A Contribuição de Henri Lefebvre

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A contribuio de Henri Lefebvre para reflexo do espao urbano da Amaznia

O espao considerado como historicamente produzido pelo homem medida que organiza poltica e economicamente a sua sociedade, esta a afirmao que distingue o conjunto das obras de Henri Lefebvre. Trata-se de uma tentativa concreta de retornar dialtica de Marx, contudo sem os dogmatismos e as opresses caractersticas de outras interpretaes marxistas. Nessa acepo, a atualidade das reflexes do autor em relao realidade do contexto urbano na Amaznia e, designadamente, com as contradies espaciais presentes no cotidiano de Belm permite um exerccio de reconhecimento da validade deste pensamento para apreenso da complexidade das cidades Amaznicas.

Ao apresentar a sua acepo sobre a produo social do espao o filsofo francs Henri Lefebvre (1901-1991) resgata o princpio fundamental da teoria de Marx, que enfatizava o homem como sujeito da sua histria. Neste intuito, o autor questiona a vida cotidiana da sociedade moderna a partir de sua expresso mais manifesta: o espao, ao mesmo tempo, consolida uma densidade terica incomparvel para a anlise urbana da Amaznia, assim como para a construo de mecanismos alternativos de gesto e de planejamento da cidade.

2Nestes termos, a disposio do espao urbano traduz as relaes conflitantes entre o capital e o trabalho, condicionando no somente no sentido material, mas nas relaes de poder projetadas territorialmente e nas prticas scio-espaciais inscritas no espao. Deste modo, o espao representa um componente dialeticamente definido dentro de uma economia poltica, que, em ltima instncia, explica a sobrevivncia do capitalismo atual.

3O sentido do presente trabalho contribuir para apreenso das contradies nas espacialidades e temporalidades inerentes dinmica interna do espao urbano amaznico, atravs de uma releitura da cidade pela tica da teoria do espao social de Lefebvre. Como procedimento inicial de uma anlise urbana capaz de conduzir, em contextos diferenciados, democratizao da sociedade.

O retorno dialtica4Henri Lefebvre foi um profundo estudioso da obra de Marx e, como tal, estava inconformado com os dogmatismos e opresses filosficas arquitetados em nome de um marxismo formal. Dedicou-se, ento, a um exerccio de releitura, porm situada criticamente no tempo e no espao.

5No obstante o reconhecimento da autoridade do marxismo para a interpretao da sociedade moderna, Lefebvre questiona o posicionamento de autores que colocam um Marx acabado, atemporal e precursor de um novo sistema de poder. Em vez disso, busca trabalhar de forma a restituir a integralidade do pensamento original, ao mesmo tempo em que sugere uma maneira de adapt-lo segunda metade do sculo passado. Tal desafio se depara, inicialmente, com interpretaes falsas que mistificam uma estrutura social j desvendada, que deixa transparecer a idia de irreversibilidade da realidade. Trata-se de um obscurantismo terico que alm de se distanciar do real, cria abordagens que eliminam as contradies das relaes scio-espaciais assim como a possibilidade de sua superao.

6Contudo, o mundo real caracterizado pelas desigualdades sociais, pelas crises financeiras, pela fragmentao das cincias, pelas necessidades distintas e, sobretudo, pelo agravamento do conflito entre o capital, o trabalho, assim como pelo avano do espao como um componente dialeticamente definido dentro da economia poltica. Logo, as contradies so cada vez mais agudas dentro desta nova realidade, indicando a precariedade das respostas da lgica (formal) para entrever o real. Ao retomar a dialtica, necessrio atenta-se justamente para o ncleo explicativo do mtodo, ou seja, a percepo da realidade depende da prxis do concreto.

7Marx (2003) esclarece que a investigao terica se apodera do real, e s depois de concludo esse primeiro movimento do pensamento que se consegue descrever a essncia do objeto de anlise.

