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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Faculdade de Educação Programa de Pós-graduação em Educação DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS SIGNIFICATIVOS: UM HORIZONTE MAIS CRÍTICO NA GEOGRAFIA ESCOLAR Ana Carla Barbosa Viveiros Abril de 2014 1

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Programa de Pós-graduação em Educação

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS SIGNIFICATIVOS: UM

HORIZONTE MAIS CRÍTICO NA GEOGRAFIA ESCOLAR

Ana Carla Barbosa Viveiros

Abril de 2014

1

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Programa de Pós-graduação em Educação

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS SIGNIFICATIVOS: UM

HORIZONTE MAIS CRÍTICO NA GEOGRAFIA ESCOLAR

Ana Carla Barbosa Viveiros

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-graduação em Educação- na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para obtenção do título de Mestre em Educação.Orientadora: Prof.ª Dra. Celeste Azulay Kelman

Abril de 2014

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Viveiros, Ana Carla Barbosa

A Construção de Conhecimentos Significativos: Um Horizonte mais Crí-

tico na Geografia Escolar/ Ana Carla Barbosa Viveiros – Rio de Janeiro,

2014. 128p.

Dissertação de Mestrado- Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Educação.

Orientadora: Celeste Azulay Kelman

Banca: Carlos Bernardo Frederico Loureiro; Marco Antônio Campos

Couto.

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Ana Carla Barbosa Viveiros

A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS SIGNIFICATIVOS: UM

HORIZONTE MAIS CRÍTICO NA GEOGRAFIA ESCOLAR

COMISSÃO JULGADORADISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

Orientadora: Prof.ª Dra. Celeste Azulay Kelman

Banca Examinadora:

____________________________________Prof. Dra. Celeste Azulay Kelman

Orientadora - UFRJ

___________________________________Prof. Dr. Marco Antonio Campos Couto

Avaliador - UERJ

____________________________________Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro

Avaliador - UFRJ

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“´É imprescindível que os geógrafos tenham relações com o poder e tais relações são necessárias para

que a Geografia não seja tão só um discurso ideológico e que ela apareça como saber estratégico. Mas essas

relações podem não ser necessariamente servis; elas podem ser contraditórias e, para certas pessoas, antagô-

nicas”.

Yves Lacoste, 1988.

Aos meus alunos e alunas,

Mariana, Rayane, Ingrid, Paola, Ronald, Gabriela, Mauro, Cristiano, e, todos os outros, que infelizmente

não há como aqui expor todos os seus nomes, nomes que minha memória jamais esquecerá, ao menos

enquanto respirar educação. São esses sujeitos que através de suas ações, falas e pensamentos me fizeram ter

o desejo de quase enlouquecer trabalhando e tentando construir uma Geografia Escolar real e útil num

aligeirado mestrado no campo educacional.

Educar e aprender são ações que caminham lado a lado e exigem tempo e dedicação, tempo esse raro

nos dias atuais, seja para produzir uma dissertação como para conhecer um pouco a história de cada aluno ou

aluna que perpassou a minha vida de educadora. Por esses que cruzaram meu caminho ensinando tanto, sem

nada cobrar, é que pretendo a minha aula aprimorar e se possível, contribuir para a Geografia Escolar

transformar.

Obrigada!

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AGRADECIMENTOS

Como não poderia deixar de ser, agradeço a minha mãe e a meu pai por tudo, definitivamente

tudo que fizeram e abriram mão por minha causa. Essa dissertação é apenas mais uma exemplo do

que o amor e a dedicação são capazes de fazer ao próximo. Minha mãe abriu mão do seu carnaval a

fim de que eu pudesse concluir esse trabalho. Cuidou da minha filha, Ana Elisa, com todo afeto de

uma avó babona.

Ao meu pai, um dos maiores exemplos de ser humano que tenho, a generosidade é tanta que

digo que se existe um plano, ele tem vaga cativa. Ao meu irmão, por todo apoio e conselhos que me

conduziram até onde estou. E ao meu sobrinho e filha, minhas inspirações para ser um ser humano

melhor.

Ao meu marido Alexsander Souza que aturou as crises de desespero e a total falta de tolerância,

principalmente pelo sentimento de culpa em deixar minha filha, mesmo estando com a minha mãe,

doía muito quando ela falava: “Para de estudar. Brinca comigo ou lê esse livro aqui pra mim

mamãe”!

Aos companheiros professores que tanto me escutaram e ajudaram com suas falas, experiências

e dicas, auxiliando na confecção da dissertação como no trabalho diário em sala de aula.

À Professora Celeste Azulay Kelman com toda a sua paciência e carinho, sempre disposta a

orientar, nos dar um norte a fim de enriquecer as nossas reflexões e análises. Sempre me sentia

confortada quando sentávamos para conversar, uma orientadora “mãezona” mesmo que até na hora

de puxar a orelha é com aquele jeitinho de quem deseja mais e mais … só o melhor para os seus

orientandos.

Aos professores Roberto Leher e José Jairo Vieira, que participaram da Banca de qualificação,

apontando caminhos metodológicos e referências bibliográficas que ajudaram bastante nessa

caminhada, além das reflexões em suas disciplinas que vão além da academia, pois são

incorporadas ao cotidiano seja na vida pessoal como profissional.

À Solange, da Secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação, mais conhecida como

Sol, que realmente traz luz onde reina a dúvida, sempre, sem exagerar. Prestativa e atenciosa como

o Ricardo, que me atendeu no dia da inscrição para a seleção do mestrado, mesmo passando

bastante da hora.

Às professoras Mônica Pereira dos Santos e Daniela Patti, nas disciplinas Seminário de

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Dissertação e Educação Brasileira respectivamente, que foram extremamente importantes na

trajetória do mestrado e nas reflexões traçadas sobre a educação no Brasil, e, o que é fazer pesquisa

nessa temática.

Ao professor Marco Antônio Campos Couto que não apenas aceitou participar da banca de

exame, mas foi um dos primeiros que me estimulou a pensar a Geografia Escolar não a

considerando apenas reflexo direto do que se faz na Geografia Acadêmica. Emprestando seus livros

e tempo para auxiliar uma professora em pânico.

À professora Ana Claudia Ramos Sacramento que embora sem nunca ter me visto, aceitou

participar desse momento tão importante em minha vida como professora. Obrigada pelo aceite de

compor a banca dessa dissertação. E ao professor Carlos Frederico Bernardo Loureiro que também

foi de uma imensa generosidade ao aceitar participar da banca. Muito grata.

À professora Katia Regina Costa Cardoso companheira de luta por uma educação de qualidade,

mesmo trabalhando mais de 20 anos com educação , acredita e luta – um exemplo.

Apesar de todas as dificuldade em estar em sala de aula atualmente, salário baixo,

sucateamento da escola pública, sala de aula com média de temperatura de mais de 30 graus Celsius

água quente e de qualidade duvidosa, ausência de uma biblioteca, entre outros pontos, são os alunos

e alunas o verdadeiro sentido de todo esse trabalho.

Agradeço também aos demais alunos do mestrado, companheiros na luta contra o tempo

aligeirado que, em muitos momentos, não nos permite sequer nos aproximar da luta na

universidade, nem de conhecer melhor as pessoas com as quais dividimos, compartilhamos ou

discordamos , em alguns momentos, conseguindo superar a corrida, ouvindo e escutando.

Conhecemos pessoas maravilhosas e cabe aqui ressaltar a importância da Tayane Pessoa, amizade

que a distância geográfica não atrapalhará.

Agradeço a todos os brasileiros que me permitiram realizar essa pesquisa através da bolsa do

CNPQ / PIBIC. Sei que num país que ainda falta pão e em que um trabalhador ganha um salário

mínimo de R$ 724,00 reais, realizar a pós-graduação ainda é um luxo. É neste sentido que espero

que esse trabalho possa ser útil e não seja mais um volume a ser guardado em alguma estante real

ou virtual.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1- Entrada principal ….............................................................................................71

Imagem 2-Pátio externo..........................................................................................................71

Imagem 3 -Construção do Comperj........................................................................................72

Imagem 4-Arco Rodoviário....................................................................................................76

Imagem 5-As Crianças símbolos da esperança......................................................................79

Imagem 6-As mudanças que queremos..................................................................................93

Imagem 7-A Problemática da Água........................................................................................94

Imagem 8-A Educação............................................................................................................95

Imagem 9-Os Meios de Transporte.........................................................................................95

Imagem 10-Saneamento Básico.............................................................................................96

Imagem 11-Pavimentação......................................................................................................96

Imagem 12-Dimensão Política...............................................................................................97

Imagem 13-Produção Textual.................................................................................................98

Imagem 14-Os Alunos............................................................................................................99

Imagem 15-Organizando a Festa..........................................................................................100

Imagem 16-As Solicitações..................................................................................................104

Imagem 17-Os Cartazes dos Alunos.....................................................................................104

Imagem 18-Os Nossos Encontros..................... …...............................................................105

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1-Resultado de dados da CAPES.....................................................................................21

Tabela 2- Os problemas apresentados pelos entrevistados..........................................................83

Tabela 3-As Mudanças necessárias.............................................................................................84

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1-Tempo de Residência..................................................................................................82

Gráfico 2-As Fontes de Abastecimento de água no dia a dia…..................................................84

Gráfico 3- As Mudanças nas Paisagens.......................................................................................86

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RESUMO

O estudo sinaliza a importância de se considerar a realidade dos alunos com o objetivo de superar uma geografia escolar fragmentada e “enfadonha”, como aponta Yves Lacoste (1988). O estudo foi realizado numa escola municipal localizada em Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro. Devido a instalação do Comperj (Complexo Petroquímico) as mudanças são grandes, tanto no que se refere ao econômico, social, ambiental e cultural cabendo a geografia permitir aos alunos entenderem as transformações que enfrenta a sua cidade. O reconhecimento de sua realidade seria uma das etapas da pedagogia histórico crítica que pretende considerar os conhecimentos espontâneos dos alunos e suas experiências, a fim de que esses possam ir além do imediato. Com o objetivo de compreender a Geografia Escolar e como a Geografia Crítica encontra-se atualmente, dialogamos com autores que refletem sobre a história do pensamento geográfico, analisando as diferentes matrizes e suas visões de mundo. É dentro desse quadro que emerge a questão de que a Geografia Crítica se manteve tradicional em sua essência, refletindo no ecletismo de abordagens que marcam as aulas de geografia nos dia atuais. A entender como a Geografia Crítica encontra-se em pleno desenvolvimento como trabalhá-la em nossas escolas? Nesse estudo se enfatiza a necessidade de trabalhar a Geografia Crítica nas salas de aula a partir da abordagem sócio construtivista como a base para a formação de conceitos que permita aos alunos um pensamento crítico e dialético. A intenção é de que os alunos aprofundem o olhar sobre seus espaços, indo da aparência à essência na formação de conceitos e no conflito entre o cotidiano e o científico. No que concerne a metodologia, adotamos o método dialético e a pesquisa ação, uma vez que se objetiva alterar a forma como se ensina e trabalha geografia diariamente, contribuindo dessa forma para a ampliação do seu horizonte crítico. Concluímos que de fato a realidade do aluno pode ser o caminho para a consolidação de uma geografia crítica que o permita refletir sobre o seu lugar articulando-o com um todo maior. E que as transformações que a cidade de Itaboraí enfrenta em face da instalação do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) não precisam ser limitadas ao interesse do grande capital, sem considerar as demandas da população local que não pode ficar restrita apenas aos impactos sociais, econômicos e ambientais oriundos de uma urbanização empreendedora.

Palavras chave; Geografia Escolar, Dialética, Conhecimentos Significativos.

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ABSTRACT

The study intends to point out the importance of considering the reality of the students aiming to overcome a fragmented school geography and "boring", as Yves Lacoste (1988). It was conducted in a school located in Itaboraí, Rio de Janeiro's metropolitan region. Where Installing Comperj (petrochemical complex) caused great changes, both with regard to the economic context, social, environmental and cultural, and the Geography allow students to understand the transformations of their city . The recognition of its reality would be one of the stages of the historical-critical pedagogy that intends to consider the spontaneous knowledge of the students and their experiences, in order that these may go beyond the immediate. In order to understand the School Geography and how Critical is currently talking with authors who reflect on the history of geographical thought, analyzing the different arrays and their worldviews. It is within this framework that emerges the question of that Critical geography remained traditional at their core, reflecting the eclecticism of approaches that mark the current day us geography lessons. How understand that Critical geography is in full development, how to work it in our schools? In this study, from a socio-constructivist approach, emphasizes the need to work the Critical Geography in the classroom as the basis for the formation of concepts which allow students a critical thinking and dialectical. The intention is that the students deepen the look over their spaces, ranging from appearance to the essence in forming concepts and in the interaction between the spontaneous and the scientific. With regard to methodology, adopt the dialectical method and action research, since it aims to change the way he teaches and works daily geography, contributing in this way to the expansion of critical horizon of the students.

Keywords: Geography, Dialectic, Significant Knowledge.

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SUMÁRIO

A CONVERSA INICIAL ........................................................................................................13

1- OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS....................................................................................28

1.1- Um Horizonte mais Crítico na Geografia...........................................................28

1.2- O Pensamento Crítico na Geografia ..................................................................35

1.2.1- A Geografia Crítica se mostrou Crítica na Aparência, mas na Essência manteve parâmetros tradicionais?..................................................................44

1.3-Da Aparência a Essência: Um Movimento mais do que Necessário, Urgente!...50

2- O PENSAMENTO CRÍTICO NA ESCOLA......................................................................56

3- O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA.......................................................66

3.1- A Escola Municipal Promotor Luís Carlos Caffaro.............................................703.1.1- Um Olhar sobre Itaboraí.......................................................................73

3.2- Os Sujeitos da Pesquisa.......................................................................................813.3 – As percepções sobre o lugar ............................................................................82 3.4 – Diário de Bordo..................................................................................................863.5- As Conversas Informais.......................................................................................87

4-AS AULAS DE GEOGRAFIA..............................................................................................884.1 - A Cidade que temos e a Cidade que Queremos.................................................924.2 – A Escola que temos e a que Queremos..............................................................984.3 - A Barraca da Cidadania …...............................................................................1034.4 - Os Eventos Bimestrais …................................................................................1054.5 -Os Olhares dos Alunos ….................................................................................106

5- PARA NÃO CONCLUIR .............................................................................................. 109

6- REFERÊNCIASCONSULTADAS.................................................................................. 116

7-APÊNDICES ......................................................................................................................123

7.1- O Comperj e suas Implicações a Cidade de Itaboraí........................................123

7.2- Questionário Construído em Conjunto com os Parceiros, Alunos e Alunas.....127

7.3- Tabelas Complementares...................................................................................129

7.4-Conhecendo os Alunos: Primeiro Contato..........................................................130

7.5-Atividade Construindo o Jornal..........................................................................131

7.6-Questionário Aplicado para a Produção do Documentário................................132

8 –ANEXOS........................................................................................................................135

8.1 – Dados da Secretaria de Segurança Pública......................................................135

8.2- Texto de José Francisco de Melo Neto..............................................................136

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A Conversa Inicial...

De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida. Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.

Nada é impossível de mudar.Desconfiai do mais trivial, na aparência singela.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.Bertolt Brecht

O poema de Bertold Brecht, presente na epígrafe deste estudo, foi escolhido

estrategicamente, a fim de contextualizar como os imperativos do capital refletem nas angústias de

uma professora que já não possui o sono tranquilo, por entender que a sua função social vai além de

transmitir os conteúdos da Geografia de forma fragmentada e descritiva aos seus alunos numa sala

de aula. Uma vez que ao compreender as contradições, percebo a necessidade de propiciar aos meus

alunos, o rompimento das amarras que os limitam a um horizonte naturalmente dado e por isso,

imutável. “A vida é assim mesmo...” ou “Relaxa, professora, não tem jeito de mudar isso aqui não!”

são frases que escuto ao tentar provocá-los a respeito dos problemas dos seus bairros e cidade.

Esta apresentação se faz necessária, a fim de contextualizar os objetivos desta pesquisa a

partir da minha experiência em sala de aula. Concluí a graduação em Geografia em 2007. No

referido ano realizei concursos públicos para as prefeituras de Itaboraí, Maricá e também para a

Rede Estadual. Em 2008 fui convocada pela Secretaria de Educação e Cultura de Maricá, sendo

encaminhada para a Escola Municipal Joana Benedita Rangel. Ao chegar à escola munida do

memorando de apresentação e de uma felicidade desenfreada pela conquista de um emprego sobre o

qual sonhava desde menina, fui atendida pelo diretor que me recebeu com a seguinte fala:

“Sinceramente, não sei por quais motivos te convocaram; chove professores de Geografia na Rede,

não tenho nenhuma carência aqui na escola de Geografia. Você vai dar aula de História!”.

A alegria antes incontida foi substituída por uma dupla preocupação: legalmente isso seria

possível, já que não tenho licenciatura em História? E como lecionar um conteúdo que não se

domina? Conversando com amigos professores, fui alertada que essa prática seria usual1, e que

1 No caso, o usual não reflete a aceitação de uma prática que corrobora para o desmantelamento da escola pública, mas reflete a carência de professores e dos demais profissionais da educação que em muitos municípios, e especificamente, o que será estudado empiricamente neste projeto, uma escola que constitui a rede municipal de educação e Itaboraí, onde a falta de professores concursados alimenta a estrutura política e o controle dos

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poderia assumir as turmas sem professor (a) de História, até a escola conseguir outro professor ou

professora, garantido minha lotação na escola e assumindo posteriormente a disciplina de Geografia

– a que julgava estar preparada e cheia de planos para pôr em prática. Iniciar a carreira dessa forma,

não era de fato o que esperava. Mas precisava trabalhar, e com o receio de perder a vaga ou ser

transferida para uma escola mais distante da área central de Maricá, o que dificultaria ainda mais o

acesso, aceitei o desafio e assumi as turmas. Fiquei pouco mais de um ano em Maricá; a saída

ocorre devido a uma gravidez de alto risco associada ao fator da distância, pois, morava em

Jacarepaguá e fui alocada a noite no ano de 2009, saindo da escola por volta das 22 horas e

chegando à minha casa, aproximadamente a 1 hora da manhã.

Apesar de todas as dificuldades, lecionar história possibilitou grandes aprendizados e

desafios. Uma hipótese que trazia da graduação começou a ser testada: a necessidade de considerar

a realidade dos alunos com o intuito de construir em conjunto conhecimentos significativos, que os

permitissem entender como a história é feita pelo ser humano e que nada é naturalmente inato, e,

por isso mesmo, imutável. Ao trabalhar com os alunos elementos e marcos da história de Maricá,

pude perceber como as alunas e os alunos ficavam envolvidos, o que ampliava as suas participações

tanto durante as aulas como nas atividades propostas e desenvolvidas ao longo do ano letivo. Não

via a hora de realizar este trabalho lecionando Geografia. Isto acontece no ano de 2009, quando

inicio o trabalho no município de Itaboraí.

Em Itaboraí, a apresentação à escola se deu de forma bem diferente. A diretora, que

administrava a escola em 2009, me recebeu muito bem, propiciando um clima acolhedor. O que

causou certo espanto foi a estrutura física da escola, a ausência de uma quadra para as crianças

realizarem atividades físicas, o aspecto da biblioteca e a própria situação do bairro Ampliação onde

se situa a escola. Um professor que trabalhava na rede há mais de 10 anos e que também trabalhou

comigo em Maricá me questionou sobre em qual escola eu trabalharia. Ao dizer o nome da escola,

Escola Municipal Promotor Luiz Carlos Caffaro, ele sorriu e disse – “boa sorte no Mendigão”.

Achei a fala preconceituosa e inadequada para um professor, mas ao me aproximar dos alunos logo

nas primeiras semanas, identifiquei que muitos se referiam à escola do mesmo modo.

Comecei a pesquisar trabalhos sobre o município de Itaboraí, a fim de instrumentalizar

minha prática que se iniciara no terceiro bimestre de 2009. Para a minha surpresa, encontrei

pouquíssimos materiais a respeito de sua história e geografia. Um dos materiais encontrados foi a

monografia do Fabrício H. Omelczuk Walter, aluno das Ciências Sociais da Universidade Federal

profissionais através dos contratos.

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Fluminense, a respeito das relações, das práticas e dos significados gerados / construídos entre a

população e o Estado na busca pelo cadastro para a obtenção da Bolsa Família. E, em número

maior, consegui ler e analisar alguns artigos relacionados à chegada do Complexo Petroquímico do

Rio de Janeiro (Comperj) e seus impactos ambientais, sociais, econômicos, culturais, entre outros,

para a população local e os municípios vizinhos como Tanguá, São Gonçalo, Rio Bonito e

Cachoeira de Macacu.

A partir desses materiais, estabeleci conversas com os professores e professoras que

residiam no município, tentando identificar o que sabiam sobre o megaempreendimento e

identifiquei que os professores haviam escutado algo a respeito, mas que não entendiam as

dimensões e as implicações do Comperj para as suas vidas e as dos nossos alunos. Como por

exemplo, a chegada de 50 mil pessoas apenas no ano de 2010. Estabeleci como meta discutir com

os alunos a Geografia Escolar a partir do Comperj e suas implicações para a cidade, e, apresentei

aos professores e professoras, através de um momento propiciado pela formação continuada, alguns

dados, imagens e reflexões a respeito do Comperj (ver apêndice I).

O Projeto Político Pedagógico da Escola, no ano de 2010, tinha como tema central, a

questão ambiental. Este elemento fortaleceu a minha justificativa sobre a importância / necessidade

de esclarecer nossos alunos e seus responsáveis sobre o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio

de Janeiro) e o que os especialistas apontavam em seus estudos de diferentes matizes – ambientais,

políticas, sociais e econômicas. Afinal, esses sujeitos que não estavam a par de todas as decisões

tomadas, seriam diretamente atingidos pelas mudanças. felizmente, apenas duas professoras, uma

de História e outra de Ciências, cederam seus tempos ao projeto em sala de aula, mas já foi possível

identificar uma maior participação e envolvimento dos alunos e responsáveis nas discussões

atividades desenvolvidas – como a Semana do Meio Ambiente que organizamos.

Mesmo realizando pesquisas sobre o município, buscando parcerias com os demais

companheiros de trabalho, tentando aproximar o cotidiano dos alunos aos debates em sala de aula,

percebia que tinha muito a fazer em relação aos conteúdos da Geografia. Sempre que uma aula

terminava, tinha a sensação que havíamos discutido muitas coisas, mas será que ao priorizar a

realidade dos alunos, eu não os estaria limitando em seus horizontes?

Um horizonte preso a verdades cristalizadas pela certeza de que “Itaboraí nunca vai mudar”

ou “lugar de pobre é assim mesmo, professora”. O incipiente elo dos responsáveis e também dos

alunos, em relação a sua cidade e seu bairro, foi identificado na questão 18 do questionário

(apêndice II), quando perguntamos o que o entrevistado mais admira na cidade. A admiração presa a

uma praça central distante do bairro, ou a nada, como foi respondido por 11 entrevistados,

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aproximadamente 25% do total (mais detalhe no apêndice 3).

A criminalização do bairro nitidamente foi ampliada desde a minha chegada à escola em

2009. Os dados da reportagem de Felipe Freire (Jornal o Dia, On Line, 2012) baseada na entrevista

feita com o delegado local Wellington Pereira e os dados de Secretaria de Segurança Pública

atestam o que estava na sensibilidade de quem trabalha no local e conversa com os alunos e

trabalhadores da escola que residem no bairro Ampliação. Em sua reportagem, Freire destaca que:

Comunidades como Complexo da Reta, Rua 100 e Nova Cidade são apontadas como as mais perigosas e com um novo perfil: já contam com bandidos armados com fuzis 7.62 e AK-47, e escopetas calibre 12, segundo a polícia. Outras como Engenho Velho, Itambi e Vila Brasil estariam com novas bocas de fumo (on-line).

Jornal o Dia, www.odia.ig.com.br, 25/01/13.

A reportagem oferece como exemplo a comunidade da Rua 100, que se localiza no bairro

Ampliação, local onde reside parte expressiva dos alunos da Escola Municipal Promotor Luiz

Carlos Caffaro devido à proximidade com a escola. Preciso apontar que no ano de 2011, apliquei

em meus alunos e alunas um questionário a fim de identificar o endereço, o bairro e gostos

relacionados a tipos de filmes, música, poesias, hobbies, locais que haviam visitado, com o intuito

de ajudar na escolha de recursos didáticos como o trabalho com músicas, poesias, filmes e até

mesmo exemplos. E uma coisa ficou nítida: a vergonha em escrever que morava na Rua 100, devido

ao estigma associado ao tráfico de drogas e a criminalidade.

Por isso, quando construímos em conjunto – eu e os alunos das quatro turmas do sexto ano –

um questionário que deveria ser aplicado por eles em seus responsáveis, a opção pelo bairro e não

mais pela rua, foi unânime. O questionário pode ser analisado no apêndice II. Esse questionário

objetivava identificar as grandes questões que marcavam o cotidiano dos alunos e suas famílias e

servir como norte para as temáticas desenvolvidas em sala de aula. Neste cenário, já desejava

continuar a estudar e buscar através da troca com a Universidade, aprender e também a contribuir,

com trabalhos e pesquisas que fossem além do teórico, que pudessem vir a somar com as práticas

dos professores e professoras, nas diferentes salas de aula do Brasil.

Antes mesmo de estar oficialmente matriculada no curso de mestrado da UFRJ, tentava

através da minha prática em sala de aula, realizar uma pesquisa a fim de permitir que os alunos se

apropriassem dos conteúdos da Geografia de forma mais significativa. Neste sentido, busquei

através do questionário aplicado pelos alunos em seus responsáveis, compreender as principais

questões que marcam seu cotidiano. Ainda não tinha consciência das pesquisas que estavam sendo

desenvolvidas em relação ao Saber Docente e ao Conhecimento Escolar.

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Analisando o artigo de Monteiro (2001) “Professores: Entre Saberes e Práticas”, percebi que

os instrumentos construídos a fim de permitir uma apropriação do saber a ser ensinado em saber que

se ensina é uma característica essencial tanto da atividade docente como da formação da identidade

profissional. Desse modo, entendemos, eu e minha orientadora, que podemos considerar o

questionário construído em parceria com os alunos, uma vez que este foi aplicado com o objetivo de

subsidiar os debates acerca da sua realidade, trabalhando em sala de aula temas e exemplos

presentes em seus cotidianos.

Pelo que foi exposto até o momento, pode-se perceber que a ampliação dos horizontes dos

alunos a partir das contribuições da geografia é um elemento central do estudo. Que os alunos

possam entender os seus lugares permeados por contradições e conflitos que refletem tanto na

forma como se colocam quanto na sua percepção como sujeito desses espaços. A partir deste

entendimento, acreditamos que os alunos possam desnaturalizar as ações e práticas sobre as quais

participam, ou, identificam em seu dia a dia. E que sua realidade, influencia e é, ao mesmo tempo,

influenciada por fatores externos ao município, seja na escala estadual, nacional e global.

A ampliação dos horizontes dos alunos como meta foi sendo construída em conjunto com as

minhas vivências, como professora e também aluna de escola pública. Recordo de alguns

professores que visavam e se esforçavam para ampliar os horizontes dos seus alunos, e nitidamente,

estes não se colocavam como profissionais que se limitavam ao domínio das técnicas para transferir

os conhecimentos legitimados, seja nos programas, pareceres ou livros didáticos. Assim, muitas das

discussões emanavam da nossa realidade e do que esperávamos, e, esse era o gancho, que o

professor aproveitava para aprofundar o conteúdo da sua disciplina.

Refletindo sobre a minha história, entendo que esses professores, de fato, influenciaram a

minha escolha profissional. Mostraram e forneceram subsídios, transformando a forma que me

colocava no mundo. Mesmo sendo filha de uma doméstica e de um pedreiro, apesar de todas as

dificuldades, poderia ir além do que desejavam de mim. Parafraseando Chico Buarque, diferente

dos meus pais, não por ter vergonha de sua situação, mas porque desejava não pegar o trem como

eles. Ou melhor, queria ultrapassar seus horizontes.

É inserida neste contexto, que me identifico com o materialismo dialético e busco nesse, os

elementos que fundamentam tanto a minha práxis em sala de aula como as minhas reflexões no

presente estudo. Seja como professora e / ou cidadã, que entende a importância de sua função

social, no contexto atual que marca a precarização e privatização da educação em todos os seus

níveis, no Brasil e no mundo.

A influência das pressões mercadológicas reflete diretamente no mestrado que foi aligeirado.

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O aligeiramento do mestrado segundo Moraes (2005) estrutura-se na concepção de um “aluno

idealizado”, partindo-se do princípio que todos os mestrandos trariam experiências de pesquisa

angariadas na Iniciação Científica, que não precisam trabalhar e que a bolsa oferecida pelas

agências fomentadoras é o necessário para que o discente se dedique apenas aos estudos.

Moraes (2005) debruça-se em seus estudos, sobre as implicações do Aligeiramento na Pós-

graduação em Educação, apontando o recuo da teoria como um dos maiores problemas. Segundo a

autora:

A necessária redução nos tempos médios de titulação se sobrepôs, em grande medida, à qualidade da formação, principalmente no mestrado. Neste nível, a inexperiência em pesquisa, articulada a não rara fragilidade da formação teórica anterior, demandaria um tempo maior para o amadurecimento acadêmico de grande parte dos alunos. Os programas de pós-graduação em educação assumiram como meta titular de qualquer maneira e a qualquer custo – em 24 ou 48 meses. Nesse processo, as condições reais de trabalho dos alunos passaram a segundo plano (p. 1349).

É neste cenário apresentado, que o discente passa a ser idealizado, como dito anteriormente.

Além da idealização dos alunos, a autora destaca que os maiores impactos do aligeiramento,

estariam nas fragilidades das dissertações, nas dificuldades dos alunos em transitarem entre

diferentes programas a fim de entrar em contato com novos temas e literatura original e no “Recuo

da Teoria”. Este recuo significa tornar as análises superficiais, ao ponto de não desvelar o

movimento que assombra o sistema universitário (MORAES, 2001) visando à extinção do modelo

de universidade pesquisa-ensino e extensão como um direito público, que deve ser garantido pelo

Estado, mas que precisa ser transformado em mercadoria / serviço para a perpetuação do capital.

Estas pressões enfrentadas pela academia refletem diretamente na construção desse projeto e

nos demais projetos desenvolvidos pelos discentes, dos diversos Programas de Pós-graduação no

Brasil. Atualmente, percebo que a distância entre os discentes, o não conhecimento dos nomes dos

companheiros do curso de mestrado, a falta de troca de textos e dicas, foram amenizadas a partir da

disciplina Seminário de Dissertação, que propiciou a partir de sua dinâmica, uma maior

aproximação não apenas entre os alunos, mas entre as pesquisas realizadas. Tais ações amenizam a

sensação que tenho da luta constante contra o TEMPO, ou, a necessidade de entrar em sintonia com

o mesmo.

O mais irônico, é que ao buscar o mestrado pretendia ter tempo e espaço para reflexões que

são difíceis de serem desenvolvidas na unidade escolar. Pois fico assustada ao me deparar com um

cotidiano escolar onde se busca o tempo todo, “ganhar tempo”. Realidade que não foge muito a

18

Page 19: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

vivenciada, atualmente nos programas de pós-graduação. Pensar em conhecer os alunos - seus

conhecimentos prévios - parece algo muito além da realidade, nada viável. Há uma forte

precarização do magistério, evidenciada nos baixos salários, nas péssimas condições de trabalho, no

incipiente envolvimento dos alunos. No entanto, cruzar os braços seria a melhor saída?

Definitivamente, não. Entendo que falar e lutar por mudanças, como estudante, é uma tarefa mais

suave do que para um professor, já que este tem que cumprir horário, preparar aulas, corrigir

atividades, se deslocar entre várias escolas. Mas, no interior das salas de aula, temos uma função a

cumprir, que é uma formação cidadã.

Embora enfrentemos todas as dificuldades, acredito que o início da mudança encontra-se em

buscar base para se colocar e defender novas ideias. Ou melhor, ler, analisar, pesquisar, trocar

ideias com outros professores para se manter firme em nossas convicções, inclusive esse é um dos

pontos bases, para um intercambio maior entre as Universidades e a Escola. Não apenas uma

melhora no sentido do conteúdo geográfico e sua atualização; mas, permitir aos professores

reconhecerem que não estão sozinhos, e, que podem contribuir mais do que pensam para o

movimento de renovação. Ou seja, considerar que a renovação não virá de uma força/esfera externa

a realidade escolar.

Neste sentido, como mestranda e professora, pretendo realmente construir em conjunto com

meus alunos, verdadeiros parceiros nesta pesquisa, contribuições que possam vir a ser

aprofundadas, fomentando o processo de ampliação de um horizonte mais crítico na geografia

escolar. A consolidação de uma Geografia que os permitam ter consciência do espaço produzido e

engendrado pela lógica capitalista de produção, refletindo diretamente nas suas vidas e ideias. Que

os alunos possam ter consciência sobre as dificuldades que enfrentam e a relação destas com as

forças produtivas. Neto (2010) aponta que ao compreender a essência das coisas / dos fenômenos, o

cérebro pode se apropriar do mundo. Que os alunos possam se apropriar do mundo, entendendo em

sua complexidade como aponta Milton Santos (2008);

Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda a face da Terra. O mundo torna-se unificado – em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo etos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo, é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão dos espíritos que se instala. Tem as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários (P. 37).

19

Page 20: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Nossos alunos precisam mais do que se apropriar da essência do mundo em seus

pensamentos, mas tal apropriação se faz necessária, a fim de que tenhamos possibilidades reais de

solapar a perversidade apresentada por Santos. E, sinceramente, uma educação sem uma perspectiva

política mais radical nos dias atuais, no mínimo colabora para a manutenção de tamanha crueldade.

O que nos permite ir para a justificativa da pesquisa.

As preocupações atreladas ao ensino de Geografia agudizaram-se na Graduação. Logo no

primeiro semestre ouvi de um professor que eu deveria estar na UERJ, pois lá poderia aprofundar e

contribuir com as pesquisas relacionadas ao Ensino de Geografia. Mas, por quais motivos essa

discussão não poderia ser feita no Departamento de Geografia da UFRJ?

As angústias continuaram a me assolar e cheguei a questionar o fato de estar ali, fazendo

graduação – bacharel e licenciatura em Geografia sem discutir / pesquisar nada atrelada ao ensino

diretamente. Preciso apontar que desejava ser professora desde sempre; se minha memória não

falha, acredito que com aproximadamente 4 anos de idade, afirmava com toda força que daria aula e

seria professora. A escolha pela Geografia veio mais tarde, influenciada pelas marcas positivas de

vários professores, mas em especial, de uma professora de Geografia, que fez eu me apaixonar pela

disciplina.

Durante a Graduação, depois de tanta resistência, consegui como membro do Centro

Acadêmico de Geografia realizar uma Semana de Geografia intitulada: Geografia Escolar: de

Quem é a Responsabilidade? Título por si só provocativo, uma vez que existiam poucas pesquisas

no departamento de Geografia e grande resistência / preconceito aos que se debruçavam sobre a

temática.

O que pretendo demonstrar é que a Geografia Escolar sempre foi uma preocupação e tornou-

se ainda maior quando passei no primeiro concurso público e comecei a dar aulas. Percebi

nitidamente a necessidade de aprofundar as discussões e pesquisas que apontassem aos professores

caminhos práticos / concretos que os ajudassem na construção de uma nova Geografia Escolar.

Ao realizar buscas utilizando três palavras que norteiam o presente projeto, no banco de

teses e dissertações da CAPES2 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

encontrei estudos que focam sobre o ensino de Geografia discutindo a formação do professor, o

lúdico, as linguagens alternativas, interação professor e aluno e a importância da comunicação e a

relação entre Geografia e a cartografia na escola. E dois trabalhos que apontam a importância da

2 Banco de teses da CAPES. Disponível em: <http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/>. Acesso em 01 fev. 2013.

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Page 21: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

realidade do aluno: a dissertação de Kobayashi sobre as enchentes, apontando a necessidade de

considerar as vivências dos alunos e a forma como se relacionam com seus espaços, que também

era o da professora / pesquisadora do estudo. Em relação à dissertação de mestrado de Vieira, esta

se preocupa com a tomada de consciência do espaço social por parte dos alunos, dialogando com

Vigotski e Saviani, entre outros.

Ambas as dissertações, contribuem para a ampliação do horizonte crítico da Geografia,

discutindo a importância de considerar a realidade dos alunos afim de que esses possam entender e

modificar a sua posição no mundo. Logo, pensamos que ambas poderão substanciar a análise sobre

a movimentação do abstrato para o concreto, como método fundamental para a renovação da

Geografia Escolar.

