A Contratação de Portadores de Deficiência e as Entidades Beneficentes

download A Contratação de Portadores de Deficiência e as Entidades Beneficentes

of 2

description

Portadores de Deficiências múltiplas

Transcript of A Contratação de Portadores de Deficiência e as Entidades Beneficentes

  • 20 jul/ago 2006 N 24

    Marcos [email protected]

    Legislao

    A Assemblia Geral das Naes Unidas proclamou em 1981 o Ano Internacional das Pessoas Defi cientes, com o tema Participao Plena e Igualdade. Tal fato teve grande infl un-cia em todos os pases signatrios, no tocante a busca de normatizao de isonomia de direitos das pessoas portadoras de defi cincia (PPDs). Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), o mundo possui cerca de 600 milhes de defi cientes, e, segundo o ltimo censo demo-grfi co, 24 milhes so brasileiros.

    No Brasil, destacando as principais legislaes sobre o tema, registra-se que, em 1989, a lei n 7.853 regulou o apoio s pessoas portadoras de defi cincia, com previ-so sobre sua integrao social e a criao da Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Defi cincia (Corde), alm de estarem previstos justia social, respeito dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros princpios gerais de direito aos defi cientes. Foram reguladas tambm as situaes perti-nentes educao, sade e trabalho, e, ainda, defi nidos como crime diversos atos atentatrios s pessoas portadoras de defi cincia.

    Em 1991, com o advento da lei n 8.213, determinou-se a proteo ao tra-balho das PPDs, uma vez que as empresas foram obrigadas legalmente a empregar esse pblico, de acordo com a proporo apresentada no quadro ao lado.

    J no ano de 1993, foi instituda a poltica nacional para a integrao da pessoa portadora de defi cincia pelo decreto n. 914. No ano de 1999, o decreto n 3.298 regulou a lei n 7.853, que defi niu a atuao da poltica na-cional para a integrao das PPDs e adequou a lei situao real da populao, de acordo com sua evoluo, prevendo, ainda, sobre o acesso cultura, ao desporto, ao turismo e ao lazer.

    A incluso das PPDs no mercado trabalho

    Por conta da regulao legal e da no efetividade da norma, muitas empresas e entidades sociais esto recebendo notifi -caes do poder pblico convocando seus representantes a comprovarem a insero de pessoas portadoras de defi cincia em seus quadros funcionais, de acordo com a quota mnima instituda por lei. O fato certamente deriva da iniciativa do governo federal que, em 1998, decidiu fi scalizar a aplicao da lei e, para tanto, baixou a portaria n 4.677 do antigo Ministrio da Previdncia e As-sistncia Social (MPAS), publicada no DOU em 30/7/98. Tal portaria determinou o prazo de 30 dias para que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) estabelecesse uma sistemtica de fi scalizao, avaliao e con-trole das empresas, para o fi el cumprimento dessa obrigao.

    O ato da administrao pblica tem acirrado a discusso entre os entes sociais, perante o entendimento de que tal previso somente se aplica s empresas. Pelo novo conceito civil1, a empresa aquela que exerce profi ssionalmente atividade econmica, ou seja, que produz lucro. Sendo assim, as instituies que possuem em sua gnese a no-gerao de qualquer fi m econmico no podem ser equiparadas s empresas, o que lhes desobriga de respeitar a Lei de Quotas de PPDs.

    Outro entendimento quanto no-su-jeio que tem tido eco o argumento de que as instituies sociais, por complementarem as aes de promoo humana em nome do Estado, entre elas a tutela s PPDs, no po-dem ser compelidas a tambm contrat-las como empregados, pois seria um verdadeiro contra-senso.

    Contratao de portadores de de cincia e as entidades bene centesPor assistirem as pessoas de cientes, as organizaes do Terceiro Setor esto dispensadas da Lei de Quotas

    Tatiana Magosso Evangelista [email protected]

    RF24_06 Gesto.indd 20RF24_06 Gesto.indd 20 19/9/2006 17:46:5019/9/2006 17:46:50

  • jul/ago 2006 N 24 21

    Marcos Biasioli. Advogado em So Paulo, mestrado em Direito PUC/SP, ps-graduado em Direito Empresarial The European University, administrador de empresas pela Universidade Mackenzie, membro do conselho cientfi co da Comisso de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP, idealizador e editor da Revista Filantropia.

    1 ART. 966 E SEGUINTES DO CDIGO CIVIL.2 ART. 5 E 7, XXXI, DA CF/88.3 ART. 208, III, 227, PARGRAFO 2 E 244, DA CF/88.4 ART. 5, XXIII, COMBINADA COM O ART. 170 DO MESMO DIPLOMA CONSTITUCIONAL.5 ART. 7, XXXI, 37, VIII.6 EMENTRIO STJ, N 19/008 RMS N 2.480-5/DF.7 DECRETO N 3.298/99, QUE REGULA A LEI N 7.853/89, ART. 35.8 LEI ORGNICA DE ASSISTNCIA SOCIAL (LOAS), N 8.742/93.

