moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene...

15
A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" RESU;VIO l'rctende-se neste discutir as implicações acerca dilS análises sobre mcnl(Íria (o a constitUlçào 11 acionais. Temlo C01110 pressuposto os estudos sobre ocnsino de Ílistória e da memória nacional, pretendemos levantar algurnlL'i questões relativas a presença dos ícones da história nacional entre pessoas que freqüentaram a escola formal. Nessa pesquisa entrevistamos mulheres de Ulll curso de alfabetização popular. sobre a figura de Tiradentes nacional) c' uutras festas cívicas, sendo que Tiradentes é considerado pur muitos historiadores C(!!l10 presente na memória coletiva da nação corno Ulll herói nacional Palavras-chave: ensino de história, mcmória, educação popular Ainda hoje o martírio de Joaquim José ria Silva Xavier, o TiradcllIes, toca os corações dos brasileiros, o que mostra a simbólica desse personagem.' o falo da autora desta frase direcionar a todos os brasileiros algum conhecilllento em relação a figura de Tiradentes, leva-nos a pensar sobre as reprl'SI:ntações possíVI'jS da memória nacional e seriam os brasiltiros que cOlllpartilhariam de senllínentos sobre o martírio de Tiradentes Para tal1to começamos a rel1etir primeiramente sobre o conceito de brasileiro que é uti Iizado em frases deste tipo, que serve para exteriorizar o significado de povo e demonstrar o alcance da memória coletiva. I Estp artigo éparte da Tese de Doutorado wlítulaua: l!ístória do Rrasil. histórias de Brasileiros: histón;!. p:'ssado e ic1l ' l1tidade na memória popular, cL.:fcndida no Programa de pôs-Graduação em História, UFPI\ em 2003 Professora de Metodologia uo Ensino de história - Univeloldacle Estadu;!1 deLondrina,Professorado jll'Osuma llce Mestrado em Educação \ Tbais Nívea. A Imagem cio Herói.!n. Nossa lIistória Anolln'3, 2004, p.81 HISTÓHIA & ENSINO, Londrina, v. 10, )l. 5-19, OUt. 2004 5

Transcript of moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene...

Page 1: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

A construccedilatildeo dos heroacuteis e a rnemoacuteria nacional entre os natildeo letrados

Mariene Ccmwli

RESUVIO

lrctende-se neste discutir as implicaccedilotildees acerca dilS anaacutelises sobre mcnl(Iacuteria (o a constitUlccedilagraveo (il)~ Il~r()IS 11 acionais Temlo C01110 pressuposto os estudos sobre ocnsino de Iacutelistoacuteria eaconstruccedil~io da memoacuteria nacional pretendemos levantar algurnlLi questotildees relativas a presenccedila dos iacutecones da histoacuteria nacional entre pessoas que n~o frequumlentaram a escola formal Nessa pesquisa entrevistamos mulheres de Ulll curso de alfabetizaccedilatildeo popular sobre a figura de Tiradentes

nacional) c uutras festas ciacutevicas sendo que Tiradentes eacute considerado pur muitos historiadores C(l10 presente na memoacuteria coletiva da naccedilatildeo corno Ulll heroacutei nacional

Palavras-chave ensino de histoacuteria mcmoacuteria educaccedilatildeo popular

Ainda hoje o martiacuterio de Joaquim Joseacute ria Silva Xavier o TiradcllIes toca os coraccedilotildees dos brasileiros o que mostra a simboacutelica desse personagem

o falo da autora desta frase direcionar a todos os brasileiros algum conhecilllento em relaccedilatildeo a figura de Tiradentes leva-nos a pensar sobre as reprlSIntaccedilotildees possiacuteVIjS da memoacuteria nacional e seriam os brasiltiros que cOlllpartilhariam de senlliacutenentos sobre o martiacuterio de Tiradentes Para tal1to comeccedilamos a rel1etir primeiramente sobre o conceito de brasileiro que eacuteuti Iizado

em frases deste tipo que serve para exteriorizar o significado de povo e demonstrar o alcance da memoacuteria coletiva

I Estp artigo eacuteparte da Tese de Doutorado wliacutetulaua liacutestoacuteria do Rrasil histoacuterias de Brasileiros histoacuten pssado e ic1ll1tidade na memoacuteria popular cLfcndida no Programa de pocircs-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria UFPI em 2003 Professora de Metodologia uo Ensino de histoacuteria - Univeloldacle Estadu1 deLondrinaProfessorado jllOsuma

llce Mestrado em Educaccedilatildeo F()~SECA Tbais Niacutevea A Imagem cio Heroacutein Nossa lIistoacuteria Anolln3 2004 p81

HISTOacuteHIA amp ENSINO Londrina v 10 )l 5-19 OUt 2004 5

No presente artigo trabalharemos com as representaccedilotildees sobre a Histoacuteria do Brasil que possuem pessoas que natildeo tiveram acesso agrave escola formal pois nosso objetivo eacute descobrir se a extensatildeo de colocaccedilotildees como a citada acima indicaria que a figura do maacutertir teria tido a forccedila de construccedilatildeo de um heroacutei nacional para todos os brasileiros

Com relaccedilatildeo aos adultos que natildeo foram a escola acreditamos que a forma como entendem a histoacuteria do Brasil aparecem nas concepccedilotildees sobre o mundo o espaccedilo o tempo a sociedade em que vivem e que a forccedila dessas representaccedilotildees estatildeo ancoradas nas memoacuterias transmitidas pela tradiccedilatildeo oral A~ relaccedilotildees que os indiviacuteduos estabelecem com o social o histoacuterico e o cultural satildeo na verdade a memoacuteria aquilo que eacutesalvo do esquecimento pelas geraccedilotildees pelos grupos segundo Halbwachs4 nossas lembranccedilas permanecem coletivas e elas nos satildeo lembradas pelos outros mesmo que se trate de acontecimentos nos quais soacute noacutes estivemos envolvidos ecom objetos que soacute noacutes vimos Eacuteporque em realidade nunca estamos soacute

Para direcionar a pesquisaS que fizemos e tentar perceber como eacuteentendida ahistoacuteria do Brasil por aqueles que natildeo frequumlentaram aescola optamos por questionar os entrevistados sobre produccedilotildees histoacutericas veiculadas pela miacutedia pelas festas ciacutevicas que satildeo representantes daquilo que entendemos como histoacuteria nacional

Os pesquisadores que estudam as relaccedilotildees que se estabelecem entre concepccedilotildees sobre a histoacuteria do Brasil com aproduccedilatildeo do imaginaacuterio do brasileiro apontam para a existecircncia de imagens recorrentes nas divulgaccedilotildees histoacutericas sejam atraveacutes de livros didaacuteticos paradidaacuteticos jornais revistas cinema televisatildeo essas imagens foram entatildeo definidas como canocircnicas Elias Tomeacute Saliba assim as conceitua

Serimll aquelas imagens - padratildeo ligadas a conceitos chaves de nossa vida social eintelectual Tais imagens constituem pontos de referecircncia inconscientes sendo portanto decisivatildes em seus efeitos subliminares de identificaccedilatildeo coletiva Satildeo imagens de tal forma incorporadas em nosso imaginaacuterio coletivo que as identificmnos rapidmnente6

i HALBWACHS Maurice Amemoacuteria coletiva Satildeo Paulo Veacutertice 1990 p26 I Neste artigo apresentamos um fragmento da pesquisa realizada

6 HISTOacuteRIA amp ENSINO Londrina v 10 p 5-19 oul 2004

Sabemos de antematildeo que essas imagens ditas canocircnicas satildeo em sua maioria iacutelciculadas ~Tli livros didaacuteticos quadros e outros eleJ1lentos da cultura letrada lO entanto segundo alguns autores a disseminaccedilatildeo dessas imagens Hatildeo se tra(luziria apenas no momento de sua confecccedilatildeo ou no artefato onde ela aplrece no caso (I livro ou a escola e sim disseminaria-se pelo imaginaacuterio coletivo criando imagens orais que seriam transmitidas pela descriccedilatildeo dos qmldros das figuras nosso objetivo seriaentatildeo perceber se o traccedilado construiacutedo por estas imagens atingiria aquelas pessoas que nunca foram a escola

