas para a Enfermagem
Pediátrica
Leila Leontina Couto
Rio de Janeiro
Dezembro/2004
A (con)vivência da família com o escolar em controle da doença
oncológica: Perspectivas para a Enfermagem Pediátrica.
Leila Leontina Couto
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora da Escola de
Enfermagem Anna Nery da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do
título de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Professora Doutora Isabel
Cristina dos Santos Oliveira.
Rio de Janeiro
Dezembro/2004
A (con)vivência da família com o escolar em controle da doença
oncológica: Perspectivas para a Enfermagem Pediátrica.
LEILA LEONTINA COUTO
Prof .a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira
Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora da Escola de
Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ,
como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre.
Aprovado por:
_____________________________________________ Presidente, Prof.a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira – EEAN/ UFRJ.
_____________________________________________ Dr.a Teresa Caldas Camargo – INCA / MS. 1a Examinadora
_____________________________________________ Prof.a Dr.a Ivone Evangelista Cabral – EEAN/ UFRJ. 2a Examinadora
_____________________________________________ Prof.a Dr.a Vera Lúcia Miranda Abrantes – FE/ UERJ. 1a Suplente _____________________________________________ Prof.a Dr.a Rosângela da Silva Santos – EEAN/ UFRJ. 2a Suplente
Rio de Janeiro
Dezembro/2004
Couto, Leila Leontina A (Con)vivência da Família com o Escolar em Controle de Doença Oncológico: Perspectivas para a Enfermagem./ Leila Leontina Couto.- Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2004. xi, 134f.: il.; 31cm. Orientadora: Isabel Cristina dos Santos Oliveira Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Universidade Federal do Rio de Janeiro/ EEAN, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, 2004. Referências bibliográficas: f. 117-127. 1. Enfermagem. 2. Oncologia Pediátrica. 3. Família. I. Oliveira, Isabel Cristina dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery. III. Título.
CDD 610.73
EPÍGRAFE
Um dia em que Deus estava a dormir E o Espirito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na Cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
Fernando Pessoa
(Ficções do Interlúdio/Poemas Completos de A. Caeiro; Fernando Pessoa – Obra Poética – Nova Aguilar, 1977)
DEDICATÓRIA
À minha família.
A Amandinha, Isabelinha e Oswaldinho, os amores da
minha vida.
A Oswaldo, meu esposo, amigo e companheiro que
compartilha comigo todos os momentos da nossa família e
que eu amo.
AGRADECIMENTOS
-A Deus, que todos os dias se revela através dos milagres de vida no meu trabalho e na minha vida. -Ao mundo invisível, que me cerca e que eu percebo como apoio e luz. -Ao Oswaldo Esteves Barcia, meu esposo, pelo que ele é, por reconhecer os encantos da profissão de enfermeira e me estimular a sair da superficialidade e mergulhar no conhecimento e na pesquisa. -Aos meus queridos filhos, que me escolheram como mãe. Obrigado pelo carinho, amor e confiança. -Ao meu pai (In memoriam), Manuel Alves do Couto pela sua honestidade, luta e amor. Um exemplo a ser seguido e que me fez ser o que eu sou. -Ao meu avô (In memorium), Manoel da Natividade, pelo seu exemplo de vida e me confidenciar o seu orgulho de eu ser enfermeira. -À minha mãe, Guilhermina Natividade Couto, e à minha sogra Idalina Esteves Barcia, pela presença, carinho e ajuda constante, substituindo-me nas minhas ausências. -À minha irmã, Claudia Couto Melo, ao meu cunhado, César Melo, e aos meus sobrinhos Cezinha e Heloísa, por suas visitas rápidas com muitos abraços e beijinhos tão necessários. -Ao meu irmão Marcos Tadeu Couto, à minha cunhada, Lúcia, e ao meu sobrinho, Artur, pelo apoio. -À minha amiga de vida Lúcia Martins, pelo apoio, incentivo e troca em todos os momentos. -Às minhas meninas do Ambulatório de Pediatria: Elza, Tecla, Isaurina e Luzia Sandra que me ajudaram na realização deste estudo com o incentivo, força e presença. Vocês foram parte importante deste processo de construção, adoro vocês! -Às amigas e companheiras de trabalho Rosângela Finóquio e Gabriela Santana, pela presença de todas as horas. -À instituição, por me possibilitar o desenvolvimento deste estudo, meu acréscimo profissional e pessoal.
-A equipe multiprofissional e aos enfermeiros do Hospital do Câncer I, pelo apoio, em especial aos amigos da pediatria, Daise Mary, Marcos Aleixo, Tamara, Ana Rodrigues e Elizabeth, que dedicam o seu conhecimento às crianças e suas famílias. -À Divisão de Enfermagem e a Chefia de Enfermagem da Pediatria por me permitirem desenvolver este estudo. -À Maria Cristina Fréres, pelo incentivo e apoio. -Aos médicos do Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I, pelo apoio. -À equipe da Secretaria Acadêmica da Coordenação de Pós-Graduação e da Biblioteca Setorial de Pós- Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ. -Aos colegas da turma de mestrado, pela troca de experiência e incentivo, em especial à Sônia Regina de Souza, pelo carinho, atenção e reflexão sobre a criança oncológica. -Aos colegas e professores do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança.
-À Prof.a Dr.a Ivone Evangelista Cabral, pela atenção e valiosas contribuições no desenvolvimento do estudo. -Às famílias e às crianças do Ambulatório de Pediatria, pela luta diária, pela esperança e pela fé na vida. Por disporem do seu tempo e prestarem sua generosa colaboração durante a coleta de dados.
RESUMO
A (con)vivência da família com o escolar em controle de doença oncológica:
Perspectivas para a enfermagem pediátrica brasileira.
Leila Leontina Couto
Prof .a Dr.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida a Banca Examinadora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
O estudo tem como objeto a (con)vivência da família com o escolar em controle
de doença oncológica. Os objetivos são descrever as estratégias da família no (con)vívio com o escolar em controle de doença oncológica; analisar as interações da família com o escolar e discutir a (con)vivência da família com o escolar. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, tipo estudo de caso, envolvendo entrevista não diretiva em grupo com familiares e consulta em prontuário através de formulário. O cenário do estudo é o Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I, localizado na cidade do Rio de Janeiro/ Brasil. O referencial teórico está vinculado ao conceito de família saudável. (Elsen et al., 1994) Com base na análise, constata-se que uma das estratégias da família é de preservar a saúde do escolar, controlando a doença em casa através da identificação de sinais e sintomas. Nas interações, destaca-se a rede de apoio que se constrói dentro da família para superar as dificuldades como o diagnóstico de câncer e o tratamento do escolar. Evidencia-se que o apoio não se restringe às pessoas da casa, elas fazem parte de um grupo de amigos e de uma comunidade, compartilhando os momentos difíceis. Na (con)vivência da família, destacam-se as questões visíveis para a mesma e invisíveis para as pessoas da comunidade, como a crença em Deus, o medo da morte e da recidiva tumoral. Outros aspectos relevantes são as seqüelas deixadas, o desejo pela alta hospitalar e a aceitação do escolar como uma criança normal pela sociedade, apesar de ser encarada sob a ótica familiar como especial. Conclui-se que a família é membro importante e aliada à equipe como controladora de sinais e sintomas e durante o controle da doença oncológica, ela continua o seu papel de vigilância em casa, onde familiares, vizinhos, escola são envolvidos em uma rede de ajuda à instituição para manter o “controle” do estado de saúde da criança.
Palavras-chave: Enfermagem - Oncologia pediátrica - Família.
Rio de Janeiro Dezembro/2004
ABSTRACT
A family vividity with the school age child in cancer diseasi control:
Perspectives for Brazilian Pediatric Nursing
Leila Leontina Couto
Prof a Dra Isabel Cristina dos Santos Oliveira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida a Banca Examinadora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
A family vividity with school age in cancer control was investigated in this study, whose purposes were follows: describing, analysing and discussing family strategies, interactions and vividity. It is a qualitative research developed by case study, in which 10 people were interviewed in a non-directive group interview and gathering informations from chart registered in a form. The study scenery was a Pediatric out patient setting of Cancer Hospital I ( Hospital do Câncer-I), Rio de Janeiro, Brazil. The theoretical reference was based on healthy family concept.(Elsen. et al, 1994) Data analisis showed that family tried to preserve child’s health by identifying cancer signals and symptons, a strategy in controling disease. We could evidence that family interactions belong to network support in light of overcoming difficulties with cancer diagnosis and management. Such support included family, significant others and community members; all of them shared hard moments relating to surviver cancer child. Besides, visible and invisible issues associated with religious beliefs, fear death and tumoral recidive risk were manifested by each one. Other relevant aspects were sequels left in child body, the wish of being, discharge from follow-up and his/her acceptarice by society, what outlined that child with special healthcare needs under family standpoint. We concluded that family behaived as na important ally of health care providers in child’s follow-up. Then, they kept surveinling him/her at home with significant other helpers, neighbors and school members. All constituted a networking support in mantaining cancer survivor child’s health under control.
Palavras chaves: Nursing – Pediatric Oncology - Family.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À Professora Doutora Isabel Cristina dos Santos Oliveira, orientadora desta
Dissertação de Mestrado, meu especial agradecimento em compartilhar o seu
conhecimento comigo e a me guiar nestes passos tão árduos da busca do conhecimento.
Com satisfação chego ao final desta caminhada graças a sua atenção, seriedade,
dedicação, paciência, disponibilidade e incentivo. Não só os momentos de estudos
ficarão eternizados, a sua (con)vivência comigo faz parte da minha trajetória.
Saiba que sentirei falta das nossas conversas/ encontros/orientações.
Muito obrigada !
Índice Pág.
I – Introdução -------------------------------------------------------------------------------------1
• Questões Norteadoras ----------------------------------------------------------------10
• Objeto e Objetivos do Estudo -------------------------------------------------------11
• Contribuição do Estudo --------------------------------------------------------------12
II – Abordagem Teórico-Metodológica ------------------------------------------------------14
• Bases Conceituais: Uma breve abordagem acerca da família-------------------14
• Considerações Metodológicas ------------------------------------------------------19
III – O Cenário do Estudo ----------------------------------------------------------------------30
IV – A Política de Combate ao Câncer -------------------------------------------------------34
• Breve Histórico -----------------------------------------------------------------------34
• A Criança no Hospital do Câncer I-------------------------------------------------38
V – O Escolar e sua Família: Particularidades no contexto do Hospital do Câncer I --44
VI – A (Re)descoberta da Convivência Familiar -------------------------------------------50
• Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e Conhecimentos Acerca
da Doença Oncológica -----------------------------------------------------------------50
• Interações da Família: Diferentes Faces de (Con)viver com o escolar --------77
• A (Con)vivência da Família: Questão do (In)visível-----------------------------97
VII – Considerações Finais -------------------------------------------------------------------112
Referências --------------------------------------------------------------------------------------117
Anexos --------------------------------------------------------------------------------------------------------------128
I – Formulário --------------------------------------------------------------------------129
II – Aprovação do Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa ------------------130
III- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido --------------------------------131
I – Introdução
A minha opção profissional pela área de pediatria iniciou-se antes mesmo do
término do curso de graduação, em 1985, quando fiz o estágio no setor infantil do
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da Universidade Federal Fluminense-
UFF, como bolsista acadêmica de enfermagem. Na enfermaria de pediatria, através do
contato com crianças internadas, comecei o meu caminho profissional, e o fascínio pela
área foi crescendo dia a dia.
Após o término do curso de graduação, fui aprovada em concurso público da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, iniciando minhas atividades no Hospital
Municipal Salles Netto. O ingresso nesse hospital especializado em pediatria veio ao
encontro do meu interesse em desenvolver as minhas atividades de enfermeira nessa
área.
O referido hospital pediátrico tem ambulatório, emergência e unidades de
internação. Durante o período em que desenvolvi minhas atividades profissionais nesse
hospital, participei dos programas e campanhas de vacinação, da implantação do
Programa de Terapia de Reidratação Oral e de suplementação alimentar, estímulo ao
aleitamento materno, além de assistir a criança hospitalizada.
Após 11 anos em tais atividades, ingressei, em 1995, também por concurso
público, no Instituto Nacional de Câncer–INCA1, iniciando minha atividade profissional
na enfermaria de oncologia pediátrica do Hospital do Câncer I. Essas atividades
profissionais exigiram a aquisição de conhecimentos técnico-científicos específicos,
inicialmente com crianças portadoras de tumores sólidos e posteriormente com crianças
com neoplasia hematológica. No início, esse cenário causou-me muitas dúvidas,
incertezas e medos, pois, apesar de ser uma clientela infantil, as circunstâncias e as
exigências desse cuidar eram muito diversas e complexas. Os elementos vida e morte
estavam a todo momento presentes, um cenário muito diverso daquele em que atuei
anteriormente, onde as patologias não eram crônicas, mas relacionadas às condições de
vida das crianças, como desnutrição, desidratação, doenças infecto-contagiosas, entre
outras.
Através de treinamento formal, aprendizagem e busca de respostas no contato do
dia-a-dia com as crianças e seus familiares, consegui suplantar as dificuldades básicas
que se apresentam na área oncológica.
Atualmente, exerço a atividade assistencial no Ambulatório de Pediatria do
Hospital do Câncer I – HC-I. O Serviço de Pediatria expandiu-se nos últimos anos,
devido ao aumento de especialidades nessa clínica e ao número crescente de crianças
matriculadas. O serviço ocupa dois andares do HC-I, e a união da clínica hematológica
infantil com a oncológica pediátrica assegurou um atendimento especializado na área
infantil e a organização de um espaço físico adequado para a internação da criança com
o seu familiar.
Essa fusão também ocorreu em nível ambulatorial, onde o Setor de
Quimioterapia tornou-se exclusivamente infantil, bem como a sala de cateter venoso
central, a odontologia e a clínica oncológica pediátrica. O atendimento infantil foi
centralizado, assegurando uma assistência diferenciada dos outros setores do hospital
com capacitação de profissionais na área de pediatria.
Das principais atividades desenvolvidas pela enfermeira2 no Ambulatório de
Pediatria, está a consulta de enfermagem de primeira vez,3 na qual atende a criança e
seus familiares antes da definição do diagnóstico, orienta sobre a rotina do hospital, bem
1 O Instituto Nacional de Câncer - INCA é uma instituição do Ministério da Saúde, constituída por 4 unidades hospitalares, HC-I – Hospital do Câncer I; HC-II - Hospital do Câncer II; HC-III - Hospital do Câncer III ; HC- IV – Hospital do Câncer IV e CEMO-Centro de Transplante de Medula Óssea. 2 Utilizou-se o termo enfermeira devido à predominância do sexo feminino e a concepção acerca do trabalho de enfermagem.
como passa a conhecer a organização da família, suas dificuldades emocionais,
socioeconômicas e culturais.
Essa relação de confiança e comunicação, entre a enfermeira e a família, é
descrita por Françoso (1996) e Dorociaki e Dyniewicz (2000) como características de
interação/comunicação/educação da enfermeira pediatra oncológica no exercício de suas
atividades mediadoras de cada atividade desenvolvida por ela. A relação de
confiança/empatia entre a enfermeira, a criança e a família percorrem todo o processo
do diagnóstico, tratamento e controle, com períodos de maior ou menor aproximação.
O cuidado de enfermagem para essas crianças e suas famílias abrange
orientações simples sobre dúvidas da rotina hospitalar, curativos complexos de
procedimentos cirúrgicos e/ou pela presença de tumores avançados, muitas vezes
deformantes, casos emergenciais, até solicitações para simplesmente serem ouvidos.
Essa necessidade de contatos freqüentes dos profissionais do serviço com essa clientela
é ressaltada por Dousset (1999, p.38): “O câncer é geralmente apreendido por etapas...
Após cada tratamento, o doente está em evolução”, esta “evolução” diz respeito à novas
etapas de tratamento, conforme a resposta obtida e avaliada através de exames
rotineiros, com uma nova programação de tratamento (protocolos), por isso a
necessidade de contatos freqüentes da criança e da família com a enfermeira e a equipe
multiprofissional.
Enfocando o cenário do ambulatório, observam-se várias situações cotidianas
vivenciadas por cada família que acompanha a sua criança na instituição. Nesse espaço,
encontram-se crianças em situações diversas: algumas que estão se matriculando, outras
em diagnóstico, muitas em tratamento quimioterápico e/ou radioterápico e/ou cirúrgico,
3 A consulta de enfermagem de primeira vez é parte de uma rotina no Ambulatório de Pediatria, e tem a função de conhecer, receber, orientar e acolher as famílias no serviço. É a entrada da família na instituição.
casos emergenciais que necessitam de internação imediata por complicações do
tratamento, crianças em fase de controle da doença e algumas em fase terminal.
A presença de sucesso e fracasso, vida e morte no hospital também é enfocada
por Cibreiros e Oliveira (2001, p. 111): “O hospital é um local de tratamento e cura de
doenças, mas também é um lugar onde as pessoas podem morrer”.
A enfermeira que presta cuidado no ambulatório passa a envolver-se nesse
cenário e fazer parte de toda a “caminhada de tratamento” da criança junto com a
família, participando, assim, tanto tecnicamente quanto emocionalmente, dessa jornada.
Segundo Boff (2000, p. 91):
O cuidado somente surge quando a existência de alguém
tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele;
disponho-me a participar de seu destino de suas buscas, de seus
sofrimentos e de seus sucessos, enfim de sua vida.
Dentro desse universo do Ambulatório de Pediatria, o grupo de crianças e
familiares selecionado para o estudo são as crianças em idade escolar em fase de
controle oncológico. Considerando a ausência de doença oncológica do escolar, a
obrigatoriedade da família em continuar a freqüentar o hospital vai cumprindo uma
rotina delimitada pela instituição e prevista nos protocolos adotados pelo Serviço de
Pediatria. Essa denominação de crianças em fase de controle oncológico adotado pelo
serviço, ou follow up4, termo proveniente do inglês que se traduz como seguimento,
acompanhamento ou mesmo controle clínico descrito em Rodrigues (1994), se
caracteriza dentro da instituição.
Esse acompanhamento é necessário para controlar, mas também para prevenir e
detectar os efeitos tardios do tratamento, principalmente alterações no crescimento e
4 Na instituição, cenário da pesquisa, o termo “criança de controle” é referente a follow up. Após o término do tratamento, sem evidência de doença ou progressão, a criança é incluída no grupo de controle.
desenvolvimento infantil, disfunções endócrinas, neurológicas, ortopédicas e
emocionais, controle de seqüelas, detecção de recidiva ou o surgimento de um tumor
secundário relacionado ao tratamento. Este tipo de acompanhamento pós-tratamento é
rotineiro em serviços internacionais de pediatria oncológica, tendo atualmente uma
grande relevância para a equipe multiprofissional do Serviço de Pediatria do Hospital do
Câncer, uma vez que se observa um número crescente de crianças consideradas curadas/
sobreviventes no serviço, confirmando assim os números internacionais de 70% de cura
no câncer infantil.(D’ANGIO et al., 1995)
No caso das crianças consideradas curadas ou sobreviventes, a denominação
científica é oriunda também do inglês - surviver, que corresponde à “alguém que
sobreviveu a uma catástrofe” (LONGMAN,1995), e somente após cinco anos em
controle da doença oncológica este termo de cura se aplica, como descrevem D’Angio et
al. (1995) e Clark e Mc Gee (1997). Quanto à cura oncológica infantil, Meadows apud
D’Angio et al. (1995, p. 245) conceituam:
crianças com câncer estarão curadas se elas não tiverem
nenhuma evidência da doença por pelo menos 5 anos e estejam
fora de tratamento por 2 anos. Estes critérios são utilizados para
encaminhar os pacientes para a clínica de pacientes de
acompanhamento a longo prazo.
Por outro lado, o conceito de cura descrito pela cirurgia é um pouco diferenciado
da clínica, Segundo Murad e Katz (1996, p. 70),
A cura de um tumor pela cirurgia depende, sobretudo, do
diagnóstico precoce e do tratamento correto. É fundamental a
remoção da neoplasia primária com margens de segurança e a
cadeia linfática regional, se houver indicação.
Em nosso país, os dados epidemiológicos relativos ao número de casos de
crianças portadoras de doenças neoplásicas são incipientes. A dificuldade em se
encontrar registros oficiais de câncer infantil está relacionada à baixa ocorrência da
doença nessa faixa etária, quando comparada com a incidência em adultos, e a
utilização de modelos de registro que são utilizados na população de adulto, levando a
um subregistro de casos na infância, como aponta a publicação do MS – INCA
(BRASIL, 2002a).
Vale ressaltar que, em alguns países ou regiões, já existem modelos mais
apropriados para a avaliação estatística do câncer da criança (op.cit, p. 46).
Aliado a essa problemática de uma inadequação de registros infantis, a realidade
da assistência à saúde dos países de primeiro mundo é muito diversa dos países em
desenvolvimento, tanto em relação ao diagnóstico de câncer, bastante precoce na sua
maioria, quanto ao acesso aos serviços de saúde.
A dependência tecnológica, a qualidade de vida da população de um modo geral
(BRASIL, 2002. D’Angio et al., 1995) e uma realidade bem diversa da internacional
leva a um comprometimento da veracidade dos registros nacionais, uma detecção tardia
dos casos existentes e um número maior de óbitos nessa faixa etária durante o
tratamento.
A incidência de neoplasias na infância não é tão alta se comparada aos números
de casos na idade adulta, porém, dentro do universo infantil encontra-se no grupo das
doenças de causa desconhecida com um percentual significativo. Levando em conta que
a maior freqüência dessas neoplasias está compreendida em um grupo de faixa etária de
1 a 5 anos, a sua predominância constitui um problema de saúde pública (LIMA, 1995).
É importante salientar que o câncer infantil se divide em:
- Tumores sólidos, tais como tumor de sistema nervoso central, tumor de Wilms,
rabdomiossarcoma, retinoblastoma, neuroblastoma, tumores de células germinativas e
hepatoblastoma, com predominância na fase de lactência, pré-escolar e escolar, e os
osteossarcomas e sarcoma de Ewing no final da fase escolar e na adolescência.
- Grupo das neoplasias hematológicas, onde temos as leucemias linfática aguda,
mielóide aguda, mielóide crônica e os linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin. O pico de
incidência no primeiro caso é na fase pré-escolar, o segundo na fase escolar, o terceira
na juventude ou adolescência, apesar de ser rara, e no caso dos linfomas também na
adolescência (D’ANGIO et al., 1995; MURAD e KATZ, 1996; HOROWITZ e PIZZO,
1991; PIZZO e POPLACK, 2003; NOVAKOVIC, 1994; FERREIRA e ROCHA, 2004).
Quando se aborda a temática de casos de sobreviventes de câncer ou em
controle, esbarra-se na problemática, citada anteriormente, de forma mais acentuada,
pois conta-se com dados inadequados de registros do número de casos de doença
neoplásica infantil e a existência do número de casos de controle oncológico e
sobreviventes. Isso é algo imperceptível no registro epidemiológico e, inevitavelmente,
apoia-se em números internacionais, como os dados americanos ou europeus, para se ter
um registro da realidade nacional aproximado.
Apesar desta dificuldade de dados nacionais sobre o câncer infantil, o Serviço de
Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer I – INCA reconhece a existência crescente
dessa clientela infantil e busca cada vez mais o aprimoramento e o reconhecimento da
mesma dentro e fora da instituição.
Os profissionais envolvidos no atendimento da criança e da família devem ter
em mente que o “conhecimento objetivo nunca está terminado, todo ensino científico, se
for vivo, estará sujeito ao fluxo e refluxo” (BACHELARD, 2001, p.302), e a cada
momento surgem objetos novos trazendo elementos à discussão e ao diálogo,
especialmente para a área de enfermagem.
Os questionamentos do escolar e dos familiares sobre detalhes do tratamento são
freqüentes, pois o desejo de qualquer familiar é entrar para o grupo de controle e
freqüentar menos o Hospital do Câncer I.
Quando os familiares se deparam com a notícia de ter chegado ao término do
tratamento, com regressão tumoral e ausência da doença, suas reações são de medo,
insegurança e alegria. A possibilidade do afastamento do hospital causa um “frio na
espinha” devido à insegurança, segundo verbalizações de alguns familiares. Um dos
relatos mais surpreendentes foi quando uma mãe me perguntou se não existia uma
quimioterapia para ser feita por toda a vida da criança, para assegurar o não retorno da
leucemia. Esta mesma mãe, relatou-me suas noites de vigília junto ao seu filho, como se
Deus concedesse poderes para ela enxergar, no escuro da noite, a aproximação da
doença. Apesar de todo o controle através de exames, consultas e orientações, a dúvida
quanto à ausência de doença oncológica na criança fica em suspense para os familiares.