    Assim, nosso principal desafi o con-tribuir abaixo para o desfecho desta acalora-da polmica.

    Refl exo sobre a Lei de QuotasPartindo da premissa preambular de que

    todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza2, a prpria carta magna ordenou em seu art. 24, XIV, poderes ao Estado legislar sobre a proteo e integrao social das pessoas portadoras de defi cincia, visando justamente a isonomia de direito e o aniquilamento de qualquer discriminao.

    No obstante ser do Estado3 a respon-sabilidade da tutela s PPDs, o legislador tambm invocou a participao da sociedade para tal fi m. Dentro do princpio geral da atividade econmica, encontramos que: A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fi m assegurar a todos existncia digna, con-forme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: III funo social da propriedade; VII reduo das desigualdades regionais e sociais (...)4.

    Em outras palavras, a propriedade, ora derivada da prpria atividade econ-mica das empresas, no pode se prestar a to somente produzir dividendos aos seus acionistas, mas em especial contribuir com a minorao das desigualdades, entre elas, as atinentes s PPDs.

    Assim, no h qualquer suscitao sob o ponto de vista legal quanto ao fato de que a previso de quota mnima para a contratao de mo-de-obra de PPDs deve ser respeitada pelas entidades sociais, pois refl ete a funo social da iniciativa pblica/privada, no s pelo Segundo Setor (empresas), ante a previso contida no art. 93, da referida lei n 8.213/91, mas em especial pelo Primeiro Setor (Estado), dada as previses constitu-cional5 e legal consoantes, que se verifi ca na lei n 8.112/90.

    O prprio Superior Tribunal de Justia referendou a previso constitucional ao julgar a proteo ao trabalho das PPDs6, cuja ementa parcial assim aduz: Deve o administrador reservar percentual das vagas destinadas a concurso pblico, s pessoas portadoras de defi cincia, nos limites estabelecidos em lei, regulando o acesso quanto compatibilidade das atribuies do cargo e as defi cincias de que so portadoras..

    Polmica entre as entidades sociaisAnte a teoria acima erigida, entendemos

    o seguinte:

    Tatiana Magosso Evangelista. Advogada da M. Biasioli Advogados Associados, graduada pela PUC/SP, especializao em Direito do Terceiro Setor pela FGV/SP e ps-graduanda em Direito Processual Tributrio na PUC/SP.

    Nmero total de empregados

    Vagas para PPDs em relao ao total

    100 a 200 2%

    201 a 500 3%

    501 a 1.000 4%

    1.001 ou mais 5%

    importante saber determinar o que medir, quais os indicadores so mais relevantes e quais

    fundamentos sero usados nessa mensurao

    1. No consta na lei que a entidade social esteja obrigada a respeitar o limite de quotas para insero no seu quadro de pessoal as PPDs, mas, sim, que elas podero intermediar a modalidade de insero laboral na contratao para prestao de servios, por entidade p-blica ou privada, da pessoa portadora de defi cincia fsica, mental ou sensorial, e na comercializao de bens e servios decorrentes de programas de habilitao profi ssional de adolescente e adulto por-tador de defi cincia em ofi cina protegida de produo ou teraputica7.

    2. Para este fi m, ela no pode ser equiparada a uma empresa, pois:

    a) A fi nalidade de toda entidade be-nefi cente de assistncia social a promoo humana. Visa proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice, integrao ao mercado de trabalho e, principal-mente, habilitao, reabilitao e integrao vida comunitria das pessoas portadoras de defi cincia.

    b) A sua funo social de assistir a pessoa humana, especialmente a PPD, que no possui condio mnima de suprir suas necessidades bsicas como de alimentao, vesturio, sade, educao e locomoo.

    3. A instituio no constitui patrimnio de indivduo, pois tudo que adquire se reverte para a prpria fi nalidade, ou seja, toda a sua propriedade possui funo social.

    Neste diapaso, entendemos que pelo princpio da igualdade de direitos, as PPDs possuem a prerrogativa de se candidatarem a prestar servios em prol das entidades sociais, em especial daquelas que possui misso de tutel-las, e qualquer indcio de discriminao nesta busca poder refl etir sano punitiva, inclusive na seara criminal.

    Por outro lado, as entidades benefi centes tambm por ordem legal8 possuem o dever de assistir as PPDs, mesmo porque se coaduna com a gnese de sua prpria misso. Porm, em face de toda a construo doutrinria acima, elas no se subsumem, ou seja, no esto obrigadas a cumprir o art. 93 da lei n 8.213/91, para a contratao de pessoas por-tadoras de defi cincia. Exigir delas o contrrio implicar no fomento da sanha arrecadatria do Estado e no desvio de sua funo social de assistir e no empregar.

    RF24_06 Gesto.indd 21RF24_06 Gesto.indd 21 19/9/2006 17:46:5319/9/2006 17:46:53