Tabela 1- Resultados da Busca no Banco de Dados da CAPES

Palavras pes-quisadas

Título Ano Modalidade Palavras Chaves Espaço

Conhecimento significativo, Geo-grafia e Dialética

O processo de constru-ção do conhecimento geográfico na forma-ção inicial de profes-sores

2009 Tese Ensino de Geografia; Formação de Professores; conhecimento.

UNIVERSIDADE FEDE-RAL DE GOIÁS - GEO-GRAFIA

Conhecimento sig-nificativo, geografia escolar e materialis-mo

Da informação ao co-nhecimento: cotidiano, lugar e paisagem na significação das apren-dizagens geográficas na educação básica

2009 Dissertação Geografia, aprendizagem, educa-ção básica, categorias espacial.

UNIV. REGIONAL DO NO-ROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - EDUCAÇÃO NAS CIÊNCI-AS

O jogo “Paraná em questão” na ação do-cente: para uma apren-dizagem significativa no ensino de Geogra-fia

2010 Dissertação Ensino de Geografia, Ludicidade, Aprendizagem.

UNIVERSIDADE ESTA-DUAL DE LONDRINA - GEOGRAFIA

A linguagem dos qua-drinhos na mediação do ensino de geogra-fia: charges e tiras de quadrinhos no estudo de cidade

2010 Tese Ensino de geografia, linguagem alternativa, quadrinhos

UNIVERSIDADE FEDE-RAL DE GOIÁS - GEO-GRAFIA

O Ensino de Geografia Fundamentado na Teo-ria da Aprendizagem Significativa Ausubeli-ana: Relato de Inter-venção com alunos do 2 ciclo.

2000 Tese Aprendizagem significativa e di-ferenciação progressiva.

UNIVERSIDADE EST.-PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO/

MARILIA - EDUCAÇÃO

Conhecimento sig-nificativo, Geogra-fia e Marxismo

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - Conhecimento sig-nificativo, realidade dos alunos e Dialéti-ca - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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Page 22: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Ensino de Geogra-fia, crítica e conhe-cimento significati-vo

Meios de Comunica-ção: Des(in)formar o Mundo na Escola atra-vés de uma Proposta Pedagógica em Geo-grafia

2002 Dissertação Meios de comunicação; ensino de Geografia; Educação.

UNIVERSIDADE EST.-PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO/PR.-PRUDENT - GEOGRAFIA

O Professor de Geo-grafia e os saberes pro-fissionais: O processo formativo e o desen-volvimento da profis-sionalidade

2010 Tese Formação do professor de geo-grafia, saberes docentes, ensino.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - GEOGRAFIA (GEOGRAFIA HUMANA)

Geografia & Constru-cionismo: subsídios pára a formação conti-nuada de profissionais de Geografia em servi-ço

2001 Dissertação Formação de Professores, Geo-grafia, Construcionismo.

PONTIFÍCIA UNIVERSI-DADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - EDUCA-ÇÃO (CURRÍCULO)

A Construção do co-nhecimento Geográfi-co: Uma experiência na Escola Pública de 1º Grau

1996 Dissertação Ensino de Geografia, Construti-vismo e Conhecimento Geográfi-co.

PONTIFÍCIA UNIVERSI-DADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - EDUCA-CAO (SUPERVISAO E CURRICULO)

Ensino de Geografia: histórias e práticas co-tidianas – Estudo de caso envolvendo três escolas e três professo-ras atuando no ensino de Geografia nas 5ª sé-ries do Ensino Funda-mental de Maringá-PR

2001 Tese Geografia; ensino; prática; intera-ção; professor.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - EDUCAÇÃO

As Enchentes do Rio Africanduva (MSP) e a Construção de co-nhecimentos no Ensi-no de Geografia

2010 Dissertação Ensino de Geografia, Enchentes, Africanduva, periferia, conheci-mento.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - GEOGRAFIA (GEOGRAFIA HUMANA)

As Relações entre Co-nhecimento científico e a realidade imediata do aluno no Ensino de Geografia

2000 Dissertação Ensino de Geografia, realidade do aluno e P.C. N.

UNIVERSIDADE EST.-PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO/MARI-LIA - EDUCAÇÃO

Desafios da Geografia: A Cidade como conte-údo escolar do Ensino Médio

2009 Tese Ensino Médio, Prática docente, Livro didático.

UNIVERSIDADE FEDE-RAL DO RIO GRANDE DO SUL - GEOGRAFIA

Horizonte crítico, Materialismo Histó-rico e dialético, Ge-ografia - - - - -

Geografia crítica, realidade dos alunos e conhecimentos sig-nificativos

As Relações entre Co-nhecimento científico e a realidade imediata do aluno no Ensino de Geografia

2000 Dissertação Ensino de Geografia, realidade do aluno e P.C. N.

UNIVERSIDADE EST.-PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO/MARI-LIA - EDUCAÇÃO

As Enchentes do Rio Africanduva (MSP) e a Construção de co-nhecimentos no Ensi-no de Geografia

2010 Dissertação Ensino de Geografia, Enchentes, Africanduva, periferia, conheci-mento

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - GEOGRAFIA (GEOGRAFIA HUMANA)

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Page 23: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

No que concerne à vitalidade do tema que estrutura o projeto, pode-se perceber que há um

movimento no seio da Geografia Escolar que assume feições diferenciadas, de acordo com a

postura política / teórica do pesquisador ou pesquisadora. Mas, independente da posição, já não se

aceita como “natural” uma Geografia Escolar que apresente ao aluno um conhecimento temporário

e fragmentado onde natureza, homem e economia são apresentados de forma isolada. Neste sentido,

a proposta pedagógica presente nesse estudo, de trabalhar a realidade dos alunos possibilitando que

atinjam o concreto pensado a partir das atividades desenvolvidas em conjunto com a professora/

pesquisadora em sala de aula, pode atuar como um trabalho profícuo na superação de uma geografia

ainda presente em muitas escolas.

Não se pode negar o aspecto político do trabalho, uma vez que a Geografia surge na Escola

com objetivos bem delimitados. Pereira (1999) ressalta a importância de se pensar as relações entre

Geografia (disciplina) e a sistema escolar, uma vez que essas relações são mais profundas do que se

possa imaginar à primeira vista. Tanto a Geografia como o Sistema Escolar de ensino emerge no

século XIX. No entanto, esse fato não é mera coincidência. O ideal iluminista defendia a ampliação

da formação cultural para todos como forma capaz de transformar o ser humano, tendo como

principal instrumento o poder da razão humana.

Relacionado ao poder da razão humana, existiam outros traços como o domínio da natureza,

o conhecimento científico e a crença no progresso. Segundo Vlach (1991) a burguesia acreditava

que através desses traços, poderia atingir um elevado grau de desenvolvimento material, e, ao

mesmo tempo, por meio da ampliação cultural suas conquistas romperiam o material e atingiria o

imaterial – as visões de mundo dos indivíduos.

Após a consolidação do modo de produção capitalista, no qual o sistema escolar foi

fundamental, esse passa a atuar como instrumento que permite a afirmação e a permanência do

sistema. Conforme destaca Lopes (apud Pereira, 1999), detentora do poder político, a burguesia

percebe que sua dominação pode ser mantida não apenas através do poder repressivo, mas também

de disseminação de seus valores de classes, apresentados como universais. Para isso, as redes de

escolas que então se implantam assumem caráter nacional, pois a imposição da nacionalidades

torna-se indispensável para a constituição do Estado-nação.

Relacionando à necessidade de uma identidade nacional, Vlach (1991) destaca que a

Geografia, a História e a Língua são ferramentas (distintas, mas complementares entre si) da

burguesia para, via escola, criar a unidade do Estado-nação. Na medida em que estava em jogo a

imposição da nacionalidade, seria necessário suprimir as diferenças internas, isto é, sociais, sem o

que não se forjaria a unidade nacional. É preciso ocultar a divisão social para que se crie uma

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Page 24: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

comunhão (artificial) entre aqueles que nasceram em um mesmo lugar, falam a mesma língua e

possuem a mesma tradição.

Tendo como objetivo camuflar as contradições, a Geografia Tradicional delimita o Estado-

nação pelas características do seu quadro natural com base no princípio da identidade nacional. Para

Vlach (1991), a ideologia inverteu o real, pois o SUJEITO (a sociedade de classe) foi substituída

pelo OBJETO a natureza, o território). No caso da Geografia, esta inversão implicou e implica em

ausência de reflexão geográfica ao nível da epistemologia, pois apenas o sujeito é capaz de reflexão,

e de fazer história.

Ao seguir esse caminho, a Geografia Tradicional ignora os inúmeros problemas sociais e

privilegia situações gerais e abstratas. O saber transmitido pela mesma não passa de uma listagem

de conteúdos que dificulta o raciocínio e a compreensão. Dessa maneira, a descrição

compartimentada do quadro natural, da população, e da economia não só se impôs como paradigma,

como isentou a Geografia de quaisquer relações com o político, pois ao não aprofundar as formas

de apropriação da natureza pelo trabalho, o ensino de Geografia torna-se acrítico e a-histórico. Ao

não valorizar os sujeitos que atuam sobre o espaço, os professores de Geografia também passam a

considerar seus alunos seres neutros e sem história.

A dialética surge de forma mais forte na Geografia na década de 60, quando a Geografia

Analítica perde fôlego devido às múltiplas críticas e as dificuldades impostas, sobretudo pelas

considerações do caráter político do espaço. Ao considerar a dimensão política do espaço, iniciam-

se os estudos relacionados aos arranjos espaciais e os conflitos de interesses que influenciam as

decisões a respeito dos diferentes fixos presentes na paisagem.

De acordo com Gomes (1996), a Filosofia Analítica que atuou como base fundamental para

o desenvolvimento da Geografia Analítica ou Quantitativa acreditava na possibilidade de

exteriorizar o objeto reduzindo ao máximo a comunhão entre o pesquisador e o objeto de estudo.

Este afastamento estaria pautado na adoção de modelos matemáticos - a linguagem matemática e

seus modelos ganham grande adoção no início do século XX pelas Ciências Naturais e Sociais, o

seu uso atuava como uma espécie de busca de legitimidade no campo científico em face da adoção

do paradigma físico-mecânico.

Ao adotar a lógica matemática, a Geografia poderia desenvolver métodos de verificação e de

previsibilidade. A possibilidade de verificar atuou no fortalecimento das concepções dos teóricos da

Geografia Analítica que foram influenciados pelo falsificacionismo. Chalmers (1993) ressalta que

para os falsificacionistas a Ciência evolui por refutações, tentativa e erro. Embora uma teoria não

possa ser caracterizada como verdadeira, pode-se afirmar que é a melhor disponível, já que

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Page 25: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

responde aos testes.

No interior desse quadro, a Geografia Analítica começa a ser bombardeada por um conjunto

de críticas que revelam a importância da intervenção direta da Geografia na gestão e planejamento

do espaço geográfico. Logo, os dados e as informações levantadas através dos inventários e dos

levantamentos estatísticos eram acusados de estar a serviço da manutenção do status quo. Como

contra-resposta, surgem teóricos que passavam a analisar a Ciência como produto de uma sociedade

desigual, na qual o poder é exercido por grupos minoritários que controlam a produção do saber,

seus objetivos e aplicações. Como pode ser percebido, a Geografia Crítica choca-se com uma

concepção de neutralidade e afastamento defendida pela Geografia Analítica.

Carlos (2007) afirma que, para a Geografia Crítica, a interpretação da realidade ilumina seus

conflitos latentes, o que impõe desafios para sua compreensão, pois a crise real e concreta decorre

dos conflitos gerados pelo movimento das contradições, que exige um projeto capaz de orientar as

estratégias que permitam pensar um conjunto de possibilidades. Logo, os objetivos da Geografia

Crítica não estariam restritos ao estudo da natureza e aos obstáculos espaciais, por esses gerados.

Mas, estaria preocupada com a percepção social e como essa é influenciada por um jogo de

interesses formados por membros das diferentes classes sociais que possuem poder de atuação

diferenciada na elaboração do arranjo espacial.

Embora no meio científico a Geografia Quantitativa tenha assumido um papel secundário,

esta continua presente na Geografia Escolar. Mas, a redução da sua influência na Academia abre

caminho para novas preocupações que se instalam no interior da Geografia e como consequência,

na Geografia Escolar. A questão política assume uma função importante no escopo da Geografia.

Como visto anteriormente, a dialética contribui para o entendimento da essência e este

entendimento nos permite superar uma posição ingênua que permite identificar uma concepção de

Geografia que apresenta um cunho ideológico a serviço dos interesses de grandes grupos, como

afirma Lacoste (1988), ao discutir sobre a sua função:É sobretudo quando ele parece 'inútil' que o discurso geográfico exerce a função mistificadora mais eficaz, pois a crítica de seus objetivos 'neutros' e 'inocentes' parece supérflua. A sutileza foi a de ter passado um saber estratégico militar e político como se fosse um discurso pedagógico ou científico perfeitamente inofensivo (p. 25).

Seria essa uma explicação dos possíveis motivos pelos quais a Geografia Escolar não

constar nas avaliações internas e externas? Tentaremos apontar a vitalidade dessa questão nos

resultados, mas a partir dessa concepção amplia-se a discussão sobre a dimensão política do espaço

geográfico e sobre a função social da Geografia, já que a aproximação da dialética proporciona uma

visão que para o conceito ser válido, deva se referir às situações historicamente definidas. Logo, os

modelos não deveriam partir apenas do mundo da ideia e serem impostos ao mundo real.

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Page 26: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Gomes (1996) ressalta que para os geógrafos da Geografia Crítica, a prática científica deve

favorecer a ligação entre o saber e a transformação social. Ao pensar na dimensão prática e na

transformação social, a dialética faz emergir a natureza política inerente aos estudos geográficos

sobre a dinâmica espacial. Desse modo, surgem linhas de pesquisas como a Geografia Política –

analisando o imperialismo, as estratégias adotadas a partir do conhecimento do território nas táticas

de guerrilha, entre outros.

Os geógrafos mais radicais criticam a Geografia Clássica ressaltando o seu modelo

descritivo, que trabalhava com noções de harmonia, de equilíbrio e de evolução. Dessa forma,

passa-se a denunciar o seu objetivo de naturalizar as problemáticas sociais. No interior desse

quadro, a Geografia Radical evidencia a importância de trabalhar o conceito de espaço social, a fim

de traduzir a ideia de dinâmica social inscrita em um espaço que é, ao mesmo tempo, reprodutor de

desigualdades e a condição de sua superação, o reflexo de uma ordem e um dos meios possíveis

para transformar esta mesma ordem; enfim, o espaço faz parte da dialética social que o funda

(MOREIRA, 2007).

O Período de renovação da Geografia, marcado pela consolidação da Geografia Crítica

emerge permeado por um rol de problemas que são apontados por Moreira (2007, p. 25):

A indigência dos fundamentos (a questão epistemológica); A falência do projeto unitário (a questão da dicotomia homem-meio); A farsa da neutralidade-ingenuidade científica (a questão ideológica); A fragilidade discursiva (a questão teórico-metodológica); A propensão ao gueto (a questão do isolamento disciplinar); e O sentido político (a questão militar – militante da práxis).

Estas questões contribuíram para a fuga de relações superficiais, do imediatismo existente

entre a observação dos fenômenos sob a perspectiva de causa–consequência. Ratifica-se a urgência

na ampliação de um horizonte que contribua para alicerçar uma Nova Geografia. Embora na

atualidade a Geografia Tradicional não predomine na Geografia Acadêmica, na prática escolar

pode-se encontrar um forte caráter tradicional na forma que se ensina e num hibridismo no que se

refere ao conteúdo, o que dificulta perceber claramente a presença da dialética nas escolas e nos

recursos didáticos adotados pelos professores. Pois, embora algumas temáticas sejam pertinentes a

Geografia Crítica, sua abordagem é feita descontextualizada e acaba sendo trabalhada baseada na

lógica formal. Ou seja, a partir da descrição da Natureza – Homem - Economia - o “clássico”

padrão NHE (MOREIRA: 1987, 2006).

A superação deste padrão assenta-se na necessidade se construir uma Geografia Escolar que

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Page 27: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

possibilite a emancipação dos indivíduos de uma Geografia Tradicional – que apesar das críticas já

existentes e de propostas, continua a atuar desenvolvendo em conjunto com os alunos e dos demais

profissionais da educação, um conhecimento sem sentido, fragmentado e manipulado, dificultando a

compreensão do espaço geográfico concreto, permeado pelas contradições. Inserido neste cenário,

entendemos que a pesquisa possa contribuir nesse movimento de renovação, mais que necessário de

fato, urgente. Tanto no que concerne ao ensino de Geografia, como vir a dar visibilidade às questões

enfrentadas pela rede municipal de educação, do município de Itaboraí.

Desse modo, o objetivo central desse estudo é contribuir para a ampliação de um horizonte

mais crítico na Geografia Escolar. Uma Geografia Escolar que permita desenvolver junto aos alunos

e alunas conhecimentos significativos, que considerem seus espaços na dimensão do vivido - seus

bairros e sua cidade, no contexto da produção capitalista do espaço. Principalmente, como todas as

mudanças enfrentadas pela cidade de Itaboraí torna-se necessário construir em conjunto com os

alunos uma Geografia que os permitam saber pensar, se organizar e combater como aponta

Lacoste (1988) ao discutir a importância da Geografia como um saber estratégico e político.

Inserido neste objetivo maior, temos como objetivos específicos: i) Identificar a importância da

realidade dos alunos na construção de conhecimentos significativos; ii) Construir a partir da prática

em sala de aula, uma Geografia que permita o movimento da aparência a essência, sem limitar os

alunos ao vivido cotidianamente e iii) Analisar se o incipiente elo entre a ciência Geográfica e a

Geografia Escolar está de fato se refletindo em um conhecimento fragmentado e sem sentido.

Discutiremos o materialismo histórico dialético e a sua importância na construção de uma

Geografia Escolar Crítica no capítulo 1, entendendo como este se aproxima da Geografia ao longo

da história do pensamento geográfico. No capítulo 2, abordaremos a importância das relações

sociais e o histórica do aluno a fim de que se possa permiti-lo amadurecer intelectualmente, a partir

das contribuições de Vigostski sobre a formação dos conceitos científicos (relação entre os

cotidianos e científicos). Já no capítulo 3 apresentaremos a escola e o contexto atual do município

de Itaboraí – o espaço dos parceiros da pesquisa-ação, os alunos e alunas. Apontando algumas

atividades realizadas durante as aulas no capítulo 4 e por fim, Para Não Concluir, pois a Geografia

Crítica encontra-se em processo de construção , apontaremos os ganhos ao trabalhar a partir de sua

realidade e suas experiências.

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Page 28: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

CAPÍTULO 1- OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS

1.1- Um Horizonte mais Crítico na Geografia Escolar

“Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la”.

Bertolt Brecht

O fundamento desta dissertação é o Materialismo Histórico- Dialético. A escolha deste

referencial assenta-se na necessidade de reconstituir o todo e o seu movimento a partir da análise

espacial. Segundo Lefebvre (2009) o método deve subordinar-se ao objeto e nesta dissertação, o

objeto é compreender como a realidade dos alunos pode auxiliar na compreensão do espaço

geográfico perpassado pelas contradições e pelos conflitos de interesses entre as classes sociais.

Entendemos realidade como a realidade objetiva explicitada por Santos (2004 , p. 161) ;

... a realidade de uma cidade, de um campo cultivado, de uma rua é a mesma para todos os indivíduos. É a realidade de cada indivíduo que o autoriza e o leva a ver as coisas sob um ângulo particular. Mas como resultado do trabalho humano- um artefato- um espaço guarda seu caráter objetivo durante suas próprias transformações.

Logo, permitir a aluno compreender a sua realidade é criar estratégias para analisá-la a partir

da sua produção e não das diferentes percepções sobre a mesma. Tal fato não significa que

precisamos ignorar a visão do aluno, já que é a partir da sua exposição que poderemos refletir sobre

a sua visão de mundo. No que concerne a vitalidade da produção, Lefebvre (2009, p. 65) aponta a

importância de considerá-la a partir da relação da sociedade com a natureza pois, como ele diz:

para atingir a estrutura essencial de uma sociedade, a análise deve descartar as aparências ideológicas, os revestimentos coloridos, as fórmulas oficiais, tudo que se agita sobre a superfície da sociedade, toda a decoração: ela deve alcançar, sob essa superfície, os relacionamentos de produção, isto é, os relacionamentos fundamentais dos homens com a natureza e com os outros homens durante o trabalho.

Neste sentindo, torna-se essencial a compreensão do espaço real a partir de um olhar mais

aprofundado, que supere o caótico a primeira vista, uma vez que existe uma ordem, que “não está

dada e não transparece, só podendo ser atingida pelo pensamento que a investiga aprofundando-se

em si mesmo ” (NETO, 2002, p.17). A Geografia que trabalha na perspectiva fragmentada – N-H-E

(Natureza – Homem – Economia ) – cria dificuldades para se alcançar as relações mais complexas

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Page 29: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

que perpassam o espaços e conectam os seus objetos, como seria a compreensão da ordem

capitalista que afeta o cotidiano de cada indivíduo. É permitir aos alunos compreender os motivos

pelos quais enfrentam tanta dificuldade e, ao mesmo tempo, como Itaboraí sofre tantas

transformações que são alheias a grande parte dos sujeitos que vivem nesta cidade.

Com o objetivo de permitir aos alunos irem além de uma visão reducionista ou naturalizada

das questões sócio espaciais, transformando a sua própria prática social, acreditamos ser a dialética

a proposta metodológica mais adaptada a esta pesquisa, uma vez que a dialética questiona, tendo

como princípio básico a contradição. Desenvolver uma pesquisa tendo como método a dialética não

é uma tarefa fácil, como aponta Konder (1977) já que não existe um conjunto de regras e fórmulas

para colocá-la em prática. A sua base de sustentação seria a teoria e a prática social.

Logo, a lógica dialética nega a lógica formal que “toma o específico e o eventual que se

manifesta na natureza como final, eternamente fixo, invariável e incondicional” (NOVACK, 2005,

p.62). Enquanto a dialética tem em seu escopo a análise do movimento, da transformação e da

mudança. Como analisar a realidade repleta de contradições e em constante transformações a partir

de um conjunto determinado de fórmulas e regras? Novack (2005, p. 62) responde a questão ao

ressaltar que:A realidade está demasiadamente cheia de contradições, demasiadamente fugidia, por demais mutável para amarrá-la numa fórmula ou conjunto de fórmulas. Cada fase particular da realidade constrói suas próprias leis, seus sistemas de categorias peculiares, com as que compartilha de outras fases. Estas leis e categorias devem ser descobertas por uma investigação direta da totalidade concreta, não podem ser pensadas ou produzidas pela mente antes de ser analisada na realidade material.

Embora não esteja presa a fórmulas, existem alguns critérios apontados por Konder (1977)

Kosik (1995) e Novack (2005) que nos auxiliam na adoção do método dialético. A compreensão de

que para se entender a totalidade precisa-se de uma base teórica embebida da prática social; que os

fatos isolados são abstrações que só adquirem sentidos ao serem alocados em um todo concreto; e

que a totalidade não é um “acrescentamento sistemático de fatos e outros fatos e de noções a outras

noções. É um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo,

dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos” (KOSIK, 1995, p. 50). Logo, a

contradição e a totalidade não podem ser estudadas / analisadas estanques.

A dialética pode contribuir para que os alunos percebam o mundo além do cotidiano

naturalizado e aceito - “feito e impenetrável” como aponta Kosik, (1995, p. 75). Já que a

coisificação da práxis “expresso pelo termo preocupar-se, significa que na manipulação, já não se

trata mais da obra que se cria, mas do fato de que o homem é absorvido pelo mero ocupar-se e não

29

Page 30: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

pensa na obra.” A sobrevivência diária que pouco permite, já que absorve tanto tempo, a não

constatação do quadro mais profundo, que penetra a vida - o porquê das péssimas condições dos

transportes, a falta de saneamento, saúde ou a ausência de segurança - são reflexos e culpa dos

moradores e não de um Estado que prioriza os interesses dos empresários e não dá população local

– as frases “terra de pobre” ou “aqui sempre foi assim; não tem jeito não!”

Essas frases foram “o motor” que nos estimulou a buscar um caminho para permitir aos

alunos irem além da aceitação. Estimulando entre os alunos um sentimento de que é possível

transformar já que nem sempre foi assim, e, que toda a realidade está sendo construída a partir de

conflitos de interesses, que em vários momentos, desconsideraram as suas demandas e prioridades.

Como aponta Boron (2003, p. 88) neste cenário “o indivíduo aparece em sua radical

desigualdade, como um instrumento nas mãos de poderes alheios e incontroláveis”. É a partir desta

visão, que todas as relações sociais que constroem e transformam o espaço, refletindo e sendo

refletida pela dimensão espacial, precisam ser encaradas e estudadas além do imediato, além da

falsa harmonia.

Entendemos que a abordagem dialética pode auxiliar na construção de conhecimentos da

realidade sócio espacial do capitalismo, que levem em consideração a realidade e as experiências

dos alunos, e dessa forma, envolvê-los ativamente no processo de aprendizagem. Além disso,

permite construir junto aos alunos, a prática de analisar os fenômenos além da aparência inicial, não

a desprezando (pois assim, estaria desconsiderando o conhecimento prévio dos alunos ou não

considerando que os mesmos consigam estabelecer relações iniciais), mas a encarando como apenas

uma face de todo o processo, distinguindo de sua essência. E, estimular entre os alunos uma crença

de que eles podem sim ser sujeitos criadores e não apenas reprodutores, dos conteúdos abordados

em sala de aula, elevando sua autoestima.

Ao permitir que os alunos possam apreender a essência dos fenômenos, pode-se desconstruir

ilusões, ideias, valores e conhecimentos que apresentam a sociedade capitalista como ‘natural’, e

não uma ordem social estabelecida. Assim, os alunos poderão compreender que as realidades dos

seus bairros - a falta de tratamento de esgoto, de coleta de lixo e outros problemas podem ser trans-

formados a partir da luta quando se consegue chegar ao entendimento mais profundo dessas proble-

máticas (quais agentes, interesses, estratégias, onde recorrer, quais os seus direitos, entre outros).

Consideramos que, a partir do momento em que os alunos consigam estabelecer esse movimento da

aparência a essência, relacionando-o com a dinâmica espacial, a Geografia Escolar estará sendo

profundamente transformada.

Bem, parece difícil. No entanto, não podemos ficar inertes ao presenciar a situação do ensi-

no público e no caso em questão, das aulas de Geografia, totalmente sem sentido para os alunos.

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Page 31: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Então, visando amenizar as dificuldades, a presente pesquisa buscou autores que tenham no escopo

de seus trabalhos, temas relacionados ao Materialismo Histórico Dialético e suas contribuições para

o entendimento das dinâmicas geográficas, sociais e educacionais. Dentre outros, podemos citar:

Marx (1996), Boron (2003), Mészáros (2005), Kosik (1995), Konder (1981), Lefebvre (1995), Les-

sa (2007).

O materialismo histórico e dialético fundamentará as referências para a concretização do

trabalho. Propõe-se junto aos alunos construir uma ação reflexiva que os conduzam da aparência à

essência e do todo à parte e da parte ao todo. De acordo com Boron (2003), duas das maiores

contribuições de Marx foram ressaltar a importância da totalidade para a compreensão dos

diferentes fenômenos e a concepção da história como um processo e não como uma mera sequência

de acontecimentos e eventos. O que se pretende superar - e que ainda se encontra muito presente

nas salas de aula – é um conhecimento estéril de significado para os alunos, um conteúdo

fragmentado onde muitos ainda são vistos como soma de eventos e não como processo.

O método, neste trabalho, precisa auxiliar na condução dos alunos de forma que esses

consigam ir do VISÍVEL IMEDIATO ao REAL / ESSÊNCIA. Logo, será necessário utilizar os

conceitos centrais (abstrações teóricas) da Geografia que permitam analisar e diagnosticar o maior

número possível de relações e conexões (o concreto). De acordo com Bernardes e Bergamo (2004,

p. 3), “a lógica e os dados têm natureza qualitativa distinta e daí há a necessidade de um

determinado método cientifico para estabelecer a relação entre ambos”. Se o método permite uma

relação entre análise (os dados) e a síntese (a lógica na interpretação) conclui-se que este pode

auxiliar na realização de nossas metas – trabalhar os conteúdos da Geografia pela perspectiva do

Materialismo Dialético.

Do ponto de vista da didática, o trabalho se balizará na Pedagogia Histórico–Crítica (SAVIA-

NI, 1986; GASPARIN, 2007) através de suas fases: a Prática Social Inicial, a Problematização, a

Instrumentalização, a Catarse e a Prática Social Final. Essas fases são apresentadas separadas

apenas para facilitar o desenvolvimento da ação, uma vez que constituem um todo interligado, inter-

penetrando-se. O essencial da Pedagogia Histórico-Crítica é a possibilidade de permitir a mudança

nas práticas estabelecidas pelos alunos, uma vez que a partir de suas experiências e vivências, emer-

gem questões – situações problemas- que os conduzam a buscar uma instrumentalização (os concei-

tos científicos) que sobreponha os conceitos espontâneos – amadurecendo a concepção/visão sobre

os fenômenos analisados e acerca de suas realidades.

O passo inicial da Pedagogia Histórico-Crítica é identificar como os alunos entendem a sua

realidade – a sua leitura de mundo. Com esse propósito, o professor deve planejar sua aula a fim de

que os conteúdos trabalhados permeiem e enriqueçam a visão do aluno a respeito de sua realidade.

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Page 32: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

No caso dessa pesquisa, as visões iniciais foram extraídas dos questionários que seriam a base para

uma aproximação, criando um ambiente mais seguro onde o aluno ficaria mais à vontade para falar

e expor suas ideias. Mas, outros recursos podem ser usados neste levantamento inicial, como

apresentar um filme e debatê-lo, uma música, imagem, gráficos, reportagens, entre outros.

A prática de levantamento dos conceitos cotidianos (que os alunos usam no seu dia a dia) ou

os conceitos científicos que já lhe foram apresentados é denominada por Gasparin (2007) como

Prática Social Inicial. Esse é o primeiro passo para conduzir o aluno de explicações superficiais /

imediatas a compreensões mais profundas dos objetos em estudo. Vasconcelos (1993), apud

Gasparin, contribui na explicação dessa primeira etapa apontando que:

Conhecer a realidade dos educandos implica em fazer um mapeamento, um levantamento das representações do conhecimento dos alunos sobre o tema de estudo. A mobilização é o momento de solicitar a visão/concepção que os alunos têm a respeito do objeto (senso comum, síncrese). (GASPARIN: 2007, p. 17)

Logo, o envolvimento dos alunos é ampliado já que suas colocações são utilizadas pelo

professor na elaboração de seus planos de aula. Quando os dados dos questionários foram

apresentados aos alunos, a participação das turmas foi intensa e com muitas colocações

construtivas.

A segunda fase proposta por Saviani (1986) e Gasparin (2007) chama-se Problematização.

A problematização tem como finalidade selecionar as principais interrogações levantadas na prática

social inicial com o propósito de aprofundá-la. Estas questões que partirão do aluno irão nortear os

objetivos do professor e, consequentemente, o conteúdo que será desenvolvido e a forma como este

será trabalhado. Da problematização emergem questões relacionadas ao tema central, que deverão

ser respondidas pela pesquisa dos alunos organizados em grupos de quatro ou duplas, dependendo

do perfil da turma.

Antes de apresentar a terceira fase da Pedagogia Histórica Critica, necessita-se apontar a

escolha por situações problema baseadas nas contribuições de Meirieu (1998). O referido autor

aponta que a metodologia de situações-problema permite a construção de uma aprendizagem

significativa, resultado de uma didática que, sem desconsiderar os propósitos do ensino, busca

interligar conhecimentos prévios aos conteúdos da escola. Para Meirieu (1998), os fundamentos e

as características das situações-problema:

Supor que os alunos deixem de ser tão passivos no processo de ensino (apenas recebendo

os conteúdos que estão sendo transmitidos pelos professores).

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Page 33: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Partir dos conhecimentos e experiências dos alunos, este poderá se colocar e participar

mais conscientemente do processo de construção de conhecimento.

Permitir que o aluno identifique no conteúdo uma aplicação para o seu cotidiano.

Exigir do aluno um conjunto de atividades - reflexão, comparação, debates - que solicitem

a organização de suas ideias sobre o fenômeno para uma exposição mais didática de suas

apreensões.

Para serem pensadas exige superar os obstáculos - aprendizagem de novos conceitos e

conteúdos – que permitam aos alunos debater / responder ao problema levantado.

Nesta metodologia de ensino, o professor atua como mediador, não dando as respostas, mas

estimulando e oferecendo roteiros a fim de facilitar a busca pelas soluções. Assim, podemos iniciar

a terceira fase que se constitui na Instrumentalização dos alunos. Instrumentalizar seria oferecer

meios que os permitam caminhar sozinhos, através da sistematização do conhecimento através de

aulas, debates, textos que os permitam ampliar suas visões recriando e incorporando os conteúdos

disciplinares apresentados, transformando sua visão sobre o fenômeno em estudo.

Até o momento foi apresentado a Prática Social Inicial, a Problematização e a

Instrumentalização propostas por Saviani (1986) e desenvolvidas por Gasparin (2007). No entanto,

ainda faltam duas fases: a Catarse e a Prática Social Final. Para compreender a 4ª fase - A Catarse

(4 ) - é preciso destacar que esta só é possível no momento que se altera a relação do aluno com o

objeto, tornando esta relação mais profunda, uma vez que os conceitos são reestruturados ou

sobrepostos pelos científicos. Os conceitos científicos permitem aos alunos entender o objeto e sua

inserção num todo complexo. A Catarse é essencial para a compreensão do objeto / fenômeno no

interior do todo, pois, para Gasparin a Catarse constitui-se como:

[...] a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático a que o educando chegou, marcando sua nova posição em relação ao conteúdo e à forma da sua construção social e sua construção na escola. É a expressão teórica dessa postura mental do aluno que evidencia a elaboração da totalidade concreta em grau intelectual mais elevado de compreensão. Significa, outrossim, a conclusão, o resumo que ele faz do conteúdo aprendido recentemente. [...] O educando mostra que, de um sincretismo inicial sobre a realidade social do conteúdo trabalhado, conclui agora com uma síntese, que é o momento em que ele estrutura, em nova forma, seu pensamento sobre as questões que conduziram seu processo de aprendizagem. É o momento em que indica quanto incorporou dos conteúdos trabalhados; qual o seu novo nível de aprendizagem. (Gasparin: 2007, p. 130).

Ao desenvolver a Catarse, o aluno não apenas aprendeu o conteúdo como desenvolveu uma

nova visão de realidade. Entende que os fatos que lhe pareciam naturais são historicamente

produzidos. E que esta produção envolve interesses políticos, econômicos e culturais. Ou seja,

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Page 34: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

opõe-se à naturalização das coisas ou à sua simplificação. E frases como “Itaboraí não tem jeito” já

não são serão ditas com a mesma frequência, pois, os alunos lidam e entendem sua Cidade ou outro

fenômeno em estudo, de forma diferenciada, mudando sua relação com o mesmo. Ao

transformarem suas visões, relações e/ou ações podemos apontar a quinta fase que seria a Prática

Social Final.

As etapas são apresentadas separadas apenas para facilitar a compreensão, já que

relacionam-se constantemente. Já na Prática Social Inicial, o professor identifica alguns pontos

chaves para a problematização e a partir desses pontos, busca meios para instrumentalizá-los

(livros, documentários, textos, gráficos, imagens, mapas...). Seguir essas etapas não é uma tarefa

fácil, mas por mais que não alcancemos todos os objetivos, há avanços no que se refere à

participação dos alunos, na produção de textos e pesquisa, na argumentação oral através de debates,

entre outros ganhos cognitivos, além da ascensão do abstrato para o concreto que fundamenta a

pedagogia histórico-critica – possibilitando aos alunos a desconstrução da pseudoconcreticidade.

Kosik (1975) explica a pseudoconcreticidade:

O Mundo da Pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças ao seu contrário. A essência não se dá imediatamente; se manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e demonstra que a essência não é inerte nem passiva. Justamente por isso o fenômeno revela a essência. ( p. 15).

A superação da Geografia Escolar baseada no padrão N-H-E (natureza, homem e economia)

assenta-se na necessidade dos alunos entenderem os diferentes agentes que atuam sobre o espaço

geográfico de forma integrada, refletindo sobre as complexas relações entre o ser humano e a

natureza. Ao identificar estas relações permeadas por contradições, torna-se possível a

consolidação de um horizonte mais crítico na Geografia Escolar. Podendo assim, permitir aos

alunos e professores, a compreensão dos fenômenos além do imediato, da primeira visão, o que cria

a possibilidade de desconstruir o que Kosik (1995) denomina de pseudoconcreticidade.

Quando trabalhamos o relevo desconectado das ocupações humanas, não permitimos aos

alunos entenderem situações reais, como as enchentes que marcam Itaboraí e as famílias dos alunos,

que em todo verão, perdem seus bens (que são conquistados através de muito trabalho) com as

chuvas intensas.

Desse modo, através da análise da paisagem (conteúdo presente no currículo do sexto ano-

Geografia) podemos perceber elementos que superem a naturalização das coisas como algo

independente das questões sociais, culturais, econômicas e políticas. Por exemplo, o saneamento

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Page 35: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

básico, a carência de investimentos por parte do setor público e a criação de praças em ano de

eleições. As praças atraem votos e são percebidas mais facilmente pela população. Já o

encanamento da rede de esgoto fica enterrado e não se destaca na paisagem, dando a visibilidade

desejada. Ou por que as casas e a escola foram construídas com os fundos para os valões – existia a

carência da rede de esgoto e uma falta de preocupação com os impactos ambientais? Todas essas

questões estimulam a reflexão e a superação das interpretações imediatas.

