A Construção de Um Pensamento Latino-Americano Sobre Assuntos Internacionais - Eduardo...

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Revista Direitos Humanos e Democracia REVISTA DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA • Editora Unijuí • ano 1 • n. 2 • jul./dez. • 2013 • ISSN 2317-5389 Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Unijuí https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia A Constuição de um Pensamento Lano-Americano Sobre Assuntos Internacionais 1 Eduardo Devés-Valdés Profesor e investigador del Instituto de Estudos Avanza- dos de la Universidad de Santiago de Chile, Idea-Usach. <www.eduardodevesvaldes.cl>. [email protected] 1 Introdução Como pensar uma política exterior, e os temas internacionais em geral, a partir de critérios elaborados no âmbito do pensamento da Amé- rica Latina e do Caribe (ALC)? Melhor: Como aproveitar tudo que se teo- rizou na ALC para pensar os assuntos internacionais, sem COM isso cair em nenhum tipo de chauvinismo ou autoctonismo que fechasse todo o aproveitável procedente de outros lugares? Como aproveitar ou capitalizar toda nossa produção de ideias sobre questões internacionais? Como orga- nizar ou reconhecer essa produção e torná-la utilizável, pô-la à disposição daqueles que fazem teoria e daqueles que são agentes internacionais no sentido mais amplo? 1 Intervenção realizada no âmbito da Terceira Jornada sobre “Política Exterior da Bolívia” organizada pela OEA e pela Udabol, em La Paz e Santa Cruz de la Sierra. Tradução do professor doutor André Leonardo Copetti Santos (Programas de Pós-Gradua- ção em Direito da Unijuí e da URI). p. 400-420

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debate sobre o pensamento social latino-americano

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  • Revista Direitos Humanos e Democracia

    REVISTA dIREIToS humAnoS E dEmocRAcIA Editora Uniju ano 1 n. 2 jul./dez. 2013 ISSN 2317-5389Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Direito da Uniju https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia

    A Constituio de um Pensamento Latino-Americano Sobre Assuntos Internacionais1

    Eduardo Devs-ValdsProfesor e investigador del Instituto de Estudos Avanza-dos de la Universidad de Santiago de Chile, Idea-Usach. . [email protected]

    1 Introduo

    Como pensar uma poltica exterior, e os temas internacionais em

    geral, a partir de critrios elaborados no mbito do pensamento da Am-

    rica Latina e do Caribe (ALC)? Melhor: Como aproveitar tudo que se teo-

    rizou na ALC para pensar os assuntos internacionais, sem COM isso cair

    em nenhum tipo de chauvinismo ou autoctonismo que fechasse todo o

    aproveitvel procedente de outros lugares? Como aproveitar ou capitalizar

    toda nossa produo de ideias sobre questes internacionais? Como orga-

    nizar ou reconhecer essa produo e torn-la utilizvel, p-la disposio

    daqueles que fazem teoria e daqueles que so agentes internacionais no

    sentido mais amplo?

    1 Interveno realizada no mbito da Terceira Jornada sobre Poltica Exterior da Bolvia organizada pela OEA e pela Udabol, em La Paz e Santa Cruz de la Sierra.

    Traduo do professor doutor Andr Leonardo Copetti Santos (Programas de Ps-Gradua-o em Direito da Uniju e da URI).

    p. 400-420

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    401reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    No limite dessas perguntas, trata-se de avanar at a elaborao

    de teorias que sejam, de certo modo, adaptadas aos requerimentos de

    uma comunidade que busca inserir-se no meio ambiente global: ocupar

    nichos e ampli-los. Trata-se, de outra parte, de assumir uma reflexo

    sobre questes internacionais emergida nas regies perifricas e mostrar,

    particularmente aos que estudam Relaes Internacionais, e que muitas

    vezes imaginam que no h temas para investigao, a imensa quantidade

    de espaos inexplorados que existem.

    2 BICentenrIo, PoBre deSemPenho de noSSoS PASeS e PoLtICA exterIor

    2010 foi um ano emblemtico para muitos de nossos pases. A

    comemorao do bicentenrio da independncia no Chile e na Argen-

    tina constitui-se em um motivo para realizar avaliaes do que fizemos e

    projees acerca do que desejamos. O ano de 2010 no encontra a ALC

    em uma situao invejvel, e por certo no me refiro crise econmica

    mundial que hoje em dia se faz sentir, mas a questes de um tempo mais

    distante.

    Ante tal situao de debilidade, no devemos avanar explicaes

    simplistas ou monocausais. Melhor, devemos supor que todos os mbi-

    tos de nossa tarefa foram deficitrios e particularmente aqueles que so

    chaves impulsionadoras de crculos virtuosos. Quase unicamente posso

    enfrentar o tema do bicentenrio desde minha especialidade, os Estudos

    Eidticos, dizer, os estudos sobre as ideias ou sobre o pensamento.

    Necessito, entretanto, fazer algumas reflexes sobre a realidade, para

    avanar logo sobre os aspectos tericos.

