Formação de lojas de conveniência - Dissertação Mestrado - G. da Qual.
A Conveniência Da Morte
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A CONVENIEcircNCIA DA MORTE OS RITUAIS FUacuteNEBRES E O CONSUMOMORTUAacuteRIO EM LIMOEIRO DO NORTE ndash CE
RAFAELA MOREIRA DE LIMA
Os misteacuterios que cercam a morte sempre nos instigaram Mesmo que ela se faccedila
presente em diversos momentos da nossa vida cotidiana muitas vezes a tratamos com
indiferenccedila e com medo Embora esteja ligada ao nosso dia-a-dia a morte gera sentimentos de
pacircnico e de anguacutestia principalmente porque conforme a sabedoria popular afirma a uacutenicacerteza que temos na vida eacute que um dia iremos morrer Mas antes de vermos a morte como o
fim temos que perceber que ela faz parte da construccedilatildeo social humana e de significados que
mudam de acordo com o tempo e com o espaccedilo Dessa forma devemos compreender a morte
as praacuteticas mortuaacuterias enfim toda accedilatildeo humana que a envolve numa perspectiva do processo
histoacuterico
De acordo com Philippe Ariegraves (2003) como muitos outros fatos de mentalidade que se
situam em um longo periacuteodo a atitude diante da morte pode parecer quase imoacutevel atraveacutes deperiacuteodos muito longos de tempo Podemos compreender que mesmo se referindo ao periacuteodo
medieval no ocidente o autor faz reflexotildees que nos instigam no tempo presente e nos faz
refletir sobre as permanecircncias de determinados ritos fuacutenebres que embora sofram alteraccedilotildees
lentas natildeo acompanham por total as mudanccedilas estruturais da sociedade
Contanto percebemos que a historiografia nos ajuda a fazer o percurso pelas
permanecircncias e rupturas ocorridas em relaccedilatildeo aos rituais fuacutenebres e o ato de morrer que vatildeo
criando acepccedilatildeo em torno da morte Segundo Joatildeo Joseacute Reis (1991) no seacuteculo XIX as pessoas
passaram a se preocupar em ter uma boa morte fazendo com que as atitudes diante da morte e
dos mortos sofressem mudanccedilas e tomassem novos formatos e novos significados Havia uma
grande preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao destino e agrave salvaccedilatildeo da alma fazendo com que as pessoas
se utilizassem de ritos e cerimocircnias que proporcionassem ao morto uma boa vida no outro
mundo O destino da alma o lugar do sepultamento a maneira como se esperava a morte
eram relaccedilotildees entre vivos e mortos no cotidiano dos indiviacuteduos no Brasil oitocentista
983082 Mestranda em Histoacuteria e Culturas pela Universidade Estadual do Cearaacute integrando a linha de pesquisa
Memoacuteria Oralidade e Cultura Escrita Bolsista CAPES
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No Brasil dos oitocentos a morte natildeo poderia acontecer de forma solitaacuteria e privada
era indispensaacutevel a participaccedilatildeo dos familiares amigos e vizinhos padre e ateacute desconhecidos
Quando o moribundo1 era avisado da sua morte atraveacutes dos signos naturais dava-se iniacutecio
aos preparativos para a cerimocircnia fuacutenebre garantindo ao morto uma boa passagem para o
desconhecido ldquoDepois de detectada a morte de um indiviacuteduo tinham iniacutecio as cerimocircnias
fuacutenebres que compreendiam sequecircncias formais no sentido de marcar simbolizar ou
dramatizar separaccedilotildees margens ou agregaccedilotildeesrdquo (MORAIS 2009 46) Os ritos de post
mortem eram exclusivamente domeacutesticos e de manifestaccedilatildeo religiosa eles iniciavam com apreparaccedilatildeo do corpo cortar o cabelo limpar e vestir Em seguida a vela acessa era posta na
matildeo do defunto como uma forma de guiar o espiacuterito do morto aos ceacuteus Os olhos do cadaacutever
eram fechados com o objetivo de fazer com que o morto os fechasse para o mundo dos vivos
e os abrisse quando chegasse ao mundo espiritual Tambeacutem existiam as celebraccedilotildees de missas
e o sepultamento dentro da igreja que exerciam a funccedilatildeo de conduzir o morto ao caminho dos
ceacuteus
Nesse periacuteodo a morte acidental era vista como grande desventura pois era muito
importante para o morto que seu corpo fosse preparado para o momento final da vida eram
indispensaacuteveis os rituais que lhes garantisse uma boa morte
Segundo Joatildeo Joseacute Reis a morte no seacuteculo XIX tinha que ser divulgada para que um
grande nuacutemero de pessoas participasse do funeral evitando que os maus espiacuteritos se
aproximassem do defunto Para isso eram distribuiacutedas comidas e cachaccedilas para que as
pessoas permanecessem no veloacuterio ateacute o momento do enterro A praacutetica de velar o defunto ouldquoguardar o mortordquo era o principal momento da cerimocircnia fuacutenebre Enquanto o corpo era
velado sua alma era encomendada aos ceacuteus atraveacutes de oraccedilotildees cantadas ou recitadas mais
conhecidas por ldquosentinelasrdquo
No entanto as pessoas sempre abominaram a morte ela sempre foi considerada um
acontecimento pavoroso O que percebemos que mudou foi contudo o modo de conviver e
1 Satildeo designados moribundos os pacientes terminais que na evoluccedilatildeo de uma doenccedila satildeo consideradosincuraacuteveis ou sem condiccedilotildees de prolongamento de vida Na atualidade esses indiviacuteduos satildeo retirados dos espaccedilosfamiliares preservando sua individualidade culminando com a solidatildeo dos moribundos
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lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS
2009 53)
O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que
atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada
vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte
Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as
sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se
aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente
no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior
cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio
Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de
ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se
forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que
se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre
pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas
ocasiotildees perdem o controle
Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as
pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de
acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida
Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do
Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e
o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas
que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas
paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos
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esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um
caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para
organizar o veloacuterio
Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das
pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do
seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e
doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos
permite pensar em tocar no corpo do morto
Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos
realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto
a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos
sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos
mortos
Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a
sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 247)
Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente
Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar
contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos
representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos
fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela
resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava
com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo
civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo
que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios
extra-muros
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Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos
miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia
de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas
da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a
populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento
de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros
e de cemiteacuterios puacuteblicos
ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a
conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses
estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas
pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e
recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade
A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os
odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados
insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana
Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)
Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em
locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores
malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os
cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas
Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de
muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo
assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que
lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que
maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees
983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo
era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
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AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
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BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
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GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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No Brasil dos oitocentos a morte natildeo poderia acontecer de forma solitaacuteria e privada
era indispensaacutevel a participaccedilatildeo dos familiares amigos e vizinhos padre e ateacute desconhecidos
Quando o moribundo1 era avisado da sua morte atraveacutes dos signos naturais dava-se iniacutecio
