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A CONTRIBUIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES EM GUARAPUAVA

Edivete Maria Ivanski Felema1

Terezinha Saldanha2

Resumo

O presente artigo é resultado do plano de intervenção pedagógica, do projeto PDE, desenvolvido no Colégio Estadual Bibiana Bitencourt em Guarapuava – PR., com alunos da 7ª série/ 8º ano do Ensino Fundamental. A intenção foi registrar a valorização e a participação dos afro-brasileiros na formação e no desenvolvimento da sociedade local, objetivando sua inserção no contexto histórico brasileiro, uma vez que os mesmos ainda são invisíveis à sociedade. A unidade didática produzida e implementada no colégio objetivou promover atividades pedagógicas que proporcionassem a reflexão da contribuição dessa etnia para a sociedade local e seu legado sociocultural. Desta forma, promoveu-se discussões sobre a diversidade étnica da sociedade, refletiu-se e conceituou-se racismo, discriminação e preconceito étnico; desenvolveu-se leituras de imagens e de textos que comprovam a contribuição africana e afro-brasileira em Guarapuava e realizou-se com os alunos uma exposição dos resultados das entrevistas com os afro-brasileiros da comunidade. A metodologia utilizada foi o estudo da história local e regional, face à Lei nº 13.381, de 18/12/2001, a qual torna obrigatório no Ensino Público Estadual os conteúdos de História do Paraná. Ainda, apresenta o resultado das entrevistas realizadas com trinta e cinco afrodescendentes, buscando conhecer o cotidiano dessas pessoas e como encaram o preconceito. Este artigo também relata a atuação dos alunos, suas descobertas e reflexões no decorrer das atividades. Com isso pretende contribuir para a formação de uma identidade positiva e revelar outra versão da história de Guarapuava: aquela que não é contada oficialmente. Palavras-Chave: afrodescendentes; contribuição; etnia africana; preconceito.

ABSTRACT

The present article is the result of the pedagogical intervention plan, of the PDE project, developed in the State College Bibiana Bitencourt in Guarapuava – PR., with public elementary school students, 7th grade/8 º year. The intention was to record

1 Professora de História na Rede Pública do Paraná.

2 Professora Doutora de Graduação e Pós-Graduação do curso de História, UNICENTRO, História do

Brasil – Colônia, Império e Republica – Diretora do Arquivo Histórico Municipal e CEDOC/G.

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the appreciation and participation of Afro-Brazilians in the formation and development of “guarapuavana” society aiming their insertion in Brazilian historical context, since they are still invisible to the society. The didactic unit produced and implemented in the college aimed to promote pedagogical activities that would provide a reflection of the contribution of this ethnicity to the local society and its socio-cultural legacy. Therefore, held discussions about the ethnic-racial diversity of the society, also reflected and conceptualized racism, discrimination and ethnic prejudice; developed readings of texts and images that proves the African and Afro-Brazilian contribution in Guarapuava and held with the students an exposure of the results of interviews with the Afro-Brazilians of the Community. The methodology used was the study of the local and regional history, face the Law n º 13.381 of 18/12/2001, which becomes mandatory in the State Public Education the contents of History of Paraná. It also presents the results of interviews with thirty-five Afro-descendants, seeking to know the daily life of these people who lives in the city and how they face the prejudice. This article also reports the students' behavior, their discoveries and reflections during the activities. This aims to contribute to the formation of a positive identity and reveal another side of the story of Guarapuava: one that is not officially counted.

Key Word: Afro-descendant; contribution; African ethnicity; prejudice.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado do Programa de Desenvolvimento Educacional –

PDE, promovido pelo Governo do Estado do Paraná, que estabelece o diálogo entre

os professores do ensino superior e os da educação básica, através de atividades

teórico-práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e

mudanças qualitativas na prática educativa da escola pública paranaense.

Constou na elaboração de um projeto de pesquisa e de material didático para

implementação na escola. Concretizando o projeto, desenvolveu-se a pesquisa “A

contribuição dos afrodescendentes em Guarapuava”, com embasamento nas

Diretrizes Curriculares de História para a Educação Básica do Estado do Paraná

(DCEs) e nos estudos de Marcondes e Abreu (1991), Marcondes (1998 e 2010),

Franco Netto (2007) e Portella (2001). A implementação ocorreu no Colégio Estadual

Bibiana Bitencourt, na Vila Jordão, em Guarapuava.

De acordo com as DCEs, é relevante estudar a diversidade cultural e a

memória paranaenses. Assim, foi priorizada a história local, mais exatamente a etnia

africana em Guarapuava, conforme a Lei Estadual nº 13.381, de 18/12/2001, que

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torna obrigatório o ensino de conteúdos de História do Paraná no Ensino

Fundamental e Médio da Rede Pública Estadual, bem como a Lei 10.639/2003, que

dispõe sobre a inserção de conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira e Africana

nos currículos da Educação Básica das escolas públicas. Segundo Arruda (2007, p.

7), essa lei objetiva levar os educadores a “[…] buscar garantir, compreender,

implementar e incentivar o respeito à diversidade e à pluralidade que permeiam o

espaço da sala de aula [...]”.

Para Schmidt e Cainelli (2004, p. 113) “[...] o estudo da história local é uma

importante estratégia pedagógica de construção dos conhecimentos históricos e

resgate da memória [...]”. Estudar o que está mais próximo do cotidiano do

educando contribui para a valorização da sua história e a compreensão das relações

estabelecidas com o restante da sociedade. Estudar a História e Cultura Afro-

brasileira, constituintes da história desse país, até pouco tempo negadas como

conteúdos de ensino (PARANÁ, 2008), é, segundo Freitas Neto (2008, p. 63)

proporcionar “[...] a análise sobre a questão racial e a desigualdade no Brasil,

buscando, na questão da escravidão, uma das possibilidades de interpretação para

os problemas vividos ainda hoje [...]”.

Com este estudo, procurou-se levar os estudantes a compreender as causas

que tornam alguns grupos sociais oprimidos e os colocam em situações de

desigualdade. “[...] O racismo é um dos sérios problemas mundiais. Tratar de

problemas da atualidade e relacionar aos conteúdos escolares é conferir qualidade e

atualidade ao ensino [...]”. (ROCHA, 2009, p.23).

Tal estudo se justifica por entender que a escola tem o papel de fazer um

grupo se sentir integrado a uma sociedade que, muitas vezes, desconhece a sua

atuação, ficando na invisibilidade. Para Walter (2008, p. 2) “[...] os africanos e seus

descendentes foram omitidos do currículo escolar, tendo sua história na construção

da sociedade brasileira relegada à inferioridade, em detrimento da cultura européia”.

A Educação deve favorecer a transformação do contexto social e “[...] o

verdadeiro potencial transformador da História é a oportunidade que ela oferece de

praticar a „inclusão histórica‟. [...]” (KARNAL, 2008, p.28). Assim, esse estudo

objetivou contribuir para a construção da consciência histórica e o amadurecimento

da cidadania do educando, possibilitando-lhes o conhecimento crítico de sua

realidade. (FREITAS NETO, 2008).