Selecionamos ematildeo representaccedilotildees sobre a histoacuteria do Brasil algumas trabalhadas na educaccedilJo formal reproduzidas infinitamente nos livros diduacuteticos e outras repetidas nas festas ciacutevicas e nos feriados nacionais Ti radentes (Inconfidecircncia Mineira) Descobrimento do Brasil Independecircncia do Brasil e Escraviduuml) As trecircs primeiras temaacuteticas ganham forccedila pelo fato de que as comemoraccedilotildees atraveacutes do marco fundador de sua criaccedilatildeo construiacuterem Im passado para naccedilatildeo inquestionaacutevel e uacutenico eacute o que se aprende por histoacuteria do Brasil natildeo apenas na e~cola lllas tambeacutem fora dela em espaccedilos puacuteblicos que ganham os nomes dos heroacuteis nacionais como as praccedilas os bairros as ruas e principalmente nos calendaacuterios que figuram em vermelho a data a ser comemorada e na miacutedia que dedica o dia a reiterar o passado glorioso

us anos OIcone cal Iocircnico nacional escolhido para trabalharmos neste texto l

figura de Tiradentes por expressar no feriado de 21 de abril urna das datas com maior repercussatildeo escolar e fora dela7 Tiradentes eacute ainda uma das figuras lllais representativIS do projeto ele construccedilagraveo da naccedilatildeo consolidado pelos republicanos Sem dllvida alguma a transformaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei republicano eacute um dos temas recorrentes de qualquer anaacutelise historiograacutefica

sobre a construccedilatildeo da naccedilagraveo poacutes Impeacuterio no BrasiL O21 de abril foi se tornando um lllgar de memoacuteria indicativo das disputas pelas imagens e mitos Cjue reprcselllariam a uaccedilagraveo brasileira a partir da independecircncia

Alguns autores argumentam que a transfonnaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei

( SAUllA flL Tomeacute IIs imagens canocircnic~L e o ensino de Histoacuteria lNSCHIMDT Maria Auxiliadora eCAJIEILl )Iarlmc Rosa lI Encontro PmpectivL do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVcntos 1999 P 437 Taiacutes Niacutevea Fonseca Joatildeo Pinto FurtadoJoseacute Murilo ele Carvalho Noeacute Sandes eoutros autores argumentam em vaacuterios trltlbalhol a construccedilatildeo da imagem de Tiradentes como heroacutei nacional

HrSTOacute amp ENSINO L011l1rina v 1011 5-19 ouL 2004 7

I

8

nacionaL IUacuteO configuraria urn projeto apenas republicano tambeacutem a monarquia na tentativa u( criar uma unidade para a naccedilatildeo brasileml uepois da proclamaccedilatildeo da ildependecircncia teria recorrido aestes projetos de unificaccedilatildeo de um paiacutes que ainda natildeo existia O que havia era um territoacuterio marcadamente fragmentado pelo estilo administrativo desde a colocircnia com mercados regionais sem rotas comerciais de integraccedilatildeo que permitissem um comeacutercio nacional sem unidade poliacutetica ou linguumliacutestica Aconquista de uma unidade nacional eacuteentatildeo alvo de diversos projetos entre eles a construccedilatildeo de siacutembolos e mitos que a legitimasse

Aprimeira cio 21 de abril ocorreu no Rio ele Janeiro em 1881 desde 1866 hniam juacute sido erguidos monumentos em hnas Gerais em sua homenagem () dia i de abril foi declarado feriado nacional em 1890g Uma das construccedilotildees sobre a imagem de Tiradentes que nos interes] neste trabalho por marcar a ideacuteia de identidade entre a construccedilatildeo do mito e sua legitimidade perante a populaccedilatildeo (gt a aproximaccedilatildeo da image11l do maacutertir com a ele Jesus Cristo Na plccedila teatral ele Castro Alves Gonzaga ou a Revoluccedilatildeo de Minas escrita em 1867 Tiradentes jaacute aparece com a imagem vinculada a de Cristo

Ei-l0 o gigante da praccedilaO Cristo da multidatildeoEacute Tiradentes quem passa j

Deixem passar oTitatilde09

Como fizemos a opccedilatildeo por perguntar alt entrevistada) sobre a figura de Tiradentes tiacuteilhamos em mente que afigura apresentada em manuais didaacuteticos em celeb[iacuteOtildeeS nos meios de comunicaccedilatildeo teria de forma marcado a memoacuteria das mulheres que entrevistamos tendo como de partida que a idealizaccedil~io ela imagem de Ti radentes como a do Cristo permitiria muito facilmente SIIa Idenlificaccedilatildeo com os sofredores os heroacuteis que morrem por lima causa no caso de Tiradentes a morte pela brasileira

Ajlo(lerosI do Cristo em um paiacutes manadamente cristatildeo facilitaria a projeccedilatildeo de sua figura como heroacutei qualquer pessoa que visse uma imagem do C~isto crucificado imediatamente o relacionaria com Tiradentes Aleacutem da figura fiacutesica outras aproximaccedilotildees foram realizadas para cristalizar lt1

semelhanccedilas entre a morte de Tiradentes e de Jesus Cristo Joseacute Murilo de

S CARVALHO Joseacute Murilo Aformaccedilatildeo das Almas Satildeo Paulu Companhia das Letras 1990 p64 CARVALHO Joseacute Murilo opcit p60

11lSTUacuteRIA amp ENSINO Londrin 1O)l 5-19 oul 2004

Carvalhu ao referir-se a construccedilatildeo dessa simbologia menciona o artigo de Luis publicado no nuacutemero do comemoralw do 21 de

fIm editado pelo Clube Tiradentes (J 882) (J tiacutetulo do art1io A o Cnsto da lVlultidro A jorca eacute equiparada C cruz o Rio de a jerusaleacutem o Calvaacuterio ao Rocio lO

() Tellla da construccedilatildeo da identidade nacional eacute recorrente nos projetos poliacuteticos lmliileiros Aescritada hisloacuteriada naccedilatildeo sempre esteve desde aindependecircncia no centro destas discussotildees Tais viacutenculos entre os projetos de unidade nacional e a esclila da histoacuteria produziram oque aqui chamamos de iacutecones da histoacuteria nacional e Tiradentes sempre esteve entre os heroacuteis fundamentais de construccedilatildeo ele uma identidade nacional Seja nos livros de histoacuteria ligados ao Instituto Histoacuterico Geograacutefico Brasileiro poacutes ~ proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica encarregados de difundir a s imagens da naccedilatildeo republicana seja os livros didaacuteticos que desde os anos 30 do seacuteculo XX instituiu a consagraccedilatildeo dos heroacuteis nacionais atraveacutes ela valorizaccedilatildeo dos seus feitos ptlo paiacutes e ateacute os Iivros didaacuteticos poacutes ditadura militar que difundem e refclrccedilam a consagraccedilatildeo dos mitos como o de Tiradentes como podemos observar no relato de um Livro didaacutetico de 1997

Soacute Tiradentes o uacutenico que nagraveo era rico nem fazia parte da elite foi enforcado e seu corpo cortado em pwlaccedilos a cabeccedila ficou em Vila Rica e os membros foram colocados em postes na estrada que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro Acasa em que moravafoi ebtruiacuteda e sobre aterra jogou-se sal para que Jlem as piantas ali crescessem Apesar de todas as atrocidades achama da liberdade que Tiradentes ascendeu nagraveo se apagou Haveria ainda outras ateacute que o sonho de illllepcndecircncia dos inconfidentes se tornasse realidade i i

otrecho acima natildeo deixa duacutevidas do posicionamento do autor sobre a tCllluacutetica da Incollfidecircncia -lineira e sua representatividade para a histoacuteria da naccedilatildeo Eacute a partir dos desdobramentos da inconfidecircncia que torna-se realidade a independecircncia do Brasil Seria possiacutevel que a fixaccedilatildeo das imagens sobre Tiradentes tivessem criado uma memoacuteria coletiva sobre ele que um desdobramento intenso haveria possibilitado a circulaccedilatildeo dessas pela

I) Ilkmp61

11 IILETTI Nelson ePILETTl Claudino Histoacuteria eVida 11 ed Satildeo Paulo Atiea 1997 [l11O

HISTltIacuteHliI amp EINO Londrina v 10 11 5-19 oul 2004 9

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 2: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

No presente artigo trabalharemos com as representaccedilotildees sobre a Histoacuteria do Brasil que possuem pessoas que natildeo tiveram acesso agrave escola formal pois nosso objetivo eacute descobrir se a extensatildeo de colocaccedilotildees como a citada acima indicaria que a figura do maacutertir teria tido a forccedila de construccedilatildeo de um heroacutei nacional para todos os brasileiros

Com relaccedilatildeo aos adultos que natildeo foram a escola acreditamos que a forma como entendem a histoacuteria do Brasil aparecem nas concepccedilotildees sobre o mundo o espaccedilo o tempo a sociedade em que vivem e que a forccedila dessas representaccedilotildees estatildeo ancoradas nas memoacuterias transmitidas pela tradiccedilatildeo oral A~ relaccedilotildees que os indiviacuteduos estabelecem com o social o histoacuterico e o cultural satildeo na verdade a memoacuteria aquilo que eacutesalvo do esquecimento pelas geraccedilotildees pelos grupos segundo Halbwachs4 nossas lembranccedilas permanecem coletivas e elas nos satildeo lembradas pelos outros mesmo que se trate de acontecimentos nos quais soacute noacutes estivemos envolvidos ecom objetos que soacute noacutes vimos Eacuteporque em realidade nunca estamos soacute

Para direcionar a pesquisaS que fizemos e tentar perceber como eacuteentendida ahistoacuteria do Brasil por aqueles que natildeo frequumlentaram aescola optamos por questionar os entrevistados sobre produccedilotildees histoacutericas veiculadas pela miacutedia pelas festas ciacutevicas que satildeo representantes daquilo que entendemos como histoacuteria nacional