    Refiro-me particularmente a assuntos como: as baixas posies no

    ranking de desenvolvimento, elaborado pelo Pnud; os escassos aportes

    em cincia e em tecnologia que fazemos para nosso prprio bem-estar

  • eduArdo deVs-VALds

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    e para o mundo; as baixssimas posies de nossos pases quando se

    comparam com os padres educacionais obtidos por outros; o avano de

    certas enfermidades ou pragas e o aumento da pobreza, em muitos casos;

    a pobre incidncia de nossos Estados no espao mundial e a desdia para

    apresentar nossa cultura e nossas opes ao mundo por meio de formas

    de comunicao eficientes.

    No pretendo estar capacitado para fazer um balano da situao,

    da insero, da condio internacional da ALC at o bicentenrio. Apenas

    atrevo-me a assinalar alguns pontos. Penso que o melhor, compreendendo

    todos os aspectos, que pode exibir a ALC, nos ltimos cem anos, a exis-

    tncia de guerras internacionais e capitalizar o respeito internacional por

    haver sido capaz de coexistir por quase um sculo e meio sem guerras

    importantes, sendo a Guerra do Chaco a nica e a exceo que confirma

    a regra. A paz internacional o maior xito da ALC em seus dois sculos

    de vida independente. Diferente sua insero internacional, classificada entre medocre e baixa.

    Sem dvida, porm, fomos melhores em relao ao que no nos

    ocorreu (as guerras internacionais) pelo que fomos capazes de construir

    alm de nossas fronteiras. Muitos de nossos objetivos no mbito mundial

    no se cumpriram, sendo o da integrao latino-americana um dos mais

    frustrados. De fato, a inexistncia de uma poltica internacional comparti-

    lhada de longo prazo tambm exemplo dessa deficincia.

    Obviamente, entende-se que temos diferenas entre Bolvia e Chile,

    entre Venezuela e Colmbia, entre Argentina e Uruguai ou entre Nicar-

    gua e Costa Rica, para citar alguns casos, mas isso no deve impedir que

    sejamos capazes de gerar algumas polticas de flego sobre questes que

    so comuns, tais como: uma diplomacia cultural e cientfico-tecnolgica

    compartilhada, uma poltica internacional de imagem, uma colaborao

    diplomtica em pases distantes nos quais temos pobre ou nula represen-

    tao, como ocorre em numerosssimos pases da sia e da frica. De fato,

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

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    tampouco temos uma poltica exterior compartilhada para os milhes de

    pessoas procedentes da ALC que vivem fora de nossos territrios: nos

    EUA, Canad, Espanha, Austrlia e tantos outros pases.

    Institumos ao acaso uma pauprrima, para no dizer miservel,

    poltica cientfico-tecnolgica ao exterior como pases e pior, como regio:

    somos incapazes de captar a cincia e a tecnologia, de atrair, de gerir inter-

    nacionalmente a questo de patentes, royalties, etc.; de exportar nosso

    conhecimento e vend-lo, e sobretudo de comparar e atrair a comunidade

    cientfica at nossas universidades e instituies de ensino e investigao.

    Ademais, nossa poltica internacional normalmente foi incapaz de pensar

    uma unidade maior que o Estado-nao.

    Por outra parte, e indo s causas de alguns problemas: certo que

    temos figuras capazes de pensar a questo internacional, mas carecemos

    de uma assessoria regional sobre estes assuntos. Existem organismos

    internacionais como a OEA, o Instituto para a Integrao da Amrica

    Latina e do Caribe (INTAL), o Banco Interamericano de Desenvolvimento

    (BID) ou a Secretaria Geral da Comunidade Ibero-Americana de Naes

    (SEGIB), que de algum modo podem contribuir para esta tarefa, como

    tambm alguns centros de carter nacional, mas at o momento fomos

    incapazes de gerar e gerir uma assessoria permanente sobre questes

    internacionais, tal como tivemos a Comisso Econmica para a Amrica

    Latina (CEPAL), como um think thank sobre questes econmicas que,

    emitindo uma voz, se constitua em uma referncia da reflexo.

    Agora, retornando ao tema especfico, creio que no se est gerando

    um pensamento que sirva de insumo, por assim dizer, aos inumerveis

    agentes no estatais (empresas, igrejas, universidades, ONGs, organismos

    culturais, desportivos e outros) que desde a ALC pretendem inserir-se de

    alguma maneira em espaos metanacionais e o que possumos no esta-

    mos capitalizando nesse sentido. Em 2006, na Universidade de Torcuato

    Di Tella, Robert Russel afirmou que El estado de avance y produccin

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    del pensamiento terico sobre temas internacionales en la Argentina hoy es

    pobrsimo, es realmente pobrsimo, casi no hay, y lo que hay es totalmente

    subsidiario de lo que producen las grandes potencias y es realmente pobre

    (Russel, 2006). Se verdade o que assinala Russel para a Argentina, e, sem

    dvida, ele conhece mais disso que eu, como ser o grau de pobreza do

    que produz a Bolvia, o Chile e tantos outros pases da regio que, neste

    plano, tm notoriamente menor desenvolvimento que a Argentina? De

    outra parte, entretanto, Ral Bernal-Meza mostrou-nos que, ainda que

    pouco, no deixam de existir numerosos avanos neste sentido (Bernal-

    Meza, 2005).