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O presente trabalho também envolveu outros professores da rede pública de

ensino de várias regiões do Paraná, através do GTR (Grupo de Trabalho em Rede),

que, na plataforma Moodle, analisaram o projeto, o material didático e as ações da

implementação. Houve a troca de experiências e reflexões sobre o estudo abordado.

Este artigo atende a fase final da proposta, que é divulgar os resultados

encontrados e analisados. Assim, apresenta a sistematização dos resultados dos

estudos em sala de aula e das entrevistas realizadas no segundo semestre de 2011.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A presença africana e afro-brasileira no Brasil

A História da África e a do Brasil estão intrinsecamente relacionadas. Para

Paim (2006), é inegável o papel dos africanos na construção social, econômica e

cultural de nosso país no passado e atualmente. Nessa perspectiva, não se pode

tratar a questão africana apenas do ponto de vista da escravidão, como questão

isolada e finalizada pela Lei Áurea de 1888. Com essa Lei os negros conseguiram a

liberdade, porém não obtiveram direitos. Não lhes foi dado o direito a terra, à

educação e ao trabalho remunerado. (PAIM, 2006).

Para Costa (1998), por muito tempo a escravidão no Brasil foi sua

característica nacional. Desde os primórdios do Brasil-Colônia, a mão-de-obra

escrava negra foi exclusiva em algumas regiões brasileiras. Era ele o grande

instrumento de trabalho, primeiro nos canaviais, mais tarde na mineração, nas

fazendas ou nas cidades.

De acordo com os estudos de Moore (2008, p. 69) “[...] do continente africano,

o Brasil Colonial recebeu a maior parte de sua população. Calcula-se que até seis

milhões de africanos escravizados, violentamente removidos do continente africano,

foram trazidos para o Brasil”. Por quase quatro séculos, eles foram a mão-de-obra

principal, geraram o grosso das riquezas, tornando possível a constituição do Brasil

como nação. “[...] A população de origem africana chegou a somar até 70% do corpo

populacional até o momento da abolição [...]” (MOORE, 2008, p. 69-70).

A matriz africana teve um papel importante na formação da identidade cultural

afro-brasileira porque os escravizados possuíam uma vasta diversidade cultural por

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conta de sua origem distinta e por pertencerem a diversas etnias com idiomas e

tradições peculiares.

Márcio Carvalho C. Ferreira, em seu artigo, a influência africana no processo

de formação da cultura afro-brasileira, afirma que a sociedade brasileira resulta da

imensa participação de africanos e afro-brasileiros os quais transmitiram

conhecimento material e imaterial para a cultura brasileira. Para Ferreira (2009, p.1)

“[...] o intenso intercâmbio cultural ocorrido entre os escravos africanos, os indígenas

e os europeus por vários séculos, durante o período colonial brasileiro, contribuiu

para a formação de uma cultura híbrida e bastante rica”.

Cultura no sentido antropológico é entendida aqui como um sistema de

símbolos e de sentidos (significações), partilhados pelos indivíduos de um grupo

humano. Para Geertz (1989) esses sentidos e significados não estão internalizados

no reflexo da realidade social. Acham-se incorporados na interação entre as

pessoas e na sua ação enquanto atores sociais. Para ele, a cultura é uma hierarquia

de estruturas significativas, feitas de ações, símbolos e sinais, assim como de

manifestações verbais, conversações; uma teia de significados tecida pelas mesmas

pessoas que nela vivem. Os fenômenos culturais são vistos, acima de tudo, como

formas simbólicas. E, a análise da cultura “[...] é entendida como a interpretação dos

padrões de significados presentes nessas formas. Uma interpretação de um mundo

que já é descrito e interpretado pelas pessoas que fazem parte desse mundo.”

(GEERTZ, 1989, p.15)

Para Geertz, é necessário, reconhecer as diferenças culturais de maneira

mais clara e não oculta, numa coletividade mais ampla de um país, de uma região,

de uma etnia, de uma religião e de um grupo. Diante do exposto, no Brasil os

africanos e afro-brasileiros souberam absorver e reconstituir certas práticas de

outras culturas com os quais estiveram em contato. Juntamente com outras etnias,

os afro-brasileiros, foram fundamentais na construção e na formação da nação

brasileira.

2.2. A presença africana e afro-brasileira no Paraná

No atual território paranaense, a escravidão negra iniciou no século XVII,

junto à exploração do ouro nos tempos dos arraiais das primeiras vilas paranaenses:

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Paranaguá, Antonina, Morretes, São José dos Pinhais e Curitiba, respectivamente.

Antes, o africano passou por aqui auxiliando os bandeirantes no transporte de

cargas, abrindo caminhos à procura de ouro e pedras preciosas, ajudando no

apresamento dos indígenas, carregando ferramentas, armas e outros objetos, e no

desbravamento do nosso território. (STECA E FLORES, 2002).

A partir do século XVIII, segundo Steca e Flores (2002), com a exploração do

ouro, índios e africanos passaram a conviver servindo forçadamente o branco. Na

medida em que esta economia ruía, os negros foram estabelecidos nas atividades

agropastoris do primeiro e segundo planalto paranaense.

Conforme Costa e Gutierrez (1985 apud GUTIERREZ 2006, p. 102), os

grandes criadores de gado tinham muitos escravos, que formaram a base da

economia paranaense:

Dados permanentes sobre os escravos apareceram na segunda metade do século XVIII, com a elaboração sistemática de recenseamentos, as chamadas listas nominativas de habitantes. Em 1798, no primeiro quadro global reunindo informações de Antonina, Guaratuba, Paranaguá, Castro, Curitiba, Lapa e São José dos Pinhais, isto é, de todas as localidades então existentes, foram relacionados 4.273 cativos dentro de uma população de 20.999 pessoas. [...] As vilas mais escravistas eram as mais vinculadas ao mercado em virtude da pecuária: em Castro os escravos representavam 21,8% da população em 1810, e vinte anos depois registrava 26,9%; o porcentual de Ponta Grossa (freguesia subordinada a Castro) era em 1830 9,1% e o de Palmeira de 31%.

Os estudos históricos sobre a pecuária no Paraná, segundo Hartung (2004),

demonstram que os cativos foram responsáveis pela produção alimentícia dos

moradores nas fazendas. Além da agricultura, também se ocupavam das funções de

carpinteiro, alfaiate, sapateiro, arrieiro, cozinheiro e campeiro. A maioria dos cativos

se concentrava na pecuária e nos serviços domésticos.

Para Steca e Flores (2002), a falta de mão de obra no território paranaense

fez do escravo negro carroceiro, calafete, carreiro, carapina, vaqueiro, pastor,

barqueiro, pescador, soldado, oleiro, fabricante de farinha de mandioca, enfermeiro,

carregador de alimentos, enfim, ele ocupou as mais diversas funções.

Assim, o território paranaense foi cultivado pelo africano cativo, suas riquezas

foram construídas com a participação não apenas da força física, mas também da

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habilidade e do conhecimento técnico do africano e mais tarde de seus

descendentes.