Os pesquisadores que estudam as relaccedilotildees que se estabelecem entre concepccedilotildees sobre a histoacuteria do Brasil com aproduccedilatildeo do imaginaacuterio do brasileiro apontam para a existecircncia de imagens recorrentes nas divulgaccedilotildees histoacutericas sejam atraveacutes de livros didaacuteticos paradidaacuteticos jornais revistas cinema televisatildeo essas imagens foram entatildeo definidas como canocircnicas Elias Tomeacute Saliba assim as conceitua

Serimll aquelas imagens - padratildeo ligadas a conceitos chaves de nossa vida social eintelectual Tais imagens constituem pontos de referecircncia inconscientes sendo portanto decisivatildes em seus efeitos subliminares de identificaccedilatildeo coletiva Satildeo imagens de tal forma incorporadas em nosso imaginaacuterio coletivo que as identificmnos rapidmnente6

i HALBWACHS Maurice Amemoacuteria coletiva Satildeo Paulo Veacutertice 1990 p26 I Neste artigo apresentamos um fragmento da pesquisa realizada

6 HISTOacuteRIA amp ENSINO Londrina v 10 p 5-19 oul 2004

Sabemos de antematildeo que essas imagens ditas canocircnicas satildeo em sua maioria iacutelciculadas ~Tli livros didaacuteticos quadros e outros eleJ1lentos da cultura letrada lO entanto segundo alguns autores a disseminaccedilatildeo dessas imagens Hatildeo se tra(luziria apenas no momento de sua confecccedilatildeo ou no artefato onde ela aplrece no caso (I livro ou a escola e sim disseminaria-se pelo imaginaacuterio coletivo criando imagens orais que seriam transmitidas pela descriccedilatildeo dos qmldros das figuras nosso objetivo seriaentatildeo perceber se o traccedilado construiacutedo por estas imagens atingiria aquelas pessoas que nunca foram a escola

Selecionamos ematildeo representaccedilotildees sobre a histoacuteria do Brasil algumas trabalhadas na educaccedilJo formal reproduzidas infinitamente nos livros diduacuteticos e outras repetidas nas festas ciacutevicas e nos feriados nacionais Ti radentes (Inconfidecircncia Mineira) Descobrimento do Brasil Independecircncia do Brasil e Escraviduuml) As trecircs primeiras temaacuteticas ganham forccedila pelo fato de que as comemoraccedilotildees atraveacutes do marco fundador de sua criaccedilatildeo construiacuterem Im passado para naccedilatildeo inquestionaacutevel e uacutenico eacute o que se aprende por histoacuteria do Brasil natildeo apenas na e~cola lllas tambeacutem fora dela em espaccedilos puacuteblicos que ganham os nomes dos heroacuteis nacionais como as praccedilas os bairros as ruas e principalmente nos calendaacuterios que figuram em vermelho a data a ser comemorada e na miacutedia que dedica o dia a reiterar o passado glorioso

us anos OIcone cal Iocircnico nacional escolhido para trabalharmos neste texto l

figura de Tiradentes por expressar no feriado de 21 de abril urna das datas com maior repercussatildeo escolar e fora dela7 Tiradentes eacute ainda uma das figuras lllais representativIS do projeto ele construccedilagraveo da naccedilatildeo consolidado pelos republicanos Sem dllvida alguma a transformaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei republicano eacute um dos temas recorrentes de qualquer anaacutelise historiograacutefica

sobre a construccedilatildeo da naccedilagraveo poacutes Impeacuterio no BrasiL O21 de abril foi se tornando um lllgar de memoacuteria indicativo das disputas pelas imagens e mitos Cjue reprcselllariam a uaccedilagraveo brasileira a partir da independecircncia

Alguns autores argumentam que a transfonnaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei

( SAUllA flL Tomeacute IIs imagens canocircnic~L e o ensino de Histoacuteria lNSCHIMDT Maria Auxiliadora eCAJIEILl )Iarlmc Rosa lI Encontro PmpectivL do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVcntos 1999 P 437 Taiacutes Niacutevea Fonseca Joatildeo Pinto FurtadoJoseacute Murilo ele Carvalho Noeacute Sandes eoutros autores argumentam em vaacuterios trltlbalhol a construccedilatildeo da imagem de Tiradentes como heroacutei nacional

HrSTOacute amp ENSINO L011l1rina v 1011 5-19 ouL 2004 7

I

8

nacionaL IUacuteO configuraria urn projeto apenas republicano tambeacutem a monarquia na tentativa u( criar uma unidade para a naccedilatildeo brasileml uepois da proclamaccedilatildeo da ildependecircncia teria recorrido aestes projetos de unificaccedilatildeo de um paiacutes que ainda natildeo existia O que havia era um territoacuterio marcadamente fragmentado pelo estilo administrativo desde a colocircnia com mercados regionais sem rotas comerciais de integraccedilatildeo que permitissem um comeacutercio nacional sem unidade poliacutetica ou linguumliacutestica Aconquista de uma unidade nacional eacuteentatildeo alvo de diversos projetos entre eles a construccedilatildeo de siacutembolos e mitos que a legitimasse

Aprimeira cio 21 de abril ocorreu no Rio ele Janeiro em 1881 desde 1866 hniam juacute sido erguidos monumentos em hnas Gerais em sua homenagem () dia i de abril foi declarado feriado nacional em 1890g Uma das construccedilotildees sobre a imagem de Tiradentes que nos interes] neste trabalho por marcar a ideacuteia de identidade entre a construccedilatildeo do mito e sua legitimidade perante a populaccedilatildeo (gt a aproximaccedilatildeo da image11l do maacutertir com a ele Jesus Cristo Na plccedila teatral ele Castro Alves Gonzaga ou a Revoluccedilatildeo de Minas escrita em 1867 Tiradentes jaacute aparece com a imagem vinculada a de Cristo

Ei-l0 o gigante da praccedilaO Cristo da multidatildeoEacute Tiradentes quem passa j

Deixem passar oTitatilde09

Como fizemos a opccedilatildeo por perguntar alt entrevistada) sobre a figura de Tiradentes tiacuteilhamos em mente que afigura apresentada em manuais didaacuteticos em celeb[iacuteOtildeeS nos meios de comunicaccedilatildeo teria de forma marcado a memoacuteria das mulheres que entrevistamos tendo como de partida que a idealizaccedil~io ela imagem de Ti radentes como a do Cristo permitiria muito facilmente SIIa Idenlificaccedilatildeo com os sofredores os heroacuteis que morrem por lima causa no caso de Tiradentes a morte pela brasileira

Ajlo(lerosI do Cristo em um paiacutes manadamente cristatildeo facilitaria a projeccedilatildeo de sua figura como heroacutei qualquer pessoa que visse uma imagem do C~isto crucificado imediatamente o relacionaria com Tiradentes Aleacutem da figura fiacutesica outras aproximaccedilotildees foram realizadas para cristalizar lt1

semelhanccedilas entre a morte de Tiradentes e de Jesus Cristo Joseacute Murilo de

S CARVALHO Joseacute Murilo Aformaccedilatildeo das Almas Satildeo Paulu Companhia das Letras 1990 p64 CARVALHO Joseacute Murilo opcit p60

11lSTUacuteRIA amp ENSINO Londrin 1O)l 5-19 oul 2004

Carvalhu ao referir-se a construccedilatildeo dessa simbologia menciona o artigo de Luis publicado no nuacutemero do comemoralw do 21 de

fIm editado pelo Clube Tiradentes (J 882) (J tiacutetulo do art1io A o Cnsto da lVlultidro A jorca eacute equiparada C cruz o Rio de a jerusaleacutem o Calvaacuterio ao Rocio lO

() Tellla da construccedilatildeo da identidade nacional eacute recorrente nos projetos poliacuteticos lmliileiros Aescritada hisloacuteriada naccedilatildeo sempre esteve desde aindependecircncia no centro destas discussotildees Tais viacutenculos entre os projetos de unidade nacional e a esclila da histoacuteria produziram oque aqui chamamos de iacutecones da histoacuteria nacional e Tiradentes sempre esteve entre os heroacuteis fundamentais de construccedilatildeo ele uma identidade nacional Seja nos livros de histoacuteria ligados ao Instituto Histoacuterico Geograacutefico Brasileiro poacutes ~ proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica encarregados de difundir a s imagens da naccedilatildeo republicana seja os livros didaacuteticos que desde os anos 30 do seacuteculo XX instituiu a consagraccedilatildeo dos heroacuteis nacionais atraveacutes ela valorizaccedilatildeo dos seus feitos ptlo paiacutes e ateacute os Iivros didaacuteticos poacutes ditadura militar que difundem e refclrccedilam a consagraccedilatildeo dos mitos como o de Tiradentes como podemos observar no relato de um Livro didaacutetico de 1997