Essa reação presenciada por toda a equipe é justificada por Brun (1996, p. 8):
”Curando-se, a criança transgride uma lei tácita, torna-se exceção a uma regra: a do “ter
de morrer”, da qual, no espirito dos seus próximos, só provisoriamente estava isenta.”
Este período do controle da doença me desperta muita curiosidade, pois a
própria mudança da rotina de freqüentar a instituição e o escolar passando para o grupo
de controle são mudanças significativas tanto para a família quanto para o escolar.
Muitas vezes parece incompreensível como conviver com uma criança que se encontra
sem doença, e ter que freqüentar o hospital? Mesmo as pessoas do convívio familiar
questionam esta situação, afinal essa criança pode ou não desempenhar atividades
normais como outras crianças de sua idade.
É comum alguém da família, principalmente a pessoa que acompanhou todo o
tratamento da criança, procurar os profissionais da equipe para tirar dúvidas sobre como
conduzir sua vida social junto às outras crianças da mesma faixa etária.
Para a família, esse período é composto de sentimentos de alívio e tensão, e a
cada retorno ao hospital o medo de detecção da recaída da doença ameaça a todos,
conforme destacam Arraes e Araújo (1999).
Ao mesmo tempo, algumas incoerências entre ser curado e portador de seqüelas
levam os familiares e até mesmo os profissionais de saúde, a questionar essa definição
de fase de controle e cura do câncer, uma vez que, o sujeito desse tratamento, o escolar,
pode apresentar seqüelas irreversíveis levando a difícil socialização e vínculo
indeterminado com a tecnologia hospitalar.
Muitas dessas crianças são portadoras de algum tipo de seqüela, tais como
bexiga neurogênica, paraplegia, hemiparesias, amputações diversas, próteses de
membros inferiores ou oculares que necessitam de ajustes devido ao crescimento e
desenvolvimento, dependências medicamentosas ou nenhuma alteração aparente,
apenas relatos de dificuldades de adaptação social.
Sobre essa temática, Cunha (2001, p. 7) ressalta: “apresentam algum tipo de
comprometimento, que pode ser físico, de desenvolvimento e de comportamento,
requerendo, algumas vezes, o uso de tecnologias mais sofisticadas”.
Para a família que traz a criança à instituição para atender as seqüelas deixadas
pelo tratamento ou pelo câncer que foi tratado, esse controle vai ser longo, freqüente e
sem data para terminar, pois a dependência de aparelhos e materiais hospitalares vai
obrigar a família a freqüentar mais vezes a instituição, mesmo que o escolar já esteja no
grupo de controle oncológico.
Outra dificuldade descrita pelos familiares é a de acompanhar a criança em outro
serviço pediátrico, pois a mesma é rotulada como “ex-paciente de câncer”, e nem
mesmo uma carta de encaminhamento e o resumo do tratamento lhe garante uma
assistência num serviço comum de pediatria. Muitas das vezes essas crianças são até
atendidas, mas com o aparecimento de qualquer problema, como uma simples febre, são
encaminhadas outra vez para o Hospital do Câncer I. O fantasma do retorno da doença,
passa a assombrar a criança e a família, mesmo que o quadro assustador seja a
confirmação de um simples quadro gripal.
Infelizmente, os escolares em controle oncológico passam a fazer parte do
“grupo de crianças com necessidades especiais de saúde”, como afirma Wong (1999),
no qual o acompanhamento regular à instituição passa a ser eternizado, devido à
dificuldade de acesso a outros serviços de saúde, a obrigatoriedade em se acompanhar o
desenvolvimento e crescimento dessa criança até a fase adulta e o controle de
complicações do tratamento.
Com todos estes sentimentos contraditórios e visão da realidade, a criança e a
família sonham juntas, desejam um futuro cheios de planos dentro de suas realidades, e
o apelo religioso que foi gratificado com a notícia do desaparecimento do tumor é
divulgado como um milagre. O desejo de grandes planos para a criança em cumprir uma
trajetória de vida surpreendente, já que conseguiu vencer o câncer, é verbalizado pelos
pais ou familiares. Concomitante a isso, a dificuldade de se ajustar na escola, de
isolamento, não ter amigos, as brigas com os irmãos dentro de casa, familiares que se
afastam achando que a criança ainda tem câncer e pode “pegar”, denotam um
sentimento de tristeza e desencanto, declarado pelas crianças ao freqüentar o
ambulatório.
Qual seria o entendimento de “escolar em controle” para a família? Como os
familiares (con)vivem com a criança em idade escolar ? Apesar de o profissional de
saúde dizer que não tem mais doença neoplásica, para que continuar a freqüentar o
hospital? Como os familiares interagem com o escolar em casa, dentro do grupo
familiar e na comunidade?
Esses questionamentos muitas vezes aparecem velados por sorrisos do
reencontro entre a equipe e os familiares. As decepções são muitas vezes deixadas para
o final dos relatos, como forma de não serem valorizadas ou disfarçarem a pouca
importância para a família.
O comportamento em dividir problemas, ouvir os familiares, compartilhar
tristezas e alegrias sempre estiveram presentes na atuação da enfermagem na área de
pediatria. O cuidado centrado na família não é um elemento novo na assistência de
enfermagem à criança, como apontam Nascimento e Rocha (2002) e Bond et al. (1994),
pois é o familiar que observa, estimula, presta cuidados domiciliares e acolhe a criança.
Para Wernet e Ângelo (2003), diante do profissional de saúde, o familiar relata o
comportamento incomum da criança, destacando que ela esteve “molinha” durante todo
o dia e os episódios de febre até a chegada ao hospital.
Essas particularidades não são diferentes no cuidado de enfermagem à criança
com doença oncológica, já que, durante os períodos de tratamento e de controle
oncológico, a família dará continuidade à observação no domicílio, trazendo a criança
para o controle ambulatorial e sendo responsável em inseri-la na comunidade, na escola
e na sociedade.
Com base nos argumentos citados, delimito como objeto do estudo - a
(con)vivência da família com o escolar em controle da doença oncológica.
Os objetivos são:
• Descrever as estratégias da família no convívio com o escolar em controle da
doença oncológica.
•Analisar as interações da família no convívio com o escolar.
• Discutir a (con)vivência da família com o escolar em controle da doença
oncológica.
•••• Contribuição do Estudo
Atualmente, as estatísticas internacionais do índice de cura associado ao câncer
infantil mostram um número em torno de 70% (D’ANGIO et al., 1995; PIZZO e
POPLACK, 2001). Embora no Brasil exista de forma insuficiente uma estatística
específica detalhada para a faixa etária infantil, tem sido observado, ao longo dos último
anos, no HC-I Serviço de Pediatria, um aumento significativo dos casos de cura.
Associado com o crescimento dos casos de cura, tem-se verificado um aumento do
número de crianças em controle oncológico. Nessas circunstâncias, torna-se necessário
uma adequação na estrutura do serviço de pediatria, de forma a atender e acompanhar
esse público infantil crescente dentro do INCA. A diversidade de conhecimento sobre
como a família pode ser envolvida no cuidado de saúde das crianças, em controle
oncológico, irá contribuir para essa adequação. Deve-se destacar que essa é uma
tendência internacional, infelizmente ainda não valorizada em instituições que tratam de
câncer infantil em nível nacional, mas numa crescente realidade dentro do INCA.
No caso específico da atuação da enfermagem oncológica pediátrica, acredito
que este estudo possa contribuir para a assistência de enfermagem à família do escolar
durante o diagnóstico, tratamento e controle da doença oncológica, com a valorização
do cliente como um todo e não apenas a preocupação com a sua patologia. Em função
da sua especificidade profissional, a ação do cuidar em enfermagem vai além da
capacidade técnica, e o cuidado do paciente oncológico, principalmente a criança e a
família, exige uma interação emocional permeada de sensibilidade, conhecimento
técnico-científico e disponibilidade de ouvir o outro. Essa interação não pode ser
mensurada, mas contribui para que o atendimento a esse grupo dentro de um hospital do
câncer ocorra de maneira holística.
O estudo possibilitará o conhecimento das estratégias utilizadas pelas famílias
dos escolares, proporcionando subsídios que apontem a necessidade de criação de uma
equipe para atender especialmente o escolar em controle oncológico, bem como seus
familiares dentro e fora da instituição.
Com base neste estudo que foi desenvolvido no HC-I, e tendo em vista que o
Instituto Nacional de Câncer é o gestor de normas para o atendimento do cliente
oncológico no país, acredito que esse tipo de atendimento possa ser implantado, em
nível nacional, em serviços de pediatria oncológica.
Para o ensino, esta pesquisa contribuirá como elemento de reflexão sobre a
enfermeira que presta cuidados de enfermagem, principalmente durante o tratamento
oncológico, e o início de sua participação na adaptação social e familiar do escolar, após
o término do tratamento da doença oncológica.
No campo da pesquisa, o estudo oferecerá subsídios para entender as estratégias
utilizadas pelas famílias para enfrentarem essa nova realidade, ou seja, ter um filho em
controle da doença oncológica, bem como um suporte de assistência de enfermagem
direcionada para a possibilidade de acompanhamento a longo prazo do escolar e sua
família. Assim sendo, mais uma face dessa família será conhecida, remetendo a um
melhor entendimento desse grupo tão complexo, que é alvo de estudos do Núcleo de
Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança do Departamento de Enfermagem
Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, bem como no cenário do estudo- HC-I do Instituto Nacional de Câncer.
II - Abordagem Teórico-Metodológica
•••• Bases Conceituais: Uma breve abordagem acerca da família
Buscar uma conceituação sobre família tornou-se uma tarefa bastante difícil,
pois além de todas as organizações familiares com que se tem contato nas atividades
profissionais da enfermeira, imagina-se que o rigor da necessidade de uma conceituação
obriga a restringir as formas familiares que ainda não se teve oportunidade de ter
contato, ou que neste exato momento estejam surgindo por necessidades internas e/ou
externas dessas próprias organizações, no mundo contemporâneo. Além dessa
insegurança conceitual, não se pode esquecer da imagem de organização familiar que
faz parte da vida de cada um, formação como pessoa, profissional e investigadora. Pois
no contexto familiar, a visão de mundo da pesquisadora, como elemento pertencente a
um grupo familiar, de um todo complexo, contraditório e único de cada organização,
remete como participante, algumas vezes ativa nesse processo de direcionamento de
conceito/ referencial teórico, como elemento relevante apontado por Elsen et al. (1994).
O conceito de família que se relaciona com a temática e com as minhas
experiências está direcionado para os estudos de Nitschke e Elsen (2000). Quanto à
diversidade das relações, as autoras (op.cit, p. 40) que analisam a evolução da
organização familiar no mundo atual e suas adaptações ao mundo moderno ressaltam
que,
Vivemos num emaranhado cada vez mais complexo de
objetos, de signos, de imagens, entre sonho e realidade,
prisioneiros sem cadeia, de um universo simbólico de
significações misteriosas, remetendo a um conjunto entendido
enquanto mundo imaginal. Isto tudo coloca em relevo todo um
mundo imaginal, no qual as famílias estão imersas.
Este mundo imaginal descrito pelas autoras (op. cit) nos faz refletir sobre a
grande diversidade que um determinado enfoque pode nos trazer, dependendo da
cultura, interações sociais, crenças, educação e tantas outras relações inexploradas que
irão delinear a organização familiar dos grupos, refletindo, assim, dentro da instituição,
a realidade externa. Ainda refletindo com as autoras (op.cit, p. 43), “percebe-se a
conjunção, a complementariedade, a interdependência deste mundo, ao mesmo tempo
simples e complexo, que se mostra a partir das suas interações, e como tal no ser
família, e ao se trabalhar com saúde da família”.
No texto citado, a própria família não é estática e nem definitiva, encontra-se em
constante movimento, ação, construção-desconstrução, semelhante a um redemoinho
que capta objetos e descarta ao mesmo tempo.
Do consenso de 551 profissionais que trabalham com famílias e membros do
Grupo de Assistência, Pesquisa e Educação na Área de Saúde da Família (GAPEFAM),
formado também por enfermeiros, uma das características mais freqüentes dos estudos
foi de citar a família saudável, descrito por Elsen et al.(1994, p. 67):
Família saudável é uma unidade que se auto-estima
positivamente, onde os membros convivem e se percebem
mutuamente como família. Tem uma estrutura e organização para
definir objetivos e prover os meios para o crescimento,
desenvolvimento, saúde e bem de seus membros. A família
saudável se une por laços de afetividade exteriorizados por amor e
carinho, tem liberdade de expor sentimentos e dúvidas,
compartilha crenças, valores e conhecimentos. Aceita a
individualidade de seus membros, possui capacidade de conhecer
e usufruir seus diretos, enfrenta crises, conflitos e contradições,
pedindo e dando apoio a seus membros e ás pessoas
significativas.
A imagem sobre família que chega ao meu pensamento é a própria experiência
de vida de cada um, do conhecimento pessoal que é passado desde a infância, e a
criança se apropria de uma forma primitiva, vai experimentando no seu dia a dia e
elaborando imagens através do pensamento. Essa imagem sofre influência religiosa, do
grupo social ao qual pertence, da organização familiar que temos convívio, seus
ensinamentos ao longo da vida, do significado das pessoas mais velhas dentro desse
grupo e dos ensinamentos passados.
Segundo Elsen et al. (1994, p. 69),
Todos sabem o quanto uma hospitalização ou uma doença
grave pode alterar a dinâmica familiar. Os papéis precisam ser
redimencionados e o estresse permeia as relações interpessoais,
gerando, inclusive, uma situação de crise na unidade familiar.
Com o primeiro contato da enfermeira do ambulatório, com alguns
familiares que trazem a criança à instituição, vão se desenhando as características dessa
família e seus problemas legais, econômicos, sociais e psicológicos. Na maioria das
vezes, o sexo feminino é o que prevalece no primeiro contato, a mãe e a avó ou uma
amiga da família estão presentes; esse acompanhante vai mudando conforme a evolução
do diagnóstico e tratamento proposto. Freqüentemente, a figura feminina é quem traz a
criança à instituição, de acordo com divisão de papéis dentro da família, como o cuidar
da saúde das crianças. Em raras situações, o pai ou o avô estão presentes, a atenção e o
cuidado não são diferentes para com a criança. A presença do pai, se houver algum laço
com a criança, geralmente se dá nas consultas subseqüentes ou dependendo do seu papel
na família, ele aparecerá ou não.
Dependendo da organização familiar, a pessoa que se responsabiliza pela criança
será a avó materna ou paterna, substituta da mãe que trabalha para o sustento de todos,
ou já constituiu outra família, tendo pouco ou nenhum contato com a criança. Ainda
pode-se encontrar crianças sendo criadas por tios, e que perderam os pais, na violência
urbana, ou encontram-se foragidos ou presos.
Elsen et al. (1992) ressaltam que existe a família nuclear, extensa ou ramificada,
com várias gerações presentes, e que algumas famílias vão incluindo pessoas que não
têm consangüinidade, mas laços afetivos que os fazem ser reconhecidos como
pertencentes ao grupo ou simplesmente amigos íntimos.
Essa diversidade pode ser observada no comportamento das crianças, quando,
em época de férias da escola, muitos irmãos, primos e até mesmo amigos comparecem
ao hospital para acompanhar o escolar em tratamento ou controle, e algumas vezes
várias pessoas da família.
Um fato interessante observado é a criança percorrendo as dependências do
ambulatório fazendo uma espécie de turismo, mostrando a utilidade de cada lugar e o
nome das pessoas do setor.
Ainda temos uns poucos casos de crianças institucionalizadas, que comparecem
ao hospital acompanhadas do conselho tutelar; neste caso, temos muitas dificuldades,
pois na maioria das vezes, não temos acesso a uma história familiar dessa criança.
Dificuldades de sobrevivência, falta de dinheiro para vir ao hospital e a negação
da doença da criança são fatores presentes que interferem na vinda da família à
instituição, principalmente entre a confirmação do diagnóstico e o início do tratamento.
Independente da organização familiar de que essa criança faça parte, a
confirmação do diagnóstico de câncer vai levar ao desespero todos os familiares, ou
seja, “uma situação de crise na unidade familiar”, conforme apontam Elsen et al. (1994,
p. 69).
Nesse processo de desestruturação/estruturação, desorganização/organização,
com o vislumbre da criança com doença oncológica, as mais variadas formas de se
inserir nessa nova realidade são experimentadas no cenário multifacetado onde se
encontra a família. Observa-se a maior presença da família com mais cumplicidade no
enfrentamento de situações difíceis, a divisão de responsabilidades entre os pessoas
amigas que mesmo de longe vivenciam o drama dos familiares; o apoio de vizinhos que
vigiam a casa e cuidam dos animais domésticos.
Por outro lado, muitas vezes, a crise familiar é tão intensa e a imagem da doença
tão agressiva que se observa o abandono do lar pelo pai ao saber do diagnóstico do
filho; a desagregação familiar; a invasão da casa fechada pelos grupos de comando do
narcotráfico nos centros urbanos, quando a criança necessita ficar internada por longo
tempo no hospital; e o abandono da residência quando a criança e o familiar são de
outra cidade ou mesmo estado.
O adoecimento vai ser vivenciado das mais variadas formas e a rotina hospitalar
para o tratamento tem que ser cumprida, aliada aos problemas emocionais e socio-
econômicos que, na maioria das vezes, são desconhecidos pela equipe de saúde.
A família que chega à etapa de controle traz lembranças dos efeitos do
tratamento tanto físico, como biológico, emocional, social e familiar. Nesse período, vai
reconstruindo o que ficou perdido do período anterior e determinando novos caminhos,
assim como o escolar que retorna ao seu ritmo de vida, escola, amigos, família e
comunidade. Nesse caso, a família do escolar em controle transcende as orientações
profissionais e assume a responsabilidade de cuidar de seus membros.
Para o entendimento das diferentes etapas da cura/sobrevivência da criança com
doença oncológica, elaborei um esquema a seguir:
Tratamento Oncológico.Quimioterapia.
Cirurgia.Radioterapia.
Controle Clínico da DoençaSem evidência de células neoplásicas
"Follow up"
Sobrevivente de Câncer.Após 5 anos de controle clínico.
Do término do tratamento até 5 anos.
• Considerações Metodológicas
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, tipo estudo de caso. Segundo Minayo
(2004, p. 10), as abordagens qualitativas
são aquelas capazes de incorporar a questão do significado
e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e as
estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu
advento quanto na sua transformação, como construções humanas
significativas.
Concordando com a afirmação da autora (op.cit), quando esta ainda sinaliza a
inclusão nesta esfera de complexidade, do sentido de saúde e doença, no qual existe a
questão individual, mas também os significados sociais., que permeiam as condições de
vida, classe social, história do grupo, crença religiosa, formação política, formação
familiar e a interação/articulação de todas as partes que formam um todo social, que
compõe o imaginário social/familiar/individual. Uma pequena fração do mundo social
que os sujeitos representam, em forma de significado aparente, velado e em constante
movimentação.
Ainda, Minayo (2004, p. 22) enfoca que “o objeto das ciências sociais é
complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação”, que a realidade
vai além dos nossos orgãos de percepção e que os dados subjetivos transparentes e não-
ditos também fazem parte do mundo real. A complexidade de inter-relações de
significados, sentimentos e atos torna-se relevante para a abordagem qualitativa deste
estudo.
Vale destacar a tendência da enfermagem oncológica internacional e do Instituto
Nacional de Câncer que apontam na direção de pesquisas de natureza qualitativa, como
ressaltam Camargo e Souza (2003, p. 159):
a pesquisa de Enfermagem no INCA, acompanhando uma
tendência mundial da profissão, está mais concentrada na área da
pesquisa qualitativa, que está aí para refletir, apontar soluções e
promover mudanças a partir da compreensão de vivências,
emoções, sentimentos e comportamentos humanos.
O estudo de caso é a forma de abordagem que evidencia, com clareza, a
diversidade do (con)vívio das famílias dos escolares. De acordo com Goode e Hatt apud
Lüdke e André (1986, p. 17),
o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de
um sistema mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo que
ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente
venham a ficar evidentes certas semelhanças com outros casos ou
situações.
O cenário do estudo é o Ambulatório de Pediatria do Hospital do Câncer I,
localizado na cidade do Rio de Janeiro e de referência nacional no controle do câncer,
que as famílias freqüentam para o cumprimento da rotina de exames e investigação para
o controle clínico da criança, bem como para detecção de possíveis efeitos tardios do
trata mento e recidiva da doença.
Vale ressaltar que a instituição foi estruturada para atender uma clientela de
adultos, e que devido à necessidade de atender o público infantil, tornou-se necessário a
adequação de horários, formação de equipes que se relacionem melhor com crianças e
estrutura, ou seja, horários e agendamentos diferenciados, para atender a clientela de
pediatria.
Os sujeitos são os familiares que acompanham os escolares no referido
ambulatório, que estão em controle da doença oncológica. Para uma melhor delimitação
do grupo de familiares pesquisados, foi determinado que os escolares estejam com um
mínimo de dois anos5 de término de tratamento oncológico.
Os (10) dez familiares foram divididos em dois grupos: grupo I – A e B; grupo II
– D, E, F, G e H, com uma reunião para cada grupo, conforme a descrição no quadro a
seguir. Cabe ressaltar que as famílias e seus membros foram identificados com
pseudônimos para garantir o anonimato dos participantes. A escolha da palavra coração
está relacionada aos diversos sentimentos expressos pelos familiares. No segundo
grupo, solicitei a escolha de um nome para a denominação, e os familiares escolheram a
palavra estrela.
No caso dos nomes das crianças que foram mencionados pelos familiares,
utilizei a primeira letra do nome, e como existiu repetição, utilizei uma letra do segundo
nome.
Quadro- Caracterização dos sujeitos da pesquisa.
Famílias
Caracterização-
Parentesco
Data de
nascimento
da criança
Data da
matrícula
Doença
neoplásica da
criança.
Término do
tratamento.
A Pai-Coração
tranqüilo.
31/12/1996
18/11/1997
Hepatoblastoma
02/1998
Mãe-Coração
ansioso
5 Este período foi determinado por observar-se um menor número de recaídas durante o controle da doença oncológica.
B Mãe-Coração
sofrido
Tia-Coração
vigilante
01/08/1994
11/05/2000
Nefroblastoma
ou Tumor de
Wilms
04/2002
C Não
compareceu
D Mãe-Estrela
lutadora
04/08/1995
14/03/2000
Meduloblas-
toma de baixo
grau
08/2000
E Mãe-Estrela
isolada
09/04/1996
04/06/2001
Linfoma de
Hodgkin
11/2001
F Mãe- Estrela
inconformada
Pai- Estrela
silencioso
28/04/1994
30/03/1995
Retinoblastoma-
bilateral
10/1996
G Mãe-Estrela
agradecida
26/02/1992
24/11/1998
Rabdomiossar-
coma
parameníngeo
02/2001
H Mãe-Estrela
vencedora
28/01/1994
24/03/1997
Rabdomiossar-
coma
parameníngeo
10/1998
A família A foi a primeira a chegar, às 8 horas, a família B chegou com meia
hora de atraso, justificando-se devido ao trânsito e distância da moradia, e a família C
não compareceu e nem fez contato posteriormente.
As famílias D, E, F, G e H participaram do segundo grupo; o pai da família F no
início da reunião, teve que se ausentar porque o escolar que ficou na sala de recreação
solicitou a sua presença, e a voluntária veio avisá-lo. Durante a entrevista, esse familiar
permaneceu no grupo somente durante meia hora, e considerei a sua presença pelo
apoio à esposa.
Outras crianças também vieram para a reunião acompanhando os familiares e
permaneceram na recreação conforme as orientações. No início da reunião foi relatado a
liberdade dos familiares em saírem da reunião caso a criança necessitasse.
Os procedimentos metodológicos foram a entrevista não-diretiva em grupo e a
consulta em prontuário através de formulário (Anexo I). Lüdke e André (1986)
descrevem como não-estruturada ou não-padronizada, que permite uma maior
flexibilidade na condução da entrevista, o diálogo entre o pesquisador e os sujeitos e a
exploração de dados de natureza qualitativa. Para Minayo (2004), essa entrevista está
baseada em discurso livre do entrevistado, permitindo se conhecer a opinião de
determinada pessoa ou grupo acerca de uma temática de maneira aprofundada.
Segundo Carvalho (2000, p. 31),
O entrevistador se utiliza de um guia da entrevista
contendo a seleção, a definição e a formulação dos temas a serem
pesquisados, nos quais o entrevistador, dentro de hipóteses,
descreve a sua experiência pessoal a respeito do assunto
investigado.
Ainda, acrescenta o autor (op.cit) que a entrevista não-diretiva oferece ao
entrevistador a liberdade de explorar questões que surjam durante a entrevista, além de
permitir esclarecimento de aspectos sem formulação prévia. Essa condução de
esclarecimento de idéias exige do pesquisador “habilidade e perspicácia no
encaminhamento da entrevista”.
