A Comuna de Oaxaca: dois anos depois

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Entrevista com Sandra Romero 11 Que balanço político pode ser feito da experiencia da Comuna de Oaxaca para hoje? A grande luta vivida em Oaxaca durante o ano de 2006 foi um processo complexo que em meio à permanente repressão estatal, policial e paramilitar, demonstrou sua força diante dos meios de comunicação, de analistas e de setores populares no México e em outros países. O professorado, representado pela seção 22 do Sindicato Nacional de Professores de Educação, conquistou a enorme simpatia da população, que através de suas demandas trabalhistas e sociais, rapidamente mostrou sua disposição unindo forças sob o nome e representação da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO). Este foi o prelúdio do maciço processo que se converteu no fenômeno de vanguarda mais importante e combativo, para a história recente do México. Foi um fenômeno onde a APPO conseguiu aglutinar e representar as necessidades mais sentidas da população e unificá-los no repúdio ao governador e na reivindicação pelo julgamento popular do seu governo antidemocrático. O governo do estado comandado por Ulises Ruiz (URO), originado de uma descarada fraude eleitoral em sua chegada ao poder, escandalosamente enriquecido com a construção de obras públicas, cujas licitações apareciam em nome de sua familia - e isto em um dos estados mais pobres do país (na época, a esposa do governador Ulises Ruiz, em nome de sua família, construiu na Cidade do México, um enorme hospital privado de alta tecnologia, especializado no atendimento à mulher, avaliado em milhões de dólares) - , sem disposição de resolver as demandas do movimento, não poupou recursos materiais e policiais para derrotar a luta desde o início, no velho estílo priísta [PRI, partido de direita, NT]; fez ouvidos surdos, lançou mão de difamações, violações aos direitos humanos contra o povo e as mulheres, além de prisão para dirigentes e ativistas. Desde o início, logo depois de deflagrada a geve dos professores, começou a forte repressão, com assassinatos e disparos de armas de fogo dos policiais 1 Sandra Romero, graduada em jornalismo pela Universidad Autônoma de México (UNAM) é trabalhadora da mídia. municipais contra professores e ativistas. Desafiando toda a relação de forças, acuado por manifestações e barrricadas, o governador se negou a reconhecer a APPO e estabelecer com ela uma mesa de negociações; pelo contrário, promoveu a absurda iniciativa, que não prosperou, de criminalizar as marchas e plantões; a tal ponto chegou a prepotência do governo! Em meados de 2006, o governador contratou comandos policialescos na figura de ex-militares com treinamento kaibil (paramilitares guatemaltecos, treinados para acabar com a guerrilha através de métodos especialmente sádicos e cruéis), da mesma forma que liberou presidiários criminosos desde que se lançassem pela cidade atacando os ativistas impunemente. Mas a APPO já tinha a experiência da repressão sistemática que marca a história da luta popular em nosso país, e soube encarar esta luta sustentando mais de 200 barricadas populares no centro do estado, agrupando nelas professores, jovens, estudantes, donas de casa, trabalhadores, indígenas e camponeses, demonstrando enorme disposição e heroísmo; sobre este aspecto existem inúmeros testemunhos. A população do estado conseguiu reagrupar-se e politizar-se rapidamente e tratou de divulgar aos lugares mais remotos a verdadeira causa da luta, através de informações boca a boca por toda a serra oaxaquenha – comunidades que tradicionalmente funcionam por meio de assembléias para a tomada de decisões comunais. Conseguiu fazer isso, apesar da enorme campanha de difamação através dos meios de comunicação que passavam a imagem de um organismo minoritário, caótico, conflitivo e violento. Este salto na consciência do povo pobre se expressou na ocupação de edifícios governamentais e rádios, utilizados para difundir a luta, conformando embrionariamente um duplo poder, já que o governador abandonou – com seus funcionários – o centro de Oaxaca, deixado-o sob o controle da APPO, e esta instalou controle territorial e político daquela região mais central da cidade. Em meio à massificação do processo, deu- se a participação da mulher, que hoje ocupa um lugar muito importante na história da APPO. O surgimento da Coordenadora das Mulheres de Oaxaca (COMO) teve Entrevista A Comuna de Oaxaca dois anos depois

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Entrevista com Sandra Romero11

Que balanço político pode ser feito da experiencia da Comuna de Oaxaca para hoje?