2.3. A presença africana e afro-brasileira na região de Guarapuava

Em Carta Régia de 05 de novembro de 1808, o príncipe Regente Dom João

determinava ao governador de São Paulo ocupar os campos guarapuavanos,

visando renovar e confirmar estas descobertas para Portugal. Assim, foi composta

uma expedição que deveria distribuir terras (sesmarias) e construir estradas para

ligar os campos de Guarapuava à região das Missões e ao resto da Província

paranaense. (STECA E FLORES, 2002).

Marcondes (2010, p.146) enfatiza que “[...] o sesmeiro teria de possuir certa

quantia de gado vacum e cavalar, ter escravos, ferramentas e dinheiro para

colonizar, fazer expandir a pecuária, além de construir estradas, pontes, mas

principalmente defender a região dos espanhóis”.

A Junta da Real Expedição e Conquista de Guarapuava foi composta por 200

militares, colonos paulistas e paranaenses, escravos e degredados; ao total eram

aproximadamente 300 pessoas. De acordo com Marcondes (1998), chegaram em 17

de junho de 1810, se instalaram às margens do rio denominado Coutinho, hoje

Fazenda Trindade, no Distrito de Palmeirinha, e fundaram o povoado de Atalaia.

Marcondes e Abreu (1991, p. 279) citam que “[...] os primeiros [escravos]

vieram com a Expedição Colonizadora e outros chegaram quando os fazendeiros

adquiriram as suas sesmarias ou montaram suas fazendas pastoris [...]”.

Grande parte da população negra escrava que veio para Guarapuava foi

trazida pelos sesmeiros diretamente de São Paulo. Os demais eram originários de

Curitiba e de outras regiões do Paraná. Porém, muitos deles, foram trazidos

diretamente da África, através dos navios negreiros e entraram pelos portos do Rio

de Janeiro e Paranaguá. (MARCONDES, 1998).

Conforme relatos, os africanos e seus descendentes, desde o início da

povoação da Freguesia Nossa Senhora de Belém, construíram a primeira catedral

de Guarapuava, os primeiros casarões que seguiam o urbanismo europeu, a Praça

Nove de Dezembro, a cadeia, a Câmara Municipal e o quartel; calçaram as ruas

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centrais da cidade e participaram da abertura das estradas. Ou seja, quase toda a

infraestrutura da cidade daqueles tempos foi realizada por eles.

Aos escravos homens e mulheres foi atribuído quase todas as atividades

econômicas das propriedades guarapuavanas mais abastadas, desde o cuidado

com os animais, o seu transporte, o cuidado com a terra, o plantio, artesanato com

couro (fabricação de arreios e selas), tecelagem de lã, ocupações domésticas, como

feitio do charque e da erva-mate. E ainda, como capataz na pecuária. (FRANCO

NETTO, 2007).

O povoamento de Guarapuava foi acontecendo gradativamente, deixando em

evidência sua vocação agropecuária. Franco Netto (2007) afirma que houve um

aumento no número de escravos na região. No ano de 1828 havia 43 escravos,

sendo 29 homens e 14 mulheres. Já em 1835, a população escrava era de 82

indivíduos, sendo 49 homens e 33 mulheres. Em 1840 havia 95 escravos na região,

sendo 60 homens e 35 mulheres. “[...] em 1872, de acordo com a Lista de

Habitantes de Guarapuava eram 849 escravos, registrados, sendo 656 naturais de

Guarapuava e de seu distrito de Palmas”. (MARCONDES e ABREU, 1991, p. 108).

Ainda para Franco Netto (2007), esses dados demonstram uma taxa de

crescimento vegetativo positivo e importante para seu crescimento. Esse

crescimento se justifica pelo auge do tropeirismo na região, pois as fazendas da

região serviam de invernada para o gado proveniente do Rio Grande do Sul, que

aqui podiam descansar e ganhar peso até ser levado à Feira de Sorocaba, com o

objetivo de abastecer o mercado interno.

A propriedade de escravos em Guarapuava, se comparada com outros

estudos com relação ao Paraná no mesmo período, demonstra que o porcentual de

escravistas não foi tão pequeno assim, pois se no Paraná foi de 19%, conforme

estudos de Gutierrez (2006), na região de Guarapuava foi de 29% em 1828. Mesmo

considerando os anos seguintes, verifica-se um porcentual equivalente àqueles

apresentados por outras localidades na região. (FRANCO NETTO, 2007).

Em Guarapuava também existiu escravocratas. Um deles foi o fazendeiro

Pedro de Siqueira Cortes. Possuía um número de escravos acima da média local,

conforme mostra seu testamento. Marcondes (1998, p. 57). cita que “[...] Cortes

tinha 36 escravos, distribuídos em sete fazendas e na casa grande da cidade”. Para

o economista Franco Netto, (2007, p.40), além de escravocrata, Cortes detinha

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influência econômica e política porque “[...] quem tivesse mais de dez escravizados

era considerado um indivíduo de posse e, certamente, com poder político”.

Sabe-se que em algumas sociedades, desde os tempos mais remotos, os

escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria. Os preços variavam

conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o

destino. O escravizado representava riqueza. Era:

[...] objeto de todas as transações: compra, venda,aluguel, empréstimo, hipoteca, herança, leilão, pagamento de dívida, escravo de ganho doado como presente de aniversário, de nascimento ou como dote de casamento. (MARCONDES, 2010, p. 149).

Vale lembrar que na região de Guarapuava o escravizado também foi uma

mercadoria valiosa. Para os mais abastados, era comum o pai presentear o filho no

dia do batizado. Esse presente era um escravozinho, que lhe servia de brinquedo e

também de pajem. Depois de adulto seria a sua mão-de-obra para os trabalhos.

Aqui, as crianças escravas, assim como em outros locais no país, não tinham

infância, pois a partir dos sete anos os meninos escravos já tinham obrigações a

cumprir. Eram os recadeiros, aguateiros, madrinheiros das tropas, além de fazer

outras tarefas. As meninas ajudavam nos serviços domésticos desde pequenas, a

partir dos sete anos já auxiliavam nos afazeres de casa. (MARCONDES, 1998).

Ainda para Abreu e Marcondes (1991, p. 267) “[...] cabia às crianças varrer os

terreiros, limpar as mangueiras, debulhar milho, descascar e ralar mandioca nas

atafonas”.

Outra atividade desenvolvida pelos escravizados na região foi o transporte de

gado e mercadorias. Marcondes e Abreu (1991, p. 123), comentam o trabalho do

afro-brasileiro no tropeirismo:

Foi o negro que cantou o aboio conduzindo até duas mil cabeças de reses, por caminhos tortuosos e atravessou a nado, como gado, caudalosos rios como o Iguaçu, o Jordão, Pinhão, Cascavel, Patos, etc, até chegar aos mercados compradores de Ponta Grossa, Sorocaba, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Portanto, fica evidente o cuidado, a confiança e a responsabilidade dada ao

negro quando conduzia a tropa.

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Antes do tropeirismo, via Caminho das Missões, iniciado no ano de 1847,

Guarapuava era uma modesta Freguesia, isolada no Terceiro Planalto do Paraná.

Porém, essa característica se alterou pela necessidade de procurar novas

pastagens. Foi a mão-de-obra escrava e livre que abriu a Estrada das Missões,

ligando o Rio Grande do Sul à Feira de Sorocaba, através de Guarapuava.