    3 CAPItALIzAo do PAtrImnIo eIdtICo que PoSSumoS

    O pensamento da ALC foi-se ampliando por todas as partes do

    mundo nas ltimas dcadas. O volume de produo intelectual cresce

    cada vez mais rpido e isso algo quase bvio. Menos bvio que vo

    se abrindo mais e mais espaos de reflexo e vo se desenhando novos

    temas e novos problemas.

    Historicamente o pensamento latino-americano aproximou-se de

    numerosos assuntos, mas no imaginrio da intelectualidade no especia-

    lista permaneceu algo arraigado ao problema do pensamento nacional,

    que foi um dos seus temas clssicos. Mais recentemente os assuntos eco-

    nmicos, particularmente desenvolvimento/dependncia, e na dimenso

    poltica a questo democracia/ditadura estiveram em discusso. Nenhuma

    destas interrogantes e reflexes se esgotou, mas a prpria dinmica de

    uma comunidade intelectual estimulada, algo angustiada, algo frustrada

    por breves xitos e mais longos fracassos, foi se obrigando a formular-se

    novos assuntos.

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    Faz j duas dcadas que o tema da globalizao vem sendo o mais

    recorrente, sendo, por outra parte, um tema mundial e que por todas

    as partes se coloca em disjuntiva como a questo da(s) identidade(s).

    Coloca-se tanto no centro como nas periferias. Nas regies perifricas

    coloca-se profusamente. O assunto da globalizao, porm, ainda que tra-

    tado sempre em relao identidade, por sua vez est cruzado por outra

    situao: a ameaa e a oportunidade. Direi que a maioria do pensamento

    das regies perifricas o assume como ameaa ou franco perigo, ainda

    que retoricamente sempre se observa que se trata por sua vez de uma

    possibilidade ou de uma oportunidade.

    No ali, porm, onde quero chegar se no ao fato de que na ALC

    est se desenvolvendo cada vez com mais abundncia, com maior nvel tc-

    nico e mais tematicamente um pensamento sobre questes internacionais,

    sobre a insero da ALC no mundo, sobre o processo de mundializao,

    sobre as relaes entre a regio e outras do mundo.

    De fato, em todas essas discusses subjazem consideraes que

    tm a ver como assuntos internacionais, de modo mais ou menos direto.

    Curiosamente, entretanto, as prprias pessoas que trabalharam sobre

    estes assuntos nem sempre estiveram conscientes do que tais colocaes

    envolvem, no sendo capazes de considerar e de capitalizar tudo o que pos-

    suem. E quero dizer de passagem que no h suficiente preocupao sobre

    isto. Prova disso que nas mltiplas ctedras, carreiras, Ps-Graduaes,

    academias diplomticas, organismos regionais, no temos conscincia de

    nossa produo, no temos cursos em que isto se ensine e nem sequer os

    manuais necessrios para tanto. Penso que isto no pode ser assim, que

    no estamos sequer capitalizando o pouco que produzimos.

    Fazer um exerccio de explorao de nossos territrios intelectuais

    para cartograf-los desde o ponto de vista da produo existente sobre

    questes internacionais parece uma tarefa necessria. Nossos territrios

    eidticos foram recorridos em numerosas ocasies, mas houve poucas

  • eduArdo deVs-VALds

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    pessoas que se interessaram sobre esta dimenso, deixando-a frequente-

    mente de lado. De fato, existe na ALC e em geral nas regies perifricas

    uma pequena mas relativamente importante produo eidtica que, em

    todo caso, estamos desperdiando.

    4 ALgo que j temoS: patrimnio eidtico latino-americano

    O que pretendo apresentar-lhes uma cartografia que de uma

    maneira simples e didtica desenhe algumas das ideias que se maneja-

    ram sobre assuntos internacionais (e tenhamos em conta que tampouco

    fizemos um dicionrio da produo eidtica da ALC sobre assuntos inter-

    nacionais).

    4.1 Cartografia do patrimnio eidtico sobre assuntos internacionais

    4.1.1 Primeiro: os conceitos e categorias

    4.1.1.1 Categorias compreensivas:

    Centro/Periferia Ral Prebisch

    Nacionalismo/Colonialidade Carlos Montenegro

    Realismo Perifrico Carlos Escud

    Grandes Estados Perifricos Samuel Pinheiro Guimares

    Identidade Internacional Celso Lafer

    4.1.1.2 Dimenso Econmica:

    Deteriorao nos termos do intercmbio Ral Prebisch

    Desenvolvimento para o exterior/para o interior: Ral Prebisch

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    Distribuio heterognea da cincia e da tecnologia: Ral Prebisch;

    Dependncia estrutural: F. H. Cardoso

    4.1.1.3 O assunto da integrao:

    Integracionismo, integrao latino-americana inmero(a)s autore(a)s

    Unio americana Sociedade Unio Americana, Francisco de P. Vigil

    Nacionalismo continental Felipe Herrera

    Integracionismo Aberto Cepal anos 1990

    4.1.1.4 Conceitos associados (aqueles que no se referem especificamente

    ao internacional, mas que se utilizaram para):