A grande luta vivida em Oaxaca durante o ano de 2006 foi um processo complexo que em meio à permanente repressão estatal, policial e paramilitar, demonstrou sua força diante dos meios de comunicação, de analistas e de setores populares no México e em outros países.

O professorado, representado pela seção 22 do Sindicato Nacional de Professores de Educação, conquistou a enorme simpatia da população, que através de suas demandas trabalhistas e sociais, rapidamente mostrou sua disposição unindo forças sob o nome e representação da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO). Este foi o prelúdio do maciço processo que se converteu no fenômeno de vanguarda mais importante e combativo, para a história recente do México. Foi um fenômeno onde a APPO conseguiu aglutinar e representar as necessidades mais sentidas da população e unificá-los no repúdio ao governador e na reivindicação pelo julgamento popular do seu governo antidemocrático.

O governo do estado comandado por Ulises Ruiz (URO), originado de uma descarada fraude eleitoral em sua chegada ao poder, escandalosamente enriquecido com a construção de obras públicas, cujas licitações apareciam em nome de sua familia - e isto em um dos estados mais pobres do país (na época, a esposa do governador Ulises Ruiz, em nome de sua família, construiu na Cidade do México, um enorme hospital privado de alta tecnologia, especializado no atendimento à mulher, avaliado em milhões de dólares) -, sem disposição de resolver as demandas do movimento, não poupou recursos materiais e policiais para derrotar a luta desde o início, no velho estílo priísta [PRI, partido de direita, NT]; fez ouvidos surdos, lançou mão de difamações, violações aos direitos humanos contra o povo e as mulheres, além de prisão para dirigentes e ativistas. Desde o início, logo depois de deflagrada a geve dos professores, começou a forte repressão, com assassinatos e disparos de armas de fogo dos policiais

1 Sandra Romero, graduada em jornalismo pela Universidad Autônoma de México (UNAM) é trabalhadora da mídia.

municipais contra professores e ativistas. Desafiando toda a relação de forças, acuado por manifestações e barrricadas, o governador se negou a reconhecer a APPO e estabelecer com ela uma mesa de negociações; pelo contrário, promoveu a absurda iniciativa, que não prosperou, de criminalizar as marchas e plantões; a tal ponto chegou a prepotência do governo!

Em meados de 2006, o governador contratou comandos policialescos na figura de ex-militares com treinamento kaibil (paramilitares guatemaltecos, treinados para acabar com a guerrilha através de métodos especialmente sádicos e cruéis), da mesma forma que liberou presidiários criminosos desde que se lançassem pela cidade atacando os ativistas impunemente.

Mas a APPO já tinha a experiência da repressão sistemática que marca a história da luta popular em nosso país, e soube encarar esta luta sustentando mais de 200 barricadas populares no centro do estado, agrupando nelas professores, jovens, estudantes, donas de casa, trabalhadores, indígenas e camponeses, demonstrando enorme disposição e heroísmo; sobre este aspecto existem inúmeros testemunhos.

A população do estado conseguiu reagrupar-se e politizar-se rapidamente e tratou de divulgar aos lugares mais remotos a verdadeira causa da luta, através de informações boca a boca por toda a serra oaxaquenha – comunidades que tradicionalmente funcionam por meio de assembléias para a tomada de decisões comunais. Conseguiu fazer isso, apesar da enorme campanha de difamação através dos meios de comunicação que passavam a imagem de um organismo minoritário, caótico, conflitivo e violento.

Este salto na consciência do povo pobre se expressou na ocupação de edifícios governamentais e rádios, utilizados para difundir a luta, conformando embrionariamente um duplo poder, já que o governador abandonou – com seus funcionários – o centro de Oaxaca, deixado-o sob o controle da APPO, e esta instalou controle territorial e político daquela região mais central da cidade.

Em meio à massificação do processo, deu-se a participação da mulher, que hoje ocupa um lugar muito importante na história da APPO. O surgimento da Coordenadora das Mulheres de Oaxaca (COMO) teve

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e embora alguns foram libertados durante estes últimos anos, alguns continuam presos desde aquela época.

