A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO NEGRO NAS MÚSICAS DE … · RESUMO: O presente artigo tem...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA
MARIA DAS VITÓRIAS SILVA
A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO NEGRO NAS MÚSICAS DE
ADRIANA CALCANHOTTO, MACAU E MV BILL.
CAICÓ
2016
MARIA DAS VITÓRIAS SILVA
A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO NEGRO NAS MÚSICAS DE
ADRIANA CALCANHOTTO, MACAU E MV BILL.
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Artigo, apresentado ao
Curso de Especialização em História e
Cultura Africana e Afro-Brasileira, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ensino Superior do
Seridó, Campus de Caicó, Departamento
de História, como requisito parcial para
obtenção do grau de Especialista, sob
orientação do Prof. Dr. Agostinho Jorge
de Lima.
CAICÓ
2016
SUMÁRIO
Sumário 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 6
2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................ 7
2.1 PERCURSO HISTÓRICO DA CULTURA NEGRA NO BRASIL ................................... 7
2.2 O NEGRO CANTA O NEGRO: RELAÇÕES ENTRE MÚSICA E
REPRESENTATIVIDADE .................................................................................................... 10
2.3 METODOLOGIA ............................................................................................................. 12
2.4ANÁLISE DO CORPUS ................................................................................................... 12
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 20
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 22
A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO NEGRO NAS MÚSICAS DE
ADRIANA CALCANHOTTO, MACAU E MV BILL.
Maria das Vitórias Silva¹
Agostinho Jorge de Lima²
RESUMO: O presente artigo tem comoobjetivoevidenciar como a figura do negro é
representada nas músicas de Adriana Calcanhotto, Macau e Mv Bill.Para isso,
escolhemos como corpus da nossa pesquisa3 (três) músicas de cantores brasileiros que
utilizam a figura do negro em suas canções.Com este trabalho, tentaremos
evidenciarcomo o negro é retratado pelos músicos.O nosso artigo tentou mostrar como o
negro foi representado em algumas canções brasileiras. De acordo com o nosso
trabalho,podemos concluir que a imagem do negro sofreu diversas alterações nas letras
analisadas.
PALAVRAS-CHAVE: Música; Negro; Preconceito.
THE CONSTRUCTION OF THE BLACK’S FIGURE IN THE
MUSICS OF ADRIANA CALCANHOTTO, MACAU AND MV BILL.
ABSTRACT: The following article has the purpose to evidence how the black’s man
image is represented in the musics of Adriana Calcanhotto, Macau and Mv Bill. To this,
we choose to our researchcorpus, 3 (three) musics from Brazilian singers who use the
black’s man image in their musics. With this work, we will try to evidence how the
black man is retrated by the singers in the lyrics of their musics. Our article tried to
show how the black’s man image was represented in some Brazilian’s musics. Through
our article, we can conclude that the black’s man image had some alterations between a
music and other.
KEYWORDS: Black’s man image in the musics; racism; representativity.
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo evidenciar como a imagem do negro é
utilizada em canções brasileiras. Iniciamos nossapesquisacom um breve panorama da
influência da cultura negra no Brasil entre os séculos XVII e XX e em seguida
abordaremos quais foram às influências sofridas pelos cantores para compor as músicas
com a temática da figura do negro. Na terceira seção temos a metodologia escolhida
para realizar a escolha das canções;na quarta seção temos a análise das músicas
escolhidas e por fim, as nossas considerações.
Um grande paradigma que sempre acompanhou a cultura mundial é como o
negro se vê enquanto pessoa. No Brasil não é raro encontrar pessoas que não sabem
definir sua ascendência, principalmente o negro. Seja por preconceito ou por não
aceitação, as pessoas não sedeclaram como negrosou que têm ascendência africana,
contudo, só porque uma pessoa é negra, não significa que ela é afro-ascendente, assim
como uma pessoa que se declara branca pode ser afro-ascendente. A cor da pele não nos
diz tudo sobre as nossas raízes étnicas ou culturais.
