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A COMPLEXA PRODUÇÃO DA INTERSETORIALIDADE: uma análise bibliográfica da produção científica (2001-2016)
Rafael Nicolau Carvalho1
RESUMO
O trabalho tem por objetivo mapear a utilização do termo intersetorialidade nos discursos científicos produzidos sobre as políticas públicas no Brasil. Como metodologia utilizou-se a pesquisa bibliográfica sistemática. A revisão sistemática utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificação, seleção e avaliação dos estudos publicados. O levantamento bibliográfico foi realizado na base de dados SciElo com o descritor intersetorialidade, com recorte temporal de 2001 a 2016, considerando artigos científicos em português. Foram encontrados 130 artigos e destes 108 incluídos na análise. Conclui-se que há imprecisão do termo considerando às diferentes abordagens teóricas e metodológicas. Constata-se que a discussão está em curso. Palavras-chave: Intersetorialidade, Políticas Públicas, Revisão sistemática
ABSTRAC
This work aims to map the use of the term intersectoriality in the scientific discourses produced on public policies in Brazil. As a methodology, systematic bibliographic research was used. The systematic review uses explicit and systematic methods for the identification, selection and evaluation of published studies. The bibliographic survey was carried out in the SciElo database with the descriptor intersectoriality, with a temporal cut from 2001 to 2016, considering scientific articles in Portuguese. We found 130 articles and 108 included in the analysis. We conclude that there is imprecision of the term considering the different theoretical and methodological approaches. It is said that the discussion is ongoing. Keywords: Intersectoriality, Public policy, systematic review.
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte da tese intitulada: “A complexa produção da
intersetorialidade no campo da saúde mental” desenvolvida no Programa de Pós-graduação
1 Doutor em Sociologia e professor do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Vice-líder do Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social (SEPSASS).
em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no período de 2012 a
2015.
A tese trata da intersetorialidade a partir de sua inserção no campo da saúde
mental por meio de sua incorporação tanto nas discussões do próprio campo quanto da
construção da política de saúde mental brasileira.
No entanto, o presente artigo não discute ou aprofunda a relação da
intersetorialidade com a saúde mental conforme os objetivos da tese. O texto é resultado do
primeiro estudo do referido trabalho que teve por objetivo mapear os discursos produzidos
sobre a intersetorialidade na produção científica brasileira.
Considerou-se imprudente tomar a intersetorialidade como categoria de análise
das práticas sociais em saúde mental sem a elaboração prévia de um quadro conceitual
para o termo, por isso, buscou-se inicialmente mapear o discurso científico sobre a
intersetorialidade. Todavia, tal quadro não foi fixado a priori, mas baseado nas evidências
dos pesquisadores do tema, que nos possibilitou à análise do nosso objeto de estudo.
Assim, empreendeu-se a pesquisa bibliográfica sistemática como ferramenta necessária
para a construção desta etapa, tendo em vista a construção de um referencial analítico, seja
nas constatações empíricas ou nos relatos de experiências de utilização da
intersetorialidade como estratégia política e nas práticas sociais.
Apesar da conclusão da tese em 2015, a pesquisa continua em desenvolvimento
por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFPB)
com vigência de 2016 a 2017. Deste modo, estamos atualizando os dados da pesquisa
bibliográfica sistemática e documental bem como aprofundando aspectos relativos às
praticas de saúde mental como a caracterização da Rede de Atenção Psicossocial de João
Pessoa-PB e a construção de ações/práticas intersetoriais.
A emergência do tema parte do reconhecimento que nenhuma política pública,
ou área é capaz de responder unilateralmente as demandas complexas que emergem no
campo social. Esta constatação encontra terreno fértil no contexto das políticas públicas
brasileiras que são marcadas pela fragmentação e focalização da ação estatal no trato
destas demandas de forma setorializada.
O destaque ao tema deve-se também não só a configuração das políticas
públicas, mas, sobretudo, pelo debate que os diferentes campos e áreas do conhecimento
têm travado sobre a intersetorialidade proporcionando formas de compreensão dos
empreendimentos intersetoriais, o que tem exigido cada vez mais diálogo entre esses
campos.