    Luso-tropicalismo: Gilberto Freyre

    4.1.2 Segundo: As ideias

    4.1.2.1 Ideias sobre a integrao, unio, etc.:

    Integracionismo poltico Manuel Ugarte

    Integracionismo econmico Vctor R. Haya de la Torre

    Integracionismo cultural, indstrias culturais e idiomas ibricos Jos E. Rod, Nstor Garca Canclini

    Integracionismo social Marcus Garvey, Lincoln Bizzozzero

    Integracionismo sub-regional (amaznico, platino, andino, conosulenho, caribenho e centro-americano) Unio Democrtica Centro-americana,

    Vicente Sez, Mario Sancho, Norman Girban, Andrs Serbin;

    4.1.2.2 Ideais sobre economia internacional:

    Sobre a Unio Aduaneira Alejandro Bunge

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    Sobre o comrcio justo, as matrias-primas e o estabelecimento de tra-tados mais equitativos: Ral Prebisch, Unctad;

    Sobre a ao das empresas multinacionais: Osvaldo Sunkel, Ilet

    4.1.2.3 Ideias sobre anti-imperialismo:

    Recuperao do territrio do Canal do Panam Vctor R. Haya de la Torre

    Revoluo terceiro-mundista mundial: Ernesto Guevara, Fidel Castro

    A compensao pela recuperao das riquezas bsicas deve fazer-se calculando os investimentos como tambm as grandes utilidades que

    obtiveram: Doutrina Allende (Salvador Allende)

    4.1.2.4 Ideais sobre a paz:

    O rechao do emprego da fora por parte de uma nao sobre outra para cobrar uma dvida: Doutrina Calvo (Carlos Calvo) e Drago (Lus

    Mara Drago)

    Sobre o no reconhecimento de territrios obtidos pela fora: Doutrina Saavedra Lamas

    Contra a corrida armamentista e no proliferao de armas nucleares: Alfonso Garca Robles

    Sobre os direitos humanos no espao internacional Oscar Arias

    4.1.2.5 Ideias sobre a insero no espao global:

    Sobre o comrcio justo e o dilogo norte/sul Ral Prebisch

    Desde a doutrina da segurana nacional Golbery do Couto e Silva, Edgardo Mercado Jarrn

    A partir da solidariedade com os pases do Terceiro Mundo Fidel Castro, Ernesto Guevara, Salvador Allende

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    409reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    Gesto de organizaes da sociedade civil no espao internacional Lincoln Bizzozzero

    4.1.2.6 Ideias sobre a autodeterminao dos povos:

    Sobre prescindir do reconhecimento das mudanas de governo em outros Estados, assumindo o direito de permanecer ou retirar as repre-

    sentaes diplomticas Doutrina Estrada (Genaro Estrada)

    4.1.2.7 Ideias sobre a teoria dos estudos internacionais e teoria da histria

    dos assuntos internacionais:

    Sobre os paradigmas Amado Cervo, Ral Bernal-Meza, Joaqun Fer-mandois

    5 o temA dA IntegrAo Como exemPLo de reeLABorAo eIdtICA

    Apresentaram-se duas cartografias que permitem orientar-se, ainda

    que seja primariamente, no que pode denominar-se como a produo lati-

    no-americana em estudos internacionais. Estas cartografias, porm, da

    mesma forma que nos estudos geogrficos, no so simplesmente retra-

    tos ingnuos ou cabais da realidade, seno que se fez articular nfase

    no tema da integrao e se mostraram algumas conexes com outros

    conceitos e ideias.

    Proponho-me na continuao, e como ltimo ponto, a trabalhar a

    ttulo de exemplo, com um dos conceitos mais recorrentes (e por isso

    mesmo mais manuseados e desvirtuados) do pensamento latino-ameri-

    cano sobre questes internacionais, precisamente o da integrao. Este

    conceito encontra-se na base de projetos como da Associao Latino-Ame-

    ricana de Livre Comrcio (Alalc), o Mercado Comum do Sul (Mercosul),

    a Comunidade Andina de Naes (CAN) ou a Unasul, tanto como de orga-

    nismos como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Insti-

  • eduArdo deVs-VALds

    410 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    tuto para a Integrao Latino-Americana (Intal) e o Convnio Andrs Bello

    (CAB), e dentro do CAB o Instituto Internacional de Integrao. dizer,

    um conceito que ainda que tenha servido para uma imensa quantidade de

    palavrrio oco, tambm inspirou ou fundamentou numerosas iniciativas,

    com melhor ou pior sorte.

    possvel imaginar uma srie de cenrios de elaborao terica a

    respeito da integrao, realizando combinaes em uma espcie de jogo

    de engenharia ou de culinria que permita confeccionar, a partir de com-

    ponentes bsicos e do ingrediente fundamental que a noo integra-

    o, produtos eidticos mais elaborados. Ao menos em uma primeira

    etapa requisito deste jogo empregar unicamente elementos procedentes

    da produo latino-americana. Devo insistir que estou falando desde os

    estudos eidticos e no como internacionalista nem tampouco como um

    expert em poltica exterior. A ideia trabalhar desde os estudos eidticos

    para potencializar interdisciplinarmente os estudos internacionais. Deste

    modo, o assinalado est particularmente destinado s e aos estudantes

    que se ocupam destas disciplinas e que devem realizar investigaes que

    renovem, melhorem ou cultivem o patrimnio existente.

