A composição do conto na visão de Poe e Cortázar
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EDUARDO DA ROCHA MARCOS RA 155393
Especializao em Literatura
A composio do conto
na viso de Poe e Cortzar
Prof. Dra. Geruza Zelnys de Almeida
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA
SO PAULO
2014
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Escolha uma proposta, desenvolvendo-a em, no mximo, 5 (cinco) laudas.
Tema escolhido:
1.Utilizando pelo menos 2 textos tericos discutidos em sala, elabore uma reflexo
sobre as especificidades do gnero conto, partindo da constatao de Cortzar (1974,
p. 147) de que prprio do conto recortar um fragmento da realidade, fixando-lhe
determinados limites, mas de tal modo que esse recorte atue como uma exploso que
abre de par em par uma realidade muito mais ampla. Voc deve utilizar um dos
contos comentados, ampliando sua anlise, para dar suporte aos seus argumentos.
Eduardo da Rocha Marcos
Jlio Cortzar, em seu texto Alguns Aspectos do Conto, elabora algumas consideraes sobre
sua concepo do gnero na literatura. O autor argentino d nfase a uma comparao
extremamente feliz, que a aluso do conto com a fotografia.
Para Cortzar, o romance est para o cinema, assim como o conto est para a fotografia. Ao
estabelecer tal similaridade entre as duas variveis, Cortzar nos quer dizer que um fator primordial
est em questo quando se trata da forma conto: o tempo.
O tempo to abundante no romance, que permite a concepo de um enredo constitudo
lentamente, repleto de detalhes, e cujos objetivos e efeitos, em termos literrios, so to singulares
quando colocados diante da perspectiva do leitor. So ainda to minuciosamente elaborados, que se
comparam contao de estria proporcionada pela narrativa cinematogrfica.
J o conto, para Cortzar, no dispe desse tempo. O tempo, em sua perspectiva
completamente distinto. um tempo efmero, que deve intrinsecamente captar o interesse do leitor,
trabalhar tensionalmente esse interesse, e lev-lo a um desfecho surpreendente. Cortzar vai mais
longe ainda, e afirma que os bons contos so aqueles capazes de se fixar na memria.
Todo conto perdurvel como a semente onde dorme a rvore
gigantesca. Essa rvore crescer entre ns, inscrever seu nome em
nossa memria. (CORTZAR, p. 155)
Por isso, Cortzar compara o conto fotografia, porque ambos tm a mesma
responsabilidade, que a de captar astutamente a ateno do leitor e, a partir da hbil articulao
entre intensidade e tenso, transformam o leitor, num curto espao de tempo, ampliando sua viso
de mundo.
a fotografia um paradoxo: a arte de recortar um fragmento de
realidade, fixando-lhe determinados limites, mas de tal modo que esse
recorte atue como uma exploso que abra de par em par uma realidade
muito mais ampla, como uma viso dinmica que transcende
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espiritualmente o campo abrangido pela cmara. (CORTZAR, p.
155)
Antes, porm, o autor revela o ponto de partida do contista, que a escolha temtica, que a
seu ver no uma escolha to elaborada assim. Para ele, o elemento significativo do conto no o
tema, na maioria das vezes retirado do cotidiano, de estrias simples, mas do tratamento literrio
que lhe dado, a partir da articulao da intensidade, que a eliminao de todas as situaes
intermedirias. Como exemplo, Cortzar cita O Barril de Amotillado, de Poe, que j comea com
uma carga emocional profunda e intensa:
Suportei o melhor que pude as mil e uma injrias de Fortunato; mas
quando comeou a entrar pelo insulto, jurei vingana. Vs, que to
bem conheceis a natureza da minha ndole, no ireis supor que me
limitei a ameaar. Acabaria por vingar-me; isto era ponto
definitivamente assente, e a prpria determinao com que o decidi
afastava toda e qualquer idia de risco. Devia no s castigar, mas
castigar ficando impune. Um agravo no vingado quando a vingana
surpreende o vingador. E fica igualmente por vingar quando o
vingador no consegue fazer-se reconhecer como tal quele que o
ofendeu. (POE, p. 155)
Como outra caracterstica necessria, Cortzar destaca a tenso, que a capacidade de
imprimir intensidade narrativa desde o seu incio, preparando o leitor para um desfecho em que
haja uma exploso de energia espiritual. Essa a metfora do nocaute, em que o conto est,
segundo Cortzar (1974, 149), inserido: No conto o autor vence o leitor por nocaute, enquanto no
romance a luta vencida por pontos.
a habilidade da articulao entre intensidade e tenso, num limitado tempo e espao, que
vo caracterizar o bom conto, capaz de atravessar geraes:
O conto tem que criar um clima que transforme o leitor, que o retire de
sua comodidade e o recoloque nela, mas transformado. Isso faz com a
criao do estilo baseado na intensidade e na tenso, um estilo em
que os elementos formais se ajustem, sem a menor concesso, ndole
do tema, lhe dem a forma visual a auditiva mais penetrante e original,
o tornem nico, inesquecvel, o fixem para sempre no seu tempo, no
seu ambiente e no seu sentido primordial (CORTZAR, p. 157)
Por outro lado, podemos destacar a concepo do conto de Poe que, resumidamente, envolve
a questo da escolha do tema, a partir de uma emoo e de uma unidade de efeito que envolve a
extenso e o efeito em si.