Os temas que subsidiaram a entrevista não-diretiva foram os seguintes: o
entendimento da família quanto à expressão “em controle da doença oncológica”;
estratégias de convivência após a entrada no grupo de controle; atendimento do escolar
no ambulatório de pediatria oncológica.
Após a entrevista com o primeiro grupo de familiares, houve necessidade de se
ajustar o segundo tema, para a melhor compreensão acerca do convívio com o escolar
em controle de doença oncológica. Assim sendo, o segundo tema foi modificado para
“Como é o convívio da família com o escolar após a entrada no grupo de controle”.
A coleta de dados foi desenvolvida pela própria pesquisadora, após aprovação e
liberação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa – (Resolução 196/1996, do
Conselho Nacional de Saúde), da instituição (Anexo II).
O contato inicial com os familiares foi aleatório e de diferentes formas a saber:
quando algum familiar comparecia ao ambulatório para marcar a consulta de controle,
ou comparecia ao atendimento médico de rotina com o escolar, e ainda no levantamento
nos prontuários.
Inicialmente, planejei contato com os familiares através do telefone. Mediante o
relato do primeiro familiar, uma tia que veio marcar consulta, a metodologia foi
modificada. A tia destacou que o primeiro contato da pesquisadora com os familiares
deveria ser pessoalmente, pois o contato telefônico para uma entrevista poderia suscitar
medo de alguma notícia ruim sobre os exames da criança. Diante desse relato, decidi
fazer o primeiro contato com o familiar que comparecia ao ambulatório para marcar
consulta médica, agendamento de exames no hospital ou no próprio dia de atendimento.
Quando o familiar era convidado a participar da entrevista em grupo, a
pesquisadora relatava os objetivos, os temas que seriam abordados, alguns itens do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a livre participação, o anonimato dos
sujeitos, a importância do estudo para a pesquisadora e a instituição, bem como para o
Serviço de Pediatria do HC-I.
Uma reação bastante surpreendente observada pela pesquisadora foi a ansiedade
do familiar convidado; após o relato dos objetivos da entrevistas, estes já começavam os
seus relatos bastante emocionados, contando suas experiências.
Foi explicado que os familiares que participariam da entrevista em grupo seriam
os membros que participaram do tratamento da criança e da fase de controle da doença,
comparecendo à instituição. Cabe destacar que os próprios familiares elegeram os
membros que seriam importantes participar da entrevista, uma forma de conhecer o
contorno da família, conforme recomendação de Wright e Leahey (2002) quando se
entrevista famílias. Algumas dessas pessoas não compareceram, por impedimentos
como: horário de trabalho, questões econômicas ou cuidado com outros familiares com
problemas de saúde.
Foi relatado que não seria necessária a presença do escolar na entrevista em
grupo, mas que a sala de recreação estaria disponível, caso fosse necessário a vinda da
criança. Na segunda entrevista, três famílias trouxeram as crianças, que permaneceram
na sala de recreação.
Após o contato inicial com os familiares, foi realizada a consulta ao prontuário
dos escolares, para a obtenção de dados do formulário (Anexo I). Os dados relacionados
à patologia da criança e o tipo de tratamento que recebeu foram de grande importância
para compreender particularidades dos depoimentos dos familiares durante a entrevista.
Lüdke e André (1986) ressaltam a importância das informações complementares
na análise de documentos, permitindo um maior entendimento dos dados obtidos e uma
maior interação dos sujeitos com o pesquisador.
Após a consulta ao prontuário, os familiares foram contactados por telefone para
marcar o dia, a hora e o local da entrevista, agendado com duas semanas de
antecedência, com o objetivo de os membros das famílias justificarem o atraso nos
locais de trabalho.
A entrevista, seria na sala da classe hospitalar localizada no 15o andar do
Hospital do Câncer. Após avaliação da localização, nível de ruído e a facilidade de
acesso, e ainda, levando-se em consideração que os pais estão habituados a encontrar a
pesquisadora no décimo primeiro andar, optou-se pela sala de reunião do Ambulatório
de Pediatria para a realização das entrevistas.
No dia agendado para a entrevista em grupo, a sala de reunião foi organizada
para proporcionar conforto e receptividade , como descrevem Wright e Leahey ( 2002).
Para o desenvolvimento de uma entrevista em grupo, algumas questões
operacionais são de total relevância, como: respeito pelo entrevistado; local da reunião,
que deve ser numa sala que não iniba os entrevistados, de preferência já conhecida pelos
mesmos e que acomode todos adequadamente; data e horário agendados. É relevante o
respeito pelo universo dos sujeitos que fornecem impressões, opiniões, valores e o
conteúdo das informações, que são o corpo da pesquisa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).
Os funcionários do setor foram informados da ocupação da sala de reunião, com
o objetivo de evitar interrupções inesperadas e prejudicar a entrevista. O telefone da sala
foi desligado. As cadeiras foram dispostas em semicírculo, para facilitar a leitura dos
temas da entrevista, que foram afixados na parede em tiras de cartolina.
Com o objetivo de entrosamento e diminuição da ansiedade dos familiares, um
café da manhã foi planejado pela pesquisadora, como estratégia de se trabalhar em
grupo, conforme dinâmica descrita por Berkenbrock (2003).
Após a segunda entrevista, o horário da reunião foi mudado para o período da
tarde, por solicitação dos familiares. O resultado foi mais satisfatório, e o lanche foi
transformado em café da tarde, pois não existiu a preocupação de horários de trabalho e
da escola das crianças que ficaram em casa. Segundo um dos familiares, o serviço de
casa foi adiantado para ter mais tranqüilidade em comparecer à reunião.
Além disso, o primeiro nome dos familiares foi escrito em um crachá, e
oferecido quando o familiar entrava na sala de reunião.
No início da entrevista, foi explicado e lido, pela pesquisadora, para as famílias
que compareceram à entrevista, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
conforme a Resolução 196/1996 (Anexo III), que eles assinaram após esclarecimentos.
Os familiares foram apresentados pela pesquisadora e avisados sobre a
possibilidade de falarem livremente, sem preocupação com respostas corretas. As
entrevistas tiveram a duração média de 90 minutos, e foram gravadas em fitas
magnéticas e transcritas integralmente.
Após o termino da entrevista, as crianças que estavam na sala de recreação
foram chamadas e participaram também do café da tarde, leram as tiras na parede,
perguntaram sobre o que foi falado na reunião e alguns familiares responderam, o clima
com as crianças foi bastante descontraído e alegre; suponho que as crianças se sentiram
incluídas no grupo.
A análise temática foi o caminho escolhido para analisar os depoimentos e os
dados do prontuário, conforme descreve Minayo (2004, p. 209) “qualitativamente a
presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de
comportamento presentes no discurso”. Ainda, para a autora (op.cit), este método
permite ao pesquisador um meio de se estudar as “comunicações” entre os homens com
a valorização dos relatos e a descobrir núcleos de sentido que estejam presentes na
comunicação.
Após a transcrição na íntegra dos relatos das entrevistas, iniciou-se a aplicação
dos passos previstos pela análise temática.
Após leitura exaustiva das entrevistas, observaram-se alguns temas marcantes
nos relatos dos familiares. Conforme Minayo (2004), a aplicação da análise temática se
divide em três etapas distintas: a) Pré-análise, consiste na seleção dos documentos,
relacionando-os aos objetivos propostos pela pesquisa inicialmente, muitas vezes, com
ajustes diante do material coletado. Através da leitura flutuante, o pesquisador inicia o
contato exaustivo com o material, sempre relacionando o conteúdo às questões iniciais,
ao surgimento de novas questões e aliando ao conteúdo do referencial teórico. Cabe
ressaltar que, nesta etapa, aparecem os trechos coincidentes e divergentes das
mensagens; b) Na exploração do material, busca-se a compreensão do texto através da
exploração do material bruto que sofre uma codificação. As unidades temáticas são
evidenciadas no texto, classificadas, agrupadas em forma de dados, selecionando os
temas; c)Tratamento dos resultados obtidos e a interpretação, a análise permite opiniões
próprias do pesquisador e interpretações referenciadas pelo conteúdo teórico abordado,
e ainda permite o vislumbre de novas abordagens apontadas pelo próprio conteúdo do
material.
As unidades temáticas que emergiram dos depoimentos foram: sinais e sintomas
antes da constatação da doença oncológica, freqüência hospitalar, tratamento
oncológico, cura da doença, controle da doença oncológica, mudança de vida, apoio
escolar/familiar/comunidade, criança sob uma ótica particular, crença em Deus,
presença da morte, medo da recidiva tumoral, seqüelas, encaminhamento a serviços
especializados e a alta hospitalar.
As unidades temáticas: sinais e sintomas antes da constatação da doença
oncológica, freqüência ao hospital, tratamento oncológico, cura, controle da doença
oncológica e mudança de vida foram agrupadas com o título (1o tópico da análise) –
Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e Conhecimentos da Doença
Oncológica.
As unidades temáticas: apoio familiar, das pessoas externas ao núcleo familiar e
no ambiente hospitalar, a criança sob uma ótica particular, foram agrupados com o título
(2o tópico da análise) – Interações da Família: Diferentes Faces do (Con)viver com o
escolar.
As unidades temáticas: crença em Deus, medo da recidiva tumoral, seqüelas,
encaminhamentos a serviços especializados, alta hospitalar e acesso aos serviços de
saúde foram agrupados com o título (3 o tópico da análise) – A (Con)vivência da
Família: Questão do (In)visível.
III – O Cenário do Estudo
O Ambulatório de Pediatria, onde o estudo foi desenvolvido, encontra-se no
décimo primeiro andar do Hospital do Câncer- I, localizado na Praça da Cruz Vermelha,
centro da cidade do Rio de Janeiro. É um setor recente, inaugurado em 1999, que foi
planejado devido ao crescente aumento da clientela infantil dentro da instituição e a
necessidade de se atender as crianças do Serviço de Pediatria e de Hematologia. Na
história da instituição, a criança vai ocupando os espaços e exigindo novos
planejamentos e rotinas (SOUZA, 2002).
A porta de entrada do Serviço de Pediatria é o ambulatório. Tem doze salas,
sendo duas de Cateter Venoso Central de Longa Permanência, uma do consultório
dentário, uma sala de procedimentos, uma de atendimento pré-consulta (medidas
antropométricas e sinais vitais), uma de consulta de enfermagem e as restantes de
consultório médico.
No salão de espera existe uma sala de recreação mantida pelo Serviço de
Voluntariado - INCA Voluntário, que permite à criança ter atividades recreativas
enquanto espera o atendimento.
O primeiro setor do HC-I onde a criança e a família são atendidas é o
ambulatório. A rotina do hospital exige que os encaminhamentos para o HC-I sejam
com diagnóstico definido e somente para a confirmação no caso dos clientes adultos.
Para a faixa etária de até 15 anos, não é necessário um diagnóstico definido,
basta apenas um simples Rx de tórax ou a evidência clínica de alguma alteração física
que a criança é recebida, avaliada e o prontuário aberto. O acesso da criança ao serviço
é mais facilitado, mesmo para os casos de doença avançada.
A recepção agenda consultas para médicos, dentistas, assistente social,
nutricionista, psicóloga, enfermeira e sala de Cateter Venoso Central de Longa
Permanência. O Setor de Quimioterapia Infantil tem agendamento próprio, pois
necessita de uma planilha diferenciada, com planejamento antecipado para a diluição do
quimioterápico.
Na rotina do ambulatório, recebe-se crianças para diagnóstico, tratamento,
emergências infantis, controle de doença oncológica e casos terminais, contando com
uma média de atendimento mensal, aproximada, de 1000 a 1300 crianças. As consultas
são agendadas previamente conforme indicação do próprio médico ou outro
profissional.
Todas as crianças são pesadas e medidas a cada consulta, possibilitando assim a
detecção de baixo peso, perda ponderal durante o tratamento, parada no crescimento e
alteração nos sinais vitais. Cabe ressaltar que alguns tumores infantis podem causar
alterações nos sinais vitais, principalmente na pressão arterial, necessitando vigilância e
intervenção. Além disso, a aferição do peso e da altura vai auxiliar diretamente no
cálculo da dose exata da quimioterapia, pois este cálculo é feito conforme a área de
superfície corporal da criança. Este procedimento de rotina é desenvolvido por
auxiliares de enfermagem e supervisionado pela enfermeira do ambulatório.
A enfermeira atende as consultas de primeira vez, quando a família chega à
instituição onde é feita a consulta de enfermagem, obtendo as primeiras informações
sobre o adoecimento, a organização familiar e o estado atual da criança, além de se
iniciar a entrada da família na instituição com as orientações sobre a rotina de exames, o
diagnóstico e os possíveis tratamentos. A etapa de tratamento pode ser abordada ou não,
pois a enfermeira vai avaliando a situação familiar para compreender as necessidades
das orientações.
As consultas subseqüentes de enfermagem são para os casos encaminhados por
outros profissionais, dúvidas dos familiares sobre o tratamento e casos que necessitam
de avaliação e orientação de algum procedimento, principalmente os que são feitos em
domicílio por familiares.
A triagem e avaliação dos casos emergenciais são atendidos com a intervenção
imediata de procedimentos e/ou orientações, conforme a necessidade do caso. As
internações também são executadas através deste setor, tanto as eletivas quanto as
emergenciais. Ainda crianças são atendidas para determinadas medicações ou
hidratação e coleta de exames, dando ao setor também um aspecto de hospital dia.
Apesar de existir um atendimento para as crianças em controle da doença
oncológica, feito por oncologista, hematologista e endocrinologista, para a enfermagem
ainda não existe uma sistematização deste atendimento. Salvo algumas vezes quando
existe a procura do profissional para determinadas orientações ou esclarecimento de
problemas relacionados á vida da criança, mas ainda não faz parte da política
institucional.
As crianças Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais (F.P.T.A.) e terminais
também são atendidas neste serviço, oferecendo-se suporte terapêutico, principalmente
a assistência de enfermagem no cuidado a complicações pelo avanço da doença, bem
como conforto físico e psicológico para a criança e familiares e ,principalmente, a
prevenção da dor.
É importante ressaltar que a criança e/ou o familiar são atendidos pela
enfermeira mesmo que o atendimento não seja agendado, facilitando assim a interação
da criança, da família e enfermeira.
A sala de cateter venoso central de longa permanência tem uma grande
rotatividade, com aproximadamente 6006 atendimentos mensais. De acordo com a rotina
da instituição, somente enfermeiros têm permissão para manusear este dispositivo, e
6 Estatística da sala de cateter venoso central de longa permanência infantil (levantamento da sala).
todos passam por uma rotina de treinamento rigorosa e atualizada. O espaço físico da
sala de cateter foi adequado à clientela infantil e é de responsabilidade da enfermeira.
O setor de quimioterapia infantil tem um salão com capacidade para 12 lugares,
divididos em 6 cadeiras automáticas, 2 berços e 2 camas. O espaço foi planejado com
motivos infantis e acomodação para o acompanhante da criança durante a aplicação de
quimioterapia. O setor conta com uma média de atendimento de 600 a 7007 aplicações
mensais de quimioterápicos, onde enfermeiros são responsáveis pela aplicação, controle
e manutenção da infusão, além do controle de reações adversas durante a permanência
da criança no setor. As quimioterapias necessitam de agendamento prévio para
possibilitar a diluição do medicamento e o espaço físico para acomodar a criança e o
acompanhante. Recebe crianças do ambulatório e do setor de internação.
Em síntese, a enfermeira atua no ambulatório, desenvolvendo sua prática
profissional em diferentes momentos: sala de cateter, quimioterapia, consulta de
enfermagem de primeira vez e subseqüentes.
7 Estatística do serviço de quimioterapia do HCI. (levantamento do setor infantil).
IV – A Política de Combate ao Câncer
•••• Um Breve Histórico
Para entender a ação do Instituto Nacional de Câncer - INCA, no contexto
político e social e a organização do setor de pediatria dentro deste cenário, torna-se
necessário descrever alguns marcos históricos.
Para melhor situar o panorama epidemiológico, inicio com a transição do
controle da tuberculose e o “fortalecimento das ações de combate ao câncer no início do
século XX”, devido ao crescimento da incidência de casos de óbito por câncer nessa
época (SOUZA, 2002, p. 27; BRASIL, 2002b).
Sontag (1984, p. 65) aponta essa mudança de foco de atenção quando compara a
tuberculose ao câncer,
Geralmente o câncer é tido como uma doença inadequada
a uma personalidade romântica, em contraste com a tuberculose,
talvez porque a depressão, que não é nada romântica, superou a
noção de melancolia, e o câncer era sempre associado à
sentimentos dolorosos.
Através de alianças políticas e estruturação da Política Nacional de Saúde, aos
poucos, a ação de combate ao câncer foi ganhando força dentro do panorama política do
país na década de 30, culminando com a inauguração de um pavilhão para o Centro de
Cancerologia, no Hospital Estácio de Sá (atual Hospital da Polícia Militar), sendo
inaugurado em maio de 1938 (GUIZZARDI e GUIMARÃES, 2000)
Na década de 40, o Instituto do Câncer é transferido para o Hospital Gaffrée e
Guinle, situado na Tijuca, contando com melhores instalações com serviços de
Laboratório, Anatomia Patológica e 120 leitos.
Segundo Souza (2002), em 1946, o Instituto do Câncer passava a possuir sede
própria, situada na Praça Cruz Vermelha, doado pela Prefeitura do Distrito Federal.
Em 1957, é inaugurada a nova sede do Instituto de Câncer, contando com 11
andares e 350 leitos, pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek de
Oliveira.
Oliveira (1996) ressalta que no panorama nacional observava-se um crescente
desenvolvimento da indústria químico-farmacêutica, aquisição de equipamentos
hospitalares e a necessidade de treinamento de profissionais, com a valorização da área
hospitalar.
Cabe acrescentar que, nos anos 50, o Rio de Janeiro se situava em 3o lugar nas
causas de óbitos por neoplasia maligna.
Em 1961, através de Decreto 50.251/01, de 28 de janeiro de 1961, são atribuídas
novas competências para a denominação de Instituto de Câncer para a Campanha
Nacional de Combate ao Câncer - (CNCC), que foi implementada em 1967, segundo
registro no M.S.- INCA (2002b). Esse novo orgão teria o objetivo de intensificar e
coordenar em território nacional, sua ação na área de combate ao câncer, em instituições
privadas e públicas, atuando no campo da prevenção, diagnóstico, assistência, pesquisa,
formação técnica e reabilitação (BODSTEIN apud SOUZA, 2002; PIRES,
CARVALHO e GUIMARÃES ,2002).
Apesar da abrangência das ações de combate ao câncer e uma maior
flexibilidade financeira e administrativa, a falta de recursos financeiros era conferida,
pois neste recorte histórico ocorreu uma crescente redução orçamentária do Ministério
da Saúde, refletindo diretamente em uma quase paralisação dos serviços de saúde
pública (BRASIL, 2002b)
Em 1970, o Ministério da Saúde/ INCA (2002b) informa que
há a alteração na organização do Ministério da Saúde,
sendo o Serviço Nacional de Câncer transformado em Divisão
Nacional de Câncer, responsável pela elaboração do Plano
Nacional de Combate ao Câncer (PNCC - 1972-1976). O plano
defendia a organização dos Serviços de Cancerologia por meio da
integração das diversas instituições federais, estaduais e
municipais, autárquicas e privadas, buscando a regionalização e
hierarquização destes serviços.
Em 1980, como meio de se solucionar uma maior crise financeira no M.S.,
transferiu-se os hospitais e os serviços assistenciais para o Ministério da Previdência e
Assistência Social (INPS), como também o INCA.
A partir dessa nova organização, evidencia-se um maior desenvolvimento e
valorização de uma política nacional de combate ao câncer, com ação de âmbito
individual separada de ações coletivas, sem nenhuma repercussão na mortalidade de
câncer no Brasil.
Em 1991, através de Decreto Presidencial no 109, de 2 de maio de1991, as
Campanhas de Saúde Pública são extintas, onde se encontra inserida a CNCC, e no
Artigo 14 confere ao INCA novas competências e atribuições como: assistir o Ministro
do Estado na formulação de política nacional de prevenção; diagnóstico e tratamento do
câncer; planejar, organizar, executar, dirigir, controlar e supervisionar planos,
programas, projetos e atividades, em âmbito nacional, relacionados á prevenção,
diagnóstico e tratamento das neoplasias malignas e afecções correlatas; exercer
atividades de formação, treinamento e aperfeiçoamento de recursos humanos em todos
os níveis, na área de cancerologia; coordenar, programar e realizar pesquisas clínicas,
epidemiológicas e experimentais em cancerologia e prestar serviços médico-
assistenciais aos portadores de neoplasias malignas e afecções correlatas (BRASIL,
2002a, p. 164).
Em 1998, por Decreto Presidencial no 2477, dá ao Instituto Nacional de Câncer a
competência de apoiar o Ministério da Saúde, na coordenação de ações nacionais no
controle do câncer e ser agente de referência para a prestação de serviços oncológicos
no Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, o INCA vem expandindo suas políticas, através de atividades de
parcerias com os governos estaduais e municipais, com o objetivo de promover e
implantar alguns programas como os Centros de Alta Complexidade em Oncologia
(CACON) em todo território nacional, Viva Mulher, Tabagismo e o Programa de
Integração Docente Assistencial na Área de Câncer (P.I.D.A.A.C.) (BRASIL, 2002b).
Todos esses programas são desenvolvidos com o objetivo de ampliar a área de
detecção precoce, tratamento e, principalmente, interferir de forma decisiva na
diminuição dos índices de mortalidade por câncer em todo o território nacional.
Como pode-se observar, o câncer tem o seu alvo no público adulto (3a maior
causa de óbito no Brasil), a criança com doença oncológica ainda necessita de uma
atenção diferenciada, uma política pública própria com um direcionamento específico
para o seu atendimento e para um real panorama do número de óbitos por essa doença.
•••• A Criança no Hospital do Câncer I
Com a evolução do atendimento hospitalar e os dados estatísticos começou-se a
observar a presença do público infantil no Hospital do Câncer. No período de 1952 a
1956, foram atendidos 136 pacientes de 0 a 9 anos e 210 de 10 a 19 anos, que ficavam
internados em enfermarias femininas pela falta de um serviço de pediatria
(MARSILLAC e SCORZELLI JUNIOR, 1959).
Em 1961, inicia-se a organização de uma Unidade de Câncer Infantil, idealizada
e organizada pelos pediatras Lourival Perri Chefally e Ary Caruso, conforme portaria no
09 em março de 1958, “com o propósito de tratar os casos de tumores sólidos e linfomas
que ocorriam com freqüência na infância, e criar condições de atendimento e
convivência social” (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002, p. 277).
Em 1962, com a finalização das obras e a oficialização em Decreto no 50.251,
foi inaugurada a Unidade de Câncer na Infância Denise Goulart e João Vicente
Goulart, com a presença do Presidente da República e Ministro de Estado da Saúde.
Com este movimento de construção de um espaço físico direcionado para o atendimento
de crianças, necessitou-se de “especialização em Enfermagem Pediátrica, com base na
prática médica especializada” (SOUZA, 2002).
Em 1981, os médicos com formação em oncologia pediátrica, Dr.a Regina M.
Ferreira (1986-1995) e o cirurgião oncológico pediátrico, Dr. Pedro Luiz Fernandes
(1987-1994), foram admitidos pela Campanha Nacional de Combate ao Câncer e, ao
mesmo tempo, o setor de hematologia também avançava, organizando-se para atender
crianças com leucemias, linfomas e histiocitose, mas no mesmo espaço físico do público
adulto (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002, p. 277).
Em 1987, foi criado o serviço de Cirurgia Pediátrica, através do Dr. Pedro L.
Fernandes, e a contratação de um 2o cirurgião pediátrico para o serviço, Dr. Alberto R.
Gonçalves, que seriam responsáveis por alguns procedimentos cirúrgicos e
diagnósticos, no setor infantil.
A construção do saber da enfermagem pediátrica oncológica foi elaborada
através da necessidade da prática médica, sendo que a cada diagnóstico era necessária
uma assistência específica e um tratamento direcionado à clientela infantil. Esse
movimento é apontado por Oliveira (1996), ressaltando que se iniciou na década de 50,
com a construção de hospitais especializados na área de pediatria.
Em 1986, foi criada a residência de enfermagem oncológica, através da Portaria
0032/86, do Ministério da Saúde, pertencente à Divisão de Doenças Crônico-
Degenerativas (DNDCD), para a formação de profissionais de enfermagem, através da
Divisão de Ensino e Pesquisa. Os enfermeiros incorporam conhecimentos gerais de
oncologia e de pediatria oncológica, estagiando em todos os setores do INCA.