    Vrios dos conceitos e ideias que foram apresentados nas cartogra-

    fias esto muito pouco teorizados ou pouco constitudos teoricamente para

    alcanar uma condio suficiente, de modo que possam ser considerados

    verdadeiros referenciais nas discusses. Constituir-los teoricamente

    contribuir para faz-los mais manuseveis. Agora, isto de reconceitualizar

    e dar-lhes maior consistncia terica para faz-los mais aptos pode enten-

    der-se em dois sentidos: como acrscimo do acervo eidtico existente ou

    como afinamento de certas dimenses do j existente, tornando-as mais

    adequadas.

    Para esta tarefa de outorgar maior consistncia terica e faz-las

    mais aptas, pode-se proceder com dois mtodos: o de reforar as ideias

    existentes e o de cruz-las com outras: Reforar significa acrescentar e/

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    411reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    ou fortalecer um conceito ou uma ideia. No meio ambiente das Cincias

    Sociais a noo de integrao se usa como integrao social oposta

    marginalidade e como integrao internacional oposta desagrega-

    o, a separatismo em ocasies, a nacionalismo ou soberania nacio-

    nal dentre outras. Neste caso, quando se fala de integrao assume-se

    como integrao latino-americana e, como se pode perceber, teve boa

    quantidade de protoconcepes e logo derivaes ou ramificaes. Neste

    plano, a noo integrao foi quase sinnimo de unio americana (ou

    latino-americana, tendo como seu ltimo perodo clssico o dos anos

    60, com um conjunto de iniciativas, derivadas em sua maior parte das for-

    mulaes cepalinas, baseadas em uma interpretao muito elaborada do

    funcionamento da economia mundial. Segundo Antonio Ocampo, para Ral

    Prebisch, A propagao universal do progresso tcnico desde os pases

    originrios ao resto do mundo foi relativamente lenta e irregular. Esta

    afirmao, com a qual se inicia a que talvez a mais conhecida, constitui

    o ponto de partida do pensamento de Prebisch. Este tem uma implicao

    metodolgica fundamental: a dinmica dos pases em vias de desenvolvi-

    mento no pode ser analisada independentemente de sua posio dentro

    da economia mundial. As assimetrias internacionais caractersticas do

    sistema centro-periferia, a necessidade de adotar estratgias ativas de

    desenvolvimento desde dentro, includas aquelas dirigidas a enfrentar

    os problemas especiais que geram a heterogeneidade cultural, e o papel

    crtico (chave) da integrao regional, constituem trs eixos centrais no

    pensamento de Prebisch (Ocampo, 2001). Neste sentido, reforar reela-

    borando a noo de integrao supe fundamentalmente situ-la em uma

    nova teoria da economia internacional em tempos de globalizao.

    Por outra parte, cruzar ou combinar o conceito integrao com

    outros conceitos, como democracia e sociedade civil, por exemplo, uma

    segunda opo para outorgar-lhe consistncia. O conceito integrao

    manejou-se de maneira um tanto quanto espontnea, como a tendncia a

    constituir (reconstituir) uma grande nao desfeita, ou invertebrada na

  • eduArdo deVs-VALds

    412 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    frmula que Filipe Herrera tomou de Jos Ortega y Gasset. A noo de

    integrao pode cruzar-se com a noo de sociedade civil. Esta ltima

    teve um desenvolvimento profuso no meio ambiente intelectual latino-

    americano at o ano 2000, pouco antes ou pouco depois, particularmente

    ano mbito nacional, ainda que aludindo em ocasies igualmente ao meta-

    nacional.

    Unir a noo integrao latino-americana com a noo de socie-

    dade civil (Cohen; Arato, 2000) significa, por uma parte, imaginar uma

    integrao realizada desde muitos distintos agentes e significa imaginar

    uma sociedade civil que no se restringe nem se esgota no interior do

    Estado-nao. Pelo contrrio, concebe uma sociedade civil que transcende

    o Estado-nao e que se comunica por viagens ou meios eletrnicos, que

    assume expresso miditica, que se conecta mediante uma institucionali-

    dade com presena metanacional e transfronteiria.

    Essa emergncia de uma sociedade civil faz-se particularmente

    patente para o meio intelectual, na constituio de redes intelectuais meta-

    nacionais que assumem papeis acima das soberanias nacionais e que se

    colocam tarefas de trabalho conjunto, articulando e potencializando ins-

    tncias originadas no interior dos Estados-nao. Esta tarefa que muito

    antiga na intelectualidade latino-americana, que em medida importante

    atuou integrada em numerosas iniciativas, sendo talvez a mais importante

    a constituio de um espao intelectual comum, com uma trajetria, uma

    delimitao de campo, uma conceitualizao, alguns temas, etc., que per-

    mitem falar de um espao comum latino-americano, em muitos aspectos.