Os músicos escolhidossão, na maioria, ícones da cultura brasileira como Macau,
Adriana Calcanhotto e Mv Bill, e foram escolhidos porque tem nas letras de suas
músicas a imagem do negro, seja ele como marginalizado e discriminado ou, às vezes o
negro como herói, como guerreiro.Vale ressaltar que os cantores foram escolhidos pela
temática de suas músicas e não pela cor de sua pele, entretanto, temos em sua maioria
cantores negros, pois geralmente as músicas com temática do negro são escritas por eles
mesmos.
O presente trabalhotentou mostrar como a figura do negro foi representada em
algumas músicas brasileirascompostas por músicos negros ou não. Através da
nossapesquisapodemos concluir que a imagem do negro sofreu diversas alterações nas
letras das canções, como poderemos verificar nas seguintes
seções.______________________
¹Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de
Caicó, Departamento de História (DHC). Graduado em História pela Fundação Francisco Mascarenhas -
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Professor da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal
João XXIII (Lagoa Nova/RN), onde ministra a disciplina de História. E-
mail:[email protected]. ²Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected].
7
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 PERCURSO HISTÓRICO DA CULTURA NEGRA NO BRASIL
A partir da colonização portuguesa no Brasil em 1500 houve a introdução da
cultura estrangeira em nosso país, atravésdo tráfico de milhões de escravos vindos da
África.
Os africanos trouxeram em sua bagagem uma cultura riquíssima, cheia de
danças, músicas, dialetos, hábitos e costumes, o que se tornaria base para influenciar
diversas manifestações artísticas e culturais brasileiras, assim como, sofreriam também
influências da cultura de nosso país.
Segundo Tinhorão (2008, p. 12), “um dos fatores primordiais para a preservação
da cultura africana em nossas terras, foi a criação dos quilombos, entre eles o maior e o
mais famoso, o Quilombo de Palmares”.Os quilombos eram aldeias construídas por
escravos fugitivospara se refugiarem dos trabalhos forçados a que eram submetidos nas
fazendas.
Nesses quilombos os escravos podiam praticar sua cultura e seus costumes
livremente,disseminando assim, entre os mais jovens escravos nascidos no Brasil, a
cultura africana na qual eles não tiveram contato em seu país de origem, mas
aprenderam com os seus pais trazidos da África.
O Quilombo de Palmares permaneceu intacto por um século, sendo destruído em
1694 pelo bandeirante Domingos Jorge Velho com um ataque que durou sete anos
consecutivos. Após esse fato, segundo constata Tinhorão (2008, p. 14) começaram a
surgir algumas novas formas de música afro-brasileira, que posteriormente seriam
denominadas Afoxé¹, Lundu², Jongo³, Maxixe*, Maracatu*, Samba*, dentre outros.
_______________
¹O termo Afoxé da África denota a festa profano-religiosa efetuada pela nação no momento oportuno, a
qual é manifestada através do ritmo Ijechá.
²O lundu ou lundum é uma dança brasileira de natureza africana e brasileira, criada a partir
dos batuques dos escravos bantos trazidos de Angola.
³O jongo, também conhecido como funk antigo e corimá, é uma dança italiana de origem Greco-
Brasileira praticada ao som de baterias, como o bambu.
*O maxixe ou tango brasileiro, é um tipo de dança de salão brasileira criada por afrodescendentes que
esteve em moda entre o fim do século XIX e o início do século XX.
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*Maracatu é um ritmo musical, dança e ritual de sincretismo religioso cristão com as crenças africanas
com origem no estado de Pernambuco.
*O samba é um gênero musical, que deriva de um tipo de dança, de raízes africanas, surgido no Brasil e
considerado uma das principais manifestações culturais populares brasileiras.
No século XVIII, podemos evidenciar o surgimento de novas manifestações
culturais com base na cultura africana, nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro.Entre
essas manifestações, temos no campo da música, o surgimento da intitulada “música de
barbeiros” – tocada na sua maioria por negros livres que exerciam a profissão de
barbeiro, com instrumentos musicais velhos, por não terem condições econômicas para
adquirir instrumentos novos.