Em 1998, foi criado dentro da instituição o primeiro Curso de Especialização de
Enfermagem para o Controle e Prevenção de Câncer do país, uma parceria do INCA
com a Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro-
UFRJ, com a prioridade de formação para a clientela de professores e enfermeiros que
atuam em oncologia. Inicialmente, parte das vagas foi ocupada por profissionais da
instituição do INCA, como forma de capacitar os enfermeiros, e algumas vagas para o
público externo. O conteúdo programático inclui a temática da criança com problemas
oncológicos. Esse curso funciona até o presente momento, oferecendo vagas para todo o
território nacional.
Em março de 1999, é inaugurado o Centro de Oncologia Pediátrica, um espaço
exclusivo para o atendimento de crianças e adolescentes no Hospital de Câncer (HC-I)
com área física adequada ao público infantil, com a participação de enfermeiras como
parte da equipe de estruturação e implantação. Trata-se de um setor ambulatorial
localizado no 11o andar, reunindo diversas clínicas em um mesmo espaço, com uma
equipe multiprofissional especializada e uma área de recreação mantida por voluntários.
Nesse mesmo espaço, foi construído o Setor de Quimioterapia Infantil onde
atuam enfermeiras na administração de quimioterápicos. A sala de cateter venoso
central de longa permanência (CVCLP), onde somente enfermeiras e/ou residentes de
enfermagem manuseiam os cateteres, uma sala de emergência de pediatria com uma
equipe de médicos e enfermeira. Anualmente, são matriculadas, em média, 250
crianças.8
Em julho de 1999, é inaugurada a brinquedoteca da enfermaria infantil,
localizada no 5o andar. Um projeto oferecido pelo Laboratório Sanofi com o objetivo de
criar um espaço de brincar dentro da enfermaria. Em 2000, a sala começou a funcionar
com uma funcionária transferida do HC-III, que tinha formação em recreação infantil e
aperfeiçoamento no curso de psicomotricidade da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro-UERJ. Esse espaço funciona até o momento na enfermaria de pediatria, com
desenvolvimento de projetos de música, oficinas para mães e atividades lúdicas.
(BRASIL, 2001).
Em 2000, a capacitação dos profissionais continuou, desta vez em nível técnico,
criando-se o primeiro Curso de Especialização de Técnicos de Enfermagem para o
Controle e Prevenção de Câncer, que mantém suas atividades até o momento, mas
somente para o público interno do INCA.
Em julho de 2000, foi inaugurada a Classe Hospitalar, um projeto desenvolvido
na Pediatria com apoio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que assegura a
continuidade de atividades escolares à criança hospitalizada em tratamento (BRASIL,
1999a).
8 Estas informações foram levantadas do Informe-INCA, folheto interno da instituição, que tem sua publicação quinzenal.
Em agosto de 2000, foi inaugurado o consultório odontológico infantil, com
verba doada pelo jogador de futebol Ronaldo Luiz Nazario de Lima (Ronaldinho),
localizado no 11o andar, complementando a idéia de atendimento infantil integral e
humanizado (BRASIL, 1999b e 2000).
Em 2001, por solicitação da equipe de pediatria com o argumento que criança
deve ser atendida em um espaço próprio, o Setor de Hematologia Infantil deixa o 7o
andar (enfermaria de adultos) e se junta à pediatria, no 5o andar, ocupando todo um
andar, “o andar da criança” (FERMAN, GONÇALVES e GUIMARÃES, 2002). A
equipe de enfermagem da hematologia teve a oportunidade de escolher a clientela que
gostaria de prestar cuidados. Os profissionais que optaram pela pediatria fizeram o
treinamento com conteúdo direcionado para oncologia infantil.
Como descrevem Ferman, Gonçalves e Guimarães. (2002, p.278) “as equipes
médicas compunham-se das respectivas equipes de enfermagem e melhor se
estruturavam as instalações para o atendimento de crianças e adolescentes.” e através de
regimento do Ministério da Saúde, por Decreto Presidencial 3.496, de 10/06/2000, as
Seções de Pediatria Clínica e de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Câncer I passaram
para a Seção de Oncologia Pediátrica e Seção de Cirurgia Oncológica Pediátrica.
Em 2002, após várias campanhas para arrecadação de fundos, é inaugurada a
Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (U.T.I.P.) no HC-I, localizada no 5o andar. A
equipe de saúde da U.T.I.P. é formada por profissionais especializados em terapia
intensiva e treinados na área oncológica. A U.T.I.P. tem 6 leitos e atende todas as
crianças matriculadas no HC-I, que necessitem de cuidados intensivos, incluindo o
Centro de Transplante de Medula Óssea –CEMO (BRASIL, 2002a).
O espaço para a clientela infantil foi se desenhando dentro da instituição, muitas
vezes com necessidades justificadas pelo número de matrículas de crianças dentro de
um hospital de adultos. Vale destacar que o HC-I atende clientes com doenças
oncológicas, constituído de adultos e crianças que são provenientes de todo o Estado e
de localidades distantes do país. Por ser uma instituição de referência nacional, além de
tratar da doença neoplásica, é responsável por todas as políticas de prevenção,
educação, tratamento e pesquisa do câncer.
A faixa etária atendida no Serviço de Pediatria Oncológica está compreendida
entre 0 a 15 anos, com uma média de tempo de internação em torno de 7 dias, para
procedimentos cirúrgicos, tratamento e complicações clínicas, conforme levantamento
estatístico do setor.
As crianças internadas na enfermaria do 5o andar do hospital são provenientes do
ambulatório de onco-pediatria ou do setor de emergência. Os motivos da internação são
os mais diversos, tais como: procedimentos cirúrgicos; tratamento quimioterápico que
necessitem de um melhor acompanhamento; alterações hematológicas decorrentes do
tratamento; infecções e necessidade de diagnósticos rápidos que envolvam risco de vida.
A clientela que freqüenta o Ambulatório de Pediatria é constituída de crianças
em tratamento, terminais ou em controle da doença (neste caso essas crianças não tem
mais câncer), e são rotineiramente acompanhadas por algum familiar, principalmente a
mãe, personagem que vivenciou toda a trajetória do tratamento. As consultas são
agendadas com antecedência para o médico, que acompanhou todo o tratamento. A
média do número de consultas por dia está em torno de 60, o número de casos novos
que abrem matrícula, só neste setor do hospital, está em torno de 8 casos semanais,
conforme levantamento mensal do setor.
A característica da clientela que chega ao Serviço de Pediatria, na maioria das
vezes, apresenta doença oncológica avançada, devido ao longo caminho entre o início
dos sinais e sintomas e a suspeita diagnóstica. Os relatos dos familiares são a
confirmação da triste realidade da dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a falta de
treinamento dos profissionais na detecção precoce do câncer infantil e a dificuldade de
realizar exames de imagem. Além do quadro descrito, a suspeita de câncer em criança é
sempre deixada como última possibilidade diagnóstica, como apontam Damião e
Angelo (2001), atrasando ainda mais o processo de diagnóstico e favorecendo o avanço
tumoral.
As famílias, na maioria dos casos, são do Estado do Rio de Janeiro, e menos
freqüentemente de outros estados do Brasil. Um grande percentual é de baixa renda,
com condições precárias de moradia, baixo nível de instrução, e algumas vezes
analfabeta, conforme observo na consulta de enfermagem de primeira vez. O
desemprego está presente em grande número dos relatos dos familiares, e a preocupação
e dificuldade em conseguir cumprir a rotina do tratamento estão presentes na vida das
famílias.
V – O Escolar e sua Família: Particularidades no Contexto do
Hospital do Câncer I
A fase escolar está compreendida entre a idade de 6 a 12 anos aproximadamente,
segundo Wong (1999). É a fase de desenvolvimento em que a criança abandona as
características de ser dependente dos pais emocionalmente e começa a dominar o
espaço, ter amigos, a comunicar-se livremente, sem necessitar da ajuda de um adulto
para algumas tarefas mais complicadas, como escolher a roupa e se vestir, ter
preferências alimentares e verbalizá-las, ter liderança dentro de um grupo e muitas
vezes impor sua vontade com defesa do seu ponto de vista. Nessa fase da idade, o
familiar que acompanha a criança relata muitas vezes a dificuldade em vir ao hospital,
pois a criança não entende a necessidade de fazer exames de controle, levando o
relacionamento familiar à uma crise.
Por volta de 6 a 8 anos, o desenvolvimento físico é mais acelerado, o corpo com
características de pré-escolar evolui para características mais desenvolvidas, a estrutura
muscular cria formas mais definidas, pelas ações próprias que as crianças realizam com
os jogos e brincadeiras coletivas de correr e de disputar. Essa fase é ressaltada como de
maior significado no desenvolvimento intelectual da criança, no qual se alia a fala com
a ação, levando a uma função psicológica complexa, conforme aponta Vigotski (2002) e
Rego (2000). O crescimento intelectual é percebido através de construções elaboradas
em trabalhos na escola, em que o raciocínio se alia à destreza manual, gerando
produções concretas do imaginado (VIGOTSKI, 2000).
A idéia de organização do ambiente em que vive ou que conhece encontra-se
presente nessa fase, por volta dos 7 ou 8 anos. O desejo de colecionar objetos,
classificá-los e compará-los entre si tem seu espaço nessa idade, inicialmente de forma
desorganizada e posteriormente de forma organizada, conforme o seu desenvolvimento
psicológico.
Quando relato tais características da fase escolar lembro-me de uma criança de 8
anos que freqüentava o ambulatório de pediatria e morava em outro município. Chegava
ao hospital antes das 7 horas. Quando eu chegava, já estava me esperando com uma lista
na mão com todos os problemas do serviço anotados em um papelzinho. Esse
acontecimento me leva a refletir sobre o seu domínio do ambiente, a sua capacidade de
observação e a sua inteligência em compreender e fazer anotações. A facilidade de ler e
escrever são habilidades adquiridas na escola e aplicadas ao cotidiano da criança.
É comum nessa fase a criança começar a perceber o adoecimento e a fazer
questionamentos sobre o seu estado geral ou de seus amigos, como uma espécie de
comparação. Muitas vezes o escolar precisa de uma pessoa de sua inteira confiança para
verbalizar as suas dúvidas, que dependendo do seu amadurecimento, são claras ou não.
A sua noção sobre o corpo inicialmente é muito singular, com o avanço da idade, a
complementação de informações na escola e o seu senso de observação irá levá-lo a
refletir sobre a sua condição de criança e as mudanças que podem ocorrer no seu corpo
com o crescimento (WONG, 1999).
A família do escolar começa a perceber grandes mudanças de comportamento,
quando a criança ingressa na fase de escolarização. Por outro lado, conforme ressaltam
Cibreiros e Oliveira (2001), as exigências econômicas e sociais levam muitas crianças a
ingressar precocemente na escola. Enquanto os escolares em controle levam as mães a
refletirem as vantagens e desvantagens em ingressar na escola. Sinais de independência
e autonomia despertam surpresa, muitas vezes, nos pais quando estes percebem que a
criança está deixando de ser pequenino, ou seja, “sai da fase do egocentrismo e avança
para a fase socializada” descrita em Vigotski (2000, p. 18), desenvolvendo algumas
atividades com desembaraço, o que não acontecia anteriormente.
Dependendo da condição socioeconômica da criança, ela adquire mais
responsabilidade dentro da família cuidando dos irmãos menores para os pais
trabalharem, saindo de casa para pedir dinheiro no sinal ou se responsabilizando por
tarefas como cozinhar, lavar roupa e cuidar de pessoas idosas, deixando de ser criança.
Com a comunicação verbal mais desenvolvida, adquirem a capacidade de serem
locutores de recados, facilitando o sucesso das atividades desempenhadas.
Dentro do ambiente familiar, o escolar vai seguindo e acompanhando as regras
culturais, sociais e econômicas do grupo familiar a que pertence. O contorno da sua
família determina o seu pensamento, linguagem e opiniões que vão se expandindo e
sendo relacionadas com o mundo, muitas vezes diverso, e até mesmo oposto do que ele
conhece.
Muitas vezes, a família entra como mediadora dessas duas realidades e consegue
apontar similaridades ou diferenças desses dois mundos, levando o escolar a
compreender essas realidades e se socializar, apesar das diferenças, como aponta
Humphreys (2000).
Uma das funções importantes da família para o escolar é a capacidade de
contribuir para o desenvolvimento da criança quanto ao aspectos emocionais; todas as
influências e estímulos irão contribuir para a formação da personalidade (op.cit., 2000)
Dentro do cenário hospitalar, essas crianças não diferem de outras crianças, são
espertas, questionadoras e aperfeiçoam uma visão crítica da sua condição de portadoras
de câncer, e passam a dominar a linguagem dos profissionais de uma forma natural. Isso
pode ser relacionado à teoria de pensamento e linguagem, como destaca Vigotski (2000,
p. 28): “O fato da fala ser mais egocêntrica ou mais social depende não só da idade da
criança, mas também das condições que a cercam”.
Observa-se que o escolar, como sujeito participante deste processo de
adoecimento, torna a sua linguagem diferenciada, bem como suas reações diante dos
fatos vivenciados, demonstrando uma grande influência e participação do novo cenário.
Os estímulos recebidos pela criança do mundo que a cerca justifica a sua esperteza para
a idade, identificada por todos que a cercam e respaldada por Vigotski (2000).
A observação de fatos novos; a convivência com uma realidade diferenciada da
anterior; as alterações repentinas tanto na família quanto nos indivíduos que a
compõem; as alterações físicas vivenciadas em si como criança, é um mundo novo com
signos e códigos novos que são apreendidos pelo universo infantil, como forma de se
incluir e fazer parte dele.
Durante a assistência de enfermagem, observa-se o domínio da linguagem e o
entendimento básico do processo em questão, os escolares verbalizam o modo que
querem a atadura do curativo, o melhor material que os deixem brincar com maior
facilidade, a escolha do local da punção venosa e a escolha da enfermeira que “tem a
mão mais leve”. Ainda, reforçando essa observação da prática, Vigotski (2000, p. 104)
ressalta que:
Quando uma palavra nova é aprendida pela criança, o seu
desenvolvimento mal começou: a palavra é primeiramente uma
generalização do tipo mais primitivo; a medida que o intelecto da criança
se desenvolve, é substituído por generalizações de um tipo mais elevado-
processo este que acaba por levar à formação dos verdadeiros conceitos.
O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras,
pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção
deliberada, memória lógica, abstração, capacidade de comparar e
diferenciar.
Esse escolar, quando entra em controle, freqüenta o ambulatório regularmente,
depois suas consultas vão se distanciando até chegarem a uma vez ao ano. Essas
consultas menos freqüentes são bastantes demoradas, pois os escolares encontram os
profissionais que participaram do seu tratamento, contam as novidades alegres e tristes
da escola, falam de seus novos amigos do bairro e novidades do dia-a-dia, como, por
exemplo, o celular que ganharam, questionam se há na enfermaria um computador mais
rápido e quando vai ser a próxima festa.
Esses momentos também são pontuados com a presença da família que muitas
vezes descrevem este escolar diferente das crianças da sua idade, de uma maneira
positiva, com sinais de esperteza; que são comunicativos e fazem amizade, como afirma
Rego (2000), ou de forma negativa, com problemas de aprendizado, dificuldade de
comunicação e uma certa problemática em ter um círculo de amizade na escola e na
vizinhança.
Algumas vezes essas crianças podem ser rejeitadas, apontadas, sofrer agressões
físicas e morais na escola por seus próprios colegas, obrigando os familiares, em
situações extremas, a trocar de escola ou a procurar uma mais “adequada”. Este último
evento, freqüentemente, pode estar relacionado à alguma deficiência deixada pelo
tratamento oncológica ou pela doença que foi tratada, conforme descreve Wong (1999)
sobre crianças com necessidades especiais.
Nesses casos, o papel da família como elemento de proteção e apoio para essa
criança, é fator determinante para a percepção de segurança/proteção da mesma, como
facilitadora da inclusão social e do próprio desenvolvimento como cidadão.
A família do escolar em controle vivencia situações, muitas vezes, conflitantes, a
satisfação do filho ter sobrevivido ao câncer e a dificuldade de sua aceitação na
sociedade, e até mesmo no círculo familiar.
Por outro lado, a necessidade de consciência dos pais sobre os limites do filho e
a valorização de aspectos positivos da criança dentro da família proporcionam
encorajamento/apoio à criança “deficiente”, e diminui a sobrecarga emocional dos pais
quanto às possibilidades da criança.
Para o conhecimento dessa problemática enfrentada pela família da criança em
controle oncológico, o primordial é reconhecer que ela existe dentro da instituição e da
sociedade de um modo geral, e que os profissionais de enfermagem necessitam
construir uma assistência voltada para esse grupo específico de famílias que cuidam
dessas crianças ( WERNET, 2000; NITSCHKE e ELSEN, 2000; NITSCHKE et al,
1992).
VI – (Re)descoberta da Convivência Familiar
Este capítulo enfoca a (con)vivência dos familiares com o escolar em controle da
doença oncológica, descrevendo seus sentimentos, experiências e dificuldades no
contexto da família e o apoio de pessoas externas ao núcleo familiar.
• Estratégias da Família: Diversidade de Sentimentos e
Conhecimentos acerca da Doença Oncológica.
Este tópico aborda os aspectos relacionados aos sinais e sintomas antes da
constatação da doença oncológica e a freqüência ao hospital. Quanto à constatação da
doença oncológica, a família busca resposta acerca dos sintomas apresentados pelos
escolares nos serviços de saúde, como pode ser evidenciado nos depoimentos:
“A minha, levei ao pediatra e ela falou : - Isso aí pode ser um bolo de
verme! Então eu falei: - Você tem que resolver, eu não estou entendendo, se vai
operar para tirar este verme. Aí eu falei: - Se você diz que tem conhecimento em
outro hospital, porque não é dor de verme não, é outro tipo de dor. Nós só
ficamos sabendo depois que ela operou, não existiu a biopsia. Primeiro ela
operou, ficou bem da cirurgia para depois saber o que foi, que era um câncer.”
(Coração ansioso)
“E ele se localizou atrás do rim, até para qualquer tipo de imagem, lá
fora não se visualiza...Mas lá fora, infelizmente, existem muitos médicos ainda
leigos. A (escolar)... passava mal de ficar gelada...e de febre...-Ah! Isso é febre
nutricional. Isso desde os três anos de idade ...Colocar pelo menos um médico
que tivesse um entendimento da parte oncológica, porque é difícil a gente
chegar, fechar um diagnóstico... Olha eu e minha irmã ficamos três dias
andando com uma criança no colo, com uma hematúria de sair coágulos!”
(Coração vigilante)
“A gente levou no pediatra! E a gente rodando, rodando! Dia e noite,
dia e noite rodando! Um pesadelo! (Coração
sofrido)
“Ele passou a dizer assim: - Não mexe comigo, eu estou muito
estressadinho! Quer dizer, ele já vinha sentindo o estresse da doença. E quando
eu descobri a doença dele, eu estava dando banho para ir para a escola, eu
descobri o caroço. Aí eu não levei na escola, levei no médico. Muito depois que
veio o resultado...
(Estrela solitária)
“Eu fui passar férias no Ceará...quando foi quatro horas da manhã o
meu filho começou a revirar os olhos com quarenta e dois graus de febre, levei
ao médico, ele ligou o ventilador e falou que era infecção de garganta. Voltei
para o Rio...aí fui deixando, nunca imaginei que meu filho tivesse essa doença
maldita...”
(Estrela
vencedora)
“Ela dormiu um dia bem, com nove meses e acordou chorando. Internou
na clínica, quatro dias depois: -Ela tem câncer nos dois olhos. Dormir com a
filha bem e acordar com a filha já doente e ser câncer: -Olha ela tem que tirar o
olho se não vai morrer. Foi encaminhada!” (Estrela
inconformada)
Através desses relatos constata-se a dificuldade do acesso aos serviços públicos,
bem como a dificuldade de diagnóstico do câncer infantil. Mesmo diante de situações
drásticas como hemorragia, considerada uma urgência pediátrica, existe a dificuldade de
atendimento, exames e diagnóstico.
A angústia dos familiares em conseguir um serviço para atender esta criança é
concreta, apesar de a cidade do Rio de Janeiro ter uma das maiores redes de serviços de
saúde, em relação a outras cidades do Brasil. Este contraponto é evidenciado pelos
casos que chegam à instituição, na maioria das vezes, caminhos longos até o serviço de
saúde, vários enganos de diagnósticos e avaliações conflitantes, evidenciando quadros
de tumor avançado.
Um dos relatos menciona a necessidade de interferência de conhecidos da área
de saúde, que pode ser um fator essencial no desfecho do diagnóstico, remetendo ao
pensamento da fragilidade do acesso aos serviços e o questionamento sobre a sua
democratização.
Esse quadro é constatado na instituição, onde os estadiamentos das doenças
oncológicas são avançados, além do desgaste emocional dos familiares frente a uma
indefinição ou um mau presságio de alguns profissionais de saúde sobre a doença do
filho.
Somando-se a isso, existe a dificuldade de encaminhamento para um hospital de
referência especializado, principalmente se a criança mora distante de um centro urbano
(SANTOS, 2002).
Constata-se que o adoecimento por câncer infantil não tem uma diferenciação de
outro tipo de doença da infância, chegando até mesmo a ser confundido. Pode acometer
qualquer criança em qualquer família, salvo nos tipos de câncer hereditário, e mesmo
estes ainda estão sendo identificados e pesquisados pela ciência (FERREIRA e
ROCHA, 2004).
A freqüência ao hospital está subdividida em dois momentos distintos e,
algumas vezes, opostos. O primeiro refere-se à chegada do escolar com os familiares à
instituição, com a forte probabilidade de diagnóstico de câncer e o segundo, quando os
escolares estão em controle da doença oncológica.
Dessa forma, os familiares relatam sentimentos de perplexidade e medo quando
chegam ao Hospital do Câncer, conforme os depoimentos:
“Mas quando eu cheguei ao hospital e mandaram para o Instituto
Nacional de Câncer, alguma coisa muito grave está acontecendo com a minha
sobrinha... eu passava aqui na porta e já tinha aquela visão do INCA”.
(Coração vigilante)
“Então aconteceu isso, a gente veio na triagem do INCA, ficaram
doidinhos”. (Coração
sofrido)
“Quando a gente entra aqui a gente leva um choque, um baque”
(Estrela
agradecida)
“...no dia que eu cheguei aqui, eu parei na calçada para
atravessar a rua e falei: - Meu Deus me dá força...eu sei que vou
conseguir. De tão covarde que o meu marido foi, ele estava sentado ali
na praça, ele não conseguiu subir...”
(Estrela isolada)
“...na segunda-feira eu já estava aqui sendo atendida pelo médico, fez os
exames é câncer, aí eu falei: -Eu posso perguntar? Eu posso levar em outro
hospital para ver se é isso mesmo?” (Estrela
inconformada)
Os sentimentos de perplexidade e medo ao chegar à instituição estão
estreitamente relacionados à vivência da família quanto à suspeita e confirmação
diagnóstica do câncer.
Pode-se supor que esses sentimentos são vividos por todas as famílias que
chegam à instituição, tendo em vista que o câncer e a morte estão juntos no imaginário
dos indivíduos e na sociedade.
O Hospital do Câncer carrega consigo um simbólico, tanto em seu nome, quanto
na imponência de seu prédio, de uma doença mortal ou/e deformante, que vai
destruindo o indivíduo, silenciosamente, até a morte.
Muitos desses aspectos são confirmados quando se observam os pacientes que
chegam à instituição. São pessoas que freqüentam o hospital para confirmação
diagnóstica, muitas vezes com a tumoração aparente e/ou com sinais físicos da presença
da doença. Outros casos são de pessoas em tratamento, com todos os efeitos colaterais,
como palidez intensa, alopécia, dispositivos artificiais e emagrecimento geral. E ainda,
existem os casos avançados de câncer, onde a caquexia, o avanço tumoral e a má
aparência são evidentes. Todas as crianças são atendidas nas dependências da
instituição, bem como no Ambulatório de Pediatria.
De acordo com Pitta (2003) o hospital é um “espaço mítico”, onde existem
problemas emocionais ocasionados pelos doentes, a doença e suas relações sociais, que
devem ser reconhecidos e administrados como elementos associados, que fazem parte
do ambiente hospitalar.
Além disso, Dousset (1999) descreve o ambiente hospitalar como um espaço
cheio de regras, proibições, horários, de ritmo próprio e, muitas vezes, dissociado das
regras sociais, onde o paciente e seu familiar necessitam se adaptar.
