A Contribuição de Margarete Taqueti Para o Audiovisual Capixaba

3
A contribuição de Margarete Taqueti para o audiovisual capixaba Erly Vieira Jr Fazer filmes, dar voz a diversas memórias, resgatar e colocar em circulação obras fundamentais, estimular o debate, fomentar novos olhares... São tantas as frentes em que Margarete Taqueti tem atuado no cenário cultural do Espírito Santo nas últimas décadas, que sua contribuição para o audiovisual capixaba apresenta-se tão multifacetada quanto essencial para a formação de algumas gerações de realizadores e espectadores. Nascida em 1954, Margarete começa a se envolver com o movimento teatral universitário já no final dos anos 70. Como cineclubista e pesquisadora, teve importante atuação à frente do Cineclube Penedo e do CELP (Centro de Estudos Ludovico Persici), entidade cultural voltada para o estudo e incremento das atividades audiovisual no Estado, da qual foi presidente durante dois mandatos, no final dos anos 80 e início dos anos 90. Nessa época, fundou o Cineclube Penedo, e esteve à frente de vários projetos, como o jornal cultural Trippé, e os Noitões de Cinema, maratonas de exibição que viravam a noite e marcaram época no Centro Cultural Carmélia M. de Souza. É também na década de 80 que Margarete começa a enveredar pela realização audiovisual, primeiro como roteirista e assistente de direção de Amylton de Almeida nos documentários Piúma: Conchas (88) e Nasce uma cidade (89), para em seguida estrear na direção com A Lira Mateense (92), centrado na banda musical homônima de São Mateus, que teve à frente, durante muitos anos, o incrível maestro Datan Coelho. Segue-se um documentário sobre os vinte anos de cineclubismo na Ufes, Danúbio Azul (1995), além de um registro da festa de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, em Por quem os sinos dobram (2002). A temática da memória reaparece no média-metragem ficcional O fantasma da Mulher de Algodão (1995), que resgata uma lenda urbana fundamental do imaginário capixaba, no contexto dos anos de chumbo da ditadura militar. Nas palavras da cineasta, em entrevista concedida à revista Y (n. 2, julho/95), “é um filme que fala sobre o medo da privacidade violada e dos tormentos de uma geração de adolescentes, na década de 70, diante da transformação biológica do corpo infantil”. Uma segunda incursão

description

Artigo sobre a cineasta e pesquisadora capixaba Margarete Taqueti

Transcript of A Contribuição de Margarete Taqueti Para o Audiovisual Capixaba

Page 1: A Contribuição de Margarete Taqueti Para o Audiovisual Capixaba

A contribuição de Margarete Taqueti para o audiovisual capixaba

Erly Vieira Jr

Fazer filmes, dar voz a diversas memórias, resgatar e colocar em circulação obras fundamentais, estimular o debate, fomentar novos olhares... São tantas as frentes em que Margarete Taqueti tem atuado no cenário cultural do Espírito Santo nas últimas décadas, que sua contribuição para o audiovisual capixaba apresenta-se tão multifacetada quanto essencial para a formação de algumas gerações de realizadores e espectadores.

Nascida em 1954, Margarete começa a se envolver com o movimento teatral universitário já no final dos anos 70. Como cineclubista e pesquisadora, teve importante atuação à frente do Cineclube Penedo e do CELP (Centro de Estudos Ludovico Persici), entidade cultural voltada para o estudo e incremento das atividades audiovisual no Estado, da qual foi presidente durante dois mandatos, no final dos anos 80 e início dos anos 90. Nessa época, fundou o Cineclube Penedo, e esteve à frente de vários projetos, como o jornal cultural Trippé, e os Noitões de Cinema, maratonas de exibição que viravam a noite e marcaram época no Centro Cultural Carmélia M. de Souza.

É também na década de 80 que Margarete começa a enveredar pela realização audiovisual, primeiro como roteirista e assistente de direção de Amylton de Almeida nos documentários Piúma: Conchas (88) e Nasce uma cidade (89), para em seguida estrear na direção com A Lira Mateense (92), centrado na banda musical homônima de São Mateus, que teve à frente, durante muitos anos, o incrível maestro Datan Coelho. Segue-se um documentário sobre os vinte anos de cineclubismo na Ufes, Danúbio Azul (1995), além de um registro da festa de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, em Por quem os sinos dobram (2002).