Soacute Tiradentes o uacutenico que nagraveo era rico nem fazia parte da elite foi enforcado e seu corpo cortado em pwlaccedilos a cabeccedila ficou em Vila Rica e os membros foram colocados em postes na estrada que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro Acasa em que moravafoi ebtruiacuteda e sobre aterra jogou-se sal para que Jlem as piantas ali crescessem Apesar de todas as atrocidades achama da liberdade que Tiradentes ascendeu nagraveo se apagou Haveria ainda outras ateacute que o sonho de illllepcndecircncia dos inconfidentes se tornasse realidade i i

otrecho acima natildeo deixa duacutevidas do posicionamento do autor sobre a tCllluacutetica da Incollfidecircncia -lineira e sua representatividade para a histoacuteria da naccedilatildeo Eacute a partir dos desdobramentos da inconfidecircncia que torna-se realidade a independecircncia do Brasil Seria possiacutevel que a fixaccedilatildeo das imagens sobre Tiradentes tivessem criado uma memoacuteria coletiva sobre ele que um desdobramento intenso haveria possibilitado a circulaccedilatildeo dessas pela

I) Ilkmp61

11 IILETTI Nelson ePILETTl Claudino Histoacuteria eVida 11 ed Satildeo Paulo Atiea 1997 [l11O

HISTltIacuteHliI amp EINO Londrina v 10 11 5-19 oul 2004 9

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 3: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

Sabemos de antematildeo que essas imagens ditas canocircnicas satildeo em sua maioria iacutelciculadas ~Tli livros didaacuteticos quadros e outros eleJ1lentos da cultura letrada lO entanto segundo alguns autores a disseminaccedilatildeo dessas imagens Hatildeo se tra(luziria apenas no momento de sua confecccedilatildeo ou no artefato onde ela aplrece no caso (I livro ou a escola e sim disseminaria-se pelo imaginaacuterio coletivo criando imagens orais que seriam transmitidas pela descriccedilatildeo dos qmldros das figuras nosso objetivo seriaentatildeo perceber se o traccedilado construiacutedo por estas imagens atingiria aquelas pessoas que nunca foram a escola

Selecionamos ematildeo representaccedilotildees sobre a histoacuteria do Brasil algumas trabalhadas na educaccedilJo formal reproduzidas infinitamente nos livros diduacuteticos e outras repetidas nas festas ciacutevicas e nos feriados nacionais Ti radentes (Inconfidecircncia Mineira) Descobrimento do Brasil Independecircncia do Brasil e Escraviduuml) As trecircs primeiras temaacuteticas ganham forccedila pelo fato de que as comemoraccedilotildees atraveacutes do marco fundador de sua criaccedilatildeo construiacuterem Im passado para naccedilatildeo inquestionaacutevel e uacutenico eacute o que se aprende por histoacuteria do Brasil natildeo apenas na e~cola lllas tambeacutem fora dela em espaccedilos puacuteblicos que ganham os nomes dos heroacuteis nacionais como as praccedilas os bairros as ruas e principalmente nos calendaacuterios que figuram em vermelho a data a ser comemorada e na miacutedia que dedica o dia a reiterar o passado glorioso

us anos OIcone cal Iocircnico nacional escolhido para trabalharmos neste texto l

figura de Tiradentes por expressar no feriado de 21 de abril urna das datas com maior repercussatildeo escolar e fora dela7 Tiradentes eacute ainda uma das figuras lllais representativIS do projeto ele construccedilagraveo da naccedilatildeo consolidado pelos republicanos Sem dllvida alguma a transformaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei republicano eacute um dos temas recorrentes de qualquer anaacutelise historiograacutefica

sobre a construccedilatildeo da naccedilagraveo poacutes Impeacuterio no BrasiL O21 de abril foi se tornando um lllgar de memoacuteria indicativo das disputas pelas imagens e mitos Cjue reprcselllariam a uaccedilagraveo brasileira a partir da independecircncia

Alguns autores argumentam que a transfonnaccedilatildeo de Tiradentes em heroacutei

( SAUllA flL Tomeacute IIs imagens canocircnic~L e o ensino de Histoacuteria lNSCHIMDT Maria Auxiliadora eCAJIEILl )Iarlmc Rosa lI Encontro PmpectivL do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVcntos 1999 P 437 Taiacutes Niacutevea Fonseca Joatildeo Pinto FurtadoJoseacute Murilo ele Carvalho Noeacute Sandes eoutros autores argumentam em vaacuterios trltlbalhol a construccedilatildeo da imagem de Tiradentes como heroacutei nacional

HrSTOacute amp ENSINO L011l1rina v 1011 5-19 ouL 2004 7

I

8

nacionaL IUacuteO configuraria urn projeto apenas republicano tambeacutem a monarquia na tentativa u( criar uma unidade para a naccedilatildeo brasileml uepois da proclamaccedilatildeo da ildependecircncia teria recorrido aestes projetos de unificaccedilatildeo de um paiacutes que ainda natildeo existia O que havia era um territoacuterio marcadamente fragmentado pelo estilo administrativo desde a colocircnia com mercados regionais sem rotas comerciais de integraccedilatildeo que permitissem um comeacutercio nacional sem unidade poliacutetica ou linguumliacutestica Aconquista de uma unidade nacional eacuteentatildeo alvo de diversos projetos entre eles a construccedilatildeo de siacutembolos e mitos que a legitimasse

Aprimeira cio 21 de abril ocorreu no Rio ele Janeiro em 1881 desde 1866 hniam juacute sido erguidos monumentos em hnas Gerais em sua homenagem () dia i de abril foi declarado feriado nacional em 1890g Uma das construccedilotildees sobre a imagem de Tiradentes que nos interes] neste trabalho por marcar a ideacuteia de identidade entre a construccedilatildeo do mito e sua legitimidade perante a populaccedilatildeo (gt a aproximaccedilatildeo da image11l do maacutertir com a ele Jesus Cristo Na plccedila teatral ele Castro Alves Gonzaga ou a Revoluccedilatildeo de Minas escrita em 1867 Tiradentes jaacute aparece com a imagem vinculada a de Cristo

Ei-l0 o gigante da praccedilaO Cristo da multidatildeoEacute Tiradentes quem passa j

Deixem passar oTitatilde09

Como fizemos a opccedilatildeo por perguntar alt entrevistada) sobre a figura de Tiradentes tiacuteilhamos em mente que afigura apresentada em manuais didaacuteticos em celeb[iacuteOtildeeS nos meios de comunicaccedilatildeo teria de forma marcado a memoacuteria das mulheres que entrevistamos tendo como de partida que a idealizaccedil~io ela imagem de Ti radentes como a do Cristo permitiria muito facilmente SIIa Idenlificaccedilatildeo com os sofredores os heroacuteis que morrem por lima causa no caso de Tiradentes a morte pela brasileira

Ajlo(lerosI do Cristo em um paiacutes manadamente cristatildeo facilitaria a projeccedilatildeo de sua figura como heroacutei qualquer pessoa que visse uma imagem do C~isto crucificado imediatamente o relacionaria com Tiradentes Aleacutem da figura fiacutesica outras aproximaccedilotildees foram realizadas para cristalizar lt1

semelhanccedilas entre a morte de Tiradentes e de Jesus Cristo Joseacute Murilo de

S CARVALHO Joseacute Murilo Aformaccedilatildeo das Almas Satildeo Paulu Companhia das Letras 1990 p64 CARVALHO Joseacute Murilo opcit p60

11lSTUacuteRIA amp ENSINO Londrin 1O)l 5-19 oul 2004

Carvalhu ao referir-se a construccedilatildeo dessa simbologia menciona o artigo de Luis publicado no nuacutemero do comemoralw do 21 de

fIm editado pelo Clube Tiradentes (J 882) (J tiacutetulo do art1io A o Cnsto da lVlultidro A jorca eacute equiparada C cruz o Rio de a jerusaleacutem o Calvaacuterio ao Rocio lO

() Tellla da construccedilatildeo da identidade nacional eacute recorrente nos projetos poliacuteticos lmliileiros Aescritada hisloacuteriada naccedilatildeo sempre esteve desde aindependecircncia no centro destas discussotildees Tais viacutenculos entre os projetos de unidade nacional e a esclila da histoacuteria produziram oque aqui chamamos de iacutecones da histoacuteria nacional e Tiradentes sempre esteve entre os heroacuteis fundamentais de construccedilatildeo ele uma identidade nacional Seja nos livros de histoacuteria ligados ao Instituto Histoacuterico Geograacutefico Brasileiro poacutes ~ proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica encarregados de difundir a s imagens da naccedilatildeo republicana seja os livros didaacuteticos que desde os anos 30 do seacuteculo XX instituiu a consagraccedilatildeo dos heroacuteis nacionais atraveacutes ela valorizaccedilatildeo dos seus feitos ptlo paiacutes e ateacute os Iivros didaacuteticos poacutes ditadura militar que difundem e refclrccedilam a consagraccedilatildeo dos mitos como o de Tiradentes como podemos observar no relato de um Livro didaacutetico de 1997