No caso do diagnóstico da doença oncológica, Garcia et al. apud Murad e Katz
(1996) associam o impacto da doença com uma espécie de “síndrome do câncer”, em
que a pessoa acometida e todos que a cercam se reportam a casos de parentes ou
conhecidos que, após o diagnóstico de câncer, sofreram muito, até a morte.
Pode-se supor que existe, realmente, a associação de câncer ao fim da vida e
morte, como se observa na prática, e que a chegada ao hospital e a confirmação do
diagnóstico de câncer ocasiona uma verdadeira revolução na vida e nos sentimentos das
pessoas envolvidas, ressaltado também por Angelo (1997).
Por outro lado, somente um dos familiares não verbalizou perplexidade e medo
ao ser encaminhado, relatando a melhora da criança quando chegou na instituição.
“Então depois que ela veio para cá, para o INCA, o dia a dia com a
equipe, para a gente, dava uma idéia sempre de melhora.”
(Coração tranqüilo)
Pode-se supor que o familiar frente ao diagnóstico acreditou na melhora do
estado da filha com o tratamento a que a mesma estava sendo submetida no Hospital do
Câncer.
Considerando a família atuante como unidade de saúde, elemento importante no
cuidado do escolar e participante ativo no período de tratamento oncológico, a posição
desse familiar facilita o entrosamento da equipe com a família (ELSEN et al., 1994).
No que diz respeito ao segundo momento- o controle da doença oncológica,
constatou-se que os familiares destacam a satisfação e a alegria em freqüentar o
hospital, sentimentos opostos à chegada, tanto na visão do escolar em controle quanto
dos familiares, reforçado pelo resultado satisfatório do tratamento do escolar, o que foi
verbalizado nos depoimentos:
“Para a gente passou a ser até uma festa, o dia em que se fala para
B.(escolar) que precisa ir ao hospital ela grita “eu vou ao Inca! Que bom!” ela
acha ótimo, a gente vem naturalmente... Hoje a gente vem ao hospital até com
satisfação, porque a gente teve um retorno tão satisfatório...Ela adora entrar na
salinha ficar desenhando...” (Coração
ansioso)
“É como se a gente tivesse chegando em uma cidade... E parece que
vocês aqui sabem o que é bom para as crianças, tem as festas, comemorações,
isto é importante para ela, tem a sala com os voluntários, isto agrada muito!
Então vir aqui no Inca é como se fosse um passeio, para ela e para a gente
também. É uma satisfação!... A gente passa e pensa que vai ter o mesmo
caminho que a nossa filha tem...”
(Coração tranqüilo)
“Eu acho aqui normal, normal como qualquer outro hospital. Porque eu
vou a outro hospital e vejo pessoas quebradas, esfaqueadas...O meu gosta de
vir, hoje mesmo eu falei da reunião, ele queria vir..”
(Estrela isolada)
“Eu acho normal, não acho nada de horrível.” (Estrela
agradecida)
“Hoje em dia ela não tem referência nenhuma do hospital, ela pergunta:
-O onze está aberto? Ela vem brincar, ela vem passear.” (Estrela
inconformada)
“ ...ele pede para deixar ele dormir, quando chega aqui ele muda, vai
para a recreação” (Estrela
vencedora)
A criança que continua viva até o final do tratamento consegue concretizar o
desejo dos familiares, demonstra o sucesso do tratamento e o “bom” trabalho da equipe
envolvida, passando a ser um “troféu humano”, que passeia nas dependências da
instituição. A sua vinda ao hospital é comemorada, pois representa o sucesso da
medicina e dos profissionais sobre o câncer, uma doença mortal. Talvez represente uma
vitória compartilhada, que precisa ser divulgada.
Apesar dessa satisfação em comparecer ao hospital, Brun (1996) aponta que os
familiares se alegram diante da cura da criança , mas caem em lamúrias, com as
dificuldades, a curto prazo, como aprendizado, socialização, adaptação na residência, e
dificuldades a longo prazo relacionadas ao futuro da criança, como o aparecimento de
seqüelas tardias, a constituição de uma família, a entrada no mercado de trabalho, ou
seja, a qualidade de vida.
Aliado à satisfação em freqüentar a instituição e de relatarem um “clima de
festa”, os familiares verbalizam reações de medo, desconforto e insatisfação diante dos
resultados dos exames e do comparecimento ao hospital, conforme os relatos:
“A gente fica nervosa, ... quando vem fazer os exames. Cada vez que eu
venho aqui para bater uma chapa de pulmão... ela fala “vou pedir outro
exame”, eu já pergunto - Está tudo bem?”
(Coração sofrido)
“E nós vimos e vemos toda esta família Inca, como uma grande família,
até porque as pessoas daqui, eu digo sempre, existe realmente amor, todos
trabalham com amor... quando eu falo que tem que vir ao hospital, ela fala, “eu
tenho que avisar as minhas tias que eu tenho que ir ao hospital”, quer dizer, ela
gosta de estudar, ela vem satisfeita aqui no Inca... Mas cada exame é aquilo!”
(Coração
vigilante)
“Ele não reclama de vir ao hospital. O meu filho se não precisar vir, se
eu puder vir sozinha e resolver, ele prefere ficar em casa.” (Estrela
agradecida)
“Ele diz: -Mãe quer que eu diga a verdade, eu não gosto daquele
hospital. Você viu o que eu passei naquele hospital ? Então agora eu quero
viver a minha vida aqui fora....”
(Estrela vencedora)
Analisando os depoimentos, constata-se a presença de sentimentos opostos que
se complementam, a alegria em voltar ao local onde ocorreu o tratamento com a vitória
nas mãos, e o medo do fracasso, de a criança voltar à condição anterior, de ser paciente
de câncer. Esta última, mais impactante, é considerada um fracasso da luta e a perda de
tudo que foi conquistado, com desdobramentos para os que participaram desse processo.
Então, pensar em um exame com alguma alteração imprevisível é um elemento de
tortura dos familiares, que freqüentam o hospital para o controle da doença oncológica
no escolar.
Além disso, observa-se também a insatisfação de alguns escolares em freqüentar
o hospital, pois o seu contato com um ambiente fora do hospital passa a ser a prioridade
na vida dessas crianças.
No caso dos escolares que freqüentam o hospital de 6 em 6 meses ou
anualmente, o comparecimento à instituição tem influência e conotação revelados e
transmitidos pelos familiares. O escolar é um membro participante ativo da família e a
sua idade permite a avaliação do que está acontecendo no seu entorno, com a elaboração
de idéias complexas que levam à formação de conceitos relacionados à situação
vivenciada, como ressalta Vigotski (2000).
Para as crianças em idade escolar, as notícias giram em torno da escola, dos
amigos e atividades de lazer, dificilmente eles relatam sentimentos sobre o tratamento,
uma vez que durante esse período tiveram o convívio social limitado, sofreram
mudanças na rotina de vida e muitas vezes foram afastados da escola (VIEIRA e LIMA,
2002).
No período de controle da doença, a freqüência é cada vez menor ao ambiente
hospitalar e, em contrapartida, o retorno à vida em família, amigos, comunidade e
escola. Com isso, a vinda ao hospital traz notícias e novidades do mundo da criança.
Pode-se supor que a vinda ao hospital tem dois lados, o da satisfação em ser
acolhido tanto pelo ambiente físico como pelos profissionais, e um lado negativo e
estressante, o enfrentamento dos resultados dos exames. Conforme enfocam Vieira e
Lima (opcit, p.11), “a doença altera o ritmo de vida da criança...uma vez que se vê
privado das atividades cotidianas”. O resultados dos exames, então, podem determinar a
continuação no controle oncológico ou a volta ao tratamento. A linha tênue entre saúde
e doença é constatada nessas vindas à instituição, de acordo com o que a família
construiu e constrói para esse momento.
Aliado a esses sentimentos, muitas vezes, os familiares, como forma de reação e
proteção da influência do ambiente, se alienam dos casos desagradáveis ou permanecem
em silêncio, sem ter contato com os outros familiares. As aproximações somente
ocorrem entre as crianças com o escolar em controle, movimento inverso entre os
familiares.
Acredito que esse comportamento pode ser justificado por Nitschke (1999, p.
50) quando descreve que o mundo imaginal: “É todo este mundo de significados, de
idéias, de fantasias, de evocação de figuras já percebidas ou não percebidas, de crenças,
de valores,... onde o ser humano está mergulhado.”
Aproximando essas noções de mundo imaginal com a realidade observada, os
familiares durante todo o tratamento do escolar recolhem dados observados, vividos e
sentidos, elaborando em seus corações conceitos conforme o seu entendimento, estilo de
vida, condição social e conceitos pré- existentes, que lhes estruturam um sentido próprio
dentro da família. Um mundo em movimento constante, com a elaboração de uma
imagem própria, que vai se refletir nos seus sentimentos e comportamentos ao
freqüentar a instituição.
Através dos relatos, constata-se que, apesar de as experiências serem iguais no
contexto, nos procedimentos e na rotina, elas são conflituosas, contraditórias e opostas.
Elas se desenvolvem dentro de um ciclo familiar, onde cada experiência tem uma
conotação diferente para cada membro, mas que se completam no entorno familiar. As
inter-relações adquirem movimentos particulares, até mesmo o familiar que participou
de forma distanciada se envolve por esses significados e faz parte desse mundo
imaginal, que se encontra religado ao todo, como destacam Nitschke e Elsen (2000) e
Nitschke et al. (1992).
Conforme as autoras (opcit, p. 39), “a imagem é um concentrado do mundo”,
assim sendo, vê-se o ambiente hospitalar através de uma lente própria do observador
que é ligado à família, à comunidade e ao mundo, justificando assim as várias formas de
se enxergar esse mundo real.
Outro elemento importante ao freqüentar o hospital é o contato dos familiares da
criança em controle, com crianças em tratamento e/ou terminais. Esse convívio, mesmo
por um pequeno espaço de tempo, possibilita sentimentos de angústia e medo, sendo o
mundo imaginal construído em torno da condição de controle da doença oncológica do
escolar ameaçado durante a verificação dos exames no consultório médico, com a
possível detecção de recidiva da doença.
Quanto ao tratamento oncológico, esse aspecto foi destacado por todos os
familiares de forma detalhada, em alguns casos com a descrição de horários, os efeitos
colaterais e os tipos de tratamentos prescritos para os escolares:
“Só se percebia que ela tinha aquelas coisas, aquelas borrachinhas, os
soros, era só o que fazia com que a gente percebesse que ela estava fazendo um
tratamento.” (Coração
tranqüilo)
“... a minha filha fez quatro ciclos de quimioterapia...marcou a
colocação do cateter, no dia onze ela começou a quimioterapia... quando
chegava em casa a gente fazia assim, gente, não caía um fio!... Eu já
ficava preparada toda vez que ela fazia a quimioterapia... A
quimioterapia dela era de oito da manhã até cinco da tarde...As mães
falavam assim : se a criança vomitar é porque tem câncer aí, se a
criança sentir dor de cabeça na hora que estiver fazendo a
quimioterapia, é porque tem câncer aí...”
(Coração ansioso)
“... ela foi direto para a cirurgia, já foi retirando o tumor..., daí
veio a biopsia, é câncer?... E foi seguindo todo o controle quimioterápico
e radioterápico.... A (escolar) vai cair o cabelo, mas se lavar todo dia, é
que nem capim, cresce de novo! ... Se A (escolar) estava fazendo
quimioterapia, com o fator imunológico baixo, usando máscara...”
(Coração vigilante)
“...você tem que perceber que teu filho está doente e que você tem que
fazer quinhentas coisas novas, tudo! Quando eu comecei a chorar foi na
primeira quimioterapia, chorava ela e chorava eu...na primeira e na segunda foi
assim...fez dez aplicações.” (Estrela
inconformada)
“...ele fez cinqüenta e pouca coisa de radioterapia, tudo sem anestesia,
só a primeira vez, depois foi direto. Ia fazer a quimioterapia, o tratamento, se
caso não diminuísse o tumor, ia passar por outra cirurgia.”
(Estrela vencedora)
“...eu passei aqui quarenta e oito dias na enfermaria e dezesseis dias na
UTI. Tinha dias de eu estar no décimo andar e descer a escada correndo e ir na
medica e falar:- Meu filho está grave!...veio o tratamento, ele ficou trinta dias
fazendo hemodiálise...” (Estrela
lutadora)
“Ele fez a quimioterapia, fez quatro blocos. Eu vejo tanta criança
sofrendo com tantas quimioterapia, com tantos blocos. Ele fez só quatro e doze
radioterapias. O D..(escolar) fez a quimioterapia...O meu passou a ter horror da
sala de quimioterapia...então todos os dias que ele vinha tinha que ser furado,
era um horror.”
(Estrela isolada)
“Eu saía com os braços todos mordidos na quimioterapia, toda
machucada. Internado era pior. O meu ficou aqui, eu acho que dois anos e onze
meses, quase três anos. Ele só ficou quatro meses com o cateter, foi todo furado.
O meu filho já esteve na UTI, já esteve desenganado pelo médico...”
(Estrela agradecida)
Constata-se que o tratamento foi vivenciado por todos os membros do grupo
estudado, dando idéia de como esses momentos ficaram registrados no coração de cada
um e dentro da vida familiar. Os tratamentos relatados pelos familiares foram a
quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia.
O vocabulário entremeado de termos técnicos está presente nos depoimentos;
aliando nomes de procedimentos tecnológicos com a vivência dos familiares, a cultura,
o mundo social e a herança familiar, eles adquiriram uma forma de conhecimento
próprio para entender o tratamento oncológico e transmitir este conhecimento dentro e
fora do ciclo familiar.
A vivência do adoecimento foi e continua sendo elemento marcante na vida
destas pessoas, pois o sofrimento foi relatado e demonstrado através de vozes
embargadas e lágrimas, durante a entrevista. É o coração da família que sentiu e que
relembra os difíceis momentos durante o tratamento.
Apesar da quantidade de sentimentos que assolam o coração de cada um,
deixando todos sem fôlego e força, a família necessita ajudar a criança a transpor as
situações de sofrimento causadas pela doença, pela dor física e emocional e o
afastamento do ciclo de vida.
Concomitante ao aparecimento do câncer que quebra a rotina familiar, ele
ocasiona uma avalanche de perdas, em que todos os corações são arrastados.
Conforme descrevem Angelo (1997), Melo e Valle (1999), Oliveira (2002) e
Murad e Katz (1996), a confirmação diagnóstica e o adoecimento por câncer pode
causar um efeito devastador na família.
Além disso, Valle (1997) ressalta que após o impacto do diagnóstico de câncer
no filho, se inicia a dura carga de conviver com a realidade da doença, na qual
sentimentos de insegurança, solidão, medo e desespero são constantes na vida familiar,
e a sombra da morte aparece a cada momento durante o tratamento.
Françoso (1996) ressalta que normalmente ocorre um processo de idealização
que envolve a infância, fase de vida que é fonte de expectativas positivas e prazerosas,
planejamento de futuros próximos e distantes, uma espécie de “corporificação da vida”.
Com a confirmação diagnóstica, essa idealização é minada de dúvidas, quanto ao futuro
da criança com câncer e a revelação da possibilidade da morte, denotando uma perda, às
vezes, irreparável de sonhos e possibilidades. Uma espécie de paralisia diante da
realidade.
O tratamento obriga a uma nova rotina de vida, em que a criança e a família
devem seguir logo após o ciclo de quimioterapia ou radioterapia. Os quadros febris
como sinal de infecção e risco de vida, hematomas, sangramentos, plaquetopenia ou
pancitopenia, controle constante de possível reposição sangüínea, manuseio do cateter
de longa permanência, internações de emergência e outras particularidades (MURAD e
KATZ,1996; PIZZO e POPLACK 2001; e KOWALSKI et al., 1996).
Cada momento exige atenção, entendimento, disposição, destreza e força por
parte do familiar, para enfrentar o dia-a-dia de um tratamento de câncer.
Além disso, são observadas as modificações da aparência da criança, com as
cicatrizes deixadas pela biopsia; os dispositivos artificiais para facilitar o tratamento; a
melhora ou piora do estado geral; a palidez cutânea; a perda de peso e, muitas vezes, o
atraso no desenvolvimento infantil.
Segundo Alby apud Valle(1997), a quimioterapia como uma segunda doença
ocasionada pela equipe de saúde, a qual apesar de ser uma modalidade de tecnologia
avançada do tratamento oncológico, a criança que faz esse tratamento passa a sentir
vários desconfortos em seu estado geral, deixando os familiares na dúvida quanto aos
resultados do tratamento.
Para o familiar que acompanha a criança no seu dia a dia, conseguir seguir o
tratamento, ele e a criança vão necessitar de apoio dos membros familiares, amigos,
vizinhos e até mesmo de desconhecidos. Muitas vezes, essa rede de apoio é invisível ao
olhar dos profissionais, mas presente no cotidiano dessas pessoas, mesmo à distância.
Sobre esta relação do apoio familiar, Elsen et al., 1994, destacam que nas
famílias saudáveis os membros se apóiam, principalmente nos momentos difíceis e se
adaptam às mudanças que ocorrem, permitindo, assim, aos membros dessa família
manterem aderência aos tratamentos e estimulando a recuperação da saúde.
Ainda, a autora (op.cit.) ressalta que, sendo a família uma unidade de saúde, os
seus membros acabam desenvolvendo todo um processo de cuidar, no qual se evidencia
um movimento de observação das condições de saúde, a identificação de problemas,
definição da situação, tomada de decisão e solicitação de ajuda. Vale destacar que esse
processo é muito identificado na instituição, cenário do estudo, durante o tratamento do
escolar com câncer.
Outro aspecto abordado é a cura da doença, relatada por todos os familiares:
“... eu queria falar isso para muita gente, para que as pessoas
acreditassem que existe a cura... E quando ele viu a B (escolar) , no decorrer do
tratamento melhorar, ele já não acreditava que ela tinha tido isso! Na cabeça
dele, não foi câncer que ela teve... A médica falou – Olha eu não vou mais fazer
com ela quimioterapia, sua filha está curada, ela não tem nada!...”
(Coração ansioso)
“Está curada, está! Mas qualquer coisa que aquela criança sente!... Está
curada, eu tenho certeza. Eu acredito... Porque todos nós buscamos a cura...
Mas lá dentro de nós, fica aquele sinalzinho de alerta. Aquela reticência...”
(Coração
vigilante)
“Mas agora estão felizes! Está tudo bem... A cura da A (escolar)”
(Coração
sofrido)
“... para eles a criança está curada. Para os tios, os avós, os vizinhos, os
amigos, para eles está curada. Para nós tem alguma diferença, nós temos
aqueles pensamentos ainda!... sempre temos que ter o pensamento voltado para
o tratamento... Até o dia em que disserem para você, a criança está totalmente
curada...” (Coração
tranqüilo)
“...tem muita gente que vê que o filho está curado, mas que tem uma
deficiência...” (Estrela
inconformada)
“Porque o meu filho está curado, eu tenho certeza, mas ficou aquilo lá
trás, que eu queria resgatar...Não, ele não é mais doente, ele foi, mas ele é
curado Esta doença para mim nele é morta, é morta.”
(Estrela isolada)
“Mas aqui todo mundo é curado, você já percebeu?” (Estrela
agradecida)
“Todos os casos daqui desta sala são de crianças curadas...Mas venci,
hoje em dia meu filho está curado...” (Estrela
vencedora)
“...eu gosto de passar para as pessoas que eu estou bem, meu filho está
feliz, está bem!” (Estrela
lutadora)
A cura aparece em todos os relatos dos familiares. Embora esta assuma diversas
conotações, observa-se de modo geral que, apesar de ser dito que a criança está curada,
a dúvida persiste. Estar curado, nesse caso, é muito mais um desejo do que uma certeza.
Isso provavelmente decorre do fato que o câncer, normalmente, remete a uma doença
incurável.
Esta necessidade que um dos familiares tem em divulgar sucesso no tratamento
do câncer está intimamente ligada à incredulidade das pessoas quanto à cura do câncer.
Apesar de os relatos destacarem a cura, observa-se o viés da dúvida, como um
reflexo do pensamento comum da população. Deve-se levar em consideração que esta
família faz parte de um todo, cercado pela comunidade, que faz parte de um grupo, que
tem uma cultura própria e que não está dissociada do mundo, mas é parte integrante e
ativa do mesmo, sendo difícil ter um sentimento e opinião tão dissociada do todo. Essa
diversidade e complexidade de pensamentos e sentidos, nos quais a família está imersa,
é apontada por Nitschke (1999) quando descreve em seu estudo “As Tribos da Lagoa”,
as influências/ relações/ trocas que essas famílias compartilham.
Segundo D’Angio et al. (1995, p. 245), “as crianças curadas de câncer infantil,
são as que não tiverem nenhuma evidência de doença por 5 anos e estejam fora de
tratamento por 2 anos”, e esses critérios, na maioria das vezes, não são compreendidos
pelos familiares.
Geralmente, crianças curadas do câncer são portadoras de deficiências físicas,
interna e externa; comprometimentos cardíacos, auditivos ou visuais; com cicatrizes
deformantes; distúrbios de aprendizado; alterações emocionais; subfertilidade em ambos
os sexos a longo prazo; distúrbios endócrinos; desajustes sociais, entre outros.
É importante ressaltar que a última complicação, o desajuste social, está
relacionada ao estigma social, que poderá interferir na aceitação em planos de saúde, em
determinadas instituições ou atividades de determinados empregos, “o preconceito em
relação ao paciente que teve câncer, no nosso meio, é visível” (D’ANGIO et al., 1995,
p. 254).
Esse emblema de curado muitas vezes inverte o seu significado, reforçando o
estigma de ser paciente sobrevivente de câncer, com necessidades especiais de saúde e
portadores de doença crônica (CAMARGO e LOPES, 2000).
Em outra abordagem, sentimentos de insegurança quanto ao estado de estar
curado é descrito por Lacaz (2003) quando relata que a cura é algo difícil de se
conseguir e que os familiares sempre a buscam e a desejam.
Apesar de a autora (op.cit.) ter restringido o seu estudo ao período de tratamento,
descrevendo os sentimentos de insegurança, alegria e esperança que acompanham os
familiares, observa-se a presença dos mesmos sentimentos de maneira mais sutil e
discreta também durante o controle oncológico.
Avançando mais nessa questão, pode-se abordar a cura sob a ótica de Boff
(2000) que a descreve de forma integral, na qual existe dentro de um processo global,
envolvendo o ser humano total e não apenas a parte enferma.
A partir dessa ótica, tão diferenciada da visão da medicina ocidental, a qual
divide o ser humano por órgãos ou sistemas, pode-se considerar um significado
diferente de cura. Essa visão pode ser a dos familiares que convivem com a criança na
sua totalidade, e não de maneira desarticulada.
Outro aspecto destacado pelos familiares foi o entendimento de controle da
doença oncológica:
“O entendimento de criança de controle para mim, é criança curada...
Realmente, a gente vem cumprir uma tarefa que tem que fazer, mesmo que seja
a vida inteira, tendo que vir uma vez por ano. Com certeza a gente vai vir, como
o coração tranqüilo estava falando, naturalmente. Não existe mais aquele
trauma, aquele bicho papão. Meu Deus, isto acabou!... você vai ter que
continuar vindo mês a mês. E nós viemos aqui assiduamente! ”
(Coração ansioso)
“Ela (escolar) entrou no controle e permaneceu um período com o
cateter, como sinal de alerta... controle não quer dizer que você está totalmente
curada!... toca a vida dela agora normal... A A (escolar)... lá no fundinho tem
medo de levar um tombo e reiniciar o tratamento... Daí vem o diagnóstico, é
recidiva tumoral, já não é mais em um só lugar... Minha filha, seja muito forte, o
controle é isto! É começar e recomeçar... você passa á viver em neurose, você
fica até um pouco neurótica”
(Coração vigilante)
“... ela precisa seguir os passos, seguir, então se os passos fossem para
controlar seria continuar com o tratamento, então era assim... Então sabemos
que temos o dever de manter o controle... E este é o controle que nós devemos
seguir sempre, botar na cabeça! Até o dia em que disserem à você: a criança
está realmente curada, não há necessidade de controle. (Coração
tranqüilo)
“Eu entendo assim que ele fez o tratamento e agora está sendo
controlado, está sendo visto, fazendo os exames de rotina para ver se realmente
aquela doença não vai mais voltar.”
(Estrela lutadora)
“E o entendimento de controle é isso que eu falei, que meu filho teve uma
doença brava mesmo, e graças á Deus agora não existe mais, e ele precisa de
acompanhamento de 6 em 6 meses, fazer os exames, saber se a doença voltou.”