A extenso em Poe pode ser apontada como o equivalente do espao fsico, descrito por
Cortzar. No entanto, Poe d pistas de que essa uma premissa fundamental, pois ela quem aliar
o flego de leitura do leitor, a intensidade e a tenso, buscando potencializar a emoo.
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A extenso de um poema pode ser calculada para guardar uma relao
matemtica com o seu mrito em outras palavras, com a excitao
ou elevao- de novo, em outras palavras, com o grau de efeito
realmente potico que ele capaz de criar; pois est claro que a
brevidade deve estar em relao direta com a intensidade do efeito
pretendido isto, com uma condio -, de que um certo grau de
durao absolutamente necessrio para a produo de algum efeito.
(POE, p. 21)
E mais uma vez, pode-se notar a correlao entre Poe e Cortzar, ao aliar o efeito pretendido,
ao tempo, ao limite fsico e intensidade colocada no texto, buscando realizar o efeito potico e,
digamos, transformador no leitor.
Vejamos a aplicao desses conceitos no conto O Caso do Sr. Valdemar, de Edgar Allan Poe:
Inicialmente temos a escolha de um tema universal, que se trata do Mesmerismo, doutrina
criada pelo mdico alemo Franz Anton Mesmer, e que estudou as possibilidades de algum ser
magnetizado, numa espcie de hipnose a partir de um estado de vibrao produzido por um fludo
universal.
a partir deste tema, aplicado a um conhecido moribundo do narrador, que se cria o ponto de
tenso do conto. Toda a intensidade passa a ser aplicada a partir deste argumento, que vai sendo
construdo, narrado e demonstrada ao longo de todo o conto, quase que num processo de hipnose
do prprio leitor, que levado a mergulhar na leitura do texto num nico flego.
Inicialmente, o leitor brevemente introduzido ao contexto do Sr. Valdemar e ao estado de
sua sade, que precria. Ele a pessoa perfeita para o narrador aplicar os seus conhecimentos
em magnetismo, pois fica claro o contrato existente entre os dois e a conjuno desse contrato.
Meu caro p; Voc pode bem vir agora. D e F concordam em
que no posso durar alm da meia noite de amanh, e penso que eles
acertaram no clculo com grande aproximao. VALDEMAR. (POE,
p. 21)
A partir desse momento cria-se a expectativa e a tenso necessrias para no mais permitir
que o leitor se desinteresse da narrativa. Pelo contrrio, a tenso somente crescer de intensidade at
atingir o seu ponto mximo, o seu clmax, j quase no fim do conto.
Sinto agora ter chegado a um ponto desta narrativa diante do qual todo
leitor passar a no dar crdito algum. , contudo minha obrigao
simplesmente continuar. (POE, p. 21)
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A tenso, aqui ganha caracterstica aprofundada, pois deste ponto em diante o leitor sofrer o
efeito trgico desejado (que Poe buscou em Aristteles) e que ser a transformao e a preparao
para um desfecho inesperado:
Enquanto eu fazia rapidamente os passes magnticos todo seu
corpo, de pronto, no espao de um nico minuto, ou mesmo menos,
contraiu-se. desintegrou-se, absolutamente podre, sob minhas mos.
Sobre a cama, diante de toda aquela gente, jazia uma quase lquida
massa de nojenta e detestvel putrescncia. (POE, p. 21)
Pode-se inferir uma certa correlao entre a unidade de efeito de Poe, baseada na extenso do
conto e no efeito desejado, e na articulao entre intensidade e tenso defendidas por Cortzar.
Ambos apontam para o limite do espao fsico como limitadores textuais na busca do interesse do
leitor. Mais que isso, os dois autores concordam que esse limitado espao fsico e de tempo deve ser
habilmente utilizado, como sustentao e aprofundamento de um efeito criado e que vai se
potencializando ao longo da narrativa, at atingir o momento de transformao do leitor e devolv-
lo, transformado, realidade.
Referncias bibliogrficas
CORTZAR, Julio. Consideraes sobre o conto. In: CORTZAR, J. et. alii. Valise de
Cronocpio. So Paulo: Perspectiva, 2004
POE, Edgar Allan. Filosofia da Composio. In: POE, E. et alii. Poesia e Prosa. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1988.
______________. O Barril de Amotillado. In: POE, E. et alii. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1988.
______________. O Caso do Sr. Valdemar. In: POE, E. et alii. Poesia e Prosa. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1988.