aos preparativos para a cerimocircnia fuacutenebre garantindo ao morto uma boa passagem para o
desconhecido ldquoDepois de detectada a morte de um indiviacuteduo tinham iniacutecio as cerimocircnias
fuacutenebres que compreendiam sequecircncias formais no sentido de marcar simbolizar ou
dramatizar separaccedilotildees margens ou agregaccedilotildeesrdquo (MORAIS 2009 46) Os ritos de post
mortem eram exclusivamente domeacutesticos e de manifestaccedilatildeo religiosa eles iniciavam com apreparaccedilatildeo do corpo cortar o cabelo limpar e vestir Em seguida a vela acessa era posta na
matildeo do defunto como uma forma de guiar o espiacuterito do morto aos ceacuteus Os olhos do cadaacutever
eram fechados com o objetivo de fazer com que o morto os fechasse para o mundo dos vivos
e os abrisse quando chegasse ao mundo espiritual Tambeacutem existiam as celebraccedilotildees de missas
e o sepultamento dentro da igreja que exerciam a funccedilatildeo de conduzir o morto ao caminho dos
ceacuteus
Nesse periacuteodo a morte acidental era vista como grande desventura pois era muito
importante para o morto que seu corpo fosse preparado para o momento final da vida eram
indispensaacuteveis os rituais que lhes garantisse uma boa morte
Segundo Joatildeo Joseacute Reis a morte no seacuteculo XIX tinha que ser divulgada para que um
grande nuacutemero de pessoas participasse do funeral evitando que os maus espiacuteritos se
aproximassem do defunto Para isso eram distribuiacutedas comidas e cachaccedilas para que as
pessoas permanecessem no veloacuterio ateacute o momento do enterro A praacutetica de velar o defunto ouldquoguardar o mortordquo era o principal momento da cerimocircnia fuacutenebre Enquanto o corpo era
velado sua alma era encomendada aos ceacuteus atraveacutes de oraccedilotildees cantadas ou recitadas mais
conhecidas por ldquosentinelasrdquo
No entanto as pessoas sempre abominaram a morte ela sempre foi considerada um
acontecimento pavoroso O que percebemos que mudou foi contudo o modo de conviver e
1 Satildeo designados moribundos os pacientes terminais que na evoluccedilatildeo de uma doenccedila satildeo consideradosincuraacuteveis ou sem condiccedilotildees de prolongamento de vida Na atualidade esses indiviacuteduos satildeo retirados dos espaccedilosfamiliares preservando sua individualidade culminando com a solidatildeo dos moribundos
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lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS
2009 53)
O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que
atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada
vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte
Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as
sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se
aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente
no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior
cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio
Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de
ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se
forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que
se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre
pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas
ocasiotildees perdem o controle
Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as
pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de
acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida
Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do
Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e
o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas
que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas
paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos
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esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um
caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para
organizar o veloacuterio
Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das
pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do
seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e
doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos
permite pensar em tocar no corpo do morto
Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos
realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto
a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos
sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos
mortos
Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a
sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 247)
Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente
Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar
contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos
representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos
fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela
resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava
com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo
civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo
que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios
extra-muros
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Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos
miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia
de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas
da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a
populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento
de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros
e de cemiteacuterios puacuteblicos
ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a
conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses
estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas
pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e
recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade
A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os
odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados
insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana
Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)
Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em
locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores
malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os
cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas
Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de
muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo
assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que
lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que
maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees
983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo
era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
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GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS
2009 53)
O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que
atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada
vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte
Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as
sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se
aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente
no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior
cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio
Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de
ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se
forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que
se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre
pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas
ocasiotildees perdem o controle
Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as
pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de
acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida
Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do
Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e
o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas
que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas
paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos
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esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um
caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para
organizar o veloacuterio
Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das
pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do
seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e
doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos
permite pensar em tocar no corpo do morto
Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos
realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto
a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos
sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos
mortos
Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a
sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 247)
Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente
Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar
contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos
representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos
fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela
resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava
com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo
civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo
que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios
extra-muros
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Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos
miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia
de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas
da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a
populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento
de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros
e de cemiteacuterios puacuteblicos
ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a
conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses
estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas
pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e
recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade
A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os
odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados
insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana
Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)
Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em
locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores
malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os
cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas
Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de
muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo
assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que
lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que
maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees
983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo
era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
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ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
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GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
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REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um
caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para
organizar o veloacuterio
Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das
pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do
seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e
doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos
permite pensar em tocar no corpo do morto
Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos
realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto
a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos
sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos
mortos
Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a
sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 247)
Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente
Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar
contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos
representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos
fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela
resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava
com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo
civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo
que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios
extra-muros
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Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos
miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia
de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas
da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a
populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento
de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros
e de cemiteacuterios puacuteblicos
ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a
conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses
estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas
pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e
recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade
A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os
odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados
insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana
Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)
Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em
locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores
malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os
cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas
Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de
muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo
assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que
lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que
maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees
983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo
era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos
miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia
de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas
da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a
populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento
de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros
e de cemiteacuterios puacuteblicos
ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a
conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses
estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas
pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e
recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade
A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os
odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados
insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana
Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)
Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em
locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores
malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os
cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas
Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de
muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo
assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que
lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que
maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees
983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo
era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que
se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados
que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo
(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do
defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se
relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos
agrave morte
Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que
as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no
interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras
Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos
dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles
podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que
aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus
divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria
de Lourdes Maia Pitombeira
Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de
ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha
casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais
quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05
2012)
Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde
o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo
enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro
depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o
caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham
cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte
comentaacuterio
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
realizada em 17072010)
Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e
inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes
jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal
que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista
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Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os
seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA
morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando
ele escreve o seguinte
entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos
funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias
concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se
excluiacuteam
Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o
lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos
do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder
algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa
Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do
Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos
catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no
dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do
juiacutezo final
Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves
famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido
encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido
ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
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Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917
983097
De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande
devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os
maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns
utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os
homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS
1991 2)
Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a
importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria
protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada
Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir
com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as
criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria
desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo
(ANIacuteBAL 2010 31)
Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do
cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos
Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da
urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos
morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil
Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que
estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de
responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de
amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o
seguinte relato
Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com
uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a
roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra
vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de
grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas
colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o
cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo
Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em
que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na
entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente
relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se
daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo
com Maria Joseacute
Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a
igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela
no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)
Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das
pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem
na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz
referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso
que aquele cenaacuterio representava
Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de
crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma
Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia
costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o
defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no
983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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983089983095
______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros
levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)
Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de
redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma
esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer
as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas
pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta
cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando
espanto e medo
Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do
sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer
De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)
A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com
oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o
sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em
perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e
absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente
A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na
iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua
residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que
representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da
misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL
2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica
como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo
pecado
Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que
garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma
sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo
desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do
falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte
do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal
(ANIacuteBAL 201 45) escreve que
O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca
elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse
processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do
morto
Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que
frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito
publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos
significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do
preto
Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram
acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a
atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que
nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha
como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos
vivosrdquo (REIS 1991 114)
O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se
constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e
daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham
sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas
configuraccedilotildees
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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983089983095
______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os
setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos
relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser
objeto de estudos acadecircmicos
Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas
nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa
morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam
Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais
fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas
mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da
empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o
processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em
torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer
O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas
oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar
protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem
morria
Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai
ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e
coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes
Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar
seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de
Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto
como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a
vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso
dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a
madrugada no veloacuterio do seu vizinho
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que
chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse
pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a
noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em
17072010)
Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas
vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do
morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila
popular
Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel
fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias
As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais
que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um
serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos
Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e
ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo
em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes
empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das
cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas
Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo
consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do
Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas
deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade
pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme
Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da
modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final
983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a
morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
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Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617
983089983094
REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717
983089983095
______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417
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da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em
empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios
empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo
antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois
(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)
Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e
serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em
estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que
refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto
estava viva
Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as
empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero
ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se
manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas
funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos
seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute
oferta de serviccedilos funeraacuterios
Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos
transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo
o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e
criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos
que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)
Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como
principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos
comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de
consumo
Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517
983089983093
Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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983089983094
REFEREcircNCIAS
ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003
BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994
______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997
ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001
FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
7242019 A Conveniecircncia Da Morte
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983089983095
______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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983089983093
Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo
lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o
consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em
que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte
Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a
morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a
maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees
refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas
ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e
sobretudo com o consumo
Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e
transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que
muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las
possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela
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ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007
AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
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FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000
GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977
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______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997
MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19
jan 2011
MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco
PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997
REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991
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AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001
ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010
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