(Estrela
agradecida)
“Agora não, tem que vir mesmo porque está fazendo o controle, para
saber como é que ele está. O controle é isso...Eu não, eu venho e faço tudo que
eles pedem de exames. ” (Estrela
vencedora)
“Ter que fazer exames na M (escolar) para mim era um suplício, eu
vinha com o coração na mão. Até que um dia arranjei um médico fora do
hospital, aí eu não vim mais no controle, tomografia tem que fazer de 6 em 6
meses, nunca mais eu fiz...Muita gente não entende, como a senhora que
controle é isso...voltar para casa, voltar á trabalhar, educar o monstrinho que
você fabricou no hospital, isto é o controle, é você saber que é o seu filho, que
mãe você vai ser...”
(Estrela inconformada)
Como foi mencionado sobre cura, o controle da doença oncológica tem várias
interpretações, com base no olhar de cada pessoa que integra o grupo familiar. Cabe
ressaltar que apenas um dos familiares não se manifestou sobre o assunto e outro
familiar não tem nenhum entendimento de controle de doença:
“Eu não sei, eu acho assim que era doente e agora está lá. Eu não
entendo direito o que é isso...Eu não entendo o que é controle. O que é controle?
Eu não entendo...Eu não entendo por isso, porque o D (escolar) não faz exame
nenhum. Então eu não entendo o porque do controle, o controle da doença.”
(Estrela isolada)
Supõe-se que a evolução do diagnóstico e as várias formas de enfrentar as
adversidades ao longo do tratamento determinam o foco em que cada familiar vai se
deter para enfrentar o controle da doença oncológica.
Inicialmente, um dos familiares associa controle a tratamento, que logo após vai
se modificando e sendo encarado como a fase de término do mesmo. Alguns encaram
essa etapa como uma fase de necessidade de vigilância e de cumprir a rotina de ir ao
hospital, apesar da ausência da doença.
Constata-se, tanto no concreto quanto no imaginário, a fragilidade desse estado e
o medo da possibilidade de recidiva tumoral; os sinais e sintomas da síndrome de
Damocles9 e o medo do resultado dos exames, apontados por Clark e McGee (1997).
O acompanhamento de crianças em controle oncológico, folow up, consultas de
revisão ou de sobreviventes à longo prazo são condutas bastante recentes em nosso país,
como aponta Meadows apud D’Angio et al. (1995).O autor, ainda, descreve que essa
clínica tem o objetivo de detecção dos efeitos tardios da doença e terapia e preservar a
saúde da criança, em vez de enfocar a recidiva da doença.
Quanto a esta última afirmação, o temor e a obrigatoriedade em comparecer à
consulta de controle, pode estar intimamente ligada á idéia de recidiva, já que alguns
9 Efeito psicossocial em ex-pacientes de câncer e seus familiares. Medo eterno da recidiva da doença.
casos foram detectados nesse tipo de consulta, ficando quase impossível não se associar
a consulta à recidiva da doença.
Murad e Katz (1996) ao abordarem sobreviventes de câncer, descrevem o
complexo processo de reestruturação física, psicológica ou social proveniente de
preocupações e desafios que as pessoas enfrentam, e neste caso do estudo, o escolar e
seus familiares, são quem merece atenção dos especialistas.
Leigh apud Clark e McGee (1997), na definição de sobreviventes de câncer,
incluem todas as pessoas afetadas direta e indiretamente pela doença, como os membros
da família, pessoas significativas para a criança, amigos, colegas de escola, profissionais
de saúde e todas as pessoas de convívio social. Sob essa ótica, constata-se que todos os
familiares, sujeitos do estudo, são sobreviventes de câncer e que todos encontram-se em
controle como o escolar.
Vale destacar que os profissionais de enfermagem incluídos nesta situação
extrapolam o cuidar técnico, e eles passam a fazer parte da vida do paciente e, talvez,
conforme enfoca Boff (2000), da trajetória de vida daquela família.
Os familiares também relatam a maneira de fazer o controle da doença em casa,
como a palpação do local, onde se localizou a doença; sinais e sintomas relacionados ao
aparecimento da tumoração, além de poupar a criança de situações estressantes
desnecessárias e até atenuando as cicatrizes, substituindo para algo como uma marca
especial na criança:
“... lá no fundinho tem medo de levar um tombo e reiniciar o
tratamento... Ela tem bicicleta, sabe que vai pedalar, vai correr e pode cair...
A... não aceita este tipo de brincadeira... Ela vem assustada, coitada!... Eu
abraço ela, mas apalpando, tá me entendendo? Porque eu sei que é uma massa,
então eu procuro... Eu a beijo, vejo se está com temperatura... Gente vigia esta
menina, olha ela está quentinha! Sinal de alerta, febre é sinal de alerta!... lá
dentro não está funcionando... vigia vinte e quatro horas, porque o câncer é
assim, é sinal de alerta!”
(Coração vigilante)
“É, ela está sempre de olho, um tombinho, lá vai ela! Até no banheiro...
Ela briga comigo para eu olhar, até se a A... vai ao banheiro, ela vai...”
(Coração
sofrido)
“... Mas é uma coisa que faz a gente aprender a conviver, de uma outra
forma com a doença... Sabe ela diz (tia): Tadinha, ela sofreu tanto!... Então todo
mundo passa a mão na cabeça dela (escolar), a gente trata tão normal que... Aí
eu falei: -Isso aqui é uma marca que o papai do céu te deu!”
(Coração ansioso)
“o irmão comprou caneleira e falou: - Olha você não pode se machucar,
senão a médica vai brigar contigo, vai zangar com a mamãe, você vai ficar todo
roxo. Uns dias desses apareceu de novo (machucado), a minha irmã falou: -
Apareceu de novo pode ser a doença! Eu falei:- Não tem nada, ele está
resfriado...” (Estrela
isolada)
“As professoras perceberam que ele perdeu a visão, chegaram para mim
e falaram, eu expliquei a situação. O médico não sabia que o B.S...(escolar)
tinha perdido a visão, ele veio saber porque eu falei, porque eu descobri em
casa.” (Estrela
agradecida)
“Nós estamos tentando conversar com o D.M. (escolar) para ele poder
ficar mais alerta, mais esperto. Ás vezes está conversando deve fazer a leitura
labial. Eu por fora conversei com um otorrino... que pudesse ver o tipo de perda
do D.M. (escolar), da audição.”
(Estrela lutadora)
“Mas quando começa a febre, ele fala: - Mãe pára com isso, eu não
estou doente não, você está ficando doida!” (Estrela
vencedora)
Constatam-se as diferentes formas de preservar a saúde do escolar e ter o
controle próprio, ou seja, feito pelos familiares.
Pode-se supor que esse tipo de controle é paralelo ao do hospital, e desconhecido
pelos profissionais de saúde da instituição. Acredito que seja uma forma de confirmar a
cura da doença todos os dias, e formas de investigação e preservação diferentes, dentro
de cada experiência; um controle silencioso, que muitas vezes não é identificado pelo
próprio escolar. Os familiares procuram sinais e sintomas relacionados ao início dos
sintomas da doença, como forma de detectar alguma anormalidade. Constata-se que não
só os familiares fazem este controle, mas também os vizinhos, e até mesmo a escola.
Essa estratégia aparece silenciosa até mesmo na literatura, apenas apontada
como enfrentamentos psicológicos, como medo da recidiva tumoral ou a transição do
status de paciente para indivíduo saudável. Murad e Katz (1996); Clark e McGee (1997)
justificaram de forma superficial este evento marcante no controle da doença oncológica
infantil.
Alguns familiares relataram a mudança de vida depois da convivência da família
com o escolar com doença oncológica:
“ Eu era uma pessoa como se diz, materialista. Eu só queria saber de
comprar roupa, sapato, calçado, boneca...o Inca é uma lição de vida... muitas
pessoas lá fora são hipócritas, acham que elas são tudo, e no fundo aqui é uma
lição de vida. Você percebe que não é nada! Você é passível à tudo como todo
mundo, de manhã cedo você é um, de tarde você é outro.” (Coração
ansioso)
“...a maioria que passou por isso fica incapaz de sorrir, eles não sabem a
importância que um sorriso tem. Eu digo mesmo a nossa vida nunca mais é a
mesma...eu queria um dia poder fazer uma coisa do tipo coração aberto.
Quando precisarem de mim, me chamem porque eu gosto de falar muito.”
(Coração
vigilante)
“...eu tinha vontade de vir para trabalhar como voluntária.”
(Estrela
isolada)
“...eu tenho vontade de tratar com as pessoas que estão chegando aqui.
Hoje mesmo eu estive conversando com uma mãe que chegou...Eu mudei, eu
fiquei mais amorosa, mais amiga das pessoas, pelo menos a minha passagem
por aqui serviu para isso.”
(Estrela lutadora)
Constata-se a mudança de vida dos familiares em relação à essência da vida, dos
valores, entre outras, e não às mudanças materiais ou rotinas e adaptações frente à
doença. O olhar que via o mundo anteriormente mudou, adquiriu novas experiências,
pode-se dizer até diferentes conhecimentos, e começa a ver além do que as pessoas
percebem, é a mudança interior, que muitas vezes acontece como resultado de muito
sofrimento vivido ou presenciado.
Segundo Boff (2001, p.105) a tragédia leva ao aumento da capacidade de sentir
compaixão, ela ensina a compaixão, e torna todas as pessoas sensíveis a ponto de serem
tocadas e envolvidas com a infelicidade do outro, em todos os tempos e sob todas as
formas.
Os planos para o futuro têm um “que” de vitória e muitas vezes o próximo
incluído, mesmo que não se concretizem, pois o que importa é poder planejar com todos
bem unidos, apesar das dificuldades passadas e presentes (op.cit., 2001).
Mesmo que a família tenha sofrido modificações, alguns familiares se
distanciaram, outros deixaram de ser família, mas o pensamento estará sempre voltado
para a (re)novação.
• Interações da Família: Diferentes Faces do (Con)viver com o
Escolar
Este tópico aborda o apoio que a família recebeu de seus familiares e também
das pessoas externas ao núcleo familiar, bem como a importância da presença da família
para enfrentar dificuldades durante a caminhada do diagnóstico até o controle da doença
oncológica.
Umas das principais formas de apoio é o acolhimento, dedicação, orientação,
preocupação e até mesmo a paciência que o familiar acompanhante tem com o escolar,
tanto no período do tratamento como no controle da doença.
“Ela reagiu assim, reagiu lá no cantinho dela, ela estava
desanimada...É difícil para a cabeça de uma criança encarar tudo
isso...porque eu não queria que ela sofresse. Mas eu tinha que explicar
alguma coisa para aquela criança, ela estava tão desesperada quanto
eu...eu procuro não esconder, porque ela tem condição de entender.”
(Coração
vigilante)
“Aí eu expliquei: -Sabe o que aconteceu com você? Você teve
uma doença muito grave, que ia morrer. O médico foi abriu a tua
barriga e tirou o que estava podre , de uma vez, o que estava ruim. Por
isso que você tem esta cicatriz...”
(Coração ansioso)
“Eu tapei os ouvidos dele e entrei correndo para ele não ouvir a
gritaria (tia do escolar). Deitei na cama e cobri eu e ele para não
escutar, não preciso disso, preciso de apoio... O meu filho me batia, me
avançava...mãe não é carrasco, a mãe vai dar a injeção no filho para ele
ficar bom. Mas eu iria me abalar, eu me preocupando, ele se preocupa.”
(Estrela
isolada)
“Falei com ele da doença porque ele vem me perguntando sobre
o câncer e o Instituto Nacional de Câncer, então eu falei com ele, tive
que explicar a doença que ele teve, como foi, o nome do tumor, o tipo do
tumor, apesar dele ser pequeno ele me cobriu de perguntas, foi
conversado com ele.”
(Estrela lutadora)
“Ele quase arrancou o pedaço da mão da enfermeira. Mordeu a
enfermeira da noite e ela falou: - Eu não vou botar a mão neste garoto
porque ele morde e vai me beliscar... eu estourei,... internado era pior.
Ele xingava na quimioterapia. O meu queria morder, eu falava: -Morde
a mim.” (Estrela
agradecida)
“... ou eu paro de chorar e converso com esta criança ou então
ela não vai conseguir...Fui lá e conversei com ela, expliquei que tinha
que fazer o remédio, que não tinha jeito, que era assim. Claro que é uma
criança que não enxerga, está num lugar estranho que ela não conhece
ninguém...ela está em um lugar que faz barulho, ela tem medo.”
(Estrela inconformada)
Os familiares que acompanham o escolar durante o tratamento e o controle
passam a ter um papel importante de apoio à criança nessa nova realidade a ser
enfrentada, tendo em vista que as reações dos escolares são agressivas frente às
dificuldades do tratamento.
Outro aspecto importante é os movimentos de acordos na família com uma
pessoa ou duas, que ficam responsáveis em acompanhar a criança ao hospital e são
eleitas pelo próprio grupo familiar, como Lacaz (2003) identificou em seu estudo. Essas
pessoas cumprem uma rotina de vida dedicada ao tratamento do escolar, privando-se
muitas vezes de vida própria. Tudo gira em torno da criança e da rotina hospitalar.
Os indivíduos do gênero feminino estão mais presentes durante o período de
tratamento, por razões descritas por Beck (2002), que analisa o papel da mulher como a
cuidadora responsável pela saúde da criança, é o membro da família a que assume como
dever permanecer com a criança no hospital. No entanto, observa-se em certos núcleos
familiares a presença da figura masculina durante o tratamento. Na maioria das vezes,
essa presença está associada ao desemprego desse familiar, à disponibilidade do horário
de trabalho, gestação avançada da mulher ou uma outra criança doente em casa.
Uma das funções mais importantes do familiar é servir como meio de
comunicação para o escolar, nas horas difíceis de angústia, agressividade e o medo.
Dessa forma, é essencial ter um colo, uma palavra de atenção e tranqüilidade ,
facilitando a passagem de informações necessárias do procedimento em questão e a
cooperação da criança.
É comum ao familiar se sentir impotente diante das reações da criança, que sofre
durante o tratamento como punção venosa, exames invasivos e procedimentos, que
causem dor, como ressalta Valle (1997).
Outra importância do familiar que acompanha o escolar é a sua facilidade de
comunicação e entendimento da criança, pois os dois sendo do mesmo grupo familiar,
os códigos, signos e sinais são bem mais compreendidos.
Vigotski (2000) aponta que a criança inicia cedo a utilização das palavras e tenta
estabelecer uma compreensão mútua com os adultos, ainda que esta forma de
pensamento não esteja tão evoluída.
Para o familiar que acompanha o escolar no hospital, estar ao lado nos
momentos difíceis é uma forma de estender a mão e oferecer apoio, mesmo com a
distância física. Isso pode ser evidenciado nos relatos a seguir:
“Essa minha irmã não me largava hora nenhuma, em momento
algum... Então ela tinha que suprir todas as necessidades da minha outra
filha, a falta do pai, da mãe e da irmã... essa minha irmã não existe,
gente, ela ficava, ela chorava, chorava... quando nós chegávamos em
casa, ela abria um sorriso para você.... É a minha irmã que toma conta
delas desde que elas nasceram, porque eu trabalho.”
(Coração ansioso)
“Nós da nossa família não vemos como deixar a A (escolar),
tivemos que deixar a nossa vida, todos tiveram que deixar a sua vida
pessoal de lado, não teve esse negócio de egoísmo, e todo mundo foi á
luta... Às vezes, ela estava passando mal, tinha que vir de carro, o outro
vizinho se oferecia para ser o motorista, meus irmãos, meus cunhados
chegavam juntos com os horários deles... Reúne a família, A participava
das reuniões e a gente explicava... Eu sou uma tia muito presente.”
(Coração vigilante)
“Todo mundo queria ajudar!... Quando ela(escolar) foi para
casa, a gente fez uma festinha para ela... Uma festa de boas vindas para
ela. Uma coisa linda, muito linda... Esta aqui é a mãe da minha filha... A
A (escolar)... então agora é tratada pelos irmãos com um carinho
maior... minhas irmãs, acho que ninguém fez igual... Se eu precisasse
delas todos os dias, com a minha filha, elas vinham... Eu moro num
quintalzinho com a minha mãe, com as minhas irmãs... Nossa, se não
fossem elas, as minhas irmãs, minha mãe, minha família, eu não sei o
que seria de mim.”
(Coração sofrido)
“...porque ela tem um irmão que é um ano mais velho que ela,
que sempre ajudou muito esta criança. Era irmão dela, quer dizer, ele
não percebeu que a irmã estava cega,...continuou a brincar...”
(Estrela
inconformada)
“A nossa família, a minha família, a minha mãe, o meu irmão, o
meu sogro, a nossa família ligava para saber como ele estava, ligava
para saber se podia vir ao hospital e quando podia ir. Minha tia é
católica então fez promessa. Mas na época o meu marido me
acompanhou para todo tipo de tratamento...”
(Estrela lutadora)
“Quando eu descobri que ele estava com câncer a minha irmã
chorava, chorava...A minha irmã que mora em Casimiro de Abreu foi lá
em casa, hoje eu moro com ela...” (Estrela
isolada)
Os familiares relataram sua experiência sobre o apoio da família, e apenas um
dos participantes não verbalizou seu depoimento. Acredito que sua presença representa
o apoio, uma vez que ele é o pai de uma das crianças e veio junto com a esposa
participar da entrevista. Considero a sua presença e participação como apoio familiar.
Constata-se a rede de apoio que se constrói dentro da família para superar
dificuldades como o diagnóstico de câncer e o tratamento do escolar. Os cuidados se
estendem para outros membros da família que ficaram em casa, principalmente crianças
e idosos, como uma forma de apoio à distância para continuar o tratamento, a vinda ao
hospital, as dificuldades, principalmente, relacionadas às questões econômicas e à
distância da residência, e tantas outras situações que a equipe de saúde desconhece e,
muitas vezes, não avalia (MARTIN e ANGELO, 1999).
Vinculando os relatos de apoio da família com a definição de família descrita
por Elsen et al. (1994), a família é um mundo complexo, com um processo de viver
único, porém compartilhado com outras famílias e outros grupos sociais. Diante de uma
necessidade individual de seus membros, a família volta-se internamente para atender
suas necessidades, como ressalta O’Brien (2001) sobre a manutenção do funcionamento
da estrutura familiar.
Por outro lado, existem famílias que se sentiram sem apoio de familiares e foram
buscar apoio com outras pessoas.
“Lá fora eu não tenho família...O pai chegava aqui às cinco, cinco e
trinta da tarde, quando vinha fazer visita. O tempo todinho era eu e Deus”
(Estrela
agradecida)
“Depois que ele começou com a doença, pronto , nem o pai dele. Teve o
filho e não quis assumir, eu aqui sozinha, ninguém vinha me render de dia ou de
noite...Só quem vinha me visitar era a madrinha dele com quem eu morava.”
(Estrela
vencedora)
“...a falta de amor da minha família, uma falta de amor muito grande.
Eu não tive apoio da minha mãe, do meu irmão. A minha irmã , eu passava na
porta da casa dela...eu passei quando vim do hospital a primeira vez, ela nem
foi lá em casa me ver”
(Estrela isolada)
“A minha sogra se jogava no chão, a minha irmã passava mal, minha
mãe chorava, o meu marido queria se suicidar. Meu marido não me
abandonou... Ele não foi embora, mas ficou do meu lado bebendo.”
(Estrela inconformada)
Constato os familiares sozinhos e com sentimento de abandono frente à situação
de adoecimento do escolar. Cabe destacar que, apesar de três familiares terem alguém
por perto, não se sentiram apoiados, seguros com a presença dessa pessoa. Acredito que,
nesse caso, não se pode considerar somente uma presença, mas o significado dessa
pessoa para a família, e principalmente para o escolar e quem o acompanha.
Além disso, algumas famílias não têm pessoa alguma para participar dessa
caminhada, e acabam buscando apoio nos funcionários do Serviço do HC-I, com
voluntários da sala de recreação ou da Casa Ronald. Algumas mães que acompanham
seus filhos se apóiam mutuamente formando uma outra família, e mantêm esse contato
fora das dependências da instituição.
Uma das situações preocupantes das relações entre familiares dentro da
instituição é quando ocorre o agravamento de uma das crianças ou quando a mesma
vem a morrer, ocasionando um sentimento de medo e perda de todos os envolvidos,
ameaça ao estado de saúde do filho e o medo de que ele pode ser o próximo. Tais
relações são muito freqüentes durante o tratamento, mas observa-se também nos casos
do escolar em controle oncológico.
Ainda, Elsen et al. (1994) ressaltam que a saúde da família e de seus membros
está relacionada não só a recursos internos, mas também de outras famílias, amigos,
comunidade e serviços de saúde e seus profissionais. Uma rede de apoio que ultrapassa
os limites da vida familiar e busca novas relações, até mesmo dissociada do mundo
social/cultural da família, que se estendem até o limite necessário para receber apoio
diante de uma necessidade.
Alguns membros da família relatam que pessoas fora do ambiente familiar se
fazem presente apoiando, ajudando e auxiliando a família à enfrentar momentos
difíceis:
“Os amigos ligavam para mim e falavam... A madrinha dela um dia
falou para mim: -Tem um senhor aqui, que ele é muito, muito espiritualizado, eu
queria levar ele na sua casa, queria saber se eu posso... eles chegaram, ela, a
mãe dela e o senhor...”
(Coração ansioso)
“Tivemos vizinhos para oferecer o carro... Nós passamos á abandonar a
nossa família... nós ligamos o telefone, nós passamos a conviver ali, passamos a
ter uma outra família, que era um tio e uma tia emprestada.” (Coração
vigilante)
“Quando estava carequinha, as coleguinhas ficavam beijando. Ela
ficava internada e mandavam cartinha todos os dias.”
(Coração sofrido)
“Quando eu fui convidada para participar da reunião, ele (escolar) citou
dois nomes que me ajudaram, a mãe de um ex-namorado da minha filha e a mãe
do noivo da minha sobrinha.”
(Estrela isolada)
“Nós conseguimos uma pessoa que deu o aparelho para ele. A empresa
em que o meu marido trabalha ajudou, o presidente da empresa também ajudou,
forneceu dinheiro que ele deu e não cobrou nada, não fez custo de nada...depois
ele falou: - Esquece esta dívida, esta dívida não é mais sua, é minha!”
(Estrela
lutadora)
As interações acontecem com os telefonemas, visitas, cartas e apoio emocional.
Constata-se que o apoio à família não se restringe às pessoas de dentro de casa, e essas
famílias não viveram e nem vivem isoladas, elas fazem parte de um grupo de amigos e
de uma comunidade, compartilhando os momentos difíceis com pessoas que oferecem
ajuda. A presença de amigos ou pessoas consideradas como família são importantes
nessa trajetória difícil, a de (con)viver com o escolar com câncer.
Essas interações feitas pela família são ressaltadas por Nitschke (1999). Elas
podem suprir necessidades materiais, emocionais e até mesmo espirituais. É uma teia de
relações pelas quais tudo se articula, a criança, a família que vai ao hospital, os amigos
que mandam cartas, as visitas, os meio parentes e até mesmo os sinais expressos ou não
de carinho. Tudo faz parte desse mundo englobado por uma estrutura macro que
envolve tudo e todos interligados.
A interação dos familiares com a equipe de saúde está presente nos relatos dos
familiares, pois a comunicação, a troca de informações e o conhecimento do que
acontece com a criança ocorre entre o familiar e o profissional:
“Então por ser nosso amigo, o médico encaminhou ... Ela (escolar)
adora entrar na salinha ficar desenhando,.. Aí, eu falei: - Se você tem
conhecimento em outro hospital.... é porque ele era marido de uma amiga
minha, era um médico conhecido. E aí ele falou: - Olha só, a minha esposa
falou que eu tinha que falar com você de qualquer maneira, se não quando eu
chegasse em casa, ela ia me bater! Então ela falou para eu falar o seguinte: -
Olha eu estou com você!”
(Coração ansioso)
“Aqui quando nós chegamos, sempre existe um profissional... Aí eu me
desesperei, infelizmente!... a enfermeira estava lá, o meu anjo estava lá, me deu
uma força e apoio... Quando eu entrei tinha outro profissional para explicar
passo a passo, o que era quimioterapia... A tia do cateter é muito boa e as
meninas da quimioterapia também... isso aqui é uma família.”
(Coração vigilante)
“Então eu não gostava de conversar,... não gostava de ouvir conselhos.
A médica me deu conselho: - Então não conversa com as outras mães!...
vivíamos nós três, eu, ele (marido) e minha filha,.. o tempo todo ali!”