A realidade da área central de Itaboraí onde se localiza a sede da prefeitura é idêntica ao

bairro onde se situa escola? O que interfere? Quais agentes – a Prefeitura, os empresários,

comerciantes, os proprietários fundiários, os cidadãos? Essas são alguns questionamentos que

podem fomentar reflexões que possibilitem aos alunos irem além do mundo fetichizado. Esse ir

além do fetiche, pode ser entendido como uma das maiores contribuições da dialética. Pois,

segundo Konder (1981), a dialética é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de

compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. O

autor afirma que exatamente porque a dialética propicia a compreensão das relações além do

aparente, ela foi condenada a um papel secundário. O predomínio da metafísica ocorre, pois existe a

necessidade de “amarrar tanto os valores e conceitos como as instituições existentes, para impedir

que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente” (KONDER: 1981, p.

11).

Como pretendemos que os alunos sintam-se de fatos tentados a mudar, a dialética nos parece

essencial. O devir pode vir a propiciar a movimentação do abstrato ao concreto nas aulas de

Geografia, ponto que veremos com mais detalhes, na próxima seção.

1.2 - O Pensamento Crítico na Geografia

Ao apresentar as contribuições de alguns autores da Geografia Clássica, pretende-se mostrar

o cenário em que o pensamento crítico encontra a Geografia no século XX. Cabe destacar que os

autores clássicos são fundamentais para a compreensão das bases teóricas que permearam /

permeiam os olhares geográficos em suas múltiplas interpretações – materialistas, positivistas,

fenomenológicas e culturais. As críticas realizadas as visões de mundo e projetos de sociedade dos

clássicos como La Blache e Ratzel não pretendem anular a importância de suas obras, mas, apenas

destacar o contexto de suas criações e desdobramentos - destacando a dimensão política e

ideológica.

Objetiva-se discutir os reflexos desse movimento crítico na Geografia Escolar e

consequentemente, na forma como esse se desenvolve nas aulas de Geografia. Destarte, torna-se

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Page 36: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

necessário fazer uma breve apresentação sobre as matrizes que permeiam o pensamento geográfico

refletindo no seu movimento de renovação.

A escolha pelas matrizes foi estratégica, pois as mesmas refletem o fundamento conceitual-

ideológico - a forma como os autores entendem o mundo. Quais as categorias de análise da

Geografia o pensador utiliza para se apropriar e analisar o mundo? Moreira (2011, p. 47) elucida a

importância das matrizes ao destacar que estas “partem de um núcleo racional por meio do qual

uma estrutura global emerge como discurso de mundo, uma estrutura matricial se distinguindo da

outra justamente pela maneira como o intelectual vê e integraliza o mundo”.

Ao permitir uma compreensão das visões de mundo e as intencionalidades das produções

atreladas a Geografia, as matrizes também evidenciam a própria concepção de Geografia dos

autores que as compõem. Ao analisar as diferentes concepções sobre a ciência geográfica pode-se

compreender os desafios enfrentados pela renovação crítica e quais são os seus objetivos.

A Geografia consolida-se como ciência no século XIX, e é por meio de sua

institucionalização que se desenvolve a “Geografia dos Professores”, que nasce marcada por um

discurso enciclopédico. A entrada da Geografia nas cátedras universitárias não extingue a Geografia

como um saber estratégico dos “Estados Maiores” como denomina Lacoste (1988). O referido autor

destaca que esse saber torna-se ainda mais concentrado nas mãos de uma minoria. A origem da

Geografia encontra-se em sua instrumentalidade para o Estado ampliar / manter seu poder sobre os

territórios já que Lacoste assinala:

A geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que exigem um conjunto articulado de informações extremamente variadas, heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a razão de ser e a importância, se não se enquadra no bem fundamentado das abordagens do saber pelo saber. São tais práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne necessária, ao chefe supremo, aqueles que são os donos dos aparelhos do Estado. Trata-se de fato de uma ciência? Pouco importa, em última análise: a questão não é essencial, desde que se tome consciência de que a articulação dos conhecimentos relativos ao espaço, que é a geografia, é um saber estratégico, um poder (p. 23).

A Geografia como instrumento de dominação do Estado não pertencia a todos; por outro

lado, a Geografia Universitária, através da formação de professores, desenvolvia além de uma maior

aproximação entre os indivíduos e sua pátria como vimos anteriormente, uma carapaça que protegia

esse saber estratégico, já que a partir do discurso positivista da objetividade, tratava seus temas

como “neutros” e “inocentes” para usar as expressões de Lacoste (1988). Por conseguinte, o que

parece ser um saber sem aplicação para os alunos, quando articulado torna-se um saber estratégico e

valioso para a apreensão das contradições que perpassam as relações sociais que se desenvolvem no

espaço geográfico.

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As críticas realizadas por Lacoste em a “Geografia dos Professores” tem como pano de

fundo a crítica ao embasamento filosófico e metodológico que seria o positivismo – a crença de que

se pode apreender a partir dos sentidos, observando, descrevendo e enumerando os fenômenos de

preferência quantificáveis uma vez que, nesse contexto, do século XIX, busca-se o reconhecimento

da ciência a partir da lógica dos modelos matemáticos e estatísticos. As ciências naturais eram a

referência de métodos nesse momento, o que cria no interior da Geografia um movimento que

percebe o homem não como um sujeito histórico, mas como “um elemento da paisagem, como um

dado do lugar, como mais um fenômeno da superfície da Terra” (MORAES, 2007, p. 40). Exemplos

ainda muito presente tanto na Geografia Acadêmica como a Escolar - o estudo da população –

termo bem genérico, abafando os conflitos de classes ou o homem com agente que transforma o

relevo.

A institucionalização da Geografia se processa no momento histórico do capitalismo, onde

os Estados precisam conhecer a efetiva extensão do mundo para explorá-lo. Moraes (2007) ressalta

que a importância da Geografia como saber estratégico fica evidente na Alemanha onde se forma a

primeira grande corrente de pensamento através das contribuições de Alexandre von Humboldt

(1769 – 1859) - o empirismo raciocinado – observar as paisagens buscando compreender as

causalidades contidas nas observações; e de Karl Ritter3 (1779-1859). Cabe lembrar a importância

do território unificado perante a corrida imperialista. É inserido neste quadro que na “... Alemanha e

nos outros países da Europa, a geografia seguiu constituída de levantamentos empíricos e

enumerações exaustivas sobre os diferentes lugares da Terra (MORAES, 2007, p. 65)”. Além de

conhecer os lugares, as descrições começam a ser registradas, formando verdadeiros arquivos sobre

os lugares e seus potenciais.

Outro alemão muito importante para a história do pensamento geográfico moderno foi

Friedrich Ratzel (1844 -1904). Suas obras atuaram como um instrumento poderoso para a

unificação, já que Ratzel se encontrava mergulhado no projeto estatal e defendia a concepção de

que o Estado deve agir de forma a assegurar e expandir o seu território (Espaço Vital). Pois, o

território nacional seria a base para a manutenção das condições de trabalho e existência de uma

sociedade. O referido autor é considerado o “pai” do determinismo uma vez que entendia que as

condições naturais determinavam a história, ou seja, os seres humanos eram modificados pela

natureza que alterava a sua fisiologia e caráter (MOREIRA, 1988 ; MORAES, 2007).

As contribuições do Determinismo na Alemanha e do Possibilismo na França corroboraram

3 Humboldt e Ritter figuram como os fundadores da Geografia Moderna. Ambos buscavam um saber mais rigoroso sobre uma base metodologicamente organizada. O olhar admirador e curioso encontra-se segundo Gomes (1996) no legado deixado pelos autores aos geógrafos – o olhar geográfico.

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com os interesses da burguesia uma vez que além de criar forte sentimento de pertencimento a

nação e ao seu projeto, auxiliava no levantamento de dados para a exploração de novos territórios.

Ao falar do Possibilismo não podemos deixar de apresentar Paul Vidal de La Blache (1845-1918).

Apontar a relação político- estratégica do pensamento geográfico não significa negar toda a sua

contribuição para o entendimento do espaço. Cabe destacar que o objetivo do texto não é discutir o

pensamento histórico geográfico. Essa discussão no Brasil está sendo desenvolvida por geógrafos

de peso como Ruy Moreira, Antônio Carlos Robert de Moraes, Paulo César da Costa Gomes e

Milton Santos4.

Paul Vidal de La Blache foi um pensador de grande influência na Geografia, um dos

fundadores da escola possibilista, na França. Uma das categorias centrais do possibilismo é o

Gênero de Vida - permitindo a compreensão da civilização a partir das técnicas e do quadro de

troca entre os seres humanos e o meio. Tal concepção nos remente a cultura, e como essa reflete a

adaptação do homem ao seu espaço natural;

A teoria de Vidal concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes que permitiriam utilizar os recursos naturais disponíveis” (MORAES, 2007, p. 81).

Essa concepção de homem passivo que se adapta está presente na visão de mundo de La

Blache. Moraes (2007) destaca que Vidal, como Ratzel, estabelecia forte relação com o Estado e era

uma grande defensor da burguesia francesa. Difundia uma geografia neutra e apartada dos

interesses políticos a fim de enfraquecer a influência de Ratzel e do expansionismo alemão. Não se

pode negar a contribuição de La Blache no que concerne a valorização da história, já que era

historiador. Embora considere a história, a carga naturalista se sobressai, pois, a geografia vidalina

fala de população, agrupamentos humanos e não de sociedade,e analisa as técnicas e não as relações

de produção. A busca pela harmonia entre as condições naturais e as heranças históricas é a marca

de seu pensamento. Em relação ao método adotado pela matriz Lablachiana, uma das maiores

dificuldades é a ausência de exposição sobre o mesmo por parte de seu fundador. Vidal, como seus

discípulos que pouco desenvolveram sobre essa temática (Lacoste, 1988).

Ao analisar o pensamento Vidalino, Lacoste (1988) apresenta a concepção de “região

4 Durante toda a minha graduação (2003-2007) não fui apresentada diretamente a nenhum autor clássico- Vidal, Ratzel, Ritter ou Humboldt – muitas de suas contribuições sequer foram traduzidas para o português. Alguns autores são ainda mais combatidos como Elisée Reclus e Yves Lacoste. Que seriam para Moreira dois autores que contribuíram de forma singular para a Geografia e sua reflexão, levantando questões atreladas ao método, à episteme e à dimensão política do saber. A dificuldade em escrever sobre o pensamento histórico geográfico não apenas ratifica as questões atreladas a formação do geógrafo. Quando escrevo geógrafo neste trabalho incluo o professor e o bacharel, pois, somos todos preparados para pensar e discutir o espaço nas diferentes áreas em que atuaremos.

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geográfica” como o grande “conceito obstáculo”, pois foi considerado a forma fundamental e até

mesmo entre alguns geógrafos, a única, de representação espacial e a das suas relações sociais. Essa

concepção de região foi a base para o desenvolvimento dos Geografismos Políticos. Adaptando

para a realidade de Itaboraí, são frases que estão nas placas da Secretaria de Obra como Itaboraí -

terra da transformação! Ou presente nas colocações dos meus alunos: Itaboraí é terra de pobre,

não tem jeito não! Esse geografismo acarreta a naturalização de fenômenos históricos além de

“escamotear as diferenças e as contradições entre os diversos grupos sociais que se encontram

nesses lugares ou territórios” (LACOSTE, 1988, p. 63).

Lacoste (1988), ao explicar o geografismo como “metáforas que transformam em forças

políticas, em atores ou heróis da história, porções do espaço terrestre ou , mais exatamente, os

nomes dados a territórios mais ou menos extensos ” nos permite compreender a inversão do sujeito

(o ser humano) em objeto, já que a região transforma-se em um “dado quase eterno”, como as

regiões frias, calcárias, montanhosas, entre outras. Utiliza-se o termo região desconsiderando a

dimensão política presente no próprio termo região – que vem de regere – governar . É neste

contexto que o positivismo floresce e ganha força na Geografia.

Löwy (1988) destaca como hipótese fundamental do positivismo a crença de que as leis que

regulam o funcionamento da vida social, econômica e política são do mesmo tipo que as leis

naturais e, portanto, o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante à da natureza, uma

espécie de harmonia natural. O distanciamento da Geografia dos aspectos políticos já que não existe

a possibilidade e o desejo de discutir a dimensão política das relações sociais no espaço, ao

conceber a ciência com a busca por uma objetividade apartada de juízos de valores e ideologias. No

entanto, na prática é bem diferente, como vimos com geógrafos clássicos como Ratzel e Vidal

embebidos da ideologia burguesa.

Ao abordar o impacto do sistema positivista na Geografia, Moreira (2011) afirma que esse é

a maior expressão da sociedade técnica, impondo a organização do pensamento, uma visão física e

matemática da natureza que, associadas às Revoluções Industriais, refletem na fragmentação das

Ciências, incluindo a Geografia, sendo esse o reflexo da própria divisão do trabalho. Neste quadro,

aprofunda-se a cisão entre a Geografia Humana e a Geografia Física. A Geografia Humana é

retalhada em Geografia Urbana, Agrária, Econômica e da Indústria. No que concerne a Geografia

Física, ocorre a divisão em Climatologia, Geomorfologia e Biogeografia.

A referida compartimentação agrava as carências epistemológicas que marcam a Geografia

desde a sua institucionalização. Outro aspecto que associado à fragmentação agravou a questão da

fragilidade epistemológica na Geografia foi a ausência por parte dos filósofos de questionamentos

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que retirassem os geógrafos dessa recusa pela reflexão epistemológica. Ao falar da indiferença

depreciativa por parte da Filosofia, Lacoste (1988) indaga um outro ponto essencial que seria a

busca de referência em outras ciências;

O pouco interesse que os geógrafos têm mostrado para questões epistemológicas ou, mais modestamente, metodológicas é tanto mais surpreendente pelo fato de eles precisarem constantemente prolongar e transformar os trabalhos dos diferentes especialistas. De fato, desses discursos tão diferentes, o geógrafo extrai elementos, na medida em que ele pode relacioná-los a uma certa porção do espaço terrestre que quer descrever, na qualidade de lugar de interação de diversos fenômenos. Ora, esses especialistas, dos quais os geógrafos procura utilizar os trabalhos, não têm necessariamente, referências espaciais idênticas e trabalham em escalas diferentes. Em função dos métodos de sua própria disciplina, ou por outras exigências, cada um deles faz referência explicitamente, ou implicitamente (pois, o quadro espacial não é essencial para eles), seja a um espaço mais amplo, seja bem menor, seja a certo número de lugares, que não correspondem à “região” que estuda o geógrafo (LACOSTE, 1988, p. 91).

O diálogo e mais até, a utilização de bases conceituais das ciências como Geologia,

Antropologia, Biologia, Sociologia, entre outras, deveria ter sido mais uma razão para os geógrafos

repensarem e discutirem o impasse vivido pela geografia no que concerne aos seus objetos e

metodologias. Lacoste (1988) entende que um considerável número de geógrafos optaram pelo

método empírico, acatando o discurso das outras disciplinas no que lhe parecia útil, sem apontar os

motivos das suas escolhas. A ausência de métodos nas escolhas reflete também no estudo das

paisagens tema que ocupa grande lugar na Geografia – quais sinais considerar, por quais razões?

Inserido neste quadro de crítica sobre a incipiente discussão epistemológica na Geografia

emerge Richard Hartshorne (1899 -1992), um geógrafo estadunidense parcamente conhecido no

Brasil. Moreira (2012) afirma que as contribuições de Hartshorne foram “um dos poucos momentos

de atenção à epistemologia na história do pensamento geográfico. Propósitos e Natureza da

Geografia é um dos raros trabalhos escritos na Geografia Mundial no campo da crítica teórica”

(MOREIRA, 2012, p. 127). Hartshorne desejava que os geógrafos reconhecessem o caráter

arbitrário dos conceitos. Uma das suas críticas mais direta era ao conceito de região do pensamento

vidalino que Lacoste (1988) denominou de conceito obstáculo. Já que foi encarado como a única

forma de representar o espaço e as relações sociais sendo a base de muitos geografismos.

Gomes (1996) apresenta uma citação de Hartshorne por meio da qual podemos identificar a

sua preocupação com a forma em que a geografia lida com a realidade – seu método;

...estamos interessados portanto na hipótese de que nada é auto - evidente na produção da pesquisa geográfica, mas sim construído pelo que, na falta de um melhor termo, podemos chamar de pensamento filosófico sobre a geografia. (…) Em particular, parece perigoso basear um discurso de definição da geografia como ciência na hipótese de que há alguma coisa tão óbvia que nenhuma prova científica foi ainda oferecida. Nenhuma divisão regional do mundo, mesmo que tome em conta todos os elementos significativos é um retrato da realidade, mas sim um artifício arbitrário do estudioso,

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Page 41: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

mais ou menos conveniente para seus propósitos e por esta razão difere de estudioso para estudioso, dependendo de que elementos apareçam para ele como mais significativos (HARTSHORNE apud GOMES 1996, p. 208).

A crítica de Hartshorne às concepções vidalinas assenta-se no fato de que para essas “não há

necessidade de criar mecanismos de análises estruturais para explicá-los” (GOMES, 1996, p. 209)

bastando observar, pois o que se vê é o fato em toda a sua complexidade. Já que ao olhar a

paisagem, interrogando o objeto, poder-se-ia captar a realidade a partir da observação direta desde

que se consiga alcançar os fenômenos em seus encadeamentos a partir de uma descrição seletiva

dos aspectos mais importantes de cada paisagem. Mas, qual o critério para a escolha do mais

importante? Essa é a questão essencial apontada por Hartshorne, que contribuirá não apenas

teoricamente, mas na discussão sobre a metodologia, ao apontar o estudo do espaço a partir da

análise das características gerais e específicas, entendendo a singularidade de cada espaço em

estudo. Hartshorne prioriza o mundo dos homens, as suas ações sobre o espaço enquanto Vidal

focava na dinâmica da natureza e como o homem se adaptava a mesma através da cultura.

A crítica sobre a fragmentação entre a geografia física e humana é o pano de fundo das

análise de Hartshorne que debruça-se sobre as contribuições de Hettner. O autor aponta que o

estudo das paisagens não poderia limitar-se ao imediatismo dos sentidos destacando como método o

estudo da diferenciação regional a partir de “conceitos precisos, capazes de estabelecer um sentindo

agudo de sistematicidade e de objetividade na pesquisa” (GOMES, 1996, p. 239). A referida

sistematicidade, em conjunto com a objetividade, poderia permitir à geografia ascender de uma

descrição para uma análise científica apontando alguma generalização.

É nesse quadro perpassado pela busca por procedimentos metodológicos e pela superação

das dicotomias na Geografia que a Filosofia Analítica ou o Positivismo Lógico penetra no

Pensamento Geográfico na segunda metade do século XX. A sua entrada visava a superação de uma

Geografia presa a uma “razão classificatória” onde a verdade era encarada como constatação das

diferenças morfológicas. Ou seja, o concreto era o que se apresentava aos olhos, sem considerar

que o que se via era resultado de processos históricos, sociais e culturais. No entanto, o positivismo

lógico não estava preocupado apenas em alcançar a essência dos fenômenos superando as ilusões do

empirismo e da síntese, a questão é que a Geografia Tradicional não dava mais conta de atender às

novas demandas do capitalismo. Moraes (2007) afirma que a compressão do tempo e do espaço a

partir da difusão das novas tecnologias agudiza as rivalidades e as relações entre os lugares de

forma que a Geografia Tradicional não consegue sequer descrever, muito menos explicar.

Já vimos a Geografia como descrição da superfície terrestre, como o estudo das formas e da

fisiologia da paisagem. O olhar sobre a paisagem vai além, há um grupo de geógrafos que entendem

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Page 42: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

a paisagem como elemento central da Geografia, o instrumento chave para a busca do singular

presente em cada porção do planeta. Há também a compreensão da Geografia como o estudo da

relação homem-natureza, como se a natureza fosse de fato algo externo ao homem. Todas essas

formas de entender a Geografia encontram-se no escopo da Geografia Tradicional.

Com todas as críticas e não conseguindo responder às demandas de um espaço complexo e

contraditório, emerge um movimento de Renovação que segundo Moraes (2007) divide-se em duas

vertentes; a pragmática e a crítica. A vertente pragmática critica a incipiente profundidade das

análises desenvolvidas pela Geografia Tradicional, não vai aos fundamentos e à sua base social,

focando na falta de utilidade das produções da Geografia Tradicional. A vertente pragmática

segundo Moraes (2007, p. 109) acreditava na inutilidade da Geografia tradicional pelo fato dessa

não informar a ação, não realizar previsões tornando-se “inoperante como instrumento de

intervenção da realidade. Neste sentido, os autores pragmáticos vão propor uma ótica prospectiva,

um conhecimento que se orienta para o futuro instrumentalizando uma geografia aplicada”. Nesta

vertente, a renovação metodológica se processaria a partir da adoção de novas técnicas. As críticas

se limitam a forma, caracterizando-se por uma crítica estéril uma vez que não toca nas questões

essenciais sobre os vínculos políticos / ideológicos do pensamento tradicional. No interior da

Geografia pragmática desenvolve-se a New Geography.

Moreira (2011, p. 37) destaca que o “pressuposto da New Geography é a presença de uma

ordem estrutural matemática oculta por trás do padrão empírico de organização espacial dos

fenômenos, cabendo-lhe descobrir e identificar as suas formas de manifestação”. A explicação dos

fenômenos seria possível a partir de uma ciência que possui o caráter preditivo. A Geografia

Pragmática seria uma tentativa de atualizar a Geografia sem romper com os seus valores burgueses.

A metodologia baseada na descrição e no empirismo permanecia abraçando novas questões, as

mudanças no conhecimento ocorreram a fim de se garantir a passagem de um saber;

que levanta informações e legitima a expansão das relações capitalistas, para um saber que orienta esta expansão, fornecendo-lhe opções e orientando as estratégias de alocação do capital no espaço terrestre. Assim, duas tarefas diferentes, em dois momentos históricos distintos, servindo a um mesmo fim. Neste sentido, o pensamento geográfico pragmático e o tradicional possuem uma continuidade, dada por seu conteúdo de classe – instrumentos práticos e ideológicos da burguesia (MORAES, 2007, p. 110).

Na Geografia Pragmática os conteúdos de classe são mascarados pelos objetivos técnicos,

que através do discurso da objetividade e da neutralidade camuflam seus reais interesses – a

maximização dos lucros, a perpetuação da exploração do trabalho e a crescente acumulação do

capital. No interior desse quadro, Lacoste (1988) destaca que a realização da New Geography

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Page 43: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

depende do vínculo que se estabelece com o Estado e com as grandes firmas sendo “ praticamente

proibida a pesquisadores que não foram agregados por aqueles que detêm o poder” (LACOSTE,

1988, 152).

A Geografia Pragmática empobrece o pesamento geográfico ao compreender que pode

analisar a complexa teia de relações entre os diferentes fixos da paisagem a partir de modelos

estatístico e /ou matemático. Outra ilusão é compreender o espaço como abstrato, reflexo direto da

ação do planejador – o Estado. O empobrecimento desta concepção é mascarado pela sofisticação

técnica e linguística” (MORAES, 2007, p.117). Essencialmente, uma Geografia mais pobre com a

aparência de uma sofisticada ciência, ancorada na precisão dos modelos. Esta vertente está a pleno

vapor e a sua escolha pelo geógrafo não é apenas metodológica, mas uma posição política, uma

posição de classe (LACOSTE, 1988). Como já foi exposto, acredita-se na necessidade de ampliar o

horizonte crítico na Geografia, o que indica que estamos em pleno processo de construção /

discussão de uma Geografia que nos permita superar o que Santos (2004) denomina de discussão

narcísea – uma reflexão acerca da Geografia como disciplina ao invés de focar a energia na

discussão do espaço – do seu objeto. Como pode-se perceber a Geografia pragmática não rompe

com as dicotomias e limita-se a analisar a falhas não rompendo com as velhas ideais da geografia

tradicional. Aliás, ao analisar o contexto de renovação da Geografia em seu livro – Por uma

Geografia Nova- Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica, Santos (2004) aponta que “as

velhas ideias em geografia têm vida longa e frequentemente são abandonadas só para

reaparecerem mascaradas sob uma outra forma”. Logo, na Geografia Pragmática o homem

permanecia atuando sobre o espaço estanque a esse e não como um dos seus elementos

constituintes.

Entendendo que a Geografia Pragmática emerge como tentativa de apreensão da formação

social do espaço na perspectiva capitalista, essa deve ser modernizar em face de tamanha

complexidade. Este modo de produção que se consolida sem considerar as necessidade locais, mas

atendendo as demandas dos países centrais. A concepção de que a sociedade capitalista seria um

modelo único e natural precisava de todos os aliados, inclusive a Geografia que se institucionaliza

como grande ferramenta da expansão imperialista, por meio da geografia colonial.

Santos (2004, p. 102) aponta que no momento que se intensifica a globalização, a

“geografia tinha que se tornar quantitativa para poder ser utilitarista”. Neste caso, trabalha-se

com os resultados e não com os processos - uma das artimanhas da fetichização. Inserido no interior

deste movimento pragmático, a Geografia ao ficar restrita as descrições e aos números, torna-se

“viúva do espaço”.

A outra vertente que constitui o movimento de renovação é a Geografia Crítica que

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Page 44: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

pretende ir além do empirismo abstrato que influenciou as reflexões geográficas ao sensível /

aparente, já que o espaço é estudado sem considerar o homem, a produção e o tempo. Santos define

de forma ímpar as questões trazidas pelo empirismo à geografia, e, afirma que este torna-se ainda

mais desolador com a transferência do “cérebro” da Geografia para os Estados Unidos que até

19455 centrava-se na Europa.

A grande miséria do empirismo é que ele encobre as relações entre os homens, substituindo-as por relações entre os objetos, inclusive os objetos geográficos. Mas as coisas por elas mesmas não possuem relações. Toda iniciativa que não leva em conta este fato substitui uma significação verdadeira por outra desprovida de verdade. Isto é também uma forma de abstração, mas sem base no real: uma abstração falseada na origem porque não se fundamenta na essência das coisas mas em sua aparência (2004, p. 113).

É neste contexto que a Geografia Crítica se constitui por um grupo de autores que se

“posicionam por uma transformação da realidade social, pensando seu saber como uma arma desse

processo. São, assim os que assumem o conteúdo político do conhecimento científico propondo

uma geografia militante que lute por uma sociedade mais justa” (MORAES, 2007, p. 119). Ao

discutir a crise, a Geografia Crítica e seus autores vão além do questionamento acadêmico,

buscando no social as questões que permitissem a geografia atingir a essência dos fenômenos em

estudo. Vamos entender se a Geografia Crítica atingiu o concreto em sua essência no próximo item.

1.2.1-A Geografia Crítica se mostrou Crítica na Aparência mas, na Essência, manteve

parâmetros tradicionais?

O elo que une os diferentes autores que constituem a Geografia Crítica seria segundo

Moraes (2007) a ética. A geografia crítica seria uma frente, em que os objetivos comuns baseados

na ética de lutar por uma sociedade mais justa e humana conviveria com propostas díspares já que;

A unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo posicionamento social, pela concepção de ciência como momento de práxis, por uma aceitação plena e explícita do conteúdo político do discurso geográfico. Enfim é uma unidade ética. Entretanto, estes objetivos unitários objetivam-se através de fundamentos metodológicos diversificados (p. 131).

O termo Geografia Crítica abarca muitas geografias e não se apresenta de fato como uma

5 Santos (2004) destaca como marco dessa transferência para o EUA – O Congresso Internacional de Geografia em Washington no ano de 1945.

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Geografia, uma escola do pensamento consolidada, pois, ainda encontra-se em construção. Emerge

no contexto de crise marcada por alguns pontos que Santos (2004, p. 111) destaca como influências

na evolução / involução do pensamento geográfico:

• As velhas ideias – uma “enfermidade incurável”;

• A canonização de modelo – um exemplo seria o que Lacoste (1988) denomina, no caso da

região vidalina, de conceito obstáculo;

• O prestígio incontestável dos grandes mestres – a falta de contestação acarreta a adoção /

reprodução das ideias por mais antiquadas que sejam;

Esses seriam apenas alguns dos pontos que dificultaram a definição de um objeto

geográfico, impactando a própria Geografia Crítica que surge apontando tais falhas à Geografia

Tradicional. Moraes (2007, p.124 ) ressalta que a “geografia de denúncia não rompia em termos

metodológicos, com a análise regional tradicional. Mantinha-se a tônica descritiva e empirista,

apenas passava-se a englobar no estudo tópicos por ela não abordados”.

Discute-se temáticas como fome, miséria, processo de favelização, auto segregação que vão

além da perspectiva da forma e função dos objetos, mas ainda prenhe de uma visão integrada do

todo. Transportando a questão para a Geografia Escolar, trabalha-se essas temáticas, mas ainda de

forma estanque dificultando aos alunos compreenderem as questões que engendram essa

problemática.

Santos (2004) em seu livro - Por Uma Nova Geografia- Da Crítica da Geografia a uma

Geografia Crítica indica que a negligencia da Geografia em relação a definição do seu objeto gera

uma multiplicidade de definições dificultando o desenvolvimento do seu campo teórico-

metodológico. Essa infinidade de definições obstaculiza a compreensão da sociedade a partir de sua

complexidade - totalidade, restringindo a Geografia a um olhar parcelado entre as suas “diferentes

disciplinas” como denomina Santos (2004). Esse olhar raso limita o horizonte ao imediato,

impossibilitando aos geógrafos compreenderem a existência humana, já que para Moreira (1994)

apenas ao considerar a diversidade de coisas e suas integralidades alcança-se a totalidade que atua

como berço da existência.

A fim de que se alcance um objetivo, o método torna-se fundamental. Este decorre do que se

pretende apreender. Considerando a necessidade de busca do concreto, um voo mais alto que o

imediato não seria o caminho, o método dialético? Acontece que a Geografia Crítica apresenta

como característica o ecletismo metodológico e um incipiente diálogo com as obras de Marx.

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Moreira (1994) aponta que os geógrafos brasileiros “descobrem6” Marx, um autor amaldiçoado em

toda a história do pensamento geográfico a partir dos impactos da obra de Yves Lacoste, Massimo

Quaini e Milton Santos no século XX, ao apontarem a concretude histórica dos fenômenos e a

relação metabólica entre homem e natureza.

A Geografia analisa o arranjo espacial como concreto e abre mão do marxismo sem “uma

crítica aprofundada sobre o modo como esta perspectiva permitiu construir uma compreensão da

realidade, de seus limites e possibilidades ” (CARLOS, 2007, p.2). Torna-se fundamental analisar

os arranjos espaciais considerando as relações sociais que os engendram. Moreira (2007) destaca

que a observação dos arranjos evidencia uma fusão do espaço com as relações de classe que estão

presentes na formação econômico-social como as fábricas (as relações econômicas); o tribunal

(relação jurídico-política) e as igrejas e escolas (relações ideológicas). Esses elementos não estão

dispersos aleatoriamente no espaço, há uma lógica que atende aos interesses das classes dominantes

e não é sem razão, que a suas disposições visam a manutenção do modo de produção capitalista

como bem aponta Moreira (2007, p.68);

No modo de produção capitalista, tipo de sociedade em que vivemos, os objetos espaciais são meios de produção e reprodução do capital, ou seja, veículos por meio dos quais a força de trabalho operária, produzindo a mercadoria produz mais valia e sua incorporação ampliada ao capital. Dessa maneira, seu controle significa o próprio controle da reprodução da sociedade capitalista como um todo e o seu uso a garantia de que servirão à reprodução do capital.

No interior desta lógica, Harvey (2014) aponta a importância da Geografia e a vitalidade de

uma Teoria Geográfica do Desenvolvimento Desigual, uma vez que a sua ausência impede a

compreensão da luta de classes no espaço global. Já vimos a utilidade política da Geografia aos

Estados Maiores como aponta Lacoste (1988), mas esta também serve ao capital, já que;

Sem expansão geográfica, reorganização espacial e desenvolvimento geográfico desigual o capitalismo teria parado de funcionar há muito tempo. A procura de um ajuste espacial para as contradições internas do capitalismo, junto com a inserção desigual dos diferentes territórios e formações sociais no mercado mundial capitalista, tem criado uma geografia histórica mundial da acumulação capitalista, cuja natureza precisa ser bem compreendida (HARVEY, 2014, p. 2).

6 Cabe destacar que a minha graduação foi marcada por esse vazio das obras de Marx . Meu primeiro contato foi num grupo de estudos do Centro Acadêmico. Lembro de um episódio que ressalta bem isso – para contextualizar, me formei em 2007. Fui procurar um livro que minha memória agora falha, acho que os Manuscritos Econômicos e perguntei ao bibliotecário que não achava, daí ele disse: “nessa caixa tem uns livros? “E vi vários livros do Marx e do Lenin, mas durante toda a graduação ouvi várias críticas e li autores que criticavam o marxismo e seus dogmas, esses nas estantes e dos Marx na caixa.

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Page 47: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

A citação supracitada foi extraída de um artigo – A Geografia Do Manifesto. Neste artigo

Harvey (2014) aponta a vitalidade do manifesto comunista e a importância da Geografia na

compreensão das estratégias espaciais que dificultam a classe operária nos embates com a

burguesia. São estratégias espaciais que dificultam por um lado a classe trabalhadora ampliando o

domínio burguês – como enfraquecimento dos sindicatos com a fragmentação da produção, a

redução dos salários com as guerras fiscais, entre outras estratégias que determinam as lutas de

classes. Entendemos que a Geografia pode auxiliar na transformação da realidade a partir de suas

análises, no entanto, torna-se fundamental romper com a Geografia instrumental que está a serviço

do capital – tanto no sentido econômico como no ideológico.

Santos (2004) realiza essa reflexão ao questionar: será que o espaço não pode ter outra

utilização senão servir ao capital? Responde ressaltando que muitas disciplinas da Geografia

atendem perfeitamente a função de planejamento e que, ao adotar esse caminho, destemporaliza e

desumaniza o espaço. Pois, ao focar nas coisas e não nos homens, volta-se ao mundo dos negócios e

não dos homens.

Ao entender que a Geografia precisa construir uma conceitualização adequada dando conta

da totalidade, Santos (2004) elenca algumas categorias que precisam ser consideradas como: o

modo de produção; as relações de produção; as relações de trabalho e o desenvolvimento técnico.

Essas categorias seriam as variáveis essenciais para se compreender a natureza, concebendo-a não

fragmentada e apartada da sociedade, mas como o conjunto de todas as coisas existentes, incluindo

o ser humano. A influência marxista torna-se clara sobre a concepção de Santos (2004) da Nova

Geografia, já que esta tem como elemento central, a categoria trabalho - a relação metabólica entre

o trabalho e o ato de produzir espaço e o próprio homem.

Ao definir a formação sócio espacial como o fundamento da Geografia Crítica, Santos

(2004) aponta que esta irá dar conta das complexas relações interescalares afastando da geografia os

fantasmas das compartimentações disciplinares (geografia física e humana, agrária e urbana)

permitindo atingir a totalidade complexa que marca o local e o global. Logo,

Essa geografia renovada ocupar-se-ia do espaço humano transformado pelo movimento paralelo e interdependente de uma história feita em diferentes níveis -internacional, nacional e local. As noções de totalidade e de estrutura, de universal e de particular, deverão ser unificadas em um mesmo movimento conjunto no qual a sociedade seria reconhecida em seu diálogo com a natureza transformada, não apenas como agente transformador, mas também como um dos seus resultados. Uma vez mais, toda tentação dualista seria exorcizada (p. 239).

Santos (2004) aponta que muitos marxistas, ao desenvolverem a categoria formação social,

esqueceram da impossibilidade de analisar a sociedade desconsiderando a dimensão espacial e as

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formas geográficas. A formação social como categoria permite a compreensão das forças internas e

externas que atuam como motor das transformações na sociedade. E para se compreender a

formação social, a base da explicação assenta-se na produção, ou seja, no trabalho do homem que

segundo leis historicamente determinadas constroem / transformam o espaço.

O estudo da formação socioeconômica seria o método para se atingir a essência dos

fenômenos / fatos geográficos. Neste sentido, Santos (2004) destaca que não se pode ignorar a

dimensão espacial e a sua relação com a dimensão temporal. Entende que o tempo não é absoluto,

mas relativo – não é resultado da percepção individual, mas um tempo concreto que pode ser

diferenciado. Ou seja, pode ser dividido em secções que enriqueceriam a análise das variáveis

observadas no espaço e suas transformações / permanências aos longo do períodos históricos.

Apesar das contribuições de Santos (1982, 2004) e de autores como Moreira (1994, 2007,

2011) entre outros que discutiram a Geografia Crítica, pode-se dizer que essa ainda é apenas um

horizonte em construção. Carlos (2007, p.3) entende que “a atual situação da Geografia revela que o

pensamento crítico e radical, condição da compreensão do mundo e que assinalou mudanças

profundas nos anos 70 e 80 no Brasil, encontra-se agora em refluxo”. Outra visão semelhante seria a

de Moraes (2007, p. 141), ao relatar que

[…] boa parte das posturas criticadas pelo movimento renovador dos anos setenta se reapresenta a geografia brasileira da atualidade. De início saliento o abandono do debate acerca dos métodos e da preocupação com a explicação das bases metodológicas das análises realizadas. Tal postura se exposta e justificada como uma orientação explícita – assim como a de defesa do ecletismo- conforma em si um posicionamento em termos de metodologia. Porém, quando não explicitada torna-se veículo de um empirismo primário ou alimento de um ecletismo não-consciente (no limite podendo alimentar uma postura anti-metodológica militante no elogio simplista de levantamento de campo). A decorrência imediata dos pontos criticados é a perda da capacidade teórica da geografia, que retorna no caso, ao patamar primário de saber descritivo, sem grandes horizontes de reflexão.

