A Construção Da Trajetória Profissional de Um Sociólogo Num Contexto de Precarização Do...

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ENTREVISTA A construção da trajetória profissional de um sociólogo num contexto de precarização do trabalho: entrevista com Didier Demazière * VALÉRIA DE BETTIO MATTOS** Tradução de Anne-Marie Milon Oliveira Didier Demazière (DD) – Eu sou Didier Demazière, sou sociólogo. Eu sou pes- quisador do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) 1 desde... Entrei em 1992, isso faz quase vinte anos agora, e pertenço ao Centre de Sociologie des Organisations (CSO) 2 do Institut d’Études Politiques (IEP) 3 desde janeiro de 2010. Faz um ano agora. Valéria De Bettio Mattos (VM) – Certo. Como foi que você fez a “escolha” da profissão de sociólogo? DD – Como fiz a escolha? Na verdade, não fiz exatamente uma escolha. Fiz a escolha de estudar sociologia, isso é verdade. VM – Foi por isso que fiz o gesto de aspas! 1 Centro Nacional de Pesquisa Científica. 2 Centro de Sociologia das Organizações. 3 Instituto de Estudos Políticos, que forma boa parte da elite francesa. Ele é mais conhecido pelo nome de “Sciences Po” (“Ciências Políticas”). * Entrevista realizada em 9 de fevereiro de 2011, no contexto do projeto de estágio de doutoramento intitulado “Desemprego entre jovens e ampliação da escolarização diante do estreitamento de opções de trabalho” (2010-2011), no Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po/CNRS), com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob supervisão do professor doutor Didier Demazière, presidente da Associação Francesa de Sociologia (AFS). ** Doutora em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Chapecó/SC. E-mail: valeria. mattos@uffs.edu.br. 197 Revista Brasileira de Educação v. 18 n. 52 jan.-mar. 2013

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Valéria De Bettio Mattos

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  • ENTREVISTA

    A construo da trajetria profissional de um socilogo num contexto de

    precarizao do trabalho: entrevista com Didier Demazire*

    Valria De Bettio Mattos**

    Traduo de Anne-Marie Milon Oliveira

    Didier Demazire (DD) Eu sou Didier Demazire, sou socilogo. Eu sou pes-quisador do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS)1 desde... Entrei em 1992, isso faz quase vinte anos agora, e perteno ao Centre de Sociologie des Organisations (CSO)2 do Institut dtudes Politiques (IEP)3 desde janeiro de 2010. Faz um ano agora.

    Valria De Bettio Mattos (VM) Certo. Como foi que voc fez a escolha da profisso de socilogo?

    DD Como fiz a escolha? Na verdade, no fiz exatamente uma escolha. Fiz a escolha de estudar sociologia, isso verdade.

    VM Foi por isso que fiz o gesto de aspas!

    1 Centro Nacional de Pesquisa Cientfica.2 Centro de Sociologia das Organizaes.3 Instituto de Estudos Polticos, que forma boa parte da elite francesa. Ele mais

    conhecido pelo nome de Sciences Po (Cincias Polticas).

    * Entrevista realizada em 9 de fevereiro de 2011, no contexto do projeto de estgio de doutoramento intitulado Desemprego entre jovens e ampliao da escolarizao diante do estreitamento de opes de trabalho (2010-2011), no Institut dtudes Politiques de Paris (Sciences Po/CNRS), com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), sob superviso do professor doutor Didier Demazire, presidente da Associao Francesa de Sociologia (AFS).

    ** Doutora em educao pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Chapec/SC. E-mail: [email protected].

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    DD No ensino mdio, fiquei na linha de especializao4 filosofia e tinha, portanto, muito interesse pela filosofia, mas, ao mesmo tempo, pensava comigo mesmo que a filosofia no iria me levar muito longe profissionalmente. Mas no tinha vontadede estudar cincias naturais ou matemticas. Tampouco queria ensinar, ser professor deensino mdio etc. Adorava histria e talvez gostasse mais disso. Da que li alguns livros de sociologia e de etnologia na biblioteca do colgio e os achei interessantes...

    VM Que idade tinha ento?

    DD Tinha, mais ou menos, 16 anos e decidi fazer inscrio na universidade, em antropologia. Alm disso, morava no norte da Frana, em Lille. Na realidade, na universidade de Lille no havia curso de antropologia, s mestrado. Ento resolvi estudar sociologia. Fiz matrcula no primeiro ano. Mas realmente preferia ter feito antropologia, arqueologia... Era isso que tinha em mente!

    Escolhi a sociologia um pouco por falta de opo; era o que mais se aproximava. E de fato gostei, muito rapidamente, rapidamente mesmo, fiquei apaixonado. At hoje me lembro das primeiras aulas! Lembro-me do curso sobre o suicdio, na so-ciologia, de Durkheim, que adorei. Lembro-me de um curso que tratava do duplo casamento e que foi publicado em artigo, em 1975, na revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales, acho eu. O artigo trazia a observao de um casamento em que o casal era de famlias oriundas de meios sociais muito diferentes. O artigo mostrava como, durante o casamento, as famlias no se misturavam. Uma famlia operria, uma famlia burguesa. Ento, foi desse negcio, dessas observaes que gostei. Foi por isso que me dediquei aos estudos de sociologia. Ento, pronto, terminei o primeiro ano, fiz o segundo ano. Tinha bons resultados. Fiz o terceiro e a partir da continuei, simplesmente.