Para Marcondes e Abreu (1991) o tropeirismo colaborou no desenvolvimento

econômico do município, influenciando sua evolução político-administrativa. Em

1852 a Freguesia foi elevada à Vila, separou-se de Castro, e em 1871 passou à

categoria de cidade. Essa evolução se deu pela e com a participação do trabalho

escravo.

Assim, escravos e ex-escravos africanos e afro-brasileiros foram importantes

para a vida da cidade e do campo na região de Guarapuava, ocuparam todas as

funções, desde sua mais tenra idade. Porém, o tratamento que lhes era dado não

era nem um pouco diferente do tratamento recebido pelos negros escravizados de

outras regiões do Brasil. Em Guarapuava, o negro também foi discriminado e

maltratado. Não podia andar com os pés calçados e nem se sentar nos bancos da

igreja se não fosse batizado; quando morria, era enterrado fora dos muros do

cemitério, junto aos leprosos; não tinha direito sequer a um nome próprio: recebia

um prenome ou um apelido; era comum o escravizado receber o sobrenome de seus

senhores. (MARCONDES, 1998).

Vários personagens afro-brasileiros do passado se destacaram na sociedade

guarapuavana. Um deles foi Belmiro Sebastião de Miranda, que aqui é enfatizado

porque organizou a campanha abolicionista em Guarapuava.

Miranda foi escravo de Pedro de Siqueira Cortes, trazido de Maceió para

construir um casarão em Guarapuava (hoje nele funciona o Museu Visconde de

Guarapuava). Era mestre de projetos, carpinteiro, pedreiro e especialista em

construções de taipa (terra, pedra e paus). Segundo Marcondes (1998), Belmiro

construiu grandes casarões que resistem até hoje, como é o caso do palacete que

deu lugar à Casa Paroquial da Catedral Nossa Senhora de Belém, e fundou o Hotel

Redenção, o primeiro de Guarapuava. Com o dinheiro que ganhou, comprou a

alforria de Esydia Ephigênia, com quem se casou. Juntos compraram a alforria de

cinquenta escravos.

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Apesar de não ser um escravo letrado, Belmiro assumiu um importante papel

de interlocutor para seus irmãos de cor, pois “[...] pedia a alguém para escrever as

cartas que enviava a José do Patrocínio, no Rio de Janeiro. Quando as respostas

chegavam, eram decoradas e transmitidas em segredo aos outros escravos”.

(MARCONDES, 1998, p. 61). Assim eram informados do andamento da abolição na

capital do país.

Esse escravo era prestativo, sempre ajudava os mais necessitados e

denunciava os maus tratos sofridos por escravos e alforriados. Marcondes cita que

Belmiro construiu o “[...] „caixão mortuário da misericórdia‟, que doou à Igreja para o

transporte de indigentes até o cemitério; após o sepultamento a urna mortuária

retornava à Igreja para servir a outros necessitados”. (2010, p.161). Esta prática de

transportar os corpos até o cemitério em uma única urna funerária, principalmente

dos escravos, era muito utilizada no Brasil colonial e mesmo no período imperial.

(REIS, 1991).

E hoje como vivem os afrodescendentes guarapuavanos?

Atualmente os afro-brasileiros guarapuavanos vivem separados e distribuídos

em vários bairros e distritos do município. Poucas famílias estão numa situação

social privilegiada, a maioria sobrevive na periferia em condições precárias. Dois

grupos de remanescentes de quilombos vivem em comunidades, que são: os

remanescentes do Quilombo Paiol de Telha (distrito de Entre Rios) e os da

Comunidade Campina dos Morenos (Distrito de Palmeirinha).

Os descendentes de escravos da Comunidade Invernada Paiol de Telha, em

1860, herdaram uma grande extensão de terras da fazendeira Balbina Francisca de

Siqueira. Hartung (2004) afirma que, após a doação ocorreu um claro processo de

expropriação das terras, culminado em 1975, quando todos os herdeiros foram

expulsos das terras da Invernada, sendo ali instalada uma cooperativa agrícola.

Todo este processo foi marcado por negócios escusos e pela violência, abuso de

poder, falsificação de documentos e desrespeito aos direitos humanos.

O Decreto Federal nº 4.887/03 regulamenta a titulação de terras quilombolas

e o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e

titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

Esse decreto foi criado para regulamentar os antigos quilombos, onde viviam vários

grupos de afro-brasileiros. Assim, em 2005, o Instituto Nacional da Reforma Agrária

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(INCRA) deu início ao procedimento de titulação da área, reconhecendo direito de

posse aos quilombolas.

A Comunidade Quilombola Invernada Paiol da Telha foi a primeira

comunidade quilombola do Estado do Paraná a ter iniciado o processo de titulação

de suas terras e a ser reconhecido como Quilombo. (HARTUNG, 2004). Atualmente,

a comunidade está distribuída em quatro grupos: na área urbana de Guarapuava, no

Assentamento Paiol de Telha em Guarapuava, em Pinhão e em Reserva do Iguaçu,

local do território oficial da comunidade, objeto de processo judicial.

A Comunidade Campina dos Morenos, segundo Portella (2001) se formou

numa época em que havia o regime escravista em nosso país. Aproximadamente

em 1872, Manoel Moreira de Campos cedeu um pedaço de suas terras para alguns

escravos seus, a fim de garantir o sustento da família.

Em 2001, Portela (2001) relatou uma população de apenas quarenta

habitantes na comunidade. Muitos saíram e foram viver espalhados em regiões

próximas, casando-se e constituindo famílias diferentes das que se constituem na

comunidade, onde os casamentos ocorrem somente entre duas famílias: Mello e

Luiz. Vivem da agricultura de subsistência e enfrentam muitos problemas, tais como

o difícil acesso, falta de energia elétrica, falta de escola, entre outros recursos.

Diante do exposto, por ter sido Guarapuava uma cidade escravocrata e

muitos descendentes desta etnia viverem ainda a margem da sociedade é que se

pensou em discutir ou refletir esse rico tema em sala de aula.

3. A IMPLEMENTAÇÃO

A implementação do projeto ocorreu no segundo semestre de 2011 e

envolveu um grupo de dezoito alunos da 7ª série/8º Ano do Ensino Fundamental do

Colégio Estadual Bibiana Bitencourt, em contraturno das aulas.

Os recursos metodológicos utilizados contemplaram diversas fontes: textos,

jornais, documento de época, imagens, fotografias, relatos de entrevistas, música,

pesquisas na internet, debates dirigidos, palestras e visita ao Arquivo Histórico,

museus e monumentos históricos construídos pela mão de obra escrava.

Seguindo as ações planejadas no Material Didático elaborado para este

trabalho, o tema escolhido para a introdução foi a apresentação da pesquisa sobre

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a ascendência (origem). Essa foi solicitada antes do início dos trabalhos e contou

com a ajuda da família. O objetivo dessa atividade foi levar o aluno a repensar a

própria história e perceber que a família não possui uma única origem. A família,

assim como a sociedade local, paranaense e brasileira, também é formada de várias

etnias. Os alunos concluíram que sua identidade é brasileira, independente de que

etnia seus avós ou pais fazem parte e da mescla étnica que é a sociedade brasileira.

