A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS INTERDISCIPLINAR NA … · conhecimento universal, que na opinião...

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1 A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS INTERDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA Paulo Roberto Marconi Prezibélla RESUMO: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a ação pedagógica interdisciplinar dos profissionais que atuam nas instituições especializadas, no atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência intelectual. A interdisciplinaridade vem de encontro aos objetivos de uma proposta educacional, que se pretende inclusiva, considerando as diferenças e tomando-as como ponto de partida, propõe uma reorganização do trabalho pedagógico, a partir das adaptações de grande e pequeno porte e da flexibilização curricular. A inter-relação entre as diferentes áreas do conhecimento, disciplinas e atendimentos terapêuticos, que acontecem no contexto da educação especial, possibilita o a aprendizagem significativa e o desenvolvimento integral do aluno com deficiência intelectual, considerando-se as características que são próprias de cada sujeito. Essa práxis tem se efetivado no CEDAE – Centro de Educação Especial, Estimulação e Desenvolvimento, local em que o projeto de intervenção foi implementado. Nessa experiência tem-se como fundamento a interação entre os profissionais, que se reflete em ações interdisciplinares. Ações estas marcadas pelo compromisso, por mudanças de atitude, fruto de reflexões e discussões sobre a realidade educacional brasileira, as políticas públicas, a educação inclusiva, a importância da interdisciplinaridade como concepção, a prática pedagógica dos profissionais que atuam como mediadores, considerando as diferenças, tendo como objetivo a efetivação da inclusão. Ações que, também, se marcam pela insegurança, pelo medo do novo e desconhecido, pelo descompromisso, pela indisponibilidade de tempo, o que interfere e prejudica a implementação de um trabalho interdisciplinar e de uma ação educacional realmente inclusiva. Palavras- chave: interdisciplinaridade – inclusão - educação especial – deficiência intelectual – flexibilização curricular – práxis pedagógica ABSTRACT: This article aims to reflect on the pedagogical action of interdisciplinary professionals working in specialized institutions in meeting the educational needs of students with intellectual disabilities. Interdisciplinarity is against the objectives of an educational proposal, intended to be inclusive, considering the differences and using them as a starting point, proposed a reorganization of the pedagogical work, from adaptations of large and small and flexible curriculum. The interrelationship between the different areas of knowledge, disciplines and therapeutic care, which occur in the context of special education, enables him to significant learning and overall development of students with intellectual disabilities, considering the features that are specific to each subject. This practice must be accomplished in the CEDAE - Center for Special Education, stimulation and Development, the place where the intervention project was implemented. This experiment has been founded on the interaction between

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A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS INTERDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA

Paulo Roberto Marconi Prezibélla

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a ação pedagógica interdisciplinar dos profissionais que atuam nas instituições especializadas, no atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência intelectual. A interdisciplinaridade vem de encontro aos objetivos de uma proposta educacional, que se pretende inclusiva, considerando as diferenças e tomando-as como ponto de partida, propõe uma reorganização do trabalho pedagógico, a partir das adaptações de grande e pequeno porte e da flexibilização curricular. A inter-relação entre as diferentes áreas do conhecimento, disciplinas e atendimentos terapêuticos, que acontecem no contexto da educação especial, possibilita o a aprendizagem significativa e o desenvolvimento integral do aluno com deficiência intelectual, considerando-se as características que são próprias de cada sujeito. Essa práxis tem se efetivado no CEDAE – Centro de Educação Especial, Estimulação e Desenvolvimento, local em que o projeto de intervenção foi implementado. Nessa experiência tem-se como fundamento a interação entre os profissionais, que se reflete em ações interdisciplinares. Ações estas marcadas pelo compromisso, por mudanças de atitude, fruto de reflexões e discussões sobre a realidade educacional brasileira, as políticas públicas, a educação inclusiva, a importância da interdisciplinaridade como concepção, a prática pedagógica dos profissionais que atuam como mediadores, considerando as diferenças, tendo como objetivo a efetivação da inclusão. Ações que, também, se marcam pela insegurança, pelo medo do novo e desconhecido, pelo descompromisso, pela indisponibilidade de tempo, o que interfere e prejudica a implementação de um trabalho interdisciplinar e de uma ação educacional realmente inclusiva. Palavras- chave: interdisciplinaridade – inclusão - educação especial – deficiência intelectual – flexibilização curricular – práxis pedagógica ABSTRACT: This article aims to reflect on the pedagogical action of interdisciplinary professionals working in specialized institutions in meeting the educational needs of students with intellectual disabilities. Interdisciplinarity is against the objectives of an educational proposal, intended to be inclusive, considering the differences and using them as a starting point, proposed a reorganization of the pedagogical work, from adaptations of large and small and flexible curriculum. The interrelationship between the different areas of knowledge, disciplines and therapeutic care, which occur in the context of special education, enables him to significant learning and overall development of students with intellectual disabilities, considering the features that are specific to each subject. This practice must be accomplished in the CEDAE - Center for Special Education, stimulation and Development, the place where the intervention project was implemented. This experiment has been founded on the interaction between

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professionals, which is reflected in disciplinary actions. These actions marked by commitment, attitude changes, the result of discussions and reflections on the Brazilian education, public policy, inclusive education, the importance of interdisciplinarity as design, teaching practice professionals who act as mediators, considering the differences, aiming at the realization of inclusion. Actions that, too, are marked by insecurity, fear of new and unknown, the disengagement, the lack of time, which interferes with and hinders the implementation of interdisciplinary work and a truly inclusive educational action. Keywords: interdisciplinarity - Inclusion - special education - learning disability - flexible curriculum - pedagogical praxis

INTRODUÇÃO

No contexto educacional atual em que as políticas públicas apontam para a

educação como direito de todos e, portanto, as diferenças como fundamentais na

relação pedagógica, reconhecendo-se a inclusão como elemento integrador, se

faz necessário discutir e promover reflexões sobre a interdisciplinaridade, uma vez

que a mesma visa garantir a construção de um conhecimento globalizante,

rompendo com as fronteiras das disciplinas.

A ação pedagógica, através da interdisciplinaridade, aponta para a

construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social,

norteada por um trabalho coletivo e solidário, marcada por uma visão geral da

educação num sentido progressista e libertador.

Para isso, integrar conteúdos não seria suficiente. Seria preciso uma atitude

e postura interdisciplinar. Atitude de busca, envolvimento, compromisso,

reciprocidade diante do conhecimento, o que exige que se tome uma posição, que

se promovam mudanças e transformações em relação aos conceitos, as políticas

públicas e as práticas, sejam elas pedagógicas, familiares, sociais ou

educacionais.