    Uma vez no mestrado, no quarto ano de universidade fiquei insatisfeito... No da sociologia, mas a nossa universidade era relativamente pequena e queria ter outros professores, outros ensinamentos, outros cursos. Ento, procurei inscrever-me na cole des Hautes tudes em Sciences Sociales (EHESS)5 de Paris, mas era tarde e o prazo de inscrio estava encerrado... Ento, tentei... Me inscrevi na faculdade de direito, na qual fiz um Diplome dtudes Approfondies (DEA),6 ou seja, o quinto ano de cincias polticas. E a eu descobri outras coisas, notadamente, a histria das ideias polticas. Fiz uma monografia sobre os candidatos minoritrios das eleies presidenciais da Frana, isto , os pequenos candidatos que obtinham uma votao

    4 Na Frana, j no ensino mdio, vrias linhas de especializao so oferecidas aos alunos. Na poca citada por Didier Demazire, eram trs: matemticas elementares, cincias experimentais e filosofia.

    5 Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais.6 Diploma de Estudos Aprofundados.

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    excessivamente fraca, numa poca... Acho que era em 1983. Foi dois anos aps as eleies presidenciais de 1981, e eu tinha participado do comit de apoio de Coluche, um humorista francs que tentou se candidatar eleio presidencial.

    Na minha monografia de cincias polticas, centrava meu interesse nos pequenos candidatos desse tipo. Ento, obtive o diploma e no ano seguinte me inscrevi na EHESS, no curso de sociologia. Foi quando fiz um segundo DEA. Depois disso obtive uma bolsa de pesquisa, um financiamento para minha tese de doutorado. Ento, me inscrevi no doutorado e pronto, no me questionei para saber se me tornaria ou no um socilogo. Vamos dizer que isso se fez ao longo dos anos, um diploma atrs do outro.

    VM J funcionava naquela poca a estrutura segundo a qual so trs anos de graduao, mais dois anos de mestrado e trs de doutorado?

    DD Na realidade no era totalmente assim. Havia um diploma ao final de dois anos, chamado Diplme dtudes Universitaires Gnrales (DEUG),7 seguido do terceiro ano. Isso constitua a graduao. O quarto ano era de mestrado. O quinto ano de DEA e a seguir era o doutorado. Bom, digamos que com relao ao que temos agora, era mais complexo porque havia um diploma de segundo ano e um diploma de quarto ano que no existem mais hoje. Agora, o terceiro ano de graduao, o quinto ano de master. Bem, mas, grosso modo, era a mesma coisa. No entanto, com uma diferena no fato de que a maior parte dos estudantes parava no quarto ano, no mestrado; e o DEA, o quinto ano, na realidade, era feito por aqueles que queriam fazer uma tese, porque, naquela poca, cursar um quinto ano no apresentava muito interesse se o objetivo fosse ingressar no mercado de trabalho.

    VM Ou para tornar-se mestre ao final do quarto ano?

    DD Sim, no quarto ano. Mas eu fiz um quinto ano simplesmente porque me interessava. No tinha um projeto profissional em particular e, ento, com o DEA, comecei a lecionar, a assumir turmas de trabalhos dirigidos8 na universidade. Ento, eu ensinava. Trabalhei um pouco em contratos de pesquisa com docentes; eu no fazia coisas muito importantes: entrevistas, trabalho de campo, mas, enfim, parti-cipava de contratos de pesquisa e da defendi minha tese...

    7 Diploma de Estudos Universitrios Gerais.8 Disciplina ministrada por professores assistentes, complementar dos cursos magistrais

    dados pelos catedrticos.

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    VM E eram em Contrat Dure Dtermine (CDD)9 ou Contrat Dure Indtermine (CDI)?10

    DD No, eram CDD, nem sequer eram CDI...

    VM Havia um contrato?

    DD Pagavam 200 horas, sequer era mensalizado ou coisas desse tipo. Recebia, por exemplo, por entrevista realizada, com base numa tarifa preestabelecida.

    VM E que idade tinha na poca?

    DD Tinha 25, 26, 27 anos mais ou menos, e foi um perodo em que no havia recrutamento na universidade, nem no CNRS, porque aps os anos de 1980 a direita voltou ao poder. Mitterrand continuava presidente da Repblica, mas a direita tinha vencido as eleies legislativas, ento, era um governo de direita, num contexto de rigor oramentrio. O rigor j tinha sido estabelecido pelo governo de esquerda em 1983 e os subsdios para a universidade e a pesquisa j tinham sido cortados. Quase no havia mais recrutamento. E os docentes, os professores diziam: no procurem fazer carreira na universidade ou no CNRS. No h cargos, ento, procurem emprego em outro lugar.

    VM Como em todo lugar!

    DD Ento, esse era o contexto e eu, assim que defendi minha tese, obtive um contrato que era um CDD de trs anos no Centre dtudes et de Recherches sur les Qualifications (CEREQ).11

    VM Aqui, em Paris?