A segunda ação foi pesquisar as etnias formadoras da população local. Feita

a sondagem oral como conhecimento prévio, os alunos leram o texto “Quem é o

guarapuavano: qual sua formação étnica? extraído do livro “Guarapuava: história de

luta e trabalho”, de Marcondes. No texto há o relato da chegada dos pioneiros, o

motivo da vinda e a atividade desenvolvida. No segundo momento pesquisaram, na

web, as primeiras etnias que chegaram as terras guarapuavanas e outras que

vieram ao longo do tempo.

Para representar todos os grupos étnicos locais, os alunos, em grupo,

elaboraram cartazes mostrando a miscigenação do povo brasileiro/ paranaense/

guarapuavano. Finalizaram o tema estudado produzindo um texto coletivo, onde

relataram que em Guarapuava não foi diferente a formação da sociedade: aqui

também houve o entrelaçamento da etnia portuguesa, vinda de São Paulo e de

outras localidades do Paraná, do africano escravizado e do indígena, habitante

dessa terra. Os alunos concluíram que formam uma sociedade miscigenada.

Para melhor entendimento dos alunos, a terceira ação foi pesquisar em vários

documentos, dicionários e textos os conceitos de identidade, diversidade, etnia e

raça. Tais conceitos serviram de subsídio para a compreensão da construção da

sociedade brasileira ao longo do tempo. Antes, porém, foi realizada uma sondagem

no grupo para saber que conhecimento possuía sobre o tema. A maioria dos alunos

não sabia diferenciar estes conceitos.

No Material Didático, produzido para este trabalho, leram que etnia, de acordo

com o dicionário Michaelis, é a mistura de povos caracterizada pela mesma cultura

ou ainda, grupo de famílias em uma área geográfica variável, cuja unidade repousa

na estrutura familiar, econômica e social comum, e na cultura comum. O Almanaque

Abril (2011, p.118) define etnia como “[...] grupo de pessoas que compartilham

vários atributos, como espaço geográfico, língua, costumes e valores e reivindicam

para si o mesmo nome étnico e a mesma ascendência”.

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O termo raça, segundo o Livro Pastoral Afro-brasileira, da CNBB (Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil, 2010, p. 67) é o conjunto de pessoas “[...] cujos

caracteres somáticos, tais como cor da pele, a conformação do crânio e do rosto,

tipo de cabelo e outros são semelhantes e transmitem hereditariedade, embora

variem de indivíduo para indivíduo”.

Hoje se usa o termo etnia e não mais raça. Pelo senso comum, a espécie

humana é dividida em brancos, negros e amarelos, que popularmente são

chamadas raças a partir de uma característica peculiar – a cor da pele. Porém,

amarelos, brancos e negros não formam raças no sentido biológico, mas no sentido

sociológico.

O termo raça, utilizado pela Antropologia, entre os séculos XVII a XX, para

classificar os grupos humanos em superiores e inferiores, é desmistificado pela

genética no início do século XXI. O conceito de raça é motivo de grande discussão

fora e dentro das comunidades científicas devido à sua aplicação continuada para

categorizar grupos populacionais na espécie humana. No século XIX e início do XX

foi largamente usado para justificar dominações de um ser pelo outro, como no caso

da dominação europeia no continente africano e asiático (neocolonização).

A ciência considera incorreto classificar os seres humanos, porque afirma que

todas as pessoas pertencem ao gênero Homo, à espécie Homo Sapiens e à

subespécie Sapiens Sapiens.

Guido Barbujani, um dos mais importantes geneticistas contemporâneos,

demonstra em seu estudo que há uma única raça humana, que embora discriminar

as pessoas por conta da cor da pele, da religião, da língua tenha se tornado comum

com a globalização, não há nenhuma base científica para o racismo.

“[...] as raças, nós as inventamos e nós as levamos a sério por séculos, mas já sabemos o bastante para largar mão delas. Hoje em dia sabemos que somos todos parentes e todos diferentes e não é preciso ter feito estudos aprofundados para convencer-se disso”. (BARBUJANI, 2007, p.14).

Sérgio Danilo Pena, médico, doutor em genética humana, diz que (2006, p.3).

“[...] do ponto de vista biológico, raças humanas não existem. Essa constatação, já

evidenciada pela genética clássica, hoje se tornou um fato científico irrefutável com

os espetaculares avanços do Projeto Genoma Humano.” Afirma ser impossível

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separar a humanidade em categorias biologicamente significativas,

independentemente do critério usado e da definição de „raça‟ adotada. Para ele há

apenas uma raça, a humana. Portanto, há uma única raça humana com um

ancestral comum. Essa compreensão ficou clara para os alunos, porém o conceito

de etnia e raça ficou confuso e muito abstrato.

A quarta ação foi sondar se os alunos sabiam diferenciar os conceitos:

discriminação, preconceito e racismo. Nos relatos orais dos alunos, os conceitos

eram parecidos e tinham o mesmo significado, não sabiam diferenciar um do outro.

Um aluno lembrou que o termo racismo é citado na Constituição Federal como

crime. Iniciaram à pesquisa desses termos em diversos dicionários. Depois,

consultaram na web o texto “Cartilha para a Cidadania”, do Ministério do Trabalho, a

qual apresenta o conceito e a diferenciação dessas palavras. Finalizaram com a

leitura de um texto do material didático, onde Silveira Bueno (2007, p. 261) conceitua

“[...] discriminação como discernimento, separação, distinção, diferenciação” e para

o autor a palavra discriminar conceitua “distinguir, diferenciar, discernir”. Já

preconceito (SILVEIRA BUENO, p. 617), é “[...] conceito antecipado, opinião

formada sem reflexão, discriminação racial”.

Surgiram muitos comentários, os alunos citaram exemplos vivenciados por

eles: discriminação cometida contra deficientes físicos, pessoas pobres, negras e

pardas, indígenas, drogados, homossexuais, entre outros. Para Itani (1998) o

preconceito não existe em si, mas como parte da atitude de uma pessoa em relação

a alguém ou a alguma coisa. Os alunos concluíram que, na maioria das vezes, a

discriminação apresenta semelhanças com o preconceito, ela é a confirmação do

preconceito. Finalmente, apresentou-se o termo discriminação racial ou étnico racial:

[...] discriminação racial ou étnico racial é toda distinção, exclusão, restrição ou baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. (PASTORAL AFRO-BRASILEIRA: formação para grupos de base, 2010, p. 66).

O racismo é um comportamento sem justificativa, uma ação que resulta da

aversão, por vezes, do ódio, em relação às pessoas, que possuem um

pertencimento étnico, por meio de sinais, como: cor da pele, formato dos olhos, tipo

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de cabelo, entre outros. Ele nasce da crença que existem raças ou grupos humanos

superiores e inferiores. Exemplo disso são as teorias que foram usadas para

justificar a escravidão do século XIX, a exclusão dos negros e a discriminação racial.