A interdisciplinaridade, como concepção, pode se constituir em elemento

estruturante para a organização escolar e para as práticas pedagógicas ditas

inclusivas.

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Na educação de alunos com deficiência intelectual, a interdisciplinaridade é

fundamental para se garantir uma aprendizagem significativa e o seu

desenvolvimento integral.

É importante discutir o trabalho interdisciplinar com todos os profissionais

que atuam na escola para superar o processo de fragmentação, que caracteriza a

organização escolar especial e a comum. A interdisciplinaridade precisa fazer

parte do processo educacional, ser aceita e tomada como um compromisso.

Para Luck (1995, p. 20-21), a interdisciplinaridade se constitui num reforço

que vem interessando os educadores conscientes da limitação do seu trabalho

pedagógico, dada a fragmentação do paradigma que o vem orientando. Portanto,

compete aos profissionais da educação promover a superação da fragmentação

presente nas práticas que tem se efetivado no contexto do ensino.

A aquisição de conhecimentos e habilidades isoladas e descontextualizadas

pouco contribui para a formação de cidadãos capazes de participar de uma

sociedade que se torna cada vez mais complexa e globalizada, sejam ou não

pessoas com necessidades educacionais especiais.

Assim, integrar duas ou mais áreas do conhecimento, partindo da sua

transmissão e reconstrução, disseminar informações e culturas, por meio da

socialização do conhecimento e da prática, enriquecer os saberes

contextualizando-os, promover a primeira relação entre o aprendiz e o objeto a ser

aprendido, através da mediação, são objetivos da interdisciplinaridade.

O trabalho interdisciplinar busca a integração entre um objeto de

conhecimento, um projeto de investigação e um plano de intervenção, o que só

pode se efetivar através do diálogo e de questionamentos, que propiciarão o

estabelecimento de novas relações entre os conteúdos, que desencadearão novas

ações levando a comparações, reflexões, mudanças e interação, na busca pelo

alcance de objetivos comuns, na percepção de que o projeto de trabalho

educacional é por natureza interdisciplinar em sua compreensão, cumprimento e

avaliação.

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Para Poloni (2008, p.1), atualmente a interdisciplinaridade tem sido vista

como uma solução para o restabelecimento de uma nova ordem na educação

brasileira.

O termo interdisciplinaridade significa uma relação de reciprocidade, de

mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao

problema do conhecimento, isto é, a substituição de uma concepção fragmentada

por uma concepção unitária de ser humano.

Pressupõe uma atitude aberta, sem preconceitos, onde todo conhecimento

é igualmente importante, onde o conhecimento individual é anulado pelo

conhecimento universal, que na opinião crítica do outro é que se fundamenta a

opinião particular, supondo uma postura única, engajada e comprometida frente

aos fatos da realidade educacional e pedagógica. “A atitude interdisciplinar nos

ajuda a viver o drama da incerteza da insegurança. Possibilita-nos darmos um

passo no processo de libertação do mito do porto seguro. Sabemos o quanto é

doloroso descobrirmos os limites de nosso pensamento, mas é preciso que o

façamos” (Japiassú apud Poloni, 2008, p.1).

A ação pedagógica se efetiva na interdisciplinaridade através do

desenvolvimento da sensibilidade, de uma formação adequada e necessária na

arte de entender e esperar, no desenvolvimento da criação e da imaginação.

Nessa ação, a relevância metodológica é indiscutível. Ressalta Fazenda (1993) a

necessidade de que a interdisciplinaridade não se configure num fim, pois ela não

é algo que se ensina tão pouco que se aprende, mas que se vivencia e se

exercita, que é dialético e por isso, exige uma nova pedagogia.

Como menciona Japiassú apud Poloni (ibid., p.2) a interdisciplinaridade

caracteriza-se, pois, pela intensidade das trocas entre os profissionais que atuam

no contexto da escola e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de

um mesmo projeto de ação.

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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E OS PRESSUPOSTOS DA

INTERDISCIPLINARIDADE

A interdisciplinaridade, desde os anos de 1960, vem sendo discutida no

contexto educacional brasileiro. Fazenda (1995, p. 23), afirma que essas

discussões chegaram ao Brasil como um modismo, com distorções e sem as

necessárias reflexões. Uma discussão mais crítica sobre o tema só foi proposta

em meados de 1976 por Japiassú, que abordou duas questões fundamentais: a

diferenciação conceitual que auxiliou os educadores a estabelecer finalidades,

destinações e os porquês dos projetos interdisciplinares, afirma a autora (ibid., p.

24). E a metodologia interdisciplinar, cuja contribuição diz respeito à análise de

condições de um projeto interdisciplinar em que seja possível estudar as relações

e inter-relações entre as ciências.

Japiassú apud Fazenda (Id) destaca os cuidados a serem tomados na

constituição de uma equipe interdisciplinar, no estabelecimento de conceitos-

chave que facilitem a comunicação entre os seus componentes, na delimitação do

problema, divisão de tarefas e comunicação dos resultados.

Fazenda (ibid., p. 25), menciona a importância que Japiassú dá ao

acompanhamento criterioso de todo o projeto com o registro dos fatos e a

possibilidade de análise e reflexão, o que destaca mais o processo que o produto.

Procedendo-se uma releitura dos estudiosos sobre as questões da

interdisciplinaridade nas décadas finais do século XX, organizando e

sistematizando as principais conclusões sobre o assunto, buscando compreender

sua evolução a autora (Ibid., p. 17), faz uma subdivisão didática desse processo

em três fases:

1ª fase: 1970 - Construção epistemológica – explicitação filosófica

2ª fase: 1980 – Explicitações das contradições epistemológicas – diretriz

sociológica

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3ª fase: 1990 – Construção de uma nova epistemologia – a própria

interdisciplinaridade – projeto antropológico.

A interdisciplinaridade se configura, então, na grande responsável pelo

movimento de redimensionamento teórico das ciências e pela revisão dos hábitos

de pesquisa, podendo constituir-se naquela que impulsionaria novos caminhos

para a educação.

Os pressupostos e métodos que orientam a construção do conhecimento

interdisciplinar se diferenciam radicalmente daqueles que orientam a construção

do conhecimento disciplinar especializado, afirma Lück (1995, p. 64).