8Fica claro que nesta concepo o objeto de conhecimento vai se anunciando ao longo do movimento do pensamento, ou seja, o trajeto define-se a partir do concreto, do real. Neste ponto, Lefebvre inclui as representaes mentais como virtualidades que simulam a vida e dissimula realidade concreta, desta forma, o autor acredita que o pensamento, sem omitir o real, deve orienta-se tambm em direo ao possvel, aproximando-se da utopia.

9Diante disso, a questo central que em Marx era a relao entre o homem e natureza, ganha um novo componente: as foras produtivas desenvolvidas alm do real, do imediato. A natureza que antes era apenas mediadora da constituio humana, hoje est submetendo ao homem limitaes e padronizaes a partir de uma natureza concebida.

10Nesta concepo, o homem atua sobre a natureza para atender as suas necessidades imediatas, modificando a sua prpria relao com a natureza e com a sociedade. Entretanto, essas relaes sociais no so uniformes nem no tempo e muito menos no espao, depende da realidade contextual. Enfim, o homem reproduz, mas, tambm produz, neste aspecto, o espao envolve as contradies e as particularidades do real, influenciando os processos sociais subseqentes.

11A partir de sua interpretao da dialtica, Lefebvre (1995) cria um procedimento investigativo especfico para a realidade social: o mtodo regressivo-progressivo, que remete, basicamente, a trs momentos distintos: a descrio do visvel, a anlise regressiva e a progresso gentica. A descrio do visvel uma observao inicial da complexidade horizontal atravs da experincia e da teoria geral do pesquisador. Trata-se de um expediente para obter informaes sobre a diversidade scio-espacial do objeto de estudo. A anlise regressiva faz um esforo para especificar as temporalidades existentes, por meio desta envereda-se pela complexidade vertical. A realidade decomposta na tentativa de datar exatamente cada relao social revelada. Neste momento evidencia-se que o real no equivalente e nem simultneo, logo resulta de atos, de prticas e de representaes que dificilmente so contemporneas. O reencontro com o presente denomina-se de progresso histricogentico, e alude a um presente elucidado, compreendido e explicado. Logo, as contradies sociais no so apenas das relaes de classes, mas desencontros entre temporalidades e espacialidades, consolidando cada prtica social diferente como uma possibilidade de negao do real.

12Neste caso, percebe-se uma dupla complexidade para anlise da realidade social: a horizontal e a vertical. A horizontal indica as diversidades espaciais das relaes sociais, enquanto a complexidade vertical est na identificao do tempo de cada relao social, desdobrando-se em espacialidades e temporalidades desencontradas e coexistentes.

13Lefebvre redefine, ento, o pensamento a partir do movimento de transduco, entendido como um instrumento intelectual que pressupe uma realimentao incessante entre os conceitos utilizados e as observaes empricas, capaz de introduzir tambm as representaes mentais. Desta forma, estuda as particularidades do presente a partir das heranas do passado, assim como indica possibilidades para o futuro. No se trata de um mtodo histrico simples, medida que o historiador busca no passado eventos da poca, para posteriormente criar analogias e deduzir conseqncias. Enquanto, o mtodo regressivo-progressivo inicia do presente e volta ao passado para recortar acontecimentos que precederam e elucidam o presente. Depois, faz o movimento contrrio na tentativa de revelar todas as possibilidades (virtualidades) contidas no momento atual.

14A originalidade deste mtodo, em relao dialtica convencional, est concentrada nesta capacidade metodolgica de aplicar tal pensamento s relaes sociais concretas. preciso ressaltar que o fundamental em Lefebvre (1995) era a noo de prxis, no entanto a realidade e as concepes devem estar sempre abertas a outras dimenses sociais como as representaes e o espao.

A teoria do espao social15O espao envolve as contradies da realidade medida que um produto social, diante dessa afirmao o espao torna-se uma mercadoria que se abstrai enquanto mundo, ao mesmo tempo, que traduz as diferenas e as particularidades contextuais. Conferindo a possibilidade de antever os movimentos de opresso ou de emancipao do homem por meio da dialtica espacial. A cotidianidade moderna se resume a uma constante programao de hbitos sempre direcionados para a produo e o consumo, produzindo uma sociedade burocrtica de consumo dirigido (LEFEBVRE, 1980 p. 47). Os espaos construdos dentro da lgica capitalista seguem a padronizao e o individualismo desta racionalidade, so, portanto, espaos abstratos, primados pela razo esttica e pela fora das imagens.