    Seria possvel pensar que a constituio de redes e de uma socie-

    dade civil intelectual latino-americana um mero epifenmeno com pouca

    ou nenhuma relevncia, entretanto na hora de assumir a importncia da

    sociedade do conhecimento e da informao, devemos igualmente assumir

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    413reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    a importante projeo que estas redes podem ter para o futuro da regio,

    por sua prpria produo e pelo efeito de demonstrao para outros agen-

    tes sociais.

    O modo de pensar e de atuar da intelectualidade (em certo plano)

    um modelo de integrao por parte da sociedade civil. A existncia, por

    exemplo, da Universidade Andina Simn Bolvar e do Convnio Andrs

    Bello, como instncias culturais e intelectuais intergovernamentais, mas

    tambm feitos como a multiplicao das sociedades cientficas, dos agrupa-

    mentos acadmicos e das redes intelectuais que se assumem como latino-

    americanos e no como nacionais, oferecem um modelo de ao que pode

    servir para outros agentes sociais, que se situam acima das possibilidades

    e vontades polticas (ou no) dos Estados e dos governos. Agentes econ-

    micos, agentes sindicais, ONGs, organizaes sociais vrias, podem tomar

    exemplos (e vice-versa, por certo) das iniciativas que desde o sculo 19

    vm desenvolvendo uma intelectualidade que foi criando (ainda que seja

    com pouca conscincia e pouca vontade) uma cultura da interconexo

    transfronteiria, das redes e de uma conceitualizao que lhe permite pen-

    sar-se como totalidade alm do Estado-nao. Neste sentido, concebe-se

    a integrao no somente como ocupao dos Estados nem muito menos

    unicamente dos governos.

    Na tarefa de engenharia eidtica que se props, pode-se ainda lanar

    mo de outros elementos. Uma possibilidade para avanar nisso consiste

    em agregar as ideias pan-africanistas emergidas no meio ambiente intelec-

    tual do Caribe, durante a primeira metade do sculo 20. O pan-africanismo

    uma aposta a integrar no somente aos Estados africanos e as pessoas

    que ali vivem, mas a todos os afrodescendentes do mundo em uma tarefa

    comum de defesa ou promoo do que chamou a raa negra (Devs-Val-

    ds, 2008).

  • eduArdo deVs-VALds

    414 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    Realizando um cruzamento entre as ideias integracionistas clssi-

    cas e as pan-africanistas podemos pensar o processo de integrao no

    somente como uma questo de Estados, mas tambm de sociedade civil,

    mas no tendo apenas em conta a sociedade civil existente em nossos

    territrios, mas a composta por toda a gente que se considera a si mesma

    latino-americana, tendo em conta ento as nossas numerosas e massivas

    colnias residentes nas diferentes cidades dos EUA, Canad, Espanha,

    Europa em geral e Austrlia.2

    6 ConCLuSeS e ProjeeS

    Voltemos atrs:

    a) comeou-se formulando o problema em relao necessidade de assu-

    mir a prpria trajetria do pensamento latino-americano para aportar

    interpretao e ao no mbito internacional;

    b) ps-se em seguida nfase na conjuntura do bicentenrio e na neces-

    sidade de realizar uma avaliao dos 200 anos de vida independente,

    e particularmente da poltica ou agenda internacional, que permita

    projetar-nos at o futuro;

    c) continuou-se com um conjunto de referncias aos mbitos em que a

    trajetria do pensamento latino-americano foi constituindo um amplo

    conjunto de conceitos, trabalhos, critrios, doutrinas e estudos que con-

    formam um patrimnio-capital eidtico subutilizado para estudar nossa

    projeo no mundo;

    2 Nisto muito importante tomar conscincia do que ocorreu, por exemplo, com as nume-rosas colnias chinesas do ndico e do Pacfico e sua importncia comercial, poltica e na circulao das ideias e das pessoas, ao longo da histria moderna da China.

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    415reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    d) focalizou-se a ateno no tema da integrao como um dos mais abor-

    dados em nosso pensamento, realizando com ele um exemplo de ree-

    laboraes e cruzamentos tericos que apontem a contemplar a cres-

    cente presena da sociedade civil e da intelectualidade no mbito das

    exigncias da sociedade do conhecimento.

    Como concluso desejo referir-me a quatro pontos:

    1) Fazer presente no mundo o patrimnio eidtico da ALC

    Isto de fazer presente no mundo o patrimnio eidtico da ALC que

    pode soar como enigmtico ou obscuro para algumas pessoas, algo de

    fundamental importncia para melhorar nossa posio no supermercado

    cultural global. A presena de nossas expresses culturais, no s como

    formas artsticas, passa pela apresentao ou exibio de critrios, princ-

    pios, doutrinas, etc., que provenham da ALC. Nossa presena no espao

    global passa no s por jogar bem no campo tal como outros a marcaram,

    mas tambm pela participao na marcao mesma do campo e na regula-

    mentao do jogo. Para fazer isto, segundo princpios que nos sejam mais

    favorveis, devemos comear ns mesmos a manejar os critrios prprios,

    mas tambm sermos capazes de apresent-los nos foros mundiais e ganhar

    sua legitimidade.