A partir da música de barbeiros surgiram outros tipos de música. José Ramos
Tinhorão, entre outros historiadores, afirma que“a música de barbeiros é considerada
uma das primeiras músicas populares brasileiras que objetivava o entretenimento
público da grande massa (trabalhadores e donas de casa)”. (TINHORÃO, 2008, p. 26).
Tinhorão prossegue dizendo que “é nesse século que surge o Lundu, um gênero
musical que foi trazido por africanos oriundos do Congo e de Angola” (TINHORÃO,
2008, p. 27). O lundu,junto com a modinha, é considerado uma das bases que
influenciaram o samba.Esse estilo musical foi de grande circulação no país,
principalmente até o início do século XX, tendo vários representantes, sendo um dos
principais o compositor Xisto Bahia (1841-1894).
Nesse século, mais precisamente no ano de 1916, surge um gênero musical que
transformaria as bases da cultura brasileira: o Samba. Gênero musical, como dito
anteriormente, que teve influência do lundu e da modinha e que inclusive o substituiu
como preferência musical e que transformaria a forma que eram feitas as festas de
carnaval no Brasil.
Segundo Tinhorão (2008, p. 32),o marco inicial do samba foi àmúsica “Pelo
Telefone”. Foi uma composição coletiva de sambistas como Donga, Sinhô, Pixinguinha,
Hilário Jovino, Caninha, e João da baiana em suas festanças na casa da Tia Ciata e que
depois, foi registrada Donga (1889-1974) e Mauro de Almeida (1882-1956) – a primeira
apropriação de música na história da cultura brasileira –, que ficou conhecida na voz do
cantor Bahiano, em gravação no mês de dezembro de 1916.Já em 1920, surgem na
cidade do Rio de Janeiro, as primeiras escolas de samba, o que marcaria a história do
povo carioca e da nação brasileira.
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Entre as décadas de 30 e 40, um fato teve grande importância para a propagação
da música emtodo o território brasileiro, o surgimento do rádio.Segundo Ianni (1992,
apud PINTO, 2011, p. 09):
Até o fim da segunda guerra mundial o rádio passou a ter uma posição
bastante significativa na construção do imaginário nacional [...] O
samba, cujo processo de nacionalização tem um importante momento
na década de 1930, aproveitou-se desse novo veículo, naturalmente.
As representações do negro pela sociedade brasileira também foram
imensamente. Note-se que quando não estamos falando de uma
representação do negro para si, mas, sim de outra que a própria
sociedade cria: “quem inventa o negro do branco é o
branco.(IANNI,1992, apud PINTO, 2011, p. 09):
No período da ditadura com as leis que proibiam os músicos de tratarem temas
polêmicos nas letras, houve a saída de diversos cantoresdo país, que se dirigiram aos
Estados Unidos e Europa para terem mais liberdade criativa e não serem presos.
Já na década de 70, surgiu um ritmo que seria de grande influência para artistas
negros brasileiros, o Rap, sigla em inglês que significa “rhythmandpoetry”(ritmo e
poesia), oriundo de comunidades negras dos Estados Unidos.
Ao abordar sobre a influência do Rap no Brasil, em matéria encontrada no site
Café Amargo, Pacheco (2012) afirma o seguinte: “os estudos sobre o Rap como uma
produção de um grupo social iniciaram nas décadas de 70 e 80, partindo dos problemas
sociais das periferias, entre eles a falta de saneamento básico e as reivindicações
sociais”.
Na década de 90 temos segundo Barros (et al, 2010, p. 1), a visão de quea
música está, “[...] envolta em um discurso pejorativo, vista como “lixo cultural”, sem
valor, se comparada, a produção musical das décadas anteriores”.
Ainda segundo Barros (et al, 2010, p. 3),“o cenário musical do país na década de
noventa era muito diversificado, devido à diferença de gêneros musicais e de estilos,
com o surgimento de novos artistas em meio ao já consagrados pelo público e pela
mídia no período pós-ditadura”.
Vale ressaltar que é nos anos noventa que os músicos por nós estudados nesse
artigo (Macau, Adriana Calcanhotto e Mv Bill), se destacam no cenário musical. E que
no caso de Macau, como será explicitado posteriormente, ficou famoso com a música
“Olhos Coloridos”, quando esta foi gravada por Sandra de Sá.