Os alunos compreenderam que o racismo é uma criação da sociedade, de

acordo com Gomes (2006, p. 124), que define o racismo como “[...] um problema

social, que foi sendo alimentado com o passar do tempo em nossa história”. Para a

autora, certos grupos étnicos foram superiores em relação aos outros, aqueles

garantiam privilégios em relação aos indígenas ou afro-brasileiros, lhes negando as

condições mínimas.

A maioria dos alunos relatou que no cotidiano estão presentes atitudes e

comportamentos racistas, mesmo sem perceberem e inconscientemente. Pequenos

gestos, comportamentos e atitudes revelam o racismo, mesmo que a pessoa não

perceba. Refletiram que atitudes impensáveis machucam as pessoas de cor e as

inferiorizam porque se leva em consideração apenas a diferença étnica, e não pelo

ser que são. Todos, sem exceção, afirmaram haver preconceito étnico entre as

pessoas, seja na rua, na escola, na vizinhança, entre outros.

Foi trabalhada a letra da música: “racismo é burrice”, de Gabriel Pensador,

cujo objetivo era mostrar que racismo, discriminação e preconceito, são atitudes

irracionais e sem sentido. Foi proveitoso porque envolveu todo o grupo e atingiu o

objetivo proposto que era censurar o racismo.

A quinta ação foi estudar a participação do africano e seus descendentes na

construção da sociedade guarapuavana, o objetivo maior desse trabalho. Foram

utilizados documentos com imagens e textos de historiadores locais, cujo objetivo

era comprovar a escravidão em Guarapuava e a sua contribuição. Para introdução

do tema utilizou-se uma reportagem da lei que instituiu feriado municipal, desde

2009, em Guarapuava, o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Os alunos não

sabiam da existência dessa lei municipal. Iniciou-se com os seguintes

questionamentos aos alunos: Guarapuava teve escravos de origem africana? Quais

suas contribuições para a comunidade? Conhecem alguém dessa etnia? Os alunos

não sabiam que em Guarapuava houve escravidão. Nas contribuições, citaram a

capoeira, a feijoada e o samba, mas nenhuma na comunidade. Disseram não

conhecer afro-brasileiros da comunidade. Aqui pode ser ressaltado que muitos dos

alunos, em encontros anteriores, disseram ser descendente dessa etnia.

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Feita essa introdução, no laboratório de informática acessaram o site da

Câmara Municipal de Guarapuava para ler o texto: ”João Napoleão vence: Dia da

Consciência Negra é feriado municipal.” Na sala de aula, em grupo, os alunos leram

a Lei Municipal nº 1792/2009, que criou o feriado do Dia da Consciência Negra.

Depois pesquisaram em livros ou na web, o porquê da data 20 de novembro ser

dedicada à Consciência Negra, e quem foram os personagens citados na

reportagem.

Para a questão: Napoleão diz “[...] que Guarapuava tem o dever e a dívida de

resgatar a história dos negros e dos afrodescendentes”, você concorda com essa

afirmação? Explique. Os alunos responderam que se deve lembrar a memória

dessas pessoas porque trabalharam pela sua etnia e pela sociedade local. Depois

de consultar o Jornal de circulação local3 de 2009 e de 2010, concluíram que o

Feriado em 20 de novembro em Guarapuava não foi cumprido. Constataram, pela

matéria jornalística, que o comércio funcionou normalmente, os estabelecimentos de

ensino, os órgãos municipais e estaduais e as indústrias; fecharam somente os

órgãos federais e as agências bancárias. Concordaram que a data colabora para

valorizar a cultura negra na sociedade, mas precisa ser levada a sério.

A sexta ação foi conhecer alguns personagens afros da sociedade local.

Depois das colocações dos alunos, cujos nomes citados foram os das pessoas

trabalhados no encontro anterior. Foi lida a biografia de algumas pessoas de etnia

africana guarapuavana, contidas no Material Didático: Abel Sérgio de Oliveira (o tio

Abel), o último escravo da cidade; o escravo Job - o tio Jó, encarregado de abrir e

fechar a prefeitura; o professor Gabriel Hugo Rios, primeiro docente de origem

africana de Guarapuava4, e de Bento José da Silva5, fundador do Clube Rio Branco

(freqüentado principalmente por pessoas de etnia africana). Para ilustrar a aula foi

mostrada uma fotografia dessas pessoas aos alunos.

A sétima ação foi a elaboração, pelos alunos, de questões que seriam feitas

aos moradores da Rua Abel Sérgio de Oliveira, rua essa próxima ao Colégio, para

descobrir se os moradores sabiam que ele foi o último escravo guarapuavano, se

alguém o conheceu, entre outros questionamentos. As questões elaboradas pelo

3 Jornal Diário de Guarapuava, de 14 e 15 de novembro, pág. A-7; de 19 de novembro de 2009, pág.

A-5 e de 17 de novembro de 2010, pág. A-5 –A-6. 4 Fonte: entrevista de Rita do Nascimento, neta do professor Gabriel Hugo Rios. Em 16/05/2011.

5 Fonte: entrevista de Josuel de Freitas, filho de Bento José da Silva. Em 08/10/11.

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grupo foram: 1) Você sabe quem foi Abel Sérgio de Oliveira?; 2) Há quanto tempo

mora nesta rua?; 3) O que você sabe sobre tio Abel? e 4) Qual a colaboração mais

importante que ele deixou?

Foram entrevistados treze moradores. As respostas foram satisfatórias. Na

questão 1, oito disseram que Abel S. de Oliveira foi escravo. Na resposta da questão

2, o tempo de moradia nesta rua, variou entre 4 meses e 30 anos; três moradores

mais antigos disseram que Abel viveu no final de sua vida, próximo da ponte do rio

Jordão, na Vila Jordão. Na resposta da questão 3, oito pessoas sabiam que foi

escravo. Na questão 4, cinco entrevistados relataram alguma contribuição dele à

comunidade: ajuda da construção da ponte sobre o rio Bananas, as festas do Divino

e as quermesses. Importante destacar que foi muito relevante a entrevista de uma

senhora com 89 anos, moradora de uma rua vizinha. Na entrevista ela relatou aos

alunos que conheceu Abel S. de Oliveira. Disse que ele fazia compras em seu

armazém, era baixinho, muito alegre, bem disposto, amigável. Sempre estava

acompanhado de um filho. Arrecadava prendas para a festa do Divino e de Nossa

Senhora da Conceição, promovida por ele, e estendia o convite a todos da

comunidade.

Essa realidade está de acordo com o que uma professora no Grupo de

Trabalho em Rede (GTR) escreveu: “[...] nas entrevistas com pessoas de maior

vivência, as „fontes vivas‟, descobre-se muita informação, e registrar para o

conhecimento de outros é essencial. A história, apesar de não estar registrada em

livros, está guardada na memória das pessoas.”

Também nas discussões sobre a importância do projeto de intervenção

pedagógica no colégio, no GTR, a professora “A” relatou: “[...] a História quando

parte da sua localidade fica mais fácil para a compreensão do aluno, pois ele

passará a entender que é partícipe e que seus antepassados também ajudaram na

construção da sociedade.” A professora “B” escreveu: “[...] o estudo possibilitou mais

conhecimento, o qual será repassado aos seus pares. É inegável a colaboração

dessa etnia dentro da construção da nossa sociedade.” A professora “C” explanou:

“[...] conhecer personalidades locais de origem africana fará o aluno refletir, seja

branco ou negro, a participação é fundamental.” E completou: “[...] reconhecer a

cultura negra em nosso meio faz considerar que é impossível imaginar a nossa

sociedade sem as características herdadas dos afro-brasileiros”.