O recuo da teoria extrapola a geografia, Moraes (2001) apresenta esse processo atrelado ao

fim da teoria / da razão e que busca o entendimento dos fenômenos através do pragmatismo,

atuando na defesa de todos os pós e na negação de toda forma de ir além da aparência / do

imediato. A totalidade seria uma abstração, o importante é “ o saber fazer e a teoria é considerada

perda de tempo ou especulação metafísica, e quando não, restrita a uma oratória persuasiva e

fragmentária presa a sua própria estrutura discursiva”. Neste caso, degradar a teoria significa tornar

as análises superficiais ao ponto de não desvelar o movimento que assombra a geografia em face de

sua utilização como um poderoso instrumental para o Estado -como Marx aponta no Manifesto

Comunista – “braço executivo da burguesia” .

O recuo da teoria permite a ressignificação dos conceitos que foram transmutados pela

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pragmática retórica, alguns naturalizados como capitalismo, outros substituídos como classe social

por status socioeconômico e outros distorcidos como o conceito de sociedade civil perdendo o

caráter crítico assumindo a ilusão do respeito as diferenças e as diversidades (MORAES, 2001).

Torna-se necessário chamar a atenção que o recuo não se restringe ao epistemológico, afetando o

político e o ético.

É nesta superficialidade, que muitos geógrafos nem se aproximam ou abandonam sem

aprofundamento, as obras e contribuições de Marx realizando como aponta Carlos (2007, p.4) uma

leitura enviesada. Essa leitura se dá permeada pela “ausência de rigor e a generalidade sobre este

legado desemboca num discurso ideológico e preconceituoso”. Marx não pode responder a todos os

problemas do século XXI e também não pode ser considerado obsoleto por ter escrito no século

XIX. Alguns dos sinais do refluxo apontado pela referida autora anteriormente, seria a busca por um

equilíbrio ambiental e a concepção de harmonia retornando a geografia que permanece a encarar o

homem e o meio fragmentado. O estudo da área de exclusão para orientar a ação do Estado, sem a

crítica que seus aparelhos estão a serviços dos que lucram com a exclusão em estudo. A observação

da cidade como campo de experiência, onde os atores e não mais sujeitos, apreendem as realidades.

O foco da Geografia volta-se para o sujeito e não para sociedade, o objetivo da geografia

encontra-se na apreensão do “real” subjetivo de cada ator. Neste caso, Carlos (2007, p. 11) aponta

que o espaço volta a ser receptáculo das ações e a geografia é usada “para alimentar e justificar a

prática do Estado onde os relatórios técnicos servem como base para a realização do poder no

espaço que faz tábula rasa da prática sócio espacial esvaziando-a de sentido”, limitando a noção de

espaço a quadro físico e o “cidadão a usuário dos meios de consumo coletivo dispostos no espaço” .

É neste quadro que acontece o fortalecimento do “pensamento neoliberal que impõe a

eficiência e a competência - qualidades intrínsecas à burocracia como objetivo último, fazendo com

que esta ciência (a geografia) ganhasse uma expressão ideológica, o que recoloca a questão do

papel do geógrafo na compreensão da sociedade atual” (Carlos, 2007, p.3). Mas até do que

compreender, acreditamos que a geografia possa de fato contribuir para a transformação da

realidade.

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1.3 -Da Aparência a Essência: Um Movimento mais do que Necessário, Urgente!

PrivatizadoPrivatizaram sua vida,

seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.É da empresa privada o seu passo em frente,

seu pão e seu salário.E agora não contente querem privatizar o conhecimento,

a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

Bertold Brecht

A urgência da movimentação da aparência a essência na escola encontra-se assentada na

necessidade de possibilitar a compreensão do concreto como síntese de muitas determinações. Ao

trabalhar com os alunos um conhecimento sem sentido, descolado de significado em suas vidas, este

será analisado de forma vaga e as relações que os alunos conseguirão desenvolver, a partir deste

conhecimento, serão simples e as determinações serão entendidas superficialmente.

Na tentativa de superar uma prática fetichizada, Marx (1857) destaca a necessidade de partir

de determinações abstratas, entendendo-as inseridas num todo contraditório, que para ser

apreendida em suas múltiplas relações deve ser analisada a partir de categorias estruturantes, que

articulam internamente a sociedade capitalista (o capital, o trabalho assalariado, a propriedade

fundiária, as classes sociais, as relações e trocas entre as classes, o papel do Estado, as relações

entre os lugares, entre outros pontos que pela sua amplitude consegue aprender o máximo de

relações).

O poema de Brecht evidencia como é necessário pôr em prática a ascensão do abstrato ao

concreto, pois como profissionais da educação, não podemos nos anular, perante uma sociedade

cada vez mais desumanizada. Não se pode negar a importância da aparência e das impressões

sensoriais para a chegada ao concreto. No entanto, deve-se entender que a ideia da coisa, é diferente

da coisa em si. Kosik (1995) ao se debruçar sobre as contribuições de Marx, nos ajuda a

compreender as diferentes feições da coisa, já que para Marx, o mundo se manifesta cotidianamente

ao homem na práxis fetichizada – manipulada. É exatamente, na tentativa de revelar essa práxis

fetichizada, que acreditamos que a Geografia Escolar possa contribuir para desdogmatização do

mundo, ou melhor, da visão de mundo que impera na sociedade contemporânea – marcada pela

individualidade e a busca constante pelo lucro, onde tudo, literalmente tudo, tem um valor de troca.

Lefebvre (2009) afirma que a alienação longe de ser teórica é acima de tudo, prática,

econômica, social e política. Ao escutar os alunos dizerem que “não tem jeito”, “Itaboraí nunca vai

mudar: é terra pobre e de bandido” ou “Professora, desiste de ensinar a gente, aqui só tem burro de

50

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carga” entre outras, que ampliam a certeza de que alienação atua muito além do teórico. Exatamente

por isso, precisa-se alterar o relacionamento desses sujeitos com os seus espaços.

Segundo Lefebvre (2009, p. 46) “o homem só se torna humano criando um mundo humano.

E dentro de sua obra e por meio dela que ele se torna ele mesmo, mas sem confundir-se com ela,

embora não se separe dela”. Os alunos não se veem de fato em sua realidade, pois, ao não se

reconhecem num território tão hostil a sua participação (o tráfico de drogas e a violência crescente

não apenas do bairro, mas de município de uma forma geral), sem muita saída, passam a rejeitar

tudo que os cercam, inclusive a sua escola, um dos poucos locais de socialização junto com a Igreja.

Espaços que não rompem com os fetiches, mas ajudam a naturalizar as relações desiguais e injustas

da sociedade capitalista.

Desse modo, torna-se fundamental possibilitar aos alunos voos mais altos, que esses possam

ir além de explicações superficiais, limitadas ao mundo dos fenômenos.

O objetivo é mostrar que para chegar à unidade concreta deve-se considerar o que Lefebvre

denomina de Mundo dos Fenômenos e Mundo das Essências. A partir da consideração de ambos

pode-se gerar uma angustia7 – ao perceber que apenas o mundo dos fenômenos não consegue

responder as questões que emergem, os alunos começarão a refletir sobre a existência de algo a

mais – o que poderá causar a exigência de um conteúdo, não ficando limitada a observação da

forma.

A destruição do mundo fetichizado colocaria em cheque a manutenção do status quo, uma

vez que para Oliveira (2007);O funcionamento do corpo capitalista não pode prescindir da aparência harmônica da liberdade, da igualdade e da reciprocidade. Sem esta camada a essência do mundo capitalista ficaria exposta e teria dificuldades para seu movimento automático, ao menos teria dificuldades em alcançar os objetivos de sua reposição quanto ao capital variável (P. 16)..

Ao criar a possibilidade junto aos alunos de irem do campo sensível – o percebido, passando

pela reflexão atingindo o invisível – a essência do fenômeno, nos permite compreender duas ações

fundamentais de estimulo nos alunos e alunas: o ver / observar e o pensar / refletir; com o objetivo

de construir conhecimentos significativos - “vivos”. No entanto, é preciso superar a prática

presente ainda nas escolas, que é o pensar e ver a partir de uma Geografia Tradicional, em que

homem e meio são encarados separadamente.

É possível levantar a questão de que a lógica formal encontra-se enraizada nos meios

acadêmico e escolar. Os livros didáticos8 adotados pelas escolas refletem a lógica formal através do

7 A importância do professor e sua forma de abordar as diferentes temáticas- a partir de situações problemas que possam despertar nos alunos e alunas o interesse pela

solução das questões colocadas.

8 A observação do sumário de muitos livros didáticos permite evidenciar a divisão entre Geografia Física e Geografia Humana na apresentação dos conteúdos.

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Page 52: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

modelo Natureza-Homem-Economia (N-H-E), em que os conteúdos aparecem esquematizados em

unidades que são construídas a partir da Geografia Física – Estrutura Geológica, Clima, Solo,

Hidrografia, Biomas, e Meio Ambiente9 - e da Geografia Humana – Economia e o Processo de

Desenvolvimento do Capitalismo – onde se inserem o Processo de Industrialização, Urbanização, a

Modernização das Atividades Agrícolas - e há uma unidade relacionada à População - crescimento,

os fluxos migratórios, estrutura e pirâmides etárias.

A Natureza neste modelo aparece estática e externa ao homem, como se fosse um conjunto

de elementos a serem utilizadas pelas ações humanas, que estão estritamente atreladas as atividades

econômicas. E estas, não revelam os conflitos estruturais presentes na sociedade capitalista – o

conflito entre os possuidores dos meios de produção e os que oferecem sua força de trabalho por

falta de opção – os proletariados.

Moreira (2007) propõe um movimento que parte do visível – a paisagem – através da análise

de suas formas e dos respectivos conteúdos, permitindo alcançar o invisível, o que não pode ser

identificado de imediato. Levando em consideração as contribuições do Materialismo-Histórico e

Dialético, analisa-se inicialmente os arranjos espaciais a partir da observação dos objetos que

constituem a paisagem: os arranjos superestruturais jurídico-político (delegacia, quartel, prefeitura,

fórum) e ideológico-cultural (a igreja, a escola, o cinema, as emissoras de TV); e o arranjo infra

estrutural das relações econômicas (as fábricas, os serviços).

Com a negação de pensar a função dos objetos, que constituem a paisagem - como a igreja e

sua função de disciplinar - a escola auxilia na naturalização das relações de exploração do ser

humano pelo ser humano, que deveria causar indignação. O ser humano, não analisado como

apenas mais um no interior da população, é compreendido a partir dos conflitos que emergem na

sociedade, sendo visto como sujeito que condiciona, e, é condicionado. Neste modelo, o trabalho

surge como elemento básico, uma vez que é através desse, que o ser humano age sobre a natureza

transformando-a e ao mesmo tempo, se transformando.

Para Moreira “perceber um fenômeno em sua dimensão geográfica é assim primeiramente

localizar, distribuir, conectar, medir a distância, delimitar a extensão e verificar a escala de sua

manifestação na paisagem” (2007, p.116). Esses seriam os princípios lógicos da Geografia que

instrumentalizam a análise, e a chegada à essência dos fenômenos observados. Ao compreender os

fenômenos e o que há além de sua aparência, pode-se despertar a consciência crítica. Esta

consciência poderá causar a mudança na concepção que o indivíduo possuía até o momento. Ao

mudar a ideia sobre a coisa, muda-se sua relação com a mesma – será que podemos pensar numa

nova forma de sociedade?

9 Este pode ser encontrado na parte concernente a Geografia Humana, quanto aborda o processo de Urbanização.

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Page 53: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Ao pensar sobre uma nova forma de sociedade mais igualitária justa e humanizada, cabe aos

professores e/ ou pesquisadores, pedagogos e demais profissionais da Educação, refletir sobre a

prática em seus espaços de atuação. Vamos analisar, no próximo capítulo, os aliados na ampliação

de um horizonte mais crítico na Geografia e na tomada de consciência por parte dos alunos e alunas.

Além do aspecto didático e pedagógico, precisamos buscar aliados na luta pela consolidação de

conhecimentos reais e significativos em outras ciências como a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia,

entre outras áreas como veremos a seguir. Pois, para aprender os alunos precisam estar dispostos a

refletir e a interagir. Nesse caso, a linguagem assume um papel fundamental, atuando como

mediadora da percepção. As percepções são alteradas / construídas a partir da manipulação das

representações simbólicas. Quando o conteúdo das diferentes disciplinas é interiorizado de forma

mecânica, não estabelece sentido, sendo rapidamente esquecido, geralmente “vivem” até as

avaliações.

Como pretendemos construir uma Geografia Escolar que permita ao aluno entender-se

como sujeito histórico e espacial, ampliando / complexificando a sua forma de conceber o mundo,

ou melhor, sua consciência a respeito da realidade, pensamos ser necessários discutir à luz das

contribuições de Vigotski como esse processo ocorre no indivíduo , no interior de uma sala de aula.

Mas, antes precisamos entender que uma transformação social emancipadora é impensável sem uma

atuação concreta da educação, como aponta Mészaros (2005, p. 76);

A nossa época de crise estrutural global do capitalismo é também uma época histórica de transição de uma ordem social existente para outra, qualitativamente diferente. Essas são as duas características fundamentais que definem o espaço histórico e social dentro do qual os grandes desafios para romper a lógica do capital, e ao mesmo tempo também para elaborar planos estratégicos para uma educação que vá além do capital, devem se juntar. Portanto, a nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transformação social ampla e emancipadora.

Discutir o papel da educação, e, em especial, da Geografia Escolar, no interior de uma escola

que emerge após a consolidação do sistema capitalista, assumindo um papel fundamental, já que

atua como instrumento que permite a afirmação e a permanência do sistema, não é de fato uma

tarefa fácil. Conforme ressalta Pereira (1999), detentora de poder político, a burguesia percebe que

sua dominação pode ser mantida não apenas através do poder repressivo, mas também da

disseminação de seus valores de classes apresentados como universais. Para isso, a rede de escola

que se implanta no século XIX, assume um caráter nacional, pois a imposição da nacionalidade

torna-se indispensável para a constituição do estado - nação.

A Geografia atua na construção das identidades nacionais como visto anteriormente com

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Vlach (1991) e também na camuflagem das diferenças internas através de um discurso nacionalista

onde todos estariam, de forma idêntica, sob o mesmo sol. Independente do legado da Geografia

Tradicional presente ainda em nossas escolas e apesar destas continuarem a ser um aparelho de um

Estado burguês, torna-se necessário pensar estratégias que possam transformar a sociedade desigual

e perversa que vivemos.

Portugal (2007, p.4) ao realizar um estudo sobre as pesquisas marxistas no campo

educacional aponta o seu forte caráter reformista, uma vez que existe a crença na via democrática

como possibilidade “de disputar e conquistar, pela democracia burguesa o seu alargamento, a

direção política e ideológica dos aparelhos ideológicos do Estado burguês, de modo a torná-los

instrumentos de interesse e a serviço da classe trabalhadora”. A autora aponta a necessidade de

produzir pesquisas que enriqueçam o movimento revolucionário. Acreditamos que permitir aos

alunos construírem conhecimentos vivos, que apresentem significados, instrumentalizando suas

ações de forma que esses possas transformar seus lugares, seria um caminho a fim de uma nova

prática sócio espacial. Logo, embora as escolas atuem ainda como um aparelho, seja na formação e

adestramento da classe trabalhadora, pensamos como Mészaros (2005), que a educação pode sim

ser uma força emancipadora seja fora ou dentro das escolas.

Veremos no próximo capítulo como construir conhecimentos significativos, permitindo aos

alunos o movimento da aparência e da essência, a partir das contribuições de Vigotski. De acordo

com Duarte (2000, p.2) a intenção do referido autor era a construção de uma psicologia marxista

“verdadeiramente científica”. Vigotski acreditava na dimensão objetiva do saber e que as abstrações

necessárias para se ir além do visível são construídas historicamente, a partir das relações sociais

estabelecidas pelos sujeitos entre si e na sua relação com a natureza mediatiza pelo trabalho.

Duarte (2006) sinaliza a urgência de superar a naturalização das relações entre os indivíduos

e a sociedade apontando a vitalidade da psicologia histórico-cultural neste processo, quando esta

encontra-se embebida nas contribuições de Marx. Pois, em suas pesquisas, Duarte (2000, 2006)

destaca a apropriação do pensamento de Vigotski e seus colaboradores pela perspectiva neoliberal

-através do lema “aprender a aprender”- “em vez de a educação escolar formar indivíduos que

sabem algo, ela passa a ter como objetivo formar indivíduos predispostos a aprender qualquer

coisa, desde que aquilo a ser aprendido mostre-se útil ao processo de adaptação do indivíduo à

vida social, isto é, ao mercado”. O referido autor apresenta a descaracterização do pensamento de

Vigotski, “que deixaria de ser visto como uma teoria fundamentada de forma radical e

aprofundada nos clássicos do marxismo para se tornar algo ‘mais gostoso’, ‘mais fácil’ e ‘mais

prático’ ” (DUARTE, 2006,p. 160).

Duarte (2006, p.160) pretende dar visibilidade às implicações metodológicas da teoria de

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Vigotski e seus reflexos na Pedagogia. Há uma crença em que “basta falar, interagir, se interessar

pelos outros e suas necessidades, seus desejos e perspectivas” que já estaria sendo colocada em

práticas a teoria vigotskiana. O autor destaca que “seria engraçado se não fosse trágico”.

Veremos com mais detalhe no próximo capítulo que o objetivo de Vigotski é permitir aos

indivíduos irem além, construindo e criando novas relações a partir da apreensão de novos

conhecimentos. O ir além não é apenas no plano intelectual, torna-se essencial considerar o

contexto que o autor escreve e que este analisa as obras de Marx a fim de construir uma psicologia

que permitisse ao ser humano romper com a ideologia que o aliena e com a própria sociedade

capitalista.

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Page 56: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

CAPÍTULO 2- O PENSAMENTO CRÍTICO NA ESCOLA

Neste estudo, compreendemos por pensamento crítico a possibilidade de propiciar aos

alunos reflexões e pensamentos que os permitam ir além da aparência. Um conhecimento que

partindo do concreto caótico - sua visão inicial - o permita alcançar a essência dos fenômenos em

estudo. Especificamente neste trabalho, que o alunos possa perceber a formação sócio-espacial a

partir do trabalho na sua dimensão mais ampla – além desse trabalho alienado – estranho ao

trabalhador que não se reconhece no produto de seu trabalho.

Em relação ao processo de alienação, Konder (2009, p. 45) aponta que existe a necessidade

de voos mais altos, pensando-se além da questão econômica, “buscando novas formas e aspectos do

fenômeno global da alienação”. Seria possível então pensar que existe uma espécie de alienação

espacial, onde os alunos não se reconhecem como produtores dos espaços que transformam,

centralizando no Estado todas as mudanças que ocorrem sobre o mesmo? De fato, o Estado em

parceria com os empresários realizam o que Santos (2004) denomina de urbanização corporativa,

voltada para atender aos interesses dos empresários, fato bem marcante no município de Itaboraí

com a instalação do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Veremos com mais

detalhes no próximo capítulo.

Entendemos como já exposto, que a educação tem uma papel fundamental na humanização

do homem e neste sentido, o materialismo histórico-dialético seria o caminho para efetivação de

uma educação emancipadora. Pires (1999), ao discutir em seu artigo a vitalidade do marxismo para

uma educação comprometida como uma transformação social, aponta que

O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade (p.7).

O pensamento crítico permite o aprofundamento / superação da forma como o indivíduo

entende o mundo, isto é, a sua realidade. Mas, para que isso possa ocorrer, torna-se necessário

considerar e conhecer a realidade cotidiana dos alunos, pois “a produção de ideais, de

representações e da consciência está no princípio, diretamente vinculada à atividade material e o

intercambio material dos homens, como a linguagem da vida real ” (MARX, p, 51).

É dentro desse quadro, que precisamos considerar que “o pensamento reflete a realidade na

consciência de modo qualitativamente diverso do que faz a sensação imediata […]. Existem todos

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os fundamentos para se admitir que essa diferença qualitativa da unidade é, no essencial, um reflexo

generalizado da realidade” (VIGOTSKI, 2009, p.10). Compreende-se que a generalização é um ato

do pensamento, sua verbalização, a forma que o sujeito relaciona e articula seu conhecimento e suas

experiências de mundo, expondo suas visões e interpretações a partir de abstrações. Mas, para que

possa realizar generalizações, existe a necessidade da troca – da comunicação que segundo Vigotski

(2009, p.12);

A comunicação sem signos é tão impossível quanto sem significado. Para se comunicar alguma vivência ou algum conteúdo da consciência a outra pessoa não há outro caminho a não ser a inserção desse conteúdo numa determinada classe, em que um grupo de fenômenos, e isto como sabemos, requer necessariamente generalização. Verifica-se, desse modo, que a comunicação pressupõe necessariamente generalização e desenvolvimento do significado da palavra, ou seja, a generalização se torna possível se há desenvolvimento da comunicação.

Ao considerar a vitalidade da comunicação, emerge como essencial a consideração das

vivências e experiências dos alunos, pois, como estamos preocupados em considerar a cultura do

aluno e as relações que estabelecem em seu cotidiano, ouvi-los e considerar os seus conhecimentos

espontâneos é um passo fundamental para a construção de uma aula rica e significativa. Como

entendem um determinado fenômeno, considerando-o como sujeito fundamental do processo de

ensino e aprendizagem. Assim, ao lidar com alunos do Ensino Fundamental sabe-se através da

contribuição de Vigotski (2001) que o cruzamento entre fala e pensamento ocorre aproximadamente

aos dois anos de idade, logo nossos alunos podem verbalizar suas visões de mundo, suas angústias e

questionamentos. E essa fala intelectual e o pensamento verbalizado precisam ser estimulados

através de um ambiente onde possam interagir e se colocar, expondo seus pensamentos, uma vez

que não são elementos inatos, mas determinados por um processo histórico e social (VIGOTSKI,

1999).

É preciso destacar que o processo de aprendizagem tem no aluno, o seu principal sujeito.

Este precisa participar e contribuir para a construção de conhecimentos significativos. Gowin apud

Moreira (2003) esclarece que “para aprender significativamente, o aluno tem que manifestar uma

disposição para relacionar, de maneira não arbitrária e não literal (substantiva), à sua estrutura cog-

nitiva, os significados que capta a respeito dos materiais educativos, potencialmente significativos,

do currículo”.

Neste caso, a interiorização dos símbolos é mediada pelas interações sociais, como Vigotski

(2001) apontou em suas análises. Sem a linguagem, seria impossível a negociação dos significados,

daí a importância / necessidade de utilizar vários mecanismos para fortalecer as trocas com os alu-

nos, a linguagem oral, escrita, gestual, imagens, cartões e pictogramas como na Comunicação Alter-

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nativa e Ampliada. A importância da linguagem, dos conhecimentos prévios dos alunos e seus signi-

ficados e da interação fica evidente no esquema desenvolvido por Moreira (2003):

Fonte: Mapa conceitual para aprendizagem significativa e linguagem (M.A. Moreira, 2003)

Vigotski (2001) afirma através de suas análises que até os dois anos não há uma relação

direta entre fala e pensamento. Mas, após o entrelaçamento, a natureza do desenvolvimento se

transforma e a relação do sujeito / aluno com o meio é refletida na fala, no seu pensamento e nas

suas ações. Suas contribuições são à base do socioconstrutivismo, que é um dos pilares da

Pedagogia - Histórico-Crítica, já que partimos dos alunos como sujeitos que ao se relacionarem com

os seus espaços e com a sociedade, produzem / internalizam valores, ideias e símbolos construindo

conhecimento. O papel do professor é o de mediador, auxiliando na compreensão de elementos que

não são facilmente perceptíveis, como vimos anteriormente, a importância de ir além do imediato,

destruindo a pseudoconcreticidade.

De acordo com Lerner (2003), ensinar na perspectiva construtivista é fornecer toda

informação necessária para que o aluno possa avançar na reconstrução do conteúdo sobre o qual

está trabalhando. Desse modo, o professor precisa coordenar diferentes pontos de vista, apresentar

diferentes hipóteses e provocar / estimular a troca entre os alunos e alunas. Fornecer informações e

bases para a reflexão não significa apresentar aos alunos os conceitos construídos – a sua definição.

Logo, deve-se considerar a relação do conceito com a realidade dos alunos, considerando a

sua práxis, a fim de amenizar as dificuldades de realizar abstrações de elementos que não estão

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presentes em seus cotidianos (CAVALCANTI, 1998) . As palavras e os signos dever ter significados

para que os alunos possam estabelecer as relações, transformando a sua visão inicial sobre o

conteúdo em estudo.

Couto (2006, p. 6) entende que o ponto de partida de toda generalização é a “percepção

sensorial dos objetos e fenômenos que nos rodeiam”. No caso da Geografia Escolar, o conceito de

paisagem seria a porta de entrada ao visível, o primeiro olhar sobre as forças produtivas do espaços,

as formas e funções que constituem as diferentes paisagens que nos rodeiam. Em relação aos

alunos, percebemos que parte significativa traz como bagagem, a concepção de paisagem atrelada

ao belo, em específico, a natureza em seu aspecto mais intocado- uma floresta, uma praia deserta.

Foi solicitado aos alunos que colassem uma paisagem em seu caderno. Ao mesmo tempo,

preparamos uma apresentação no power point com vária paisagens, naturais e culturais, incluindo

imagens de lixão, crianças de rua e do próprio bairro onde se localiza a escola. Ao perguntar se

eram paisagens muitos alunos do sexto ano apontaram que não - “pois eram horríveis” ou “fala

sério, onde isso aí é paisagem”. Neste momento, os alunos começaram a perceber que a paisagem

não era apenas o belo, mas tudo que está a nossa volta e que a nossa vista alcança – conceito do

geógrafo Milton Santos. E foram além ao questionar que uma pessoa cega também podem sentir e

perceber a paisagem – utilizando outros sentidos.

A partir desta aula, na seguinte, discutimos como a política interferia no arranjo das

paisagens, pois, a prefeitura estava asfaltando primeiro as ruas próximas aos condomínios

residenciais - áreas de grande especulação imobiliária, principalmente com a demanda de residência

com a chegada de trabalhadores e de empresas terceirizadas para a construção do Comperj

(Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Neste momento, a dimensão do feio começa a ser

superada e a responsabilização deixa de ser transferida apenas para a população pobre. As frases

iniciais como: “aqui é terra de pobre, não tem jeito não” - começam a perder sentido.

Pode-se perceber que o conteúdo muda quando se ampliam os conhecimentos. É a partir do

conflito entre o que o alunos concebem / percebem – os conceitos cotidianos e os conceitos

científicos, que se pode avançar construindo em conjunto com o aluno, um conhecimento que o

permita ir além da sua visão inicial, no caso do conceito de paisagem, entendê-la em sua amplitude

como coloca Cavalcanti (1998, p.99):

Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, É um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é um herança de muitos diferentes momentos; ela não é dada para sempre, é objeto de mudança, é um resultado de adições e subtrações sucessivas, é uma espécie de marca da história do trabalho, das técnicas; ela não mostra todos os dados, que nem sempre são visíveis; a paisagem é um palimpseto10, um mosaico, mas tem o funcionamento unitário

10 Manuscrito em pergaminho que, após ser raspado e polido, era novamente aproveitado para a escrita de outros

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e pode ter formas viúvas – à espera de reutilização – e formas virgens – criadas para novas funções.

Destarte, não desejamos que uma criança de 12 anos, no sexto ano do Ensino Fundamental,

consiga definir esse conceito, mas que entenda ao olhar pela janela do seu quarto, que estará

apreendendo uma paisagem – mesmo que não seja bela - e, que a falta de saneamento e

pavimentação não é algo natural de uma bairro pobre, mas consequência de uma sociedade que

prioriza o lucro e de um Estado que atende aos interesses dos capitalistas e não da população local.

Permitir aos alunos entenderem que esgoto a céu aberto e ruas repletas de buraco e lama,

infelizmente, não é algo singular das paisagens de Itaboraí, mas que estão presentes nas diferentes

cidades brasileiras – a sua realidade objetiva e a realidade de muitos outros jovens.

Propiciar aos alunos a compreensão de sua complexa realidade, exige discussões e debates.

Pontecorvo (2005) ressalta a função da discussão e da argumentação que deveria ir além de

perguntas e respostas – limitando o professor ao papel de questionador e ao aluno a incumbência da

resposta que, no imaginário dos alunos e de alguns professores, é associada à resposta certa. Essa

atitude não permite um genuíno debate, o que faz com que muitas concepções e conclusões não

sejam apresentadas com o medo dos possíveis julgamentos.

A discussão permite aos alunos a elaboração de relações, delimitações, generalizações que

vão além das atividades cotidianas presentes na escola como responder a um questionário ou

realizar cópia do livro didático, uma reprodução sem sentido, mas presente ainda nas escolas. Além

de recursos como discussões e debates, há também formas que estimulam o envolvimento dos

alunos, como a leitura oral de livros, reportagens, músicas, filmes entre outros. Essas ações

auxiliam na construção de problemas que seriam a base para construção de conceitos, segundo

Vigotski (2009). O referido autor destaca que o emprego funcional do signo ou da palavra como meio através do qual o adolescente subordina ao seu poder as suas próprias operações psicológicas, através do qual ele domina o fluxo dos próprios processos psicológicos e lhes orienta a atividade no sentido de resolver problemas que tem em frente (VIGOTSKI, 2009, p. 69).

A escolha por trabalhar com situações problemas como vimos em Merieu (1998) propicia ao

aluno a busca por soluções que emanam de uma demanda concreta, o permitindo ir além, tendo

contato e construindo novos conceitos. Os processos que são a base para a formação dos conceitos

começam a se desenvolver na infância, mas apenas na adolescência há o controle desses processos

psicológicos visando atender a um objeto. Pois, a criança volta-se para o objeto do qual o conceito

trata, e não para o ato de pensar (COUTO, 2006).

A comunicação deve ser avaliada e repensada, já que a linguagem tem um papel essencial na

textos (prática usual na Idade Média). (Modernamente, a técnica tem permitido restaurar os primitivos caracteres.)

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relação entre o signo e a estrutura intelectual. Surge a necessidade de adaptar as atividades

propostas em relação às séries, às idades e ao perfil da turma. O uso dos exemplos, metáforas,

gráficos e textos deve instrumentalizar os alunos, conseguindo assim realizar as tarefas propostas.

Uma vez que a dificuldade na comunicação pode distanciar os alunos não apenas da construção do

conhecimento como da sua autoestima. Não entendendo o solicitado ou o explicado, o aluno ou a

aluna podem sentir-se incapaz e no caso, seria uma falha / ruído na comunicação.

No que concerne a construção de conceitos, Vigotski (2009, p.178) estrutura a formação de

conceitos em três estágios: o primeiro estágio ocorre “na criança de tenra idade, é a formação de

uma pluralidade não ordenada” - denominada de agregação desorganizada - atrelada ao empírico,

os objetos são agrupados sem uma explicação interna, ou seja, “sem relação entre as partes que o

constituem”. O segundo estágio é o pensamento por complexos -onde a criança já consegue

apreender os vínculos objetivos entre os elementos que estão ao seu redor. Neste momento, a

criança supera o “nexo desconexo”, base da imagem sincrética do primeiro estágio, para agrupar

objetos homogêneos em grupos comum. “O pensamento por complexos já constitui um pensamento

coerente e objetivo” (VIGOTSKI, 2009, p. 179). Essa fase é importante pois já se formam os

pseudoconceitos, semelhantes ao conceito, atuando como ligação para a formação dos conceitos

plenamente construídos. Essa fase caracteriza o terceiro estágio. Esses conceitos surgem na

adolescência, quando a criança consegue dominar o processo de abstração.

Um dos elementos essenciais para a formação do conceito é “o domínio do processo da

abstração, acompanhado do desenvolvimento do pensamento por complexo, pode levar a criança a

formar conceitos de verdade ” (VIGOTSKI , 2009, p.226). Embora, os estudos de Vigotski e seus

colaboradores apontem que esse processo de construção de conceitos ocorra na adolescência, não se

desenvolve de forma igual para todos os alunos, já que “se o meio ambiente não fornecer ao

adolescente os desafios e as tarefas necessárias para estimular seu intelecto, seu raciocínio poderá

não alcançar o nível possível para a sua faixa etária”(CAVALCANTI, 1998, p.26).

Encontramos ao longo do ano de 2013 muitos alunos com dificuldades básicas em abstrair,

e analisar fenômenos que não estejam presentes em seu dia a dia. Logo, esses alunos terão

dificuldade em construir conceitos e ainda mais dificuldades para defini-lo Vigotski (2009, p. 230)

chama a atenção de que o aluno pode conseguir aplicar o conceito numa perspectiva concreta, por

exemplo, como os vulcões afetam diariamente a vida das pessoas. Tal fato não significa que os

alunos tenham entendido o conceito de vulcão - a sua formação. Dentro dessa análise sobre a

aplicação dos conceitos, precisa-se discutir as avaliações e as formas de cobrar de acordo com o

desenvolvimento dos alunos - questões mais concretas ou mais conceituais. Logo, cabe ao educador

refletir que ;

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[…] um conceito é mais que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já houver atingido o seu nível mais elevado (VIGOTSKI, 2009, p. 230).

E esse nível estará relacionado às práticas sociais das crianças, às suas condições de vida e a

todo o seu histórico.

Visando contribuir para o processo de coparticipação, Cavalcanti (1998) fala da importância

de se desenvolver o raciocínio geográfico entre os alunos. Neste sentido, os professores auxiliariam

no fomento do mesmo,e, não ficariam restrito à transmissão de conteúdos estipulados nos livros

didáticos e nos programas de geografia. Mas, para se alcançar tal raciocínio, precisa-se pensar nas

relações entre os conceitos científicos e os cotidianos, uma vez que esses seriam elementos chaves

para o desenvolvimento da consciência reflexiva do aluno – a fim de que ele possa ter consciência

dos seus processos mentais.

É preciso se pensar uma forma de aproximar os alunos dos conhecimentos geográficos

através da comunicação, de quais recursos se enquadram para cada turma, estimular os debates e as

discussões, como criar um ambiente seguro para que os alunos possam expor seus pensamentos, por

exemplo, adaptar a linguagem a diferentes situações. Buscar estratégias para tornar a aula mais

estimulante, como um simples elogio, que faz toda a diferença. Quando o aluno expõe sua

interpretação, pode-se partir desta a fim de que essa visão possa ser aprofundada ou ampliada.

Deve-se considerar que a Geografia está presente na vida do aluno antes mesmo da escola, as suas

práticas sociais se espacializam refletindo e sendo refletidas pelas dinâmicas espaciais. Logo, por

mais incipiente que seja suas participações, ele sempre terá algo a contribuir.

A reflexão de Cavalcanti (1998, p.24 ) acerca dos objetivos da geografia escolar nos permite

entender a necessidade de superá-la como um conhecimento descritivo e fragmentado , necessário

para se conseguir um grau e avançar no ensino fundamental e médio, já que evidencia o seu caráter

político e como a falsa sensação de inutilidade que Lacoste (1988) destaca acaba a serviço de um

fim – o mascaramento das questões sociais e da barbárie que vivemos .

Entre o homem e o lugar existe uma dialética, um constante movimento: se o espaço contribui para a formação do ser humano, este, por sua vez, com sua intervenção, com seus gestos, com seu trabalho, com suas atividades, transforma constantemente o espaço. Não importa se se refere a um indivíduo ou a uma sociedade ou nação. Em qualquer caso, o espaço e as próprias percepções e concepções sobre ele são construídos na prática social. Portanto, a consciência do espaço, ou a consciência da 'geografia' do mundo, deve ser construída no decurso da formação humana, incluindo aí a formação escolar. Nesse sentido, o ensino de geografia deve visar ao desenvolvimento da capacidade de apreensão da

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realidade do ponto de vista da sua espacialidade. Isso porque se tem a convicção de que a prática da cidadania, sobretudo nesta virada do século, requer uma consciência espacial.

Ao permitir que os alunos entendam o espaço a partir dos múltiplos determinantes, pode-se

instrumentalizá-los a fim de que alcance as essências dos fenômenos alterando a forma que

lidavam com o mesmo. Atingir a essência dos fatos em observação significa inseri-lo num todo

maior perpassado por um conjunto complexo de relações e contradições como aponta Marx na

Introdução de 1857;

O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações e por isso, é a unidade do diverso. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado e não como partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida, e, portanto, também, o ponto de partida da intuição e da representação. No primeiro caso, a representação plena é volatizada numa determinação abstrata; no segundo caso, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento. (KARL MARX, Introdução de 1857).

Vimos a partir das contribuições de Vigotski (2009, p. 250) que em muitos momentos nossos

alunos utilizam um conceito, mas não possuem a plena consciência de como empregá-lo – o que

pode conduzir a uma “assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples”. A Geografia

Escolar crítica pretende ultrapassar uma discurso permeado pelas denuncias, ficando restrito a isso –

entendemos que as críticas são fundamentais quando conduzem a uma nova práxis. Quando

propiciam aos alunos reflexões que os fazem analisar o fenômeno dentro de um quadro maior e

contraditório. As pessoas que moram na rua em nossa cidade não são preguiçosas, mas há um

quadro de desigualdade social histórica em nossa país. Ou quando a prefeitura escolhe um bairro

marcado pela violência e pobreza para instalar um aterro sanitário (lixão na perpecpção dos alunos),

há um conjunto de fatores e interesses permeando a escolha.