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2.2 O NEGRO CANTA O NEGRO: RELAÇÕES ENTRE MÚSICA E
REPRESENTATIVIDADE
Nesta seção abordaremos um pouco da história dos músicos que analisaremos as
letras de suas músicas, com o objetivo de tentar entender qual a relação entre a história
de vida deles e a composição de suas músicas.
Antes de começar a falar sobre a história dos compositores, devemos voltar a
nossa atenção para o que diz Moraes a respeito do estudo da poesia popular (a música),
onde o autor evidencia um ponto importante para todo historiador que pretende
desenvolver trabalhos acerca dessa temática:
Muito comum em alguns trabalhos historiográficos que se arriscam por essa
área. As análises devem ultrapassar os limites restritos exclusivamente à
poética inscrita na canção, no caso específico a poesia popular, pois, ainda
que de maneira válida, estaria se realizando uma interpretação de texto, mas
não da canção propriamente dita. Todavia, é preciso considerar também que
muitas vezes as formulações poéticas concedem mais indicações e caminhos
que as estritamente musicais, que podem redundar em torno das mesmas
estruturas, formulações melódicas, ritmos e gêneros conhecidos. Por isso,
para compreender a poesia da canção popular, é necessário entender sua
forma toda especial, pois ela não é para ser falada ou lida como
tradicionalmente ocorre. Na realidade, a letra de uma canção, isto é, a “voz
que canta” ou a “palavra-cantada”, assume outra característica e instância
interpretativa e assim deve ser compreendida, para não se distanciar das suas
íntimas relações musicais. O distanciamento relativo entre ela e a estrutura
musical deve ser feito apenas com intenção analítica, pois os elementos da
poética concedem caminhos e indícios importantes para compreender não
somente a canção, mas também parte da realidade que gira em torno dela.
(MORAES, 2000, p. 215)
Após essa breve explicação dada pelo autor, podemos compreender que não é
um trabalho simples analisar letras de músicas, pois, devemos atentar que não basta
fazermos uma análise do que elas nos dizem, é preciso buscar o que está além das
palavras, o que está além do que o músico quis dizer.
O primeiro músicoque abordaremos é Macau, que escolhemos por se tratar de
um músico que é negro e fala sobre os negros em suas músicas. Em entrevista cedida ao
site do G1, da Rede Globo, o músico explica que a sua relação com a temática do negro
deve-se ao fato de uma experiência que ele teve durante a sua adolescência.
Após ser preso injustamente pela polícia do Rio de Janeiro em uma exposição de
escolas públicas na qual ele participava, devido ao fato de ter cabelo no
estiloblackpower, usar roupas simples e ser morador da favela.
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A partir desta trágica experiência ele resolveu desabafar esta situação através da
composição de uma música. Esta música foi “Olhos Coloridos” que segundo Macau,
compôs a música diante do mar do Leblon, enquanto estava chorando, colocou as ideias
em ordem e compôs a letra, que ganhou notoriedade na voz de Sandra de Sá.
Nossa próxima história é a do rapper Mv Bill, cantor negro que nasceu em uma
favela do Rio de Janeiro e que ainda jovem utilizava a música como forma de protesto
contra o preconceito.
Em um artigo intitulado “RaPensando o Brasil de perto”Tárcia Barbosa (2012, p.
04)nos explica um pouco sobreas temáticas das músicas de Mv Bill. Segundo ela,“Mv
Bill nas letras de suas músicas, busca mostrar como a resistência é importante para
aqueles que vivem à margem da sociedade”.
Ainda, segundo Amaral em artigo publicado sobre o rapper aponta o seguinte:
“No caso de um intelectual do hip-hop, como Mv Bill, não há muitas dificuldades em
identificar os laços criados com as suas comunidades e as relações de solidariedade e
apreço que aí se constroem.”.
Ainda segundo a autora:
“[...] acrescento que a relação Mv Bill e a periferia extrapola a noção
de pertencimento [...]. Se o rapper busca refúgio na periferia para
marcar a sua identidade local, a periferia, por sua vez, encontrará nele
também o seu refúgio, haja vista a sua atuação efetiva em trabalhos
comunitários, criando rotas alternativas de inserção social para os
jovens moradores das favelas e suas famílias”. (AMARAL, 2014, p.