16Todavia, o espao abstrato no consegue destituir completamente as contradies da realidade prtica e sensvel imediata, alm de abrigar novos conflitos concernentes prpria lgica econmica e poltica. Surge o espao das diferenas, fragmentado pela resposta da sociedade local imploso de uma ordem distante. Assim, a ordem prxima refere-se aos espaos de representaes (diferenciais) imediatas, que espelham as especificidades que no conseguem ser coagidas pela abstrao do espao. Desta maneira, as representaes no podem ser consideradas unicamente como virtualidades que vo alm da realidade para alimentar uma racionalidade abstrata e ideolgica. Para Lefebvre (1974) tal definio no se aplica quando tais representaes incorporam a experincia imediata e sensvel, visto que podem de fato reprimir a abstrao, retirando a estagnao e a homogeneidade artificial do conceito de espao. Assim, a anlise da dialtica do espao significa ponderar sobre as contradies presentes no espao-mercadoria, uma abstrao que se concebe enquanto mundial a partir do consumo do espao. Conquanto, o homem um ser que usa o espao para viver de acordo com as condies naturais e histricas especficas; neste caso, o valor de troca no repercute da mesma maneira em espaos distintos. Tal realidade exige definies mais exatas dos nveis de anlise, os quais no podem se separar e nem confundir, mas precisam ser apontadas pela reflexo. Conforme Lefebvre (1991) possvel seguir dois procedimentos, tanto do geral para o especfico quanto partindo do singular e constri o geral utilizando os elementos e significaes do observvel nas singularidades. A segunda opo, uma espcie de semiologia do espao consegue unir teoria e prtica, dando conta das alteridades e das representaes prescrita.

17A partir desta percepo, Lefebvre (1974) define trs momentos na produo social do espao: o espao concebido; o espao vivido; e o espao percebido. O espao concebido notadamente o da representao abstrata traduzido no capitalismo pelo pensamento hierarquizado, imvel, distante do real. Advindo de um saber tcnico e, ao mesmo tempo, ideolgico, as representaes do espao privilegiam a idia de produto devido supremacia do valor de troca na racionalidade geral.

18O espao percebido aparece como uma intermediao da ordem distante e a ordem prxima referentes aos desdobramentos de prticas espaciais oriundas de atos, valores e relaes especficas de cada formao social. Deste modo, atribui s representaes mentais materializadas funcionalidades e usos diversos, que correspondem a uma lgica de percepo da produo e da reproduo social. O espao vivido denota as diferenas em relao ao modo de vida programado. Enquanto experincia cotidiana (ordem prxima) est vinculada ao espao das representaes atravs da insurreio de usos contextuais, tornando-se um resduo de clandestinidade da obra e do irracional. O espao social, ento, configura-se como a expresso mais concreta do espao vivido, quando entendido pela soberania do homem sobre o objeto, atravs de sua apropriao pela corporeidade das aes humanas. Evidencia-se que esta anlise espacial remete produo do espao no processo de reproduo social; por conseguinte, o espao considerado um campo de possibilidades de construo de um espao diferencial, que se ope ao homogneo e contempla o uso. Em decorrncia desta afirmao, percebe-se que no existe uma imutabilidade entre as dimenses espaciais; desta forma, nada impede que o espao concebido absorva o espao das representaes (vivido).

19A fundamentao terica de Lefebvre tem como objetivo principal desvendar essa realidade atual, para tanto o parmetro a vida cotidiana na sociedade moderna. Nesta acepo o autor relata que o espao contm e est contido nas relaes sociais, logo o real historicamente construdo tendo como representao mental o urbano e a cidade como expresso material desta representao.