Soacute Tiradentes o uacutenico que nagraveo era rico nem fazia parte da elite foi enforcado e seu corpo cortado em pwlaccedilos a cabeccedila ficou em Vila Rica e os membros foram colocados em postes na estrada que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro Acasa em que moravafoi ebtruiacuteda e sobre aterra jogou-se sal para que Jlem as piantas ali crescessem Apesar de todas as atrocidades achama da liberdade que Tiradentes ascendeu nagraveo se apagou Haveria ainda outras ateacute que o sonho de illllepcndecircncia dos inconfidentes se tornasse realidade i i

otrecho acima natildeo deixa duacutevidas do posicionamento do autor sobre a tCllluacutetica da Incollfidecircncia -lineira e sua representatividade para a histoacuteria da naccedilatildeo Eacute a partir dos desdobramentos da inconfidecircncia que torna-se realidade a independecircncia do Brasil Seria possiacutevel que a fixaccedilatildeo das imagens sobre Tiradentes tivessem criado uma memoacuteria coletiva sobre ele que um desdobramento intenso haveria possibilitado a circulaccedilatildeo dessas pela

I) Ilkmp61

11 IILETTI Nelson ePILETTl Claudino Histoacuteria eVida 11 ed Satildeo Paulo Atiea 1997 [l11O

HISTltIacuteHliI amp EINO Londrina v 10 11 5-19 oul 2004 9

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 4: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

8

nacionaL IUacuteO configuraria urn projeto apenas republicano tambeacutem a monarquia na tentativa u( criar uma unidade para a naccedilatildeo brasileml uepois da proclamaccedilatildeo da ildependecircncia teria recorrido aestes projetos de unificaccedilatildeo de um paiacutes que ainda natildeo existia O que havia era um territoacuterio marcadamente fragmentado pelo estilo administrativo desde a colocircnia com mercados regionais sem rotas comerciais de integraccedilatildeo que permitissem um comeacutercio nacional sem unidade poliacutetica ou linguumliacutestica Aconquista de uma unidade nacional eacuteentatildeo alvo de diversos projetos entre eles a construccedilatildeo de siacutembolos e mitos que a legitimasse

Aprimeira cio 21 de abril ocorreu no Rio ele Janeiro em 1881 desde 1866 hniam juacute sido erguidos monumentos em hnas Gerais em sua homenagem () dia i de abril foi declarado feriado nacional em 1890g Uma das construccedilotildees sobre a imagem de Tiradentes que nos interes] neste trabalho por marcar a ideacuteia de identidade entre a construccedilatildeo do mito e sua legitimidade perante a populaccedilatildeo (gt a aproximaccedilatildeo da image11l do maacutertir com a ele Jesus Cristo Na plccedila teatral ele Castro Alves Gonzaga ou a Revoluccedilatildeo de Minas escrita em 1867 Tiradentes jaacute aparece com a imagem vinculada a de Cristo

Ei-l0 o gigante da praccedilaO Cristo da multidatildeoEacute Tiradentes quem passa j

Deixem passar oTitatilde09

Como fizemos a opccedilatildeo por perguntar alt entrevistada) sobre a figura de Tiradentes tiacuteilhamos em mente que afigura apresentada em manuais didaacuteticos em celeb[iacuteOtildeeS nos meios de comunicaccedilatildeo teria de forma marcado a memoacuteria das mulheres que entrevistamos tendo como de partida que a idealizaccedil~io ela imagem de Ti radentes como a do Cristo permitiria muito facilmente SIIa Idenlificaccedilatildeo com os sofredores os heroacuteis que morrem por lima causa no caso de Tiradentes a morte pela brasileira

Ajlo(lerosI do Cristo em um paiacutes manadamente cristatildeo facilitaria a projeccedilatildeo de sua figura como heroacutei qualquer pessoa que visse uma imagem do C~isto crucificado imediatamente o relacionaria com Tiradentes Aleacutem da figura fiacutesica outras aproximaccedilotildees foram realizadas para cristalizar lt1

semelhanccedilas entre a morte de Tiradentes e de Jesus Cristo Joseacute Murilo de

S CARVALHO Joseacute Murilo Aformaccedilatildeo das Almas Satildeo Paulu Companhia das Letras 1990 p64 CARVALHO Joseacute Murilo opcit p60

11lSTUacuteRIA amp ENSINO Londrin 1O)l 5-19 oul 2004

Carvalhu ao referir-se a construccedilatildeo dessa simbologia menciona o artigo de Luis publicado no nuacutemero do comemoralw do 21 de

fIm editado pelo Clube Tiradentes (J 882) (J tiacutetulo do art1io A o Cnsto da lVlultidro A jorca eacute equiparada C cruz o Rio de a jerusaleacutem o Calvaacuterio ao Rocio lO

() Tellla da construccedilatildeo da identidade nacional eacute recorrente nos projetos poliacuteticos lmliileiros Aescritada hisloacuteriada naccedilatildeo sempre esteve desde aindependecircncia no centro destas discussotildees Tais viacutenculos entre os projetos de unidade nacional e a esclila da histoacuteria produziram oque aqui chamamos de iacutecones da histoacuteria nacional e Tiradentes sempre esteve entre os heroacuteis fundamentais de construccedilatildeo ele uma identidade nacional Seja nos livros de histoacuteria ligados ao Instituto Histoacuterico Geograacutefico Brasileiro poacutes ~ proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica encarregados de difundir a s imagens da naccedilatildeo republicana seja os livros didaacuteticos que desde os anos 30 do seacuteculo XX instituiu a consagraccedilatildeo dos heroacuteis nacionais atraveacutes ela valorizaccedilatildeo dos seus feitos ptlo paiacutes e ateacute os Iivros didaacuteticos poacutes ditadura militar que difundem e refclrccedilam a consagraccedilatildeo dos mitos como o de Tiradentes como podemos observar no relato de um Livro didaacutetico de 1997

Soacute Tiradentes o uacutenico que nagraveo era rico nem fazia parte da elite foi enforcado e seu corpo cortado em pwlaccedilos a cabeccedila ficou em Vila Rica e os membros foram colocados em postes na estrada que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro Acasa em que moravafoi ebtruiacuteda e sobre aterra jogou-se sal para que Jlem as piantas ali crescessem Apesar de todas as atrocidades achama da liberdade que Tiradentes ascendeu nagraveo se apagou Haveria ainda outras ateacute que o sonho de illllepcndecircncia dos inconfidentes se tornasse realidade i i

otrecho acima natildeo deixa duacutevidas do posicionamento do autor sobre a tCllluacutetica da Incollfidecircncia -lineira e sua representatividade para a histoacuteria da naccedilatildeo Eacute a partir dos desdobramentos da inconfidecircncia que torna-se realidade a independecircncia do Brasil Seria possiacutevel que a fixaccedilatildeo das imagens sobre Tiradentes tivessem criado uma memoacuteria coletiva sobre ele que um desdobramento intenso haveria possibilitado a circulaccedilatildeo dessas pela

I) Ilkmp61

11 IILETTI Nelson ePILETTl Claudino Histoacuteria eVida 11 ed Satildeo Paulo Atiea 1997 [l11O

HISTltIacuteHliI amp EINO Londrina v 10 11 5-19 oul 2004 9

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 5: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

Carvalhu ao referir-se a construccedilatildeo dessa simbologia menciona o artigo de Luis publicado no nuacutemero do comemoralw do 21 de

fIm editado pelo Clube Tiradentes (J 882) (J tiacutetulo do art1io A o Cnsto da lVlultidro A jorca eacute equiparada C cruz o Rio de a jerusaleacutem o Calvaacuterio ao Rocio lO

() Tellla da construccedilatildeo da identidade nacional eacute recorrente nos projetos poliacuteticos lmliileiros Aescritada hisloacuteriada naccedilatildeo sempre esteve desde aindependecircncia no centro destas discussotildees Tais viacutenculos entre os projetos de unidade nacional e a esclila da histoacuteria produziram oque aqui chamamos de iacutecones da histoacuteria nacional e Tiradentes sempre esteve entre os heroacuteis fundamentais de construccedilatildeo ele uma identidade nacional Seja nos livros de histoacuteria ligados ao Instituto Histoacuterico Geograacutefico Brasileiro poacutes ~ proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica encarregados de difundir a s imagens da naccedilatildeo republicana seja os livros didaacuteticos que desde os anos 30 do seacuteculo XX instituiu a consagraccedilatildeo dos heroacuteis nacionais atraveacutes ela valorizaccedilatildeo dos seus feitos ptlo paiacutes e ateacute os Iivros didaacuteticos poacutes ditadura militar que difundem e refclrccedilam a consagraccedilatildeo dos mitos como o de Tiradentes como podemos observar no relato de um Livro didaacutetico de 1997