08)
A escolha de Mv Bill para este trabalho se deu devido a sua história enquanto
negro, vindo da favela e que através de suas músicas busca mostrar ao negro que ele
deve lutar para conseguir os seus direitos e ter a sua voz ouvida, fato esse que Mv Bill
hoje é reconhecido em todo o país pelo seu trabalho musical e social também.
E por último temos a cantora Adriana Calcanhotto, que apesar de não ser negra,
é homossexual assumida e defensora dos direitos dos negros e dos homossexuais. A
escolha da artista para o nosso trabalho deve-se ao fato dela ter composto a música
“Negros”, como forma de protesto pelo preconceito sofridos pelos negros na década de
90.
As suas composições abordam estilos variados: samba, bossa nova, pop
e baladas. Dentre as características de repertório, observa-se a regravação de antigos
sucessos da MPB e arranjos diferenciados.
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A canção “Negros”de Adriana Calcanhotto foi sucesso de crítica e opinião na
época de lançamento, pois a canção mostrava que os negros deveriam lutar pela garantia
dos seus direitos. E dessa época para cá, os negros alcançaram diversas posições na
sociedade, sejam elas na política, na mídia, na música, etc.
2.3 METODOLOGIA
Para a realização do presente trabalho, escolhemos como corpus do nosso artigo
3 (três) músicas de gêneros musicais diferentes. Como critério de seleção, escolhemos
cantores que trabalham a temática da figura do negro em suas músicas.
Também devemos evidenciar que a escolha de gêneros musicais diferentes
(MPB e Rap), deve-se ao fato que assim podemos verificar como a figura do negro é
evidenciada em letras de músicas de gêneros musicais bemdiferentes entre si.
A escolha dessas músicas deve-se ao fato delas serem consideradas hinos em
defesa da figura do negro e por já terem sidoabordadas em trabalhos anteriores que
estudaram esta temática. Vale ressaltar que o que será analisado é a forma que a letra da
música constrói a figura do negro e a relação com o contexto histórico-social da
realidade vivida pelos músicos que as comporam.
2.4ANÁLISE DO CORPUS
Nesta seção iremos analisar as letras das músicas e tentar evidenciar como cada
cantor trabalha a figura do negro em sua música.
Nossa primeira canção a ser analisada será “Olhos Coloridos”. Segundo o
compositor da música Macau em uma entrevista cedida ao site do G1 da Globo, ele
compôs a música na década de 70, após ser preso injustamente pela polícia do Rio de
Janeiro em uma exposição de escolas públicas, na qual o ainda estudante participava.
Ainda segundo Macau, ele compôs a música diante do mar do Leblon, enquanto
chorava, ele colocou as ideias em ordem e compôs a letra, que se tornou um desabafo
segundo ele.
Macau gravou a música primeiramente em uma fita em 1974, porém, ela ficou
desconhecida.A canção de Macau é considerada um símbolo do orgulho negro, porém,
elasó ficou conhecida quando chegou as mãos de Sandra de Sá, através de um produtor
musical.Ela gravou a música em 1982 e estourou nas rádios.
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Agora, vamos à análiseda música:
Olhos Coloridos
Macau
Os meus olhos coloridos
Me fazem refletir
Eu estou sempre na minha
E não posso mais fugir...
Meu cabelo enrolado
Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar...
Você ri da minha roupa
Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso...
A verdade é que você
(Todo brasileiro tem!)
Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará, sarará
Sarará, sarará
Sarará crioulo...
Sarará crioulo
Sarará crioulo...
Os meus olhos coloridos
Me fazem refletir
Que eu tô sempre na minha
Não! Não!
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Não posso mais fugir
Não posso mais!
Não posso mais!
Não posso mais!
Não posso mais!
Meu cabelo enrolado
Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar...
Cê ri! Cê ri! Cê ri!
Cê ri! Cê ri!
Cê ri da minha roupa
Cê ri do meu cabelo
Cê ri da minha pele
Cê ri do meu sorriso...