(Coração ansioso)
“Me lembro até hoje de uma palavra que um guarda me falou lá
embaixo: -Mãe não desiste, luta até o ultimo momento, enquanto há vida, há
esperança...atenção dos médicos, das enfermeiras, que eles é que foram a minha
família aqui dentro do hospital. Gente isto aqui é uma casa, nós somos uma
família” (Estrela
agradecida)
“Isto eu não posso dizer porque a equipe sempre esteve do meu lado. A
médica...eu recebi este apoio. Já estive no quarto andar desolada, sentada,
pensando e teve uma doutora que passou me deu a mão e me deu um abraço, eu
precisava de um abraço naquele dia. Eu posso falar, dizer isso, porque eu
recebi apoio.” (Estrela
lutadora)
“Teve um dia que para eu não ficar na rua tive que pedir a assistente
social uma ambulância para ir embora, e ela me deu. Eu não tenho o que
reclamar da minha parte e da parte do meu filho. Dos médicos, enfermeiros, dos
atendentes, eu não tenho de quem reclamar. Sempre trataram a gente super
bem...a equipe também é solidária com a gente.”
(Estrela isolada)
“O médico dele me aturou muito, todos os enfermeiros da enfermaria e
do ambulatório e os voluntários também. Os voluntários me apoiaram muito. A
assistente social muitas vezes me ofereceu para ir para a Casa Ronald, para não
ter que vir de São João10 sacrificando ele. Eu também me dou bem com todos,
com toda a equipe.” (Estrela
vencedora)
Constata-se nos relatos a necessidade de interação dos familiares com a equipe
de saúde de um modo geral, tanto com profissionais fora da instituição como da mesma.
Essa articulação pode estar relacionada à necessidade de informações da rotina da
instituição; uma forma de cumprir “corretamente” o tratamento, o apoio emocional nos
momentos mais difíceis, como um porto de segurança/ confiança e até mesmo a
socialização natural entre as pessoas.
Além disso, constata-se a visão da equipe como família, fato que pode ser
interpretado como a necessidade de apoio que essas famílias têm quando estão
afastadas, principalmente pela distância do seu núcleo familiar, ou simplesmente por
não terem realmente familiares, consideram-se “sozinhas no mundo”.
10 Município do Estado do Rio de Janeiro denominado São João de Merití.
Outra posição apontada por Oliveira (2002) e Ahmann (1994) é a necessidade
que a família tem em ser um membro colaborativo na equipe multidisciplinar na tomada
de decisões, defender direitos e posições em determinadas situações e principalmente
contribuir para detecção precoce de complicações do tratamento e do controle.
Por outro lado, os familiares relataram a dificuldade de articulação e de apoio da
equipe de saúde:
“Mas assim cada um tem sua personalidade, eu fui bem tratada por um ,
não fui bem recebida por outro.” (Estrela
lutadora)
“A enfermeira tinha raiva de mim. A enfermeira olhava para mim, toda
vez que eu chegava aqui e falava: - Mãe está chorando, por quê? Eu não falava,
só chorava!” (Coração
ansioso)
“A gente fala mal da enfermeira, a enfermeira cuida da gente, mas
mesmo assim a gente fala e reclama” (Coração
inconformado)
Algumas mães se sentiram sem apoio por parte da equipe de saúde, apesar do
cuidado ou atenção prestados, o significado do apoio não foi compreendido ou mal
interpretado, podendo levar a algum ressentimento ou isolamento dos dois lados,
dificultando e até mesmo impedindo uma comunicação/interação entre equipe e família.
Segundo Wong (1999), a família que não consegue interação com a equipe de
saúde pode estar na fase do diagnóstico em estágio de choque, ajustamento ou
reintegração e aceitação, sentimentos permeados de raiva, negação e insegurança que
irão se refletir no convívio da família com a equipe de saúde, diante da confirmação de
se ter um filho com câncer.
A posição do familiar na tentativa de se proteger do que acontece na rotina do
tratamento. O sucesso e o fracasso convivem juntos no mesmo espaço. O isolamento,
muitas vezes, pode ser uma opção da família tanto intra como extra-hospital, podendo
denotar sentimentos de vergonha, fracasso, proteção ou culpa de o filho ser portador de
câncer.
Para Valle (1997), a família tenta se proteger, evitando não tomar conhecimento
das condições de outras crianças que estão mais graves que a sua, e a equipe deve estar
preparada para prevenir seqüelas psicossociais e propiciar uma melhor qualidade de
vida para a criança e a família durante o tratamento e após o mesmo.
A maioria dos familiares relatam o comportamento do escolar e seu
relacionamento na escola:
“A ...(Escolar) se reintegrou bem na escola. Está na escola, está
brincando na escola com os amiguinhos, na rua.” (Coração
vigilante)
“...na escola o pessoal nem sabia. Porque se eu tiver que falar eu falo,
mas não houve necessidade de falar, eu não falei nada.... Então na escola, todo
mundo gosta da B.(escolar). Mas não é gostar por saber que ela teve a doença,
é porque realmente...Algumas sabem, outras não. Só para a direção da escola,
não para os outros. Ela entrou no meio da turma e dançou junto.”
(Coração ansioso)
“...o meu vinha, o meu se não estudava fora estudava aqui dentro, na
quimioterapia, na enfermaria lá embaixo. Ele não gosta de faltar à aula. Estuda
na escola pública.” (Estrela
agradecida)
“Um dia desses ele falou para o médico: -Não marca as consultas no dia
em que tem aula não, marca no dia de sábado ou domingo, que não tem
aula....ele começou a ignorar a professora, ela falava com ele e ele fazia
ignorância. Mas aí a psicóloga do colégio começou a conversar....ele estuda em
colégio particular... Ele respeita a professora quando ela fala, agora, ele fala
muito, sem parar.”
(Estrela vencedora)
“Eles têm personalidade, tem sede de estudar, de não perder tempo. O
meu ficou afastado...O meu tinha horror a estudar...O meu está em escola
pública e muito bem.”
(Estrela isolada)
“Ele na escola, ele não está se integrando bem ao grupo...Eu não sei se é
isso que está acontecendo na escola, e ele não está se integrando muito com os
coleguinhas, porque ele não ouve direito. Ele continua indo na
escola...Conversamos na escola, falei do tipo de perda que ele tinha na audição.
A professora me chamou com ele na frente de todo mundo: -Mãe, o seu filho
está agressivo, está batendo, está implicando, ele implica com todo mundo que
passa. São dezenove alunos que tem na sala dele, o D.M. fica aquele monstro,
tudo é ele. O meu está em escola pública.”
(Estrela lutadora)
“Ninguém nunca me falou para levar ela ao Instituto Bejamim Constant.
Fui perguntando onde tinha uma escola que a minha filha que não enxerga
podia ir...hoje em dia a prefeitura aceita, mas há pouco tempo atrás ela não
aceitava criança com deficiência. Criança nesta idade adora o colégio...a
professora não é Deus, também erra.”
(Estrela inconformada)
Todos os escolares freqüentam uma escola , mesmo as crianças com algum tipo
de deficiência freqüentam uma instituição educacional.
Apesar da vitória e satisfação em retornar ás atividades escolares, a família e a
criança podem se deparar com alguns impedimentos passageiros ou permanentes.
Constata-se que algumas crianças e familiares têm algum tipo de dificuldade de
adaptação na escola, principalmente ao retornarem, quando entram no controle, e muitas
vezes família e escola trabalham juntas para a inclusão dessa criança nesse ambiente.
No ambiente da escola, a criança tem contato com outras crianças de sua idade e
as diferenças de desenvolvimento são mais evidentes, uma vez que a mesma percebe ou
é comparada com outras crianças, levando a família a grandes abalos emocionais.
As reações de isolamento na escola ou até mesmo o horror da criança descrito
por um familiar é ressaltado por Wong (1999) como fobia escolar. Esse comportamento
pode estar relacionado à insegurança da criança em se afastar da família, do
desconhecimento do ambiente ou até mesmo da discriminação e preconceito dos amigos
de turma diante de alguma incapacidade física. Para a criança que se encontra em
controle oncológico, esses fatores podem estar mais exacerbados devido a sua história
de enfrentamento do tratamento de câncer.
Nesses casos, é importante a presença do familiar na escola para esclarecer,
incentivar e aproximar a criança do ambiente da escola, aproveitando a escola como
elemento de inclusão social e apoio à criança e sua família.
Os familiares descrevem a criança sob uma ótica particular:
“Graças a Deus, eu não tenho o que falar dos meus filhos, eles são a
coisa mais importante na minha vida... agora é tratada pelos irmãos com um
carinho maior... Eu não bato, só falo: - A (escolar).larga isso! Ela obedece.
Nunca apanhou, nunca apanhou... Ela é muito inteligente.”
(Coração sofrido)
“... eu sou um problema como mãe, eu não brigo, eu aceito porque eu
vivi... – B (escolar) não faz isso. – Tá bom! – B não faz isso! – Eu faço!... Vou
fazer! Ela é terrível!... A minha tem sete anos, ela está na segunda série... Então
é uma criança normal, muito inteligente, observadora, observa tudo,... a minha
filha realmente é uma criança muito abençoada, ela veio mesmo para sacudir a
gente, unir a família...”
(Coração ansioso)
“Então eu nunca vi a A (escolar) como outras crianças, esquiva, num
cantinho... É o que eu peço para o pessoal lá em casa, a gente tem que tratar a
A... de igualdade... então eu falo: Gente não trate a A muito diferente. Ela é
especial, a gente sabe que ela é especial, mas cobra nas horas certas... Ela é
atenciosa, obedece! ...toca a vida dela agora, como normal... o tratamento deixa
a criança mais madura... sabe até a localidade, às vezes você passou por um
determinado apartamento, ela sabe se localizar.
(Coração vigilante)
“Mas ele é um garoto excelente na escola, em casa não me dá trabalho
em nada...é muito inteligente, está na quinta série, só está tirando MB e O,
tempo todo...É um dos melhores da sala, todo mundo fica bobo com ele, que ele
só tem uma vista. Isto é para dar inveja a qualquer mãe, uma criança que só tem
uma visão e já teve o problema que ele teve” (Estrela
agradecida)
“Ele é muito amadurecido, ele sabe das coisas, ele entende de tudo, tudo
que passa a volta dele ele capta. Ele percebe tudo, inclusive na minha
casa...Tudo o meu filho entende, sabe de tudo. É uma criança especial, eu trata
ele dou palmada, brigo e tudo, mas eu trato ele com um mimo maior...ele é um
rei em casa, nós tratamos ele com dureza quando precisa, com rigidez, mas a
gente trata ele como um rei.”
(Estrela isolada)
“Então hoje o meu filho está aí, lindo e maravilhoso, fez a comunhão, é
pimentinha...vai terminar o primário. A gente fala com ele, ele fala que não é
mais criança, ele diz que já tem 10 anos e é um rapaz...O médico falou que ia
ser difícil botar ele normal, fazer ele ficar bom...hoje ele está aí pedindo
camisinha. ... ele olha para as pessoas que xingam ele, ele xinga de volta...E não
tem medo. Mas todo mundo aqui no hospital adora ele. Ele é uma criança muito
inteligente, ele ganhou bolsa desde o jardim III.”
(Estrela vencedora)
“A médica falou para mim: - Ela vai demorar a andar, ela vai ter medo
de um monte de coisas! Mas não foi isso que aconteceu com ela...hoje ela é uma
criança de 10 anos maravilhosa...” (Estrela
inconformada)
Constata-se que a família (con)vive com o escolar em controle como uma
criança considerada especial, talvez pelo fato de ter sobrevivido a uma doença
oncológica ou ainda ter sua saúde ameaçada pela volta da doença.
Os fatos relacionados ao desenvolvimento inerente à faixa etária do escolar são
encarados como excepcionais e extraordinários no escolar em controle. Ele é descrito
como inteligente, esperto e fora do comum. Aliado a esse fato, a criança é perdoada se
comete alguns deslizes, sendo tratada “diferente”, apesar da presença da palavra normal
estar presente nos relatos. O termo “especial” pode estar aliado a alguém sobrevivente
de câncer ou uma criança frágil que deve ser poupada das dificuldades da vida, do
estigma da doença e até mesmo do isolamento social.
Valle (1993, p.78) ressalta que o sentimento de angústia dos pais gerado pelo
sofrimento durante o tratamento pode “transformar a criança em tirana, cheia de manhas
e vontades, egoísta e ciumenta” pela superproteção, refletindo sobre o desenvolvimento
infantil de maneira prejudicial, como também na estrutura familiar. Os pais podem se
sentir culpados pelo descontrole da criança, os irmãos preteridos pela preferência do
irmão que “foi doente”, podendo sentir ciúmes, raiva e inveja, e serem agressivos com
os pais, e estes podem se sentir perdidos diante de tantas transformações no ambiente
familiar.
Horowitz e Pizzo (1991) apontam para problemas dessas crianças relacionados
aos irmãos, pois os mesmos podem se sentir inadequados ou inferiores, principalmente
se forem portadores de alguma deficiência decorrente da doença ou tratamento.
Outro aspecto relevante enfocado pelos autores (op.cit) é a presença de efeitos
psicossociais enfrentados por crianças sobreviventes de câncer, como a diminuição do
desempenho intelectual, ocasionando atraso escolar, problemas nas relações com
colegas, desestímulo para freqüentar a escola, levando à desistência e à diminuição da
auto-estima.
Ainda, Hollen (2001) adverte que crianças sobreviventes de câncer, na
adolescência, necessitam de acompanhamento educacional relacionado à tomada de
decisão e desenvolvimento cognitivo, podendo ser considerada uma população
vulnerável, pois, além dos efeitos da terapia recebidos, soma-se a predisposição de
serem fumantes, alcoólatras, consumidores de drogas e até mesmo se envolver na
marginalidade.
Cabe ressaltar que a criança com a idade entre 7 e 8 anos é ativa, participa de
brincadeiras na escola e em grupo. Apresenta questionamentos relacionados às
conversas dos adultos e, muitas vezes, começam a perguntar sobre o que aconteceu em
um determinado período de tempo, sobre a doença, a hospitalização ou a assuntos
relacionados à morte, de maneira mais profunda e concreta (WONG, 1999).
Dependendo do posicionamento dos familiares, estes vão responder
detalhadamente os referidos questionamentos, irão omitir ou criar uma história
fantasiosa para a criança. As várias maneiras de se comunicar com o escolar merecem
ser estimuladas pela enfermeira, apoiada na realidade vivenciada pela família, evitando-
se informações fantasiosas ou mentirosas para a criança (op.cit, 1999).
A forma como a família descreve a criança como especial não é a mesma
descrita pela literatura; Wong (1998), Cabral (2003), Cunha (2001) e O’Brien (2001)
enfocam essa condição de especial relacionado a portadores de doenças crônicas e
dependentes de tecnologia, denominação que inclui os escolares portadores de doença
oncológica.
Mas sob a ótica da família, essa denominação “especial” pode ter um lado
mágico, como aponta Valle (1997); as crianças adquirem um sentido de valor, de
vitória, de diferente, de maduro e de coragem, por terem conseguido vencer o câncer.
•••• A (Con)vivência da Família: Questão do (In)visível
Este tópico aborda as questões que as famílias consideram muitas vezes visíveis
para os olhos delas próprias e invisíveis para as pessoas de fora do convívio, ou ao
contrário.
No relato dos familiares, a crença em Deus esteve presente durante toda a
entrevista, muitas vezes como agradecimento, justiça e apoio:
“A gente não tem esse poder de questionar não, a gente tem que aceitar
com dignidade, aceitar...Eu pegava a bíblia e lia, e procurava saber o
fundamento daquilo. Eu falava assim: - Meu Deus, porque não deu em mim?
Pelo menos eu vivi! ...era gente fazendo oração. Olha eu fui à macumba, fazer
cirurgia invisível. Eu fui a tudo que você possa imaginar...está falando do
mesmo Deus, do Deus de amor? Então vamos lá, eu estou lá.”
(Coração ansioso)
“Eu virei e falei:- Minha filha está entregue a Deus, seja feita a vontade
Dele, a Dele é que tem que ser feita, não a minha e nem a sua. Para mim eu
quero a minha viva.” (Coração
sofrido)
“Eu questionava, sem querer eu questionava, sem querer! Tipo assim,
meu Deus, porque isso veio para mim? Não faz assim para mim...Achei que
Deus nos abençoou muito ao abrir a porta do hospital...Eu, graças a Deus,
agradeço todo dia a Deus, peço todo dia pelas pessoas. Eles iam lá em
casa...Deus se apresenta de todas as formas.”
(Coração vigilante)
“...eu lutei durante o tratamento dele, eu enfrentei isto sozinha, eu e
Deus...parece que Deus botou a mão nele e falou: -Vai para frente!...Graças a
Deus não voltou e nem vai voltar. A mão de Deus pesa, eu não desejo para
ninguém, mas Deus existe.” (Estrela
agradecida)
“...só Deus para apagar. Acho que só Deus para apagar isto que eu
sinto. - Meu Deus é por tua vontade que meu filho entre aí e saia...Ele virou
para mim e disse: - Mamãe Jesus me curou agora! Eu falei:- Que os anjos
tenham dito amém!”
(Estrela
isolada)
“os médicos estão aí, não só os médicos daqui de baixo, os médicos
daquele lá de cima também. -O médico dos médicos vai curar o teu filho... mas
eu já pegava aquele papel que já guardava dentro da bíblia e na hora da oração
abria e apresentava a Deus com o nome de todo mundo...”
(Estrela vencedora)
Constata-se que não existe a evidência de determinada religião, o que permeia
nos relatos é a forte crença em Deus, ora em forma de força divina, ora como
companheiro da difícil caminhada ou como protetor.
Desde o início dos sintomas até a fase de controle da doença, constata-se o
pensamento em Deus, ressaltado nos períodos mais críticos e de ameaça à integridade
do escolar. Alguns familiares mencionaram determinadas religiões, não como uma
única forma de devoção, apenas como uma opção religiosa. Essa facilidade de aceitação
das mais variadas religiões pode estar relacionada à própria cultura brasileira e sua
maleabilidade em aceitar as diferentes crenças religiosas; o momento de desespero dos
familiares na busca de um milagre e/ ou um sentimento maior, onde todas as religiões
falam em Deus.
Boff (2000,p. 151) ressalta que o ser humano se refere a Deus por vários nomes,
dependendo da fase histórica, região, língua, cultura e até mesmo religião; “Sente que
Ele arde em seu interior na forma de uma presença que o acompanha e o ajuda a
discernir o bem e o mal.” Esta certeza da Sua presença impulsiona as pessoas a crescer,
a trabalhar, a suplantar dificuldades, alcançar objetivos e ter esperança de vida. Quando
o ser humano cultiva um espaço de diálogo com o Divino, confia o destino de sua vida e
encontra o sentido da morte, faz surgir a espiritualidade.
Quando os dois familiares solicitam a Deus a substituição do sofrimento do filho
para sí, este sentimento é descrito por Boff ( 2001, p.41) como bondade e amor, em que
a “mãe” está pronta para “dar a sua vida pela segurança, pela proteção e pelo bem de
seu filho”. Nesse caso, um dos familiares não é propriamente a mãe do escolar, mas um
parente que sempre esteve presente acompanhando a criança, reforçando assim o
conceito de Elsen et al. (1994) sobre família saudável.
Outro aspecto abordado pelos familiares é a presença da morte desde o início da
doença até o controle da doença oncológica:
“Eu tenho um cunhado que ele mesmo falava para mim, que pessoa com
câncer é pessoa com atestado de óbito sem data. E ele quando viu a B...no
decorrer do tratamento melhorar, ele já não acreditava que ela tinha tido isso.
Na cabeça dele não foi câncer que ela teve, porque todo mundo que tem câncer
morre...Até porque eu tinha passado a noite em casa, a minha filha podia ter
morrido durante a noite... eu expliquei: - Você teve uma doença muito grave,
que você ia morrer... a gente acreditou que a minha mãe faleceu com câncer, o
meu sobrinho de dezenove anos teve, a minha filha, quer dizer! ”
(Coração ansioso)
“Ver a minha filha assim com câncer, nem imaginava. Foi até um senhor
que falou assim para mim:- Todo mundo que tem câncer não vive, morre!”
(Coração
sofrido)
“É uma situação em que a pessoa fica super dividida entre a vida e a
morte, a gente vê estas duas...” (Coração
vigilante)
“Quando ele adoeceu o meu pai tinha falecido, quando eu descobri a
doença dele em um dia, dois dias depois meu pai faleceu da doença....na minha
família tem o tio, o avô, o pai, muitas pessoas já se foram...” (Estrela
isolada)
“Crianças que entraram com o meu, muitos já se foram e o meu está aí.
O médico disse que ia fazer de tudo para salvar ele.” (Estrela
vencedora)
Morte e câncer são palavras quase associadas no pensamento popular, conforme
apontado anteriormente, e quase todas as pessoas quando contam suas histórias sempre
lembram de algum familiar que morreu ou está morrendo de câncer, fato justificado por
ser a segunda causa de morte no panorama nacional.
A ameaça de morte na clínica de pediatria oncológica se inicia no momento da
suspeita de câncer, vai cerceando todo o tratamento e chegando à fase do controle
oncológico, um elemento invisível, em que algumas vezes se torna visível. Em cada
uma dessas fases com maior aproximação ou distanciamento, e em alguns casos
deixando de ser uma ameaça e tornando-se uma certeza concreta na vida da família.
A família que freqüenta o hospital, no acompanhamento do tratamento e
controle da criança, e convive com casos de crianças em controle e sobreviventes de
câncer, os familiares/parentes que não têm contato com esses casos acabam
influenciando essa imagem, levando muitas vezes a mãe, o pai ou o acompanhante a
acreditar que o esforço do tratamento é em vão, pois relaciona o câncer à morte.
Observa-se um verdadeiro abismo entre o pensamento popular e a realidade
dentro das instituições especializadas no tratamento do câncer infantil, visto que devido
aos avanços terapêuticos, se convive com um crescente número de casos de
sobreviventes a longo prazo (CAMARGO e LOPES, 2000).
Muitas das vezes esse temor da morte pode aparecer velado nos relatos ou
substituído por uma vigilância e proteção exacerbada na vida da criança, como descreve
Valle (1997), podendo continuar mesmo na fase de controle oncológico.
Observo que, no HC-I, a notícia de morte de uma criança na enfermaria,
localizada no quinto andar, tem uma ligação direta com o ambulatório de pediatria,
localizado no décimo primeiro andar, bem como o sentimento de ameaça, tristeza e
medo da morte, e acaba influenciando todos: famílias em tratamento ou em controle,
crianças e equipe de saúde.
Através de linguagem verbal ou não verbal simbólica, como descreve Kübler-
Ross (2003), as reações diante da notícia da morte vão se desenhando no ambulatório,
as crianças por ouvirem os sussurros dos adultos caem no silêncio e os adultos de forma
mais “resguardada”, e não valorizando a percepção aguçada das crianças, buscam mais
detalhes da criança que faleceu. Enquanto os profissionais de saúde, dependendo do
grau de afinidade com a família e a criança que faleceu, entram em uma espécie de
tristeza/ luto e tentam lembrar a última vez que a criança esteve no ambulatório, e como
a sua doença era tão grave e agressiva.
Leigh e Miles (2002) ressaltam que toda família ou pessoas significativas para o
doente se tornam sobreviventes de câncer após a morte do mesmo.
Para a enfermeira do ambulatório que convive com a criança em fase terminal
através de consultas freqüentes, prestando cuidados e orientando os familiares, a notícia
da morte da criança, apesar de racionalmente ser inevitável, ainda causa desconforto,
desequilíbrio emocional e sentimento de luto no profissional. Apesar de ter sido
preparado no curso de graduação sobre situações de morte (SANTOS, 1996) e se
deparar durante toda a vida profissional com esse quadro, a morte de uma criança ainda
afeta o profissional, mesmo numa instituição especializada em oncologia.
Os familiares também mencionam o medo da recidiva tumoral no período do
controle da doença oncológica, conforme os relatos a seguir:
“...dá nervoso quando vem fazer os exames... Eu sou muito molenga,
tenho muito medo. Cada vez que eu venho aqui para bater uma chapa de
pulmão...”
(Coração sofrido)
“...ela teve recidiva tumoral foi um quadro muito difícil... nódulos
pulmonares também, quer dizer não era mais um lugar que era visualizado. Mas
cada exame é aquilo...eu sei que esta doença, infelizmente, ela pode ter recidiva,
então a gente não pode dizer para uma criança assim, que nunca vai ter a
doença, que nunca mais vai fazer tratamento... Então você tem que estar
colocando que há uma possibilidade, nem que seja de 1%, mas ela existe, isso é
real...
(Coração vigilante)
“Mas sempre ela vai ter que ir para ver se está tudo bem, se não tem
nenhuma mudança dentro da barriga dela. Se esta doença não voltou!”