A autora ao falar sobre esses pressupostos os coloca como fundamentais

numa ótica interdisciplinar. Cita como pressupostos:

• A realidade, isto é, o campo e horizonte determinado de vida, é construída mediante uma teia de eventos e fatores que ocasionam conseqüências encadeadas e recíprocas. • A realidade desse universo é dinâmica, estando em contínuo movimento, sendo construída socialmente. • A verdade é relativa, pois o que se conhece depende diretamente da ótica do sujeito cognoscente. (...) a realidade não tem significado próprio, sendo este a ela atribuído pelo homem.

Quanto ao método, a interdisciplinaridade é construída mediante:

• O estudo das forças interativas que interligam as várias dimensões que caracterizam um fenômeno. (...) a interdisciplinaridade não é obtida procurando estabelecer relações entre conhecimentos considerados desvinculados da realidade. • A construção do conhecimento interdisciplinar se processa por estágios ou etapas de maturação de consciência. Em vista disso, o esforço de construção do conhecimento interdisciplinar constitui um trabalho de construção da consciência pessoal globalizadora, capaz de compreender complexidades cada vez mais amplas. • Embora complexa, a realidade é una, uma vez que todos os seus aspectos são interdependentes, não tem significado próprio e sim no contexto de que fazem parte. Conseqüentemente, o conhecimento é unitário e as diversas ciências se prendem umas às outras por vínculos de profunda afinidade. O que é importante conhecer sobre a realidade são suas características unificadoras. • O conhecimento produzido em qualquer área, por mais amplo que seja, representa, apenas de modo parcial e limitado, a realidade. A consciência da parcialidade de nosso conhecimento sobre a realidade supõe a necessidade de ir além dos limites postos pela visão disciplinar, rompendo fronteiras. • ‘Tudo está relacionado com tudo mais: causas, problemas e soluções estão totalmente interligados em um grande continuum’ (Peccel e Ikeda, 1984:14). • ‘Tudo é Duplo, contudo tem pólos; tudo tem o seu oposto: igual e desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.’ (Hermes, segundo Schuré, 1986: 72).

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• ‘O conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A posse do conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou expressão em Ação é como um amontoado de metais preciosos, uma coisa vã e tola’ (Hermes, segundo Schuré, 1986: 83).

No Brasil, a discussão sobre interdisciplinaridade, é mais atual do que

nunca, e a preocupação com a mesma se evidencia a cada dia numa

transformação do caminhar pedagógico.

A chegada no século XXI pressupõe aprofundar as discussões e reflexões

em torno da interdisciplinaridade como uma necessidade em face da realidade

educacional brasileira, frente à inclusão e ao atendimento às necessidades

educacionais especiais dos alunos inseridos ou não no ensino regular.

Trabalhar com a interdisciplinaridade é um desafio que encontra defensores

e também opositores. Discutir e refletir sobre o tema, termos, conceitos, objetivos,

fundamentos, pressupostos, metodologia e contradições se fazem necessário,

num contexto educacional que se pretende que seja “interdisciplinar”.

TRANSPONDO A DISCIPLINARIDADE

O ensino, num paradigma positivista se organiza em um currículo

disciplinar. Lück (1995, pág. 49), menciona que:

A disciplinaridade e ensino por disciplinas dissociadas se constrói mediante a aplicação dos princípios da delimitação interna, da fixação no objeto próprio de análise, pela decomposição de problemas em partes separadas e sua ordenação posterior, pelo raciocínio lógico formal (Descartes), caracterizado pela regra da exclusão do que é, e do que não é (princípio da certeza). Por conseguinte, constitui uma visão limitada para orientar a compreensão da realidade complexa dos tempos modernos e da atuação no seu contexto.

É preciso considerar que as disciplinas estão em processo constante de

transformação. Nesse sentido afirma Lück (Id) que:

É básico reconhecer que as disciplinas, como produto de um desenvolvimento histórico, encontram-se em transição contínua e estão submetidas a forças exteriores em constante mudança, como por exemplo, valores culturais, condições econômicas, ideologias políticas. Em vista disso, reavalia-se a questão de como elas vêm sendo produzidas e mantidas, de modo que se estabelece no momento, a necessidade de superação da visão dicotômica que orienta seu desenvolvimento, que se manifesta como o cerne das dificuldades e limitações produzidas pelo paradigma positivista.

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Para que se supere essa dicotomia, a interdisciplinaridade aparece como

uma proposta de articulação entre os conhecimentos que se apresentam

fragmentados na disciplinaridade.

Nesse sentido, Lück destaca que:

A interdisciplinaridade propõe uma orientação para o estabelecimento da esquecida síntese dos conhecimentos, não apenas pela integração de conhecimentos produzidos nos vários campos de estudo, de modo a ver a realidade globalmente, mas, sobretudo, pela associação dialética entre dimensões polares, como por exemplo, teoria e prática, ação e reflexão, generalização e especialização, ensino e avaliação, meios e fins, conteúdo e processo, indivíduo e sociedade, etc. Mediante uma tal síntese, a pessoa consciente de que faz parte do objeto conhecido, já mesmo por conhecê-lo, ao ver a realidade, vê-se nela e não fora dela, enquanto mera observadora. Conseqüentemente, a lógica formal do princípio da certeza é substituída pela lógica paradoxal do princípio da dúvida. (Ibid., p. 51-52).

A interdisciplinaridade no contexto educacional se configura em uma

possibilidade de superação da dissociação das experiências escolares entre si, e

destas com a realidade social. Compreende que o ensino não é apenas um

problema pedagógico, mas um problema epistemológico. Essa compreensão leva

a definição do objetivo central da interdisciplinaridade: “promover a superação da

visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade (...)

resgatando a centralidade do homem na realidade e na produção do

conhecimento (...) como o ser determinante e determinado” (ibid., p.60).

A Ciência necessita para se desenvolver de comunicação e de divulgação,

o que a associa diretamente ao ensino. O ensino, por sua vez, depende da

ciência, pois se constitui num trabalho em que acontece a mediação entre os

saberes produzidos e os aprendizes.

O ensino e a ciência, a pedagogia e a epistemologia representam duas

dimensões de uma mesma realidade. A associação entre eles possibilitaria uma

visão incompleta e parcelar da realidade – disciplinaridade e, a integração levaria

a uma visão interacionista, relacional e global da realidade - interdisciplinaridade.

Em relação a essa questão Pavianni (1988, p. 20) menciona a necessidade

de superação da “mentalidade que separa e esconde as relações entre a situação

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pedagógica e a situação epistemológica, isto é, entre o ensinar e a produção de

conhecimentos científicos”.