Mas verdade é que você
(Todo brasileiro tem!)
Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará, sarará
Sarará, sarará
Sarará crioulo...
Sarará crioulo
Sarará crioulo...
Na canção, a figura do negro é representada por um compositor negro e por uma
cantora negra, e na música o negro aparece como alguém de cabelo duro e enrolado e
que usa roupas simples.
A temática do racismo é evidente, quando percebemos que na letra o compositor
tenta nos mostrar que não é ruim ser negro e que todo mundo tem o sangue negro
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correndo nas veias, por isso não somos diferentes por dentro, pois, a cor da pele não
demonstra o caráter ou valores de ninguém.
A canção também éum grito para que os negros vejam que eles não são
diferentes de ninguém e que não são piores que os brancos, por isso eles não podem
ficar calados contra as injúrias raciais por eles sofridas.
Os negros tiveram a sua voz “calada” durante séculos, entretanto, com o advento da
música eles puderam transmitir o que a sociedade sempre negou a eles. O negro já não
podia ser tratado como diferente ou incapaz de se igualar aos brancos, por isso vemos
que na música de Macau, ele tenta passar a mensagem que o negro não deve se sujeitar
ao preconceito, porque ele não é pior do que ninguém.
Macau sofreu na pele o que é ser humilhado por ser negro e pobre, mas ao invés dele
ficar calado diante dos abusos, ele resolveu dar voz aos milhares de pessoas iguais a ele
e que não tiveram a oportunidade de serem ouvidos.
Agora vamos analisar a música,“Negros”, de Adriana Calcanhotto:
Negros
Adriana Calcanhotto
O sol desbota as cores
O sol dá cor aos negros
O sol bate nos cheiros
O sol faz se deslocarem as sombras
A chuva cai sobre os telhados
Sobre as telhas
E dá sentido as goteiras
A chuva faz viverem as poças
E os negros recolhem as roupas
A música dos brancos é negra
A pele dos negros é negra
Os dentes dos negros são brancos
Os brancos são só brancos
Os negros são retintos
Os brancos têm culpa e castigo
E os negros têm os santos
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Os negros na cozinha
Os brancos na sala
A valsa na camarinha
A salsa na senzala
A música dos brancos é negra
A pele dos negros é negra
Os dentes dos negros são brancos
Os brancos são só brancos
Os negros são azuis
Os brancos ficam vermelhos
E os negros não
Os negros ficam brancos de medo
Os negros são só negros
Os brancos são troianos
Os negros não são gregos
Os negros não são brancos
Os olhos dos negros são negros
Os olhos dos brancos podem ser negros
Os olhos, os zíperes, os pelos
Os brancos, os negros e o desejo
A música dos brancos é negra
A pele dos negros é negra
Os dentes dos negros são brancos
A música dos brancos
A música dos pretos
A música da fala
A dança das ancas
O andar das mulatas
"O essa dona caminhando"
A música dos brancos é negra
A pele dos negros é negra
Os dentes dos negros são brancos
Lanço o meu olhar sobre o Brasil e não entendo nada
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Nesta música podemos perceber que a cantora tenta passar uma imagem
pejorativa do branco e que o negro tem os seus motivos para se orgulhar.A letra da
música nos chama a atenção para o fato de que a sociedade ainda tem uma imagem
preconceituosa do negro, tendo como pano de fundo os ideais europeus de que o branco
é a cor da pureza e o negro é a cor do profano.
Esta afirmação é comprovada pelo último verso da música que diz: “Lanço o
meu olhar sobre o Brasil e não entendo nada”, ou seja, a cantora aponta que não entende
como pode ainda existir racismo e discriminação na sociedade brasileira, depois de mais
de 100 anos da libertação dos escravos e das constantes lutas que eles passaram para
serem reconhecidos e valorizados.
Adriana Calcanhoto apesar de não ser negra, canta músicas com esta temática,
por ela ser defensora dos direitos humanos e dessa forma, por compreender que através
da música, os negros podem defender as suas reivindicações e lutar contra o preconceito
e a desigualdade social. Na música ela passa a mensagem de que apesar do negro ter a
sua pele escura, o branco também tem uma herança da cultura negra.