Apesar de tudo isso, de imediato, entre os companheiros livres, iniciou-se a organização para a liberação dos presos. O povo mostrou uma grande vontade de luta, superando o terror e nunca deixou de mobilizar-se, protegendo os perseguidos, fazendo reuniões no exílio ou na clandestinidade. Por exemplo, depois de uma primeira repressão, que passou a crescer nos momentos seguintes, contra os acampamentos que faziam plantão, organizou-se uma resistência que três horas mais tarde voltou à cena tratando de defender uma rádio tomada e conseguiu, inicialmente, repelir a PFP e conseguir transmitir os chamados à unidade e à reagrupação, fortalecendo o centro da cidade. No entanto, a massiva presença da PFP na região obrigou o movimento a deixar o centro do estado e transferir parte da luta para a defesa dos presos, liberdade para eles e contra as ordens de detenção.

Em vários momentos parecia que o governo do estado ia cair, produto da luta, quando perdia o respaldo de seu partido ou de setores do regime que o apoiavam. No entanto, com o fim das eleições nacionais se aproximando, de nosso ponto de vista, o regime preferiu cerrar fileiras para não permitir uma conquista desse porte ao movimento de massas, ao qual a APPO já tinha ensinado muito. Permitir a vitória do movimiento, representaria, no futuro, um custo político altísimo para o governo.

Dessa forma, Ulises Ruiz foi mantido no poder e obrigaram a APPO e o professorado a passarem a uma nova etapa da luta, levantando a greve, ainda que estendendo a solidariedade em direção à Cidade do México, o que resultou em várias caravanas no estado, além de mobilizações e bloqueio de ruas no Distrito Federal.

Ao mesmo tempo que foi mantida a luta mais ampla pela libertação dos presos, que foi praticamente uma causa permanente até os dias atuais, o movimento dos professores decidiu a volta às aulas, não sem divergências entre a base magisterial e a direção da Seção 22.

Os trabalhadores da educação de diversos estados do país, mobilizaram-se com força, enfrentando ao mesmo tempo a repressão e as discussões internas para definir como ir adiante.

Atualmente, os professores democráticos de todo o país, agrupados na Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), uma corrente surgida no final dos anos 70 contra o Sindicato oficial dirigido por velhos dinossauros-burocratas do velho priato [PRI, NT], o SNTE, e setores democráticos dentro do mesmo, mantêm uma luta contra a chamada Aliança pela Qualidade na Educação (AQE); aqui trata-se de uma luta contra os planos que pretendem fazer com que os trabalhadores paguem pelos custos da crise, através

sua magna estréia política ao votar uma resolução, em comício, contra o principal canal de TV que difamava ao movimento no estado. Diante da negativa da TV a colocar no ar a resolução do comício e diante da resposta repressiva da polícia, as mulheres convocam uma nova mobilização que culminou em um massivo contingente feminino, enfurecido pela repressão contra o comício anterior, que culminou com a tomada do canal que foi posto em funcionamento sob controle da APPO. Esta decisão foi respaldada pela ocupação, votada em assembléias, das principais rádios do estado, todas colocadas em funcionamento sob controle da APPO, agora passando a ser a voz da população.

As mulheres se sentiam orgulhosas de sua participação política na luta, sentiram-se vanguarda do processo e este fato já é inapagável para a história da luta da mulher em nosso país, sendo de enorme importância como lição política, uma luta ofensiva como esta, onde a mulher joga um papel de vanguarda, ainda mais no México dos “feminicídios”, das “mortas de Juárez”, o que permite marcar uma pauta para a luta pelas reivindicações da mulher no México.

Entretanto, são poucos os processos sociais que apresentam capacidade de seguir adiante, de resistir ao longo do tempo, ante manobras políticas e repressão. A APPO continua sendo, em todo caso, dois anos depois, um alerta sobre o potencial das lutas futuras em nosso país.

Como está o movimento da APPO atualmente, que mudanças sofreu?