Soacute Tiradentes o uacutenico que nagraveo era rico nem fazia parte da elite foi enforcado e seu corpo cortado em pwlaccedilos a cabeccedila ficou em Vila Rica e os membros foram colocados em postes na estrada que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro Acasa em que moravafoi ebtruiacuteda e sobre aterra jogou-se sal para que Jlem as piantas ali crescessem Apesar de todas as atrocidades achama da liberdade que Tiradentes ascendeu nagraveo se apagou Haveria ainda outras ateacute que o sonho de illllepcndecircncia dos inconfidentes se tornasse realidade i i

otrecho acima natildeo deixa duacutevidas do posicionamento do autor sobre a tCllluacutetica da Incollfidecircncia -lineira e sua representatividade para a histoacuteria da naccedilatildeo Eacute a partir dos desdobramentos da inconfidecircncia que torna-se realidade a independecircncia do Brasil Seria possiacutevel que a fixaccedilatildeo das imagens sobre Tiradentes tivessem criado uma memoacuteria coletiva sobre ele que um desdobramento intenso haveria possibilitado a circulaccedilatildeo dessas pela

I) Ilkmp61

11 IILETTI Nelson ePILETTl Claudino Histoacuteria eVida 11 ed Satildeo Paulo Atiea 1997 [l11O

HISTltIacuteHliI amp EINO Londrina v 10 11 5-19 oul 2004 9

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 6: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

10

sociedade criando uma memoacuteria sobre o maacutertir mesmo para aqueles que nunca freqiientaram os hancos escolares

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisaU podemos observar que as respostas sobre Tiradentes nos levam a outros desdobramentos sobre a construccedillo cio imagiruacuterio nacional Perguntamos a dona Ll Margarida sobre o dia 21 ele primel10 se ela sabia que era

Sei sim Eacute hom eacute sempre no meio da semana Asenhora sahe porque eacute feriado Nao l~n sei

Refiz a pergunta tentando ajudar Dona Margarida tentando que ela estabelecesse alguma relaccedilatildeo entre oFeriado e a figura de Tiradentes Perguntei aela se nunca ouvira falar de Tiradentes ou se tinha visto alguma imagem dele

Tatildeo nunca ouvi falar dele Ele tirava dentes Era dentista

Don1 laria de Lourdes tambeacutern sabia que a data era feriado Perguntei se ela sabia porque era feriado Ela respondeu prontamente Dia de Tiradentes

Perguntei se ela sabia quem fora Tiradentes Se jaacute vira alguma imagem dele Sei j(Ji ogoverno Rm do govemo morreu pelo poverno Era barbudo que nem Jesus

DOlla Nadir tambeacutem sabia que era feriado Etambeacutem sabia que era dia de Tiradentes Perguntei aela () que sabia de Tiradentes Sei que ele rnorreu enjoacuteraldo

Pergllltei a ela se ela sabia () motivo do enforcamento e se jaacute vira alguma imagem dele e onde Ele morreu enforcado pelo descobrimento Nagrave() conheccedilo lIellJmma imagem natildeo

Dona Neuza tambeacutem sabia do feriado e que era o dia de Tiradentes Pergllntei se ela sabia alguma coisa de Tiradentes Natildeo sei porque eacute

feriado 10 rlii dele lido Rle tira deniacutees natildeo eacute Eu sei que enin um negoacutecio de dente mais eu natildeo sei natildeo

Il Nesta [lcsLJuil entrevistamos lllul heres que frequumlentavam um CuriO de alfabetizaccedilagraveo oferecido por Ullla organizarjo natildeo governamullaL Foramselecionadas Illulheres que tinhall1 ido aescola formal pelo periacuteodo inferior a UIll auo clurante toda sua vida

1 )lantivemos a expressatildeo dona antes dos nomes pois as senhoras entrevistadas foram assim tratadas durante todas as entlwistas

HTS[(lR1A amp lIiiSINO Londrina v la p 5-19 ou 2001

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 7: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

Dona TeIEzJ sabia do feriado e que era dia de Tiraclentes IIlas tambeacutem natildeo sabia nada ~obreacute ele respondeu apenas que niio sabia nada

Dona Ennelinda respondeu prontamente que 21 de abril era dia de Tiradentes uo entanto tambeacutem natildeo sabia nada sobre ele nem quem fora tatildeo pouco o que fizera para que no seu dia fosse feriado Perguntei a ela se nunca tivera curiosidade para saber porque eacute feriado no dia 21 de abril no que ela respondeu

Eacuteogoverno que diz que eacute entatildeo ele deve ser algueacutem do governo natildeo eacutei Mas CU iacutelllcl Ih clIliosidade natildeo Apenas eacuteferiado ceacuteIJorn eacutedia de semana

aglocircule ILlC trabalhar

Dom Izalldite sabia do feriado e que era dia de Tiradentes Sobre o feriado t sobre (l conhecunento dela de Tiradentes

Quando perto das datas de comemorar Dona Ciua l ela manda a gente fazer um trabalho para explicar todas ~L datas agente faz um trabalho Tiradentes foi heroacutei era igual aJesus Cristo e morreu tambeacutem para nos salvar

Perguntei a ela onde soubera disso Ese ela sabia mais alguma coisa e Tiradentes havia nos salvado do que

nona IZludite respondeu que tinha sido o neto ql1e fabra e que Dona Cida havia peclido para fazer (] trabLlho como natildeo sabia ler direito perguntou ao neto Porque ele Slllllll a gClIk cu JI~O Sli natildeo natildeo me lembro ML sei que ele morreu i1t cruz como

Cruz natildeo Illforcldo cruz foiJesus mas foi tudo natildeo foi

r Na fala de lona Izaudite um pequeno vestiacutegio de lima possiacutevel

circulariebcie de lima histoacuteria socializada pela pois () neto que estaacute na escola e a educadora popular foram os mencionados como locus do saber sobre o tema As referecircncias guardadas pela depoente tiveram na imagem de Cristo a uacutenica lembranccedila uma rclaccedilaacuteo tambeacutem buscada pelos precursores da idealizaccedilatildeo de Tiradentes COITlO heroacutei

Dona Cida eacute a educadora popular qllfe atua no projeto de alfabetizaccedilatildeo

IJSj()iUI 8lt hO Londrillil v 10 p 5-19 out 2004 11

(lo

I

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 8: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

12

As comemoraccedilotildees de 21 de abril natildeo representam para essas mulheres Ullla data nacional ou motivo de cornernoraccedilotildees satildeo referencias que passam desapercebidas alguma~ dalt expiicaccedilotildees dadas por elltJS para a data resvalam na histoacuteria didatizada respondem sem significado que dia 2iacute eacutedia de Tiradentes mesmo que natildeo saibam degporquecirc da comemoraccedilatildeo Ele morreu enforcado tem rebccedillo com o governo Satildeo indiacuteclOs de uma possiacutevel circulaccedilatildeo dessa histoacuteria da naccedilatildeo e constante tentativa de refundaccedilatildeo de sua memoacuteria

Diriacuteamos que o desconhecimento sobre a figura de Tiradentes como heroacutei da Ecpuacuteblica sigllificou que o projeto republicano teve como objetivo atingir apenas os letradus atraveacutes da escola Oferiado nacional eacute comemorado por todos os brasileiros no momento em que natildeo vatildeo ao trabalho o comeacutercio eacute fechado as escolas e reparticcedilotildees puacuteblicas natildeo funcionam Este momento torna toc1oS unos em Ulll soacute movimento o de feriado nacional

No entanto a compreensatildeo dos motivos que levam ao feriado e portantu a compreensatildeo da ideacuteia de naccedilatildeo fica prejudicada pela falta de referecircncial dos natildeo letrados sobre a data Apenas aqueles que frequumlentam a escola partilham do conhecimento sobre os motivos dos feriados ciacutevicos Anaccedilatildeo neste momento natildeo se cOllslilui natildeo se cOllsolida Aidentidade que se busca na construccedilatildeo dos heroacuteis natildeo ganha consistecircncia Com isso os projetos de refundaccedilatildeo da naccedilatildeo que est80 sellpre presentes em vaacuterios momentos numa tentativa de criar uma tradiccedilflO iUacuteO encontrl o povo Eacute nesse ponto que se cria o hiato entre a memoacuteria das depoentes e os marcos de construccedilatildeo da identidade nacional

s datas comemorativa servem de estrateacutegia para a naccedilatildeo apresentar-se como parte ecomo todoie compor oquadro de sua histoacuteria principalmente o lugar de memoacuteria que representam No cao de Tiradentes essa memoacuteria natildeo atinge os natildeo letrados ou emletramento como mostraram ai entrevlitadalt para essa pesquisa Odesconhecimento da figura de Tiradentes retirou osignificado da comemoraccedilatildeo e os tnolilOS que sustentam a data como feriado nacionaL

Quando o projeto de identidade nacionalllatildeo atinge essas pessoas difiacutecil definir o que eacute naccedilatildeo o que eacute ser brasileiro afinal onde estatildeo as representaccedilotildees daqueles que satildeo excluiacutedos do projeto nacional de construccedilatildeo da naccedilatildeo Em uma ChLl entrevistas realizadas um elemento chama a atenccedilatildeo

li SAIIIES Noeacute Freire op cit p93 Aqui usamos um argumento de Sandes que o utiliza para falar das comemoraccedilotildees em toruo da independecircncia do Brasil realizadas pelo Impeacuterio