Em relação as críticas, Kaecher (2004) apresenta um olhar um tanto quanto “cinza” (nas

próprias palavras do autor) sobre como a Geografia Crítica é trabalhada em salas de aulas na cidade

de Porto Alegre - onde o autor realizou a sua pesquisa de doutorado. Baseado nas contribuições de

Bachelard – vigilância epistemológica- sinalizando a função dos dogmas que “congelando certezas

e práticas que sobrevivem mais por inércia e comodismo do que por funcionarem efetivamente ou

elevarem a capacidade reflexiva dos nossos alunos ou disciplina” (KAECHER, 2004, p. 54). atuam

como barreiras - verdadeiras “palavras de ordem”. Ressalta que “a possibilidade democrática de

discussão é um grande avanço oferecido pela ciência” (KAECHER, 2004, p. 56).

A sua leitura de fato nos remete a uma ausência de um horizonte crítico, chega a utilizar o

termo geografia crítica entre aspas – apontando a sua inexistência. Sua perspectiva foca no

professor e na sua formação como nas péssimas condições das escolas – quadro insalubre / caótico,

63

Page 64: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

onde os professores ficam limitado a denunciar – aponta a falta de humildade – por achar que sabe

tudo e/ou que a Geografia dá conta de dominar todos os assuntos.

Definitivamente, nossa visão de Geografia crítica não esta presa a dogmas, ao contrário,

buscamos destruir as pseudoconcreticidade, o que nos é transmitido como verdade, inato e imutável.

Em relação a democracia entre os debates na ciência, consideramos uma fala um tanto quanto

inocente, basta analisar a quantidade de pesquisas no que concerne a geografia escolar nos

interiores dos departamentos de Geografia pelo Brasil afora - as aparências das salas , os materiais

para o desenvolvimento da pesquisa , os status de quem as desenvolve, o número de bolsas, os

espaços para a exposição de trabalhos – concretamente, as pesquisas no campo educacional na

Geografia, não são tratadas com o mesmo peso que a Geografia Urbana, Agrária, Cultural,

Geomorfológica- principalmente, quando encontra-se alinhada ao marxismo.

Moreira (2007) aponta que o livro de Lacoste – A Geografia, Isso serve em primeiro lugar

para Fazer a Guerra não foi apropriado como deveria por ter sido rotulado como panfletário.

Ampliar o horizonte da Geografia Crítica é ir além de uma denuncismo, é construir uma

metodologia de trabalho / ação em nossas escolas, tendo no aluno não uma tábula rasa a inculcar

nossas ideias, mas um sujeito que tem muito a contribuir para o entendimento do espaço concreto.

Cavalcanti (1998) sinaliza que o papel dos conceitos científicos é “propiciar a formação

de estruturas para a conscientização e ampliação dos conceitos cotidianos, possibilitando, assim, o

desenvolvimento intelectual”.Essa colocação ressalta uma outra questão importantíssima, com a

trajetória escolar marca a vida do aluno – a sua relação com o mundo, com sua família e com a sua

própria vida. Logo, analisar como o aluno entende sua cidade, os problemas e as qualidades do seu

bairro foi o “ponta pé” para trazê-lo para as discussões em sala de aula- pois, as vezes, estão ali em

corpo, mas os pensamentos, bem distantes. Além de trazer o aluno para o debate, ao discutir

aspectos do cotidiano, conseguimos captar mais do que as suas representações, mas visões atreladas

a família, religião, entre outras. E também entender que alguns capinam quintal à tarde,

descarregam caminhão , são babás, cuidam de seis irmãos, entre outras tarefas. Realmente,

exercício para casa seria impossível , por exemplo.

Esse lado particular da vida do alunos, emergiu nas discussões sobre aspectos do bairro que

precisavam ser mudados, quando um aluno disse: “que ninguém queria fazer nada, ficar apenas no

facebook não ajudaria” - muitos se colocaram e apontavam que trabalhavam ou apesentavam a sua

concepção sobre como mudar / exigir mudanças. Neste caso, a influencia da mídia com o discurso

de vândalos, ficou bem evidente, como veremos no capítulo 4. Desde já, conhecer a realidade dos

alunos ultrapassa o estudo teórico sobre o lugar, prestar atenção nas falas indiretas, nos gestos e nas

atitudes dos mesmos é bastante enriquecedor. No próximo capítulo, serão apresentados os sujeitos e

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o espaço da pesquisa, assim como, o percurso metodológico para o desenvolvimento do estudo.

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Page 66: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

CAPÍTULO 3- O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Compreendemos a Ciência como uma construção humana, marcada pela complexidade de

um ser histórico que se encontra em constante transformação, e que vive numa sociedade de classes

permeada por conflitos nos diferentes espaços / territórios, inclusive o acadêmico. Logo, “o

processo de conhecimento científico social desde a formulação das hipóteses até a conclusão

teórica, passa pela observação, seleção e estudos dos fatos, e é atravessado, impregnado, ‘colorido’

por valores, opções ideológicas (ou utópicas) e visões sociais de mundo (LÖWY, 2000, p. 203)”.

As visões sociais de mundo caracterizam-se por “conjuntos estruturados de valores,

representações, ideias e orientações cognitivas. Conjuntos esses unificados por uma perspectiva

determinada, por um ponto de vista social, de classes sociais determinadas. (LÖWY, 2000, p. 13) ”.

Neste estudo, pretendemos colaborar para uma geografia escolar que permita ao alunos

compreender que “tudo o que existe na vida humana e social está em perpétua transformação, tudo

é perecível, tudo está sujeito ao fluxo da história”(LÖWY, 2000, p.14).

Assim, realizar a pesquisa dentro dos padrões de objetividade das ciências naturais é uma

ilusão que não pretendemos atingir. Uma vez que desejamos contribuir para um movimento político

de ampliação de um horizonte crítico na Geografia, possibilitando a transformação do conteúdo e da

forma que se aprende e ensina Geografia. Como pretendemos analisar e intervir na prática em sala

de aula, as ações dessa pesquisa serão norteadas pelo modelo investigativo da pesquisa ação que vai

além da descrição e avaliação. Este modelo atende ao objetivo uma vez que desejamos ultrapassar

“os aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais”. Na pesquisa

-ação, os sujeitos envolvidos terão “algo a dizer e a fazer” (THIOLLENT, 2011, p.22).

Nesta pesquisa, o repensar da prática em sala de aula assume um papel fundamental. Pois,

segundo Tripp (2005) repensar implica na tomada de consciência sobre os princípios que orientam o

trabalho na escola. Ao refletir sobre o trabalho, emerge a possibilidade de mudanças. Na pesquisa

ação, “a práxis social é ponto de partida e de chegada, na construção e ressignificação do

conhecimento (FRANCO, P. 491, 2005)”.

De acordo com Thiollent (2011, p.108) na pesquisa ação os sujeitos não são “meros

informantes”, também interrogam, fazem perguntas e procuram esclarecer assuntos coletivos.

Embora a pesquisa ação apresente aspectos diferentes da pesquisa tradicional, não abre mão do

controle metodológico epistemológico. Mas, “esse controle não é exercido com as regras da

metodologia empirista convencionalmente aceita em muitas instituições de pesquisa. A metodologia

não se limita à sua forma empiricista e quantitativa”.

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Page 67: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Neto11 (2007, p.2 ) aponta que nesta metodologia o “participante é conduzido a produção do

próprio conhecimento e se torna o sujeito dessa produção. Neste aspecto, essa metodologia se

distancia das demais e se afirma, constituindo-se como fundamental instrumento de resistência

popular”. Ao tomar as rédeas da produção do conhecimento, o sujeito poder ir além do senso

comum e se apropriar do conhecimento na sua práxis, adaptando-o a sua luta.

Autores que se debruçam sobre a pesquisa ação (THIOLLENT, 1986; TRIPP, 2005;

FRANCO, 2005; MIRANDA E RESENDE, 2006) ressaltam alguns pontos que são essenciais ao

pesquisador que adotará a pesquisa-ação:

• Considerar que os sujeitos participantes irão intervir no processo de pesquisa –

questionando, apontando elementos, caminhos e soluções;

• Logo, outro ponto a complementar o supracitado, seria a necessidade de ouvir e respeitar a

opinião e as concepções de todos os envolvidos, considerando que são adolescentes em

processo de formação e que o nosso objetivo é partir de suas realidades, mas os permitindo

ir além;

• Ao adotar a pesquisa ação, o pesquisador deve ter consciência que lidará com incertezas,

avanços, retrocessos e surpresas ao longo de todo o processo. Exatamente, por isso, a

flexibilidade dos procedimentos a serem adotados se faz necessária de acordo com as

demandas estabelecidas pelo grupo;

• A construção de um clima de cumplicidade a fim de que os sujeitos sintam-se a vontade para

expor suas visões. Ponto que demanda outro, uma comunicação entre iguais;

• Realização de auto avaliações nas diferentes etapas que constituem a pesquisa.

A fala dos sujeitos na pesquisa ação não se limita a interpretação. Pois, de acordo com

Franco (2005, p. 486) “a pesquisa ação crítica considera a voz do sujeito, sua perspectiva, seu

sentido, mas não apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador; a voz do sujeito fará

parte da tessitura da metodologia da investigação”. Logo, muitas etapas dos métodos emergiram do

processo, como exemplo, a barraca da cidadania propostas pelos alunos e que não estava no

planejamento do pesquisa.

A pesquisa-ação enfrenta ainda muita resistência. Tripp (2005, p. 459) aponta em seu artigo

que muitos alunos não conseguem desenvolvê-la durante o mestrado ou doutorado devido a recusa

ou dos orientadores ou dos programas, já que não dá para “especificar com antecedência qual

conhecimento será obtido nem quais resultados práticos serão alcançados”. Pois, ao longo do

11 O texto do professor José Francisco de Melo Neto está em anexo pela dificuldade de citá-lo – onde foi publicado e quando.

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Page 68: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

processo muda-se as estratégias e não há como saber onde se chegará.

Outro aspecto que ainda obstaculiza a pesquisa-ação é aproximação entre sujeito e objeto. A

influência do positivismo permanece viva, e a crença de que a “ruptura entre sujeito e objeto,

possibilita a apropriação dos modelos e métodos das ciências naturais como garantia e critério da

verdade do conhecer” ainda vive, e não apenas nas ciências exatas cabe ressaltar. A fiel descrição

seria o caminho para a apreensão do real – imediato. A metodologia das pesquisas deveriam

assegurar / reduzir a troca entre os sujeitos e objetos de estudo. No entanto, Miranda e Resende

(2006, p.513) sinalizam que apesar de todo o esforço para estabelecer o distanciamento,

ao descrever a realidade como verdade e afirmá-la na sua exterioridade, ele também se tornou confirmativo e, a despeito de sua pretensa neutralidade e isenção, acabou por constituir-se como prática, ao conceber como verdade a realidade manifesta, reiterando-a e confirmando-a.

Ao responder as críticas dos objetivistas, a pesquisa-ação deve ir além de um subjetivismo

estéril. Pois, embora o objetivo da pesquisa-ação seja modificar a prática, a teoria torna-se essencial

a fim de orientar tanto o processo como as observações e a própria prática (Miranda e Resende,

2006). A teoria deve ser efetivada como prática iluminado as ações ao longo do processo, mas tal

fato não significa abandonar as teorias que não estejam atreladas a uma instrumentalização, pois a

teoria ultrapassa essa função, já que permite atingir os fenômenos em sua complexidade que

ultrapassa o cotidiano.

Uma das características da pesquisa ação seria a necessidade de tempo. Como já apontado na

introdução do projeto, não é algo que temos em abundância na pós-graduação, principalmente no

mestrado. Mas, após leituras e discussões, eu e minha orientadora, entendemos ser viável dar

continuidade ao trabalho que venho realizando desde 2011, pois já havia aplicado um instrumento –

questionário apêndice II – desenvolvido em conjunto com os alunos e aplicados por eles aos seus

responsáveis. Este questionário objetivava aproximar os alunos da sala de aula, a partir de exemplos

que permeasse as suas experiências, também existia a necessidade de compreender as problemáticas

vividas pelos alunos a fim de entender as suas falas e de alguns companheiros de trabalho.

Um episódio ocorrido na sala dos professores me marcou bastante, e se existia a vontade de

realizar o questionário, ali tive certeza de propô-lo às turmas. Uma professora disse: “Não entendo

por que motivos esses alunos fedem tanto. Não consigo chegar perto deles”. Uma professora que

reside na cidade, como a que teceu o comentário, me disse: “Não cai água todo dia, por isso não

podem lavar os uniformes diariamente, e também eles são crianças brincam mesmo no pátio. E

muitas mães trabalham como empregada doméstica no Rio, voltando pra casa apenas no final de

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Page 69: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

semana”.

Entendi naquele momento, que os professores sabiam pouco sobre os alunos e até mesmo sobre

o bairro e o cotidiano (mesmo os que moravam na cidade de Itaboraí) e foi a parir dessa conversa

informal nas salas dos professores que decidi que havia chegado a hora de iniciar esse trabalho. A

conversa com os alunos foi marcada pelo entusiasmo, apresentei a ideia, disse que gostaria que

pensassem em questões que nos ajudassem a identificar os problemas vividos pelas famílias que

moram no bairro Ampliação e que cada um traria questões na aula seguinte. Em aproximadamente,

duas semanas já tínhamos o questionário.

Reproduzi as cópias do mesmo e entreguei aos alunos das quatro turmas do sexto ano. Eram

aproximadamente 105 alunos, mas apenas 50 aplicaram os questionários (Apêndice II) e me

devolveram. Desses 50, utilizei para a análise apenas 45, pois 5 alunos assumiram que responderam

de qualquer maneira sem entregar para seus responsáveis preencherem, como havia sido

combinado.

O envolvimento foi surpreendente e propiciou uma aproximação da professora com os alunos.

Um dos responsáveis foi à escola parabenizar a professora pela iniciativa. Apontando que essas

“conversas” deveriam acontecer mais vezes já que “dão vozes a questões sufocadas”. Apesar de 50

questionários parecerem poucos num total de 105 alunos, é realmente muita coisa, pois uma

atividade de casa em geral das 4 turmas, apenas 40 alunos em média a realizava. Precisa-se destacar

que foi a primeira vez que participavam da construção e aplicação de um questionário. No que se

refere a uma pesquisa acadêmica, aplicar um questionário e obter uma resposta de quase 50%

também é um número acima das expectativas.

Os questionários serão trabalhados com mais detalhes na seção 3.3 - As Percepções sobre o

Lugar, mas de fato entendemos que esse questionário foi um instrumento fundamental para o início

das discussões com os alunos no ano letivo que se iniciou em 04 de fevereiro de 2013.

Franco (2005) aponta que a pesquisa - ação demanda um longo tempo para se construir

intimidade com os sujeitos de forma a romper as resistências e as hierarquias do grupo em relação

ao pesquisador. Entendemos que por atuar na escola desde o ano de 2009, já conquistei a

intimidade. No que se refere a hierarquia, a minha postura em sala de aula – dialógica – reflete na

“forma” como os alunos se relacionam comigo – a professora “tranquilona”.

Neste projeto, a partir das referências da pesquisa ação, atuaremos durante as aulas de Geografia

com os alunos das três turmas dos sextos anos, uma atuação dupla como professora e pesquisadora

das turmas. O planejamento inicial era realizar a atividade em parceria com outra professora,

atuando em suas turmas, mas com a mudança na direção da escola, no corrente ano, alguns

professores, entre eles a que já havia demonstrado interesse, se deslocaram para outra unidade

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escolar. Além de sua saída, o tempo que temos para analisar, trabalhar os conteúdos a partir das

questões que surgiram no questionário e perceber as mudanças no que se refere à tomada de

consciência por partes dos alunos é demasiado curto, nos doze meses que me restam.

A adoção da pesquisa-ação também se faz necessária, uma vez que estimula a participação dos

alunos como sujeitos que refletem e constroem conhecimentos. Outro elemento importante, é que

nesse modelo investigativo, a pesquisa possui de fato um caráter conscientizador e comunicacional,

como propõe Thiollent (1996). O que está em consonância com o objetivo maior de mudar a relação

dos alunos com seus espaços.

3.1-Escola Municipal Promotor Luís Carlos Caffaro

O espaço da pesquisa foi a escola - Promotor Luís Carlos Caffaro, que constitui a rede

municipal de Itaboraí, no bairro Ampliação. A cidade de Itaboraí localiza-se na região metropolitana

do Rio de Janeiro, mas enfrenta problemas que não passam pelo imaginário social, presentes na

segunda maior metrópole brasileira, como a falta de água, de tratamento de esgoto, de merenda

escolar, entre outros.

A estrutura física da escola é composta por doze salas de aula, uma biblioteca, uma sala de

recursos e um banheiro feminino e um masculino. Temos um anexo com a sala dos professores, da

coordenação e da direção. A parte externa é formada pela quadra, vestiário e pelo refeitório. Em

relação a estrutura, a escola enfrenta grandes dificuldades, parte da escola foi condenada pela defesa

civil e o funcionamento ocorre a base de muitas incertezas. Tais incertezas possuem diferentes

naturezas, no entanto, pode-se afirmar que a instabilidade política ainda possui o “peso” maior que

o receio da escola vir a desabar12.

12 Após a visita da Defesa Civil convocada pelos professores e responsáveis de alunos, após uma reunião do Conselho Escolar, estamos mais seguro. A escola está sendo pintada, mas não tocaram em nada estrutural. A grande questão é se essa pintura não passa de uma maquiagem uma vez que chegaram (Secretaria de Educação, sem nenhum ofício) apontar que seríamos transferidos para outro espaço.

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Imagem 1 – Entrada Principal Imagem 2- Pátio Externo

A direção e todos os cargos associados a mesma são indicações, cargos comissionados. Ou

seja, diretor geral, adjunto, secretária escolar e os demais assistentes administrativos são indicações

dos vereadores locais. Apenas em 2013 uma diretora foi exonerada e o diretor geral teve seu cargo

por um fio em dois momentos: o primeiro, quando o seu vereador entrou em conflito com a base do

prefeito (agosto de 2013); e o segundo, em novembro de 2013, quando o vereador que o indicou foi

cassado. Estas situações deixam o clima da escola tenso e isso influi no cotidiano da escola. Como

aponta um professor; “não conseguimos tocar os projetos esse ano, pois a preocupação da gestão

voltou-se para as tentativas de segurar seus cargos e não as necessidade da escola”.

As contribuições de Lamarão (2011) ao contextualizar o perfil da política local nos ajuda

compreender o que foi exposto pelo professor – o contexto da escola;

As marcas principais da política local em Itaboraí são o clientelismo e o patrimonialismo. Na educação, isso não é diferente. A ausência de concursos públicos para o provimento dos quadros técnicos administrativos no município gera uma vacância desses quadros nos colégios, sendo estas vagas muitas vezes utilizadas como “cabide de emprego” dos vereadores para seus “cabos eleitorais”. Através de uma OSCIP (Organização da sociedade civil de interesse público) nominada “Instituto Sorrindo para a Vida” há a ocupação destes cargos, sem deixar de haver inúmeras denúncias acerca desta relação (uma delas seria a assinatura de contracheque em valor superior ao realmente creditado ao trabalhador). O uso do espaço público de forma privada em Itaboraí é uma prática bastante corriqueira, chegando a casos de claro nepotismo, como o caso da esposa do Sr. Rafael Vitorino (vice - prefeito) que, mesmo sem concurso público, é diretora de uma das maiores escolas da rede municipal (Escola Municipal Auto Rodrigues). Não é incomum no município o relato da compra de votos e, muitas das vezes, as obras públicas são entendidas como favores do vereador ou representante do poder público local (p.9).

É dentro deste quadro, marcado por uma dificuldade de compreensão do que seria público e

privado, que a escola completa 15 anos. De fato, torna-se necessário apontar um esforço para mudar

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essa concepção, por parte da gestão. Os materiais e o livros, por exemplo, não são mais entregues

como favor, mas como um direito já que foram adquiridos a partir dos próprios impostos recolhidos.

E os materiais não ficam mais retidos tendo os alunos que peregrinar para conseguir uma caneta,

como acontecia constantemente, na administração anterior ao ano de 2013. O patrono da escola

Promotor Luiz Carlos Caffaro, nasceu em 28 de julho de 1948 de uma família tradicional em

Itaboraí. Além de professor de Geografia, o patrono também cursou direito, atuando como professor

na Universidade Federal Fluminense e recebeu vários prêmios pelos serviços prestados tanto no

Pará como no Rio de Janeiro. A escolha do seu nome assenta-se no fato de ter prestado inúmeros

serviços a coletividade – a escola foi fundada em 25 de Janeiro de 1999.

Uma escola jovem como a maioria dos seus alunos, que caminha com o entusiasmo e as

dúvidas presentes nesse momento da vida. Ainda há muito que aprender e lutar. Em relação ao

espaço democrático, este horizonte está sendo conquistado. Itaboraí é um dos poucos municípios do

Brasil que permanece tendo consonância com o Conselho Escolar a Associação de Assistência ao

Educando (AAE).

Os Conselhos Escolares são compostos de representantes dos pais, alunos, funcionários,

professores e direção da escola, construindo-se como meio permanente da prática democrática e

participativa nos aspectos elaborativo, deliberativo e fiscalizador. Esse órgão pode criar

mecanismos de participação efetiva e democrática em cada comunidade escolar ou silenciar quando

não consegue se estabelecer como uma instância democrática. O Conselho Escolar deveria atuar

como Unidade Executora (UEx), a entidade responsável pelo recebimento, execução das despesas e

prestação de contas dos recursos destinados às escolas. No caso de Itaboraí, o conselho escolar não

é a unidade executora, e sim, a Associação de Assistência ao Educando (AAE) que tem como

presidente nato o diretor - essa característica dificulta em muito a autonomia do conselho escolar.

No trabalho em questão, não é o objetivo discutir o papel do Conselho Escolar. Pretendemos apenas

dar um exemplo de como ainda estamos imaturos no que se refere a participação da comunidade,

professores, responsáveis e alunos na gestão e percebemos que a manutenção da AAE reflete uma

estratégia de controle adotada pelo município, ratificando o quadro apontado por Lamarão (2011).

A rede municipal de Itaboraí é composta por 66 unidades que atendem a educação infantil e

ao ensino fundamental. Dos 39.009 alunos matriculados segundo o senso escolar de 2010, 25.356

alunos estavam matriculados nas escolas municipais estando os demais alunos - 6.241 matriculados

em escolas estaduais e 7.412 na rede privada.

Vamos lançar um olhar breve sobre Itaboraí com o intuito de compreender com a Geografia

Escolar pode contribuir para que os alunos entendam a realidade escolar e local. Principalmente,

nesse momento, em que a cidade passa por intensas transformações com a chegada do Comperj que

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trouxe consigo, um conjunto de promessas; como desenvolvimento, geração de empregos,

diversificação do comércio, geração de renda para o município, melhora nos abastecimento de água,

pavimentação, mais hospitais, entre outras que constam no RIMA e nos folhetos da Petrobras e dos

demais órgãos e secretarias municipais.

3.1.1- Um Olhar sobre Itaboraí

Itaboraí localiza-se a 50 quilômetros da capital carioca. Apresenta uma área de 430.364

quilômetros quadrados e uma população estimada (IBGE) de mais de 226 mil habitantes em 2013.

Os dados do Censo (IBGE, 2010) apontavam uma população de 218 mil habitantes. Este

crescimento provavelmente encontra-se relacionado a chegada de trabalhadores para o Comperj

(Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro). Os municípios limítrofes são Guapimirim, Cachoeira

de Macacu, Tanguá, Maricá e São Gonçalo.

A economia do município apresenta um perfil diversificado marcado pela manufatura

cerâmica tanto decorativa, folclórica, como utilitária. Essa atividade é bem conhecida, ao cruzar a

BR 101 em direção a região dos Lagos, a paisagem é marcada pelo colorido ao longo da rodovia.

São estátuas, vasos, moringas, artigos religiosos, enfeites para jardins, panelas de barro, entre

outras. Também podemos ver as olarias e as ofertas em vários outdoors de anúncios sobre tijolos,

telhas e churrasqueiras por encomenda.

As laranjas, que foram fundamentais na história do município desde os tempo coloniais,

ainda são vendidas na beira da BR 101 que cruza o município em direção a Tanguá. De acordo com

Moura (2011) o auge do cultivo da laranja foi no final do século XIX e início do século XX, quando

adquire o caráter comercial. O crescimento avança ainda mais, e, em 1950, Itaboraí torna-se o maior

exportador de laranja do Brasil.

Ao refletir sobre a sua história mesmo que de forma breve, precisamos retornar bastante,

pois, segundo Moura (2011), a história de Itaboraí remonta a pré-história, já que foi encontrado no

Parque Paleontológico de São José, em Cabuçu, sexto distrito do Município, sinais da presença do

homem há mais de 8 mil anos. Esse sítio tem reconhecimento internacional; a descoberta do homem

pré- histórico ocorreu na década de 70.

O crescimento em face da expansão da região metropolitana do Rio de Janeiro era ainda

tímido. Esse acelera-se na década de 70 com a pavimentação da rodovia Amaral Peixoto e com a

ponte Rio-Niterói, pois o acesso aos grandes centros são facilitados. A cidade ainda é considerada

uma cidade dormitório devido o fluxo pendular em direção ao Rio de Janeiro, Niterói e São

Gonçalo em busca de emprego. Acredita-se na mudança desse perfil com a chegada do Comperj –

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Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e das indústrias atraídas pelo empreendimento.

Nos últimos anos, a grande novidade em relação a Itaboraí foi a sua escolha para instalação

do Comperj. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro caracteriza-se como um mega

empreendimento, um dos maiores do mundo no setor petroquímico e o maior de toda a história da

Petrobras, exigindo um investimento de mais de 21 bilhões de reais para a sua construção. Além de

se destacar pela sua dimensão, o Comperj consolida-se permeado por questionamentos de diversas

ordens – sociais, econômicas e ambientais.

O Relatório Dhesca Brasil (2013, p.16) sinaliza que os impactos socioambientais do

Comperj não estão sendo tratados numa ótica ampla e integralizada, mas pelo viés das

determinações macroeconômicas, ou seja, restritos as “visões técnicas reducionistas sobre a questão

ambiental. Desse modo, negligencia-se as conquistas democráticas e o arcabouço jurídico e político

nacional e internacional, que versa sobre o tema do meio ambiente e seus vínculos com os direitos

humanos”. A priorização do econômico e político emerge claramente na escolha pelo próprio

município de Itaboraí que encontra-se inserido no Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense

(MMACF)- o Comperj irá impactar cerca de 31 unidades de conservação, além das populações

locais que sobrevivem da pesca e dos caranguejos, podendo impactar os últimos remanescentes de

manguezais da Baía de Guanabara -berçário das espécies marinhas.

O Estado ao autorizar um Estudo de Impacto Ambiental fragmentado – as unidades básicas,

o emissário, os dutos , entre outras infraestruturas externas que serão avaliadas separadamente,

dificulta a apreensão dos impactos sinérgicos, cumulativos e indiretos atrelados ao

megaempreendimento. Estas facilitações não apenas revelam um descumprimento da Legislação

Ambiental como uma incipiente preocupação com a população do município. O que nos possibilita

relacionar tais ações ao que Acselrad (2000, p.3) denomina de desigualdade ambiental;

A desigualdade ambiental é sem dúvida uma das expressões da desigualdade social que marcou a história do nosso país. Os pobres estão mais expostos aos riscos decorrentes da localização de suas residências, da vulnerabilidade destas moradias a enchentes, desmoronamentos e à ação de esgotos a céu aberto. Há consequentemente forte correlação entre indicadores de pobreza e a ocorrência de doenças associadas à poluição por ausência de água e esgotamento sanitário ou por lançamento de rejeitos sólidos, emissões líquidas e gasosas de origem industrial. Esta desigualdade resulta, em grande parte, da vigência de mecanismos de privatização do uso dos recursos ambientais coletivos – água, ar e solos.

O Relatório Dhesca (2013,p.40) aponta que existe um padrão na localização dos

empreendimentos do setor de petróleo, gás e petroquímica que tendem a ser instalados em

localidades de população negra, pobre e de pescadores artesanais em face das dificuldades dessas

populações serem ouvidas nas tomadas de decisões e pelos meios de comunicação. Isso ficou

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latente nas conversas informais com os funcionários e professores que residem em Itaboraí.

Nenhum professor, funcionário ou responsável apontou o conhecimento ou o contato com alguma

notícia sobre as audiências públicas do Comperj. E o desconhecimento sobre o que é o Comperj e o

que será produzido ficou evidente na analise dos 45 questionários aplicados pelos alunos em seus

responsáveis. Das 45 entrevistas, 14 responsáveis apontaram que ouviram falar, mas não sabiam

que se trata de uma refinaria e nem a sua dimensão e impacto para o município. Apenas 10

responsáveis responderam que é uma obra da Petrobras e que possui alguma relação com petróleo.

Os demais responderam que é uma empresa e / ou industria e que gerará empregos e crescimento

para a cidade. Tais dados indicam que a fala da população e a sua participação não estão assumindo

papel significativo nas tomadas de decisões em relação a instalação e construção do Comperj.

No RIMA (Relatório de Impacto Ambiental do Comperj) o empreendimento emerge como a

possibilidade de reverter o quadro de esvaziamento econômico enfrentado pelo estado do Rio de

Janeiro desde a transferência da capital nacional para a Brasília, quando o estado é apresentado a

sua derrocada política e econômica. “Esse empreendimento pode dar oportunidade de crescimento

econômico de forma positiva para o estado” (RIMA, p. 5). Esse discurso oficial através da mídia

atingiu grande parte da população como vimos na fala dos responsáveis dos alunos – crescimento

econômico e geração de empregos.

O Comperj ocupa uma área de 45 milhões de metros quadrados, correspondendo a 6000

campos de futebol. A meta inicial era o refino de 150 mil barris de petróleo dia, o que consta no

RIMA. Mas as últimas notícias do site do empreendimento apontam que a meta atual já de mais de

330 mil barris dia, ou seja, dobrou. Além do refino do petróleo, serão produzidas 1,3 toneladas de

eteno ao ano e 900 toneladas de propeno, que são elementos fundamentais para a produção de

resina - material fundamental na produção de plástico. O Comperj está sendo construído em

Sambaetiba, sexto distrito de Itaboraí.

O RIMA Comperj ressalta que um dos maiores objetivos do empreendimento é a agregação

de valor ao óleo bruto, abastecendo as indústrias químicas e petroquímicas de segunda e terceira

geração. Estima-se que o lucro com a venda do óleo refinado seja de mais de 4 bilhões de reais ao

ano. As industrias de segunda e terceira geração já chegaram a região e bem próxima a escola ,

acerca de três quilômetros se instalou uma fábrica norueguesa de tinta que já alterou bastante a

paisagem local. Por parte dos responsáveis e alunos emergem muitas questões sobre os possíveis

impactos como cheiro de tinta e descartes dos detritos.

Além das indústrias atraídas pelo Comperj, existem várias outras obras atreladas a instalação

de uma infraestrutura de transporte para o escoamento da produção seja via estrada ou de dutos.

Uma das maiores seria a construção do Arco Rodoviário.

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Page 76: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Imagem 3– Construção do Comperj

Fonte:http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/

Oliveira (2009), aponta que a construção do Arco Rodoviário é um investimento do Estado

garantido “um suporte logístico para a exportação e importação de equipamentos e produtos.” O

Estado está investido não apenas no Arco Rodoviário, mas também no porto de Itaguaí, adaptando e

modernizando-o, permitindo o escoamento / a circulação entre Itaboraí e o porto. Este arco

auxiliará na utilização de rotas menos saturadas como a Avenida Brasil e a Ponte Rio-Niterói.

Imagem 4- Arco RodoviárioFonte:http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/

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Page 77: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Estudos da Fundação Getúlio Vargas encomendados pela Federação da Indústrias do Estado

Rio de Janeiro (2008) apontam que mais de 720 empresa até 2015 poderão se instalar ao longo do

Arco Rodoviário. São empresas que utilizam as resinas plástica (previsão de produção anual de 2,3

milhões de toneladas) para a confecção de diversos produtos como garrafas e copos plásticos,

brinquedos, eletrodomésticos, peças para automóveis, industrias têxtil, entre outras (RIMA,

Comperj).

Em relação aos fatores locacionais que nortearam a escolha por Itaboraí presentes no RIMA

Comperj foram: o aproveitamento da logística existente – infraestrutura portuária, dutoviária e

rodoferroviária para o escoamento da produção e a chegada da matéria-prima; mais competitividade

para a cadeia produtiva ; e, a maior inclusão social, já que distribuirá os benefícios por um número

maior de municípios. Itaboraí aparece com um possível local a ser escolhido na mídia apenas na

véspera do anúncio a ser feito pela Petrobras. “Correndo por fora como um cavalo azarão” ou

“sacada da cartola” como elemento surpresa, desbanca dois municípios: Campo de Goytacazes (no

Norte Fluminense – proximidade com a Bacia de Campos ) e Itaguaí, na Baía de Sepetiba, na região

Metropolitana do Rio de Janeiro, proximidade com o porto (FERREIRA et al. 2007).

Há outros fatores que nos ajudam a entender a escolha de Itaboraí que vão além da

distribuição dos benefícios por um número maior de municípios, como a proximidade com o centro

consumidor seja de combustível como das resinas plásticas para as indústrias de segunda e terceira

geração. Ferreira et al (2007) ao analisarem a localização das refinarias no Brasil, identificaram que

existe um padrão de proximidade aos grandes centros urbanos e um dos fatores seria o alto custo

com o transporte dos produtos refinados, principalmente, quando esse é feito por caminhões

tanques. É mais lucrativo transportar por navio e dutos o óleo cru e manter as refinarias próximas

aos grande centros urbanos, mesmo impondo mais riscos.

No caso de Itaboraí, o Comperj está sendo construído sobre as bacias hidrográficas dos Rios

Caceribu e Macacu dois importantes afluentes da Baia da Guanabara. A pavimentação das planícies

de inundação dificultam a absorção da água no solo e altera o ciclo hidrológico da região que

abastece a APA (Área de Proteção Ambiental de Guapimirim) e a Estação Ecológica da Guanabara.

Esta região já sofre com a especulação imobiliária e a maior carga de matéria orgânica devido ao

lançamento de esgoto e resíduos das industrias que chegam a região.

Um dos condicionantes para a concessão da licença foi o reflorestamento de um corredor

ecológico com mais de 4.500 hectares, o maior de todo o estado do Rio de Janeiro, mas segundo

Bruno Herrera chefe a APA de Guapimirim “os prazos não estão sendo cumprido em absoluto” -

documentário sobre os Impactos Ambientais nas Unidades de Conservação. Além de não cumprir os

prazos, a Petrobras apresentou um estudo a fim de conseguir o uso para navegação do Rio

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Page 78: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Guaxindiba. No entanto, o seu uso inviabilizaria a licença para a construção do Comperj, já que

não pode haver impactos nesses rios devido a importância para as 28 comunidades pesqueiras

ativas, os manguezais que funcionam como depuradores já que assimilam a matéria orgânica,

controlam a maré, estabilizam os sedimentos e funcionam como berçário de vida tanto para a fauna

como para as famílias que tiram o seu sustento desse ecossistema.

No que concerne aos impactos ambientais, a Resolução CONAMA 01/86 aponta qualquer

alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer

forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II - as atividades sociais e econômicas;

III - a biota;

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V - a qualidade dos recursos ambientais.

Os impactos vão além da poluição atmosférica e do solo como ressaltam Ferreira e al (2007)

ao sinalizarem o uso de muitos compostos químicos pela refinarias, há uma grande preocupação

também em relação ao uso da água que segundo o RIMA Comperj será necessário cerca de 1.100

litros de água por segundo quando em operação. Consta no referido RIMA que serão atraídos 2000

litros por segundo e o que não for usado será transferido para a população local que sofre com uma

carência histórica, inclusive as escolas do município, como a em questão, neste estudo. Segundo, O

RIMA (Relatório de Impacto Ambiental);

o consumo de água não causará qualquer conflito com as necessidades regionais ao abastecimento público ou para a agricultura. Qualquer que seja a solução para a captação de água para o empreendimento, ela colocará um excedente à disposição do abastecimento público dos municípios envolvidos, com graves problemas de disponibilidade hídrica (p.136).

São muitas questões que envolvem o empreendimento, a especulação imobiliária e o

aumento da violência são as mais percebidas pelos alunos e familiares. A análise Preliminar do

Impacto do Comperj na Segurança pública – iniciativa da Secretaria de Segurança Pública do Rio

de Janeiro desenvolvida pelo Instituto de Segurança Pública aponta que o município de Itaboraí

“que já possui altos índices de criminalidade nos dias de hoje, se tornaria um dos lugares mais

perigosos do estado do Rio de Janeiro , ou mesmo, do Brasil, nos próximos 10 anos. Esses

resultados são alarmantes, sobretudo se pensarmos que neste estudo não foram computados os

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efeitos subjetivos de medo e insegurança que essa nova dinâmica poderá trazer para Itaboraí”

(p.22).

Neste contexto marcado por tantas transformações e impactos ambientais, econômicos,

sociais e culturais (não podemos esquecer dos patrimônios históricos) – acreditamos que a

Geografia Escolar possa instrumentalizar as reflexões dos alunos de modo que possam entender a

dimensão e profundidade das mudanças. O que está acontecendo com as famílias removidas para a

construção do Comperj - que tinham uma forte relação com a terra já que desenvolviam agricultura

familiar ou as que viviam do caranguejo? No RIMA apontam que as famílias foram indenizadas

recebendo tanto pela terra como pelo que constava na mesma , mas onde estão? E o trânsito da

cidade, que é caótico, como ficará, já que apenas durante as obras serão mais 480 caminhões e 90

ônibus por dia e cerca de 80 carros de passeio por hora? O transporte público na cidade é um

verdadeiro caos, apenas uma empresa monopoliza o serviço.