A temática da memória reaparece no média-metragem ficcional O fantasma da Mulher de Algodão (1995), que resgata uma lenda urbana fundamental do imaginário capixaba, no contexto dos anos de chumbo da ditadura militar. Nas palavras da cineasta, em entrevista concedida à revista Y (n. 2, julho/95), “é um filme que fala sobre o medo da privacidade violada e dos tormentos de uma geração de adolescentes, na década de 70, diante da transformação biológica do corpo infantil”. Uma segunda incursão ficcional viria com A passageira (2006), realizado em parceria com Glecy Coutinho, cujo roteiro fora vencedor do V Concurso de Roteiros do Vitória Cine Vídeo, em 2002. “Quase uma história sobre a vida, o amor e a morte”, como diz sua sinopse, o curta, com sua narrativa onírica, receberia ainda o prêmio do Júri Popular, pelo mesmo festival, em 2006.

Glecy também é a parceira (e, por vezes, co-diretora) numa trilogia de sensíveis e instigantes documentários realizados por Taqueti, que resgatam e lançam novas luzes sobre três mulheres icônicas na vida cultural capixaba em meados do século XX: Relicário de um povo (2003), sobre a escritora Maria Stella de Novaes; Festa na Sombra (2005), retrato da poetisa e revolucionária Haydée Nicolussi, e Bidart – Lycia De Biase (atualmente em pré-produção), sobre a vida e obra dessa compositora e instrumentista, que foi uma das primeiras mulheres a reger uma orquestra no Brasil, ainda nos anos 1930.

Page 2: A Contribuição de Margarete Taqueti Para o Audiovisual Capixaba

Outras parcerias importantes ocorreram no campo da videoarte, com os artistas Lobo Pasolini (Menestrel, 2001), Ian Prashker (Dietriste, 2001, melhor vídeo no 9º Vitória Cine Vídeo) e César Cola (Ter + Ver + Comer, 2003).

E, claro, há a inestimável contribuição decorrente de sua atuação, durante toda a década passada, primeiro na Coordenação e depois na Subgerência de Audiovisual da Secult-ES, onde promoveu uma série de iniciativas importantíssimas: do projeto Cine Memória, voltado para o restauro e digitalização de obras raras (como o filme Cenas de Família, realizado década de 1920 por Ludovico Persici), às oficinas e seminários – como o Cinemaes: Debate (2003), que explorava as interfaces do cinema com a literatura, teatro e música e mostras como a MUV (Mostra Universitária de Vìdeos), que teve três edições entre 2003 e 2005. Somam-se a isso, diversas ações em todo o interior do Espírito Santo: a MoVA (Mostra de Vídeos Ambientais), que teve cinco edições entre 2004 e 2008, na região do Caparaó; o projeto Sexta Básica, que levava sessões seguidas de debates com cineastas capixabas aos diversos cantos do Estado, numa momento em que praticamente não havia salas de cinema ou cineclubes em atividade fora da Grande Vitória; e a circulação da produção realizada nos diversos municípios capixabas, como os vídeos produzidos pelas oficinas da MoVA, ou o trabalho do núcleo capitaneado em Santa Maria do Jetibá por Martin Boldt, cujos filmes rodados no idioma pomerano tiveram sua primeira exibição na capital dentro do projeto 10 Maes Vídeo.

Realizado no Museu de Arte do Espírito Santo (MAES), entre 2003 e 2005, o 10 Maes Vídeo, que tinha por slogan “A arte do vídeo no museu”, foi uma das iniciativas mais importantes desse período. Ao promover, pela primeira vez no Estado, a realização de sessões e debates que colocavam em retrospectiva a carreira dos principais videomakers capixabas, dava-se uma visão da amplitude dessa produção, promovendo inclusive o encontro entre diversas gerações – inclusive de futuros realizadores, então estudantes, que pela primeira vez tinham contato tanto com obras há muito tempo fora de circulação quanto com os últimos experimentos de nossos realizadores. Dos experimentos da Canalhada, Balão Mágico e Éden Dionisíaco e os vídeo-documentários de Amylton e Clóves Mendes nos anos 80 à geração que na virada do século colocou o Estado no circuito dos festivais e mostras de videoarte (Jean R., Lobo Pasolini, Mirabólica, Joel Vieira, Elisa Queiroz): praticamente todo mundo passou pelo 10 Maes Vídeo –ressaltando mais uma vez o papel de Margarete na formação de acervos e preservação de obras fundamentais para o audiovisual capixaba.

Por essas e tantas outras iniciativas, e por sua generosidade tanto em produzir e fazer circular imagens e memórias da vida cultural capixaba, quanto em abrir espaço para novos olhares e debates, além de abordar temas fundamentais em seus filmes, a contribuição de Margarete Taqueti para o audiovisual capixaba é imensa – e, por isso mesmo merece sempre ser lembrada e homenageada. E que venham mais e mais projetos e filmes, para deleite do público capixaba!

Erly Vieira Jr é cineasta, curador do Festival de Vitória e professor do Departamento de Comunicação Social e dos programas de pós-graduação em Artes (PPGA) e Comunicação (POSCOM) da Ufes.