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Outra atividade realizada no Colégio foi uma palestra às turmas 5ª “C” e 7ª

série “C”, proferida por uma afrodescendente, professora aposentada e atual

coordenadora da Pastoral Afro-brasileira da Diocese de Guarapuava, cujo objetivo

foi falar da contribuição da etnia africana na sociedade brasileira/ paranaense/

guarapuavana. Disse ter orgulho de ser descendente de africanos e todo momento

deixou transparecer esse sentimento. Aos poucos foi cativando e levantando a

autoestima dos muitos afro-brasileiros presentes na palestra. Seu carisma é muito

grande. Fez todos se encantarem com suas palavras, bem como cantar músicas da

cultura africana e repetir frases de superação. Percebeu-se que suas palavras

tocaram porque, além de explicar e frisar a importância dos afro-brasileiros na

construção da História do país, do Paraná e do município, relatou fatos importantes

da participação de sua etnia na cidade. Despertou nos alunos o respeito por essa

etnia, conscientizou sobre o papel de cada um na comunidade, elevando a

autoestima dos alunos afro-brasileiros.

Na oitava ação, o objetivo foi comprovar a existência do trabalho escravo em

Guarapuava e a sua importância para a formação e desenvolvimento do município.

Após as respostas dos alunos, que relataram não saber dos trabalhos da etnia

africana, apresentou-se o texto: “A escravidão em Guarapuava”, do livro “Nossa

gente conta nossa História”, e a análise de duas fotos onde há um fazendeiro da

região, sua família e seus escravos. Depois da leitura e da análise das fotografias,

os alunos analisaram outro texto “Vida de Escravo” do livro: Duzentos anos de uma

caminhada histórica: 1810-2010/Guarapuava de Marcondes (2010). Após as leituras

e análise das fotografias, os alunos produziram uma narrativa histórica intitulada: “A

contribuição dos afrodescendentes para Guarapuava”. Nos relatos escreveram:

[...] desde seu início, em 1810, Guarapuava teve a presença de escravos africanos que ajudaram na formação do povoado, construíram as taipas para segurar o gado, prepararam a terra para produzir alimentos, construíram as primeiras fazendas. Na povoação Freguesia de Nossa Senhora de Belém, a partir de 1819, construíram a antiga Matriz Nossa Senhora de Belém, Praça Matriz (hoje Praça Nove de Dezembro, no centro), os primeiros casarões, dentre eles, o casarão do senhor Antonio de Sá Camargo (onde hoje funciona o Museu Visconde de Guarapuava), a casa Paroquial, calçaram com paralelepípedos as primeiras ruas, buscaram água dos chafarizes para abastecer as casas da cidade. No campo faziam todo o trabalho da fazenda: cuidar dos animais, dos afazeres domésticos, das plantações, da fabricação dos arreios, da farinha, do sabão, do queijo, da lingüiça, da quirera, das geléias, das conservas, entre outros. Estavam

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presentes no desenvolvimento da vila, a partir de 1852, ano que o município tornou-se Vila de Castro. Os africanos e afro-brasileiros foram tropeiros ou acompanhavam seus senhores nas viagens até o Rio Grande do Sul para comprar animais com destino a Feira de Sorocaba. Essa atividade foi importante porque levou a Vila a desmembrar-se de Castro, assim, nasceu o município de Guarapuava em 1871. Aqui, como em outras regiões do país, teve escravos de ganho e de aluguel; exemplo, as quitandeiras que forneciam aos bares e estabelecimentos comerciais salgadinhos e doces. Havia vendedores ambulantes, cocheiros, barbeiros, ferreiros, parteiras, costureiras. A evolução de Guarapuava, no século XIX, teve a participação do trabalho escravo dos africanos e afro-brasileiros: crianças, jovens, mulheres e homens.

Pelos textos apresentados, constata-se que a maioria entendeu a importância

desse grupo em Guarapuava.

Em data previamente agendada, a fim de conhecer alguns monumentos

construídos por mãos escravas que são importantes e visíveis na comunidade e,

ainda, tomar contato com documentos de época, fez-se uma aula-visita aos locais

públicos construídos pelos escravos: o Museu Visconde de Guarapuava, residência

de Antonio de Sá Camargo, onde foram observadas as ruínas de uma senzala, e a

Catedral Nossa Senhora de Belém. Primeiro foi visitado o Arquivo Histórico

Municipal, que funciona nas instalações da Universidade Estadual do Centro-Oeste -

UNICENTRO, para ter contato com os documentos lá arquivados.

Nas visitas arquitetônicas, os alunos foram orientados a observar as

características das construções, que depois foram comparadas com as fotos de

outros tempos. Fazer um paralelo com o presente ajudou o aluno a entender que a

História não é um saber restrito aos livros ou à sala de aula, ele está dentro da

sociedade e inserido no seu dia-a-dia.

O relatório da visita ao Arquivo Histórico Municipal foi elaborado em grupo.

Cada grupo fez a leitura para o grande grupo e à professora. Relataram:

[...] no Arquivo Histórico Municipal fomos recebidos pela professora responsável que mostrou as dependências do lugar: sala de leitura e estudos, sala da administração e sala de trabalho dos estagiários. Primeiro, ela mostrou a sala de restauração dos livros, lá eles são limpos e restaurados para seguirem ao acervo. Nela há um climatizador que mantêm a temperatura em 17º e não há janelas. A professora mostrou um livro de Batismos que pertence à Catedral Nossa Senhora de Belém, de 1810 que está todo danificado e está lá para ser restaurado. Depois mostrou o lugar onde guardam todos os processos crimes de Guarapuava que receberam do Poder Judiciário. Vimos também várias revistas antigas, algumas ainda são editadas. A professora disse que muitos pesquisadores as procuram como fonte de estudo. Depois vimos os documentos vindos da Prefeitura Municipal que são arquivados ali. Por último vimos os jornais antigos de circulação

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local. E vimos muitas fotografias antigas catalogadas pelo Arquivo.

Os alunos ficaram curiosos, principalmente com as propagandas de outros

tempos. Mas o que chamou mais a atenção foram as imagens antigas,

principalmente aquelas relacionadas à Vila Jordão, onde residem.

Outro local visitado foi o Museu Visconde de Guarapuava. Os alunos, em

seus relatórios escreveram:

[...] o museu está instalado num casarão colonial, construído em 1839, pelo escravo Belmiro Sebastião de Miranda para o senhor Antonio de Sá Camargo (Visconde de Guarapuava). Está preservado e conserva as características originais. Nele há muitos móveis antigos, objetos como quadros, moedas, armas, relógios, arte indígena, utensílios domésticos, ferramentas, brinquedos antigos, entre outros. A professora que atendeu contou um pouco sobre a história de Guarapuava, dos fatos e personagens mais relevantes, desde a sua fundação até os dias de hoje. Ouvimos o relato da história dos escravos na cidade, da primeira enfermeira chamada Juliana, que era escrava africana, que veio com o grupo da Real Expedição Colonizadora, do abolicionista Belmiro de Miranda e Esydhia, sua esposa. Para finalizar a visita vimos, aos fundos do museu, as ruínas de uma senzala.