De todo modo, a presente análise procurou responder às seguintes questões de
pesquisa: quais as principais noções que são atribuídas à intersetorialidade na produção
científica brasileira? Quais os pressupostos teóricos que fundamentam a discussão sobre a
intersetorialidade nas políticas públicas e nas práticas sociais? Quais os principais temas
que se relacionam com a intersetorialidade no campo da gestão?
II. METODOLOGIA
Essa abordagem analítica da produção bibliográfica foi utilizada para delinear as
categorias teóricas do estudo e levantar as primeiras respostas para os problemas de
pesquisa.
A opção pela pesquisa bibliográfica nesse primeiro momento deu-se pela
possibilidade de reunir uma grande quantidade de informações sobre o objeto de estudo,
dispersas em inúmeras publicações, possibilitando além de sua sistematização e análise,
uma construção de um quadro conceitual.
A pesquisa sistemática é um tipo de pesquisa que envolve um olhar mais atento
para as teorias utilizadas pelos estudos; para a análise crítica da literatura; para a busca em
resolver conflitos entre os conceitos; e para o levantamento de questões a serem
investigadas.
Os parâmetros de análise da pesquisa bibliográfica deste estudo foram definidos a
partir das Diretrizes Metodológicas para Elaboração de Revisão Sistemática e Metanálise do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2014) associados ao esquema operacional proposto por Lima
e Mioto (2007).
Os dois parâmetros temáticos decorrem diretamente do objeto de estudo:
intersetorialidade e saúde mental. O parâmetro linguístico da pesquisa considerou os artigos
publicados em português, tendo em vista o objetivo do estudo: analisar a produção científica
sobre o tema. O parâmetro fontes vinculou-se à base de dados eletrônica SciElo (Scientific
Eletronic Library Online) (http://www.scielo.org/php/index.php), considerando que o referido
portal congrega importantes periódicos por área do conhecimento, facilitando, assim, o
processo de pesquisa. O parâmetro cronológico foi especificado por dois marcos legais que
se relacionavam com os objetivos da tese. Assim, o início do período foi 2001, ano referente
à aprovação da Lei 10.216/01, conhecida como a “Lei da Reforma Psiquiátrica brasileira”, a
qual passou a nortear os demais documentos legais sobre a estruturação da Saúde Mental
no Brasil. O final do período foi demarcado como 2011, referente à publicação da Portaria
GM 3.088/11, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). No entanto,
considerando a produção sobre a temática nos anos posteriores a 2011 resolveu-se ampliar
esse período até meados do ano de 2014, quando finalizamos a coleta do estudo
bibliográfico. No entanto, com o projeto PIBIC, buscou-se dar continuidade ao levantamento
até o ano 2016. Achamos apropriado considerar como marco cronológico as duas
referências legais, dada a sua importância para o campo da saúde mental, entendendo que
o nosso objeto de estudo desenvolve-se em interface com esse campo.
Definiu-se como principal técnica de abordagem dos artigos selecionados a
leitura sistematizada. Para Salvador (1986 apud MIOTO; LIMA, 2007) devem ser realizadas
leituras sucessivas do material em cada fase da pesquisa de modo a possibilitar ao final, por
meio de um processo contínuo de reflexão, a construção de uma síntese integradora.
Na etapa da investigação das soluções (LIMA; MIOTO, 2007) foi construída uma
ficha de coleta com as indicações básicas do material selecionado, tais como: Identificação
do artigo; Caracterização da obra (tema; objetivo; conceitos utilizados; abordagem teórica;
referencial teórico) e Contribuições da obra para a pesquisa. Neste último campo foram
registradas as impressões, ideias e reflexões proporcionadas pela leitura do material,
consistindo num conjunto rico de informações que foram posteriormente trabalhadas na
construção da síntese dos resultados.