INTERDISCIPLINARIDADE: CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY E DE DECROLY

PARA SUA COMPREENSÃO

A superação da fragmentação do ensino é uma discussão antiga e bastante

pertinente. Muitos educadores têm discutido o tema e procurado encontrar

caminhos para o alcance dessa superação. A concepção de interdisciplinaridade

se configura em um desses caminhos.

Concepção que tem evoluído gradativamente, através do amadurecimento

pedagógico, numa tentativa de superar concepções anteriores. E é justamente por

isso que a interdisciplinaridade conquista seu espaço como condição para

superação da fragmentação do ensino.

A busca pela interdisciplinaridade aparece em diferentes autores. Destaca-

se a visão de Decroly como uma das formas mais tradicionais, através dos

Centros de Interesse criados por ele.

O sistema de Centros de Interesse propõe oficinas para o corpo e para a

mente onde os alunos poderiam escolher o que aprender, participando da

construção do próprio currículo, segundo seu interesse e sem a separação

tradicional por disciplinas. Por exemplo: da necessidade de comer pode-se partir

para o estudo dos alimentos, da história de seu preparo, dos mecanismos

econômicos da agricultura e do comércio, além de outros assuntos de interesse do

aluno.

Nesses Centros de Interesse há atividades manuais, onde os jogos e

brincadeiras têm destaque especial; exercícios ao ar livre e atividades em grupo;

valorização de diferentes meios de expressão: corpo, desenho, construção e arte,

além da linguagem. Decroly criticava a supervalorização do trabalho intelectual e

da expressão verbal, considerando que: “A escola (tradicional) engorda

fisicamente e entorpece mentalmente”. (Revista Nova Escola, p. 36).

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Sua proposta educacional se caracterizava pelo fato dos conhecimentos

não se apresentarem classificados por disciplinas, em quadros lógicos formais,

sem maior significação para o aluno. Fundamental era criar um laço entre as

disciplinas, integrando-as de modo que convergissem ou divergissem de um

mesmo centro, tendo-se sempre em conta o interesse da criança, que ele

considerava como sendo o impulsionador do processo de aprendizagem. O

programa era organizado sem seriação e sem elementos obrigatórios, pois se

baseava nos interesses médios e gerais da criança na idade escolar. Os assuntos

apresentados seguiam três etapas fundamentais:

a) Observação: base racional de todos os exercícios e meio de colocar em

movimento as demais atividades mentais.

b) Associação: observar e associar as noções recebidas.

c) Expressão: manifestação do pensamento de modo acessível aos demais

através da palavra, da escrita, do desenho, do trabalho manual, das

dramatizações em geral, formas de expressão inter-relacionadas.

Já Vygotsky (1987) apud Freitas (1994, p. 96), em suas pesquisas, aborda

o que denominou de desenvolvimento intelectual unitário, numa visão dialética.

Para o autor as diferentes matérias escolares interagem entre si, o que contribui

para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Isso acontece, pois

os pré-requisitos psicológicos para a aprendizagem das diferentes matérias

escolares são os mesmos e as principais funções psicológicas envolvidas no seu

estudo são interdependentes. Assim sendo as matérias escolares básicas atuam

como uma disciplina formal, cada uma facilitando a aprendizagem das outras e as

funções psicológicas por elas estimuladas se desenvolvem ao longo de um

processo complexo.

Com Vygotsky tem-se a defesa da interdisciplinaridade compreendida como

parte do processo de aprendizagem do sujeito, considerando as disciplinas

escolares como interativas e, por conseguinte, as funções psicológicas superiores

necessárias à aprendizagem das mesmas, como inter-relacionadas e

interdependentes.

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MUDANÇAS GERAM RESISTÊNCIAS

A interdisciplinaridade não representa uma inovação, embora muitos

professores estejam tomando contato com o tema apenas agora. A preocupação e

o interesse pela superação da fragmentação do ensino é uma questão antiga e

uma luta de professores e educadores que vem acontecendo já há algum tempo.

Deve ser entendida como uma caminhada de construção do conhecimento

e da prática pedagógica através de uma nova visão, que se caracteriza como

transformação, como vivência e experiência de elaboração e reelaboração, em

seu próprio contexto histórico, como síntese criadora, produto de reflexão, do

pensamento e da racionalidade, indica Marques apud Lück (1994, p. 87).

Muitos educadores têm buscado, equivocadamente, um modelo ou uma

receita para a prática interdisciplinar, o que poderia lhes garantir certa segurança.

Tal segurança não existe, pois não existem modelos para essa prática. A

interdisciplinaridade enquanto orientação para a prática pedagógica implica em

rompimento de hábitos e atitudes, o abandono da acomodação, a busca pelo novo

e desconhecido, o que gera ansiedade, medo, insegurança e representa um

desafio. Portanto é natural que provoque resistências, mesmo naqueles que a

aceitam, desejam e defendam. As resistências, geralmente, se associam ao

trabalho que requerido, ao questionamento e as mudanças de posições seguras e

confortáveis que provoca.

Toda proposta de mudança gera resistências, o que não é diferente em

relação à interdisciplinaridade, principalmente se não levar em consideração a

cultura dos grupos onde for implantada, sendo imposta, desconsiderando o modo

de ser e de fazer desse grupo, modo este que pode se constituir em base para

sua transformação.

O desenvolvimento de uma prática docente interdisciplinar requer, antes de

tudo, uma mudança de atitude, trabalho e compromisso, destaca Fazenda apud

Lück (ibid., p. 88).

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Alguns educadores resistem à idéia da interdisciplinaridade por temerem

que acabe por representar um modismo passageiro, algo imposto e com pouco ou

nenhum resultado prático no desenvolvimento e melhoria do processo

educacional.

Fazenda (Id) destaca que um modismo decorre da repetição verbal de uma

concepção pedagógica, que se restringe ao plano do discurso, sem que interfira

ou modifique a ação dos professores, sem que seja utilizada para transformar a

realidade.

A autora questiona então, como trabalhar a interdisciplinaridade nas

escolas onde professores não tomaram conhecimento do seu significado e não

estão conscientes de sua importância, por estarem mais preocupados com

questões comuns do cotidiano escolar? É possível sua prática num contexto

escolar excessivamente preocupado com questões cotidianas bem específicas,

como a falta de recursos materiais, por exemplo?

Pontua, com propriedade, que se o professor analisar adequadamente o

seu cotidiano escolar identificará com facilidade, várias dificuldades resultantes da

visão fragmentada do conhecimento, o que, por si só, justifica a necessidade de

um enfoque interdisciplinar no ensino. Contexto em que é fundamental e possível

trabalhar a interdisciplinaridade como um processo que considera a cultura vigente

e a sua transformação, como prerrogativa para que se promovam os princípios

interdisciplinares.