20Trata-se de uma definio de cidade (e de urbano) como sendo uma projeo da sociedade sobre um espao, no apenas sobre o aspecto da vida social de cada lugar, mas tambm no plano da representao abstrata. A partir desse raciocnio Lefebvre (1974) deduz que o espao traduz um conjunto de diferenas, ou seja, o lcus de coexistncia da pluralidade e das simultaneidades de padres, de maneiras de viver a vida urbana. Contudo, no descarta a idia de que o espao tambm o lugar dos conflitos, onde a explorao subordina no apenas a classe operria como outras classes sociais.

21A dialtica entre o espao concebido e o espao vivido se materializa no momento que as temporalidades e as espacialidades ligadas irredutibilidade do uso se fazem presente na apropriao da cidade. Tal dinmica pode ser vislumbrada principalmente, porm no exclusivamente, nos espaos urbanos que reagem forma metropolitana. O cotidiano destes lugares designa a atividade criadora por meio da construo individual e coletiva dos seus moradores diante da reproduo do espao. O direito cidade ento visto por Lefebvre (1991) como um direito inalienvel vida, pela valorizao da obra e do uso, isto s exeqvel atravs da construo de uma analise da cidade mais voltada para um novo humanismo. Portanto, o espao (social) no apenas uma condio e um produto, mas meio para as relaes conflitantes dentro do capitalismo. Assim, preciso apreender como a reproduo das relaes do capitalismo moderno se desdobra para a vida cotidiana de uma sociedade urbana.

A produo social do espao urbano amaznico: o exemplo de Belm22Belm tornou-se uma metrpole, um ponto de convergncia de fluxos de pessoas, informaes e de decises que repercutem em toda regio amaznica. As suas prticas scio-espaciais apresentam uma diversidade, assim como uma complexidade, produto de uma dialtica constante entre a ordem prxima e a ordem distante, ou melhor, em meio lgica da reproduo da metrpole e a da reproduo da vida. A reproduo do espao abstrato ocasionou dois fenmenos concomitantes em Belm: a imploso da experincia imediata e a exploso das singularidades. Trindade Jr (2004) esclarece que a padronizao espacial rompe com uma tendncia de uma urbanizao predominantemente ribeirinha em Belm, uma vez que as condies naturais e o processo histrico da regio aproximavam a cidade para este tipo de forma metropolitana.

23Deste modo, Belm se destaca no somente pelo ritmo do seu crescimento populacional, mas tambm pela dinmica acelerada de transformao do espao-tempo, definindo uma forma metropolitana peculiar. A cidade marcada por descontinuidades scio-espaciais produto de uma dialtica entre a forma metropolitana e aspectos do cotidiano da vida social regional. Logo, o espao concebido assume o carter moderno de insero de uma ordem distante: a reproduo do espao para o mercado. Por outro lado, o processo de ocupao da vrzea dos igaraps de Belm, foi conseqncia de um dos mais complexos problemas scio-espaciais dentro do contexto urbano brasileiro nestas ltimas dcadas; uma significativa parcela da populao que no tem poder aquisitivo compatvel com os custos de se morar em reas urbanizadas das cidades.

24Os moradores das ocupaes urbanas assistem gradualmente a segregao dos seus assentamentos humanos, o empobrecimento de suas relaes de vizinhanas e a diminuio dos espaos pblicos por meio da banalizao do consumo. Todavia, os tempos indissociveis e contraditrios aparecem no estranhamento em relao s novas formas espaciais, consubstancialmente nos indivduos ou em prticas que no existem mais.

25Neste aspecto, as ocupaes urbanas designam um processo coletivo de mobilizao e resistncia espacial, articulando o lugar com a (re) produo da metrpole. Portanto, essas ocupaes coletivas definem-se como canais de expresso das lutas cotidianas dentro das prticas scio-espaciais de Belm, ou seja, o movimento de ocupao tornou-se um instrumento concreto de contestao e de exerccio de poder. Tais ocupaes so produzidas por determinados agentes sociais, as quais delimitam territorialidades distintas em relao metrpole, a partir das representaes prprias alocadas no tempo e no espao. Logo, as baixadas de Belm no foram produtos de uma padronizao ou de uma estratgia deliberada, e sim obra da criatividade dos seus moradores.