    DD Sim, o CEREQ estava em Paris naquele momento. Na verdade, ele se mu-dou um pouco mais tarde para Marselha. Ele estava em Paris; ento, obtive esse contrato e isso me permitiu, por um lado, publicar minha tese no mesmo ano, sob forma de um livro, fazer alguns artigos e tambm lanar um projeto de pesquisa que mais adiante resultou no livro sobre as entrevistas biogrficas. Isso me permitiu, em primeiro lugar, valorizar minha tese, cujo objeto era o desemprego e o modo

    9 Contrato de Durao Determinada, cujo final estipulado desde o incio. 10 Contrato de Durao Indeterminada, ou seja, o final do contrato aberto.11 Centro de Estudos e de Pesquisas sobre as Qualificaes.

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    como os desempregados eram recebidos e acompanhados na Agence Nacional pour lEmploi (ANPE).12

    Estava no CEREQ, mas no queria permanecer l. Apesar de tudo, para mim era uma instituio, um organismo, que fazia mais estudos que pesquisa. No imaginava passar a vida l. Podia recuperar um pouco de margem de manobra para fazer o que queria. E, tambm, era um contrato de trs anos, mesmo que mensalizado etc... Ento, me candidatei ao CNRS assim que pude, e a a mesma coisa: os professores, os docentes universitrios, aos quais era necessrio pedir cartas de apoio, cartas de recomendao, me disseram: pode tentar, mas no deve contar muito com isso. Creio que havia dois cargos para serem preenchidos naquele ano em nvel nacional, e, ento, tive a sorte de obter um deles, de ser recrutado imediatamente, j na primeira vez que me candidatei ao CNRS. Ento, foi isso, um pouco inesperado, mas bom.

    VM s vezes isso acontece!

    DD isso a... E, ento, a partir disso me tornei pesquisador do CNRS e depois pude desenvolver meus trabalhos com muito mais liberdade.

    VM E quando foi, exatamente, que ocorreu seu interesse pelo tema desemprego?

    DD Ocorreu durante minha tese, porque, na verdade, tinha comeado uma tese sobre as cincias sociais e a demanda social. Grosso modo, era: ser que os pesquisadores das cincias sociais so independentes, livres de produzir o que tm vontade de produzir segundo as regras deontolgicas da sua profisso? Ou ser que so obrigados a buscar os contratos que geram financiamentos, colocando-se numa situao de dependncia dos meios dos quais provm a encomenda? E, como resultado, ser que isso reduz ou no sua liberdade de pesquisadores?

    VM Isso foi na poca da orientao do senhor Dubar?

    DD No. Tinha feito meu DEA sob a orientao de Paul Henri Chombart de Lauwe, que estava se aposentando e que no aceitava mais orientandos de douto-

    12 Agncia Nacional para o Emprego. Esta agncia era uma instituio pblica francesa vinculada ao Ministrio da Economia, Indstria e do Emprego, criada em 1967, no governo de Jacques Chirac. Suas atribuies consistiam em centralizar as ofertas e procuras por emprego, realizar estatsticas sobre desempregados em busca de recolocao profissional, por meio da anlise de suas experincias pregressas. Em 2008, a ANPE fundiu-se com a rede dos chamados Associations pour lEmploi dans lIndustrie et le Commerce (ASSEDIC) a fim de formar um servio pblico de procura de emprego nico, tal como ocorre na Alemanha e mais recentemente na Gr-Bretanha. Essa nova instituio chama-se Polo do Emprego (Ple Emploi).

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    rado. Ento, foi de fato sob a orientao do seu sucessor na direo do seu centro de pesquisa, Zdenek Strmiska.

    VM Como? Perdo?

    DD Zdenek era o seu prenome, era um checo, Zdenek Strmiska. Ento, era ele meu orientador de tese e, na realidade, durante a tese, eu... Digamos que tive in-terrogaes, dvidas sobre o interesse que havia em continuar essa tese, sobretudo nesse contexto, enfim... sob sua orientao. E na realidade retomei o contato, por intermdio de algum, com Dubar, e naquele momento, em seu laboratrio, havia um pesquisador que trabalhava a questo do desemprego e estava assoberbado de trabalho e que recebia demandas por parte da ANPE etc. E, ento, Dubar me perguntou se eu queria assumir um dos contratos. Ento, pronto!

    VM Interessante, no ?

    DD Sim. Mas eu no tinha um interesse especial pela questo do desemprego. Eu assumi esse contrato, era um contrato curto e, depois, Dubar ficou satisfeito com o que fiz. Discutimos sobre os artigos que eu poderia fazer com base no relatrio. E a ele me incitou a me candidatar a uma licitao que tinha sido aberta para uma pesquisa um pouco mais importante. Depois, isso se tornou o tema da minha tese. Ento, me candidatei a essa licitao, mas Dubar no quis ser o diretor cientfico do projeto. Ele dizia: todo mundo sabe que no trabalho com a questo do de-semprego, isso no faz sentido, eu sou contra os falsos diretores cientficos. Ento, pronto! Voc ser o responsvel pelo projeto. Mas ele me ajudou a escrev-lo e obtive o financiamento.