Um processo de discussão e um diálogo aberto sobre interdisciplinaridade

no contexto escolar são essenciais. Seus princípios são orientadores da prática

pedagógica e não definidores, seu caráter é explicativo e inspirador e em hipótese

nenhuma normativo, considerar o estágio em que o corpo docente da escola se

encontra em relação ao processo interdisciplinar e motivá-lo a expressar e discutir

em conjunto os problemas principais do ensino e seus esforços na tentativa de

superação são ações fundamentais. Processo este que tem se efetivado no

CEDAE – através do compromisso assumido pelos profissionais da instituição há

pelo menos oito anos.

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Nessas discussões alguns problemas serão indicados pelos docentes como

freqüentes no contexto escolar. Dentre eles podem-se destacar aqueles

relacionados à fragmentação e dissociação do conhecimento, que estão

subjacentes a todo processo social e se manifestam em todas as dimensões do

conjunto cultural humano. O que vai indicar a necessidade de diálogo e de

integração, sem, contudo, nesse estágio preliminar, os professores terem alterado

suas concepções e suas orientações em relação ao conhecimento. E é sobre esta

limitação, frisa Fazenda (id.) que deve ser estabelecida a base da transformação

pedagógica interdisciplinar. Vai se desenvolver, nesse processo, uma atitude e

uma consciência de que trabalhando num sistema interdisciplinar o professor vai

produzir conhecimentos, vai interligar teoria e prática, estabelecer relações entre o

conteúdo do ensino e a realidade social escolar, vai ensinar.

CURRÍCULO, FLEXIBILIZAÇÃO E ADAPTAÇÕES CURRICULARES: UMA

REFLEXÃO

Refletir sobre interdisciplinaridade pressupõe uma análise sobre alguns

pontos, que consideramos essenciais, e que possibilitarão a compreensão de seus

objetivos, de sua natureza e de sua aplicação: O que é interdisciplinaridade?

Como se relacionam os sujeitos com o mundo social, natural e cultural? Essa

relação é fragmentada, levando os fenômenos observados ou vividos a serem

entendidos ou percebidos como fatos isolados, ou ela acontece de forma global,

entendendo-se que esses fenômenos se inserem numa rede de relações que lhe

dá sentido e significado? Como se dá o conhecimento? Como se realiza uma

práxis docente fundamentada no conceito de interdisciplinaridade?

A discussão desses pontos indica a necessidade de um estudo sobre

currículo, adaptações curriculares e flexibilização curricular.

Visto que o currículo se configura em uma prática, uma construção social,

relacionada a um determinado tempo histórico, a sociedade e às relações

estabelecidas por ela com o conhecimento, considerando-se o contexto

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educacional atual que se propõe a garantir educação para todos, atendendo

alunos com as mais diversas necessidades educacionais especiais e em resposta

ao princípio de educação inclusiva presente na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB 9394/96), é fundamental que o currículo seja aberto e

flexível. Abertura que permite as adaptações curriculares, que correspondem a

toda e qualquer ação pedagógica que tenha como objetivo flexibilizar o currículo,

de modo a oferecer respostas educativas às necessidades especiais dos alunos,

inseridos no contexto escolar.

Concordamos com Garrido e Landivar (1999, p. 53) quando mencionam

que:

Podemos definir as adaptações curriculares como modificações que são necessárias realizar em diversos elementos do currículo básico para adequar as diferentes situações, grupos e pessoas para as quais se aplica. As adaptações curriculares são intrínsecas ao novo conceito de currículo. De fato, um currículo inclusivo deve contar com adaptações para atender à diversidade das salas de aula, dos alunos.

Flexibilização e/ou adaptação curricular significa um currículo que considere

e contemple as diferenças em sala de aula, contrariando a idéia tradicional de que

todos aprendem da mesma maneira, através dos mesmos procedimentos

metodológicos, com os mesmos recursos materiais, no mesmo tempo e faixa

etária.

As adaptações curriculares não devem significar um processo de exclusão

através da banalização de conceitos, esvaziamento de conteúdos e baixa

expectativa quanto aos resultados das avaliações dos alunos com necessidades

educacionais especiais.

Para evitar que a flexibilização curricular se configure numa proposta

diferenciada dirigida apenas para um grupo de alunos especiais, é preciso que o

princípio dessa ação pedagógica seja incorporado e se efetive em todos os níveis

de ensino.

Nos Sistemas de Ensino – Secretarias Estaduais e Municipais as ações

devem promover acessibilidade, contratação de profissionais, implantação e

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implementação de rede de apoio, promoção de formação continuada de docentes

e mudanças na matriz curricular.

Quanto ao Projeto Político Pedagógico as ações devem contemplar todos

os segmentos da comunidade escolar, além daquelas relacionadas ao

planejamento e execução dos componentes curriculares (conteúdos

programáticos – o que ensinar; objetivos – para que ensinar; seqüência temporal

dos conteúdos – quando ensinar; metodologia – como ensinar; avaliação do

processo ensino-aprendizagem – o quê, como e quando avaliar).

No que diz respeito ao planejamento do professor, este deve utilizar-se de

estratégias metodológicas, atividades e recursos que melhor respondam as

necessidades dos alunos em sala de aula.

Faz-se necessário mencionar também, as adaptações curriculares de

grande porte que se referem às ações de implementação que dependem de

decisões técnico-político administrativas e que são da competência formal de

órgãos superiores da Administração Educacional Pública. E as de pequeno porte,

que se relacionam às ações do professor em sala de aula, segundo o

MEC/SEESP (Brasil, 2000, p. 10).

As diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - Parecer

CEB/CNB nº. 15/98, instituídas pela Resolução nº. 4/98, entre outras disposições,

determinam que os currículos se organizem em áreas – “a base nacional comum

dos currículos do ensino médio será organizada em áreas de conhecimento” –

estruturadas pelos princípios pedagógicos da interdisciplinaridade, da

contextualização, da identidade, da diversidade e autonomia, o que redefine a

forma como tem sido realizadas a seleção e organização de conteúdos e a

definição de metodologias nas escolas brasileiras.

Para que a interdisciplinaridade se efetive é preciso entender que as disciplinas

escolares resultam de recortes e seleções arbitrários, historicamente constituídos,

expressões de interesse e relações de poder que ressaltam, ocultam ou negam

saberes. Historicamente são valorizados determinados campos do conhecimento

escolar, sob o argumento de que se mostram úteis para resolver problemas do dia

a dia.