A grande maioria dos alunos nunca havia visitado o museu, tudo foi motivo

de surpresa e aprendizagem. Tiveram consciência da importância do trabalho

escravo no município pela análise dos documentos patrimoniais: Museu, Casa

Paroquial e Catedral.

O encerramento das atividades deu-se na Semana da Consciência Negra,

com a exposição dos trabalhos produzidos durante a implementação: cartazes,

painel com imagens dos trinta e cinco afro-brasileiros entrevistados durante os

meses de setembro e outubro, textos produzidos pelos alunos sobre os temas

estudados, ilustrações dos monumentos históricos da cidade construídos pela mão

de obra escrava, reportagens com pessoas dessa etnia, vídeo da palestra da

professora afro-brasileira realizada no Colégio, vídeo produzido pelos alunos

apresentando suas narrativas do que aprenderam durante o desenvolvimento do

projeto. Para este dia de encerramento foi elaborado livretos para ser entregue aos

convidados, contendo as entrevistas realizadas.

Dos (as) entrevistados (as), dois deles relataram também a história de vida de

um familiar, já falecido, que deixou grande contribuição à sociedade. As entrevistas

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foram feitas de duas formas: escritas, contendo vinte e quatro questões, elaboradas

pelos alunos e enviadas por e-mail a algumas pessoas, que depois de recebidas,

foram estruturadas e reenviadas para aprovação do entrevistado. A maioria das

entrevistas foi oral. As mesmas foram transcritas, digitadas e entregues ao

entrevistado para que confirmasse a veracidade das informações. Elas tinham como

objetivo esclarecer, informar, conhecer e saber um pouco da história de vida, das

condições socioeconômicas e do dia-a-dia dessas pessoas. O resultado foi

excelente porque atingiu os objetivos esperados. Os alunos demonstraram interesse

pela investigação e se sentiram inseridos na história, e alguns descendentes

assumiram o pertencimento à etnia africana.

A idade dos entrevistados variou entre 30 e 90 anos; nem todos nasceram em

Guarapuava, mas vivem na cidade há um bom tempo. As profissões são variadas:

donas de casa, doméstica, comerciante, vendedor, funcionário público municipal e

estadual, técnico administrativo, agricultor e professor. Muitos deles são

aposentados. Três pessoas nunca frequentaram a escola porque moravam muito

distante, dezoito delas tem o ensino fundamental incompleto (1ª a 4ª série), três

delas não concluíram o ensino fundamental (8ª série - hoje anos finais do Ensino

Fundamental), quatro concluíram o Ensino Médio e nove tem curso superior.

Quando perguntado se era tratado diferente na escola por ter a pele escura,

se sofreu discriminação ou preconceito, obteve-se o seguinte resultado: nove deles

responderam sim, sofreram preconceito; vinte e um não sofreram preconceito e sete

não souberam responder. Indagados se já sofreram algum tipo de preconceito e

discriminação no local de trabalho, nove disseram que sim.

Quando perguntados se algum familiar foi escravo, 16 pessoas disseram que

sim (trisavós, bisavós). Questionados se conheciam algum afro-brasileiro

guarapuavana de destaque na história da cidade, quatorze pessoas citaram pelo

menos um personagem.

No encerramento do projeto, todas as turmas do colégio visitaram a

exposição dos trabalhos, leram os trabalhos: cartazes, textos, fotos, ilustrações;

assistiram aos vídeos; observaram algumas peças produzidas por um artesão

guarapuavano afrodescendente; conheceram alguns entrevistados presentes e

perceberam as contribuições da etnia afro-brasileira na cidade.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurando sondar os conhecimentos dos alunos do Colégio Estadual Bibiana

Bitencourt sobre as contribuições dos africanos e afrodescendentes para a formação

e o desenvolvimento da sociedade guarapuavana, foram selecionadas atividades

pedagógicas que proporcionassem a reflexão sobre essas contribuições,

propiciando aos alunos subsídios históricos da etnia africana local e seu legado

sociocultural, desde a formação da povoação (em 1810) até os dias atuais. Dessa

forma, foi discutida a diversidade étnica da sociedade; refletido e conceituado

racismo, discriminação social e preconceito étnico; desenvolvido leituras de imagens

e de textos que comprovam a contribuição da presença africana e afro-brasileira em

Guarapuava e finalmente, entrevistou-se descendentes de africanos da comunidade

e dos demais bairros da cidade. Posteriormente, os alunos realizaram uma

exposição com os resultados.

Os livros didáticos não trazem informações sobre o local onde residem os

alunos, assim, este assunto é pouco estudado. A história local é desconhecida pelos

estudantes porque não é valorizada por alguns professores. Foi constatado que os

alunos não sabiam das contribuições africanas e afro-brasileiras no município,

porém eles conhecem a história nacional e essa participação na cultura, na

sociedade e na economia brasileira. Com o estudo dos historiadores locais, das

fotografias e das entrevistas dos afro-brasileiros, foi comprovado que em

Guarapuava também ocorreu a escravidão africana. Com a elaboração das

entrevistas foi possível conhecer muitos tataranetos, trinetos e bisnetos de escravos

guarapuavanos. Assim, foi de grande relevância para os educandos e para a

comunidade escolar o estudo da cultura afro–brasileira local, porque houve um

maior conhecimento da contribuição dos afro-brasileiros em Guarapuava.

Um dos objetivos do ensino de História é ensinar o indivíduo a ter respeito

pela diferença. Se o aluno for estimulado a perceber, a compreender e a valorizar a

diversidade étnica brasileira, este poderá mudar de atitude, de opinião, de valores e

ter respeito por todas as etnias. Assim, contribuirá para uma sociedade melhor.

Esse trabalho possibilitou demonstrar para os alunos a importância do

africano e afro-brasileiro para o desenvolvimento da sociedade, no passado e

atualmente. O caminho percorrido pelos mesmos foi de luta e continua sendo,

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porque o preconceito e a discriminação fazem parte de seu cotidiano. Seus

descendentes, apesar de a maioria não usufruir da riqueza material, devem sentir-se

orgulhosos e lutar pelo seu espaço na sociedade.

Os resultados alcançados neste trabalho foram satisfatórios em função do

apoio da equipe pedagógica e técnico-administrativa do estabelecimento de ensino,

da colaboração e da participação dos alunos e da comunidade afrodescendente.

Este projeto poderá ter continuidade nos anos subsequentes, contribuindo para o

aprendizado dos alunos.

Com esse trabalho a igualdade entre as etnias foi plantada. Ensinar os alunos

a dar valor a todas elas e colocá-las no mesmo patamar, visando a igualdade, a

promoção humana e o respeito, exige trabalho contínuo em sala de aula. Combater

qualquer ato de preconceito e discriminação é papel de todo professor. É pela

educação que se transforma a sociedade.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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