    Comecei a desenvolver esse projeto e, no decorrer, Dubar me disse: Olha s,se voc quiser, pode transformar isso numa tese de doutorado. Se fizer questo... sequiser prosseguir com seu tema [anterior], faa sua tese paralelamente, mas, seno, isso pode tornar-se uma tese. Assim, finalmente optei por essa soluo, fiz minha tese sobre o desemprego e depois a publiquei muito rapidamente numa coleoque Dubar dirigia e depois fiz artigos e outros livros. Foi assim queme tornei um especialista sobre o desemprego. Cheguei a esse tema por puro acaso, mas, tambm, isso ocorreu nos anos de 1980, incio dos anos de 1990, num momento em que essa era uma questo da maior importncia na Frana.

    Naquele momento, comeava a existir uma conscincia de que o crescimento do desemprego, que tinha iniciado nos anos de 1970-1980, no estava to perto de terminar, que no havia soluo, que estava se tornando um fenmeno estrutural. Havia um interesse, publicaes, e me beneficiei um pouquinho dessa conjuntura,

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    de certa forma, peculiar. Em consequncia, at mesmo do ponto de vista editorial, no tive dificuldades em propor a editores livros sobre esse assunto. Bom, isso!

    VM Foi naquele momento que vocs desenvolveram juntos o mtodo das en-trevistas biogrficas?

    DD Isso, de fato, o resultado de um projeto de pesquisa que eu havia lanado no CEREQ, sobre jovens que tinham dificuldade de insero; porque eu vinha de pesquisas sobre o desemprego.

    O CEREQ trabalhava a questo da insero profissional desses jovens que saam do sistema escolar francs sem nenhum diploma. Eu tinha constitudo uma equipe dentro do CEREQ e, ao mesmo tempo, com os laboratrios de pesquisa associados ao CEREQ. Isso durou muito tempo, seminrios de anlise para explorar essas entrevis-tas, e, naquele momento, percebemos, eu e Dubar, nos seminrios, que tnhamos muita dificuldade no seio da equipe para chegar a um acordo sobre a anlise das entrevistas, sobre, grosso modo, algo simples, enfim, elementar na pesquisa: quando se pega uma entrevista, como entendemos o que o jovem que interrogamos quer realmente dizer?

    Cada um tinha sua prpria interpretao dos discursos, cada um sua maneira de fato. Ento, refletimos que era preciso escrever algo sobre o mtodo, sobre as maneiras de analisar entrevistas, e no, como dizer?... fazer anlise sem rigor, pro-jetar nossas categorias de pensamento sobre as entrevistas coletadas. E, ento, foi bastante demorado, o tempo necessrio para que chegssemos a essa concluso, o tempo para pensar o que iramos fazer. Discutindo, ns dizamos: pois, isso poderia dar um livro, seria til colocar isso em discusso na comunidade dos socilogos! Ento, tudo isso levou tempo, passaram-se alguns anos nesse processo, at que o livro fosse publicado em 1997.

    VM Como foi formado o grupo de discusso entre voc e o senhor Dubar para desenvolver o mtodo das entrevistas?

    DD De fato, nesse grupo tnhamos um seminrio regular, tentvamos explicitar aos outros pesquisadores a maneira como concebamos a anlise das entrevistas e isso nos levou progressivamente a fazer, em primeiro lugar, um livro. E, depois, ento, publicamos esse livro, que se beneficiou de uma visibilidade bastante intensa e rpida.

    VM Isso era, mais especificamente, um pedido do CEREQ?

    DD Era um trabalho que eu tinha comeado no interior do CEREQ com finan-ciamentos externos. Eu no sei, mas talvez o CEREQ fosse o principal financiador,

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    me parece... Isto , toda a realizao das entrevistas, a montagem dos inquritos etc., creio que isso foi feito com recursos do CEREQ. Em compensao, um livro mais metodolgico no era uma publicao prevista de antemo, foi decidida no decorrer por causa das dificuldades que tnhamos no grupo, para entrar em acordo quanto aos resultados... Quero dizer... como organizvamos a explorao das entrevistas.

    VM Sim, mas era um grupo grande, no era?

    DD Sim, era um grupo de uma dezena de colegas com formaes diferentes...

    VM Diferentes opinies...

    DD isso! E tambm experincias diferentes quanto s entrevistas, e, ento, a gente comentava, mas, de fato, com as entrevistas, se a gente no tiver um pouco de mtodo, de rigor na maneira de analisar, a gente pode fazer com que as entrevistas digam qualquer coisa.

    Com essas reflexes, fomos procurar outros trabalhos, outras pesquisas baseadas em entrevistas. Vimos como os pesquisadores as exploravam, as analisavam. Vimos que... nunca era, ou pelo menos raramente isso era explicitado, e pensamos, para alm do crculo do grupo com o qual trabalhvamos, que havia sem dvida um interesse para a comunidade dos socilogos em um livro que, de certa maneira... no indicasse o bom mtodo, mas, pelo menos, desse argumentos sobre um mtodo, entre outros possveis, e, sobretudo, insistisse no fato de que preciso explicitar o modo como se tratam os dados.

    VM Era uma possibilidade de explicitao?

    DD isso. Exatamente.