A partir da entrada de quatro mil elementos da Polícia Federal Preventiva (PFP) no centro de Oaxaca, onde, até então, mantinha-se de pé um dos principais focos de resistência e acampamento da APPO (o outro era na Universidade), inicia-se uma prolongada repressão que se estendeu praticamente por todo o estado. O primeiro mês foi especialmente duro e reinou a impunidade, com perseguições, assaltos residênciais, desaparecimentos, assassinatos de comunicadores e lutadores, com centenas de ativistas presos e sob julgamento, condenações por alta periculosidade, o que, formalmente, anula seus direitos na prisão. A grande maioria dos presos que são transportados por via aérea se referem a torturas e ameaças de serem lançados ao mar. A grande maioria dos menores de idade foram ameaçados de serem violentados diante dos seus familiares e de outros detidos. As mulheres, além dos abusos sexuais, tiveram seus cabelos cortados na prisão, sendo que aqui se trata de uma grande humilhação, já que as mulheres de Oaxaca gostam de deixar seus cabelos crescerem por muitos anos. Os homens também foram abusados sexualmente.

Muitos dos presos não foram autorizados a ter advogados, não puderam fazer chamadas telefônicas, recebiam comida estragada, não tinham direito a banheiro,

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estava posto era: ou a derrubada revolucionária de URO, que abrisse caminho para o governo dos explorados e oprimidos, ou que a classe dominante e seus serviçais recuperassem o controle político. Para isso era necessário que a APPO se transformasse em um verdadeiro organismo de democracia direta dos explorados e oprimidos, que assumisse um programa operário e popular, e impulsionasse uma coordenação centralizada das barricadas, organizando milícias de autodefesa e tomando todas as medidas necesarias para isto. Este caminho teria permitido impulsionar uma greve geral de todo o estado – que poderia dar passagem a uma verdadeira insurreição triunfante que derrubasse URO. No caso de se conseguir este objetivo, sem dúvida seria aberta uma luta política já que os setores que queriam pactuar iriam querer restabelecer o regime burguês, e os revolucionários e a vanguarda combativa iríamos lutar para instalar um governo da APPO e demais organizações operárias e populares em luta, para reorganizar Oaxaca em função dos interesses das grandes maiorias oprimidas e exploradas. Este governo, expressão política da Comuna, deveria levantar uma verdadeira Assembléia Constituinte Revolucionária (isto é, sobre as ruínas do velho regime antidemocrático e represor dos Murat, os Carrasco e os URO), onde os trabalhadores, os camponeses e os indígenas, junto a todo o povo, discutissem como reorganizar a sociedade. Tudo isso como parte de uma luta nacional de todo o movimento operário e popular para acabar com o regime da alternância e os planos dos capitalistas e dos latifundiários, abrindo caminho para a segunda revolução mexicana, operária e socialista. Esta foi a perspectiva que levantamos, os trabalhadores e jovens que formamos a Liga dos Trabalhadores pelo Socialismo.

Em relação à pergunta sobre o movimento zapatista, é preciso assinalar que, isolado pelo governo Zedillo e Fox, o movimento tentou sair desta encruzilhada através da Sexta Declaração da Selva Lacandona, na tentativa de conformar a Outra Campanha. Se bem que esta Campanha impactou amplos setores da juventude e encontrou problemas para agrupar camadas operárias, já que seus chamados a não conformar frentes políticas com nenhum sindicato, travaram o diálogo com amplos setores de trabalhadores sindicalizados, como o SME. Isto fez com que o EZLN carecesse de programa para chamar esses setores que lutavam, na prática, contra o regime e sua direção sindical, ou a chamar a que as demais seções da SNTE parassem em solidariedade com o professorado de Oaxaca. Esta política, referendada em seus encontros operários, terminou por afastar importantes setores antiburocráticos, já que se negavam a levar uma luta que democratizasse os sindicatos, colocando-os a serviço da luta.

Que papel político – e de classe – tiveram os trabalhadores da educação no processo da Comuna

da tentativa de promover cortes no orçamento social do governo, em especial na parte destinada à educação, e para isso querem acabar com as conquistas obtidas ao longo desses anos e tornar cada vez mais precárias as condições de trabalho.