Na primeira fase da pesquisa bibliográfica (metanálise), procedeu-se com o
levantamento do material no portal SciELO, utilizando o descritor intersetorialidade e
posteriormente o descritor Saúde Mental. Esse momento da pesquisa foi realizado no
período entre agosto de 2012 e outubro de 2014. Após esse levantamento esses descritores
foram combinados de modo a identificar uma produção específica da intersetorialidade no
campo da saúde mental. Este último ponto não foi abordado neste texto.
Considerou-se como critério de inclusão do artigo para análise a evidência do
descritor no título do artigo, no Resumo ou nas palavras-chave. Assim, procedeu-se a leitura
de reconhecimento para a realização das possíveis exclusões de dos artigos que não
apresentavam os critérios já mencionados e dos artigos duplicados.
Assim, foram encontrados com o descritor intersetorialidade 130 artigos
publicados no período de 2001 a 2016. Porém, a partir dos critérios elencados foram
selecionados 108 artigos para análise.
III. ANÁLISE PRELIMINAR COM O DESCRITOR INTERSETORIALIDADE
O primeiro tratamento dado aos artigos levantados com o descritor
intersetorialidade foi distribuí-los pelo ano de sua publicação, com o intuito de verificar o
movimento das publicações sobre a temática ao longo do tempo. Assim, obtivemos o
seguinte resultado: 2001 (01); 2002 (02); 2003 (04); 2004 (03); 2005 (02); 2006 (04); 2007
(04); 2008 (03); 2009 (06); 2010 (07); 2011 (13); 2012 (08); 2013 (11); 2014 (21); 2015 (12);
2016 (07).
De um modo geral há uma tendência crescente da produção sobre o tema. Nota-
se uma concentração considerável no número de publicações no período entre os anos
2010 e 2014 e uma redução a partir do ano de 2015.
Evidencia-se que a maioria das publicações está frequentemente vinculada à
grande área das Ciências da Saúde, com 64% de recorrência. Seguidos pelos artigos
relacionados à área das Ciências Humanas com 31% e 6% de recorrência na área das
Ciências Sociais Aplicadas.
O segundo tratamento dado aos artigos selecionados com o descritor
intersetorialidade referiu-se às análises qualitativas das seguintes variáveis: 1) tipo de
estudo; 2) Análise temática;
Como relação aos tipos de estudos identifica-se a seguinte classificação e os
resultados:
• Artigo de pesquisa de campo: essa categoria congregou estudos que
tiveram como principal abordagem metodológica a análise de situações concretas que
envolveram o uso da intersetorialidade (39 artigos);
• Artigo de pesquisa documental: reuniu artigos que analisaram a
incorporação da intersetorialidade a partir da inserção do conceito em políticas; programas e
projetos por meio do estudo de documentos como portarias; legislações; programas e etc
(23 artigos);
• Artigo de reflexão teórica: reuniu aquelas publicações com diferentes
abordagens de elementos teóricos, mas tendo como objetivo principal colaborar com o
debate conceitual sobre a intersetorialidade. São artigos que tratam a temática como uma
categoria e tentam definir um conceito preciso para o termo (15 artigos);
• Artigo de pesquisa bibliográfica: reuniu aqueles artigos que também
colaboraram com o debate sobre a intersetorialidade a partir de pesquisa bibliográfica e
levantamento da produção sobre a intersetorialidade e aos temas relacionados (17 artigos);
• Artigo sobre relato de experiência: artigos que apresentam experiências de
incorporação da intersetorialidade em programas e serviços por meio das práticas
profissionais das equipes de saúde e de gestão (10 artigos);
• Artigo de pesquisa-ação: reuniu um artigo que combinou a incorporação de
estratégias de ação em conjunto com o processo de pesquisa (04 artigos).
Há uma predominância da categoria artigos de pesquisa de campo com 39%
das publicações, seguidos de artigos de pesquisa documental com 21% e de artigos de
pesquisa bibliográfica com 16%.
Se agruparmos as categorias pesquisa de campo e pesquisa documental infere-
se que 60% das publicações utilizam a noção sobre a intersetorialidade como ferramenta de
análise das práticas sociais dos diversos agentes sociais, notadamente profissionais de
saúde e gestores (estudos de campo), ou de análise de estruturas institucionais ligadas aos
serviços sociais ofertados pelas políticas públicas (estudos documentais).