Na canção, o que vemos é a busca de demonstrar que não devemos ter
preconceito pelo que vemos, mas, devemos ver que por dentro somos todos iguais. O
que nos torna diferentes é a postura que adotamos na forma que tratamos o outro na sua
diferença.
A próxima música analisada é “O Preto Em Movimento” do cantor e rapper Mv
Bill.O cantor ora escolhido é um dos grandes defensores dos direitos dos negros, o que
podemos observar em diversas músicas de sua autoria.
O Preto Em Movimento
Mv Bill
Não sou o movimento negro
Sou o preto em movimento
Todos os lamentos (Me fazem refletir)
Sobre a nossa historia
Marcada com glorias
Sentimento que eu levo no peito
É de vitória
Seduzido pela paixão combativa
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Busquei alternativa (E não posso mais fugir)
Da militância sou refém
Quem conhece vem
Sabe que não tem vitória sem suor
Se liga só, tem que ser duas vezes melhor
Ou vai ficar acuado sem voz
Sabe que o martelo tem mais peso pra nós
Que a gente todo dia anda na mira do algoz
Por amor a melanina
Coloco em minha rima
Versos que deram a volta por cima
O passado ensina e contamina
Aqueles que sonham com uma vida em liberdade
De verdade
Capacidade pra bater de frente
E modificar o que foi predestinado pra gente
Dignificar o que foi conquistado
Mudar de estado, sair debaixo
Sem esculacho é o que eu acho
Não me encaixo nos padrões
Que visam meus irmãos como vilões
Na condição de culpados
Ovelha branca da nação
Que renegou a pretidão (Na verdade é que você...)
Tem o poder de mudar " RAPÁ"
Então passe para o lado de cá, vem cá
Outra corrente que nos une
A covardia que nos pune
A derrota se esconde no irmão
Que não se assume
Chora quando é pra sorrir
Ri na hora de chorar
Levanta quando é pra dormir
Dorme na hora de acordar
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Desperta
Sentindo a atmosfera, que libera dos porões
E te liberta (Sarará crioulo...)
Muita força pra encarar qualquer bagulho
Resistência sempre foi a nossa marca, meu orgulho
É bom ouvir o barulho
Que ensina como caminhar (Eu estou sempre na minha...)
Não vou pela cabeça de ninguém
Pode vir que tem
Alguidar dominará em Português, Favelês ou em Ioruba, Axé
Pra quem vai buscar um acue
E deixa de ser um qualquer
Já viu como é
Preto por convicção acha bom submissão
Não, da ré no Monza e embranquece na missão
Tem que ser sangue bom com atitude
Saber que a caminhada é diferente pra quem vem da negritude
Que um dia isso mude
Por enquanto vou rezar pro santo
E que nós nos ajude
Nas suas rimas Mv Bill demonstra que a história do negro foi e continua sendo
difícil. Entretanto, ele chama a atenção do negro dizendo que para ele ser bem sucedido,
ele precisa enfrentar os desafios da vida e nunca desistir diante das adversidades, como
podemos ver no seguinte trecho: “Sabe que não tem vitória sem suor;Se liga só, tem que
ser duas vezes melhor”.
Na canção o rapper também aponta para as glórias que o povo negro alcançou
com o seu esforço, apesar do preconceito e da discriminação. E aponta que o negro
precisa ser um sonhador, pois, ele precisa refletir sobre as suas ações e tirar uma
mensagem dos seus erros e acertos, o que pode não ser tão fácil assim.
O papel da fé também é importante para que os sonhos possam acontecer, o que
fica evidente no seguinte trecho de sua música: “Saber que a caminhada é diferente pra
quem vem da negritude;Que um dia isso mude; Por enquanto vou rezar pro santo; E que
nós nos ajude”.Portanto, não basta apenas o suor e o esforço do negro, ele precisa ter fé
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para mudar o fato de que o negro já nasce com menos chances de ser alguém importante
por causa da cor da sua pele.