Estudos da FGV (2008) apontam que em 2020 serão mais de um milhão de habitantes na

cidade , e como tanta carência de infraestrutura o que será das futuras gerações. O RIMA Comperj

conclui que “é ambientalmente viável a implantação do COMPERJ – desde que implementadas as

Medidas, Planos e Programas Ambientais recomendados” e termina o relatório com a foto dessas

crianças residentes da cidade que literalmente vestiram a camisa e o boné da Petrobras. Vimos que

o corredor ecológico ainda não saiu do papel e segundo o site do Comperj as obras já encontram-se

adiantadas, faltando apenas 30% para entrar em operação.

Imagem 5– As Crianças – Simbolo de Esperança

Oliveira (2009) aponta a necessidade de entender e permitir que os sujeitos compreendam

que sua a sua cidade atua como um elemento fundamental para a reprodução do capital. Pois, “a

forma como se administra e se organiza o território, sempre foi, mas agora não há como esconder,

um elemento estratégico para a reprodução do capital. Por isso, torna-se também um elemento a

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Page 80: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

mais de disputa entre as classes populares e dominantes” (p.3). Logo, conhecer o território, as

transformações que estão ocorrendo, os agentes envolvidos, os conflitos de interesses emerge como

uma estratégia na luta pelo controle do uso do território.

O Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento do Leste Metropolitano (COMLESTE)

foi formado após o anúncio da instalação do Comperj em Itaboraí , reúne os municípios de Itaboraí,

Niterói, São Gonçalo, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de Abreu, Guapimirim, Magé, Maricá, Rio

Bonito, Silva Jardim e Tanguá. Oliveira (2009) aponta que o foco da preocupação do Comleste não

são estratégias para o desenvolvimento social, a mitigação dos impactos ambientais – o que fazer

com os resíduos, a captação da água, mas, a busca de estratégias para ampliar a arrecadação com os

royalties. De fato, não podemos centralizar nessa entidade a luta por uma cidade mais justa e menos

desigual.

Ampliar a arrecadação não significa que haverá retorno para a população, pois de acordo

com os dados do TCE – Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (2011), o montante

transferindo pela União ao município de Itaboraí sem incluir os repasses relacionados a petróleo e

gás, teve um aumento de 137% no período entre 2005 e 2010. E neste mesmo período, a receita

tributária apresentou um crescimento de 390%. Enquanto a arrecadação aumenta, o cidadão recebe

menos investimentos diretos e indiretos, segundo o TCE (2011, p. 75) “cada habitante em 2005

contribui com R$ 79,80 para o fisco atingindo em 2010 o valor de R$ 391,00 reais ”. Em 2010 foi

transferido de forma direta e indireta R$ 85,00 reais ao cidadão; em 2005, foram investidos R$

50,09 ou seja, crescimento econômico não significa melhora na qualidade de vida dos Itaboraienses

- que pagam mais impostos e recebem menos. A justificativa da prefeitura ao apontar que não há

verbas suficientes para atender a demanda da população não corresponde aos números.

Os alunos e alunas continuam enfrentando uma realidade marcada pela falta de

pavimentação, coleta de lixo precária, falta de água, enchentes, insegurança, ausência de áreas de

lazer, entre outras questões que poderemos ver no próximo item quando conheceremos os sujeitos

da pesquisa e a sua percepção sobre o local. Cabe destacar que além do questionários, as conversas

diárias com os alunos, responsáveis e demais membros da comunidade escolar também auxiliou na

percepção das mudanças e das inquietações que estão presentes em seu dia a dia. E também foram

analisadas as produções textuais ao longo das aulas de Geografia.

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3.2- Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa são os alunos das três turmas dos sextos anos do Ensino

Fundamental. Essas turmas são organizadas através de um critério13 muito adotado pelas escolas,

mas bastante combatido por alguns professores que é agrupar os alunos pela data de nascimento. Ou

seja, agrupam-se os alunos mais novos, entre 10,11 e 12 anos na turma 601. Geralmente, ao menos

nos três últimos anos que trabalhei com as turmas do sexto ano, essa era a turma preferida dos

professores. Identificada pela participação dos alunos, a ausência de alunos repetentes e pelo bom

retorno das atividades propostas.

Já as turmas 602 e 603 apresentam os alunos mais velhos, repetentes, em sua maioria

oriunda ou dos quintos ou sextos anos da própria escola. A turma 603 já foi apelidada por vários

nomes: hospício foi o mais recente. A representação dessa turma se reflete no fechamento dos

horários, muitos professores correm literalmente dela. De fato, é uma turma difícil no sentido da

defasagem do conteúdo, disciplina e participação – tanto durante as aulas, com a presença como no

envolvimento as atividades propostas. Esta apresentação dos sujeitos está sendo feita baseada na

minha experiência dos últimos três anos, pode ser que de fato haja mudanças no perfil das turmas, e

em breve, as dúvidas serão sanadas.

Torna-se necessário apontar que os alunos do sexto ano, e de uma forma geral de toda a

escola, são vistos pelos professores como carinhosos e prestativos. Companheiros de trabalho que

atuam em outros municípios como Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Caxias ou na Rede Estadual, dizem

através de conversas informais que não há comparação – “nossos alunos são o paraíso”. Ou seja,

apesar de todas as dificuldades enfrentadas, pobreza, falta de áreas de lazer, insegurança – esses

indivíduos não se endureceram com a vida. Esse ponto é essencial para a nossa motivação, de

permitir a esses sujeitos entenderem que a sua grandeza não está na forma, mas no conteúdo.

A relação dos alunos com os professores é estimulante e fomenta o desejo por tornar as aulas

mais criativas e interessantes. Torna-se necessário apontar que a violência que cresce no município

não fica longe da escola. Infelizmente, brigas e discussões entre os alunos e entre alunos e

professores estão se tornando mais presente em nosso cotidiano. Alguns professores interpretam

essa mudança como um reflexo da quantidade de alunos novos que estão chegando de outras

cidades, principalmente de Niterói e do Rio de Janeiro – famílias atraídas pelo Comperj. De fato,

nosso alunos em sua grande maioria são extremamente atenciosos e afetuosos. Numa realidade tão

13 O critério em organizar as turmas pela idade foi alterado, atualmente não temos perfis tão restritos como a turma dos repetentes ou a turma dos alunos novinhos- sem a defasagem idade /série. De fato, foram misturados e temos uma grande diversidade interna em cada turma. Esse critério dificulta a criação de estigmas, mas ao mesmo tempo, temos dificuldade em passar um filme ou propor atividades numa turma que tem um menino de 16 com outro de 11.

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precária essas características são alentadoras – chegar a escola com o pé cheio de barro, depois de

quase uma hora esperando o ônibus e receber um abraço e um sorriso faz valer a pena. São os

olhares desses alunos que tentaremos apreender nas observações a seguir a fim de que possamos

orientar as aulas e os debates a parir de suas falas. Cabe destacar que a convivência e a conversa

diária também são essenciais para estreitar e aprofundar o conhecimento sobre a realidade dos

alunos.

Em relação a organização estudantil , essa ainda está sendo construída na unidade escolar.

Os alunos não participam do conselho de classe , mas possuem um representante de turma e um

professor orientador escolhido pelos próprios. Um dos entre muitos sonhos dos professores é a

construção de um Grêmio Estudantil na escola, como também já foi apontado por quatro

professores, a necessidade da Agenda 21 Escolar.

3.3 – As Percepções sobre o Lugar

Os dados a seguir foram extraídos a partir da análise do questionário aplicado pelos alunos

em seus responsáveis. Como dito anteriormente, esses dados nortearão as questões e dos debates

que travaremos embebidos dos conteúdos da Geografia do sexto ano – como o conceito de

paisagem, lugar, as relações cidade e campo, entre outros.

Através do Gráfico 1, podemos perceber que os responsáveis residem há bastante tempo em

Itaboraí e que desse modo, amplia-se a chance de conhecerem a cidade, o seu bairro e suas

dinâmicas e que podemos / devemos considerar suas visões e representações na tentativa de

desenvolver temáticas que estimulem o aprendizado, já que irão partir de suas observações.

Gráfico1- Tempo de Residência

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A questão 8 do questionário (Apêndice II) abordava os problemas percebidos pelos

responsáveis e alunos em seus bairros. Essa questão foi livre, uma vez que gostaríamos de entender

se os problemas associados ao meio ambiente apareceriam, e, ao mesmo tempo, teríamos contato

com as situações vividas pelos alunos e suas famílias.

Tabela 2- Os problemas apresentados pelos Entrevistados

Qual o Maior problema do Seu Bairro? (Questão 8) Número de EntrevistadosFalta de Sinalização 1Falta de Áreas de Lazer 1Políticos Incompetentes 1Carência no Transporte 2Tráfico de Drogas e Insegurança 3Falta de Médicos nos Postos de Saúde 3Lixos em Terrenos Baldios e Valões 6Falta d`Água 6Pavimentação 9Saneamento Básico 13Total de Questionários 45

Os problemas são diversos, mas se relacionam. A falta de infraestrutura se destaca, pois

problemas como a falta de saneamento básico, pavimentação e abastecimento de água aparecem em

número expressivo, aproximadamente 50% da amostra. Essa falta de condições básicas como água

encanada e esgoto reflete diretamente nas questões ambientais (lançamento de esgoto sem

tratamento, muitos lançados em valas abertas) e também no cotidiano da escola.

Os alunos apontam a dificuldade com o abastecimento de água. Quando esses dados foram

apresentados aos professores da escola numa formação continuada percebeu-se que, apesar de

trabalharem no município, muitos professores desconhecem a realidade local (mesmo os que

residem na cidade). Questionamentos são feitos por alguns professores como o odor dos alunos ou a

falta de higiene com os uniformes foram esclarecidos, já que realmente muitos não podem lavar

diariamente o uniforme ou tomar vários banhos por dia, devido à falta de água.

A escola é abastecida por um poço, de qualidade questionável, já que acima do nível do

poço passa um valão, onde é lançado não apenas o esgoto da escola, mas de todas as casas e

comércios da Rua Raimundo de Farias, onde a escola se localiza. Os alunos falam dessa situação de

forma indignada toda vez que se fala em questões relacionadas às políticas públicas, ao meio

ambiente e às mudanças necessárias. Dizem: “Se o esgoto da escola é lançado no valão, como

podemos mudar alguma coisa?”. Esses questionamentos são extremamente pertinentes já que

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permitem a reflexão sobre o papel das instituições em questões práticas, indo além das discussões

teóricas.

O precário abastecimento de água pela CEDAE reflete no uso de poços, como pode ser visto

no gráfico 2. O uso de poços não significa que as pessoas não tenham água encanada oferecida pela

CEDAE, mas que dificilmente chegam às residências. Essa hipótese foi estabelecida através de

conversas com os funcionários da escola que residem no bairro – os inspetores, o pessoal

responsável pela limpeza e administração. Apontam que a “água cai com mais força duas vezes por

semana”. No próprio Relatório de Impacto Ambiental do Comperj (ver apêndice I) existe

apontamentos do próprio gerente do estabelecimento afirmando a falta d'água histórica.

Gráfico 2- As Fontes de Abastecimento de Água no Dia a Dia

Na pergunta 10, os entrevistados deveriam apontar se pudessem melhorar alguma coisa em

seu bairro e na sua cidade, quais mudanças por ordem de importância realizariam. E o saneamento

básico apareceu mais uma vez com força junto com o descontentamento com a administração

pública municipal, refletindo que os alunos e pais reconhecem a importância da questão política e a

possibilidade de alterar o quadro atual.

Tabela 3- As Mudanças Necessárias

O que deve Mudar em sua Cidade? (Questão 17) Número de EntrevistadosFim da Queima do Lixo 1Insegurança 1As Pessoas serem Mais Humanas 1Nada 1Iluminação Pública 1Esporte e Lazer 2

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O Descaso com os Moradores das áreas Simples 2Mais Atenção para as Escolas e Melhoria da Merenda 3O Sistema de Limpeza e Coleta do Lixo 3As Ruas Esburacadas 3Oportunidades de Empregos 3Saúde 4Tudo 4Saneamento Básico 10Administração do Município- Os Políticos 11

As respostas sobre as mudanças reforçam a necessidade de investimentos em pontos básicos

como saneamento, saúde, pavimentação, educação, áreas de lazer e sistema de limpeza e coleta do

lixo. Pode-se identificar que os responsáveis relacionaram essas mudanças ao poder público, já que

atrelaram as mudanças dos políticos como meio para atingir algumas transformações. Isso já é um

sinal de que embora haja poucas cobranças e mobilizações no que se refere à escola, por exemplo,

pela falta de material para os alunos ou pela péssima qualidade da merenda sem frutas e verduras,

de algum modo, apesar de toda passividade, reconhecem as questões políticas envolvidas nas

situações que marcam suas vidas.

Neste ponto do trabalho, o foco é apresentar que a partir dos questionários, tentou-se uma

aproximação com a realidade vivida pelos alunos de forma a estimular seu envolvimento com os

conteúdos da Geografia. Torna-se necessário destacar que os questionários e os tabelamentos foram

apresentados aos professores na tentativa de estimular um projeto transdisciplinar, mas a escola não

criou meios que poderiam fomentar parcerias como xeroxes das tabelas, impressões e até mesmo

um apoio moral no sentido de solicitar aos professores uma posição (Atualmente – ano de 2014- a

situação da escola é outra, temos xerox e o apoio da equipe diretiva e pedagógica). Infelizmente, o

trabalho acabou ficando restrito à formação continuada e à tentativa solitária da professora de

Geografia.

Assim, com todas essas informações, a professora tentou provocar os alunos, de modo a

construírem conhecimentos que os permitissem superar visões como: - “Professora, Itaboraí nunca

vai mudar, sempre foi assim”. Ou “Isso aqui não tem jeito professora!” Apesar de apontarem a

impossibilidade de mudanças, já perceberam que algumas coisas estão acontecendo e as paisagens

estão sendo modificadas. Acredita-se que isso se justifica pela chegada do Comperj e das empresas

relacionadas ao mesmo – como as empreiteiras e a fábrica de tinta, por exemplo.

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Gráfico 3- As Mudanças nas Paisagens.

As análises dos gráficos foram apresentadas pela professora aos alunos e alunas, e, a partir

dessa discussão começamos a trabalhar os conceitos chaves da Geografia presentes no currículo do

sexto ano – Lugar e Paisagem no primeiro e segundo bimestre. Esses conceitos foram atrelados ao

tema do Projeto Político Pedagógico que focava a leitura e a problemática ambiental.

3.4- O Diário de Bordo

Anotamos as observações feitas durantes as aulas sobre as produções e o envolvimento dos

alunos ao longo das atividades concernentes às questões problemas que surgiram ao longo do

questionário. As observações adotadas visam identificar se há ou não ganhos com os trabalhos

desenvolvidos a partir da realidade – ganhos na escrita, participações em sala de aula, as análises

espaciais incluindo a dimensão política.

Também registramos as dificuldades enfrentadas em cada proposta, caminhos alternativos,

improvisos e resistência por parte dos alunos às dinâmicas construídas em sala de aula. As

atividades propostas e os objetivos – conteúdo, tempo, instrumento didáticos e recursos – tudo que

foi utilizado foi adotado para posterior análise.

As propostas dos alunos em relação aos temas abordados, as indicações de filmes, livros e

demais materiais além de suas reclamações foram anotados. Como as conversas com os professores

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e funcionários na sala dos professores e nos demais espaços da escola. Além da conversa com a

equipe diretiva e os integrantes do Conselho Escolar. Como veremos a seguir.

3.5- As Conversas Informais

As conversas informais revelam elementos que não podemos identificar em muitas

entrevistas semiestruturadas ou estruturadas, uma vez que o sujeito sente-se mais à vontade para

expor fatos, acontecimentos e experiências que não colocariam ou apontariam em uma conversa

mais formal. Como por exemplo, o caso da professora que apontou o mal cheiro dos alunos. Ou o

professor que declarou que nunca mais trabalharia de calça jeans, pois o calor absurdo em sala de

aula o fez ficar irritado e, segundo suas palavras, “grosseiro com os alunos, mandando todo mundo

calar a boca”. Ou o professor que numa conversa disse: “esse papo de autonomia, que bobeira! Por

mim eles me perguntam tudo, até se tem que fazer de lápis ou caneta, mesmo sendo nos cadernos

dele”.

Os questionários, o diário de bordo e as conversas informais foram a base para a nossa

prática em sala de aula. As reações dos alunos ao trabalho com vídeos, as aula em power point, as

aulas baseadas em textos criados em conjunto com os alunos, o uso das músicas – todos esses

elementos foram essenciais na construção de conhecimentos significativos em parceira com os

sujeitos da pesquisa. Inicialmente, algumas dificuldades apareceram – trabalhar uma música era

entendidos por muitos como se não fosse importante, uma aula propriamente dita. Mas, ao longo do

primeiro bimestre e do segundo, os alunos perceberam e começaram a trazer imagens, charges e

música que eram utilizadas quando se adaptavam aos temas e conteúdos das aulas . Veremos

algumas atividades propostas durantes as aulas com mais detalhes no próximo capítulo.

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4- AS AULAS DE GEOGRAFIA

Educar não é formar um profissional qualificado, é formar um ser humano qualificado. (...)

Se a escola não for um laboratório de análise crítica da sociedade, ela estará fadada a ser uma mera

reprodutora do sistema”. Frei Betto

Iniciamos o trabalho em sala de aula no dia 19 de fevereiro de 2013. Conversamos e

estabelecemos algumas regras sobre como seriam nossos encontros semanais. Fizemos uma espécie

de apresentação coletiva – falei um pouco sobre mim, meus objetivos e o que esperava dos nossos

encontros e respondi oralmente – numa conversa- o que eu queria saber sobre eles (ver

questionário- Apêndice IV) e disse que poderiam, a qualquer momento, perguntar o que quisessem

sobre o mim e o meu trabalho14.

Um aluno perguntou sobre as provas, daí expliquei como seria uma avaliação que não

exigiria decoreba, mas a reflexão e que a avaliação bimestral poderia ser feita com com consulta,

daí a importância de realizar os trabalho e de participarem (incluindo o caderno da disciplina).

Apontei a importância da participação e o envolvimento nas proposta e atividades e que assim

estariam me ajudando a construir uma nova geografia. Esperei a pergunta, mas, nenhum aluno

questionou, daí perguntei: Alguém sabe o que seria uma nova geografia? Apenas um aluno

respondeu que seria uma geografia mais criativa. Respondi que sim, e que essa criatividade partiria

deles – e continuamos a conversa.

O clima da escola estava bem melhor, começamos o ano de 2013 com boas surpresas.

Apesar de pouco tempo da nova gestão tínhamos armários, material como cópias para as avaliações

(na gestão anterior os testes /avaliações eram copiados do quadro pelo aluno) e até um tão desejado

lanche para os professores na hora do recreio – reflexo de total precarização- apenas um café,

banheiro digno e um armário alterou bastante a forma que os professores trabalhavam. A partir das

conversas informais, captamos de vários professores que já não tinham mais vontade de faltar, uma

professora disse que: “sempre que precisava ir ao médico, marcava no dia dessa escola, porque era

muito ruim trabalhar aqui, agora não faço mais isso”.

Iniciamos o ano letivo utilizando durante todo o primeiro bimestre, a sala de vídeo - onde

era possível utilizar o data show – definitivamente um instrumento que estimula bastante devido a

possibilidade de explorar infinitos recursos como documentário, clipes musicais e imagens além da

sala ser climatizada, bem diferente da situação das salas de aulas que em algumas estão com os dois 14 O uso na primeira pessoa relaciona-se a minha prática como professora na sala de aula em parceria com os alunos.

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ventiladores quebrados.

Iniciei a aula com uma reportagem que baixei de um canal do youtube- Fala Itaboraí – onde

uma senhora denunciava que não tinha onde reclamar, pois morava na divisa entre os municípios de

São Gonçalo e Itaboraí – um município empurrava para o outro – o velho jogo burocrático. Alguns

alunos ficaram rindo do sotaque da senhora que participava da reportagem, outros interviram

dizendo: “Sua avó também é nordestina, tá rindo do que”? - a reportagem era para discutir a

importância da geografia, de sabermos e conhecermos os lugares – o papel político, mas acabamos

discutindo a importância do respeito e apontamos a coragem desta senhora – essa discussão auxiliou

a perceber como a turma 601 era participativa. E através do sotaque foi a brecha para os alunos de

outras cidades como a Bahia – muitos chegam para trabalhar no Comperj – experiencia do polo

petroquímico de Camaçari.

E também permitiu compreender o elo da Ética que Moraes (2007) aponta na seção 1..2.1- A

Geografia Crítica se mostrou Crítica Aparência , mas na Essência manteve Parâmetros

Tradicionais? Ao apontar que esse elemento unia os geógrafos críticos – uma nova forma de

sociedade – baseadas em relações sociais mais humanas. Realmente, discutir aspectos relacionados

a inferiorização de outro indivíduo pela sua região, sotaque, cor ou religião não poderiam passar

desapercebidos. Nessa aula, reafirmamos mais uma vez que o pilar dos nossos encontros semanais

seria o respeito – excluindo as agressões físicas e verbais dos nossos encontros que já eram curtos –

apenas três tempos de 50 minutos por semana.

Como estratégia para viabilizar a Prática Social Inicial da didática histórico crítica de

Saviani (1986) e Gasparin (2007), os alunos assistiram ao documentário Desenvolvimento a Ferro e

Fogo, narrado pelo Wagner Moura- impressionante o poder da mídia- eles ficaram extremamente

atentos ao reconhecerem a voz do locutor – “o capitão Nascimento do filme Tropa de Elite”.

Barbosa (2000) aponta que o trabalho com filme apresenta uma forte impressão de realidade, pois a

vida é apresentada em movimento, próximo a nossa realidade. A fim que de o filme tenha um uso

didático e que possa ser mais que um momento descontraído15 torna-se necessário articular o enredo

do filme ao conteúdo trabalhado. Pode-se construir uma ficha e entregar aos alunos com o nome do

filme, o diretor, a conjuntura em que foi criado e até mesmo um texto de apoio. A partir desse

material, discutir e pedir aos alunos para apontarem as suas interpretações, de forma oral ou escrita,

15 Esses momentos de distração também são importantes, permitir que os alunos escolham os filmes considerando a classificação indicativa- torna-se também fundamental principalmente a considerar que não há um cinema em Itaboraí. Permitir aos alunos desenvolverem uma lista de filme é uma atividade bacana até para conhecermos seus gostos. Numas das aulas solicitei uma lista e além de escreverem – toda forma de praticar escrita na escola é muito bem vinda sempre – eles deveriam argumentar para toda turma por quais motivos as suas listas deveriam ser escolhidas- nessa atividade ouvi a voz de uma aluna que sinceramente, era tão tímida que foi a primeira vez que a vi falar assim e deve-se considerar que isso aconteceu em abril de 2013 e as aulas começaram em fevereiro.

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podendo ser de livre escolha do aluno.

A ficha solicitava aos alunos que apontassem o que achou mais chocante no documentário, o

que era novidade e que desenvolvesse um texto com no mínimo 10 linhas sobre a mensagem

central do documentário . Além da ficha, os alunos receberam um texto que apontava a relação do

homem com a natureza através do trabalho e como esta vem sendo transformada ao longo da

história – a busca incessante pelo lucro. Iniciando a instrumentalização , pois começaram a perceber

que as mudanças ocorrem e são desenvolvidas pelos próprios seres humanos. O foco na dimensão

ambiental falou mais alto, pois o documentário apresenta os impactos da Siderúrgica do Atlântico

-TKCSA – na vida dos moradores do bairro Santa Cruz na zona Oeste do Rio de Janeiro -afetando

as atividades dos pescadores e as vida de milhares de pessoas com a contaminação atmosférica.

A partir deste filme e dos questionários respondidos pelos alunos emergiu uma questão que

norteou nosso trabalho ao longo do ano letivo: Os impactos sociais , ambientais e econômicos do

Comperj na cidade e em nosso bairro? Duas empresas chinesas de tinta estão se instalando a três

quilômetros da escola. Os alunos perguntam se terá cheiro de tinta , se poderá contaminar o valão

que passa atrás da escola? As paisagens estão mudando numa velocidade absurda e os alunos e

responsáveis estão questionando as mudanças: E como ficará a questão do saneamento e do

tratamento e coleta do lixo que já é um problema grave?

A partir destes questionamentos começamos a elaborar a Problematização – que como vimos

com Meirieu (1998) oferece uma significação atrelada a utilidade do conhecimento , já que

responde a problemas diários dos alunos e os fazem avançar a partir do que já sabem – a relação

entre cotidiano e científico (VIGOTSKI, 2000 ; CAVALCANTI, 1998) .Vimos nesse primeiro

momento que “nem tudo que reluz é ouro” – receber um empreendimento gigantesco como uma

siderúrgica ou o próprio Comperj não significa que todos sairão ganhando, é preciso cautela e

estudos e que a população local participe das tomadas de decisões que afetam diretamente a sua

vida.

Estudamos o espaço como espaço da produção, da circulação e do consumo – e ao analisar o

rural e o urbano – compreendemos as conexões. A saída de pessoas do campo e no momento atual,

o retorno. Estudamos os movimentos sociais da cidade e do campo aproveitando as ondas de

“vandalismo” tão alardeadas pela grande mídia e pelos próprios alunos que reproduziam o que

ouvia – vândalo – virou uma agressão corriqueira – você é um vândalo.

Realizamos um jogo onde cada grupo recebia – imagens de trens, ônibus, caminhão, navios

cargueiros (MEIOS DE TRANSPORTES) imagens de produtos (ORIUNDOS DA INDUSTRIAS,

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, COMÉRCIO ) e matéria-prima – A ideia era associar por exemplo –

que o celular vinha da China de navio – vendido pelo camelo que faz parte da atividade – comércio.

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Page 91: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Esse dia foi muito bom, os alunos participavam com vontade e desejo – o lúdico realmente precisa

ser apropriado pela geografia escolar.

Esta atividade permitiu o aprofundamento do conceito de trabalho, a exploração do homem

pelo próprio homem – a precarização, o desemprego e vida como fonte de lucro. Lemos um texto

adaptado para a linguagem dos alunos do Atílio Boron que apresenta o número de crianças que

realizam trabalho escravos, que morrem diariamente pela falta de água e comida, os sem teto e a

concentração de renda absurda que marca o mundo hoje. A noção de que nem todas as pessoas

transformam o espaço com a mesma intensidade, mas que todos participam das transformações.

Embora não seja um conhecimento específico do sexto ano – torna-se quase impossível não

permitir que o aluno entenda que sociedade estamos falando – A Capitalista – baseada na lógica do

consumo e do individualismo. Durante a semana do Meio Ambiente – os alunos assistiram aos

documentários Ilha das Flores e História das Coisas – ambos apontam elementos estruturais que

permitem aos alunos entenderem a “alma” da sociedade capitalista - uma aluna resumiu bem

mesmo – “nossa vida vale menos que a dos porcos ”.

O esforço foi construir em parceira junto com os alunos, reflexões que nos permitissem

entender a função dos elementos que constituem a paisagem -os arranjos espaciais -a partir das

contribuições de Moreira (2007): analisando a forma e função seja jurídico-política; ideológica e

cultural e infraestrutural das relações econômicas. Logo, os alunos puderam entender o que levou a

empresas chinesas a se instalarem próximo a escola – proximidade com a BR 101 e com a fonte de

matéria-prima – os solvente com a instalação do Comperj, a mão de obra especializada, não é a

primeira desse setor a se instalar em Itaboraí.

Apresentaremos algumas atividades que foram desenvolvidas ao longo do ano letivo a fim

de exemplificar como foi o trabalho a partir das questões problemas e partindo da Prática Social

Inicial que é identificar os conhecimentos prévios dos alunos – as suas visões sobre a cidade e sobre

o bairro.

O documentário Desenvolvimento a Ferro e Fogo, possibilitou a percepção sobre a

importância de dar visibilidade e conhecer os problemas que enfrentamos. Esse seria o passo inicial

para conseguir mudar alguma coisa. Alguns alunos apontaram que não é possível mudar nada, que

não tem jeito e que Itaboraí sempre foi assim, “terra de ninguém”. A partir destas falas, apresentei

os dados do relatório de segurança pública e mostrei que nem sempre foi assim. Também

mostramos que a violência no Estado do Rio de Janeiro não cresce apenas em Itaboraí, sendo um

problema presente em todo o território e principalmente nas regiões metropolitanas.

O uso de reportagens e jornais também foi uma estratégia adotada a fim de estimular outras

leituras criando a possibilidade de discutir o papel da imprensa até que ponto existe neutralidade e

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como é necessário ver as fontes - ler criticamente. Caldas (2006) destaca que ler as palavras é

diferente de ler o mundo – o que está nas entrelinhas, a imagem que utilizam ou o que desejam

transmitir. Tentamos construir um Jornal em cada turma de sexto ano – ver apêndice V -

Construindo o Jornal – essa proposta foi realizada no terceiro bimestre e realmente foi muito difícil.

Primeiro, pela falta de hábito em ler jornais, o contato mesmo, seja lendo ou vendo alguém

manuseá-lo. Em segundo lugar, porque no momento em que propusemos a criação do jornal, o

laboratório de informática estava em manutenção. A professora de português – Kátia –

companheira na luta e desabafo com mais de 20 anos de experiência– apontou que o ideal é

trabalhar com o nono ano, já que estão mais maduros e que mesmo nessa turma, ela enfrentou

dificuldades. Esta proposta funcionou como um ponto de contato dos alunos, entendendo que nem

tudo que é publicado em jornais, revista e sites corresponde à realidade e também destacamos a

importância das fontes.

O uso de jornais, revistas, sites e blogs são estratégias a fim de criar entre os alunos o

interesse pela leitura. Muitos não abrem sequer o livro didático, logo, foi preciso em algumas aulas,

ler e debater com eles alguns textos presentes em seus livros.

Após assistirem aos documentários sobre os impactos dos grandes empreendimentos , verem

o quadro das respostas dos responsáveis sobre a cidade de Itaboraí e o bairro Ampliação,

trabalhamos o tema que será exemplificado a seguir.

4.1- A Cidade que Temos e a Cidade que Queremos

Após a discussão dos gráficos e das reportagens sobre a instalação do Comperj, os alunos

construíram cartazes com imagens que correspondiam a cidade que tinham e a que desejavam. A

partir dos cartazes construímos / analisamos o conceito de paisagem – natural e cultural. Mas, além

do conceito de paisagem construído através das observações das imagens dos cartazes, um dos

conceitos essenciais dessa atividade foi o de trabalho.

As paisagens revelam a forma como os seres humanos se relacionam com a natureza, a sua

cultura. Os alunos perceberam que há numa paisagem diferentes momentos históricos. Logo, o

estudo da paisagem nos possibilita construir em parceria com os alunos, o conceito de trabalho na

perspectiva marxista. O trabalho como reflexo da práxis. Entendendo a práxis como atividade

produtiva do ser humano que planeja e concebe previamente os resultados de suas ações sobre a

natureza. Ao transforma a natureza através das técnicas e conhecimentos, engendra a si mesmo e

obtém os bens necessários à reprodução social.

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Imagem 6- As Mudanças que Queremos

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Em muitos cartazes a imagem de áreas de lazer como praças e belas paisagens apareceram. Ainda estamos trabalhando a ideia de natureza dissociada do belo, relacionando-a com transformação da primeira natureza – intocada, com poucos elementos culturais em segunda natureza – mais intensamente transformada pelo trabalho humano.

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Nesse cartaz, os alunos traçaram uma comparação entre a cidade do presente e do futuro,

mas na apresentação destacamos que essa transição não é natural, e, as mudanças dependem da

história humana que é feita através de muita luta. Se construímos uma sociedade a partir do

trabalho, será que podemos transformá-la? Através dessa questão trabalhamos o conceito de cidadão

como veremos mais adiante.

Outro ponto comum nos cartazes foi a questão da água. Que de fato é um problema que

afeta diariamente a vida dos alunos e até mesmo o funcionamento da escola. Associada a questão da

água, trabalhamos o ciclo da água e a importância de não vê-la apenas como um recurso, mas como

elemento essencial para a vida humana que foi transforma em mercadoria.

Imagem 7- A Problemática da Água

Associada a questão da água – discutimos as formas do relevo e como as casas, as escolas e

os comércios se instalaram no bairro já sendo construídos de forma a facilitar o lançamento dos

detritos nos córregos e rios. Inclusive há um ao lado da escola – onde todo os detritos são lançado.

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A questão da água potável aparece em vários cartazes. Um elemento essencial e que ainda é um dos pontos básicos de reivindicação dos moradores da cidade de Itaboraí. Corresponde ao que vimos nos questionários – das 45 famílias que responderam o questionário, 36 eram abastecidas por água de poço.

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Imagem 8- A Educação

No item 4.2 - A Escola que Temos e a que Queremos - discutiremos o papel da escola e a

visão dos alunos sobre a mesma. O que esperam da escola, dos professores e as possíveis soluções

para a escola se torne mais atrativa – um espaço mais agradável e acolhedor .

Em relação aos meios de transporte, a cidade de Itaboraí ainda carece de muito

investimento. A começar pela ausência de uma rodoviária e pontos de ônibus. As paradas são sem

identificação e muitos habitantes ficam expostos ao sol ou a chuva , a beira da BR 101 por mais de

quarenta minutos. Segundo os alunos, a situação ficou ainda pior com a proibição do transporte

alternativo que conduzia a população do bairro Ampliação ao Centro de Itaboraí.

Imagem 9- O Meio de Transporte

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Apenas um cartaz trouxe uma alusão à educação. Quando apresentamos o cartaz à turma, alguns alunos apontaram que educação de qualidade significa uma escola boa - “bonita, limpa, com professores amigos” - que gostam do que fazem na linguagem dos alunos; “que não dão esporro”.

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Outro problema que os alunos apontam, e esse marca bastante a paisagem, é o esgoto a céu

aberto. Um problema sério que discutimos a partir dos dados do Instituto Trata Brasil que apresenta

o ranking do Saneamento Básico no Brasil.

Imagem 10- Saneamento

Imagem 11- Pavimentação

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Vimos um documentário sobre a contaminação da água e o risco a saúde humana e ao meio ambiente. “Os alunos apontaram que assistem as pessoas jogarem sofás, televisões e até cavalos mortos no valão”.

O professor de ciências apontou que sente vergonha em discutir com o aluno questões atreladas ao saneamento e higiene. “O esgoto cai na cara dos alunos no valão e no banheiro não tem sabonete para lavarem as mãos”.

A falta de pavimentação é um problema que afeta a cada chuva e diariamente com a poeira que invade as casas , os comércios e a escola do bairro Ampliação.

Discutimos as questões atreladas a especulação imobiliária – por que as ruas próximas aos condomínios já estão asfaltada e com água. Qual a função do asfalto e da luz – ampliar o valor da terra aumentando o lucro do proprietário.

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Imagem 12- A Dimensão Política

Neste trabalho pode-se perceber a dimensão política: os alunos colocaram a foto do prefeito

e anexaram imagens com lixo na rua, valas abertas, uma torneira seca, as poças de lama. E do outro

lado, uma praça, ruas pavimentadas, coleta de lixo refletindo uma cidade alegre - onde as pessoas

seriam mais felizes.

Os cartazes sinalizam os problemas que apareceram nos questionários respondidos pelos

responsáveis. Foi a partir das apresentações dos grupo que trabalhamos os conceitos de paisagem e

lugar. Os alunos perceberam que as dificuldades vividas cotidianamente, ultrapassam a realidade de

Itaboraí, estando presente em várias cidades brasileiras. Inicialmente, foi possível perceber que as

concepções de meio ambiente e de natureza estavam atreladas ao belo, ao verde – a natureza

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intocada. Mas, ao longo do trabalho foi possível identificar um maior envolvimento dos alunos

quando discutíamos sobre as questões dos seus bairros e até propostas de abaixo assinado, de

tirarmos fotos e produzir um filme surgiram dos alunos como forma de luta por algumas mudanças.

Essa proposta do filme vingou e apresentarei mais detalhes na conclusão do trabalho.

Preparamos alguns slides com várias paisagens tanto naturais como culturais e esta aula foi

bastante interessante, pois entre as fotos de várias cidades brasileiras tinham fotos de Itaboraí que os

alunos não relacionavam a cidade. Como fotos do Centro de Itaboraí e do Comperj. Chegavam a

dizer: “Essa indústria moderna nunca que isso é Itaboraí, aposto que é São Paulo”. Ou a foto da rua,

super arborizada, asfaltada e com casas da classe média - “isso aí é Niterói”. Essa imagens foram a

base para refletirmos sobre o espaço geográfico e como esse é fragmentado e marcado por

contradições. E que as paisagens são tudo que está a nossa volta e que conseguimos captar através

dos sentidos, mas que precisamos ir além da forma / dos olhares iniciais.

Após a construção do conceito de paisagem, desenvolvemos uma atividade bem próxima

dessa que apresentamos com os cartazes, mas pautada na realidade escolar. A construção de um

texto sobre as questões mais fortes presentes nas falas dos alunos e alunas – o bullying, a violência,

a carência material, entre outros pontos.