IV. DISCUSSÃO
A partir da leitura dos artigos classificados como pesquisas de campo, podemos
organizá-los em duas subcategorias: a) os artigos empíricos que tratam das práticas
profissionais; b) os artigos empíricos que tratam das práticas de gestão.
Consideramos pertinente essa classificação pelo fato de evidenciarmos que o
conceito de intersetorialidade é largamente descrito como um modelo de gestão e como um
tipo de prática profissional engendrada pelas políticas públicas.
Após analisarmos os conteúdos dos artigos que abordam as práticas
profissionais, identifica-se que a maioria deles trata das práticas na Estratégia Saúde da
Família (ESF), seja da equipe multiprofissional ou de categorias profissionais específicas,
como enfermeiros e odontólogos; alguns trabalhos analisam as práticas relacionadas com
algumas políticas sociais e o trabalho em rede; enquanto uma pequena parcela se dedica à
análise das práticas no Programa Saúde na Escola (PSE).
A predominância dos artigos que se relacionam com a ESF talvez se justifique
pelo fato da intersetorialidade ser tomada como princípio fundamental da Política Nacional
de Atenção Básica no Brasil (PNAB), que orienta as práticas profissionais nesse campo. A
referida política destaca que as ações intersetoriais são necessárias para estabelecer
parcerias e também como meio de levantar recursos na comunidade para o fortalecimento
das ações em saúde.
Também na Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) a
intersetorialidade aparece enquanto um princípio que é definido como: “uma articulação de
possibilidades de distintos setores de pensar a questão complexa da saúde e de mobilizar-
se na formulação de intervenções que a propiciem” (BRASIL, 2010, p.13). Assim, fica
evidente o interesse dos pesquisadores em analisar como a intersetorialidade é processada
na ESF, bem como os profissionais e gestores da saúde articulam o principio da
intersetorialidade em suas práticas.
Se analisarmos apenas os estudos que enfocaram as práticas de gestão destaca-
se que 38% deles trabalharam a intersetorialidade como um mecanismo de planejamento
estratégico, principalmente o planejamento local em saúde, levando em conta a dimensão
gerencial dos serviços. 37% analisaram a intersetorialidade a partir do controle social e da
participação social em saúde e outros 25% centraram seus esforços na interface entre
saúde e assistência social, notadamente a partir da emergência do Programa Bolsa Família
(PBF).
A principal definição da intersetorialidade destacada por esses artigos emerge do
campo da gestão das políticas públicas.
Os artigos contribuem para perceber que na ausência de uma teoria da
intersetorialidade os autores tendem a associar ao termo às noções definidas pelos campos
da saúde coletiva e da gestão das políticas públicas. Tais abordagens são tentativas de
garantir uma base de sustentação para o termo, ao relacioná-lo com diferentes aportes
teóricos. Então, os trabalhos possibilitaram perceber que os motivos e paradigmas que
justificam o uso da intersetorialidade como ferramenta de análise estão pautados na
discussão teórica sobre a promoção da saúde, integralidade e interdisciplinaridade.
Reconhece-se também que esses termos ainda carecem de elaborações teóricas, mas, no
entanto, possuem uma discussão mais ampliada e associada às teorias consolidadas no
campo da Saúde Coletiva. Nesse sentido, a intersetorialidade é tomada como um espaço de
compartilhamento de saberes e de poder, de construção de novas linguagens, de novas
práticas e conceitos (COMERLATO et al., 2007).
No tocante aos artigos classificados como pesquisa documental, evidencia-se
que todos eles se dedicam às análises das políticas públicas em seus processos de
formulação, implementação e avaliação das ações. Com o objetivo de analisar tais políticas
públicas, os autores utilizaram relatórios e outros documentos que são relacionados a elas.
As políticas públicas de meio ambiente e de promoção da saúde são as mais
numerosas, cada tipo representa 19% dos artigos de pesquisa documental que foram
analisados. A política de segurança alimentar e o PSE aparecem com 13% cada e com 12%
as políticas de base territorial. Saúde do trabalhador, políticas de transferência de renda,
envelhecimento e proteção social da criança e adolescente com uma menor quantidade de
artigos, cada uma com 6%.