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A forma de inserção e abordagem das disciplinas num currículo escolar é

indicadora de uma opção pedagógica: que propicia ao aluno a construção de um

conhecimento fragmentário ou de um conhecimento orgânico e significativo.

Considerando-se que a sistematização do ensino do conhecimento nos

currículos escolares continua a se estruturar de modo fragmentado e com

conteúdos que são de pouca relevância para os alunos e, portanto, sem sentido, é

importante ressaltar que a prática docente adote a interdisciplinaridade como

metodologia no desenvolvimento do currículo escolar. Isso não significa o

abandono das disciplinas e nem requer uma pluri-especialização do docente.

Um trabalho de equipe realmente interdisciplinar implica em uma

observação crítica da situação de aprendizagem e dos elementos que a

compõem, o que significa uma tomada de consciência da realidade através da

observação, discussão, reflexão, compreensão e descrição dos fenômenos

complexos.

A contextualização, princípio pedagógico que rege a articulação das

disciplinas escolares, se efetiva por meio de uma práxis docente que parte do

saber dos alunos para desenvolver competências que venham a ampliar este

saber inicial. Saber que situe os alunos num campo mais amplo de

conhecimentos, integrando-os a sociedade, possibilitando sua atuação, interação

e interferência sobre ela.

Santomé (1998, p. 190) destaca a importância de ações colaborativas entre

o corpo docente e outros profissionais vinculados ao sistema educacional e/ou à

instituição escolar específica: especialistas em pedagogia, psicologia, assistentes

sociais, profissionais de áreas científicas e artísticas diversas, educação física,

bem como os alunos, familiares, associações de bairro e culturais, dentre outras.

Concordamos com o autor quando afirma que um diálogo aberto pode e deve

contribuir para enriquecer o projeto educacional, pois possibilita a introdução de

perspectivas de sujeitos não envolvidos diretamente nas salas de aula,

contribuindo para a efetivação do trabalho pedagógico interdisciplinar.

Um trabalho desenvolvido com a colaboração das várias áreas de

competência nas instituições, em relação às ações pedagógicas, tem um efeito

17

surpreendente quanto à transmissão e assimilação dos conhecimentos

desenvolvidos em sala de aula, para alunos com deficiência intelectual.

Fundamentados em Rodriguez, apresentamos algumas orientações que

podem servir de base para práticas pedagógicas voltadas ao reconhecimento das

necessidades desses alunos.

− Adotar metodologias de ensino diversificadas, que contemplem estilos de

aprendizagem variados. Em função da possível dificuldade para memorização

sugere-se a utilização de estratégias que auxiliem na formação de conceitos a

partir de variadas experiências, além da exposição oral, como por exemplo:

apresentação de pistas visuais através de fotos e desenhos, manipulação de

objetos, vivências, registros variados através de escrita, desenho, recorte,

colagem, pintura, modelagem, entre outras.

− Priorizar áreas ou unidades de conteúdos que possibilitem funcionalidade e

que sejam essenciais e instrumentais para aprendizagens posteriores

(habilidades de leitura, escrita e cálculo, por exemplo).

− Priorizar objetivos que reforcem capacidades e habilidades básicas de

atenção, participação e adaptabilidade do aluno, como por exemplo,

habilidades sociais, cooperação, colaboração e persistência na realização de

atividades.

− Solicitar informações ou atuações através de ordens claras, objetivas e

sequenciais.

− Favorecer experiências diretas associadas à demonstração e à mediação.

− Desenvolver práticas que valorizem e fortaleçam a mediação, oportunizando a

realização das atividades e a aprendizagem.

− Desenvolver atividades de breve duração, com objetivos claros, distintos e

hierarquizados de acordo com as possibilidades de desempenho dos alunos.

− Flexibilizar o tempo de realização das atividades respeitando o ritmo dos

alunos, mas estabelecendo com eles metas a cumprir progressivamente.

− Alternar atividades individuais e grupais, considerando o conhecimento a ser

trabalhado e as características dos alunos.

18

− Estimular a manifestação de habilidades individuais que extrapolem o

conhecimento formal, através de atividades que requeiram cooperação,

participação coletiva e colaboração.

− Reorganizar o espaço de sala de aula, modificando a posição das carteiras,

facilitando a interação entre os alunos.

− Realizar avaliação utilizando diferentes estratégias e diversificando as

atividades.

− Avaliar diariamente a aprendizagem dos alunos, considerando como parâmetro

suas próprias produções.

Essas orientações constituem-se em um conjunto de ações que podem ser

utilizadas para a formulação de propostas que integrem o Projeto Político

Pedagógico da escola, oportunizando a efetivação da interdisciplinaridade através

de um currículo voltado para o ensino de qualidade, tendo como perspectiva o

reconhecimento e a atenção à diversidade dos alunos, no caso dessa pesquisa

alunos com deficiência intelectual, promovendo sua aprendizagem e seu

desenvolvimento integral.

A PRÁTICA DA INTERDISCIPLINARIDADE

Levando-se em conta que uma prática pedagógica tradicional, disciplinar,

leva ao tratamento dos acontecimentos da realidade social de forma fragmentada

e desvinculada das experiências significativas do educando, não dando o real

valor aos contextos culturais, sociais, políticos, econômicos e pessoais e,

entendendo-se o professor como profissional cuja tarefa é reconstruir o

conhecimento através de uma prática educativa pautada na pesquisa, apenas

ministrar aulas não representa mais uma prática fundamental de aprendizagem.

O educador deve atuar como um mediador, levando os alunos à

apropriação dos conhecimentos historicamente construídos, para tanto, precisa

estar atualizado, buscar renovação constante e fundamentada, além de formação

continuada.

19

Os conhecimentos abordados, no contexto de sala de aula, pelos

educadores se enriquecem na relação pedagógica. Partindo do que já se

conhece, os educadores têm a tarefa de socializar esses conhecimentos,

possibilitar a apropriação, a análise, a síntese e a produção de novos

conhecimentos.

Considerando-se como compromisso do educador possibilitar à

aprendizagem do aluno por meio do conhecimento contextualizado e da prática

social, a interdisciplinaridade possibilita que isso aconteça, efetivando-se através

do diálogo, onde o questionamento, a reflexão, a análise crítica, a proposição de

mudanças e a transparência estejam presentes.