    VM Agora uma provocao: reli seu livro, faz pelo menos um ms, e ento... entendi bem sua explicao sobre a proximidade com Roland Barthes e tomei no-tas. Havia, duas ou trs vezes, a seguinte frase: esta aproximao [com a anlise do discurso] foi feita para evitar alguns tipos de anlise de contedo que constituem, s vezes, um tipo de receita mecnica. Em sua opinio, o que quer dizer receita mecnica?

    DD Bom, quer dizer que discutimos, em particular, a anlise proposicional do discurso, que , de fato, uma espcie de receita mecnica, no sentido de que h um certo nmero de regras formais que so aplicadas ao corpus das entrevistas das quais decorrem resultados que talvez fossem mais de programas de computao (softwares)

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    de anlise textual automatizada,13 por exemplo, que vo tambm nesse sentido e, para mim, no me parece que um mtodo ruim, mas preciso reintroduzir reflexividade.

    Em contrapartida, mais recentemente, coordenei um livro sobre os softwares de an-lise textual em que, na introduo, tento defender o fato de que h duas coisas que contam na anlise dos materiais discursivos, como so, por exemplo, as entrevistas. Uma primeira coisa ter um certo nmero de princpios, que no so princpios tcnicos, mas, sim, tericos, e podem ser depois traduzidos em elementos tcnicos, digamos, em operaes elementares.

    Um princpio terico fundamental, por exemplo, dizer, a exemplo de Greimas, que o sentido diferencial. Eis aqui um princpio terico, isto , se algum lhe disse: encontrei uma boa colocao, um bom emprego. Bom, isso no quer dizer nada. Para que se compreenda o que ele quis dizer, preciso identificar que situao, que designada como um bom emprego, comparada pelo indivduo. O que faz com que seja um bom emprego? um bom emprego porque antes eu tinha um emprego que no era da minha profisso ou, ento, um emprego precrio.

    Num caso como no outro, o bom emprego no tem o mesmo sentido, remete ao universo da profisso, dos saberes ou, ento, ao universo da estabilidade, da segu-rana. preciso ter princpios tericos desse tipo e dizer que o sentido diferencial. Isto , por exemplo, um princpio terico da maior importncia. Ento, isso uma primeira coisa. So necessrios alguns princpios como esse, que, no entanto, no fornecem receitas de anlise.

    E a segunda que preciso reflexividade. Isto , preciso que o pesquisador reflita sobre o que ele est fazendo e a melhor maneira de faz-lo no analisar sozinho as entrevistas. Porque sendo dois ou at mais... embora, se forem muitos mais complicado... Acho que o nmero ideal de dois ou trs... isso obriga cada um a explicitar, de fato, o que entende e a argumentar, apoiando-se em dados, para explicar ao outro, o que ele entende.

    VM Caso contrrio, uma anlise subjetiva. Podemos dizer assim?

    DD isso, subjetiva. Isto , eu projeto minha interpretao.

    13 Trata-se de programas que fazem a anlise por meio de contagem das frequncias das palavras e expresses. Ele analisa textos automaticamente e calcula graus de utilizao de grupos de palavras e categorias que uma pessoa usa em variados tipos de textos, como e-mails, discursos, redes sociais, poemas, notcias. Disponvel em: . Acesso em: maio 2011.

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    VM Para voc, a colocao boa e para mim no, ela no boa. isso?

    DD Ou, ento, uma anlise mecnica. Isto , existem receitas como, por exemplo, os softwares, tratamentos por softwares que lhe dizem, pronto! Aqui esto seus resultados de anlise. Como se o pesquisador no produzisse resultados, deixasse isso por conta do software. Ento, preciso ficar entre os dois. bem essa a ideia do livro. A ideia do livro no dizer: pronto! Eis aqui um bom mtodo! Mas dizer, no conjunto dos possveis encaminhamentos: vamos evitar o subjetivismo que consiste em projetar nossas prprias categorias que sequer so categorias sociolgicas, que so categorias subjetivas. Evitemos tambm o tipo de iluso que consiste em dizer: j que existe um software ou um mtodo formal, ento, atingimos uma espcie de verdade de anlise. No se trata de uma operao principalmente tcnica, mesmo se h uma dimenso tcnica. Porm, no principalmente tcnica; ento, essa uma ideia central no livro.

    VM Eu li, notei isso, percebi que uma de suas pesquisas atuais sobre os softwares, isso?

    DD Sobre os softwares? Sobre os softwares livres,14 no ?

    VM E seu interesse comeou l, quando teve esse tipo de inquietao? Ou no necessariamente?

    DD No, meu interesse partiu de algo completamente diferente. Na realidade... Digamos que desde minha tese trabalhei muito, por um lado, sobre as questes de desemprego, de emprego, de insero no mercado de trabalho, em particular pelo ngulo das biografias, com as entrevistas etc. E, em parte, porque fiz coisas sobre a avaliao das polticas pblicas de emprego, mas, enfim, apesar disso, essencialmente pelo ngulo biogrfico.