Os artigos de pesquisa documental que foram analisados utilizam como
referencial teórico o debate conceitual sobre a intersetorialidade dos autores que
demarcaram a temática no campo da Gestão Pública, como exemplos: Junqueira (1998;
1999; 2000; 2004) e Inojosa (1998; 2000; 2001). Tais discussões teóricas são
complementadas com as elaborações de autores do campo da Saúde Coletiva como
Mendes (1996); Feurwerker e Costa (2000); Buss (2000); Campos et al. (2005); Westphal,
(2006); Mendes e Akerman (2007). Essas discussões conceituais são costuradas de modo a
corroborar com o conceito de intersetorialidade proposto pela PNPS.(BRASIL, 2006).
Apesar de nos artigos analisados encontrarmos evidências da identificação e
recorrência da intersetorialidade nos documentos políticos-normativos e nas experiências de
gestão intersetorial, tais artigos indicam que há, ainda, dificuldades de implementação das
iniciativas intersetoriais, o que contraditoriamente torna-se um entrave para a concretização
dessas políticas.
Na análise dos artigos que fazem uma reflexão teórica sobre o tema, foram
encontradas abordagens vinculadas ao surgimento da intersetorialidade e como a mesma é
conceituada pelos autores. Também se percebeu um incremento de discussões sobre o
conceito de intersetorialidade ancorado numa perspectiva mais prática, geralmente ligada a
um campo específico. Assim, os artigos foram organizados em duas subcategorias:
• Aspectos teórico-conceituais que claramente fazem um esforço de definir
conceitualmente a intersetorialidade;
• Aspectos teórico-práticos que utilizam o debate conceitual para estabelecer
interlocuções com outros temas, enfatizando elementos e processos interventivos.
Percebemos que a maioria dos artigos (60%) foi classificada na subcategoria
aspectos teórico-práticos, enquanto 40% dos trabalhos abordam os aspectos teórico-
conceituais da intersetorialidade.
Os artigos classificados como teórico-práticos utilizam-se da discussão teórica
estabelecida pelos artigos categorizados como teórico-conceituais.
Este eixo sistematiza uma visão panorâmica sobre a intersetorialidade a partir do
debate dos autores dos artigos classificado como teórico-conceituais. Destacam-se nessa
categoria os artigos de Junqueira (2004); Nascimento (2010); Monnerat e Souza (2011); e
Akerman et al (2014).
O que nos leva a perceber a intersetorialidade como uma expressão tanto do
aparato governamental das políticas públicas, das organizações, quanto do processo
interdisciplinar da produção do conhecimento.
Portanto, a intersetorialidade seria muito mais que juntar setores e compartilhar
uma agenda comum de ações, e sim a criação de uma nova dinâmica de governança das
políticas sociais e urbanas.
O artigo de Monnerat e Souza (2011) com a sobreposição dos diversos conceitos
as autoras conseguem sistematizar um quadro referencial que supera algumas limitações
dos autores mencionados.
Para nós há a superação da dimensão local atribuída por Junqueira (2004) ao seu
conceito de intersetorialidade, pois incorpora processos mais amplos. Supera também a
lógica de ação integrada de base interdisciplinar, transpondo-a para além do âmbito da
gestão, levando essa possibilidade para todo o ciclo das políticas (concepção, implantação,
implementação, monitorização e avaliação), envolvendo a participação da comunidade e o
controle social.
Akerman et al (2014) afirmam que há uma multiplicidade de questões e aspectos
para se investigar e analisar a intersetorialidade nas políticas públicas e nas práticas sociais
e defendem a ideia, margeada pela imprecisão terminológica, que não existe uma
intersetorialidade, mas sim intersetorialidadeS (grafia dada pelo autor), que como ondas vão
se revelando, se alternando e se transformando ao logo do tempo em decorrência das
conjunturas e dos atores sociais.