HIST()IlA amp ENSINO Londrina v 10 ]1 519 OUt 2001

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 9: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

a qllestatildeo da liberdade viver num DaIacutes onde se tem liberdade que em outros natildeo 11ltL ()utra diz respeito agrave natureza neste territoacuterio nagraveo tem terremoto e tudo que se planta daacute Nas falas das depoentes este sentimento de uma terra que eacute um Dom de Deus pelas maravilhas naturais eacute um dos poucos elos que poderiacuteallos afirmar levam a alglm sentimento ele pertencimento ao lugar que chamam de BrasiL

O sentimento de nacionalidade diriacuteamos estaacute marcado pelo trabalho todas as entrevistadas satildeo unacircnimes em afuumlmar que trabalharam muito e natildeo tiveram llledo do trilbalho duro durante suas vidas Num paiacutes marcado pelo patnarcalismo e por relaccedilotildees Cjue impediam a mulher de trabalhar fora de casa as depoentes expuseram um paiacutes onde as mulheres trabalhavam tanto quanto os homens fora de casa e muito mais que os homens dentro de casa Alglmas assumiram a casa na ausecircncia dos maridos

Eacute possiacutevel reconstituir atraveacutes dessas trajetoacuterias um pouco da histoacuteria das relaccedilotildees entre homens e mulheres no Brasil uma relaccedilatildeo mediada pelo mundo do trabalho epelm dificuldades ligadLi ao analfabetismo Uma das questotildees que chama

p a atenccedilatildeo las entrcvistL~ eacute por exemplo as relaccedilotildees familiares mediados dificuldades financeiras homens e mulheres constroem relaccedilotildees pessoais que fogem aos padrocirces estabelecidos sobre os casamentos inclusive nas especificidades colocadas pela Bnlliacutea entre as rnaldiccedilecirciacutees chvinLs que recaiacuteram sobre homens e mulheres depois ria perda do paraiacuteso estatildeo

Ele (J homem ganharaacutes o patildeo com o suor do teu rosto e a ela multiplicaraacute os sofrimentos de tcu parto DaLi a luz com ador atcus filhos teus ccecirc)ejos te impeliratildeo plra oteu mllldo etu estaraacutes sob oseu domiacutenioGQ trabalho fora do lar desde ofinal do seacuteculo XIX era urna constante na ida dLi mulheres das classes populares segundo Recenscu monto da Populaccedilatildeo do Impeacuterio no Brasil em 1872 as mulheres representavam 7il3 da magraveo de -- obra fabril c70 na prcstaccedililo de serviccedilo j

Nos relatos apresentados pelas depoentes sobre os trabalhos que

bull realizaram I1lulheres C]ue viverarn em eacutepocas diferentes como dona Nlargarida

bull ](1 Gordmllesismiddot ii IEI5 l1ari[ CDndida Delgado Imagens flutuantes Mulher e Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 191O-30)Projeto

Histoacuteria Mullwr e fducaccedilatildeo Puc Satildeo Paulo 1981 pAI

HISllll(JA amp ENSINO LOlldrina v 10 p 5-19 oul 2004 13

I

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 10: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

aos 73 anos que teve sua vida produtiva nos anos 50 ateacute Dona Nadir aos 46 anos aineL trabalhando em momento aiacutegum das entrevistas afirmaram que seus maridos a proibiralll ue trabalhar fora ou que achassem isto errado ou que os maridos tIacutellham que sustentar a casa sozinhos Natildeo houve nenhum tipo de por dos homens e nenhum de constrangimento iI1lllheres elll exercen~m clmante suas vidas todo tipo ele trabalho

i relaccedilatildeo com o trabalho talvez seja a mais significativa vertente de pertencimento a naccedilatildeo que apresentam as entrevistadas Em suas falas transparece a ideacuteia de ljlle satildeo brasileiros dignos Lodos que trabilham e trabalhar eacute o que 1~

identificalll como um grupo Seja o traiJaino no campo 011 na cidade Desde sempre o que aprendem eacute que trabalhar eacute algo natural o imaginaacuterio sobre o trabalho faz parte das representaccedilotildees constl1liacuteda~ sobre o paiacutes

As narrativas das ll111lheres emnvistadas (Uumlciacutellonstram a que estabelecem desde cedo com o mundo do rrabalho Praticamente todas tecircm na necessIdade de trabalhar o motivo principal para a ausincia da escola As representaccedilotildees que advem desta relaccedilatildeo que estas mulheres estabelecem com o trabalho nos interessa principalmente as percepccedilecircJes sobre o mundo em que vivem Os trabalhos que realizaram durante suas vidas servem de paracircmetros ele contagem do tempo e os sentidus da histoacuteria

O trabalho provocaiacuteia o do entendimento do lllUndo das interpretaccedilc)cs sobre o as humanas Sendo que natildeo podemos esquecer que o trabalho que nos que nos referimos aqui eacute o trabalho ou domeacutestico

Sl lO caso dos cOiacutelllecimentos a famiacutelia tem papel fUlldamental na questatildeo elas relaccedilotildees ~lltre a memoacuteria e () trabalho haacute um rompimento da barreira do familiar no momento que outros sujeitos como os peotildees os call1arada~ entram em cena contribuindo para as visotildees de mundo que se formam 10 dia a dia Como no caso de Dona ao relatar sobre Getuacutelio Vargas e () camarada que era apaixonado por Getuacutelio e contava muitas histoacuterias que ela se lembra e a ajudou no momento de compor um quadro na memoacuteria e falar sobre o periacuteodo Haacute tambeacutem o trabalho domeacutestico nas casas dos patrotildees fazendeiros a venda na fazenda e a circulaccedilatildeo de peSS()(L~

Todas as entrevisladas sempre trabalharam e ajudarJI11 a sustentar suas famiacutelias Mesmo depois de saiacuterem elo campo para cidade continuaram a exercer

14 11lSTOacuteldA amp ENSINO Londrina v 10]15-19 ou 200~

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 11: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

I

bull

trabalhos remunerados sem que o analfabetismo impedisse a procura e a con rataccedill0 nos empregos inclusive trabalhando em empresas puacuteblicas como no caso de Dona Tereza que por trecircs anos trabaIacutellOu na Copel(Companhia de Eletricidade do Paranaacute)

FUI laacute (na ClljlCI) fiz uma ficha isto eacute levei Ullla ficha pronta que a minha

vizinha fez para mim Cheguei laacute natildeo precisou nem falar com a psicoacuteloga trabalhei dois anos e meio

Hoje Dona Tereza depois de exercer as funccedilotildees ele cozinheira em lanchonetes e restaurantes trabalha ern casa Nesses trabalhos que exerceu Dona Tereza guarda a lembranccedila do trabalho duro e das dificuldades de natildeo saber quando wio o teste da CODel natildeo conseguiu passar e teve que sair do emprego que goslava lllUitO

Dona Neuza hoje eacute salgadeira de uma grande rede de supermercados jaacute trlbalhou em outros supem1ercados Dona Izaudite depois da roccedila trabalhou como llollleacutestica e agora trabalha em casa Dona Ermelincla trabalhou em restaurantes faacutebricas e roupas e hOje trabalha como auxiliar de serviccedilos geraIs em um hospital da cidade Dona Margarida trabalhou sempre na roccedila jaacute com os filhos crescidos veio para cidade para ser de casa No entanto () trabalho da roccedila consistia em mais cio que simplesmente plantar ou colher era preciso decidir oque plantar como comprar sementes como guardar () dinheiro como gastar () dinheiro em suas palavriLlt noacuteis sempre decidia junto) noacuteis dois Imb(llhcwa tmbalhava tlLtnca nOacute7 pagou carnarada

As relaccedilotildees ele trabalho que demarcam um mundo alfabetizado foram vivenciadas por mulheres que natildeo sabiam ler e escrever) poreacutem enraizaram-se nesta sociedade e construiacuteram suas vidas independentes dos contornos e da problemaacutettca que islo implicava

Seriam vaacutelidas as afirmativas de exclusatildeo social Uma das caracteriacutesticas que impressionam nas narratlvas dessas mulheres eacute o fato que a iniciativa dos estudos daacute-se apenas apoacutes a criaccedilatildeo dos filhos a morte do marido a aposentadoria Eacute () momento elo descanso da vida produtiva que as leva aos estudos O processo de estranhamento com o mundo letrado foi superado atraveacutes do trabalho O padratildeo de vida que adquiriram hoje todas com casa

HmOIltIIX Lonurina v 10 jl 5-19 ou 2004 15

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 12: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

proacutepria algulIlas com carro e com os filhos estudados e aleacute formados em faculdades coloca em questionamento algumas anaacutelises que relacionam diretamente baixos iacutendices de desenvoivimento econocircmico e analfabetismo