Durante o ano passado, foram realizadas massivas mobilizações que culminaram com uma caravana dos professores de todo o país contra a AQE, o que levou os governos de Guerrero e Oaxaca a tentar negociar separadamente, para fazer com que os professores regressassem aos seus estados. Mas diante da permanente radicalização dos protestos de professores, os governos tiveram que fazer falsas promessas de suspender a reforma, procurando mediar o descontentamento com ilusões, ao mesmo tempo em que a reforma é aplicada parcialmente, ou adiando-se alguns de seus aspectos.

No estado de Morelos, deu-se uma resistência importante dos professores contra essa reforma, e quase de imediato começaram a mostrar grande combatividade, com enfrentamentos perante a repressão policial. Este processo foi desmobilizado pela enorme repressão e pela falta de extensão da luta, apesar da solidariedade manifesta da população.

No entanto, a disposição do governo e a unidade do regime a favor da AQE exigem a formação de uma frente mais ampla de luta, que derrote os planos do governo contra a educação. Uma frente que possa convocar mobilizações de caráter nacional, não apenas contra a AQE, mas para enfrentar o conjunto dos planos governamentais neste momento de crise.

No domingo, 22 de fevereiro, foi realizado um Congresso Estatal da APPO, com cerca de 100 pessoas bloqueando a rua do lado de fora do Congresso. Houve acampamentos, encontros, em que se oferecem diferentes produtos. Participam 532 delegados da APPO, dos quais, 78 foram enviados pela Seção 22 do SNTE e outros 41 pertencem a organizações afins.

Nas mesas de debate, diversos analistas da imprensa mexicana que foram convidados mostraram sua solidariedade com o movimento. Foi realizado um balanço do movimento dos professores (hoje em sua luta contra a Aliança pela Qualidade da Educação) e do movimento social de Oaxaca, assim como a experiência da APPO no conflito de 2006. O encerramento foi realizado com uma massiva mobilização no centro do estado. Acreditamos que esse congresso é um grande passo no sentido de tirar lições para uma organização mais forte na perspectiva de uma Frente Nacional de Luta que incorpore a luta contra a AQE e pela libertação dos presos políticos em todo o país.

Como tem sido a política da esquerda mais combativa com relação à Comuna, em especial, que política teve o zapatismo?

Do nosso ponto de vista, em Oaxaca se viveu uma verdadeira crise revolucionária, na qual o que

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de Oaxaca?Tiveram um papel chave, contando com a

destacada tradição de luta do movimento dos profesores no México. Não se pode pensar na história política do movimento de massas, sem pensar no papel que jogaram os professores, um dos setores políticos com mais desaparecidos em sua história combativa. A cada ano eles vêm de todo o país ao palácio presidencial em protesto por aumento salarial e são especialmente os profesores de Guerrero, Oaxaca e dos estados do sul os mais aguerridos, inclusive diante da resistência policial. São regiões onde aconteceram os enfrentamentos da guerra suja durante os anos 70 e 80 e onde existe muita experiência de luta clandestina e democrática, pela presença da guerrilla. Durante a Comuna de Oaxaca, os professores foram o gatilho do movimento, inicialmente com demandas trabalhistas, como salário e contra a reforma governamental da educação, mas com a sensibilidade para incorporar a derrubada do governador como demanda, conscientes de que a solução das demandas não viria de parte do governo, mas da mobilização estadual.

Além disso, o estado não conta com uma forte base operária já que se trata, majoritariamente, de trabalhadores de serviços, camponeses e indígenas, de forma que o professorado, com sua capacidade de greve, pode jogar um papel político e de relação de força muito importante – e que outros setores não poderiam jogar, embora seja preciso levar em conta os trabalhadores da eletricidade, estes em menor número.

Que papel tiveram as rádios, que lições são tiradas para outras lutas no México e na América Latina?

A tomada dos meios de comunicação na esfera estadual dotou o movimento da APPO de uma ferramenta fundamental em seu desenvolvimento. A primeira iniciativa foi a Radio Plantón, que transmitia a partir da seção 22 do sindicato dos profesores. Pouco depois, as transmissões da Rádio Universidade, com suas emissões a partir da Universidad Autónoma Benito Juarez de Oaxaca, por estudantes solidários era escutada dia e noite.