Ainda para os autores, a última onda ainda está por vir, que seria a
interdependência “generosa” em que as intersetorialidadeS não serão apenas a instalação
de arranjos multisetoriais, mas o compromisso ético-político do Estado e sua gestão em
compreender que as políticas servem ao interesse comum ( AKERMAN et al., 2014).
Na subcategoria reflexões teórico-práticas, os artigos analisados nos permite
evidenciar a capacidade indutora do termo “intersetorialidade”. Referimo-nos ao termo por
considerar que há uma profusão semântica para o mesmo, e mesmo sem uma definição
precisa ou uma teoria específica a intersetorialidade emerge como uma “grande” categoria
que carrega fortes noções de integração, justaposição de setores, criação de novos
conceitos, compartilhamento de saberes e experiências. Essas noções empregadas ao
termo são objetos de estudo, debates acadêmicos e pesquisas teóricas em busca de uma
definição, ao mesmo tempo em que fomenta outros trabalhos e pesquisas de natureza
empírica e ações práticas.
A partir do modo de “incorporação” da intersetorialidade nesses trabalhos foi
possível visualizar propostas metodológicas de adoção do conceito ou metodologias de
ação que consideram as principais noções que o termo carrega. Talvez mesmo sem uma
definição precisa, tendo em vista as particularidades que autores e pesquisadores dos mais
variados campos tenham sobre o termo, a intersetorialidade nos parece induzir novas
relações e novas práticas e cada vez mais se torna um elemento fundamental ao se analisar
uma política pública.
Nesta primeira análise não “definimos” um conceito para a intersetorialidade, o
material coletado nos mostrou as principais temáticas que se relacionam com o termo, as
ideias que se relacionam com uma ação intersetorial, bem como as abordagens teóricas e
os principais autores que trabalham o tema.
Sobre os artigos classificados na categoria pesquisa bibliográfica, observamos
que 50%, dos estudos tratam do Cotidiano de Trabalho, enquanto 30% dedicam-se a
Gestão das Políticas Públicas e 20% dão centralidade à discussão teórica sobre a
intersetorialidade.
Ressalta-se que em todos os trabalhos há uma “conexão” estabelecida entre a
intersetorialidade com temas específicos da saúde e da gestão das políticas públicas, que
parecem ser apenas equacionados em interface com a dimensão intersetorial. A
intersetorialidade aparece como uma possibilidade transformadora das práticas profissionais
e dos atuais modelos de gestão.
No conjunto, os artigos selecionados nesta categoria contribuem para perceber a
dimensão das possibilidades de investigação da intersetorialidade com outros temas, e
principalmente em várias dimensões sejam sobre o cotidiano profissional, os cuidados em
saúde ou as práticas de gestão das políticas públicas. Observamos também que há uma
preocupação conceitual, principalmente em definir um conceito preciso para o termo, mas
essa preocupação acaba sendo eclipsada pelas possibilidades de integração, arranjos e
ações que a intersetorialidade pode induzir nas dimensões já mencionadas. No entanto, é
evidente, por se tratar de estudos bibliográficos, que há uma produção crescente de
pesquisas dessa natureza que demonstram as possibilidades de uso para o termo.
Nesse sentido, a intersetorialidade possibilita a criação de uma linguagem
transversal às áreas e outros conhecimentos, o que nos leva a pensar nas ideias
trabalhadas pelos teóricos da temática que sugerem a criação de espaços de comunicação,
interação e socialização de saberes e experiências intersetoriais.
Os artigos classificados na categoria relatos de experiências dão evidências
mais concretas sobre o uso da intersetorialidade em ações profissionais e de gestão. Assim,
nossas análises indicaram duas subcategorias de publicações: 1) relatos de práticas
profissionais intersetoriais; 2) relatos de práticas de gestão.