    2) A tarefa do bem-pensar como chave para melhorar a sorte de nossos

    povos

    Se necessrio melhorar a presena e a ao exterior de nossos

    povos e em geral seu desempenho na sociedade do conhecimento e no

    espao globalizado, faz-se necessrio criar uma instncia de assessoria que

    facilite aos agentes latino-americanos (estatais ou no) melhores possibili-

    dades de desenvolvimento e insero no espao mundial. Faz-se necess-

    rio pr em marcha a criao de um programa de Estudos Internacionais

    Aplicados que se ocupe de fazer investigaes e de entregar assessoria aos

    milhares e milhares de agentes originrios da ALC que aspiram a sobre-

  • eduArdo deVs-VALds

    416 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    viver e apostar no macroecossistema global, como: Estados, reparties

    pblicas, governos estaduais e municipais, universidades, organizaes

    de trabalhadores, empresas, ONGs, partidos e agrupamentos polticos,

    igrejas, corporaes desportivas de variadas ndoles, entre muitos outros

    agentes.

    Nossa universidade de Santiago do Chile decidiu assumir uma

    pequena parte deste desafio e j ps em marcha a primeira etapa de um

    programa que aponta nesta direo. Apresentou ao Grupo de Universi-

    dades de Montevideo, que agrupa um conjunto importante de universi-

    dades do Mercosul, uma iniciativa para que este agrupamento sustente

    tal projeto, mas ainda que a proposta no fosse acolhida, conta-se j com

    fundos e uma equipe humana para iniciar o trabalho. a oportunidade

    para convidar para este foro aqueles que queiram participar desta inicia-

    tiva, que tende a ser verdadeiramente regional e no nacional, a propor

    suas contribuies e pontos de vista, e isso particularmente aos jovens que

    desejem fazer estudos de Ps-Graduao conosco.

    Isto se est pensando como uma ao mais no interior de uma geo-

    poltica do conhecimento e das redes intelectuais da regio, uma instncia

    mais que contribua para o desenvolvimento da ALC no mbito mundial e

    isso parte da construo de uma Internacional do Conhecimento, cujo

    trabalho seja animar e coordenar aqueles que em um amplo sentido exer-

    cem a profisso do conhecimento.

    3) A inovao terica

    Seria muito ambicioso, improcedente e muito superior as minhas

    foras, nesta oportunidade, formular uma teoria alternativa s que se

    manejam quando se analisam os fenmenos internacionais, mas pode-se

    sim assinalar que a maioria das teorias existentes considera a realidade

    chamada internacional sobre a base da interao de entes que so os

    Estados-nao, o que quase tautolgico, pois por isso se diz inter-

    nacional.

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    417reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    Quando se trata de estudar a existncia e o desenvolvimento no

    mundo de milhes (literalmente, milhes) de agentes, cujas dimenses so

    to diferentes como as que separam uma baleia azul de um estafilococo,

    melhor imaginar isso que se denomina espao internacional como um

    mbito que funciona de maneira similar a um grande ecossistema, em

    que se atua, se sofre, se morre ou se prospera. Para este efeito, ao menos,

    no correto chamar a este ecossistema mundial um cenrio porque

    ridculo imaginar um cenrio com milhes de protagonistas, nem atores

    que ali pululam e pugnam por encontrar um lugar sob o sol, pois muitas

    vezes carecem completamente de papis e apenas se inserem em nichos

    mnimos desenvolvendo-se como podem. Estas expresses antigas, tingi-

    das de um certo halo aristocrtico, podem ser vlidas para entender o que

    ocorria na pequena e provinciana Europa do sculo 19. Para entender este

    outro mundo que temos hoje, to amplo e to estranho, com seus mltiplos

    submundos, valem mais novas concepes que aludam a dimenses popu-

    lares. Em todo caso, mais que a teoria realista, idealista ou grociana,

    imaginadas para entender o funcionamento dos grandes agentes estatais,

    poderia ocupar-se a teoria dos jogos ou das decises para imaginar e ilus-

    trar os milhes de pequenas estratgias e opes de todos os diversos

    agentes que se debatem cotidianamente em dito sistema global.

    Acredito que, neste sentido, a comunidade dos que estudam os

    assuntos internacionais no foi capaz de tematizar suficientemente este

    outro mundo, menos elegante e grandiloquente, mas necessitado de uma

    teorizao que lhe facilite autoentender-se em seus trabalhos metafron-

    teirios ou metanacionais, mas qualific-los de internacionais pode

    ser em muitos casos demasiadamente desproporcional. Inclusive penso

    que, para este efeito, no adequado sequer falar de um espao inter-

    nacional, porque no estamos nos referindo a um espao determinado

    somente pelos Estados-nao, seno que melhor falar de um espao

    planetrio ou plantico, de imensa desordem, no qual formigam e jogam

    milhes de agentes.