Ao final da primeira marcha das mulheres, no dia 1º. de agosto de 2006, 350 mulheres decidiram solicitar alguns minutos ao Canal 9 de Oaxaca, um canal de televisão estatal. O objetivo era aproveitar o maior alcance deste meio para divulgar amplamente à população do estado os motivos da luta. Ao terem seu pedido negado, decidiram tomar as instalações e colocá-las em funcionamento por conta própria. Inicialmente só conseguiram o sinal de duas estações de rádio, uma em AM e outra em FM, até que estudantes e populares chegaram e, usando dos seus conhecimentos, a transmissão do sinal de TV foi realizada.

É um fato inédito nas lutas deste e de outros

movimentos, que pela primeira vez se utilizara dos meios massivos de comunicação à serviço da luta. Posteriormente, foram tomadas umas quinze estações comerciais.

Estas transmissões se encarregavam de informar desde as resoluções da assembléia central até chamados para reuniões e ações que vinham pela frente. Através delas se sabia das diferentes iniciativas de organização e da luta em quase todas as regiões do estado. Ao mesmo tempo, funcionaram como centro de organização, mas principalmente nos momentos de repressão.

Este foi o caso da “batalha dos cinco senhores” na qual, através da Rádio Universidad foram feitos apelos à população a resistir ao embate com a policía federal que estava tentando desalojar a UABJO. Como resultado, o apoio dos trabalhadores não se fez esperar e conseguiram repelir a policía.

Que contradições políticas vive o México de hoje?

Produto da crise econômica, no México assim como em muitos outros países, a burguesia se prepara para destruir os direitos trabalhistas, apoiando-se na bancarrota das principais instituições financeiras internacionais e nas demissões massivas (registradas todos os dias pela imprensa). Pretende-se incutir a idéia de que não devemos reivindicar nada, que é preciso agradecer e já é muita sorte se ter um posto de trabalho. Enfrentamos atualmente um aumento das jornadas de trabalho, as suspensões técnicas de trabalho, as demissões, a precarização salarial e os altos aumentos da cesta básica. Todas as propostas trabalhistas para enfrentar a crise têm a ver com descarregá-la sobre nossas costas. Ao mesmo tempo, o governo de Calderón aplicou vários ajustes econômicos que trouxeram miséria para o bolso dos trabalhadores, como os mais de 25 ajustes do preço da gasolina no ano passado.

Esta situação está gerando uma contradição no México. Gera muita incerteza e descontentamento. Além das mobilizações dos profesores contra o plano de “Alianza pela Qualidad de la Educación”, há uma grande mobilização camponesa. E é latente a possibilidade de que este descontentamento se expresse de maneira mais favorável para os trabalhadores, na luta. No entanto, estamos em um ano eleitoral em diferentes municípios e estados do país, o que abre a possibilidade de que o descontentamento seja canalizado para a via mais institucional.

Os tres principais partidos, PAN, PRI e PRD, procuram chegar às eleições o menos desprestigiados possível. O PAN, por sua política antioperária a partir do governo, envolvido com a forte militarização do país, terá que ganhar confiança de algum setor empresarial. Apresentando-se como partido estabilizador; o PRI, com a vantagem das negociações internas no Congresso, procura políticas que lhe tragam relação de força diante

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de um movimento de massas muito golpeado pelas crises e desencantado com o PAN. E o PRD está muito debilitado por suas divergências internas. Ele é produto da reforma no setor energético – que mostrou abertamente duas tendências, uma mais conciliadora com o governo e a favor da reforma e a de López Obrador, mais favorável à mobilização. O longo processo de fratura enfrentado pelo PRD gerou duas alas que lutam pelo controle do partido, uma de perfil do tipo partido burguês clássico e que reconhecia o governo de Calderón e outra, como a do setor López Obrador, que tinha um programa mais democrático-burguês, mas assumindo o papel de principal oposição ao governo. O resultado disso foi desastroso para as aspirações eleitorais do PRD, já que durante o ano passado não ganhou uma só eleição estadual e atualmente seu objetivo é recuperar pelo menos 20% das aspirações eleitorais. E existe o setor mais de direita que se apropriou da máquina; daí decorre que suas projeções para essas eleições não são nada positivas, sobretudo, porque AMLO, que continua sendo um referente de amplas massas, está chamando a votar pelo PT, mesmo não tendo ainda oficializado sua saída do PRD.