Entendemos que no trabalho pedagógico interdisciplinar as disciplinas

devem se organizar em atividades ou projetos de estudo, projetos de pesquisa e

ação, possibilitando aos alunos aprenderem sobre o objeto do conhecimento de

forma globalizada, numa visão abrangente e inter-relacional.

O que é apontado por Hanze quando afirma que a prática da

interdisciplinaridade tem uma linha de ação integradora, que agrega um objeto de

conhecimento, um projeto de investigação e um plano de intervenção, tornando o

projeto interdisciplinar em sua compreensão, cumprimento e avaliação.

Os alunos são convidados a participar da escolha de um tema, conteúdo ou

projeto, o que permite o estabelecimento de relações entre os conhecimentos que

possuem e os novos, possibilitando uma aprendizagem significativa, o

desenvolvimento de ações de comparação, análise crítica, sugestão de

mudanças, estabelecimento de novas relações e organizações, promovendo

transformações na realidade social.

Conclui-se, portanto, que há a necessidade de se trabalhar a abordagem

contextualizada fundamentada no ponto de vista interdisciplinar, buscando a

operacionalização através do aprendizado da interdisciplinaridade.

Ao adotar-se a interdisciplinaridade na escola, envolvem-se todos os

educadores de diferentes formações e consegue-se relacionar os temas

transversais às disciplinas. Assim, professores, alunos e demais profissionais

compartilham o conhecimento, aprendem e constroem juntos, novos

20

conhecimentos. A interdisciplinaridade corresponde a uma imagem no contexto do

ensino, que leva à construção da necessária e urgente humanização pela visão

interdisciplinar, daí sua importância.

Propõe-se, então, um desafio aos educadores, no sentido de que se

esforcem por assumir uma atitude interdisciplinar que, associada ao empenho por

mudar no exercício da prática, torne o trabalho educacional mais significativo e

mais produtivo.

É imprescindível, então, estabelecer um sentido mais abrangente,

aprofundado e significativo às experiências pedagógicas, para as quais a

interdisciplinaridade tem muito a contribuir.

Segue-se um exemplo de plano interdisciplinar, organizado para uma

reunião de grupo de estudos, utilizado como disparador para uma discussão sobre

o tema, considerando-se que o papel da escola ao trabalhar Temas Transversais

é facilitar, fomentar e integrar as ações de um modo contextualizado, através da

interdisciplinaridade e transversalidade, buscando não fragmentar em blocos

rígidos os conhecimentos, para que a Educação realmente construa o meio de

transformação social.

Os temas transversais são constituídos pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN’s), compreendendo seis áreas: Ética, Orientação Sexual, Meio

Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo, expressando

conceitos e valores básicos, a democracia e à cidadania, obedecendo a questões

importantes e urgentes para a sociedade contemporânea.

São temas que permeiam todas as áreas do conhecimento, e estão sendo

intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos

alunos e educadores em seu cotidiano, caracterizando-se por um conjunto de

assuntos que aparecem transversalizados em áreas determinadas do currículo,

que se constituem na necessidade de um trabalho mais significativo e expressivo

de temáticas sociais na escola.

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Disciplina Curricular Conteúdo

Língua Portuguesa Interpretação de textos sobre o tema

Língua Estrangeira Formação de frases sobre o tema

Educação Artística Desenhos, pintura, confecção de

maquetes, colagem

Matemática Cálculo da capacidade e tempo para

encher uma caixa d'água

Física Produção de energia / usinas

hidrelétricas

Biologia Ciclo da água / a água e o corpo

humano

Geografia Hidrografia / navegação e sobrevivência

História Importância dos rios para a

interiorização do Brasil

Temas transversais Conteúdo

Meio ambiente Importância da preservação da água

Saúde Importância para a saúde / fonte de vida

Ética Uso racional / respeito ao próximo

Orientação sexual Os apelos sexuais da mídia com

relação aos banhos de rios, mares e

nudismo em praias

Temas locais / pluralidade Manter limpos os banheiros da cidade

Trabalho e consumo Água como fonte de renda

O tema água é apresentado neste quadro de modo a ser desenvolvido por

todos os profissionais da instituição (CEDAE), considerando-se a especificidade

22

de cada área, desenvolvendo um plano de ação que atenda às necessidades de

cada aluno com deficiência intelectual, integrando os trabalhos terapêuticos com a

área pedagógica.

Neste exemplo de ação interdisciplinar o professor desenvolve o trabalho

pedagógico sobre o tema “água”, o profissional da fisioterapia pode utilizar

exercícios na piscina para correção e fortalecimento do aparelho locomotor,

conversando com o aluno sobre as funções da água, utilizando-se de

conhecimentos de outras áreas, tanto acadêmicas, quanto terapêuticas; o

profissional da fonoaudiologia pode desenvolver atividades sobre o tema, através

de exercícios específicos para também corrigir e fortalecer músculos orofaciais,

dialogando com o aluno sobre o assunto; e assim com cada área que atenda a

clientela da instituição. O diálogo é condição fundamental para que a

interdisciplinaridade aconteça aqui de modo efetivo.

ATITUDE INTERDISCIPLINAR: UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA E

COMPROMISSO

O trabalho pedagógico e terapêutico possibilita o estreitamento de laços

entre os profissionais e o aluno com deficiência intelectual, de modo a facilitar o

desenvolvimento deste e, por conseguinte, a aprendizagem. Daí a importância de

um trabalho interdisciplinar onde todos os profissionais envolvidos possam

dialogar, planejar e organizar as atividades em conjunto, elaborar projetos,

implantá-los e realizar avaliações periódicas.

Este trabalho é desenvolvido por profissionais de diversas áreas:

professores regentes, professores de educação física, professoras de artes,

pedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,

musicoterapeutas, nutricionistas, médicos e demais profissionais, além dos

familiares, cuja participação é fundamental nos períodos em que o aluno encontra-

se afastado das atividades escolares em função das férias.

Em geral, uma equipe multidisciplinar é composta por vários profissionais

de diferentes áreas, que atuam de acordo com sua especificidade, sem inter-

23

relação, de modo complementar, cada um fazendo a sua parte, sem trocas de

informações e compartilhamento de conhecimentos. Já uma equipe interdisciplinar

mantém suas atuações específicas, mas interagindo, trocando informações e

compartilhando conhecimentos, trabalha em conjunto possibilitando a produção de

novos saberes.

Cabe destacar que o exercício constante da interdisciplinaridade, por parte

dos profissionais, leva ao desenvolvimento de um trabalho pedagógico mais

eficiente e direcionado às necessidades educacionais do aluno com deficiência

intelectual, levando-o a assimilação dos conteúdos, com mais facilidade.