26Nestes termos, o territrio extrapola a idia de controle e de poder poltico, incorporando, igualmente, dimenses espaciais, prprias da acepo de lugar. Tal fato revela ainda que errneo trabalhar com uma percepo nica em todas as ocupaes urbanas de Belm, mesmo que estas paream to semelhantes nos aspectos fsicos, guardam em si prticas scio-espaciais singulares.

27Diante disso, trata-se de pensar a cidade atravs da relao espao-tempo, expresso dos modos diferenciados de aes sociais. O processo de produo do espao urbano baseia-se, de um lado, nas possibilidades de articulao entre formas de uso e de abstrao do espao e, de outro, pelo conflito de interesses que orientam as aes do Estado.

28Neste ponto, importante atentar para as possibilidades analticas e poltica de uma metrpole como Belm, onde as resistncias so tanto no espao como no tempo mais concreto que, por exemplo, em uma metrpole mais consolidada como So Paulo. As especificidades da trajetria do espao urbano na Amaznia e as diversas representaes alocadas tornam-se uma caracterstica impar da regio. Conseqentemente, as ocupaes urbanas de Belm so territrios especficos, construdos por meio de um campo de foras, uma teia de redes sociais e uma complexidade interna que definem os limites e as alteridades, enfim, as diferenas entre as suas vivncias com o resto da cidade. Tal fato, mostra que errneo trabalhar com uma percepo nica em todas as ocupaes urbanas da cidade. Mesmo que estas paream to semelhantes nos aspectos scio-espaciais, guardam em si individualidades comportamentais e culturais.

29Diante disso, as ocupaes urbanas designam um processo coletivo de mobilizao e reivindicao, articulando o local com a (re) produo global da metrpole. Segundo Borges (1992), as ocupaes coletivas definem-se como canais de expresso das lutas cotidianas dentro das prticas scio-espaciais de Belm, ou seja, o movimento de apropriao de reas pblicas e privadas torna-se um instrumento concreto de contestao e de exigncia poltica.

30Com isso, trata-se de pensar a cidade atravs da relao espao-tempo, expresso dos modos diferenciados de comportamentos e de hbitos. O processo de produo do espao urbano, conforme Carlos (2001) baseia-se, de um lado, nas possibilidades de articulao entre formas de uso e de abstrao do espao e, de outro, pelo conflito de interesses que orientam as aes do Estado.

31O fato que a cotidianidade atual da metrpole produto de uma racionalidade programada pela fora das representaes e dos objetos capturados pela imposio externa. Trindade Jr. (2004) afirma que a coao da forma metropolitana em Belm trouxe um estilo de viver que obedece a um padro elaborado em contextos distantes da realidade regional. Assim, Belm assumiu o papel de representao espacial de consumo para as simulaes e virtualidades bem delineadas como produto. Este procedimento causa estranhamentos e desigualdades scio-espaciais, criando, muitas vezes uma no-identidade ou uma identidade forada com a forma metropolitana. Trata-se, ento, de uma luta para a manuteno da diferena e da singularidade que se torna coletiva medida que busca um resgate das representaes relacionadas s organicidades da vida cotidiana, especialmente daquela que se d na tradio regional

32Deste modo, a dialtica entre o espao concebido e o espao vivido (LEFEBVRE, 1974) se materializa no momento em que as temporalidades e as espacialidades ligadas irredutibilidade do uso se fazem presente na apropriao do espao. Em Belm tal dimenso pode ser vislumbrada principalmente, porm no exclusivamente, nas ocupaes urbanas. O cotidiano de cada ocupao designa uma estratgia de sobrevivncia na metrpole, bem como uma atividade contestadora por meio da construo individual e coletiva.