Os artigos classificados como relato de práticas profissionais, destacam a
estreita conexão no campo das práticas sociais de cuidado em saúde entre
interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e intersetorialidade. Esta evidência que já foi
demonstrada por autores da saúde coletiva e dos pesquisadores do tema. Percebe-se uma
estruturação de ações coletivas e estratégias de atuação mais complexas com capacidade
de enfrentamento dos problemas apresentados, que são considerados complexos
(WIMMER; FIGUEIREDO, 2006). Nesse sentido, a intersetorialidade é tomada nesses
trabalhos como uma prática de coordenação e cooperação de diferentes atores e de
integração ou articulação entre os setores, que se complementam e interagem para a
resolução dos problemas complexos.
Os trabalhos classificados como pesquisa-ação apontam para o uso do termo
intersetorialidade como categoria de análise e ao mesmo tempo capaz de induzir ações
práticas, definidas por seus autores, como ações intersetoriais. Destacam-se experiências
em programas específicos que articulam educação, lazer e cultura ou ações intersetoriais
desenvolvidas no âmbito do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e ações na
ESF.
Os trabalhos apresentam uma dimensão interessante ao combinar metodologias de
investigação e intervenção ancoradas em diferentes abordagens, o que a nosso ver é uma
característica bastante positiva dos estudos interdisciplinares.
Como observamos por meio da nossa pesquisa bibliográfica o termo
intersetorialidade possui uma rica diversidade semântica, o que nos leva a acreditar que
este termo não tem sido definido com precisão. Evidencia-se na verdade um conjunto de
noções empregadas ao termo, que nem sempre estão articuladas, mas que tentam traduzir
processos complexos de intervenção na realidade social e organizar experiências e práticas
no âmbito da gestão das políticas públicas. Neste sentido, corrobora-se com Pereira (2014)
quando aponta que a imprecisão da intersetorialdiade é terminológica e não conceitual
tendo em vista que a intersetorialidade ainda não é um conceito definido, ou seja, não é uma
formulação teórica representativa dos fenômenos sociais captados pelo processo científico
de produção do conhecimento.
V. CONCLUSÃO
No âmbito empírico e teórico, os atores das políticas públicas tendem a definir a
intersetorialidade como modelo de gestão, considerada em sua dimensão política, e como
eixo orientador das ações profissionais, tentando imprimir em suas ações as noções
atribuídas ao termo. Todavia, alcançar esta integração no âmbito das práticas sociais tem se
tornado algo extremamente complexo. Observam-se esforços e experiências exitosas de
alguns gestores e profissionais que tentam consolidar estes empreendimentos como uma
boa prática de gestão e de implementação de muitas políticas. Entretanto, essas
experiências cruzam rígidos espaços de lutas, marcados historicamente pela separação
entre os setores, da fragmentação das políticas e das ações do Estado.
Apesar de verificarmos um movimento crescente na produção científica de
estudos sobre a temática na última década e de reconhecer a importância deste debate para
o campo das políticas públicas e para as práticas sociais, a constatação que a
intersetorialidade não é um conceito definido fica bastante evidente.
O desenvolvimento da nossa pesquisa bibliográfica evidenciou diferentes formas
de incorporação da ideia de intersetorialdiade em seus aspectos práticos, metodológicos e
“conceituais”. Advém também a perspectiva que a ideia de intersetorialidade tem
“remodelado” o debate em torno de várias questões, como a definição e enfrentamento da
pobreza, dos problemas relacionados ao meio ambiente, da saúde, da moradia, do
envelhecimento e das práticas sociais. Portanto, é concreta a constatação da imprecisão do
termo intersetorialidade como também a busca de compreendê-la em suas dimensões e
enquanto processo em curso.
A partir da leitura do conjunto desses trabalhos entendemos a intersetorialidade
como um campo conceitual, mesmo que em construção, mas que já possui uma direção
concreta no sentido de propor uma articulação, integração e compartilhamento de uma
agenda política, técnica e ética para as políticas públicas e para as práticas sociais.
Entendida, também, como um campo político, não apenas limitada às práticas de gestão,
mas um campo da proposição de ideias, princípios e diretrizes que devem orientar o
processo de construção das políticas públicas. E também como um campo metodológico
onde se integram as práticas sociais em suas várias dimensões de ordem objetiva, subjetiva
e culturais, representando de certa forma um verdadeiro “ethos” nas práticas que engendra.
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