    E em 2000, mais ou menos naquela poca, 2000 ou 2001, assumi a direo do la-boratrio Printemps, que um laboratrio que tinha como vitrine cientfica, isto , como elemento de especialidade, por um lado, os mtodos de anlise longitudinal, poderia ser dito os mtodos de anlise das carreiras biogrficas, ao mesmo tempo, estatsticos e qualitativos. E, por outro lado, a sociologia das profisses. E eu no estava de jeito nenhum na sociologia das profisses, mesmo que tivesse trabalhado um pouco para os conselheiros da agncia pelo emprego.

    14 Softwares livres so programas de computao utilizados gratuitamente. Geralmente, quando esses programas no so acessados de maneira gratuita, ou seja, so comprados comercialmente, apresentam um custo elevado, o que dificulta a aquisio por pesquisado-res isoladamente. Por isso, so adquiridos em editais das agncias de fomento pesquisa e utilizados por vrios pesquisadores envolvidos em um mesmo laboratrio de pesquisa.

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    Ao assumir a direo do laboratrio, decidi dedicar-me a esse campo da sociologia das profisses. Parecia-me que era algo novo na Frana e era importante jogar essa carta para fazer crescer a reputao desse laboratrio, o seu reconhecimento. Comecei, ento, a me engajar numa srie de trabalhos. De incio, encorajei o de-senvolvimento de trabalhos sobre as profisses no cerne do laboratrio e, pessoal-mente, dei incio a uma srie de trabalhos sobre... diria que sobre as profisses problemticas, isto , no os ofcios bem delimitados, bem objetivados, bem claros, bem estabelecidos, bem reconhecidos, mas as atividades profissionais especializadas que no so bem estabilizadas, no so legitimadas.

    E, nesse quadro, comecei a pesquisar sobre os profissionais que produzem softwares livres. O que me interessava nisso era o fato de que essa atividade de produo era realizada por indivduos autnomos, isto , no remunerados. Comparando com uma atividade profissional habitual, no h contrato de trabalho. Em segundo lugar, esse trabalho de produo est inserido em organizaes atpicas, curiosas, j que elas funcionam com o princpio da recusa de toda hierarquia. Comparando com uma organizao habitual, em que h gestores, uma hierarquia que d ordens, que controla as atividades etc., l, isso no existia. Portanto, isso me interessou por ser um caso-limite, digamos, da atividade profissional, e foi por isso que me interessei sobre esse setor dos softwares livres.

    Em contrapartida, isso me permitiu continuar trabalhando com o mtodo das entrevistas biogrficas sem deixar de desenvolver mtodos etnogrficos um pouco peculiares, j que esses grupos de produo se parecem com analistas de sistemas que esto espalhados geograficamente. Esto presentes nos Estados Unidos, na Hungria, na Blgica, na Frana e, ento, existem questes de coordenao quando se trabalha dessa maneira, de maneira esfacelada, dispersa, quando no se tem chefe, quando no se tem contrato de trabalho, que os compromissos tm por base a condio de autnomo.

    uma questo que me atraa, e me interessava ver como que se pode observar o trabalho individual e coletivo dessas comunidades e, ento, desenvolver mtodos etnogrficos especficos para essa forma de trabalho. isso, por isso que desde en-to... Comecei l meus primeiros trabalhos, penso eu, em 2005 talvez, e desde ento continuei trabalhando nessa questo sem deixar de trabalhar tambm sobre outros assuntos. Digamos, eu trabalho nessa questo numa perspectiva de longa durao.

    VM Certo. Bom, ainda sobre o livro, o que pensa, agora, depois de quase dez anos que o livro foi reeditado, da situao do desemprego entre os jovens. Ela mudou muito? Ela melhorou? Ela cresceu? O que est ocorrendo entre os jovens diplomados e no diplomados?

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  • Valria De Bettio Mattos

    DD Em primeiro lugar, o elemento de estabilidade que os jovens so sempre, desde o fim dos anos de 1970, a categoria etria mais vulnervel ao desemprego. ali que existe desemprego macio, taxas de desemprego mais elevadas que as taxas mdias etc. Isso a primeira coisa. Porque o mecanismo clssico que, quando j se est presente no mercado de trabalho, as possibilidades de ficar desempregado so mais fracas que quando se est fora. E o que caracteriza os jovens que eles saem da escola, qualquer que seja seu nvel de estudo, e procuram um emprego, portanto, eles esto fora.

    Ento, esse fenmeno que desfavorece os jovens constante, e atualmente existe um plano governamental que vai ser lanado... Falaram dele ainda esta semana na Frana, um grande plano que vai ser lanado para justamente fazer do desemprego dos jovens uma grande causa nacional. Mas tambm isso que vimos com bastante regularidade nos ltimos trinta anos. Isso o primeiro ponto. O segundo ponto, que continua sendo um elemento permanente, que a exposio dos jovens ao desem-prego distribuda em razo do nvel dos diplomas. Os que no tm diploma so os que conhecem as mais elevadas taxas de desemprego, e so aqueles que fizeram estudos superiores que conhecem as mais baixas taxas.

    Bom, a hierarquia essa, grosso modo. Essa hierarquia permanece mais ou menos idntica. Agora, se olharmos para a situao, verdade que, nos ltimos quinze anos, o desemprego dos diplomados do ensino superior tendeu a aumentar, parti-cularmente, em certos tipos de formao.