(Coração
ansioso)
“procedimentos do tratamento... ele tem consciência que precisa vir ao
hospital, porque ele teve uma doença que pode acontecer de voltar e há
necessidade de vir aqui.” (Estrela
lutadora)
“Fazer os exames, saber se a doença voltou, se não voltou. Graças à
Deus não voltou e nem vai voltar.” (Estrela
agradecida)
“Ter que fazer exame na M (escolar) era um suplício. E tem gente que
fica amedrontada, como eu fiquei por um bom tempo A criança não pode se
machucar, com uma mordida de mosquito, a pessoa já pensa que a criança está
doente de novo...mas eu explico para ela que ela pode um dia ficar doente de
novo. Como uma menina que estava no controle desde 1995 e recidivou.”
(Estrela inconformada)
“Se sente qualquer coisa, quer dizer, o câncer é aqui (aponta a
localização), mas qualquer coisa que ele sente, não quer dizer que vai voltar,
para mim eu penso que é alguma coisa da doença, então eu corro para cá.”
(Estrela
vencedora)
O medo que permeia a realização e os resultados dos exames ou alguma
alteração no estado de saúde da criança, na maioria das vezes, está associado ao retorno
da doença. Constata-se que um dos escolares apresentou a recidiva tumoral no período
do controle da doença, deixando de ser um problema invisível para se tornar um fato
concreto na vida dos familiares.
A obrigatoriedade de comparecer à instituição anualmente para fazer os exames
é cumprida por todos os familiares, como uma forma de vigilância sobre o estado de
saúde da criança, e existe a consciência da necessidade de investigação sobre a
possibilidade do retorno da doença- a recidiva tumoral.
Além disso, os exames também auxiliam na detecção do aparecimento de um
segundo tumor decorrente do tratamento, a médio e longo prazo, uma outra realidade a
ser enfrentada pelos familiares (ESPÍNDOLA e VALLE, 2002).
Segundo Lopes e Bianchi apud Camargo e Lopes (2000), uma das finalidades
das consultas, após o término do tratamento, é a remissão da doença e a avaliação das
seqüelas do tratamento. Além disso, a vigilância dos efeitos tardios do tratamento de
acordo com a faixa etária é outra preocupação da equipe oncológica, que deve ser
transmitida aos familiares.
As pessoas que trataram de câncer na infância apresentam de 10 a 20 vezes
maior probabilidade de desenvolver um segundo câncer em relação à população
comum, com um tempo ainda indefinido, mas com uma probabilidade de 3 a 12% nos
primeiros vinte anos (op cit, 2000).
Além desse aspecto descrito, a literatura internacional se preocupa
prioritariamente com a qualidade de vida dessas crianças, e enfoca a sua conduta de
acompanhamento na inserção do indivíduo como membro de uma sociedade.
Devido às dificuldades estruturais do sistema de saúde e à falta de uma política
direcionada para crianças com câncer em nosso país, os serviços de oncologia infantil
são preparados para o diagnóstico, o tratamento e recentemente no controle das crianças
até a fase adulta. Este último enfoque, recente no panorama nacional, obriga os serviços
a buscarem uma abrangência cada vez maior e complexa, como forma de manter a
dignidade de vida desses cidadãos e a saúde dos indivíduos que fizeram tratamento
oncológico.
Outro aspecto relatado foram as seqüelas físicas, cognitivas e emocionais
resultantes do câncer na criança e na família:
“O meu segundo filho só tem um rim. Aí veio a irmã, também só tem um
rim” (Coração
sofrido)
“Eu me ajoelhei no chão e pedi: -Então se for para deixar a minha filha
com seqüelas, pode levar! Uma criança seqüelada, minha filha , você não vive
mais! Isso aqui é uma marca que o papai do céu me deu! E a colega virou e
falou: - Mentira, isso aí é uma cicatriz!”
(Coração ansioso)
“Então eu não sei se é da deficiência que ele tem, da deficiência que ele
adquiriu por causa do tratamento. No caso do meu filho ele ficou deficiente
auditivo, ele precisa escutar mais alto...deve fazer a leitura labial. ...eu fui
encaminhada para o meu filho colocar prótese auditiva.” (Estrela
lutadora)
“A minha é deficiente visual...Tem gente que a criança não tem mais
câncer, mas vai ser doente pelo resto da vida...” (Estrela
inconformada)
“O meu filho está aí... perdeu a visão.” (Estrela
agradecida)
“...eu disse:- Eu não quero ele com seqüela. Você falou que o seu filho
ficou com seqüela, o meu filho não ficou com seqüela nenhuma, mas ele tem
dificuldades, não se relaciona...meu filho não teve seqüela, mas ficou seqüela
em meu coração”
(Estrela isolada)
“ porque a doença já tinha comido este osso (refere à face).Ele está
precisando vir para o dentista e para o crescimento (endocrinologista).”
(Estrela
vencedora)
Constato que todas as crianças apresentam algum tipo de seqüela, aparente para
todos, como a cegueira, surdez ou alguma deformidade física ou hipoplasia por
radioterapia; aparente somente para a família, como a tristeza das crianças, o isolamento
ou as seqüelas do coração; e as invisíveis para a família e aparentes para todos, como as
cicatrizes, as deformidades que são veladas e nem sempre relatadas, como o retardo do
crescimento e desenvolvimento.
Vale acrescentar que muitas mães, ao iniciarem seus relatos sobre os problemas
que as crianças tinham, se mantiveram em silêncio, ou por não visualizar realmente a
deficiência da criança ou por evitar a exposição da sua história.
Quanto à definição de deficiência, Wong (1999), Barsa (2003) e Pizzo e Poplack
(2001) apontam como uma incapacidade do desenvolvimento, perda permanente de uma
capacidade física ou sensorial, tais como dificuldade de aprendizado, retardo mental ou
distúrbio do comportamento.
Vieira e Lima (2002) ainda descrevem o afastamento como forma de proteger a
criança que tem limitações devido à doença. O contato do escolar, que tem doença
crônica, com crianças saudáveis, pode proporcionar risco na sua integridade física, pois
as brincadeiras dessa faixa etária são de luta, corridas, andar de bicicleta ou jogar
futebol. A supervisão dos familiares nas brincadeiras dos escolares obriga-os a
selecionar atividades recreativas que não ponham em risco a criança, propiciando o
isolamento social.
Vale ressaltar que nenhum familiar relatou, em qualquer momento, alguma
dificuldade de aprendizado, mas foi destacado anteriormente que alguns escolares
submeteram-se à radioterapia. D’Angio et al. (1995) ressaltam que o referido tratamento
ocasiona déficit de aprendizagem a médio e longo prazo.
Os familiares destacam também a necessidade de encaminhamento aos serviços
especializados, principalmente para as crianças que apresentavam alguma seqüela:
“Eu por fora conversei com um otorrino, porque aqui no hospital, não
tinha um otorrino que pudesse ver o tipo de perda do D.M. (escolar), da
audição. A médica sempre esteve à par... eu que me desmembrei daqui. Posso
andar com as minhas próprias pernas...coloquei ele na natação com deficientes
auditivos..., tem fono e psicóloga. Eles estão preparados para trabalhar com
câncer e não com deficiente auditivo. Eu com a médica: -Eu gostaria que ele
fosse encaminhado para o Hospital de Bonsucesso, porque lá tem aquela equipe
de nefrologistas que tem cuidado dele. Ela fez o pedido. ”
(Estrela lutadora)
“Eu quebrei a cabeça e consegui sozinha uma escola para ela...mas se
hospital cuida de câncer, ele fez alguém ficar deficiente, se ele não sabe cuidar
ele tem que encaminhar, ele não pode botar a família no mundo com um filho
que ela não sabe cuidar. Tem gente que a criança não tem câncer, mas vai ser
doente pelo resto da vida..se tivesse um estudo sobre criança deficiente para
orientar...”
(Estrela inconformada)
“Ele está fazendo tratamento no dente, vai ter que operar, vai ter que
arrancar, eles acham que ele tem que fazer anestesia geral...Eu também não
recebi nenhuma orientação do hospital.” (Estrela
agradecida)
Constato que alguns familiares procuram por conta própria um serviço
especializado ou solicitaram encaminhamento para o médico, escolhendo o local onde
gostariam de ser atendidos. Ainda, outros permanecem na instituição, se a mesma
necessita de um serviço especializado como o atendimento de odontologia, prótese
ocular, fisioterapia e endocrinologia.
Através do relato de uma das mães, constata-se que essa prática ainda não inclui
todas as crianças, talvez por falta de serviços para que esses escolares possam ser
atendidos.
A necessidade de encaminhamento dos escolares é uma forma de oferecer a essa
família uma assistência de saúde depois do tratamento, com o objetivo de melhorar a
qualidade de vida das crianças (CAMARGO e LOPES, 2000).
Alguns familiares relatam o desejo pela alta hospitalar, muitas vezes como um
sonho ou uma inexistência (aspecto invisível para os familiares):
“As pessoas me perguntam: - A B(Escolar) nunca mais vai deixar de ir
ao Inca?...Não existe isso aí.”
(Coração ansioso)
“Até o dia em que disserem para você: -...não há necessidade deste
controle como este aí!”
(Coração silencioso)
“Mas eu não quero ficar muito tempo, eu queria saltar fora daqui. Igual
ela falou, eu queria ir embora logo. Um dia ela (médica) falou para mim: - Mãe
eu vou te dizer, eu não posso dar alta para ele, porque de repente acontece
qualquer coisa, torna-se difícil voltar ao hospital”
(Estrela isolada)
“...eu nunca mais colocaria os pés aqui. O meu está de alta, não ele não
está de alta diretamente, ele está no controle. Alta para mim é quando eles
falarem: - Não precisa vir nunca mais aqui no hospital, acabou.”
(Estrela
vencedora)
Constata-se que a alta é algo desejado pela família, seria a libertação da
freqüência ao hospital. A alta hospitalar acontece quando não existem mais sinais da
doença inicial.
No caso da doença oncológica, principalmente infantil, a alta leva a reticências e
interrogações, pois a dificuldade em dar esse passo está intimamente ligado a uma
posição ética de responsabilidade sobre a saúde e vida da criança (CABRAL, 2003), a
noção da realidade, a qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população e o
estigma do paciente de câncer que esta criança vai carregar pelo resto da vida.
Além disso, em literatura principalmente internacional, a denominação de
sobrevivente faz toda uma mudança no direcionamento do acompanhamento da
criança/adolescente/ adulto jovem, em que programas especiais são direcionados a esse
público pela presença de uma política de saúde bem estruturada (CAMARGO e LOPES,
2000; EVERS, 2002). Em nosso país, os serviços de oncologia pediátrica ainda estão se
estruturando ou iniciando os seus passos para esse tipo de assistência.
Outro aspecto mencionado pelos familiares foi o direito de o escolar ser atendido
em qualquer serviço de saúde:
“ A médica fala: -Deus me livre, eu não boto nem a mão. Aí lá vem a
mãe se despencando com a criança com dor...tem que ter um médico lá no posto
de saúde que um dia tenha vindo aqui ver, estudar” (Estrela
inconformada)
“Eu levei o meu filho no dentista perto de casa para ver o dente. Eu falei
com a doutora, ela já estava falando com outro dentista, quando eu falei em
Inca, ela falou: - Não, eu não vou por a mão, pode levar lá para o hospital.”
(Estrela
agradecida)
“E aí eu falo assim: - Ele fez trinta dias de hemodiálise, eles não querem
passar medicação. Eles ficam apavorados. Quando eles sabem que a criança é
daqui eles ficam apavorados.” (Estrela
lutadora)
“Porque aqui é só para tratamento de controle, agora um resfriado, uma
dor de garganta e uma dor de ouvido poderia ser tratado no posto de saúde.”
(Estrela
vencedora)
Constata-se a dificuldade que o escolar e a família têm em receber atendimento
de outros profissionais de saúde, pois o símbolo do INCA e a história do tratamento de
câncer acompanham o escolar, impedindo o direito de acesso aos serviços de saúde.
Essa dificuldade de acesso a outros serviços exige que o Ambulatório de
Pediatria Oncológica atenda também crianças com diversas patologias da infância e que
os profissionais tenham um campo maior de conhecimentos de pediatria. Com isso, um
grande número de casos atendidos não estão relacionados à oncologia.
Cabe destacar que a Constituição Federal, a Lei Orgânica de Saúde e o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) asseguram que “saúde é um direito de todos e dever
do Estado”, reforçado por Cabral et al. (2002), na realidade direito não garantido para
esses escolares.
VII – Considerações Finais
O estudo permitiu discutir a (con)vivência dos familiares com o escolar,
possibilitando o entendimento do que ocorre com os mesmos durante o tratamento
oncológico e, principalmente, após essa fase – o controle oncológico do escolar.
A abordagem metodológica veio ao encontro da proposta do estudo, e assim a
entrevista não-diretiva em grupo foi de grande importância para a caracterização dos
sujeitos e obtenção de dados permitindo dar voz ativa às famílias, como também a troca
de experiências entre seus membros.
A família do escolar atendida no ambulatório de pediatria tem características e
organizações internas próprias do grupo social a que pertence, e devem ser entendidas e
respeitadas, e não rotuladas ou julgadas.
A participação dos familiares no tratamento e controle fortalece aquele que
acompanha a criança e oferece apoio, solidariedade, espaço físico e emocional, que
devem ser valorizados e expandidos dentro da instituição.
Através dos relatos, constata-se que as famílias se sentem sozinhas e
abandonadas durante o tratamento e, principalmente, no controle da doença, e o mais
surpreendente, os profissionais da instituição passam a ser considerados como família
para essas pessoas, através dos procedimentos básicos inerentes à profissão, como o
atendimento/orientação/educação, entre outros. As palavras de consolo embalam os
indivíduos que se denominaram como solitários.
Acredito que essas características de dedicação, atenção e até mesmo momentos
de reflexão com os familiares são características importantes que devem fazer parte de
um serviço que atende crianças e seus familiares. A patologia deve ser visualizada como
pertencente a uma criança, e que a mesma é parte integrante de uma família, que se
encontra em uma situação de fragilidade. Cuidar do escolar através da atenção à sua
família é ponto importante e relevante deste estudo, pois o que a criança sente, sofre ou
percebe é também vivido pela família, e o objetivo da enfermeira pediatra oncológica é
manter a integridade desse núcleo de atenção.
O estudo evidenciou também que o adoecimento por câncer causa desespero e
insegurança, bem como foi identificado outro momento de insegurança e medo da
família, quando o escolar passa a fazer parte do grupo de controle oncológico. Momento
que necessita, como o anterior, de um preparo dos familiares e da criança, pois existem
as dificuldades de adaptação do escolar na escola e na comunidade, o convívio com
seqüelas (in)visíveis, o reconhecimento de dificuldades físicas, cognitivas e
psicossociais do escolar e o medo constante da ameaça do retorno da doença – a
recidiva, que merecem uma maior atenção por parte dos profissionais de saúde.
Um ponto importante identificado neste estudo é a característica de especial dada pela
família ao escolar em controle de doença oncológica; ele passa a ser enaltecido dentro
de casa e na comunidade, como uma criança com características surpreendentes, mesmo
sendo portador de alguma seqüela aparente ou não.
Outro ponto importante é o excesso de proteção e vigilância do escolar, que pode
acarretar prejuízo no desenvolvimento infantil e impedir a criança de desfrutar a sua
infância livremente, destacando que existe uma forma particularizada de (con)viver com
o escolar em controle oncológico, que vai além do conhecimento dos profissionais de
saúde, talvez devido a todas as questões de insegurança que acompanham essa família.
O estudo permite concluir a necessidade de se repensar a assistência prestada aos
escolares em controle da doença oncológica e suas famílias pela equipe
multiprofissional do ambulatório de pediatria, com uma assistência voltada para o
preparo dessa família e da criança para retornar à sociedade.
Alguns familiares relatam o desejo pela alta hospitalar e, ao mesmo tempo, a
insegurança em se afastar do INCA, pois o tratamento recebido na rede pública, quando
estas famílias levam seus filhos por alguma necessidade, gera medo, insegurança e
insatisfação, e a ameaça do desligamento da instituição é identificada como um desejo e
um martírio. As famílias que foram encaminhadas para outros serviços para acompanhar
determinadas necessidades do escolar, pela falta de disponibilidade do serviço na
instituição, relatam a satisfação em continuar com seu vínculo ao hospital, talvez por
dependência afetiva, segurança do serviço e receptividade das instalações físicas (sala
de recreação, ambientação infantil das instalações, festas comemorativas, presentes,
entre outros), pois, afinal, foi esta instituição que respondeu as primeiras dúvidas sobre
o adoecimento da criança, fez o diagnóstico da mesma e continua acolhendo o escolar e
a sua família no controle oncológico.
Conclui-se que a etapa do adoecimento se inicia bem antes da chegada ao INCA,
quando as famílias percorrem um longo caminho até a chegada à instituição, mesmo
sem o diagnóstico da doença. A chegada à instituição é impactante para a família,
gerando transtorno em todos os seus membros pelo diagnóstico de câncer estar
associado à morte. Mesmo assim, a família somente se sente incluída no sistema de
saúde quando chega ao INCA e consegue entender porque foi encaminhada para a
instituição.
No tratamento em que a família é membro importante e aliada à equipe como
controladora de sinais e sintomas e durante o controle da doença oncológica, ela
continua o seu papel de vigilância em casa, onde familiares, vizinhos, escola são
envolvidos em uma rede de ajuda à instituição para manter o “controle” do estado de
saúde da criança. Nesse caso, é interessante como as orientações do hospital transpõem
o muro institucional e vão se expandindo dentro da família e comunidade, passando a
ser mais valorizadas, uma vez que foram enfatizadas durante a permanência no hospital.
No cenário hospitalar, a família identifica o controle oncológico como parte integrante
do tratamento e vê a alta hospitalar como algo inalcançável, conforme o quadro a
seguir:
Período anterior àchegada a instituição
Tratamento oncológico=
Controle clínico da doença
Acompanhamento eternizado.Desejo da alta hospitalar?
Visão da família sobre o adoecimento da criança
Outro aspecto importante evidenciado é o vínculo que a família cria com o
hospital, devido à falta de uma política pública para esse grupo infantil, obrigando a
instituição, alicerçada por critérios ético- legais, a não dar alta hospitalar aos escolares
ao término do tratamento e controle; o que seria uma evolução esperada dentro do
tratamento e cura de uma doença.
O estudo traz uma forma diferente de repensar o câncer infantil, não como uma
doença letal, mas uma doença com chances de cura e com índices crescentes.
Considerando as contribuições deste estudo a respeito do (con)vívio da família
com o escolar em controle oncológico, acredito que se torna premente o
desenvolvimento dessa temática, utilizando outros cenários, outras faixas etárias,
visando o aprofundamento das dificuldades e demandas da família e do escolar.
A enfermagem é uma profissão nova e singular, em constante crescimento, que
necessita fundamentar suas intervenções com pesquisas, em especial na área de
enfermagem da família e de oncologia pediátrica. Com base nas pesquisas aliada à
prática profissional, a enfermeira terá como refletir, fundamentar e encaminhar a sua
atuação profissional, contribuindo cada vez mais para a construção do conhecimento da
profissão enfermagem.
Finalizando, gostaria de deixar registrado que este estudo permitiu o meu avanço
profissional e intelectual, não só na área de enfermagem pediatrica oncológica, mas
como indivíduo, que descobriu mais particularidades, detalhes imperceptíveis e imagens
invisíveis do mundo que me cerca. A busca do conhecimento no campo da prática da
enfermagem oncológica proporcionou-me um aprimoramento das minhas indagações,
que resultaram em respostas parciais e muitas vezes incompletas.
Assim como no nascimento de um filho, a dor e o prazer convivem juntos como
na construção de um estudo. O sentimento ao final desta caminhada é de conforto e
extenuação. A certeza de outras caminhadas para o conhecimento é o sinal do inacabado
de um estudo, da busca de novas descobertas e de estudos que já existem e
complementam o que está por vir.
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ANEXOS
Anexo I
Formulário
I – Identificação
Nome do escolar:
__________________________________________________________
No do Prontuário: ____________________ Data de Nascimento:
____________________
Idade: ______________ Diagnóstico:
__________________________________________
Tratamentos:
______________________________________________________________
Alguma seqüela:
___________________________________________________________
Tempo de controle da doença:
________________________________________________
Freqüenta a escola:
_________________________________________________________
II – Identificação dos Familiares
Nome do(s) familiar(es) que convive(m) com a criança:
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
III – Contato inicial: agendamento da entrevista.
Data: ___________________________
Horário de início: _________________
Horário final: ____________________
Local: __________________________
Anexo II
Anexo III
Universidade Federal do Rio de Janeiro–UFRJ
Escola de Enfermagem Anna Nery–EEAN
Instituto Nacional de Câncer–INCA–HCI
Rio de Janeiro, de de 2004.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezados Pais e Responsáveis,
Você está sendo convidado(a) a participar, voluntariamente, de um depoimento
oral a ser prestado á enfermeira Leila Leontina Couto, para a construção da pesquisa
relativa á dissertação de mestrado, junto ao programa de Pós- Graduação do Núcleo de
Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança do Departamento Materno- Infantil da
Escola de Enfermagem Anna Nery- Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Antes de formalizar seu consentimento, solicito que leia as seguintes
informações:
1 – A pesquisa tem como objetivo geral: Estudar a (con)vivência da família com
a criança em idade escolar em fase de controle da doença oncológica. Além disso, a
pesquisa pretende: Descrever as estratégias da família no convívio da criança em idade
escolar em fase de controle da doença oncológica, a partir do discurso dos familiares;
Analisar as interações e estratégias adotadas pela família para conviver com as crianças
em idade escolar; Discutir a convivência da família com a criança em idade escolar em
controle da doença oncológica. Este estudo busca contribuir para o conhecimento das
interações da família com a criança em idade escolar em fase de controle oncológico, o
seu entendimento sobre “controle da doença oncológica” e suas estratégias de inserir
esta criança dentro do sua própria família, na comunidade, na escola e na sociedade,
levando a um fortalecimento do ambulatório de crianças em controle oncológico.
2 – A presente pesquisa não oferece riscos, seja do ponto de vista físico ou
psicológico, já que os assuntos abordados na entrevista fazem parte do cotidiano dos
familiares e da criança em fase de controle da doença oncológica que freqüentam o
ambulatório de pediatria do Hospital do Câncer.
3 – A sua participação é voluntária, podendo o entrevistado/familiar fazer as
perguntas que desejar antes, durante e após a coleta do depoimento. A metodologia da
pesquisa será explicada antes e durante a coleta de dados, e tantas vezes quanto for
necessário.
4 – A entrevista será feita em data pré-determinada de acordo com a
disponibilidade dos familiares. Os temas utilizados serão: O entendimento da família
sobre “criança em fase de controle da doença oncológica”; O motivo em continuar a
freqüentar o hospital; Como é ter uma criança em idade escolar na família em controle
oncológico ; Como a família se relaciona com a criança em idade escolar em casa, no
grupo familiar, na comunidade e na escola.
5 – A entrevista será em grupo com outros familiares que freqüentam o
ambulatório de pediatria oncológica, será gravada, podendo ser interrompida a qualquer
momento, o seu depoimento poderá ser modificado, você poderá solicitar cópia ou
original da gravação, solicitar que sejam retirados trechos que considerar não desejáveis
e, finalmente, impedir sua divulgação, sem que isso represente qualquer prejuízo para o
acompanhamento da sua criança no serviço de pediatria, Hospital do Câncer I- Instituto
Nacional de Câncer.
6 – Será garantido o sigilo sobre o que for falado á pesquisadora em qualquer
momento, mesmo que não tenha sido gravado.
7 – A sua identidade será mantida como informação confidencial. Os resultados
serão publicados e/ou divulgados sob forma de publicação ou oralmente em eventos
científicos, sem a revelação da identidade do entrevistado/ familiar e das pessoas a eles
relacionadas e que porventura sejam citados.
8 – Ter liberdade de recusar a participar da pesquisa em qualquer etapa ou de
retirar o Consentimento sem qualquer penalidade para as partes envolvidas.
Eu,
______________________________________________________________________
(Nome do entrevistado/ familiar)
autorizo a gravação desta entrevista e sua posterior análise para a pesquisa e sua
divulgação, desde que resguardado o anonimato de meu depoimento, cedendo os
direitos autorais para a pesquisa: “A convivência da família com a criança em idade
escolar em controle da doença oncológica e as perspectivas para a enfermagem
pediátrica: O caso do INCA.” Declaro que li e entendi todas as informações que me
foram prestadas e que todas as minhas perguntas foram satisfatoriamente respondidas
pela pesquisadora responsável. Receberei uma cópia deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
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Assinatura do familiar
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Assinatura da pesquisadora.
Enfermeira Leila Leontina Couto
Tel. Res. (021) 2504-2453.
Trabalho: (021)2506-6528.
Orientadora da Pesquisa: Prof.a Isabel Cristina dos Santos Oliveira.
Trabalho: (021) 2598-8098- R.115