Num trabalho interdisciplinar é fundamental que todos os profissionais que

compõe a equipe conheçam as funções e a aplicabilidade das profissões dos

colegas. Conhecer implica discutir sobre essas funções, sobre a prática

terapêutica e sua importância para o desenvolvimento do aluno com deficiência

intelectual.

Muitos profissionais trocam informações sobre a evolução de seus

“pacientes”, mas não atuam de modo interdisciplinar, ou seja, não desenvolvem

atividades conjuntas, não discutem planos de ação, formas de avaliação e,

tampouco, repassam ou solicitam informações à equipe pedagógica. Trabalho que

acaba se caracterizando como multidisciplinar, ou seja, várias disciplinas atuando

lado a lado.

O que se pretende evidenciar nesta pesquisa é a relevância do trabalho

interdisciplinar, isto é, o trabalho de uma equipe de profissionais de diferentes

áreas atuando conjuntamente, inter-relacionalmente, cada um contribuindo com os

conhecimentos específicos de sua área, de modo a estabelecer uma relação de

cumplicidade e compromisso com o desenvolvimento integral e a aprendizagem

do aluno com deficiência intelectual. As equipes pedagógica e terapêutica

constituindo-se em uma equipe única de profissionais integrados, que se reúne,

discute, planeja, implementa e, após, avalia a aprendizagem e o desenvolvimento

do aluno.

Essa pesquisa considerou o grupo de profissionais que atuam no CEDAE

Escola de Educação Especial Estimulação e Desenvolvimento, onde se trabalha

24

numa perspectiva interdisciplinar. A equipe composta por uma diretora, uma

coordenadora pedagógica, uma assistente social, uma psicóloga, uma

neuropediatra, duas terapeutas ocupacionais, duas fisioterapeutas, duas

fonoaudiólogas, uma musicoterapeuta, duas professoras estimuladoras, uma

professora de artes, uma professora de educação física, um professor de natação,

dez professoras regentes, cinco assistentes de sala, duas secretárias, duas

auxiliares de serviços gerais, duas cozinheiras e uma nutricionista, vem tentando

efetivar uma ação interdisciplinar há aproximadamente oito anos. Percurso

marcado por avanços e retrocessos, reflexões, discussões, diálogo, abandonos,

mudanças, conflitos, insegurança, medo, chegada de novos elementos, saída de

outros, compromisso, descompromisso, o que acontece em todos os contextos em

que as inter-relações sejam abertas e, portanto, dialéticas.

Realizou-se Inicialmente uma apresentação do projeto de implementação à

Coordenação da Instituição, destacando seus objetivos. O projeto foi aceito

prontamente. Em seguida, os funcionários da instituição foram convocados a

participar, tendo sido agendada uma reunião para a apresentação do mesmo.

Nesta reunião estiveram presentes cinco professoras, ou seja, 10,2% dos sujeitos

da pesquisa, os demais (89,8%) justificaram a ausência em função de

compromissos profissionais em outras instituições.

O trabalho foi, então, executado em etapas: partindo-se de uma reunião

pedagógica com o contingente de professores, técnicos, direção e funcionários,

agendada para uma semana depois. Nessa reunião discutiu-se a importância da

interdisciplinaridade, definindo-se a linha de trabalho. Uma das professoras

regentes foi convidada a mencionar para os demais integrantes da equipe, itens

em que a maioria dos alunos apresenta dificuldade. Em seguida solicitou-se que

estes fizessem as adaptações necessárias em seus planejamentos. Isto deveria

ter sido feito em todas as áreas de competência que atendem aos alunos, mas em

função de incompatibilidade de horários a maioria dos funcionários da instituição

não pode participar efetivamente das ações previstas, o que impediu o alcance

dos objetivos dessa ação.

25

Reuniões com pautas previamente definidas foram realizadas a cada final

de bimestre, retomando os itens mais importantes que foram discutidos para a

realização de uma avaliação conjunta, de acordo com o planejamento pedagógico.

Foi proposta a realização de grupos de estudos, que infelizmente não se

efetivaram uma vez que não houve unanimidade quanto à disponibilidade de datas

e horários, por parte dos funcionários.

Acreditamos que esta atividade poderia ser desenvolvida pela instituição nas

semanas pedagógicas, destinadas a promover formação continuada e

planejamento das atividades pedagógicas.

Dialogou-se, nas reuniões, sobre interdisciplinaridade, sua importância,

concepções e ações interdisciplinares. Apesar do número de participantes ser

pequeno (10 a 20%) em cada reunião, as discussões foram produtivas e

contribuíram para mudanças na ação pedagógica dos participantes, o que trouxe

avanços na relação pedagógica entre os profissionais e os alunos com deficiência

intelectual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre o aluno com deficiência intelectual, o professor e demais

profissionais, com os quais estabelece um vínculo afetivo positivo, é uma das

relações mais fortes, sinceras e efetivas, possibilitando o desenvolvimento e

tornando o processo de ensino-aprendizagem interessante, estimulante e mais

significativo.

O relacionamento constante entre o aluno com deficiência intelectual, os

professores e os terapeutas é condição para que a aprendizagem se efetive e o

desenvolvimento integral seja estimulado.

Durante a realização da implementação foi possível discutir a importância

da interdisciplinaridade com os profissionais da instituição, o que possibilitou

confirmar que todos reconhecem a necessidade desse trabalho no contexto da

26

educação especial, tanto quanto no ensino regular. Destacaram, também, a

importância das inter-relações entre os profissionais como elemento possibilitador

de uma aprendizagem significativa e de um desenvolvimento integral ao aluno

com deficiência intelectual.

Contudo, faz-se necessário mencionar que, apesar de valorizarem e

reconhecerem a importância desse trabalho, muitos não se comprometeram

efetivamente na sua realização, deixando de participar de algumas etapas e das

atividades propostas nestas, em função da incompatibilidade de horários, falta de

tempo, compromissos pessoais ou profissionais, o que infelizmente dificultou a

implementação integral da proposta, mas serviu de indicativo de mudanças

necessárias nas práticas pedagógicas que se pretendem interdisciplinares, onde o

compromisso é a condição fundamental para que realmente isso aconteça.

Mais do chegar a conclusões, esse trabalho objetivou desencadear uma

reflexão e uma discussão sobre a interdisciplinaridade, como prática necessária

na educação de alunos com deficiência intelectual, convidando os profissionais da

instituição e, os leitores desse artigo, a implementação de mudanças, sejam elas

de concepção ou de ação.

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