  • eduArdo deVs-VALds

    418 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    Insisto nisso: pensar na poltica exterior como a materializao no

    espao internacional no qual se confrontam os interesses de monolticos

    Estados-nao, no est errado, mas tremendamente parcial. Uma viso

    mais democrtica pensar na insero no mundo da multiplicidade de

    agentes que assim o desejam. Este agentes, que so nossos cidados e

    cidads, necessitam de assessoria para se inserir melhor no meio ambiente

    mundial. Inclusive podem imaginar-se incubadoras de insero de agen-

    tes que trabalhem em colaborao com nossos Estados ou com nossas

    associaes interestatais. Esta tarefa necessita de teorias e penso que no

    as temos. Nossas universidades, centros de investigao e think-thanks

    devem ocupar-se disto.

    4) Integrao e poltica exterior do mnimo comum

    Ainda que sustentando a concepo de um espao plantico que

    deve ser pensado de maneira distinta do internacional, no quero dizer

    que esta ltima noo deva descartar-se, seno somente pr-se em seus

    justos termos. De fato, podemos imaginar uma certa poltica exterior

    comum por parte da regio, em que os agentes estatais so decisivos,

    ainda que nada monolticos nem possuidores de uma vontade nica.

    O mundo quanto mais distante est nos v aos latino-americanos de

    modo mais homogneo. De longe no se veem nossas diferenas, seno

    nossas similitudes. A necessidade de trabalhar sobre a base de uma agenda

    exterior comum, de mnimo comum, especialmente no mbito cultural

    e cientfico-tecnolgico, no qual praticamente no temos oposies entre

    ns, aparece como algo do mximo interesse. Chamo poltico do mnimo

    comum aquele que permite atuar coordenadamente em todos aqueles

    aspectos sobre os quais somos compatveis, em que no representamos

    ameaas para o outro, pondo para este efeito, entre parnteses, aqueles

    sobre os quais no somos.

  • A Constituio de um PensAmento LAtino-AmeriCAno sobre Assuntos internACionAis

    419reVistA direitos humAnos e demoCrACiA

    A identidade internacional da ALC, se a temos, dbil e muito pouco relevante no mbito mundial. Muito mais reconhecida nossa identidade cultural que, vista de longe, parece mais homognea, forte, interessante e provedora do que ns mesmos a consideramos. Nossa pol-tica exterior de mnimo comum deve afirmar-se de maneira principal em nossa identidade cultural, nossa dimenso mais prestigiosa, sem dvida, no espao global, articulando-a ao patrimnio ecolgico que deve ser nosso segundo elemento de imagem.3.

    Entre os dez Interesses da Poltica Exterior do Chile encon-tram-se: contribuir para o fortalecimento da integrao regional; fortale-cer a imagem no exterior; contribuir para a insero do Chile nas redes de cincia e tecnologia mundiais; difundir e promover a cultura chilena no exterior. Parece-me que estes objetivos se revestem de baixssimos nveis de ameaa para os demais pases da ALC e possibilitam justamente acordos de mnimo comum.

    No s isso, porm. So objetivos em que a poltica exterior pode pensar-se como a poltica exterior dos Estados, mas tambm pode pen-sar-se como a projeo at o mundo dos mltiplos agentes que compem a nao e melhor ainda como a projeo da nao nossamericana. Entendo que isso pode soar a simples romantismo e inclusive populismo ou volunta-rismo intelectual. Volto, porm, a insistir: no sou um especialista em rela-es internacionais e muito menos um agente da poltica exterior chilena. Somente, desde minha atividade, os estudos eidticos, quis formular duas ou trs propostas e um modelo para pensar melhor a tarefa (ou insero) de nossos povos no mundo.

    Muito obrigado.

    3 Por certo, esta projeo de imagem no carece de riscos, particularmente a segunda dimen-so, a ecolgica, que nos associa com nossa histrica imagem de produtores de matrias primas, alimentos e minrios, e incapazes de entregar valor agregado aos bens, mas con-venhamos que isto, no comeo do sculo 21 no tem o mesmo sentido negativo que teria tido no meio da era industrial.

  • eduArdo deVs-VALds

    420 ano 1 n. 2 jul./dez. 2013

    7 refernCIAS

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    DEVS-VALDS, Eduardo. El pensamiento latinoamericano en el siglo XX. Entre la modernizacin y la identidad. Tomo I Del Ariel de Rod a la Cepal; Tomo II Desde la Cepal al neoliberalismo; Tomo III Las figuras de fin de siglo, Biblos-Dibam; Buenos Aires; Santiago, 2000, 2003, 2004.

    ESCUD, Carlos. El realismo perifrico. Buenos Aires: Planeta, 1992.

    GUIMARES, Samuel Pinheiro Quinhentos anos de periferia: uma contribuio ao estudo da poltica internacional. Porto Alegre; Rio de Janeiro: Ed Universi-dade UFRGS; Contraponto, 2000.

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    RUSSEL, Roberto. 2006. Disponvel em: .

    www.internacionaldelconocimiento.org

    Recebido em 18/7/2013

    Aceito em 18/7/2013

    Autor convidado.