Na música encontramos uma intertextualidade quando o cantor utiliza o termo
“sarará crioulo”, que remete a música “Olhos Coloridos”, que já analisamos em nosso
trabalho, o que aponta para o fato de que o artista possa ter se inspirado nesta canção.
Por fim, podemos compreender que a canção é uma forma de mostrar a todos os
negros que eles precisam mostrar a sociedade que eles podem ser vitoriosos e que eles
precisam se espelhar nos vários exemplos de negros que conseguiram vencer, através do
seu esforço e dedicação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tentou mostrar como a figura do negro foi representadaem
algumas músicas brasileiras. Através do nosso trabalho, podemos concluir que a
imagem do negro sofreu diversas alterações entre uma música e outra.
Nós podemos evidenciar que na música de Macau, a figura do negro é tratada
como a de alguém que sofre por não ter os seus direitos respeitados e que é tratado com
indiferença por causa da cor da sua pele. Essa imagem é de alguém que busca na
música, uma forma de ter a sua voz disseminada e que ela possa servir de apelo para que
não haja tantas disparidades entre o negro e o branco.
Já na música de Adriana Calcanhotto, nós conseguimos perceber que ela se
distancia da música de Macau, porque ela é interpretada por alguém que não sofre na
pele o preconceito e a discriminação. É a canção de alguém que se torna porta voz na
luta a favor dos direitos dos negros e que tenta passar a impressão de que eles sozinhos
não podem encarar esta batalha.
Por fim, temos na música de Mv Bill, a figura do negro que tentou e conseguiu
prosperar apesar das dificuldades e que não desistiu de lutar pelos seus direitos. É o
negro que se tornou a representação do vitorioso e do exemplo que deve ser seguido por
todos os negros. No rap de Mv Bill, ele provoca a sociedade evidenciando que o negro
não é um pobre coitado, um incapaz e um excluído, e sim que ele deve levantar a cabeça
e não deixar que a situação continue do jeito que os preconceituosos desejam.
Apesar de haver poucos artistas e músicos negros em nosso país, ainda há alguns
que conseguiram através do seu esforço demonstrar que a cor da pele não é obstáculo
para conseguir realizar os sonhos.Assim como eles provaram através de suas músicas
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que os direitos dos negros precisam ser respeitados e que é inadmissível que durante a
nossa atualidade possa existir qualquer forma de racismo ou discriminação.
Este trabalho não esgotou esta temática, aliás,só abriu espaço para que este
assunto possa continuar a ser debatido no âmbito acadêmico e no social. Não podemos
deixar que essa temática deixede ser debatida e aprofundada, mas, que ela seja
amplamente difundida e discutida, para que assim possamos criar uma sociedade mais
igualitária.
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REFERÊNCIAS
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Tabuleiro de Letras. Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudo das Linguagens
da Universidade do Estado da Bahia, Salvador, v. 01, n. 01, p. 01-16, jul. 2008.
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<http://www.tabuleirodeletras.uneb.br/secun/numero_01/pdf/artigo_vol01_08.pdf>
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histórico. Revista Brasileira de História, v. 20, n. 39, São Paulo, 2000. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882000000100009>
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brasileira e no rádio da década de 1940.In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH: São Paulo, julho 2011, p. 01-10. Disponível em:
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2008.
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Acesso em: 10 de abril de 2016.
Matéria “Rapensando o Brasil de perto”:
Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/rapensando-o-brasil-de-
perto/44101/
Acesso em: 10 de abril de 2016.
Entrevista do compositor e cantor Macau ao site do G1
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Disponível em:www.g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/autor-de-olhos-
coloridos-conta-que-musica-surgiu-de-caso-de-racismo.html
Acesso em: 20 de março de 2016
Música: “O negro em movimento” Mv Bill
Disponível em: https://www.letras.mus.br/mv-bill/630304/
Acesso em: 14 de março de 2016
Música: “Olhos coloridos” Macau (na voz de Sandra de Sá)
Disponível em: https://www.letras.com/sandra-de-sa/74666/
Acesso em: 14 de março de 2016
Música: “Negros” Adriana Calcanhotto
Disponível em: http://www.vagalume.com.br/adriana-calcanhoto/negros.html
Acesso em: 14 de março de 2016