Consideraes finais33Vrios autores regionais j expuseram as conseqncias das intervenes pblicas locais, no entanto, poucos discutem a reproduo da vida humana nos atos do cotidiano, ou seja, refletir sobre o processo de apropriao do espao, por meio do uso, e, como este pode ser reestruturado atravs de uma ao concreta no espao. A dificuldade maior, terica e poltica que o processo de urbanizao na Amaznia no acontece sem a exploso da ordem prxima, escamoteando as contradies do espao. Desta forma as atenes esto voltadas apenas ao visvel, esta lgica passa longe do entendimento da essncia dessa dinmica. Neste contexto, o fundamental resgatar o valor de uso do espao a partir da nica realidade sensvel e prtica que ainda conserva para ns esta representao: o vivido. Trata-se de valorizar espaos diferenciais em contraposio s representaes abstratas do espao baseado na repetio e na racionalidade consumista. verdade que a teoria marxista encontra-se em um momento crtico. Porm, o mtodo dialtico, ainda pode contribuir para apreenso do concreto, preenchendo o abismo epistemolgico. Em uma sociedade em que se busque a libertao das coeres polticas e economicistas, a teoria do espao social, entendido como um movimento do pensamento passa a servir e d sentido para a construo de uma nova realidade.

34Em conseqncia, as singularidades da ocupao urbana em Belm no se definem apenas por ser uma representao simblica construda a partir das relaes sociais em torno do espao-casa, mas um espao vivido, socialmente entrelaado s prticas cotidianas no modernas. Trata-se, ento, de um lugar diferenciado que incorpora a cotidianidade da forma metropolitana pelos usos e contedos presentes na reproduo da vida social local.

35Porm, o ritmo da metrpole impe um leque necessidades suprfluas que tornam o morador um mero consumidor de mercadorias. As mudanas produtivas e tecnolgicas das ltimas dcadas criaram obrigaes pessoais e profissionais que impuseram uma dinmica de vida acelerada e desumana.

36Diante disso, a modernidade impessoal, individualista e competitiva, criando um homem solitrio que tem objetivos mais elevados do que a do simples flneur. De acordo com Acevedo e Chaves (1996) em Belm existe uma represso subjetiva aos espaos e s relaes que no se encaixem na imagem do moderno, criando um paradoxo entre a forma metropolitana e a cultura regional.

37Desta maneira, preciso que as diversas manifestaes espaciais ligadas identidade amaznica, manifestadas nas experincias e nas vivncias das ocupaes urbanas de Belm, sejam valorizadas. Criando, assim, um contraponto coero subjetiva e material da forma metropolitana da modernidade.

38Logo, a ocupao urbana torna-se uma primeira forma de oposio ao espao abstrato, isto , torna-se uma estratgia de residncia (resistncia) do excludos. Neste ponto, a (re) apropriao do espao, incorpora a dimenso do vivido, que se relaciona s relaes pessoais, s experincias anteriores, s vivncias prprias e s diversas experincias; apesar de no descartar a insero desses mesmos moradores na dinmica da vida metropolitana.

39Contudo, cabe uma ressalva final: da mesma forma que se critica o endeusamento de Marx, indispensvel atentar para as limitaes histricas e contextuais do pensamento de Lefebvre. preciso avanar, designadamente, no que concerne relao do Estado com a sociedade civil, atravs da anlise de polticas pblicas urbanas alternativas que mostrem outras possibilidades. Trata-se de uma reflexo contnua incentivado pelo prprio autor, unindo teoria e prtica para descrio da realidade atual do espao urbano amaznico.

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Topo da pginaPara citar este artigoReferncia electrnicaCharles Benedito Gemaque Souza, A contribuio de Henri Lefebvre para reflexo do espao urbano da Amaznia , Confins [Online], 5 | 2009, posto online em 20 Maro 2009, Consultado o 18 Junho 2012. URL : http://confins.revues.org/5633 ; DOI : 10.4000/confins.5633

Charles Benedito Gemaque Souza - Gegrafo, Doutorando em Desenvolvimento Sustentvel do Tropico mido do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal do Par, [email protected]

Disponvel em http://confins.revues.org/5633, acesso em 18 de junho de 2012.