4.2- A Escola que Temos e a que Queremos

Imagem 13- Produção Textual

Conversando com a professora de português combinamos de trabalhar questões que

emergissem dos debates/realidade dos alunos – na semana em que duas alunas foram presas,

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Ao longo do ano letivo, os alunos produziram diversas redações e era sempre uma “chuva de reclamação” Isso aqui é Geografia ou Português? Esse questionamento ocorreu diversas vezes e era sempre igual, mas entendemos que a prática da escrita é a melhor forma de avançar . Muitas redações ressaltavam o estado sofrível da nossa educação e como precisamos investir tempo e atenção que infelizmente não tínhamos a fim de atender a necessidades especializadas.

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discutimos a violência e apresentei os dados do relatório sobre segurança pública e aproveitamos

para discutir o bullying na escola. Daí desenvolvemos a seguinte atividade com as seguintes

palavras chaves: Itaboraí, violência, Ampliação, iluminação, policiamento, segurança, medo,

justiça, políticas e investimento.

OS DILEMAS DAS CIDADES BRASILEIRAS

A violência é um sério problema que atinge as cidades brasileiras, ou melhor, as cidades de todo o

mundo. São vários os tipos de medo e temor. Assaltos, sequestro, terrorismo, entre outros. No

entanto, a VIOLÊNCIA URBANA se desenvolve com mais intensidade nos países como o Brasil,

que apresentam grandes DESIGUALDADES SOCIAIS. Vimos que no Brasil nem todos podem

aproveitar a cidade de forma igual- meios de transporte de qualidade, saúde, educação, entre outros

recursos vitais para uma vida digna.

Precisamos refletir sobre a questão do medo. Faça uma redação sobre o tema: VIOLÊNCIA NA

CIDADE DE ITABORAÍ utilizando as palavras: Itaboraí, violência, Ampliação, iluminação,

policiamento, segurança, medo, justiça, políticas e investimento. Para a construção do texto,

considere a realidade do seu bairro e da sua rua.

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Imagem 14- Os alunos em sala de aula

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Os alunos produziram os textos individualmente ou em dupla. Em alguns textos apresentávamos algumas palavras que deveriam aparecer – essa é uma forma de dar um norte e exigir que estabeleçam relações. Dificulta a fuga do tema e propicia um enriquecimento vocabular. As redações são periódicas, ao menos uma vez por semana.

Apontando que essas palavras estão conectadas aos conteúdos que estamos trabalhando.

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Analisando algumas redações (reproduzido na íntegra):

Aluno: V. W (602)

Cade a segurança?

Hoje andar em Itaboraí esta muito dificil, falta segurança e asfalto. O máximo a onde eu posso ir é

no quintal porque na rua a ladrão, estrupador e etc. Até para ir na escola é dificil. Na ida e na volta ,

andar de bicicleta é dificil. O asfalto não chega, estamos cansados de esperar para onde vai o

dinheiro do IPTU, onde disvinham o dinheiro que damos, do que adianta votar senão adianta nada?

Aluno: C. A . (602)

A Violência em Itaboraí

A violência em Itaboraí cada dia aumenta mais e mais,em Itaboraí você pode ver a violência em

todos os lugares. Exemplos: Na escola, nas ruas, etc. Tem muita gente que não sai de casa porque

tem medo da violência. Mas, em Itaboraí você não ve sempre só violência, porque não tem só

pessoas ruins, também tem pessoas boas. Não existe só violência contra as pessoas, também existe

violência contra animais e violência contra a natureza.

Aluno:M. B. (602)

A Violência na Cidade de Itaboraí

A cidade de Itaboraí está crescendo muito com a chegada do Comperj, por isso a violência irá

crescer. Também com a chega da do Comperj irá crescer a poluição dos rios, e lagos. E irá aumentar

a quantidade de lixo no nosso município. Também vai aumentar o número das lojas e mercados,

farmácias, concessionárias, lojas de marca.

Aluno: V. M. (602)

Meu Bairro

Meu bairro sofre muitas coisas, tipo falta de asfalto e outras coisas como segurança. O preveito (ler

prefeito) não cumpre seus deveres como preveito para que temos preveitos e vereadores se eles não

fazem nada. Eles só querem fotos (ler votos) mais quando eles consegue fotos , eles só enrolam e

não cumpri os direitos dos sidadãos que precisam das coisas.

Imagem 15- Os Debates

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Após as redações – discutíamos os temas e para isso alterávamos a posição da cardeira em grande círculo (geografia da sala de aula) ou em círculos menores -temáticos: de acordo com as propostas das redações;

O tema violência é sempre polêmico- emergem questões morais e ética que precisam ser trabalhadas como preconceito social e racial.

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Muitos alunos apontam a violência atrelada a sua dimensão espacial, apresentam não apenas

a violência , mas outros problemas. A dificuldade em articular e escrever é um problema real e sério

que dificulta a interpretação e as reflexões dos alunos. Apontam em seus textos a dimensão política

e social, como o medo nos deslocamentos diários. E possíveis impactos com a instalação do

Comperj na cidade de Itaboraí. Uma linguagem simples, relações básicas que exigem bastante

esforço por parte dos alunos. Principalmente, num contexto marcado pela falta de bibliotecas

públicas e até a biblioteca escolar carece de um acervo infanto-juvenil. Na nossa escola a biblioteca

se aproxima de um estoque de livros didáticos. Além da carência de acervos, não podemos ignorar

o incipiente contato com livros, jornais e revista em casa.

Solicitamos aos alunos que levassem letras de músicas ou poesias que tratassem de

problemas ambientais e / ou sociais e percebemos que a música facilitou muito a comunicação – a

escolha da música deveria se acompanhada de pelo menos um parágrafo que a relacionasse aos

temas debatidos em sala de aula. Uma das músicas levadas foi Cidadão de Lucio Barbosa, após

recolher as músicas e poesias levadas pelos alunos, trabalhei com toda a turma a música Cidadão

questionando: O que acharam da música? Por que o operário foi tão discriminado? Vocês acham

que ele era mesmo ladrão?

Em sua grande maioria, os alunos apontaram que era uma música triste. Sinalizaram que

discriminar uma pessoa por ser pobre é algo muito injusto. Alguns chegaram a apontar situações em

que viveram algo parecido, seja sendo revistado em suas ruas pela polícia ou perseguido por

guardas em lojas de departamentos. Vimos que esse operário foi essencial para a construção do

edifício e da escola, mas que mesmo tendo trabalhado nesses locais a sua entrada e de sua filha não

eram permitidas. Trabalhar músicas e poesias não é uma tarefa fácil pelo uso da linguagem figurada

e pela necessidade de entender as entrelinhas, mas de uma forma geral os alunos destacaram e

relacionaram o preconceito à desigualdade social.

Música: Cidadão

Tá vendo aquele edifício moço?Ajudei a levantarFoi um tempo de afliçãoEram quatro conduçãoDuas pra ir, duas pra voltarHoje depois dele prontoolho pra cima e fico tontoMas me chega um cidadãoe me diz desconfiado, tu tá aí admiradoou tá querendo roubar?

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Meu domingo tá perdidovou pra casa entristecidoDá vontade de beberE pra aumentar o meu tédioeu nem posso olhar pro prédioque eu ajudei a fazerTá vendo aquele colégio moço?Eu também trabalhei láLá eu quase me arrebentoPus a massa fiz cimentoAjudei a rebocarMinha filha inocentevem pra mim toda contentePai vou me matricularMas me diz um cidadãoCriança de pé no chãoaqui não pode estudarEsta dor doeu mais fortepor que que eu deixei o norteeu me pus a me dizerLá a seca castigava mas o pouco que eu plantavatinha direito a colherTá vendo aquela igreja moço?Onde o padre diz amémPus o sino e o badaloEnchi minha mão de caloLá eu trabalhei tambémLá sim valeu a penaTem quermesse, tem novenae o padre me deixa entrarFoi lá que Cristo me disseRapaz deixe de tolicenão se deixe amedrontarFui eu quem criou a terraenchi o rio fiz a serraNão deixei nada faltarHoje o homem criou asase na maioria das casasEu também não posso entrarFui eu quem criou a terraenchi o rio fiz a serraNão deixei nada faltarHoje o homem criou asase na maioria das casasEu também não posso entrar

Após a leitura da música e do debate, os alunos construíram um texto utilizando como

palavras chaves : respeito, igualdade, condições de vida, política, corrupção, reivindicação, direitos,

deveres, cidadão, paisagem, trabalho e transformações. Não era necessário utilizar todas as

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palavras, mas no mínimo deveriam escrever dez linhas e adotar seis palavras em suas redações. As

redações são excelentes instrumentos no diagnóstico da compreensão ou não do conteúdo

trabalhado. Foi possível identificar que os alunos entenderam que a paisagem é transformada e

construída pelos seres humanos por meio do trabalho, mas nem todos entenderam que há uma

diferenciação nesse poder de transformação – nas relações de trabalho. Das 40 redações analisadas,

32 utilizaram a palavra corrupção atrelada a falta de infraestrutura dos bairros. Ou seja, os desvios

das verbas implicam nas péssimas condições das ruas – esgoto sem tratamento, lixo em terrenos

baldios e falta de iluminação pública.

O desrespeito sofrido pelo trabalhador na música aparece nos textos dos alunos como

racismo e / ou preconceito social – apontaram diversos exemplos em seus textos e a questão

religiosa sobressaiu, uma vez que ressaltam que todas as pessoas são iguais para Deus. Dessas

redações e das discussões sobre corrupção , preconceito e desigualdade -surgiu a proposta de

elaborarmos a barraca da cidadania na festa junina, a fim de que os alunos tivessem um espaço para

apontar as melhoras necessárias em sua escola.

4.3-A Barraca da Cidadania

A barraca da cidadania partiu dos alunos após uma discussão sobre o espaço – a relação

entre forma, função, estrutura e processo. Vimos que cada objeto tem uma função e daí um

questionamento surgiu sobre a função das escolas nos dias atuais. Essa questão emergiu pelo fato de

que em toda aula levamos quase 20 minutos para criar um ambiente onde os alunos sentassem e

estivessem dispostos a participar.

Os alunos apontaram as precárias condições da escola e que não tinham estímulos para estar

ali. Iam a escola pois eram obrigados pela família e que a função da escola era educá-los. Durante a

discussão, uma aluna passou avisando sobre ensaio para a festa junina - a quadrilha. E a ideia surgiu

de uma aluna que nem pode ir a festa por questões religiosas – festa de Santo -São João. Como

temos muitos alunos evangélicos – alguns que ficaram e abraçaram a ideia não puderam estar

presentes.

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Imagem 16- Organizando a Festa Imagem 17- As Solicitações

Produzimos os cartazes a partir das redações dos alunos sobre a escola dos sonhos.

Apontaram a necessidade de elementos básicos como: sabonete, papel higiênico e porta para os

banheiros. Ficou mais fácil compreender os motivos que os desmotivavam estar ali naquela escola

fria e sem graça. Torna-se necessário não excluir outras questões externas às salas de aula –

questões familiares e econômicas – como os alunos que trabalham e chegam cansados. Muitos dos

professores ainda não tinham entrado no banheiro e após verem os cartazes na festa começaram a

atentar para estas questões. Outros ficaram receosos sobre o que diretor poderia achar daqueles

cartazes expostos em plena festa junina.

Os cartazes foram além da escola e os alunos mais uma vez ajudaram muito, tanto na

ornamentação da festa, como ficaram recolhendo a opinião dos colegas sobre o que deveria mudar

na escola. Além das questões estruturais da escola, os alunos apontaram a necessidade de

participação mais ativa nas decisões – por exemplo, nos conselhos de classe. Neste evento, foi

possível perceber que algumas mudanças estavam acontecendo e os alunos já não naturalizavam e

aceitavam tão passivamente as decisões.

As questões apontadas pelos alunos foram encaminhadas a equipe diretiva, a professora que

desenvolve pesquisa apontou a fala dos alunos durante o conselho de classe. A direção apontou que

algumas das solicitações como as portas dos banheiros já estavam a caminho e que os próprios

alunos haviam quebrado as anteriores. Discutimos em sala de aula, a importância de cuidar da

escola já que é um patrimônio público e pertence a toda a comunidade.

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Imagem 18- Os Cartazes dos Alunos

4.4- Os Eventos Bimestrais

Imagem 19- Os Nossos Encontros

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Discutíamos a importância de não desperdiçar nada já que vivíamos num país e numa cidade marcada pela desigualdade.

Presenciei uma cena bastante chocante. Não nessa festa, mas num café da manhã onde uma aluna deu a outra um sanduíche. Perguntei a que deu o lanche pra amiga, se ela não ficaria com fome ela disse: “Eu quando chegar em casa almoçarei , ela não professora”.

Um dos conteúdos do sexto ano é estudar o urbano – trabalhamos o consumo e a produção de lixo – indo além da culpabilização do indivíduo – reciclar , usar menos copo que são os discursos que permeiam muitas escolas que debatem a questão ambiental sem atingir as questões estruturais da sociedade capitalista.

Os encontros bimestrais eram uma forma de comemorar nossos encontros semanais e também onde podíamos quebrar a rotina das aulas e permitir uma mistura entre os grupos.

Nesses eventos cada um levava alguma bebida e/ou comida, e, conseguimos criar uma cumplicidade ao ponto de um aluno ajudar o outro pra que não houvesse nenhum sentimento de constrangimento. Ou falavam comigo sem hostilizar o colega- essa é uma dimensão fundamental nos dias atuais – romper com o individualismo.

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Já tínhamos assistido ao filme História das Coisas (disponível no you tube -)que ressalta

bem as lógicas que permeiam a sociedade capitalista – o consumo desenfreado, a obsolescência

planejada e a busca constante por recursos a serem explorados nos diferentes cantos do mundo.

Esse vídeo enriqueceu a participação dos alunos como o documentário Ilha das Flores.

Esses eventos criam a possibilidade de aproximação ainda maior com os alunos. Muitos

ficam mais animados / falantes- quebra mesmo a rotina das aulas e altera o comportamento. Alguns

ficam até mais calmos , mais a vontade. Nesses momentos descontraídos, descobríamos os que

trabalhavam ou que estavam passando por alguma situação nova- seja ir morar com avó ou estarem

com algum parente doente. Esses momentos são enriquecedores na dimensão humana e pedagógica.

4.5- Os Olhares dos Alunos

Construímos cartazes a partir dos olhares dos alunos sobre o seu bairro (as fotos que tiraram

em diferentes momentos), focaram bastante nos problemas e foi a partir dessas imagens que

decidimos construir um filme / documentário sobre Itaboraí. O documentário será (a verba chegou

em 2014 e a concepção no ano de 2013 )elaborado em parceria com os professores de história,

buscando compreender a memória dos entrevistados a respeito da cidade.

O questionário (ver apêndice VI) construído em conjunto com os professores de história e

geografia foi aplicado em 2013. Distribuímos cerca de 30 e recebemos apenas 16. Precisa-se

ressaltar que isso foi em dezembro, quase no finalzinho do ano letivo e, realmente, neste período,

foi um grande erro, mas serviu como teste. Iremos reaplicá-lo em 2014.

Apenas um responsável deixou o contato para participar do documentário, e, a questão

sobre o Comperj. dois responsáveis desconheciam o empreendimento e o que será produzido.

106

Page 107: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Podemos suspeitar que os filhos que aplicaram o questionário ajudaram aos pais ou que estão

propagando o nosso trabalho em sala de aula, repassando as informações que estão sendo

adquiridas. De qualquer forma, podemos entender como positivo o envolvimento dos alunos e as

suas falas durante as aulas e a crescente participação dos responsáveis nas atividades propostas.

A Geografia Crítica está engatinhando e enfrenta uma escola sucateada exatamente a fim de

que uma educação crítica não se realize Entendemos que a escola tem um papel fundamental e que

pode atuar como um barreira para o trabalho do professor, sem contar a própria precarização da

nossa profissão. No caso em questão, pode-se perceber que há um esforço para torná-la mais

apropriada e a sua função é encarada nesta unidade na perspectiva emancipatória – permitir ir além,

pois, definitivamente, não queremos perder esses jovens para o crack ou entregá-lo a falta de

esperança e luta.

Muitos avanços ocorreram, estão escrevendo mais, com dificuldade e sempre reclamando.

Realizaram as atividades e perceberam que as coisas podem ser transformadas, principalmente se

fizermos algo. Este ano já começamos a nos articular para montar o grêmio e criar uma mapoteca.

Além de um acervo sobre o município. Nada é impossível de mudar – a frase de Brecht é real e

viva. Ainda em passo lento, mas acreditando que apenas a partir de uma análise mais profunda

sobre a realidade poderemos permitir aos alunos apreendê-la como sujeitos que pretendem

modificá-la.

Por isso, entendemos como ganho os questionamentos, as críticas em relação a escola e a

cidade. O professor que pede para copiar a página do livro: Que sentido faz isso, professora?

Copiar o livro? Professora, por quais motivos não podemos participar do conselho de classe? Vocês

decidem proibir o uso do celular e não nos consultam? Alguns alunos entraram no Facebook do

prefeito para saber o que havia acontecido com os uniformes e perguntar por que não tem papel

higiênico na escola enquanto a prefeitura gasta milhões com shows no carnaval?

As atividades apresentadas são bem simples e não exigem tantos materiais e recursos –

cartolinas, revistas, jornais, lápis de cor, tesoura e cola são elementos básicos que não deveriam

faltar em nenhuma escola. Mas, na escola em estudo, já fora materiais escasso. No entanto, na

gestão atual temos todos disponíveis para o uso dos alunos. As letras de músicas e as poesias foram

incorporadas as discussões e debates pelos próprios alunos – o que na nossa visão só fez crescer a

motivação e envolvimento dos mesmos.

As fotos dos problemas sentidos em seus bairros foram tiradas pelos alunos dos seus

celulares. Essa tecnologia que quase enlouquece o professor durante as aulas, pode ser usada como

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Page 108: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

um aliado, ajudando bastante nas confecções dos murais. As confraternizações contavam com o

apoio não apenas dos alunos,mas de suas famílias e trazia à tona muita sensibilidade e carinho.

Essas atividades foram alguns exemplos de que considerar a realidade dos alunos pode ser

um caminho para alterar a forma que se ensina geografia. As suas falas e participações podem ser a

base para se redesenhar o currículo a partir das demandas da comunidade escolar. Deve-se salientar

que o currículo é além de um norte com os conteúdos a serem trabalhados, mas caracteriza-se como

um campo político - com visões de mundo e perspectiva de sociabilidades.

É dentro desse quadro marcado por intensas transformações relacionadas a chegada do

Comperj e muita carência estrutural que lutamos por uma Geografia que nos possa auxiliar na luta

por uma cidade mais humana. Embora não resida no município, convivo com os alunos e suas

demandas, por isso utilizo a terceira pessoa do plural. Divido com eles o receio de ficar no ponto e

ser assaltada, a demora do coletivo, o sofrimento com as enchentes, e até mesmo, a dor de ter um

aluno morto ou preso ao se envolver com o crime cada vez mais organizado na cidade Essas são

algumas das questões que nos fazem lutar por uma cidade mais justa e administrada não apenas pela

lógica das grandes corporações. Pode parecer um pouco panfletário, mas a situação da cidade e

consequentemente, da nossa escola reflete o descaso público, ou melhor, o foco da sua ação nas

demandas burguesas.

São questões complexas para se trabalhar com crianças e adolescentes que cursam o sexto

ano do ensino fundamental. Além das atividades que apontamos no capítulo 4, trabalhamos com o

livro do escritor e autodidata Júlio Emílio Braz – Zumbi – O Despertar da Liberdade – um livro

que nos possibilita trabalhar um conjunto de conteúdos da Geografia como o urbano, a segregação,

o racismo, o preconceito, a desigualdade social e principalmente, a importância do estudo e do

conhecimento espacial para lutar!

No próximo capítulo, apresentaremos as considerações finais e alguns resultados ao se

trabalhar a geografia escolar a partir da realidade dos alunos e de suas experiencias.

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Page 109: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

5- Considerações Finais

A necessidade de ampliar o horizonte crítico na geografia emerge da necessidade de mudar a

maneira como se ensina tradicionalmente essa disciplina. Lacoste (1988) aponta que a geografia

escolar e os seus livros didáticos se limitam a ensinar sem compreender. Muitos avanços já

ocorreram em relação a superação de um ensino tradicional, mas o caráter híbrido misturando as

diferentes matrizes ainda vive em nossas escolas. Há um movimento de renovação no qual

professores e autores de materiais didáticos estão preocupados em superar esse conhecimento

enfadonho e sem sentido, convocando o aluno como coparticipante do processo de ensino

aprendizagem, tão fundamental quanto o professor.

Ao destacar o caráter híbrido da geografia escolar, não entendemos que exista uma geografia

crítica pura - livre das influencias das demais linhas como a fenomenologia ou o positivismo. O

que destacamos com o caráter híbrido é uma abordagem positivista de uma tema essencialmente

crítico. Logo, o hibridismo pode ser uma estratégia para enfraquecer o movimento que possibilite ao

aluno a desconstrução da pseudoconcreticidade / atingir a essência do fenômeno em estudo.

Assim, pode-se perceber que as propostas de reformulação do ensino de Geografia

apresentam como elemento essencial a necessidade de se considerar o saber e a realidade do aluno

como referencia para o estudo do espaço geográfico. Desse modo, com a participação dos alunos, o

ensino de geografia não ficaria restrito a descrição e enumeração de dados. Ao contrário, propiciaria

ao aluno a compreensão do espaço geográfico na sua concretude e nas suas contradições, levando

em consideração as relações sociais das quais os alunos também participam.

Acreditamos que apreender o espaço geográfico a partir dos alunos, da sua pratica inicial é

uma estrategia fundamental. Através da Pedagogia Histórico – Critica pôde-se entender que os

problemas reais dos alunos devem estar presentes no planejamento do professor de forma a

estimular o envolvimento destes ao processo de aprendizagem. Ao falar sobre a transferência dos

problemas reais dos alunos aos conteúdos da Geografia na escola, destacou-se a necessidade de

criar um ambiente favorável de forma que os alunos se sintam seguros para se colocarem, exporem

suas visões iniciais sobre as temáticas em questão.

Assim, ao se perceberem ouvidos / consultados, os alunos apresentam uma melhora no que

se refere à autoestima, já que estão sendo tratados como iguais e não inferiores - seja ao professor

ou ao conteúdo em estudo. Ou seja, atuam como um sujeito que constitui junto ao professor e ao

conteúdo o processo de aprendizagem. São indispensáveis, essenciais – suas ideias são realmente

fundamentais para o inicio do processo – fase denominada de Prática Social Inicial. E essa impor-

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tância fica clara para os alunos – durante a experiência percebeu-se que muitos alunos passaram a

falar, a se colocar e respeitavam as ideias dos outros, as brincadeiras paralelas foram reduzidas e os

próprios alunos criticavam / questionavam a falta de seriedade durante as discussões. De fato, essa

atitude é uma ganho fundamental se considerarmos as salas de aula de grande parte das escolas pú-

blicas brasileiras e as questões atreladas a indisciplina.

Logo, começou-se a praticar a reflexão articulada com a fala. Traziam depoimentos de

coisas vividas no cotidiano atrelado aos conteúdos sistematizados que estavam sendo trabalhados

durante as aulas. A partir dessa relação, iniciava-se o aprofundamento do conteúdo, partindo das re-

alidades que os alunos apontavam - conflito: conceitos cotidianos e conceitos científicos. Não se

pretende manter os alunos no nível de suas experiências, mas exatamente ao contrário, possibilitar

que através delas, os alunos possam estabelecer relações, explicar e compreender um conjunto de

fenômenos que antes eram visto superficialmente e de forma isolada.

Com o objetivo de propiciar junto aos alunos a compreensão do que esta além do aparente

recorreu-se a um aporte teórico que pudesse subsidiar a prática do professor. Logo, pensa-se que a

relação entre Teoria e Prática atua como Elemento Chave para a Concretização da Aprendizagem. O

que se pretende é demonstrar que trabalhar de forma a construir conhecimentos significativos / con-

cretos não se caracteriza na prática como algo inviável. Desse modo, dialogou-se com autores que

contribuem com elementos que podem ser adotados, adaptados e aprimorados ao longo da nossa

prática diária – como a Pedagogia Histórico – Critica. O que se deseja evidenciar é que desenvol-

ver durantes as aulas de Geografia conhecimentos que apresentem significados aos alunos demanda

entender que o mais simples pode ser muito, considerando a realidade das escolas públicas e as li -

mitações diárias ao trabalho do professor – ao esperar muito, não vemos as mudanças atingidas.

Através de um trabalho com cartolina, revistas, jornais e colas pode-se trabalhar o conceito de tra-

balho a partir da analise das diferentes paisagens. A própria percepção de cidade, o que eles esperam

/ entendem sobre uma cidade digna para se viver.

Todos esses elementos devem ser trabalhados de forma a propiciar aos alunos a prática de

Pensar Além da Aparência, isto é, que possam entender os fenômenos e como estes se encontram

inseridos num TODO maior, complexo, repleto de conexões e contradições. Esta discussão é relati-

vamente recente a Geografia, pois emergiu com mais força a partir da década de 60, quando a Geo-

grafia Analítica não conseguia mais responder as questões através do seu escopo conceitual. Assim,

emerge a Geografia Crítica contribuindo com a inserção da dimensão política a compreensão do es-

paço. Se no pensamento Geográfico as contribuições da Dialética são recentes, na Geografia Esco-

lar, pode ser considerada no máximo incipiente. Há um longo caminho a se trilhar- exige a produção

de materiais didáticos, textos complementares, mapas entre outros elementos que não excluem o

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Page 111: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

uso dos livros didáticos escolhidos pelos professores através dos manuais ofertados à escola pelo

Plano Nacional do Livro Didático. Usar o livro didático é importante (muitas vezes esse é o único

contato do aluno com o mundo da leitura), mas não precisa ser o referencial para todas as aulas.

Permitir que eles tragam ideias é um ponto básico. A questão a ser trabalhada em aula pode surgir

de um texto produzido pelos alunos ou até de uma conversa durante a aula.

Logo, conclui-se que trabalhar uma Geografia Escolar que permita ao aluno viver uma práti-

ca cotidiana mais crítica, menos fetichizada não é uma tarefa fácil, mas possível. Para isso deverá se

desenvolver na escola uma geografia que vá além da simples memorização. Uma vez que se acredi-

ta que é através da possibilidade de alcançar a essência do fenômeno que o aluno poderá transfor-

mar sua realidade e seu entendimento sobre a mesma. Quando os alunos começarem a entender os

conflitos de interesses que existem no interior da sociedade, a função dos diferentes fixos, inclusive

da escola, poderão se colocar e terão mais consciência do que realmente está ocorrendo ao seu re-

dor. Os professores não escutarão de seus alunos que o “mundo sempre foi assim”, “que não tem

jeito”, “que as coisas não podem mudar”. “Que nas escolas públicas só tem burro” ou outras frases

que ressaltam a necessidade de destruir o que Kosik (1975) denomina de pseudoconcreticidade –

superar a visão da sociedade capitalista como algo natural / imutável.

A função do professor de Geografia na escola pública contemporânea vai muito além de en-

sinar os conteúdos geográficos. Pois, o professor pode através de seu trabalho mudar a relação que

seus alunos estabelecem com o mundo. Neste sentido, a Movimentação do Abstrato ao Concreto

é um movimento mais do que Necessário, Urgente!

Bem, alguns leitores podem estar se questionando – como fazer isso com alunos semianalfa-

betos ou analfabetos funcionais? Alunos e alunas com dificuldade na escrita, na fala e na interpreta-

ção de textos – a conquista mais simples deve ser comemorada- ver o aluno que só dormia partici-

par, já é um avanço ou os alunos questionando as atividades proposta- outra conquista. Essa é uma

dificuldade que nós professores precisamos aprender a lidar – cobramos muito de nós mesmo e ain-

da estamos presos a uma concepção um tanto quanto conteudista e quantificável de educação. Não

significa “abrir mão” do conteúdo de Geografia, mas adaptá-lo a partir da realidade e questiona-

mentos dos alunos e alunas.

No presente estudo não cabe apontar as origens históricas ou as possíveis causas dessa pro-

blemática – o sucateamento / abandono da educação pública. No entanto, é sabido que há uma rela-

ção de força tanto a nível local, nacional e internacional – como os Organismos Internacionais que

direcionam as políticas que são aplicadas no interior da escola e refletem diretamente em nossa prá-

tica – aprovação automática, dependência paralela, redução nos investimentos relacionados à educa-

ção, prioridade no que se refere à quantidade – índice de aprovação, número de matrículas para pre-

111

Page 112: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

miar a escola, entre outros. Uma questão essencial sobre o ensino de Geografia é o seu poder eman-

cipatório – talvez uma das explicações para não estarem presentes nas avaliações externas e na

composição de índices que constroem os rankings.

Apple (2002) nos ajuda a compreender que muitas vezes estamos relacionando forças com

ações e instituições de grande “peso” – sejam nacionais ou internacionais – que atuam de forma a

ocultar os efeitos das políticas neoliberais na educação. Se pensarmos esse cenário com as questões

internas da escola, mais a conjuntura de trabalho, não sairemos do lugar. Assim, mesmo que seja de

forma pontual, devemos desenvolver nosso trabalho considerando nossos alunos e nos aproximando

dos companheiros de trabalho que acreditam ainda na função da educação no interior de um cenário

cada vez mais caótico. Não deixando nunca de pensar na Ciência, suas implicações econômicas, so-

ciais e culturais, pois é através de leituras, discussões e pesquisa que poderemos encontrar caminhos

condizentes com a realidade prática que vivemos e possíveis meios de transformações.

Como disse Raul Seixas na música Ouro de Tolo – “Ah! Eu que não me sento no trono de

um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar...” Como

pôde ser percebido ao longo do estudo, acredita-se na possibilidade de mudança no que se refere ao

ensino de Geografia e de uma forma geral, na relação do aluno com o mundo – suas percepções so-

bre o seu entorno e sobre si mesmo – ambas estão relacionadas. Pretendeu-se através da experiência

desenvolvida contribuir para que as mudanças continuem ocorrendo no interior das salas de aula em

todo Brasil, pois só na prática diária dos professores é que esse movimento de renovação poderá se

concretizar.

E além do ganho no campo intelectual, que o aluno possa ter mais orgulho de si próprio, de

seus pais, familiares. Compreendendo que há forças aparentemente “ocultas”, mas que dificultam a

presença dos pais na escola, por exemplo. As dificuldades em compreender a impossibilidade de

realizar determinados cursos tão cobrados pelo mercado de trabalho como (inglês, informática,

entre outros), ou a impossibilidade de acesso lazer, roupas de grife, os permitindo não se abaterem

ou se sentirem inferiores por não possuir determinado produto da moda / da estação.

Para destruir a pseudoconcreticidade, avaliou-se como indispensável, minimamente, enxer-

gar a possibilidade dos nossos alunos a partir de seus horizontes, de seu cotidiano em sua cidade e

em seus bairros. Desmistificar um conjunto de verdades, construídas sobre a base da tradição, que

permitam aos alunos serem mais do que meros consumidores. Deve-se lembrar que existem enor-

mes dificuldades de se trabalhar nos sistemas públicos de educação, mas que por trás desse emara-

nhado de dificuldades e barreiras, existe um conjunto de objetivos políticos, como a precarização da

escola e uma aprendizagem cada vez mais voltada para uma formação restrita / carente de humani-

dades.

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Page 113: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

É dentro desse quadro que podemos destacar que problematizar a práxis social dos alunos

possibilitou um ganho significativo na qualidade da aprendizagem como das próprias aulas de geo-

grafia. O ponto de partida dos encontros semanais foi a busca pelos conceitos cotidianos – a manei-

ra como os alunos entendem / adotam os conceitos e categorias centrais da Geografia pertinentes ao

sexto ano – como os conceitos de lugar, paisagem, urbano, rural, meio ambiente, entre outros. Logo,

trabalhou-se na perspectiva da construção dos conceitos – a partir da realidade e experiencias dos

alunos e alunas.

No capítulo 2- O Pensamento Crítico na Escola - vimos que em muitos momentos, os alu-

nos e alunas utilizam o conceito sem tê-lo apreendido em toda a sua complexidade. É neste cenário

que inicia-se a construção do conceito – levanta-se os conhecimentos inciais, problematiza as ques-

tões a partir de suas visões e as colocamos em cheque através de questões que os permitam ir além,

questionar e/ou ampliar suas próprias perspectivas.

Deve-se considerar que a sua prática social não existe dissociada do espaço e da forma que

os alunos percebem a dimensão espacial. Ou seja, ao trabalhar o conceito de paisagem foi possível

perceber a forte relação com o belo, intocável – “a primeira natureza”. Ao longo das aulas e das dis-

cussões associada ao conceito de trabalho e das análises dos cartazes, os próprios alunos deduziram

que a paisagem é tudo que está ao nosso redor e que nossos sentidos conseguem alcançar, estando

além das florestas e das belas imagens.

A práxis social se desenvolve sobre um espaço permeado pelas contradições que precisam

ser compreendidas pelos alunos afim de que esses possam ir além do imediato. Ao perceber as mu-

danças em suas cidades, que possam atrelá-las a chegada do Comperj e de todos os impactos cumu-

lativos – ampliação do comércio, do valor do aluguel, do número de pessoas na cidade durante a se-

mana , da violência , do fluxo de veículos, entre outros. Que de fato possam compreender as ques-

tões e problemáticas que emergem em sua prática diária como aponta Couto (2009, p. 12);

O movimento que vai das práticas e saberes espaciais à construção dos conceitos geográficos exige o caminho inverso, aquele em que a teoria social do espaço permite compreender melhor e transformar a prática e reconstruir os saberes. A aula constitui-se das duas direções, simultaneamente. A aprendi -zagem de novos conceitos e conteúdos serve a reflexão dos problemas oriundos das práticas sociais /espaciais dos alunos no contexto da produção capitalista do espaço,da unificação e fragmentação dos lugares, do processo de urbanização da vida, da desterritorialização e reterritorialização, enfim dos problemas da universalização perversa.

A reflexão sobre os problemas oriundos do dia a dia dos alunos torna-se essencial para a

superação do natural – a fim de que deixem de ser produtos da história para serem sujeitos. Ao

longo das aulas, evidenciamos uma mudança não apenas nas colocações dos alunos sobre a cidade ,

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Page 114: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

mas sobre a própria escola. Propostas de organização como reuniões para cobrar melhores

condições estruturais partiram de duas turmas do sexto ano, envolvendo mais de 30 alunos. Fizeram

textos, cartazes e reuniões a fim de dar visibilidade aos problemas da comunidade e da escola. Além

da produção textual que melhorou de forma significativa – no conteúdo e na forma – coesão,

argumentação e propostas para as questões apontadas.

Em relação ao envolvimento dos alunos nas atividades, pode-se afirmar que se no primeiro

bimestre 20 alunos das três turmas de sexto ano entregaram as atividades avaliativas a serem feitas

em casa, no segundo bimestre esse número cresceu para 60 alunos. Ainda está longe do ideal, mas

considerando algumas questões como a incipiente cobrança da família por infinitas questões que

não cabem aqui discutir (excesso de trabalho, desestruturação pelo álcool e droga ...), o trabalho

extraescolar, os afazeres domésticos, entre outros atividades – consideramos como um a sinal de

maior interesse e participação por parte dos alunos.

Trabalhar considerando a realidade dos alunos, das suas experiencias e dos problemas

enfrentados pela comunidade escolar realmente apresenta ganhos qualitativos e quantitativos. O

crescimento não foi apenas no número das atividades, mas na qualidade dos textos e das questões

produzidas; a criatividade, as relações estabelecidas e a autonomia para se colocarem nos trabalhos.

Outro fator importante foi a redução no número de alunos que estavam indo para a escola sem

nenhum material- caneta, lápis e caderno. Uma agressão simbólica, pois, deixavam evidente que

não estavam na aula para estudar e participar.

Acreditamos que partir da realidade dos alunos isoladamente não resolverá todos os

problemas que marcam a educação pública na atualidade. Mas, aproximam os alunos, rompe

algumas barreiras (como o distanciamento do conteúdo e a comunicação) e melhora até mesmo o

comportamento , pois ao falar da sua cidade, seu bairro e sua escola percebemos um sentimento de

valorização – autoestima.

A proposta em trabalhar considerando a realidade do aluno e sua vivencia demanda um

tempo que anda escasso em todas as esferas – escolar, acadêmica e pessoal. Já falamos sobre o

aligeiramento do mestrado e a ausência de tempo na própria unidade escolar. Em muitos momentos,

precisamos de um tempo que de fato não existe numa aula com mais de 30 alunos, onde precisamos

manter a turma focada dentro de sua grande diversidade – ao trabalhar música, alguns alunos

adoraram outros já preferiram vídeos, textos, charges. As respostas foram mesmo variadas, daí a

importância em diversificar os recursos e materiais didáticos, atingindo o maior numero possível de

alunos.

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Moreira (2007) destaca que trabalhar um fenômeno em sua dimensão geográfica significa

localizar, distribuir, conectar , mediar a distância , delimitar a extensão. Deve-se considerar o

fenômeno em estudo inserido numa complexa teia de relações inter escalares. Ao considerar todas

as questões enfrentadas por Itaboraí, trabalhar os impactos sociais, ambientais, econômicos e

culturais do Comperj nos auxiliou no desenvolvimento de aulas que permitissem aos alunos

entender a importância do relevo sem limitar a explicação as formas e sua nomenclatura. Estudamos

o ciclo da água e a sua vitalidade para a população. Assim como a importância de tratar os

efluentes.