    VM Sim. Vemos esses dados nas pesquisas sobre geraes dos anos de 1998, 2001, 2004 e, agora, a de 2007, do CEREQ.

    DD Absolutamente!

    VM H mestres, doutores e tambm graduados desempregados.

    DD isso mesmo!

    VM Mas isso em todo lugar. A situao a mesma na Frana, na Blgica, no Brasil... por toda parte, em diferentes nveis?!

    DD Mas num contexto em que h uma elevao geral dos nveis de diplomas. preciso ver que o nmero de doutores ou de mestres, que saem do sistema edu-cativo a cada ano, evidentemente muito mais elevado hoje que em 1995 ou 1985. H mais concluintes do sistema escolar com esses diplomas. Isso tem, de fato, efeitos mecnicos sobre o mercado de trabalho, porque a evoluo da estrutura dos empregos independente da estrutura dos diplomados. Ento, os desnveis se

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  • A construo da trajetria profissional de um socilogo num contexto de precarizao do trabalho

    aprofundam. E, ainda por cima, h o crescimento do desemprego, ligado em parte ao aumento do tempo necessrio para encontrar uma insero profissional, e depois, ainda, o sintoma de problemas no mercado de trabalho para os diplomados. Isso um fenmeno mais recente.

    VM Sim, esse o tema que pesquiso!

    DD Sim, eu sei. Exatamente.

    VM Da minha parte, estou terminando a entrevista. Sei que voc pesquisa atual-mente sobre os softwares, sobre os polticos eleitos e tambm sobre os agentes de jogadores de futebol. Imagino que h muita precariedade entre eles... No h? Como trabalham? H regras ou no h?

    DD Bom, l tambm se trata de um caso emprico, digamos daquilo que chamo de profisso problemtica, mas num outro sentido que para os criadores de softwares livres, ou seja, uma profisso muito estigmatizada, desvalorizada, como se os pro-fissionais fossem uma espcie de parasitas que ganham muito dinheiro, um dinheiro com fama de fcil, quando incitam os jogadores a mudar de time. Sem entrar em detalhes, a situao do futebol, vinte anos atrs, era a de que os jogadores faziam carreira com menos mobilidade. Ao longo de sua carreira, os jogadores passavam por dois ou trs times, ou seja, quando entravam num time, ficavam nele por cinco, seis, sete anos. E o fenmeno que mudou que esses perodos so muito mais curtos. Eles permanecem dois, trs anos e vo passar por seis ou sete times ao longo da carreira.

    Os agentes tm como papel, entre outros, negociar as transferncias e aconselhar os jogadores. E, assim, eles foram estigmatizados como sendo responsveis por essa mobilidade cada vez mais intensa dos jogadores. Na realidade, tudo isso se deve a outro fenmeno, que o fato de haver cada vez mais dinheiro no futebol e de os times proporem condies salariais melhores aos jogadores. Ento, se um jogador receber 100 mil euros mensais hoje e se lhe oferecem 350 mil euros em outro lu-gar, com a incitao do agente ou no, so grandes as chances de ele dizer: sim, uma boa oportunidade, no devo perd-la. Porm, uma profisso que tem uma reputao muito ruim.

    Isso o primeiro ponto. O segundo ponto que se trata de uma profisso regula-mentada, porque, para ser agente de jogador, para ter a autorizao de ser agente de jogador e, portanto, representar jogadores nas negociaes de transferncia, preciso ter uma licena que atribuda pelas federaes de futebol. E para obter essa licena preciso ter sido aprovado num exame em que so avaliados, basicamente, os conhecimentos jurdicos: direito trabalhista, direito fiscal, direito comercial etc.

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  • Valria De Bettio Mattos

    Na Frana, a taxa de aprovao baixa, ela flutua anualmente entre 7% e 12%. Isso quer dizer que muito seletivo. Ento, o nmero de agentes na Frana permanece limitado, atualmente so aproximadamente 250 porque no se pode ser agente sem ser aprovado nesse exame. Mas 20 desses 250 so os que gerem em torno de 70% ou 80% das transferncias e so muito ricos. Depois vm os outros, uma grande parte no tem quase atividade, no consegue ter contrato com nenhum jogador. Eles no tm jogadores, eles no conseguem negociar contrato para ningum. E h outra frao que consegue viver, com mais ou menos dificuldade, negociando de vez em quando uma transferncia, procurando sobretudo detectar os jovens jogadores promissores, para acompanh-los na sua carreira. Mas eles raramente negociam transferncias importantes que correspondem ao territrio da minoria, dos grandes agentes.

    Ento, uma profisso muito hierarquizada, com uma situao de quase monoplio, detida por uma pequena minoria que se beneficia com uma rede relacional muito importante no meio futebolstico. Assim, por consequncia, o que condiciona o exerccio da profisso de agente menos o exame e mais o fato de pertencer rede do meio. Um bom jurista que aprovado no exame, se ele no tiver uma boa redesocial no meio futebolstico, no poder exercer sua profisso de agente. isso, uma profisso formalmente regulamentada, porm, regulada completamente por outros princpios. E essa questo das redes sociais no futebol evidentemente, quaisquer que sejam as caractersticas delas, a seguinte: de onde vm?