Graff analisando sociedades aIlIUtl(t faz a seguinte afinnaccedilatildeo

Contrariamente agrave sabedoriacutej popular Oll acadecircmica passos importantes no lIltercaacutembio no comeacutercio e llleslllo na induacutestria ocorreram em alguns periacuteodos e lugares com niacuteveis notavelmente baixos de alfabetizaccedilatildeo inversamente niacuteveis mlIacutes altlls di ilfabltizaccedilatildeo nagraveo mostraram ser estimulantes ou propulsores de deSlllmlVillltnlo econocircmico modernoiH

A tese defelldida po) Harvey GrafE eacute de que desde a revoluccedilatildeo comercial ateacute a revoluccedillo industrialllJ Europa pouco se deve deste avanccedilo econocircmico e tecnoloacutegico 1 pelo contraacuterio afirma que a com oportunidades para a em Isequumlelltemente as taxas de caiacuteram agrave medida que ela wlmll( seus direitos sobre o bumano de que se aliacutementaua l~

As pesquisas realizados por Graff questionam os estudos que relacionam o desenvolvimento de sociedades pela oacutetica da alfabetizaccedilatildeo de seus indiviacuteduos Os impactos da alfabetizaccedilatildeo nos iacutendices de desenvolvimento econocircmico historicamente definido seriam demasiadamente insignificantes para serem justificados como LI

Arehlccedilatildeo que SI estabelece entre o alfabetisffio ea cul tma oral eacute mediada pela temtO lIl definir os modos de pensamento de c()becimenlo e de ejJmiio wmcericos dessas diferentes esems cuihiJclisw Satildeo nos interstiacutecios dessa que se constroem as fonmLi ele pensar C aferir o mundo das lmdl1llcs nlrevistadas

Esta Illemeiacutelia (1 IC iJltlllSita entre o rural e o urbano nos interessa partir do momento que as tradiccedilotildees ateacute entlO marcadamente oral sofrem concorrecircncia com o escrito no entanto a perspectiva de clesestruturaccedilatildeo destas memoacuteriagt

IX idem 144 10 Idem lbdem [lo 44 FILlO Luciano Mendes Faria Representaccedilatildeo da Escola e do Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA

nlOllio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana ~Iaria de Oliveira (orgs) Leitura praacuteticas impressas e lIi[lnentos Belo Horizonte Autecircntica 1999 [1144

16 HISTllRIA amp ENSINO Londrina v 10 P S-l out 2004

e

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 13: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

I

t

gtbull

encontrariam nestas mulheres um elo enraizado na cultura oral devido ao analfahetismo Aforma como estabeleceram suas relaccedilotildees neste mundo letrado ( construiacuteram novas percepccedilotildees sobre a sociedade a natureza o passado eacute parte do processo de formaccedilatildeo da concepccedilatildeo de histoacuteria que hoje apresentam

s lllulheres entrcvistaaas trabalharam a infacircncia oque daacute sentidc a suas virias eacute o trabalho e a lembrJ1(a de quanto sofreram parl criar os filhos e sobreviver de quanto trabalharam sem tempo para estudar namorar viver assim como os velhos entrevistados por Ecleacutea Bosi21 aquilo que fica eacute a sensaccedilatildeo para rodos de que apenas trabalharam e muito

() projeto de construccedilatildeo de uma memoacuteria nacional n8c encontrou respaIdo jumc a pessoas que nagraveo sentem como sua a histoacuteria construiacuteda pelos bustos nas praccedilas e pelas festas ciacutevicas qual o motivo desse projclO de nacionaiacuteiccedilatildeo natildeo essa populaccedilatildeo As colocaccedilotildees (hi5

entrevistadas fazem pensar que este Brasil do qual estatildeo natildeo faz do seu mundo ausente do dia a dia de seu trabalho de suas trajetoacuterias de vida

Certamente que suas histoacuterias ao referirem-se aos seus mundos compotildee () quadro da histoacuteria brasileira mesmo nas msecircncias que as impedem de vislumbrarem o paiacutes onde vivem eacute possiacutevel perceber que os noacutes que as fazem um coletivo e djzem respeito a uma histoacuteria de dor e trabalho

falam histoacuteria nacional eacute como se falassem de um estranho auselltl c desconhecido que natildeo compartilha chLi suas vidLi Demonstram o distanciamento imposto entre sua vida e a histoacuteria do paiacutes um tempo tambeacutem vivido por todas no entanto natildeo compartilhado com os rumos da naccedilatildeo onde viveram e vivem as formas como se referem aos acontecimentos eacute de fora corno ()bs~rvadoras e 11 80 como participantes

Provavelmente porque a histoacuteria do Brasil seja para a maioria dos hrasileiros apenas objeto dos curriacuteculos escolares sendo assim para as entreistarlas o conl1tcimenlo sobre a histoacuteria do Brasil soacute seria possiacutevel com o estudo vaacuterias vezes aIacuteirmaram pois ti se a gente tivesse estudado sabia refJotLClet mo (S mesmo Estaria a apropriaccedilatildeo desse conhecimento restrito apenas a escola AHistoacuteria do Brasil seria apenas uma histoacuteria para os livros e para os letrados

2i BOSI EacuteCLEA OJlcit

1l1i(J1( amp ENSiNO Londrina v 10 jl 5-19 out 20U4 17

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 14: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

Nos lTtrltoS transmitidos pelas narrativas podemos que existe outra histoacuteria do Brasil que poderia ser contada tendo como fonte a trajetoacuteria de cada uma e as percepccedilotildees que construiacuteram sobre o mundo em que vivem Uma histoacuteria em que partilharam as experiecircncias da migraccedilatildeo em tempos

em que trabalharam sofreram foram felizes o distanciamento que do paiacutes onde vivem indica que as escolhas que incidiram na construccedilatildeo

desta naccedilatildeo deixaram de fora grande parte da populaccedilatildeo que natildeo se reconhecem nos heroacuteis nas datas comemorativas nas festas em que a naccedilatildeo reitera seus mitos A quem seriam destinados as preocupaccedilotildees daqueles que se debruccedilam em criar um imaginaacuterio para a naccedilatildeo Arriscamos afirmar que possivelrnentc a Illelll()lIacutea sobre a naccedilatildeo eacute negada por ser l1lna memoacuteria projetada por 11111 determinado grupo social Seria o Flcoeur chalna de trabalho do IfW() A de uma memoacuteria social cmnurnilara 3 naccedilatildeo teria o ilIJletim ele COllliOnlar uma identidade que as exciui

Bibliografia

BC lS I Ecleacutea Mel1zoacuteria eSociedade Lembranccedilas de velhos Satildeo Paulo Queiroz Editor 1983

CAEiL1IO]oseacute MuriloAformaccedildo duumlsAlmas Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

FILlIO Luciano Mendes Faria lepresentaccedilatildeo da Escola edo Alfabetismo no seacuteculo XIX In BATISTA Antonio Augusto Gomes e GALVAtildeO Ana Maria de Oliveira (orgs) Leitum miacutetical immislils lelilllJWJtoS Belo Horizonte Autecircntica 1999

FONSECA Thaiacutes et Ilistoacutena e Ensino de Histoacuteria Belo horizonte Autecircnctica Z003

IIALBWiCII lauriceA memoacuteria coletiv(f Satildeo Paulo 1l)90

PILETTI ftSOll e PILE]ll Claudino Histoacuteria e Vida lIa ed Paulo Atica 1997

REIS Mana Cfllldida Delgado Imagens Flutuantes Mulher c Educaccedilatildeo (Satildeo Paulo 1910-30) Projeto Histoacuteria Muber eEduCClccedilacirco Puc Satildeo Paulo 1981

SALIBA Elias Tomeacute As imagens canocircnicas e o ensino de Histoacuteria INSCHIMDT gtilaria Auxilitdorae CAINELLI Marlene RosalllEncontro Perspectivas do Ensino de Histoacuteria Curitiba Aos QuatroVentos 1999

SANIlES Noeacute A invenccediluumlo da - entre a monarquia e a repuacuteblica Goiacircnia Editora da LJFG ZOOO

18 IIISTOacuteIUlI amp ENSINO LOllltrina v 10 p 19 ou 2004

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I

Page 15: moodle.ufsc.br · A construção dos heróis e a rnemória nacional entre os não letrados' Mariene Ccmw!li" .. RESU;VIO . l'rctende-se neste discutir as implicações acerca . dilS

bull bull

The const1uction of the heroes national an10ng the nDt

ABSTRACT

I tis intended in this articlc to discuss lhe implications concerning the analyses about memory and the constitution of lhe national heroes Tends as presupposition the studies about the teaching and lhe construction of lhe national memorv we intendcd to lift some relative suhiects lhe presencc of lhe ICIJIlS ui lbe Ila[iacuteonuuml history among peop[e tba dieLut tlle formal scilou 111 til a resellch we interviewed women of a COlme iiteracy on Tiiacuteadentess illustration (national holiday) alic1 other civic and Tiradentes is cOY1siderCcl by many historians as present ifl tlw coJective memory oi lhe WltH11 IS 11Uiunal hero

0)( 1115101) tcaching memor) popular education

bull ~

HrSToacutelW 8lt E~SlK() Londrina v 10 p 5-19 ou 2004 19

I