Todas essas aulas foram marcadas por muita pesquisa, leitura de artigos e com o auxilio de

textos complementares e do livro didático. Além do apoio dos alunos que sinalizavam os novos

canteiros de obras, a abertura de uma estrada, a chegada de indústrias,entre outras mudanças. Além

das falas, traziam músicas, textos e apresentavam questões que em muitas ocasiões, tornaram-se

ponto de nossas aulas -um exemplo foi a questão do “Lixão” que está se transformando em aterro

sanitário – discutimos a questão do consumo – o ser e o ter e o futuro do nosso planeta se

continuarmos a viver apenas para o consumo.

Em algumas aulas, mesmo trabalhando com a realidade e com as poesias / músicas que os

alunos apresentaram senti uma grande frustração. Parecia que não estava conseguindo alcançá-los.

Mas, na semana seguinte ao mudar a ordem ou o próprio tema, as “coisas” melhoravam. A escola

hoje é um grande desafio, tanto para o professor como para o alunos que não entendem em vários

momentos, a sua função (mesmo debatendo a sua importância!). Acreditamos na geografia crítica

que os permitam ir além do que se espera de uma aluno pobre da periferia – que eles possam ir

além!

A verba do filme foi aprovada pelo projeto Mais Cultura - parceria do MEC -Ministério da

Educação como o Ministério da Cultura. Em breve, pois já foi aprovado no Conselho Escolar –

estaremos com oficinas para a construção de roteiros, uso da filmadora e iluminação- pois, a ideia é

que a comunidade produza o filme focando nas memórias dos moradores mais antigos e suas visões

sobre as mudanças que a cidade enfrenta – focando no bairro Ampliação. O embate é político e

esperamos ter contribuído para o movimento de renovação da Geografia Escolar. E que através do

filme, possamos dar visibilidade e voz a sujeitos que carecem de infraestrutura básica (água potável,

saneamento básico, hospital com unidades de tratamento intensivo, pavimentação, entre outras.),

numa cidade que cresce num ritmo acelerado – como apontado anteriormente 1 milhão de

habitantes em 2020.

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6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS

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petroquimico-do-rio-de-janeiro.htm acessado em 28 /03/2014.

DOCUMENTÁRIOS DISPONÍVEIS ON LINE:

Os Impactos Ambientais em Unidades de Conservação – Instituto ECO- Produção Terra

Audiovisual - https://www.youtube.com/watch?v=aUjdHeLn9E4 acessado em 29/03/2014.

Desenvolvimento a Ferro e Fogo- baseado no documento Companhia Siderúrgica do Atlântico :

Impactos e Irregularidades na Zona Oeste do Rio de Janeiro -

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https://www.youtube.com/watch?v=5.

RELATÓRIOS CONSULTADOS:

Análise Preliminar do Impacto do Comperj na Segurança Pública – Emanuelle Silva de Araujo

-ENCE; DoriamBorges- IUPERJ; Andréa Ana do Nascimento-UFRJ e Márcio Alexandre Duarte

-UFRJ. Instituto de Segurança Pública- disponível em:

http://www.isp.rj.gov.br/revista/download/Rev20120306.pdf -acessado em 29/02/2014.

COMPERJ- Potencial de Desenvolvimento Produtivo – Elaboração Técnica – Fundação Getúlio

Vargas , maio de 2008 . Disponível em www. firjan .org.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId

Acessado em 29/03/2014.

Indústria do Petróleo e Conflitos Ambientais na Baía de Guanabara: O Caso do Comperj. Cristiane

Faustino e Fabrina Furtado. Rio de Janeiro, 2013. -DHESCA Brasil.http://www.br.boell.org/web/50-

1543.html acesso em 28/03/2014.

122

Page 123: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

7- APÊNDICES

7.1-Apêndice I - O Comperj e suas Implicações a Cidade de Itaboraí

Fonte: http://www.comperj.com.br/Apresentacao.aspx

O Comperj (O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro)

Pontos Básicos que foram apresentados aos alunos e professores da Escola na Semana do Meio

Ambiente

Investimento de mais de 21 bilhões até a conclusão da obra. Na Unidade de Petróleo Básica – 8

bilhões. Este total encontra-se relacionado ao Auxílio do BNDES e sócios privados;

A Área total do empreendimento corresponderá a 45 milhões de metros quadrados o equivalente a

mais de 6 000 campos de futebol;

Cerca de 330 mil barris por dia; (essa quantidade foi apresentada no RIMA –Relatório de Impacto

Ambiental, mas em entrevistas, a Petrobrás disse que será superior ao estimado).

1,3 toneladas de eteno ao ano; 900 mil toneladas de propeno ao ano;

123

Page 124: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

1.100 litros de água por segundo;

De acordo com estudos da FGV – 700 empresas serão instaladas ao longo do Arco Rodoviário e em

Itaboraí até 2015. O Arco Metropolitano ligará a cidade de Itaboraí ao porto de Itaguaí.

OS IMPACTOS PREVISTOS NO RIMA (Relatório de Impacto Ambiental)

Influências no Trânsito: Na operação – 480 caminhões por dia; 90 ônibus e 80 veículos de passeio

por hora para o transporte de pessoal.

Melhorias na duplicação da BR 493;

De acordo com os estudos a liberação de poluentes na atmosfera seguirá os padrões aceitos pela

FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente.

No entanto os pesquisadores alertam sobre a necessidade de constante vigilância – Gás carbônico,

óxido de enxofre, amônia, metais, ácidos, numerosos compostos orgânicos tóxicos, entre outros.

Afetam o ar, o solo e os recursos hídricos.

Ampliação dos ruídos tanto na fase da construção como no período de operação – POLUIÇÃO

SONORA. O que afeta os seres humanos e aos demais seres vivos;

Geração de resíduos sólidos e líquidos;

De acordo com a fala do presidente do Comperj a meta é priorizar a reciclagem, o reuso e a

recuperação. No entanto, ainda encontra-se em andamento o estudo sobre a área de descarte dos

resíduos líquidos. A população de Maricá conseguiu através da luta não receber o emissário.

Em relação ao uso da água – elemento que falta para a população de Itaboraí. Atendimento precário

de água tratada, inclusive nas escolas do município. Há um questionamento necessário: Não tornará

ainda mais difícil da vida da população?

Na fala do Gerente do Comperj, 'o empreendimento irá atrair a água que falta para o abastecimento

há mais de 20 anos'.

124

Page 125: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

Mas, não há nada certo, ainda encontra-se apenas no papel a proposta da Petrobrás.

ALGUNS PONTOS QUE AJUDAM A ENTENDER A ESCOLHA POR ITABORAÍ:

Disponibilidade de infraestrutura portuária, dutoviária e rodoferroviária para o recebimento da

matéria-prima;

Possibilidade de sinergias com a REDUC e com o Centro de Pesquisa – CENPES – Ilha do Fundão

– 38 km;

Proximidade com os grandes centros urbanos e facilidade de acesso e distribuição às indústrias de

transformação; e

Custo R$ / T/ KM – o envio do óleo bruto até o parque de refino é significativamente inferior ao

valor do envio R$ / T/ KM dos produtos refinados ao mercado consumidor. Principalmente, quando

feito por caminhões tanques.

Atividade desenvolvida após a apresentação:

Que Papel Assumirá a População de Itaboraí?

Oliveira (2009) aponta a necessidade de uma GESTÃO SOCIAL DO TERRITÓRIO:

'… a forma como se administra e se organiza o território sempre foi, mas agora não há mais como esconder, um elemento estratégico para o capital. Por isso, torna-se também um elemento a mais de disputa entre as classes populares e dominantes. Sendo assim, compreender a amplitude da questão e organizar formas de lutar para impor limites ao uso do território e com isso negociar os direitos sociais se tornou parte central de uma estratégia de conquista do controle social do território'.

125

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FONTE: Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_ka5z6Lz5

ARTIGOS E MATERIAIS CONSULTADOS:(para a preparação da apresentação)

Desafios à Gestão Ambiental para a Área de Influencia do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Autores: Ferreira, Serra, Silva e Adiane Oliveira. CEFET CAMPOS, 2007.

Em Defesa do Território: Expansão Metropolitana e Lutas Sociais. Floriano Oliveira, FFP,2009.

O Comperj : Modelo de Desenvolvimento Hegemônico e Contradições no Espaço Local ( Itaboraí, RJ) , Yana Moisés. PUC, 2010.

A Valorização da Terra e a Especulação Imobiliária: As transformações do mercado de terras urbanas em Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá na Nova Conjuntura de Produção Flexível. Oseias Silva. 2008.

ATA produzida na AUDIENCIA PÚBLICA realizada em Itaboraí em 03 de março de 2008.

Sites – Acessos - 10 de maio de 2011:

IBAMA: http://servicos.ibama.gov.br

PREFEITURA DE ITABORAÍ: http://www.itaborai.rj.gov.br/home/index.php

COMPERJ / PETROBRAS: http://www.comperj.com.b r

126

Page 127: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

7.2- Apêndice II – Questionário Construído em conjunto com os Parceiros da Pesquisa

O Meio Ambiente na Cidade de Itaboraí

Olá! Você poderia responder a nossa pesquisa sobre a questão ambiental em Itaboraí? Estamos tentando diagnosticar junto a população dos diferentes bairros os principais problemas enfrentados e sentidos

diariamente pela população e também sua percepção sobre a questão ambiental.

Nome do entrevistado:_________________________________________Idade:______ Sexo: F( ) ou M( )

Local de nascimento (Bairro / Cidade ): _________________________________ Estado civil: ( ) casado ( )

divorciado ( ) viúva ( ) solteiro ( ) união com alguém

1- Qual é a sua visão sobre meio ambiente? (Como entende o meio ambiente)

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

2- Há quanto tempo reside em Itaboraí?

________________________________________________________

3- Percebe muitas mudanças no seu bairro? (cresceu o número de comércios, casas, moradores,

pavimentação, desmatamento da vegetação, exemplos de mudanças).

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

4- O senhor já ouviu falar no COMPERJ? ( ) sim ou ( ) não. Sabe o que é? E onde irá operar suas

atividades?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

5- Você ainda estuda? Ou possui filhos ou netos que estudam nas escolas públicas de Itaboraí? O que acha

das escolas do município? ( ) ótimas ( ) boas ( ) ruins ( ) péssimas

6- O que acha do meio ambiente de Itaboraí, acha que tem muita poluição: ( ) sim ou ( ) não

Quais:________________________________________________________________________________

7- Quais dessas práticas ou carências ocorrem em seu bairro:

( ) lixo jogado em terrenos baldios ( ) queima do lixo ( ) Outros:____________________

( ) esgoto a céu aberto ( ) falta de coleta do lixo diariamente

127

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( ) lixos em valões ( ) carência de abastecimento de água

( ) insegurança ( ) falta de iluminação das vias públicas ( ) falta de área de lazer

8- Em relação ao seu bairro, qual considera o MAIOR PROBLEMA?

_______________________________________________________________________________________

9- Se tivesse o poder, quais as TRÊS MELHORIAS, por ordem de importância, você faria em seu Bairro?

_______________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________

10- De onde vem a sua água?

( ) poço ou nascente ( ) Rede geral de distribuição ( ) outra __________

11- Qual o destino dos detritos de sua casa?

( ) Rede coletora de esgoto ( ) fossa séptica ligada a rede coletora ( ) fossa séptica não ligada a rede

coletora ( ) fossa simples ( ) direto para o rio ( ) vala ( ) outra _______________

12- Qual o destino do lixo de sua casa?

( ) coletado pela prefeitura ( ) queimado ou enterrado ( ) jogado em terreno baldio ( ) jogado no rio

( ) outro

13- Numa escala crescente de 1 a 10, como você classificaria sua satisfação com sua vida

_______________.

14- Numa escala crescente de 1 a 10, como você classificaria sua satisfação com o atendimento à saúde na

cidade de Itaboraí __________.

15- Numa escala crescente de 1 a 10, como você classificaria sua satisfação com o atendimento à coleta de

lixo na cidade de Itaboraí_____.

16- Numa escala crescente de 1 a 10, como você classificaria sua satisfação com o saneamento básico na

cidade de Itaboraí _________.

17- O que acha que deve mudar em sua cidade?

_______________________________________________________________________________________

18- O que mais admira em sua cidade?

_______________________________________________________________________________________

19- Você tem algum ponto que gostaria que fosse inserido em nossa pesquisa?

Agradecemos sua colaboração.____________________________

128

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7.3-Apêndice III– Tabelas Complementares

Tabela 2 – O Elo com a Cidade

O Que Mais Admira em Sua Cidade? (Questão 18) Número de EntrevistadosO Transporte 1A Alegria e a Força do Povo de Itaboraí 1O Esgoto 1O Descaso das Autoridades 1A Paisagem 1As Igrejas Antigas 1As Festas da Cidade 1A sua grande vontade em deixar de ser Rural e se transformar em Urbana 1A sua História 1A Tranquilidade 2As Ruas Quando são Asfaltadas 2A Coleta de Lixo 3O Comercio 4A Natureza 4As Pessoas 5A Praça de Itaboraí 5Nada 11

Fonte: Questionário aplicado pelos alunos aos seus responsáveis.

129

Page 130: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

7.4-APENDICE IV - Conhecendo os Alunos- Primeiro Contato.

E. M. PROMOTOR LUIS CARLOS CAFFAROENSINO FUNDAMENTALPROFª ANA CARLA BARBOSA VIVEIROS

Turma:________

Nome:_______________________________

Olá! Esta atividade pretende fortalecer nossos laços. Por qual motivo? Podem estar se perguntando - ficaremos aproximadamente 10 meses se encontrando semanalmente. Logo, se conhecer torna-se uma tarefa fundamental para que nossos encontros sejam interessantes e proveitosos tanto no sentido do conteúdo geográfico como no humano (respeito, compreensão, solidariedade e uma boa relação).

Leia com atenção as respostas e responda, se preferir, pode desenvolver uma redação baseada nas questões.

Qual o seu nome?

Sua idade?

Mora com quem?

Qual o seu bairro?

Onde estudou antes do CAFFARO (Escola Pública ou Particular)?

Gosta de ler? Você possui livros em casa ou Jornais, Revistas, Quadrinhos, Mangás, entre outras leituras?

Qual a escolaridade e a profissão dos seus responsáveis (pais, avós, tios, padrinhos, entre outros)?

O que gosta de fazer no seu tempo livre?

Você trabalha? O que faz e em que horário?

Qual a matéria que mais gosta na escola? Qual o motivo ou motivos?

Qual a matéria menos gosta? E por qual motivo ou motivos?

Qual o professor ou professora mais te marcou em toda a sua vida escolar? O que ele/ela fazia e como

trabalhava?

o que VOCÊ espera aprender nas aulas de Geografia?

Pra você, qual é a função da escola na realidade que vivemos?

O que espera dos nossos encontros?

O que achou desta atividade?

Será um grande prazer trabalhar com vocês! Para que continue prazeroso não podemos esquecer os três elementos básicos para uma boa relação entre Professora e Aluno (a): RESPEITO, DEDICAÇÃO E

SINCERIDADE de ambas as partes.

Ana Carla Barbosa [email protected]

130

Page 131: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

7.5-APÊNDICE V- ATIVIDADE : CONSTRUINDO O JORNAL

ESCOLA MUNICIPAL PROMOTOR L. CARLOS CAFFAROGEOGRAFIA 2 BIMESTRESEMANA DO MEIO AMBIENTEPROF. ANA CARLA

Nome dos membros do grupo (no máximo 4).

Vocês estão recebendo um material que deve ser lido , debatido e resumido pelo grupo. Ao ler as reportagens observem as fontes e autores usados por quem a escreveu. Pensem em como abordar as questões relacionadas ao meio ambiente de Itaboraí. Questões ambientais como lixo em locais inadequados , queimadas, falta de saneamento básico, carência de áreas de lazer, entre outras questões que vocês considerem importantes:

Roteiro para a construção do Jornal:

1-Pense no tema que o grupo abordará:________________________________________________.2-Qual o nome do Jornal de vocês:___________________________________________________.3-Quais as fontes irão usar?________________________________________________________________________________.4- Ao receber as reportagens, faça um resumo de cada reportagem contendo:

a) O Nome da reportagem consultada?b)O objetivo central da reportagem?c) O que há de comum entre o que você leu nas reportagens e a realidade de Itaboraí?d) Qual a maior questão no que se refere ao meio ambiente de Itaboraí? Por que?e) Quais são os objetivos do grupo? Usarão imagens, tabelas, gráficos? O que pensam em fazer?f) Pegue uma folha de caderno e procure nos sites abaixo informações que ajudem ao grupo a escrever a reportagem. Na sala de informática da escola tem acesso a internet.

Sites para consultas:

1- Tema: Saneamento Básico

http://www.tratabrasil.org.br/?gclid=CLCav7qeh7ACFQaxnQod2WjHlQ

http://www.tratabrasil.org.br/detalhe.php?secao=20

2- Produção de Lixo

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia/2011/04/26/producao-de-lixo-cresce-68-no-brasil.jhtm

http://www.limpabrasil.com/site/a-questao-do-lixo-no-brasil-producao-riscos-e-solucoes/

http://lixo.no.mundo.zip.net/

3- Dados e estatísticas

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic

131

Page 132: a construção de conhecimentos significativos: um horizonte mais ...

7.6-APÊNDICE VI -O QUESTIONÁRIO APLICADO PARA A PRODUÇÃO DO

DOCUMENTÁRIO

Esse questionário será a base para construirmos um filme/documentário sobre a cidade de Itaboraí, suas

memórias e transformações. Sua participação é muito importante e caso queira participar do filme ficaremos

muito felizes. Nossa meta é dar voz aos moradores dessa cidade.

1- Nome do entrevistado:______________________________________________________

2-Data de nascimento:________________________________________________________

3-Local de nascimento:________________________________________________________

4-Qual o seu bairro:___________________________________________________________

5-Até que série você estudou?

( ) Ensino Fundamental ( primário – 1 a 4 série)

( ) Ensino Fundamental (5 a 8 série ) ( ) Ensino Médio

( ) Ensino Superior incompleto

( ) Ensino Superior Completo

( ) Analfabeto ( ) Sabe assinar o nome.

5- Seria possível tirarmos uma foto da sua família ou da rua? ( ) Sim ( ) Não

6- Há quanto tempo reside em Itaboraí ?

( ) Até 5 anos ( ) de 5 a 10 anos ( ) de 10 a 20 anos ( ) de 20 a 40 anos ( ) mais de 40 anos

7- Qual a sua profissão? ______________________________________________________

8-Está trabalhando no momento? ( ) Empregado com carteira assinada ( ) Trabalha por conta própria ( )

Faz alguns serviços temporários (bicos) ( ) Está sem trabalho

9- Quando pensa em sua infância, quais lembranças têm da cidade de Itaboraí?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

10-Como eram as brincadeiras na sua infância? E hoje em dia, como as crianças brincam?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

11- Aconteceram muitas mudanças nos últimos anos em seu bairro?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

132

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12-O senhor (a) sente saudade quando pensa na sua infância? Era muito diferente da infância nos dias de

hoje?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

13- Sabe o que é o Comperj?

( ) Sim ( ) Não

E o que o Comperj produzirá?

14-Acredita que algumas mudanças que ocorreram estão relacionadas a chegada do Comperj?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

15-Em sua opinião, quais são as maiores qualidade de Itaboraí?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

16- Quais seriam os maiores problemas da cidade e do seu bairro?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

Diga livremente 2 palavras que lhe vem à mente quando alguém fala em meio ambiente?

__________________________ e __________________________________.

Diga livremente 2 palavras que lhe vem à mente quando alguém fala em lixo?

__________________________ e __________________________________.

Diga livremente 2 palavras que lhe vem à mente quando alguém fala em saneamento?

_________________________ e __________________________________.

Diga livremente 2 palavras que lhe vem à mente quando alguém fala em preservação ambiental?

__________________________ e __________________________________.

Diga livremente 2 palavras que lhe vem à mente quando alguém fala em cidade justa?

__________________________ e __________________________________.

17- O senhor ou senhora teria interesse em participar de um documentário sobre a cidade de Itaboraí?

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( ) Sim ou ( ) Não. Caso queira pode deixar o telefone para contatos futuros.

18-Se o senhor ou senhora, fosse prefeito ou prefeita por um dia, que ações tomaria para ajudar os moradores

do seu bairro ?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

19-O que pensa a respeito da educação oferecida pela rede municipal de Itaboraí?

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

20- Se você fosse dar uma nota de 0 a 10para a sua felicidade em viver em Itaboraí, qual nota você daria?

_______________________________________________________________________________________

21- Analise as afirmações e diga:

1- discorda totalmente

2-concorda em parte

3- concorda totalmente

4- discorda em parte

Aqui em Itaboraí a violência cresce a um nível assustador ( ).

Itaboraí está crescendo rapidamente e a prefeitura está preparada, pois está investindo em saúde, educação e

serviços públicos ( ).

O sistema de saúde do município não funciona é péssimo / precário ( ).

As escolas precisam urgentemente de reformas e de receberem mais investimentos para um melhor

funcionamento ( ).

O saneamento básico é um problema sério que ainda precisa ser resolvido em Itaboraí ( ).

Um documentário poderia ajudar a dar visibilidade às dificuldades enfrentadas pelas famílias de Itaboraí ( ).

Os políticos de Itaboraí trabalham de forma a lutar pela melhoria da cidade e da qualidade de vida dos seus

moradores ( ).

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8- ANEXOS

8.1-ANEXO - Cadernos de Segurança Pública | Ano 4 ● Número 03 ● Maio de 2012 |

www.isp.rj.gov.br/revista Análise Preliminar do Impacto do COMPERJ na Segurança Pública

[Emanuelle Silva Araújo, Doriam Borges, Andréa Ana do Nascimento, Márcio Alexandre Duarte]

Site: www.isp.rj.gov.br/revista/download/Rev20120306.pdf

“A mesma tendência se dá em relação às taxas de mortes violentas intencionais. Em toda a

última década, Itaboraí tem marcas muito acima das do estado do Rio de Janeiro. Há uma queda em

2001, uma evolução até 2003 e novamente uma queda nos anos posteriores, até 2009. Podemos

verificar nos dados uma realidade bastante diferente daquela percebida no discurso dos

entrevistados da área de segurança pública, em que o município apresenta características de uma

cidade interiorana, com crimes com forte carga cultural, provocados por brigas nos bares da cidade.

Conforme os entrevistados, o crime em Itaboraí estaria sob controle em razão da estratégia de

trabalho da polícia.

De acordo com a Polícia Militar, a carência cultural e de meios de entretenimento é fator

relacionado aos homicídios dolosos. No discurso de um dos entrevistados, as limitadas opções de

diversão da população mais pobre são foco de pequenas brigas e casos mais graves de violência. Os

locais preferidos são biroscas, shows de forró, entre outros. Quando não há policiais militares

nessas festas, ocorrem homicídios, furtos e pequenos conflitos, misturados ao consumo de álcool.

As armas dos crimes são pás, enxadas e foices. Os demais casos de homicídio estão ligados ao

tráfico, mas a dinâmica não é organizada como nas grandes facções criminosas. Os traficantes

locais são também usuários, que vendem a droga para manter o próprio vício.

Segundo os dados oficiais, mais de 50% dos casos de homicídios dolosos são provocados por

projétil de armas de fogo, mesma dinâmica verificada em locais com altos índices de criminalidade.

Os crimes realizados com emprego de arma branca no município também apresentam um número

significativo: aproximadamente 10% dos casos. Isso nos leva a crer que Itaboraí tem dinâmicas de

violência semelhantes às de grandes centros urbanos, mas ainda com resquícios de cidades do

interior.

Quanto à distribuição dos homicídios dolosos segundo o sexo, mais de 65% ocorrem com homens,

enquanto as mulheres apresentam aproximadamente 15%. Essa taxa é muito alta para mulheres que,

em geral, são muito menos vitimizadas com relação a esse crime, e se considerarmos ainda que há

20% de vítimas cujo sexo não foi identificado essa taxa pode ser ainda maior. Esse fato corrobora os

frequentes relatos de violência doméstica nos municípios da área do COMPERJ”.

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8.2-ANEXO- Texto de José Francisco de Melo Neto – ausência de referencia - quando e onde foi

publicado.

PESQUISA-AÇÃO(aspectos práticos da pesquisa-ação nos movimentos sociais populares e em extensão popular)

José Francisco de Melo Neto16

Introdução

Como ´conhecer` uma realidade? E mais: Uma vez ´conhecida`, como realizar uma intervenção nessa realidade? A ação educativa só se justifica como envolvimento da comunidade e sua orientação para as possíveis soluções de problemas comunitários. Uma ação que considere como necessidade a participação das pessoas no processo de mudanças. Contudo, que formas podem ser utilizadas para efetivá-la? Além do mais, essa ação educativa, determinada pelo conhecimento da realidade, não pode ser sinônimo detransferência de conhecimento e sim ato dinâmico e permanente no processo de sua descoberta. Enfim, que metodologia desenvolver para atender às expectativas de participação social de uma dada comunidade?

Tornam-se possíveis descobertas, na realidade local, a partir da ação daqueles que vivem na própria região e com eles implementar o processo de sistematização. Daí, então, pode-se promover ou mesmo apoiar encontros informais na comunidade. Pode-se também procurar descobrir grupos existentes naquela realidade, como grupos de danças folclóricas, professores, sindicatos, associações, pessoas comuns, grupos esportivos, religiosos e coletar dados estatísticos.

De posse dessas informações, a metodologia da pesquisa-ação é uma opção, uma metodologia que estimula a participação das pessoas envolvidas na pesquisa e abre o seu universo de respostas, passando pelas condições de trabalho e vida da comunidade. Buscam-se as explicações dos próprios participantes que se situam, assim, em situação de investigador.

Entretanto, a procura do conhecimento da realidade não é suficiente, visto que outras metodologias também realizam essa tarefa. Na pesquisa-ação, o participante é conduzido à produção do próprio conhecimento e se torna o sujeito dessa produção. Neste aspecto, essa metodologia se distancia das demais e se afirma, constituindo-se como fundamental instrumento de resistência e conquista popular. Trata-se de uma metodologia constituída de ação educativa e que, segundo Oliveira (1981: 19), promove “o conhecimentoda consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos com quem se trabalha”. Uma concepção de pesquisa que Pinto (1979: 456)considera “fundamentalmente como ato de trabalho sobre a realidade objetiva”.E já para Gamboa (1982: 36) a pesquisa-ação “busca superar, essencialmente, a separação entre conhecimento e ação, buscando realizar a prática de conhecer para atuar”.

Nessa perspectiva é que se buscam as bases teóricas da metodologia escolhida e poder promover uma maior fundamentação da mesma, podendo ser resumidas naquelas apresentadas por Borda (1974: 41):

161 Doutor em Educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, daUniversidade Federal da Paraíba. É coordenador do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.

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“Não pode haver separação entre o pesquisador e a metodologia. Se faz necessária a militância do pesquisador já que sem a prática não será possível deduções de cunho teórico ou mesmo a validade ou não do conhecimento”.

Assim como a metodologia não está separada do pesquisador, também não está dos grupos sociais com os quais a pesquisa se realiza. Por outro lado, essa metodologia torna-se passível de adequação para o campo ou a cidade, ou ainda, quando envolve grupos diferenciados como negros, índios, brancos,camponeses ou outros.

A metodologia evolui e se modifica em função das condições políticas locais e também das correlações dessas forças existentes. Se forças sociais adversárias são fortes, não há porque não tratá-las como tal, sem fazer abstrações dessas situações. Defende ainda a estratégia global da mudança social adotada e de suas táticas, a curto e médio prazos. Não se apresenta como enumeração pura e simples de princípios sem referência do processo global de mudança.

Essa metodologia apresenta ainda alguns traços apontados por Hall (1981: 14), sintetizando-os da seguinte forma:

“A informação é devolvida ao povo, de onde a mesma surgiu bem como na linguagem e na forma cultural daquele ambiente; o povo e o movimento de base passam a estabelecer o controle do trabalho; as técnicas de pesquisa tornam-se acessíveis ao povo; um esforço consciente é necessário para manter o ritmo da ação-reflexão do trabalho; aprender a escutar e a ciência tornam-se partes do dia a dia da população”.

Mas, como desenvolver, de forma sistemática, a metodologia da pesquisa-ação? De forma bem objetiva, buscou-se uma resposta com a apresentação dos momentos que seguem: desde a preparação do pesquisador até as técnicas de avaliação da pesquisa.

Desenvolvimento

Preparação do investigador

Esta é a etapa inicial onde se dá o processo de aproximação do Investigador17 com a comunidade escolhida e sua posterior inserção. São então contactados grupos ou instituições, organizações e membros da comunidade, representativos de seus diversos setores sociais. Nesta etapa, inicia-se o conhecimento da comunidade. O investigador observa como ela apresenta seus problemas, tendo como base os dados coletados de fontes faladas, vivas ou sensoriais e as observações sobre a vida diária, bem como dados oficiais da atividade econômica, social e cultural.

Outros dados são coletados nas reuniões de câmara de vereadores, em discursos na comunidade, nas áreas rurais, se for o caso, ou qualquer outros ambientes políticos. As visitas e entrevistas são relatadas em pequenos informes para posterior devolução aos participantes da pesquisa. A devolução acontece durante reunião com participantes daqueles grupos ou pessoas já contactadas na comunidade. Nessa ocasião, expõe-se todo o material coletado, elaborando-se um elenco de necessidades apresentadas. Selecionam-se aqueles problemas mais citados na coleta. A partir daí, inicia-se o estudo de como a comunidade percebe e analisa sua realidade.

Com esta sistematização inicial, efetiva-se o primeiro retorno dos resultados aos grupos ou pessoas 17O conhecimento da cultura da região é condição para o exercício metodológico da pesquisa-ação. Ver os livros Metodologia e experiências em projetos de extensão. Michel Thiollent e outros. Niterói, Eduff, 2000 e Intercultura e movimentos sociais . Reinaldo Matias Fleuri e outros. Florianópolis,: Mover/Nup, 1998.

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que iniciam a investigação. É comum que pessoas não pertencentes a grupos, nesta fase, cheguem a formar grupos, posteriormente. A partir daí, elabora-se um questionário que volta aos que estão presentes nessas reuniões.

O investigador e a comunidade

Para a aplicação do questionário, leva-se em conta o número de domicílios da região. Nesta fase de pesquisa, onde se estabelece maior organização de busca das necessidades e problemas, é definida uma amostra de domicílios, aleatoriamente escolhida. Os questionários são aplicados na amostra domiciliar. Elaborada a amostra, segue-se o treinamento de entrevistadores que deverão ser do próprio ambiente da pesquisa. Alguns critérios são utilizados para a seleção desses entrevistadores como: pertencer a algum dos grupos existentes ou em formação e poder cumprir o calendário das entrevistas. A entrevista dá-se coletivamente com os residentes, nos ambientes de moradia. Procede-se à entrevista nos domicílios selecionados. Os dados coletados saemdo consenso dos que se fazem presentes no momento da entrevista no domicílio.

Sistematização das informações

Concluída a aplicação dos questionários, inicia-se a sistematização dos dados com a finalidade de oferecê-los à reflexão dos grupos. Elabora-se para tal uma codificação das respostas, utilizando-se da computação de dados como instrumento de ajuda neste trabalho. Muitas propostas ou questões levantadas são mantidas, mesmo que quantitativamente pudessem ser desprezíveis. Posteriormente, podem ser devolvidas a todos os envolvidos na investigação. Com base nos resultados encontrados, confeccionam-se fichas problemas contendo dados, juízos, apreciações que são utilizados na devolução do material aos grupos. Um dos grupos existentes encarrega-se da elaboração dessas fichas.

Análise e interpretação dos dados

Busca-se, nesta fase, desenvolver a análise crítica das necessidades e outros aspectos coletados, extraindo-se as dimensões positivas e negativas das questões levantadas, encarando a realidade numa perspectiva de mudança, impulsionando os grupos à reflexão e à ação, desenvolvendo seu poder de organização e intervenção na realidade. O estímulo à reflexão e ao diálogo é o princípio fundamental em todo esse processo.Apresentam-se os resultados da investigação aos grupos já existentes ou criados na comunidade, num primeiro momento. Num segundo momento, através de novas reuniões, estabelece-se uma ordem na prioridade dos problemas (aquele ligado ao grupo de pesquisa). Cada grupo passa a tratar dos temas de seu especial interesse, sem deixar, entretanto, de tomar conhecimento com as demais questões.

Aprofundam-se as análises dos problemas mais expressivos, quantitativamente, em pelo menos uma reunião. Nesse momento, discutem-se as tarefas urgentes a serem encaminhadas. Grupos há que chegam a elaborar documentos contendo propostas, ratificadas ou não, posteriormente, em encontros com os demais grupos. Sendo aprovados, alguns desses documentos, são encaminhados às autoridades competentes do município, através de encontro entre essas autoridades e os grupos. Em seguida, divulga- se o documento à comunidade.

Avaliação

A avaliação deve estar presente no decorrer de todas as etapas do processo, desde os contatos

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iniciais até o final das atividades. Este trabalho também passa pela avaliação global de todo o processo, no que se refere à capacidade dos grupos de responderem aos problemas concretos da vida diária. Finalmente, o documento resultante da pesquisa retorna aos grupos envolvidos no processo. Novas pesquisas podem estar se iniciando.

Considerações

Como visto, não se procedeu qualquer debate epistemológico em torno da questão da produção do conhecimento, ou mesmo, da teoria do conhecimento. O desejo, tão somente, foi mostrar, de forma rápida, a possibilidade técnica de realização de um estilo de pesquisa, que tem, por sua vez, uma forte definição ideológica, voltada à organização dos setores sociais excluídos da sociedade.

Um processo de pesquisa, um modo de pesquisa, que também não busca e nem tem como objetivo qualquer inclusão no modelo de sociedade dominante – a capitalista. O desejo político deste tipo de procedimento metodológico de pesquisa é a busca por um outro estilo de viver, para além da sociedade capitalista e que por esta abordagem investigativa, torna-se possível o encontro com algum outro exercício.Este jeito de pesquisar não substitui o processo de organização necessário aos humanos em busca de sua libertação mesma. A pesquisa-ação torna-se uma ferramenta de ajuda nessa caminhada humana de busca de autonomia, solidariedade, liberdade e de felicidade.

Referências

Borda. Orlando Fals e outros. Causa popular. Ciência popular. Uma metodologia do conhecimento científico através de ação. Publicação de la Rosca: Bogotá, 1972.

Gamboa, Silvio A. S. Análise epistemológica dos métodos na pesquisa educacional: um estudo sobre as dissertações de mestrado em educação da UnB. Brasília: Faculdade de Educação UnB, 1982.

Hall, Budd. L. Participatory research, popular knowledge and power e personal reflection. In: Convergence, XIV no 3, 1981.

Oliveira, Rosiska D. e Oliveira, Miguel D. Pesquisa social e açãoeducativa. In. Carlos Rodrigues Brandão, (org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.

Pinto, Álvaro Vieira. Ciência e existência: Problemas Filosóficos da Pesquisa Científica. 2a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972.

Thiollent, Michel J. M. Crítica metodológica; investigação social e enquete operária. 2a ed. São Paulo: Polis Ltda, 1980.__________. Metodologia da pesquisa-ação na instituição educativa. São Paulo: Cortez Editora. 1985.__________. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1998. Bibliografia complementar

Barbier, René. A pesquisa-ação. Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1985.

Brandão, Carlos Rodrigues (org). Repensando a pesquisa participante. Brasiliense, São Paulo, 1985.

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Carvalho, Maria Cecília M. de (org). Construindo o saber. 2a. ed . Papirus, São Paulo, 1987.

Dialética. José Francisco de Melo Neto (Org.), Geraldo Carneiro e Heleno Cesarino. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002.

Freire, Paulo. Ação cultural para liberdade. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1976.

__________. Pedagogia do oprimido. 7a ed. Rio de Janeiro, paz e Terra, 1979.

Gajardo, Maria. Pesquisa participante na América Latina. Brasiliense, SãoPaulo, 1986.

Gramsci, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 3a ed. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1979.

Holliday, Oscar Jara. Para sistematizar experiências. Editorauniversitária/UFPB. João Pessoa, 1996. Intercultura e movimentos sociais. Reinaldo Matias Fleuri (org).Florianópolis: Mover, NUP, 1998.

Krug, Jorge Gilberto. A mobilização comunitária: presença de seminários de desenvolvimento de comunidade. Cortez, São Paulo, 1982.

Lima, Sandra Amêndola Barbosa. Participação social no cotidiano. Cortez Editora, São Paulo, 1981.

Metodologia da pesquisa educacional. Fazenda, Ivani (org). São Paulo: Cortez, 1991.

Metodologia e experiências em projetos de extensão. Michel Thiollent, Targino de Araújo Filho, Rosa Leonôra Salerno Soares (organizadores). Niterói: Eduff, 2000.

Nascimento, Cláudio. As lutas operárias autônomas e autogestionárias. Centro de Ação Comunitária (CEDAC). Rio de Janeiro, 1986.

Silva e Silva, Maria Ozanira. Refletindo a pesquisa participante. CortezEditora, São Paulo, 1986.

Vásquez, Adolfo Sánchez. Filosofia da praxis. Tradução de Luiz FernandoCardoso, 2a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

Veiga, Isaura da. Educação, movimentos sociais e pesquisa participante. In. Madeira, Felícia Reicher e Mello, Guiomar Namo de (orgs). Educação na América Latina: os modelos teóricos e a realidade social. Cortez, São Paulo,1989.

Fonte: http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/artigos/pa_a_pesquisa_acao.pdf

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