    Evidentemente, existe toda uma srie de representaes mais ou menos fantasiosas quanto ao fato de que os grandes agentes pertencem a mfias e por a vai. Digo mais ou menos fantasiosas porque verdade que de vez em quando ocorrem es-cndalos, j que h muito dinheiro circulando e, consequentemente, complementos de honorrios sobre os montantes das transferncias so enviados para contas nas Ilhas Cayman etc. E, de vez em quando, ocorrem escndalos desse tipo. Mas, em compensao, a maior parte das transferncias segue circuitos financeiros identi-ficveis e legais.

    Em tal caso, um aspecto da pesquisa tentar compreender como funciona o sistema de transferncias e, sobretudo, identificar como os agentes conseguem constituir e conservar um portflio de jogadores, j que, de fato, para ter sucesso, o agente deve ter um contrato com os jogadores, caso contrrio, ele no pode negociar transfern-cias. E ele precisa ter jogadores que vo custar caro, ento, como isso se faz entre os agentes e os jogadores? uma das dimenses que estudamos neste trabalho; e isso remete a uma articulao entre um mercado profissional, o dos agentes e o mercado de trabalho dos jogadores de futebol.

    VM Muito interessante! E esse tipo de pesquisa feito no CNRS ou na Sciences Po?

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  • A construo da trajetria profissional de um socilogo num contexto de precarizao do trabalho

    DD Na realidade, uma pesquisa que comecei, como as outras, alis, antes de chegar a Sciences Po e com financiamentos que obtive quando eu ainda no estava l. So financiamentos geridos pelo CNRS. Mas, de fato, tenho um contrato, posso escolher entre fazer com que sejam geridos pelo Sciences Po ou pelo CNRS. Mas equivalente.

    VM igual?

    DD igual e, de toda maneira, no que se refere minha assinatura, devo assinar pelo CNRS e tambm pela Sciences Po. Essas so as regras, uma vez que o CNRS meu empregador, sou pago pelo CNRS, mas a Sciences Po o estabelecimento de ensino ao qual o laboratrio, isto , o CSO pertence. Ento, h regras para a assinatura.

    VM E imagino que gosta de futebol. Vejo na sua mesa uma xicarazinha de caf do Bara (Barcelona). Ento, vamos ver o que acontecer logo mais?15

    DD Sim, adoro futebol e sou torcedor, desde garoto, do time de Lille, o LOSC. E atualmente o LOSC lder do campeonato. Mas, para hoje, eu me vesti de verde e amarelo!

    VM Sim, eu percebi, o verde e o amarelo. Isso bom!

    DD Sim, estou completamente de amarelo e verde, mas, hoje noite, vou torcer pela Frana.

    VM Ento, amanh lhe mando um e-mail para dar-lhe os parabns ou os psa-mes. Certo?

    DD Trs a um para o time da Frana

    VM No sei... Bom, isso era tudo o que tinha vontade de lhe perguntar. Tem alguma coisa a acrescentar?

    DD Mais alguma coisa?!

    VM Foi difcil? Foi pesado?

    15 Naquela noite (9 de fevereiro), houve um jogo em Paris entre a Frana e o Brasil. Infelizmente, o resultado foi: Frana 1 x 0 Brasil.

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  • Valria De Bettio Mattos

    DD No. Bom, no foi pesado, no foi duro de jeito nenhum, poderia falar durante horas. No, se voc pensa que obteve as informaes que lhe interessam, isso!

    VM Para mim est bom. Penso que vou fazer a transcrio e depois lhe mando. Obrigada pela sua ateno.

    REFERNCIAS

    Bianchetti, Lucdio; Mattos, Valria. A expanso da educao superiror na Europa: anlise de impactos do Tratado de Bolonha. In: Catani, Afrnio Mendes et al. (Orgs.). A cultura da universidade pblica brasileira. Mercantilizao do conhecimento e certificao em massa. So Paulo: Xam, 2011. p. 65-93. Demazire, Didier. La sociologie du chomage. Paris: La Dcouverte, 1995.

    . Uma abordagem sociolgica sobre a categoria do desemprego. In: Guimares, Nadya Arajo; Hirata, Helena (Orgs.). Desemprego: trajetrias, identidades, mobilizaes. So Paulo: SENAC, 2006a. p. 23-42.

    . Sociologie des chmeurs. Paris: La Dcouverte, 2006b. (Collection Repres).

    .; Dubar, Claude. Lentretien biographique comme outil de lanalyse sociologique. Revue de Sociologie et d Anthropolie (UTINAN). Dynamiques professionnelles et temporalits, Paris, LHarmattan, p. 225-239, 1999.

    . Analyser les entretiens biografiques. Lexemple des rcits dinsertion. 2. ed. Paris: Presses de LUniversit Laval, 2004.Guimares, Nadya Arajo. Desemprego, uma construo social. So Paulo, Paris, Tquio. Belo Horizonte: Argumentum, 2009.

    .; Hirata, Helena (Orgs.). Desemprego: trajetrias, identidades, mobilizaes. So Paulo: SENAC, 2006.

    Recebido em maio de 2011 Aprovado em setembro de 2011

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